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JOHN A. HOBSON A EVOLUÇÃO DO CAPITALISMO MODERNO UM ESTUDO DA PRODUÇÃO MECANIZADA Apresentação de Maria da Conceição Tavares Tradução de Benedicto de Carvalho Disponibilizado por Ronaldo DartVeiga

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  • JOHN A. HOBSON

    A EVOLUO DO CAPITALISMO MODERNO

    UM ESTUDO DA PRODUO MECANIZADA

    Apresentao de Maria da Conceio Tavares

    Traduo de Benedicto de Carvalho

    Disponibilizado por Ronaldo DartVeiga

  • FundadorVICTOR CIVITA

    (1907 - 1990)

    Editora Nova Cultural Ltda.

    Copyright desta edio 1996, Crculo do Livro Ltda.

    Rua Paes Leme, 524 - 10 andarCEP 05424-010 - So Paulo - SP.

    Ttulo original:The Evolution of Modern Capitalism:

    A Study of Machine Production

    Direitos exclusivos sobre a Apresentao de autoria deMaria da Conceio Tavares, Editora Nova Cultural Ltda.

    Direitos exclusivos sobre as tradues deste volume:Crculo do Livro Ltda.

    Impresso e acabamento:DONNELLEY COCHRANE GRFICA E EDITORA BRASIL LTDA.

    DIVISO CRCULO - FONE (55 11) 4191-4633

    ISBN 85-351-0913-7

  • APRESENTAO

    A Evoluo do Capitalismo Moderno Um Estudo da ProduoMecanizada a primeira obra de flego em Economia de John A.Hobson.1 Escreveu a primeira verso antes de seu trabalho mais fa-moso, o Imperialismo, que veio a inspirar Lnin e outros autores ins-critos na controvrsia das primeiras dcadas do sculo XX. Ao faz-lo,suas atenes estavam voltadas prioritariamente para as conseqnciassociais da acumulao de capital, problema que sempre o preocupou,tendo em vista o objetivo maior do estabelecimento a uma ordem socialhumana e justa. Em particular, a questo do subconsumo e do excessode poupana atraa-o, tendo sido por este caminho que iniciou sua longacarreira como economista vigoroso, criativo e essencialmente hertico.

    A segunda edio revisada (1906) de A Evoluo do CapitalismoModerno j incorpora, alm das contribuies de Marx e as de Sombart,o material relativo ao processo de concentrao da economia americana.Finalmente, na edio de 1916, acrescenta a experincia da PrimeiraGuerra, no que diz respeito interveno do Estado, e a sua viso dereformas necessrias para que o sistema capitalista do sculo XX setorne no apenas moderno, mas tambm mais coerente e socialmenteestvel. Como Hobson, nesta obra maior, est muito mais interessadona questo da dinmica interna do capitalismo, no trata a das relaesentre Economia e Poltica Internacional, evitando um equvoco em quecaram muitos autores da poca (e que ele mesmo cometeria mais tarde,no Imperialismo) de confundir a evoluo do capitalismo moderno comas aventuras polticas econmicas no exterior, as quais tm sido co-mumente associadas, nos ltimos oitenta anos, ao imperialismo.

    A leitura do ndice de matrias de A Evoluo do CapitalismoModerno uma verdadeira amostra da relevncia e abrangncia dos

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    1 JOHN ATKINSON HOBSON (1858-1940) deixou uma obra de mais de 30 volumes, dos quaisos mais importantes so este, que ora apresentamos, e o Imperialismo. Embora seja habitual-mente considerado um marxista fabiano, Hobson sofreu influncia de diversas correntes depensamento, de Marx a Sombart e Veblen. Seu carter profundamente hertico fez com quesua obra, por sua vez, influenciasse autores to pouco semelhantes como Lnin e Keynes.

  • temas tratados. uma mistura cuidadosa e detalhada de captuloshistricos e analticos que constitui um dos mais completos panoramasdo desenvolvimento capitalista at a sua poca. Mais do que isso, cobretodos os temas que ainda hoje so o paradigma da verdadeira anliseindustrial. Alm da sua importncia histrica, portanto, seu mtodobsico de anlise pode considerar-se moderno at hoje.

    Nos captulos iniciais (I, II, III, IV), Hobson estuda as origens docapitalismo e os seus instrumentos de expanso, em particular o desen-volvimento da maquinaria e dos mercados. No que diz respeito ao carterherico da teoria da inveno, rejeita, com apoio na histria, a hiptesede que as invenes surgem ex-abruptu e introduz o que hoje se chamariao learning by doing como o mtodo complexo de desenvolvimento tecno-lgico obtido sob presso das circunstncias industriais. A naturezacumulativa das invenes em indstrias correlatas antecipa as modernasteorias da convergncia industrial (ver captulo IV, 6).

    O ncleo do livro constitudo pelos captulos V a X, onde tratade forma original e pioneira a anatomia da grande empresa, da grandeindstria e do grande capital financeiro. Nesses captulos est o cerneda anlise do capitalismo moderno, sobre o qual nos deteremos commais vagar nos tpicos seguintes.

    Na questo dos salrios, discute sua relao ambgua com a pro-dutividade. verdade que uma elevao de salrios quase sempre aten-dida a partir de uma elevao da produtividade; mas a recproca no verdadeira. A parcela que vai para os salrios (se que alguma) dependedas condies e requerimentos da organizao do trabalho nas vriasindstrias. Assim, a economia de altos salrios que, segundo os autoresdo seu tempo (e do nosso), deveria acompanhar necessariamente o aumentoda produtividade na indstria mecanizada, s se verifica em forma ge-neralizada se se confundir com o poder de consumo das grandes massastrabalhadoras. Aqui, mais uma vez o exemplo americano usado parademonstrar que uma economia de altos salrios uma economia de altoconsumo e no de elevada poupana.2

    Infelizmente, as utopias sobre a nova sociedade socialista naproduo dos bens em grande escala que afetam o consumo das massas,mas individualista e criativa do ponto de vista da relao de trabalhocom o lazer, a arte e a produo intelectual no tiveram a menorvigncia em nenhuma sociedade conhecida at hoje. Essa viso pro-gressista de que a sociedade industrial traz em si os germes da novae boa sociedade faz parte do quadro de referncias de alguns socialistasfabianos ingleses, dos quais Hobson adepto. A liberdade de competioe de iniciativa particular na indstria e no comrcio das empresas vai

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    2 Hobson um precursor de Schumpeter e Keynes na demonstrao de que o crdito, e noa poupana, a mola financeira da acumulao capitalista. Para ele o excesso de poupanaacarreta subconsumo e superproduo. Adiante discutiremos a sua teoria do subconsumo.

  • a par com a nfase no carter pblico e socialista que devem ter osgrandes monoplios. Estes so considerados uma etapa necessria detransio para libertar os homens das necessidades mais prementes,que no se deriva nem se compadece automaticamente com o livrecomrcio. Hobson tem conscincia clara que o interesse privado, mesmoo mais esclarecido, pode aumentar a produo e o consumo capitalistade uma maneira descontrolada e que o laissez-faire no apenas umaconsigna obsoleta, mas falsa.

    As suas previses sobre a nacionalizao ou estatizao de certasindstrias estratgicas para o prprio desenvolvimento industrial e anatureza da interveno do Estado se verificam ao longo do sculo XXem praticamente todos os pases capitalistas europeus e do terceiromundo, embora em menor grau justamente na economia mais avan-ada: os Estados Unidos. O carter dessas previses parcialmenteconfirmado pelas suas concluses a partir do que ocorreu na PrimeiraGuerra Mundial e se viu reafirmado numa enorme extenso a partir daSegunda Guerra. Apenas o carter da sociedade no evoluiu segundo asua utopia humanstica. No entanto, tanto na anlise quanto no tipo dereformas que prope, Hobson continua um autor extremamente moderno.

    Concentrao, concorrncia e interdependnciados mercados

    Esses so os temas centrais de que trata Hobson ao examinarcom detalhes, nos captulos V e VI, o tamanho e a estrutura da empresamoderna e a estrutura dos mercados que decorrem do desenvolvimentoda grande indstria.

    Logo no incio do captulo V, encontra a evidncia emprica ne-cessria sua anlise da concentrao, sobretudo no 12 censo dosEstados Unidos. neste pas que a tendncia concentrao do capital(atravs do aumento da escala, em termos do valor do patrimnio, dasvendas e do emprego), encontra as suas maiores evidncias, tanto nossetores industrial e agrcola, altamente mecanizados, quanto nos se-tores comercial e financeiro (no mecanizados). Assim, no apenasa base tcnica que explica a tendncia para a concentrao do capita-lismo. Entre as foras que operam para levar o capital a agrupar-seem massas crescentes, Hobson destaca duas classes de fatores: no pa-rgrafo 10, lista os fatores de natureza tcnico-produtiva que derivamda crescente diviso do trabalho e crescente eficcia da energia pro-dutora, fatores estes que Marshall mais tarde classificaria como eco-nomias internas e externas; no pargrafo 11, trata daquilo que consi-dera mais importante, ou seja, as economias no poder competitivo dasgrandes empresas, as quais no se referem mais s economias tcnicasde escala, mas aos elementos que permitem operar em forma crescen-temente monopolista sobre o mercado. Assim, a propaganda, a co-mercializao, o monoplio de patentes, o poder de monopsnio sobre

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  • os mercados locais de trabalho e de matrias-primas aparecem comooutros tantos instrumentos para aumentar as vantagens, as margensde lucro e a capacidade de expanso da grande empresa.

    Depois de examinar a capacidade de sobrevivncia da pequenaempresa e quais os setores onde a tendncia concentrao maisvigorosa, Hobson termina o captulo explicando uma vez mais que aseconomias tcnicas de escala no so ilimitadas e que pode haver umamagnitude tpica de planta. Entretanto, essa no a questo central.Como ele mesmo diz: os limites reais concentrao de capital etrabalho em uma nica empresa, ao contrrio de uma nica planta,no decorrem, em grande medida, de consideraes de natureza tcnica,mas de administrao e de mercado. Por esta razo uma grande parcelade esforo intelectual engajado no mundo dos negcios est dirigida aexperimentar e a inventar mtodos administrativos, incluindo organi-zao empresarial e financeira, com o duplo objetivo de obter economiasde escala do lado do custo de oferta e, desta maneira, monopolizar econtrolar os mercados para impedir que estes ganhos passem ao con-sumidor pela competio entre produtores. ( final do captulo V.)

    Note-se que Hobson no incorre nos vcios estticos da teoria daconcorrncia monopolista, mais tarde desenvolvidos pelos discpulos deMarshall, j que toda a sua teorizao se baseia na viso dinmica daconcentrao como uma fora expansiva da produo e dos mercados. Ouseja, ele no acha que atravs da monopolizao os preos subam, ou queas plantas sejam utilizadas abaixo do timo, por comparao com aconcorrncia pura. O que deve subir a margem de lucro esperada, atravsde um maior controle de mercado, para o que indispensvel a produoem larga escala. A estratgia da empresa se destina a um maior controledo mercado, tentando baixar os custos dos insumos e dos produtos eaumentar o esforo de vendas sem alterar o preo.

