Os Dilemas Do Relativismo Cultural

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  • 1Os dilemas do relativismo cultural

    Profa. Dra. Josefina Pimenta Lobato

    1. O relativismo cultural como um recurso metodolgico indispensvel compreenso da diversidade cultural

    Os antroplogos, cujo objetivo central sempre foi o de compreender outros povos, outras culturas,tm defendido a necessidade de se adotar o relativismo cultural como um recurso metodolgicoindispensvel a essa compreenso. Em oposio atitude etnocntrica que toma o particular comouniversal, o relativismo cultural enfatiza a necessidade de se considerar os valores e crenas vigentes nasociedade em que se vive como relativos a um determinado contexto cultural e, como tais, inaplicveis avaliao de outras sociedades.1 Somente assim, que se torna possvel apreender as convenes e oscostumes de outras sociedades em seus prprios termos e no a partir de um ponto de vista que lhes exterior.

    O reconhecimento de que os juzos de valor so relativos viso de mundo de quem os emite bemmais coerente com o estilo de vida permissivo, prprio s sociedades ps-modernas, do que oetnocentrismo, uma vez que a questo central de nossa poca, como observa Otvio Velho, no umexcesso de valores e convices mas como que uma falta (VELHO, 1991. p.121). A facilidade com que aposio relativista aceita atualmente no significa, contudo, que o problema do etnocentrismo tenha sidosuperado ou que "o discurso relativista estaria batendo em um homem de palha", como sugere OtvioVelho (1991.p.123). O etnocentrismo subjacente intolerncia que serve de base xenofobia e aosconflitos tnicos, mostra-nos que a nfase na necessidade de relativizar, defendida pelos antroplogos, uma questo que permanece relevante, mesmo nas condies volteis e incertas da contemporaneidade,conforme assinala Mrcio Goldman, ao afirmar: que no mundo da globalizao, do multiculturalismo e daafirmao das diferenas de todos os tipos, a questo do relativismo continua atual" (GOLDMAN. 1999.p.46).

    2. Os perigos e os problemas de um relativismo radical que afirma a particularidadee a subjetividade de qualquer espcie de juzo de valor

    A nfase na relatividade e particularidade das crenas e valores vigentes em diferentes contextosculturais, condio indispensvel ao trabalho etnogrfico, no acarreta necessariamente, a adoo de umateoria relativista radical que implica a crena na impossibilidade de se constituir algum tipo de critriopara distinguir o justo do injusto ou o certo do errado, que no seja relativo a um determinado contextocultural. Somente quando o relativismo deixa de ser um recurso metodolgico indispensvel compreenso do outro e se transforma em uma posio terica, segundo a qual o nico modo vivel de seavaliar os costumes e valores expressos, em qualquer sociedade, aquela que os considera de acordo com

    1 O fato de Durkheim, Mauss, Lvi-Strauss e Boas, que tiveram um papel marcante na antropologia francesa,por um lado, e americana, por outro, terem tido uma formao judaica que os mantinha distantes, de certa forma, deseus conterrneos, no mera coincidncia. O mesmo se pode dizer em relao a outros eminentes pensadores querevolucionaram sua rea de saber, como Freud e Marx, ambos igualmente judeus.

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  • 2a maneira pela qual o povo em causa formou a sua viso da vida (KEESSING. 1966.p.285), que secriam as condies propcias adoo de um relativismo radical.

    A aceitao e a defesa de um relativismo radical tem graves conseqncias. A primeira delas a deimpedir a tomada de uma posio crtica em relao a qualquer espcie de costume ou de crenainstitucionalizados em um determinado contexto cultural, no importa se esses costumes ou crenas serefiram ao infanticdio, amputao da mo dos ladres, ao abandono das pessoas idosas em situaes queas levam morte, cremao da viva na pira funerria do marido (sati), ao genocdio, limpeza tnica, tortura ou ao terrorismo.2 A segunda, a de exigir, caso se queira manter a coerncia, a manifestao, emrelao s crenas e aos costumes existentes em nossa prpria sociedade, no importa o quanto essescostumes e crenas possam vir a nos parecer cruis ou injustos, da mesma atitude no crtica adotada emrelao s crenas e costumes alheios.3

    por essa razo que alguns antroplogos costumam assinalar que a relativizao por eles adotadanada tem a ver com a posio relativista segundo a qual tudo vlido.4 H vrios outros autores, todavia,que, particularmente preocupados com os perigos que o relativismo radical induz, vo alm dessa soluopaliativa e exploram a possibilidade de se afirmar valores universais, no etnocntricos, que transcendamas particularidades culturais.5 Entre esses, pode-se citar Louis Dumont (1992), Ernst Gellner (1997),Tzvetan Todorov (1993)6 e Claude Lvi-Strauss (1960).

    3. Uma explorao sobre a possibilidade de se afirmar valores universais, noetnocntricos, segundo Lvi-Strauss

    Tomando como parmetro, para se analisar a possibilidade de se afirmar valores universais noetnocntricos, as idias propostas por Lvi-Strauss,7 pode-se constatar que, para ele, a busca desses valorespassa, necessariamente, por duas etapas.

    2 Conforme ressalta Robert Lowie, ao dizer que o antroplogo como homem de cincia registrasimplesmente costumes como o canibalismo ou o infanticdio, compreendendo-os e, se lhe possvel, explicando-os (LOWIE, 1946, p.39).

    3 Um outro tipo de crtica ao relativismo ressalta sua contradio lgica, uma vez que a posio relativista exposta de forma no-relativista e em linguagem no-relativista (GELLNER 1997, p.15). Ponto destacadoigualmente por Felix Keessing, ao dizer "a afirmao de que devemos mostrar respeito e tolerncia pelos valores deoutras culturas em si um valor que no deriva da proposio de que todos os valores so relativos" (KEESSING,1966, p.286).

    4 Aspecto ressaltado por Roberto Da Matta no prefcio de seu livro, cujo ttulo sugestivo Relativizando.5 A transcendncia da experincia subjetiva da sensao de frio ou de calor na medio da temperatura j foi

    alcanada pelas cincias naturais, aps a inveno do termmetro. No h, pois, mais nenhum sentido em afirmar asubjetividade inexorvel da sensao de frio ou de calor, como faziam os sofistas.

    6 Profundamente interessado em refletir sobre a relao entre ns (meu