    No captulo VI, Hobson trata da estrutura, diferenciao, inte-grao e interdependncia dos mercados (empresas e indstrias). Umavez mais a anlise de Hobson no esttica, como a de seus sucessoresacadmicos. Um nico preo competitivo uma caracterstica essencialpara testar a existncia de um mercado. Mas para formar parte deum mercado e ajudar a determinar o preo, uma empresa no precisaentrar ativamente no terreno da competio. O medo da concorrnciapotencial dos de fora muitas vezes mantm os preos muito abaixodo que eles poderiam subir, se no fosse pela crena de que uma ele-vao do preo (permitido por exemplo pelo monoplio de um produtoem certo mercado) tornaria ativo e efetivo o competidor potencial. Osmercados para certas mercadorias de uso mais geral tendem a am-pliar-se at se tornarem competitivos no plano mundial.

    Como se v, nada mais longnquo do que a teoria da determinaodos preos no mercado de concorrncia perfeita ou monopolista. Os ele-mentos para uma teoria do oligoplio, seja a de Bain ou de Labini, j

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  • esto presentes na anlise de Hobson. A produo em grande escala,a concentrao e a monopolizao no fazem desaparecer a concorrncianem tendem a dar ao mercado geral a forma particular de concorrnciamonopolista de que iriam tratar mais tarde Chamberlain e Joan Ro-binson. Pelo contrrio, essas formas particulares de mercado, que po-deriam ser imaginadas na vida provinciana ou nas clientelas especia-lizadas de pequenas lojas, tendem a desaparecer pela fora da grandeempresa que introduz novos mtodos de produo e expande e unificaos mercados. Assim, a concorrncia no desaparece mas se amplia coma produo em grande escala. Mais do que isso, os novos mtodos deproduo escala ampliam o espao e o tempo do mercado. A produoe a competio j no se guiam apenas pela quantidade e qualidade dasnecessidades presentes, mas so cada vez mais dependentes de clculossobre o consumo futuro. Uma parcela crescente da energia cerebral doshomens de negcios destinada a prever (calcular) as condies futurasdo mercado, e uma parcela crescente do trabalho dos homens e m-quinas, a prover bens futuros para demandas calculadas. (Ver 6.)

    A interdependncia dos mercados decorre da integrao e unifi-cao da indstria moderna. O sistema capitalista no apenas colocasob controle de um nico capital um nmero crescente de negcios eprocessos, mas tambm estabelece ligaes comerciais e unidade deinteresse entre empresas, negcios e mercados que se mantm distintos,do mesmo modo que sua propriedade e administrao. (Ver 7.)

    A diferenciao das funes do organismo industrial encontrauma expresso espacial na localizao de certas indstrias. Assim, adiviso internacional do trabalho d lugar diviso espacial da inds-tria, na qual cabe aos Estados Unidos e Europa Ocidental a especia-lizao em manufaturados, e da qual resultam reas do mundo (hojechamadas perifricas) submetidas correspondente especializao emagricultura e produtos extrativos.

    O subconsumo e a superproduo

    O carter dos mtodos indiretos de produo (roundabout), queaumentam o tempo de produo, tinham sido apontados por Bhm-Bawerk na sua Teoria Positiva do Capital e Hobson os cita explicita-mente. Mas, onde o autor austraco faz confuso entre o nmero maiorde etapas para a produo e o tempo efetivo (atual) de produo, Hobsoncoloca acento no carter especulativo ou elemento tempo do mercado.(Captulo VI, 6.) No a crescente complexidade no mecanismo deproduo o ponto central. Nem o tempo efetivo da produo industrial(entre o estgio de produo extrativa e o estgio das vendas a varejo)tende a ser maior; pelo contrrio, com os novos mtodos tende a sermenor. Tampouco existe o sacrifcio do consumo presente pelo con-sumo futuro. A aplicao do mtodo indireto s se justifica econo-micamente por um contnuo crescimento do consumo. Se temos em

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  • mente uma dada quantidade de consumo, o que o mtodo indireto faz diminuir a quantidade de capital necessrio para produzi-la. (Nota1, 6, captulo IV.) A poupana real no uma diminuio do consumoatual ou uma reduo da renda corrente, mas sim da renda futura. Arenda futura, porm, problemtica na sua realizao. Hobson mostraque o importante que os bens futuros, plantas, maquinaria e ma-trias-primas, so essencialmente bens contingentes:... sua utilidadesocial e o valor nela baseado depende inteiramente dos poderes futurose dos desejos de pessoas desconhecidas que se espera venham a comprare a consumir as mercadorias que sero produzidas como resultado daexistncia e atividade desses bens futuros. Assim, os mtodos indiretosde produo e a crescente interdependncia das indstrias e do mercadosignificam uma grande extenso do elemento especulativo no mercado,e uma demanda esperada de consumo muito superior demanda pre-sente. (Captulo VI, 6.) quando essa demanda no se realiza quese verifica o subconsumo ou a superproduo.

    So justamente o elemento tempo no clculo capitalista e o carterespeculativo da produo capitalista que tiveram influncia decisiva nateoria da demanda efetiva de Keynes, e no qualquer viso de subconsumoesttica, da qual no h vestgio na obra de Hobson. Tampouco o juro,como preo da espera, e a poupana real, como sacrifcio do consumopresente, elementos tericos da anlise neoclssica convencional, podemser encontrados na anlise dinmica do Capitalismo Moderno.

    Para Hobson, o juro , como fenmeno monetrio geral, o preodo dinheiro no mercado internacional. Ele no confunde o preo deuma mercadoria universal expresso geral da riqueza abstrata quetende a ter o mesmo valor em Londres, Nova York e Rio de Janeiro(sic) com a taxa de capitalizao, de clculo do capitalista financeiroque quer financiar com riscos e ganhos especulativos uma empresaprodutiva para fins de investimentos.3

    Em resumo, caberia perguntar: quais so os defeitos da anlisedinmica de Hobson? O principal problema analtico que fica prisio-neiro do esquema de produo indireta de Bhm-Bawerk (e no usa,por exemplo, o esquema de dois departamentos de Marx) como o queo sentido do fluxo produtivo unidirecional: da produo (direta eindireta) para o consumo (presente e futuro). Este parece ser realmenteum vcio neoclssico da Teoria da Produo que no leva a partealguma. Mas convm no esquecer que tambm Rosa Luxemburg (queusou o esquema dos departamentos e no comete esse erro) ignoroua advertncia de Marx que a produo capitalista se faz pelo e parao capital e que, nem em ltima instncia, se destina ao consumo. Oconsumo dos trabalhadores , como em Marx, apenas uma condio

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    3 Aqui tambm se percebe a influncia sobre Keynes para a construo do conceito de efi-cincia marginal do capital, e o papel das expectativas na determinao do investimento.

  • necessria da produo capitalista, ou, como em Keynes, uma compo-nente passiva da renda. O componente ativo no o consumo futuro,mas o investimento presente, decidido a partir da avaliao sobre ofuturo. E no o futuro do consumo, mas o da valorizao do capital.

    Na verdade, a questo da renda monetria e sua utilizao presente(consumo e poupana) versus a do gasto capitalista (investimento) ficoupor resolver at Keynes. Este, paradoxalmente, apesar de todos os ele-mentos dinmicos de sua anlise monetria e da avaliao capitalista,deu ao problema uma soluo formalmente esttica que lhe iria custaruma neoclassicizao posterior. Kalecki, por sua vez, resolve satisfato-riamente o problema dinmico da demanda efetiva (na mesma poca queKeynes) a partir da introduo do esquema departamental de Marx, masdemonstra que o esquema, por si s, insuficiente, apontando os erroscometidos por Rosa Luxemburg e Tugan Baranowski.

    A moderna escola inglesa de Cambridge, para a qual Hobson nopassava de um hertico inteligente que havia inspirado Keynes, tambmno tenta resolver o seu problema da instabilidade dinmica, deixadopendente por Harrod, atravs do desdobramento das condies do cres-cimento equilibrado (steady state). Tanto a questo dos mercados quantoa questo da instabilidade capitalista tiveram de esperar, para ser re-solvidas analiticamente, at a grande depresso de 1930. O fenmeno dadepresso, por sua vez, ficou esquecido nos anos de auge do ps-guerra,voltando, porm, a assombrar os tericos contemporneos.

    No essencial, Hobson acertou no seu diagnstico das tendnciasdepressivas peridicas do capitalismo e no concluiu, como tantos te-ricos do ps-guerra, que a monopolizao e o poder do grande capitaliriam permitir uma nova economia do controle que acabaria com ascrises capitalistas. Assim mesmo, a sua teoria do subconsumo, que analiticamente fraca, contm elementos tericos e histricos poderosose adequados para o entendimento do carter recorrente e crescente-mente mais grave das crises capitalistas. Como veremos a seguir, atendncia monopolizao no resolve, antes agrava, a tendncia sobreacumulao. O aumento do poder do grande capital sobre os mer-cados conduz ao problema de que ele obrigado a sair fora dos seuslimites, ou a destruir-se pela rivalidade e a desvalorizao que acom-panham uma recesso generalizada.

    Monopolizao do capital financeiro

    Nos captulos VII, VIII e IX, Hobson trata das vrias formas decombinao do capital na sua tendncia monopolizao, em particularda estrutura do cartel alemo e do poder econmico dos trustes naInglaterra e, sobretudo, nos Estados Unidos. Examina em geral osmecanismos da monopolizao e em particular como quase todos de-rivam de processos no-manufatureiros que esto conectados com agrande indstria (ferrovias, corporaes financeiras e corporaes de

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  • utilidade pblica). Finalmente conclui que embora as tarifas e outrasleis nacionais e costumes tendam a manter a estrutura do capitalismodentro de limites nacionais, foras poderosas se contrapem e forama internacionalizao capitalista.

    Dos exemplos que cita de trustes internacionais, poucos se man-tm at nossos dias, sendo o mais notrio da Standard Oil. Em com-pensao, a lista das corporaes industriais e financeiras, que so osfounding fathers do grande capital financeiro americano, citadas nocaptulo X, quando examina o papel da classe financeira, mantm-seat hoje na relao das maiores corporaes americanas. Foram elas,mais um seleto grupo de novas empresas (eltricas e automobilsticas),que deram lugar de fato ao grande capital internacional que acaboupredominando em todo o mundo, particularmente no ps-guerra.

    No captulo X, O Financista, Hobson aponta magistralmentepara os elementos bsicos que, ainda hoje, podem ser consideradosessenciais na estruturao econmica do grande capital monopolista.

    As mudanas radicais operadas na organizao industrial dagrande empresa vo acompanhadas do aparecimento de uma classefinanceira, o que tende a concentrar nas mos do que operam a m-quina monetria das sociedades industriais desenvolvidas, isto , dosgrandes bancos, um poder crescente no manejo estratgico das relaesintersticiais (intersetoriais e internacionais) do sistema. Assim, dizHobson, a reforma da estrutura empresarial base do capital coope-rativo, mobilizado a partir de inmeras fontes privadas e amalgamadoem grandes massas, utilizada em favor da indstria lucrativa pordiretores competentes das grandes corporaes. Hobson coloca o acentona classe financeira, enquanto retora estratgica da grande empresa,e no no fato de que estejam os bancos comprometidos com a gestodireta da empresa industrial. Em sua perspectiva, a solidariedade entrebancos e empresas se fazia simplesmente atravs da comunidade denegcios, j que, por sua forma peculiar de estruturao, a modernacompanhia americana tinha se tornado virtualmente possuidora detodo o espectro de atividades estratgicas do capitalismo: minas, trans-porte, banco e manufaturas.

    Na verdade, o que distingue essa forma de capital financeiro dasque a precederam historicamente o carter universal e permanentedos processos especulativos e de criao contbil de capital fictcio,prticas ocasionais e anormais na etapa anterior do capitalismo dis-perso. A natureza intrinsecamente especulativa da gesto empresarial,nesta modalidade de capitalismo moderno, traduz-se pela importnciacrescente das prticas destinadas a ampliar ficticiamente o valor docapital existente, tornando necessria a constituio de um enorme ecomplexo aparato financeiro. Segundo Hobson, uma companhia honestacostuma atribuir um valor separado aos ativos tangveis terra, edi-fcios, maquinaria, estoques etc. e aos ativos no tangveis, como

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  • patentes, marca, posio no mercado etc... No entanto, a estimativareal do valor dos ativos efetivamente calculada a partir de sua ca-pacidade de ganhos. Se os ativos tangveis podem ser avaliados peloseu custo de produo ou reposio, aqueles de natureza no tangvels podem s-lo atravs de sua capacidade lquida de ganho. Esta, porsua vez, s pode ser estimada como o valor capitalizado da totalidadedos rendimentos futuros esperados, menos o custo de reposio dosativos tangveis. aqui, neste ltimo elemento (ativos no tangveis),que reside a elasticidade do capital, comumente utilizada pela classefinanceira para ampliar a capitalizao para alm dos limites da capa-cidade real de valorizao. Dessa forma, a capacidade putativa de ganhode uma grande companhia, independentemente de como seja financiada,repousa fundamentalmente no controle dos mercados, na fora de suasarmas de concorrncia, e , portanto, mesmo amparada em mtodos avan-ados de produo, altamente especulativa em seu valor presente.

    Ao ressaltar o elemento especulativo da finana moderna, Hobsonadverte, no entanto, para o fato de que a classe financeira s especulanos mercados de capitais ou de dinheiro com ganhos excedentes queresultam de suas prticas monopolistas em negcios bem administrados(industriais ou mercantis) ou, ento, com os resultados acumulados desuas bem-sucedidas especulaes passadas. Entre estas incluem-se tan-to as praticadas nos mercados de capitais quanto as exercidas atravsda manipulao de preos das mercadorias, em particular de mat-rias-primas sob seu controle. A ampliao e consolidao dessas pr-ticas, do ponto de vista do conjunto da economia monopolista, s podeter livre curso com o alargamento do crdito. Quando nos damos contado duplo papel desempenhado pelos bancos no financiamento das grandescompanhias, primeiramente como promotores e subscritores (e freqen-temente como possuidores de grandes lotes de aes no absorvidas pelomercado) e, em segundo lugar, como comerciantes de dinheiro descon-tando ttulos e adiantando dinheiro torna-se evidente que o negciodo banqueiro moderno a gesto financeira geral (general financier) eque a dominao financeira da indstria capitalista exercida fundamen-talmente pelos bancos. E, medida que o crdito vai se tornando a foravital dos negcios modernos, a classe que controla o crdito vai se tornandocada vez mais poderosa, tomando para si como seus lucros umaproporo cada vez maior do produto da indstria.

    A grande empresa americana constri seu poder monopolista so-bre o carter intrinsecamente financeiro da associao capitalista quelhe deu origem. dessa dimenso, mais do que da base tcnica, quese deriva a capacidade de crescimento e de gigantismo da organizaocapitalista trustificada. Conquista de novos mercados, controle mo-nopolista de fontes de matrias-primas, valorizao fictcia do capital,tendncia irrefrevel conglomerao, tudo isso est inscrito na matrizoriginria da grande corporao americana. E esta se desenvolve apoia-

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  • da em dois pilares: a finana e o protecionismo e privilgios concedidospor seu Estado liberal.

    Qualquer forma de capital trustificado conduz necessariamente auma concentrao de capital financeiro que no pode ser reinvestido dentroda prpria indstria trustificada. Deve expandir-se para fora. Os novoslucros tm que ser transformados em capital financeiro geral e dirigidospara a formao e financiamento de outras grandes empresas. Assim, oprocesso de concentrao e consolidao monopolista avana de formageneralizada em todos os ramos industriais onde prevaleam mtodos deproduo capitalista. Por maior que seja a extenso do espao nacionalmonopolizado e protegido pelo Estado nacional, como era o caso dos EstadosUnidos, a expanso contnua dos lucros excedentes obriga a busca demercados externos, tanto para as mercadorias quanto para os investi-mentos diretos e exportao financeira de capital.

    A esta altura parece interessante uma comparao da anlisede Hobson com a de Hilferding sobre o capital financeiro. Por possuiruma viso mais compreensiva do funcionamento de vrios sistemasfinanceiros, em particular do ingls e do americano, que so mais de-senvolvidos do que o alemo, Hobson faz uma anlise mais rica efuncionalmente mais detalhada sobre o papel do financista moderno.Assim, por exemplo, trata melhor do que Hilferding os ganhos de fun-dador do sistema financeiro quando lana aes novas numa companhiaou quando promove a valorizao das j existentes. Esta, porm, no a questo central. Ambos os autores tratam de forma abrangente aanlise do capital financeiro em suas relaes com a indstria e agrande empresa. A principal diferena reside na natureza do conceitode capital financeiro. Este corresponde em Hilferding a uma visoda totalidade orgnica do grande capital, enquanto Hobson realizauma operao mais complexa de decomposio e efetiva tambm umatransposio. Em vez do conceito globalizante de capital financeiro,identifica uma classe especial de capitalistas financeiros (e no-rentis-tas como em Keynes, ou meros especuladores) que exerce uma domi-nao financeira sobre a indstria capitalista. verdade que o capitalfinanceiro tambm resulta da fuso de interesses do capital industrialcom o bancrio para promover o grande capital monopolista, como emHilferding. Tampouco na morfologia do cartel alemo, distinta dotruste americano, que se deve buscar a diferena, mas sim no papeldominante que exercem os banqueiros, transformados numa classe es-pecial de financistas, na orientao e crescimento da grande indstriacapitalista. No se trata, porm, de uma relao orgnica, mas sim deuma relao funcional de dominao. Hobson tinha em vista uma re-lao interna de dominao que se tornaria geral mas no orgnica.Ele fala em solidariedade de interesses financeiros da comunidade denegcios, mas no a considera completa: em muitos casos ela representauma aliana, informal e temporria, no uma fuso. Da que essa forma

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  • endgena de dominao tende a transformar-se em parasitismo sobrea indstria. O destino interno do monopolismo do capital financeiro tornar-se parasita, embora sua origem tenha sido, tambm, como emHilferding, o surgimento de um poder novo e superior, oriundo do con-trole nas mesmas poucas mos das fraes mais importantes do grandecapital americano: transporte, indstria e bancos.

    Hilferding tinha em mente uma forma superior e transformadado capitalismo da qual derivaria o imperialismo como poltica externae agressiva do grande capital financeiro. Mas em Hobson a supremaciado grande capital americano no decorre da forma de dominao externada classe financeira, seno das caractersticas de sua dominao internae sobretudo do potencial expansivo do grande capital, incapaz de sercontido, dada a tendncia sobreacumulao, nos limites das fronteirasnacionais de um pas, por maior que seja o seu mercado.

    A contribuio fundamental de Hobson

    Hobson foi um dos primeiros a perceber que o capitalismo modernotem sua sede privilegiada nos Estados Unidos. Fazendo parte do conjuntode grandes autores do comeo do sculo que escreveram sobre o imperia-lismo pensando na velha Inglaterra, foi o nico a ter considerado os EstadosUnidos e no a Alemanha, a Inglaterra, ou a Europa em geral ocentro dominante do capitalismo moderno. Esse deslocamento da anlisedo processo de concentrao e monopolizao do capital particularmenteinteressante na medida em que representa uma fuga ao europocentrismoclssico. Hobson no v os Estados Unidos como um prolongamento docapitalismo europeu, assim como no v o monopolismo americano comouma etapa superior que se segue ao capitalismo competitivo. FoiLnin, preocupado com a rivalidade europia e com a possibilidade deser a Rssia o elo frgil do sistema capitalista mundial, que usou oImperialismo de Hobson, um livro estimulante, embora com equvocosgraves, como base para sua prpria anlise. Por outro lado, Schumpeterconsagrou a idia das duas etapas, a do capitalismo disperso concor-rencial e a do capitalismo trustificado monopolista, sem espacializara sua anlise, nos seus primeiros textos. S depois de sua mudanapara os Estados Unidos, j em plena Segunda Guerra Mundial, quese deu conta de que aquele era o pas da segunda etapa.

    No Capitalismo Moderno, Hobson est tentando fazer histriaanaltica e contempornea da evoluo do capitalismo e como tal spodia chegar aos Estados Unidos. Ao contrrio, ao escrever o Imperia-lismo, estava escrevendo uma histria apaixonada do passado ingls.Ao tentar explicar a importncia das exportaes de capitais para man-ter o fraco dinamismo da indstria inglesa, comete uma transposiodas suas teses de subconsumo, alm de atribuir ao colonialismo umpapel relevante para obter mercados externos. O que j era (passado)obscurece o que est ocorrendo, e Hobson l mal as suas prprias

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  • sries de exportao de capitais ingleses. Estas foram mais importantespara os grandes pases produtores de matrias-primas os EstadosUnidos, a Argentina, a Austrlia e depois o Brasil do que para ascolnias inglesas. a histria da velha diviso internacional de trabalhocom origem no centro ingls, e no o colonialismo, que explica o dina-mismo do comrcio e da exportao de capitais escala mundial.4

    O Capitalismo Moderno, porm, desemboca nos Estados Unidos,antes mesmo que ocorra a mudana dos centros de que falam Prebische Nurkse.5 uma histria endgena do surgimento de um grandecapital industrial e financeiro novo, que nasce sem os apoios externosrelevantes do velho capital e indispensveis manuteno da situaoimperial da velha Inglaterra. Disto trata Hobson com bastante cla-reza: a grande indstria, a grande agricultura de alimentos, o grandecomrcio, as grandes ferrovias e os grandes bancos americanos nascemjuntos num intervalo de tempo relativamente breve e apoiando-se numespao econmico continental unificado pela fora de organizao em-presarial americana. O apoio externo do capital financeiro ingls sedirigiu mais aos velhos Estados Unidos, produtor de matrias-primas,do que nova economia das grandes corporaes americanas.

    Para a unificao do espao econmico continental americano con-triburam de forma decisiva as ferrovias, em torno das quais se organizaramas operaes mercantis e financeiras das primeiras grandes corporaes.Mas Hobson no se engana sobre a verdadeira natureza do grande capitalamericano. Ele tem claro que, se bem as ferrovias e a monopolizao daagricultura e do comrcio que acompanharam a expanso ferroviria sejamelementos decisivos do processo de constituio do grande capital americano,este se desenvolve a partir da com apoio na fuso de interesses da grandeindstria com o capital bancrio, sob a gide de uma classe financeirageral que promove a conglomerao e a diversificao das atividades pro-dutivas fundamentais. Assim, quando as ferrovias desaparecem como ele-mento de expanso, e so substitudas por um novo sistema de transporteautomobilstico, no monoplio do petrleo e na criao de um espaometropolitano que a nova indstria automobilstica iria se afirmar comouma grande indstria, destinada a converter-se, juntamente com a de ma-terial eltrico, no setor que lidera o crescimento industrial da nova era,bem como a expanso internacional aps a Segunda Guerra Mundial. a fora do grande capital e da classe financeira americana que determinaa sua expanso e diferenciao, e no a superioridade tecnolgica inicial

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    4 Ver a este respeito o artigo clssico de Nurkse, Patterns of trade and development (atraduo brasileira est em Savasini, Malan e Baer, Economia Internacional, srie ANPEC,Ed. Saraiva, So Paulo, 1979).

    5 Ver PREBISCH. O Desenvolvimento Econmico da Amrica Latina e seus Principais Pro-blemas. In: Revista Brasileira de Economia. Setembro de 1949.

  • do sistema manufatureiro americano, como querem vrios autores queatribuem ao progresso tcnico o papel desencarnado de Deus ex-machina.

    A supremacia e a permanncia do grande capital americano, queat hoje mantm os mesmos nomes no topo da lista mundial das grandesempresas, no se deve apenas morfologia mais flexvel da corporaoamericana, mas anatomia da organizao industrial e fora expansiva,em termos de diferenciao produtiva, do grande capital americano. nainternacionalizao do capital americano, como resultante do seu potencialde acumulao e da sua tendncia unificao de mercados, que deveser buscada a tendncia moderna transnacionalizao, e no na polticaagressiva (imperialista) do capital financeiro americano.

    Na verdade, a questo do imperialismo americano requer, paraser entendida, uma discusso mais sria do problema da hegemoniaexterna dos Estados Unidos quando se converte em potncia dominante escala mundial, no apenas em termos industriais e financeiros, mastambm em termos militares, diplomticos e ideolgicos. Em verdaderequer a derrota dos outros imperialismos, o surgimento da URSS,a descolonizao do terceiro mundo e o restabelecimento de uma novahegemonia mundial do sistema capitalista. Uma vez mais no se tratados apoios, coloniais ou semicoloniais externos, nem de uma simplesmudana dos centros, dos padres de comrcio ou da diviso inter-nacional do trabalho. O sentido historicamente distinto da Pax Ame-ricana, em contraste com a Pax Britannica, vai muito alm do quedisseram quaisquer dos autores que trataram do fenmeno imperia-lismo no comeo do sculo, inclusive Hobson.

    A anlise de Hobson em A Evoluo do Capitalismo Modernotem, porm, a vantagem de no precisar ser rejeitada ou modificadapara se examinar a questo da organizao industrial moderna e atendncia internacionalizao. Nesse sentido, a atualidade de seumtodo, j frisada no incio desta apresentao, faz com que Hobsonseja simultaneamente um economista industrial, no sentido modernoda palavra, e um economista poltico, no sentido clssico.

    Maria da Conceio Tavares

    Maria da Conceio Tavares(Portugal, 1931) formou-se em Cin-cias Matemticas pela Universidadede Lisboa (1953) e em Cincias Eco-nmicas pela Universidade Federaldo Rio de Janeiro (1960).Naturalizada brasileira em 1957,ps-graduou-se em DesenvolvimentoEconmico pela CEPAL, entrandopara o quadro das Naes Unidas em1962 e servindo em vrios pases da

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  • Amrica Latina at 1975. Neste mes-mo ano concorreu Livre-docnciada FEA-UFRJ com a tese Acumula-o de Capital e Industrializao noBrasil. Em 1978 defendeu a tese Ci-clo e Crise o Movimento Recenteda Indstria Brasileira, obtendo o t-tulo de Professor Titular na Cadeirade Macroeconomia da FEA-UFRJ,na vaga aberta pela aposentadoriado Prof. Octavio Gouva de Bulhes. tambm Professora Titular naUNICAMP desde 1973, onde ajudoua fundar o programa de Ps-gradua-o em Economia. Entre seus nume-rosos trabalhos publicados no Brasile no exterior, destaca-se o livro DeSubstituio de Importaes ao Ca-pitalismo Financeiro, publicado pelaEditora Zahar em 1972 e j na 11edio. Foi Presidente do Institutodos Economistas do Rio de Janeirode 1980 a 1982 e Coordenadora do1 programa de mestrado em Econo-mia da FEA-UFRJ (1979-1890). Aju-dou a fundar o Instituto de EconomiaIndustrial da UFRJ, no qual pes-quisadora e professora ps-graduada.

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  • JOHN A. HOBSON

    A EVOLUO DO CAPITALISMO MODERNO*

    UM ESTUDO DE PRODUO MECANIZADA

    Traduo de Benedicto de Carvalho

    * Traduzido de The Evolution of Modern Capitalism: A Study of Machine Production. Londres,George Allen & Unwin Ltd., reimpresso de 1949. (N. do E.)

  • PREFCIO NOVA EDIO,ATUALIZADA

    No longo Captulo Suplementar, acrescentado a esta nova ediode A Evoluo do Capitalismo Moderno, esforcei-me para delinear eilustrar os principais movimentos do comrcio e da indstria, caracte-rsticos do primeiro quarto do sculo XX. Na primeira parte do captulo,tratei fundamentalmente dos movimentos anteriores Grande Guerra,embora, em alguns casos, tenha introduzido registros estatsticos deacontecimentos ocorridos at o momento atual. , entretanto, evi-dente que o perodo da guerra (1914-1918) traz uma clivagem decisivana histria econmica e geral, tendo o modo, a direo e a marcha dodesenvolvimento capitalista sofrido grandes mudanas em conseqn-cia da guerra e suas seqelas polticas e econmicas. Foi um perodode distrbios, recuperao e reajustamentos.

    A nova disposio das fronteiras e controles polticos, no s naEuropa como na frica, sia e no Pacfico, afetou o desenvolvimentoindustrial e as rotas comerciais.

    As polticas dos Estados, durante a guerra e depois dela, tiveramimportantes reaes sobre o relativo crescimento industrial e sobre aestrutura das empresas, estimulando de forma incomum as combina-es e associaes que sempre modificam e freqentemente desordenamo sistema competitivo.

    O novo desenvolvimento da energia eltrica para utilizao nostransportes, na indstria e nas casas j est provocando mudanas,no s na estrutura industrial como na importncia relativa das reasindustriais do mundo. A energia hidrulica e do petrleo so vistascomo determinantes de poder econmico. As avaliaes atuais de podereconmico, em termos de carvo, ferro, comrcio exterior etc., do al-gumas indicaes valiosas sobre deslocamentos de riqueza nas naesindustriais avanadas em particular, sobre a nova posio ocupadapelos Estados Unidos como potncia financeira e econmica. As difi-culdades e os distrbios do ps-guerra fizeram amadurecer velhos pro-blemas e revelaram novos, no campo da finana internacional, do con-

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  • trole dos pases atrasados, dotados de ricos recursos naturais, e dasrelaes entre o capital e o trabalho, nos diversos pases e na esferainternacional. Ofereo um breve subsdio para a soluo desses pro-blemas, em termos de fatos e cifras, como contribuio para uma pre-viso especulativa do capitalismo no futuro prximo.

    J. A. Hobson

    Maio, 1926

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  • PREFCIO EDIO REVISTA

    Esta edio, nova e ampliada, de A Evoluo do CapitalismoModerno contm acrscimos e alteraes to grandes que a constituemefetivamente em um novo livro.

    Os captulos que tratam das foras de concentrao na indstriamoderna, do crescimento das Combinaes, Trustes, Cartis etc. naindstria, foram inteiramente reescritos. Fez-se grande uso de mate-riais recentes, ingleses e norte-americanos, e deu-se muita ateno aosnovos desenvolvimentos do capitalismo nos transportes e nas indstriasde transformao dos Estados Unidos.

    No Captulo X, apresenta-se uma anlise da posio ocupadapelo financista na indstria moderna, com exemplos sobre recentesdesenvolvimentos na frica do Sul e na Amrica.

    Embora a maior parte da matria dos primeiros captulos hist-ricos da primeira edio tenha sido conservada, foram introduzidasnumerosas emendas e adies, alm de um captulo introdutrio sobrea Origem do Capitalismo Moderno, amplamente baseado nas pesquisasdo grande trabalho do Prof. Sombart, Der Moderne Kapitalismus.

    Com referncia aos materiais relativos s combinaes capitalis-tas ocorridas na Gr-Bretanha, desejo manifestar o meu mais profundoreconhecimento aos escritos do Sr. W. H. Macrosty, cuja compilao eanlises de exemplos constituem a melhor reserva de informao. Quan-to a materiais norte-americanos recentes relativos a trustes, fiz amplouso dos relatrios da Comisso Industrial e dos escritos do Prof. RichardEly e do Prof. Jeremiah Jenks.

    J. A. Hobson

    Agosto, 1906

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  • CAPTULO I

    A Origem do Capitalismo Moderno

    1. As condies essenciais do capitalismo.

    2. Repositrios medievais de riqueza.

    3. As rendas, como origem do capital primitivo.

    4. O tesouro, como base monetria.

    5. Nobres, burgueses e funcionrios os primeiros empresrios.

    6. Os primrdios da explorao colonial e do trabalho forado.

    7. O surgimento do proletariado britnico, constitudo de agri-cultores expropriados.

    8. Movimento similar na Europa continental.

    9. O lento crescimento do uso da maquinaria.

    10. O esprito do racionalismo econmico.

    11. As causas da primazia da Inglaterra no capitalismo.

    1. O Capitalismo pode ser provisoriamente definido como aorganizao da empresa em larga escala, por um empregador ou poruma companhia formada por empregadores, possuidores de um estoqueacumulado de riqueza, destinada a adquirir matrias-primas e instru-mentos e a contratar mo-de-obra, a fim de produzir uma quantidademaior de riqueza, que ir constituir lucro. Onde quer que, no cursoda histria, tenha-se verificado uma conjuno de certas foras econ-

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  • micas e morais essenciais, existiu, sob determinada forma e grandeza,uma indstria capitalista. Essas condies essenciais podem ser assimenumeradas:

    Primeiro, produo de riqueza no necessria para satisfazeras necessidades correntes de seus possuidores e, conseqente-mente, poupada.

    Segundo, existncia de um proletariado, ou classe trabalhadora,despojado dos meios de ganhar a vida de forma independente, apli-cando sua capacidade produtiva de trabalho em materiais dos quaiseles podem apropriar-se livremente comprar ou alugar con-sumindo ou vendendo o produto em seu prprio proveito.

    Terceiro, tal desenvolvimento dos ofcios artesanais, capaz de, commtodos indiretos de produo, assegurar emprego lucrativo a gruposde trabalho organizados, utilizando instrumentos ou maquinaria.

    Quarto, existncia de mercados grandes e acessveis, consti-tudos de populaes desejosas de consumir os produtos da in-dstria capitalista, e economicamente capacitadas para isso.

    Quinto, existncia de esprito capitalista, isto , desejo e ca-pacidade de aplicar riqueza acumulada, com o objetivo de lucro,por meio da organizao de empreendimento industrial.

    No existem, evidentemente, conjuntos de condies inteiramenteindependentes. Ao contrrio, eles esto intimamente relacionados entresi. As causas que favorecem a acumulao de riqueza em uma classeou outro grupo social, numa nao, normalmente contribuem para aformao de uma classe trabalhadora proletria. A existncia de umapopulao capaz de gerar novas necessidades no s contribuir parafomentar a acumulao, criando a possibilidade de grandes vendaslucrativas, como tambm estimular o desenvolvimento dos ofcios ar-tesanais, que por sua vez reagiro sobre o pblico consumidor, dandoorigem a novas necessidades. Tal atmosfera de progresso tcnico, tantona produo como no comrcio, cultivar a vontade e a capacidade daorganizao capitalista.

    2. As formas assumidas pelo empreendimento capitalista dife-rem amplamente, de acordo com o desenvolvimento relativo dessasforas ou condies constituintes.

    A menos que consideremos empreendimentos capitalistas as ex-pedies militares e navais de pilhagem, s quais se atribui uma parteto grande das acumulaes no Mundo Antigo e no decorrer da IdadeMdia, a rea do antigo capitalismo resumia-se virtualmente a certasobras pblicas ou semipblicas, como palcios, templos, tmulos, cas-telos e outros edifcios construdos com fins de ostentao ou defesa;

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  • construo de estradas, canais e outras melhorias permanentes notransporte; minerao, principalmente de metais preciosos; e a certosramos do comrcio com regies distantes, dispendiosos e arriscados. Amo-de-obra escrava ou servil, aplicada ao cultivo do solo, pode tambmser considerada uma espcie de capitalismo dos tempos antigos. OMundo Antigo possui poucos traos do ramo mais caracterstico docapitalismo moderno a manufatura em grande escala.

    At o fim do que denominamos Idade Mdia, no existia nenhumadas condies classificadas por ns como essenciais ao amplo e geraldesenvolvimento do capitalismo, e duas delas, pelo menos, no assu-miram dimenses considerveis at o sculo XVIII.

    Ao delinear sumariamente o surgimento dessas foras no mundomoderno, daremos destaque s caractersticas particulares do capita-lismo moderno, como forma diferente do antigo capitalismo, ao mesmotempo que faremos uma explanao sobre o rpido crescimento daeconomia capitalista.

    Em sua elaborada pesquisa das fontes de acumulao da Idade Mdia,Sombart encontra cinco repositrios principais de riqueza acumulada:

    1) O tesouro papal de Roma, constitudo pelas contribuies dosfiis, e enormemente aumentado durante o perodo das Cruzadas.

    2) As ordens dos cavaleiros em primeiro lugar a dos Tem-plrios cujos estabelecimentos se estenderam por todo o mundoconhecido, da Grcia a Portugal, da Siclia Esccia.

    3) Os tesouros reais da Frana e da Inglaterra.

    4) Os postos mais elevados da nobreza feudal.

    5) Os fundos pblicos de centros comerciais importantes, taiscomo Veneza, Milo, Npoles em primeiro lugar seguidospor Bolonha e Florena na Itlia, Paris, Londres, Barcelona, Se-vilha, Lisboa, Bruges, Gante (mais tarde, Anturpia), Nurember-gue e Colnia.6

    Se procurarmos as origens reais dessas primeiras acumulaes,iremos encontr-las na terra, nos arrendamentos agrcolas e nos alu-guis dos terrenos urbanos, na explorao das minas e na descobertaou pilhagem de antigos tesouros orientais. Na Idade Mdia, o comrciointerno e os ofcios artesanais nunca foram seno meio de ganhar avida sua escala e as condies em que eram realizados no forneciamnenhum campo para acumulaes considerveis. Embora, nos ltimosperodos da Idade Mdia, o comrcio colonial e o emprstimo de dinheiroproduzissem grandes lucros, o fato que esses processos pressupunham

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    6 Der Moderne Kapitalismus. Livro Segundo. Cap. X.

  • a existncia de grandes acumulaes, essenciais s suas operaes;alm disso, a anlise ulterior do comrcio colonial e do emprstimo dedinheiro leva concluso de que o trabalho da terra a fonte funda-mental de seus lucros.

    3. O alicerce histrico do capitalismo a renda, o produto dotrabalho da terra, que excede aquilo que necessrio para o sustentodos trabalhadores; esse excedente pertence, por fora poltica ou eco-nmica, ao rei, ao senhor feudal ou proprietrio da terra, que podemconsumi-lo ou estoc-lo.

    Por meio de impostos e taxas, multas, arrendamentos, ou mesmocontribuies voluntrias, o rei, a Igreja e o senhor de terras podiamretirar do cultivo da terra o produto excedente do solo mais frtil e amaior parte do aumento da produtividade da agricultura, decorrentedo emprego de mtodos aperfeioados de cultivo. Para extrair o mximopossvel desses excedentes naturais, em proveito do chefe poltico oueconmico, desenvolveram-se sistemas de taxao e de regulamentaoda posse da terra. Todavia, esse poder de arrancar aos agricultoresgrande quantidade do produto, embora conferisse ao proprietrio daterra ou ao senhor feudal grande controle sobre a riqueza excedente para seu consumo pessoal e o de um grupo de dependentes deso-cupados por si s nada lhe permitia acumular, pois a riqueza recebidadesse modo consistia quase inteiramente em bens perecveis; mesmoo trabalho forado, que ele s vezes extorquia em lugar de produtos,era necessariamente aplicado sobretudo na construo de edifcios, es-tradas, pontes etc., que, embora de utilidade mais duradoura, poucopodia contribuir para a acumulao requerida pelo capitalismo.

    Ao produto excedente da agricultura, preciso acrescentar asrendas das terras urbanas. Embora, nas condies primitivas, o co-merciante ou o arteso das pequenas cidades raramente pudesse tirardos seus lucros poupana suficiente para tornar-se, ao menos, um usu-rio local, o florescimento de pequenas cidades, por menores que fossem,rendia ao dono da terra na qual elas se erguiam certo nmero depequenas rendas, cujo crescimento se transformou numa fonte consi-dervel de riqueza. Da mesma forma que em seus domnios rurais onobre feudal podia extorquir dos camponeses os frutos de uma agri-cultura aperfeioada e de um governo mais eficiente, ele podia tirarde suas terras urbanas o valor dos aperfeioamentos nos ofcios arte-sanais. Os primrdios das riquezas nas cidades consistem em aluguisda terra acumulados.7

    Pesquisas nos registros da histria antiga das cidades em for-mao mostram que, em quase todos os casos, os primeiros capitalistas

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    7 Ver SOMBART. v. I, p. 291.

  • so representantes das famlias que originalmente tinham a posse dosolo em que a cidade foi construda. Os proprietrios da terra contro-lavam necessariamente o traado das ruas; o moinho, a ferraria, osmercados eram feitos ou controlados por eles; casas, barracas e oficinaseram freqentemente construdas por eles. Os incrementos dos valoresurbanos vinham parar em suas mos por meio de contratos de arren-damento hereditrios ou vitalcios, ou a prazo fixo; enquanto isso, asvendas ou reaquisies dessas terras urbanas colocavam grandes somasnas mos da aristocracia agrria, que j no sculo XIII, na Itlia eem Flandres, se encontrava na posio de grandes capitalistas.

    Foi uma sangria constituda de pequenas partculas de tra-balho, lenta, gradual e despercebida pela populao trabalhadora,que, no decorrer do tempo, viria a constituir os alicerces da eco-nomia capitalista.8

    Ponto importante a estabelecer que seja a indstria que sebeneficie dos excedentes (o que excede s necessidades de subsistnciado trabalhador), seja a agricultura ou o artesanato e comrcio urbanos o primeiro instrumento de apropriao a propriedade da terra.

    4. Precisamos, porm, examinar outra espcie de trabalho daterra, para estabelecer a condio tcnica da verdadeira acumulao.O pagamento em espcie, de rendas relativas a terras rurais ou urbanas,no podia fundar o capitalismo. A descoberta e a apropriao dos metaispreciosos so essenciais para a consecuo desse objetivo. necessrioque o poder original de extrair rendas tenha sido monetizado, paraque a posse de capital, por si s, possa transformar-se numa base delucro. Enquanto os tesouros puderam ser obtidos e mantidos na Eu-ropa Ocidental, o capitalismo moderno no pde receber um impulsorealmente considervel. Os primeiros tesouros pblicos estavam noOriente, e durante o incio da Idade Mdia o intercmbio ocidentalcom essas velhas civilizaes implicou uma drenagem constante demetais preciosos rumo ao Oriente, em pagamento pelas mercadoriasque entraram na Europa por meio de comrcio levantino. Embora aAlemanha e o Imprio Austro-Hngaro tenham produzido considerveisquantidades de ouro e prata, estas foram parar no Oriente, pelas mosdos mercadores italianos. S depois que o colapso do Imprio Bizantinoabriu o mar Egeu e a costa asitica ao saque e explorao dos gover-nantes e mercadores italianos a mar comeou a mudar, conseguindoa Europa Ocidental o suprimento de dinheiro exigido como base parao capitalismo.

    Os historiadores econmicos desvirtuam freqentemente o papel

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    8 Ibid., v. I, p. 268.

  • desempenhado pelo dinheiro. O desenvolvimento de minas e grandeproduo de metais preciosos contribuem para o surgimento do capi-talismo, no sentido de que do aos possuidores desses metais preciososo poder de desviar para canais de produo indireta a energia industrialexcedente, arrancada aos produtores sob a forma de impostos, taxas,arrendamento etc. Um desenvolvimento suficiente da agricultura e deoutros ofcios artesanais um pr-requisito para a existncia desseexcedente. A existncia de metais preciosos em uma comunidade pos-sibilita o aparecimento e a atuao da figura conhecida como empre-srio, que dirige o fluxo da energia industrial suprflua da produoimediata de mercadorias para a produo mediata; ou, em outras pa-lavras, da produo direta da riqueza dos consumidores para a produode bens de capital industriais e comerciais. Isso no ocorre necessa-riamente como resultado da descoberta do ouro e da prata, nem mesmonum Estado razoavelmente civilizado. Os donos de riqueza obtida coma explorao de minas podem utiliz-la, e freqentemente a utilizam,sobretudo para fins de ostentao e decorao. Mas aliado a esse usoest o reconhecimento de outro uso para os metais preciosos e jias uma reserva de valor, que oportunamente pode dar ao possuidorcontrole sobre outras formas de riqueza e sobre a energia dos homens.

    Essa acumulao de tesouro, nas mos de reis, nobres e nascidades, surge primeiramente com o propsito de preparar a guerradefensiva ou ofensiva. Para a defesa e o ataque, necessrio mantere equipar rapidamente grandes contingentes humanos, fornecer-lhesarmas, navios e outros equipamentos de guerra dispendiosos; a formamais primitiva de grande empreendimento que se aproxima da inds-tria capitalista o equipamento de expedies terrestres e martimaspara a conquista e o saque. Os primeiros fundos, tanto dos monarcascomo das cidades da Itlia, na Idade Mdia, foram destinados princi-palmente para a guerra e nela utilizados.

    Enquanto o produto excedente do trabalho passava sob a formade impostos, taxas e arrendamentos para as mos de reis e nobres,assim como para a Igreja, para as Ordens e para os fundos urbanos,fosse para ser consumido em luxo ou acumulado como tesouro, nopoderia dar origem ao capitalismo.

    5. Foi essencial, para isso, que volumes excedentes dessa riquezapassassem para as mos de empresrios, que fariam dela uma basede uso lucrativo. Ora, os registros parecem indicar duas origens prin-cipais dessa classe.

    O surgimento do grande poder mercantil das cidades italianasindica claramente uma origem o ingresso da aristocracia agrriana vida urbana e nas ocupaes burguesas. Com o desenvolvimentode uma ordem mais bem estabelecida no pas e de hbitos de vidamais refinados e luxuosos, uma parte da nobreza agrria foi estabe-

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  • lecer-se nas cidades, levando consigo seus registros de rendas e com-prando mais terras urbanas. Isso aconteceu especialmente com as ca-madas mais jovens da nobreza, que, no estando mais inteiramenteengajadas na guerra, buscaram a vida das cidades. Essa fuso da no-breza agrria com a vida da cidade surgiu mais cedo e mais livre nosEstados italianos e flamengos do que na Frana ou Alemanha, e aquantidade maior de dinheiro trazida dessa forma para as cidades,pela monetizao das rendas de suas propriedades, contribuiu, e nopouco, para o desenvolvimento antecipado de grandes empreendimentoscomerciais, tendo frente atacadistas italianos e flamengos. Tambmna Inglaterra, a partir do sculo XIII, as camadas inferiores danobreza comearam a envolver-se mais facilmente na vida burguesa,indo os filhos mais jovens dos fidalgos rurais para as cidades embusca de mulher, ocupao e propriedade.9 Grande porcentagemdos aprendizes de Londres provinha das casas da pequena nobrezarural.10 Na poca da rainha Isabel a separao entre os interessesbaseados na terra e no dinheiro no tinha ainda comeado a mani-festar-se. Assim, tambm na Alemanha, a prosperidade comercialinicial de cidades como Augsburgo, Nurembergue, Basilia e Colniaprovinha de fonte similar. Infelizmente, a histria da Alemanha nofinal da Idade Mdia tendeu cada vez mais a afastar a nobrezaagrria da vida e dos objetivos pacficos das cidades, fato que con-tribuiu grandemente para retardar o desenvolvimento comercial eindustrial desse pas.

    Assim, embora muitos dos grandes empresrios da Idade M-dia, na Itlia, Flandres e Alemanha, proviessem da aristocracia agr-ria, tendo construdo seu peclio comercial com rendas, taxas e mul-tas originadas na agricultura, os pequenos proprietrios de terrasurbanas as primeiras famlias burguesas desempenharam pa-pel igualmente importante nos casos em que os terrenos urbanosno estavam firmemente nas mos dos nobres e da Igreja. Essesprimeiros povoadores pequenos agricultores, de incio expan-dindo suas posses, muitas vezes usurpando ou dividindo, medianteacordo, terras de uso comum, formaram fortes oligarquias locais,sugando os valores crescentes da terra para formar o capital quemais tarde empregariam no comrcio.

    A esses nobres ou pequenos proprietrios de terra, que se trans-feriram para o comrcio com acumulaes originadas diretamentede rendas da terra, devemos acrescentar os funcionrios que, sob osistema feudal, tinham sido colocados em lucrativos postos nos r-gos administrativos dos recursos pblicos, ou estavam encarregadosda arrecadao de impostos e taxas. No s os vencimentos de chan-

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    9 STUBBS. 197.10 CUNNINGHAM. Growth of English Industry. v. I., p. 126 (in 8, 1903).

  • celeres (chancellors),11 (marshals)12 e outros altos funcionrios eramextremamente elevados, como todos os funcionrios ligados ao levan-tamento e gastos de dinheiros pblicos tinham oportunidade de desviardinheiros pblicos, atividade a que se entregavam livremente. Nascidades, as famlias dirigentes podiam, dessa forma, juntar s suasrendas privadas, provenientes do aluguel de seus terrenos, uma cotados fundos urbanos. Assim, grandes cotas das acumulaes originaisdos tesouros real e papal e das rendas e doaes dos mosteiros e cidadespassaram para as mos dos empresrios, que dirigiam as grandes fontespblicas de renda.13

    A administrao das propriedades e das finanas individuais dosproprietrios de terra, leigos ou religiosos, era confiada em grandeparte a uma categoria de funcionrios da Fazenda que, como arreca-dadores de rendas, administradores de bens ou mordomos (stewards),14

    bailiffs,15 inspetores, intendentes, passaram a compartilhar a riquezados senhores de terra. Mas preciso lembrar que, qualquer que fossea forma pela qual as rendas vinham parar nas mos desses funcionriose agentes pblicos ou privados como vencimentos, honorrios, lucrosou peculato , sua origem quase exclusiva era a renda da terra.

    No difcil perceber qual a principal aplicao lucrativa queuma categoria de empresrios como essa, com tais fontes de acumulaoem suas mos, podia dar a esse capital. O ramo mais importante docapitalismo primitivo a usura e o papel desempenhado por ela natransformao da riqueza feudal em burguesa foi relevante.16 Os gran-des senhores de terra da Igreja foram levados a pedir dinheiro em-prestado, a fim de enviar para Roma as crescentes contribuies mo-netrias exigidas pela era da f; os senhores seculares, em apurosdiante do aumento progressivo das despesas de guerra e de construo as duas principais aplicaes do dinheiro , tornaram-se cada vezmais endividados com as casas bancrias da Itlia, Flandres e Ale-manha. As Cruzadas constituram um dos marcos principais desse po-der em ascenso da nova classe empresarial, pois levaram os cruzados

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    11 Chancellor. Alto funcionrio, exercendo a funo de secretrio e representante oficial deum nobre, prncipe ou rei. Cabia-lhe a custdia do selo do seu senhor, alm de outrastarefas legais. (N. do T.)

    12 Marshal. Um dos mais altos funcionrios de um senhor de terras e nas vrias jurisdiesdo poder estatal. Era encarregado dos negcios militares e/ou policiais. (N. do T.)

    13 Assim os Spini, Spigliati, Bardi, Chechi, Pulci, Alfani, mais tarde os Mdici, transforma-ram-se nos grandes banqueiros do papado. (SOMBART. v. I, p. 251.)

    14 Steward. Funcionrio que controlava as despesas e os negcios domsticos em geral, em nomedo senhor de terras ou da autoridade em causa nos vrios escales da administrao. Cumpriatambm em certos casos as funes de administrador das rendas da terra. (N. do T.)

    15 Baillif. Funcionrio com as funes de administrao num distrito, onde lhe cabia espe-cialmente fiscalizar e recolher a renda da terra. Numa propriedade senhorial ou numaempresa agrcola, cabiam-lhe as mesmas funes, alm da administrao dos negcios do-msticos. (N. do T.)

    16 Ver SOMBART. v. I, p. 255.

  • a pedir dinheiro emprestado, para atender despesas de equipamentoe viagem, atribuindo um poder crescente a seus administradores eagentes e trazendo do Oriente um novo fluxo de hbitos de vida luxuosa,que os levaram a novas extravagncias. Na Itlia e em outras partes,quantidades crescentes de terra foram assim alienadas por seus pro-prietrios aristocratas, em conseqncia do no pagamento de dvidas.Quando, com o perodo da Renascena, se fez sentir sobre a Europabrbara toda a influncia do Oriente, e as cidades comearam a as-sumir um clima de luxo e a exercer influncia como centros sociais,a nobreza e a pequena nobreza agrria, desejosas de viver uma vidanova, viram-se desprovidas de numerrio e obrigadas a pedir dinheiroemprestado aos burgueses ricos. Iniciado na Itlia nos primrdios dosculo XIII, esse movimento que atingiu a Alemanha do sculo XVe a Inglaterra, durante o reinado de Isabel mostrou que o negciode emprstimos em dinheiro era to grande e lucrativo, que chegoua atrair tanto o capital do continente como o dos colonos holandesesde Amsterdam e outros lugares, para competir com as casas de judeuse lombardos estabelecidas em Londres.17

    A extravagncia das vestimentas foi, por si s, um fator impor-tante para a formao dos hbitos de endividamento, que fizeram ariqueza dos financistas das cidades.

    6. Mas todos esses modos mediante os quais o capital passoudas mos dos senhores de terra para as dos empresrios oferecem umaexplicao inadequada do rpido crescimento da riqueza na EuropaOcidental. Sem um acesso bem maior aos tesouros monetrios, comoinstrumentos de acumulao concentrada, sem maiores oportunidadesde captar os vrios recursos materiais para o desenvolvimento dosofcios artesanais, o capitalismo moderno teria sido impossvel nas di-menses que possui atualmente. A Europa Ocidental no retirava desuas minas uma produo adequada de metais preciosos, sua populaoagrcola no permitia um aumento de produo sob a forma de rendas,suficientemente grande para assegurar um grande fluxo de riquezaacumulada, nem tampouco a produtividade dos ofcios artesanais dascidades permitia um rpido crescimento do lucro. A economia da Europamedieval no exps uma grande populao proletria, desprovida deterra, livre explorao de patres sedentos de lucro. Faltava a baseem mo-de-obra do capitalismo moderno.

    A explorao de outras partes do mundo, por meio do saque mi-litar, do comrcio desigual e do trabalho forado, foi uma grande eindispensvel condio do desenvolvimento do capitalismo europeu.

    inteiramente impossvel conceber a riqueza das cidades

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    17 CUNNINGHAM. v. I, p. 324.

  • italianas, desvinculada da explorao do resto do Mediterrneo; as-sim como impensvel a prosperidade de Portugal, Espanha, Ho-landa, Frana e Inglaterra sem a prvia destruio da civilizaorabe, sem a pilhagem da frica, o empobrecimento e a devastaoda sia meridional e seu mundo de ilhas as frteis ndias Orien-tais e os florescentes estados dos Incas e Astecas.18

    As repblicas italianas foram as primeiras a tomar esse trabalhoem suas mos. Quando as Cruzadas chegaram a seu fim, elas estavamcom o controle virtual de numerosas cidades da Sria, Palestina, marEgeu e mar Negro. A partir do incio do sculo XII, Gnova, Piza eVeneza cravaram suas garras econmicas nas cidades de Asov, Cesria,Acre, Sdon, Tiro etc. Com o desmoronamento do Imprio do Oriente,Veneza se transformou num vasto poder colonial, pois nada menosque 3/8 desse imprio caram sob sua influncia exclusiva; enquantoisso, Gnova, sua rival, tambm adquiria grandes possesses nas ilhasjnicas e no continente. A sia Menor e as ilhas do mar Egeu possuamricos recursos naturais e grandes populaes civilizadas, herdeiras deofcios artesanais qualificados, at ento desconhecidos do mundo oci-dental. As cidades italianas no pretenderam colonizar esse vasto im-prio no sentido moderno da palavra colonizar mas estabeleceramcentros comerciais nas principais cidades e cobraram ricos tributospelas manufaturas. Elas fundaram uma florescente indstria de sedaem Antioquia, Trpoli e Tiro; de algodo, na Armnia; de vidro e ce-rmica, na Sria; e empreenderam importantes trabalhos de mineraona Fcia e em outras partes. Seu modo de explorao parece ter sidouma adaptao do sistema feudal, mediante o qual, como dominadores,reservaram para si grande parte, geralmente 1/3 do produto total dosolo, das minas e da indstria. Essa forma de enfeudao, introduzidamais tarde pelos espanhis na Amrica, sob a denominao de Enco-miendas, j existia h muito tempo nessas colnias italianas do Le-vante. Mais tarde, a forma feudal desapareceu, dando lugar ao poderde companhias privilegiadas que exerciam um monoplio em nome dorei ou do Estado.

    A significao real dessa colonizao remota para o surgimentodo capitalismo moderno foi ter aberto a primeira oportunidade de lucroem grande escala, colocando disposio dos patres italianos grandesuprimento de trabalho servil qualificado. No somente a propriedadede provncias inteiras foi confiscada em benefcio dos conquistadores,como a situao de grandes massas de habitantes se converteu, deacordo com o uso antigo, numa virtual escravido, tendo todos osdireitos e posses, em homens, mulheres e crianas passado para osnovos superiores na hierarquia feudal. Os conquistadores italianos en-

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    18 SOMBART. v. I, p. 326.

  • contraram tambm uma herana mais lucrativa no trfico de escravos,que os bizantinos e rabes tinham trazido dos tempos antigos. Dessetrfico de escravos, grandemente ampliado por eles mediante um sis-tema de recompensas, resultou a vinda de grande nmero de muul-manos cativos, de maneira que, sob o jugo italiano, somente a populaoda ilha de Creta passou de 50 mil para 192 725 habitantes.

    Assim, cedo foram colocados os alicerces do lucrativo comrcioque forneceu Europa Ocidental as acumulaes de riqueza, necess-rias ao ulterior desenvolvimento dos mtodos capitalistas de produono pas. Colocou-se, pela primeira vez, disposio da Europa no Orien-te Prximo um enorme proletariado escravo ou nominalmente livre.Foi assim que os tesouros do Oriente, seu ouro e seus escravos amea-lhados, seus ricos tecidos, suas especiarias e outras riquezas concen-tradas jorraram, pelas mos dos comerciantes e banqueiros italianos,na Europa Ocidental. A lio implcita nessa experincia remota deque a principal vantagem da conquista no reside na descoberta ecaptura de tesouros escondidos acumulados, por mais importante quetenha sido no caso dos primrdios do Imprio do Oriente, mas na con-tnua explorao de grandes quantidades de trabalho forado.

    Os portugueses e espanhis aprenderam bem essa lio, reco-nhecendo que as verdadeiras riquezas das terras recm-descobertasso seus habitantes. Os espanhis, no Mxico e no Peru, os portugue-ses, na frica Ocidental e Oriental, os holandeses, em Mlaca, Javae Ceilo, aperfeioaram suas primeiras instrues, dando sua domi-nao econmica uma base ainda mais forte de trabalho forado eescravo, com uma organizao mais completa do abastecimento deescravos. A populao negra da frica foi, evidentemente, o grandemanancial que alimentou a nova economia tropical do sistema colonialeuropeu, que se espalhou pela Amrica Central, Brasil e ndias Oci-dentais, enraizando-se mais tarde na Amrica do Norte. As dimensesdesse comrcio, a partir dos primrdios do seu desenvolvimento pelosportugueses, no incio do sculo XVI, eram enormes: o nmero real deescravos utilizados em dado momento no d seno uma plida idiade seu vulto, porque o desperdcio de vida no trfico era muito grandee a durao da vida econmica dos escravos, muito curta. Em 1830,as colnias europias tinham somente cerca de 2,5 milhes de escravos,mas durante trs sculos uma torrente de incontveis milhes vinhaafluindo, a fim de ser usada como matria-prima nos produtos colo-niais, que formaram as primeiras fortunas dos mercadores espanhis,portugueses, holandeses e britnicos.

    Os lucros das companhias europias engajadas inicialmente nocomrcio colonial foram muito grandes, pois a economia escravista no, em si mesma e em todas as circunstncias, m. Merivale assinalaa condio fundamental de sua utilizao lucrativa.

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  • Quando a presso populacional induz o homem livre a oferecerseus servios, como ele faz em todos os pases antigos, em trocade um pouco mais do que o mnimo natural do salrio, essesservios sero, com toda a certeza, mais produtivos e menos carosdo que os do homem acorrentado. Nessas condies, bvio queo limite da durao lucrativa da escravido atingido quando apopulao se torna to densa que mais barato contratar a mo-de-obra livre disponvel.19

    Em outras palavras, no se verificou na Europa Ocidental, ato sculo XIX, o grande suprimento de trabalhadores sem terra, que uma condio essencial do grande capitalismo lucrativo. por essarazo que a economia colonial deve ser encarada como uma das con-dies necessrias ao capitalismo moderno. Seu comrcio, grandementecompulsrio, outra coisa no era, em grande medida, seno um sistemade rapina velado, e, em sentido algum, uma troca igual de mercadorias.Os lucros comerciais eram suplementados pelos lucros industriais, re-presentativos da mais-valia do trabalho escravo ou forado, pelasrendas fiscais e pelo saque.

    O significado particular da economia colonial consiste na pos-sibilidade de lucros ao empreendedor antes de amadurecidas ascondies para o verdadeiro capitalismo, antes de estar realizadaa necessria acumulao de dinheiro, antes de existir um prole-tariado e antes do desaparecimento da terra livre.20

    7. O crescimento de um grande proletariado na Europa ocidentalera uma condio essencial para a indstria capitalista. Isso significavaum aumento de populao rural, superior aos meios de subsistnciaprovidos pelo solo, de acordo com as formas correntes de agriculturae de posse da terra; significava, tambm, um aumento da populaourbana, incapacitada de ganhar a vida como artfice ou arteso inde-pendente. Ora, essa condio foi durante longo tempo protelada pelocrescimento lento da populao das naes europias. A penria, apeste e a guerra mantiveram baixo o nvel da populao no decorrerda Idade Mdia: o ndice de mortalidade infantil era enorme, e a vidaefetiva para as massas populares, muito curta. Apesar da inexistnciade dados estatsticos realmente confiveis, est bem comprovado que,at o sculo XVIII, o ndice de aumento da populao na Europa comoum todo foi muito lento, no tendo, nem mesmo durante o sculo XVIII,revelado grande expanso. Na Alemanha, durante longo tempo aps

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    19 MERIVALE. Lectures on Colonization. v. I, p. 297-298.20 SOMBART. v. I, p. 358.

  • a Guerra dos Trinta Anos, a populao na realidade definhou, s vindoa recuperar-se no sculo XVIII. Em meados do sculo XVIII a Franaatingiu novamente as cifras alcanadas na primeira metade do sculoXIV, nvel ainda inferior aos 18 milhes que tinha atingido aps amorte de Lus XIV. A Holanda e a Blgica, populacionalmente, malparecem ter crescido em trs sculos. Desde a primeira metade dosculo XVI at o incio do sculo XVIII a Itlia esteve estagnada emtorno dos 11 milhes de habitantes. Na Espanha, a populao experi-mentou um declnio extraordinrio durante os sculos XVI e XVII.

    A populao inglesa, estimada em 2 milhes de habitantes, no tempodo Doomsday,21 parece ter crescido muito pouco durante trs sculos, stendo superado os 2,5 milhes de habitantes em 1377, ltimo ano doreinado de Eduardo III. Durante os dois sculos e um quarto que seseguiram, o ritmo de crescimento foi mais rpido, pois no fim do reinadode Isabel a populao era estimada em cerca de 5 milhes. A partir dessapoca, o ndice de crescimento voltou a declinar, no atingindo a cifra de6 milhes, antes da metade do sculo XVIII, aproximadamente.22

    Todavia, o simples crescimento populacional, em terras em suamaior parte no cultivadas ou deficientemente cultivadas, no explica,por si s, a formao de um proletariado. Da mesma maneira queassociamos os primrdios do capital acumulao de rendas da terra,devemos tambm associar os primrdios de uma classe assalariadamvel a mudanas na agricultura e na indstria, em virtude das quaisgrande nmero de habitantes das zonas rurais perdeu seu antigo statusde pequenos proprietrios ou ocupantes de terras, ou como trabalha-

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    21 Doomsday (ou Domesday). Designao dada ao Censo mandado realizar pelo Rei Guilherme,o Conquistador, no sculo XI (ano de 1086), contendo os registros de todas as terras daInglaterra rea, valor, proprietrio e passivo coletados num livro intitulado DomesdayBook. (N. do T.)

    22 Cunningham d as seguintes estimativas selecionadas da populao da Inglaterra e doPas de Gales a partir de 1688 (Growth of English Industry. v. III, p. 935):1688... 5 500 520 KING, G. In: Davenant Works. v. II, p. 184.1700... 5 475 0001710... 5 240 0001720... 5 565 0001730... 5 796 0001740... 6 064 000 Statistical Journal. v. XLIII, p. 462.1750... 6 467 0001760... 6 736 0001770... 7 428 0001780... 7 928 0001790... 8 675 0001801... 8 892 5361811... 10 114 2261821... 12 000 2371831... 13 896 798 Accounts and Papers. 1852-53. LXXXV. XXXIII.1841... 15 914 1461851... 17 927 609

  • dores com alguma participao nos lucros do estabelecimento agropecurio,que eles ajudaram a desenvolver. As reformas agrcolas, implicando uti-lizao mais produtiva da terra e melhores mtodos empresariais, foramos principais instrumentos de mudana. Na Gr-Bretanha e no continenteeuropeu, a agricultura primitiva da sociedade feudal exigia pouco capitale no permitia a aplicao do esprito empresarial. O dono da terrano se preocupava muito em cobrar as rendas em dinheiro ou em tirarlucros considerveis da terra; os ocupantes de suas terras e os cottagers,23

    assim como outros trabalhadores do estabelecimento, gozavam de estabi-lidade na posse da terra e de status, lavravam a terra de acordo com oscostumes para ganhar a vida, recebendo uma parte do produto e levandouma vida quase auto-suficiente.

    O comrcio de produtos agrcolas, acarretando uso crescente dedinheiro na economia agrcola e induzindo proprietrios e arrendatriosa um cultivo mais cuidadoso e intensivo, a fim de obter rendas emdinheiro e lucros, foi a principal via da corrente inovadora. Foi a de-manda flamenga de l que, repercutindo na Inglaterra no perodo dosTudor, quando as condies polticas e sociais eram favorveis, possi-bilitou grande e lucrativa utilizao das pastagens; foi essa demandaque levou formao de enclosures,24 estabelecidas com o fechamentode grandes reas de terras comunais e incultas, e formao de grandesempresas de criao de gado, dirigidas por proprietrios novos. Absor-vendo as propriedades das famlias nobres decadentes e as terras con-fiscadas Igreja e s guildas, eles entregaram sua administrao aagentes, de conformidade com o esprito do moderno receptor de rendasda terra. Esse mercado externo para a l, aliado ao crescente mercadopara cereais, possibilitado pelo crescimento de Londres e de outroscentros populacionais, assim como por certo comrcio espordico deexportao, deu incio ao processo de transformao do pequeno yeo-man25 e do cottager no assalariado comum, processo que alcanou seu

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    23 Cottager. Trabalhador rural, no proprietrio, mas de posse de uma cabana e de um lotede terra a ela contguo. Originalmente, a rea desse pedao de terra variava de 4 a 6acres, reduzida mais tarde para 2 acres, at o estabelecimento das enclosures, quando oscottagers foram destitudos de suas posses. Os cottagers eram os elementos situados maisbaixo na escala social. Eles viviam da explorao agrcola de seus pequenos pedaos deterra, e/ou exercendo algum ofcio artesanal. Segundo Adam Smith, eram uma espcie derendeiros e criados dos senhores de terra, cumprindo tarefas fora de casa. (N. do T.)

    24 Enclosure era essencialmente o ato de fechar (cercar) certa rea de terras de uso comunal,convertendo-a assim em propriedade privada, o que impedia o acesso dos camponeses parafins de pastoreio, extrao de madeira, caa etc. Iniciadas em meados do sculo XVI eextintas quase no final do sculo XIX, as enclosures expulsaram milhes de camponesesde suas terras. A fase mais ativa do processo situou-se entre 1760 e 1850, quando foramemitidos cerca de 4 mil decretos de formao de enclosures. (N. do T.)

    25 Yeoman. Pequeno proprietrio que geralmente cultivava sua prpria terra, mas eventual-mente a dava em arrendamento a um crofter ou a um trabalhador sem terra. Emboracampons, tinha posio destacada diante dos nobres, situando-se a meio caminho entreo gentil-homem (grau menor da nobreza) e o cottager. (N. do T.)

  • ritmo mais complexo com as enclosures, no fim do sculo XVIII e inciodo sculo XIX. Enquanto, no perodo inicial desse movimento, era aenclosure de pastagens o principal elemento propulsor, no perodo ul-terior esse papel passou para a enclosure de lavouras.

    Embora as primeiras enclosures trouxessem muita injustia, des-tituindo pequenos lavradores e trabalhadores de seus direitos legaise consuetudinrios no uso da terra; embora elas deixassem desampa-rado um nmero considervel de pessoas sem terra, que viviam comomendigos e vagabundos, ou que foram estabelecer-se nas cidades apesar de tudo isso, a massa de aldees e trabalhadores rurais pareceter mantido, at o sculo XVII, algum ponto de apoio na terra, emboramais fraco, o que os diferenciava do proletariado puro, exigido comocondio pelo capitalismo moderno. Os melhoramentos simultneos in-troduzidos na lavoura e na criao de gado vacum e ovino no sculoXVIII encontraram uma Inglaterra com 1/3 daqueles que ainda se man-tinham em campos comunais, com o cultivo descuidado e perdulriocaracterstico desse sistema. Grande parte do pas estava nas mosde pequenos yeomen, que trabalhavam suas prprias terras, de cottagerse crofters,26 que tomavam em arrendamento pequenas propriedades,alm de terem uma cota nos campos comunais, assim como outrosdireitos relativos ao pastoreio, ao uso das matas e terras sem dono.O trabalho assalariado era em parte desempenhado pelo prprio ar-rendatrio, em parte pelos trabalhadores do campo, que, quando sol-teiros, moravam na prpria casa do dono; quando casados, recebiamuma cabana no stio, e tinham a concesso de pequenos direitos decriao de uma vaca etc. Em muitas partes do pas, alm disso, algunsarrendatrios concediam tratos de terra a sublocatrios, que se dedi-cavam principalmente tecelagem ou a outros tipos de indstria do-mstica, trabalhando na terra nas horas vagas.

    As condies da enclosure e da nova organizao agrcola muda-ram tudo isso. A rotao cientfica das culturas, o cultivo intensivo, ouso de adubos artificiais, o crescente emprego de maquinaria, impor-taram num desembolso de capital e numa administrao empresarialque o pequeno arrendatrio no estava em condies de enfrentar.

    Os yeomen e outros pequenos proprietrios ou ocupantes de terrasno se mostraram capazes de manter seu controle sobre elas: as des-pesas legais e outros gastos com a implantao das enclosures, o custode construo das cercas e outras instalaes, levaram runa muitosdeles e, por conseguinte, incapacidade de enfrentar os grandes pro-prietrios de terra, em defesa de seus duvidosos direitos legais ouconsuetudinrios. O carter especulativo da empresa que produzia para

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    26 Crofter. Campons que tomava em arrendamento uma pequena poro de terra, geralmenteencravada na propriedade de um arrendatrio, na qual lavrava ou criava gado. Sua situaoassemelhava-se do atual agregado ou morador brasileiro. (N. do T.)

  • os mercados, com preos flutuantes, no se coadunava tampouco comseus meios e sua inteligncia. Muitos dos elementos dessa categoria,incapacitados de manter uma posio independente, acabaram indoincorporar-se ao novo exrcito industrial das cidades.

    Os cottagers, crofters e outros trabalhadores mostraram-se aindamenos capazes de manter quaisquer direitos costumeiros que lhes eramassegurados pelo beneficiamento da terra. A antiga vida patriarcalcamponesa, que preservava elementos caractersticos de participaonos lucros, cedeu lugar, diante da presso exercida pela nova formade empresa desapareceram os pagamentos suplementares de salrioem espcie ou foram substitudos por insignificantes aumentos de sa-lrios em dinheiro, que a Lei dos Pobres, instituda no final do sculoXVIII, reduziu a um nvel aviltante.

    A nova economia do cultivo do trigo teve o efeito adicional dereduzir o emprego no inverno. Outro aspecto a considerar, este maissrio, foi a introduo da maquinaria, com os efeitos que trouxe adestruio das indstrias suplementares que ajudavam os pequenoscamponeses a pagar seus arrendamentos em dinheiro, e tornavam osprprios trabalhadores em grande parte independentes do arrendatrio.Embora no se possa admitir que a quantidade acrescida e o cultivoaperfeioado que decorreram da formao das enclosures, que o aumentoda terra agricultvel mediante a dragagem e a ocupao de terrasincultas, assim como outros aperfeioamentos agrcolas, tenham redu-zido a demanda agregada de trabalho, parece que esses fatores no aincrementaram suficientemente, a ponto de absorver o rpido aumentoda populao rural isso porque, j na ltima dcada do sculo XVIII,levantavam-se queixas numerosas de superpopulao, tanto nas zonasrurais como nas cidades, caracterstica que prevaleceu notoriamenteno decorrer da primeira metade do sculo seguinte.

    A nova economia dos grandes arrendamentos, que tinham privadode toda propriedade ou apoio na terra a grande massa da populaorural, no se tornou suficientemente intensiva para absorv-la comomeros assalariados no novo sistema. Por outro lado, as foras queatraam o excedente de mo-de-obra para as cidades ou para a emi-grao estrangeira ainda no atuavam plenamente. A guerra napole-nica tinha retardado por algum tempo o desenvolvimento da indstriamecanizada e a demanda de mo-de-obra nas cidades industriais; otransporte era demasiadamente fraco e dispendioso para poder sus-tentar uma grande corrente de emigrao para as colnias ou para aAmrica; os entraves criados pela Lei dos Pobres e a Lei da Colonizaoprejudicaram grandemente a mobilidade da populao trabalhadora.

    , entretanto, nesse desenvolvimento de uma grande populaorural, privada de toda propriedade ou segurana de posse da terra,que devemos buscar a principal explanao sobre o proletariado, exi-gida pelo capitalismo moderno. Essa classe, paulatinamente desligada

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  • de seus vnculos econmicos e legais com o solo, foi sendo arrastada,cada vez com maior rapidez, para o novo industrialismo da fbrica,da mina, da oficina urbana e dos armazns. Ali, ela se fundiu com apopulao nascida na cidade, assalariada, representante dos jornaleirosque, a partir do sculo XV, vinham sendo excludos, cada vez commaior persistncia, das organizaes corporativas. Comeou a formar-se, assim, um proletariado urbano mais reforado com o ingresso depequenos patres,27 incapacitados de manter sua independncia diantedo monoplio fechado das corporaes profissionais, de trabalhadoresqualificados vindos do continente, de refugiados religiosos ou polticose, na poca inicial da Revoluo Industrial, por grandes migraes detrabalhadores no qualificados provenientes da Irlanda.

    8. Pode-se verificar claramente que o proletariado industrialalemo tem a mesma origem: a mesma sobrevivncia da famlia pa-triarcal camponesa, em que os trabalhadores tinham uma pequenacota legal ou costumeira da terra, do gado e do produto da propriedadeagrcola, recebendo uma cota da colheita como parte de seu pagamento,rompida parcialmente pela reforma agrria de 1811/16, parcialmentepela Lei Silesiana de 1845, pelo fechamento dos campos comunais,pela restrio e pelo gradual desaparecimento do direito dos trabalha-dores, e pela conseqente transformao de uma classe de pequenosarrendatrios participantes nos lucros da propriedade agrcola em tra-balhadores assalariados. As mesmas foras coercitivas atuavam aquicomo h meio sculo na Inglaterra: o desenvolvimento de cultivos maisintensivos, com o uso de maquinaria, diminuiu o emprego no inverno,tanto na agricultura como nas indstrias suplementares.28 Na Itlia,Frana, Blgica, Sua de fato em toda a Europa Ocidental po-dia-se distinguir o mesmo movimento geral, cujo ritmo era determinadoem parte pelo crescimento da populao, em parte pelo tamanho daspropriedades e em parte pela situao das atividades agrcolas. O rpidocrescimento do valor da terra na Blgica, a partir de meados do sculoXIX, junto com a decadncia das indstrias estabelecidas nas vilas,destruiu a economia baseada na posse da terra, tipicamente camponesa;a mesma coisa se pode dizer dos pequenos distritos camponeses daItlia Central e das propriedades maiores da Itlia Meridional. A pre-ponderncia das pequenas propriedades nesses pases e na Frana,embora indubitavelmente tenha retardado a adoo da agricultura ca-pitalista e o deslocamento da populao rural, no impediu o fluxocrescente e constante de um proletariado trabalhador excedente para

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    27 UNWIN. Industrial Organization in the Sixteenth and Seventeenth Centuries. Cap. VIII.28 A maior quantidade de trabalho durante o vero e a menor no inverno resultam ()

    do aumento da terra arvel, diminuio dos pastos, especialmente da reduo dos re-banhos de ovelhas e do cultivo do linho; () da introduo das mquinas debulhadorasem substituio dos manguais; () da reduo do trabalho de silvicultura. (Ver SOM-BART. v. II, p. 126.)

  • a vida industrial urbana. Por toda a parte, uma categoria de traba-lhadores do campo, arrancados de suas antigas posses da terra, vinhasendo acompanhada, em sua rota rumo cidade, pelos filhos dos pe-quenos camponeses proprietrios que, achando que as condies eco-nmicas da velha famlia patriarcal camponesa j eram intolerveis,procuravam uma vida melhor e a maior independncia da vida industrial.

    9. A existncia de riqueza acumulada e de uma grande populaodependente da venda de sua fora de trabalho no poderia, entretanto,gerar o sistema do moderno capitalismo industrial, antes que os ofciosartesanais tivessem atingido alto desenvolvimento. O capitalismo domundo antigo e mesmo do mundo medieval, apresentando poucos eraros exemplos de grandes organizaes de operrios sob um nicocontrole, trabalhando por salrios para o lucro de seus empregadores,diferenciou-se, em um aspecto importante, do capitalismo industrialmoderno. Tanto na grande agricultura servil dos primrdios do ImprioRomano, como nas minas da Trcia ou da Siclia, ou ainda mais re-motamente, nas grandes construes do Egito, Babilnia ou ndia, oelemento do capital fixo era muito pequeno, resumindo-se em ins-trumentos singelos ou a uma maquinaria relativamente leve e semimportncia: o capital que assegurava o emprego consistia em alimentose matrias-primas, que eram adiantados aos trabalhadores.

    As primeiras acumulaes de capital consistiam em () tesouro,() matrias-primas e numa reserva de alimentos; ou do ponto de vistaindividual do capitalista, em ou .

    Embora o capitalismo financeiro do emprestador de dinheiro oubanqueiro, concedendo emprstimos ou adi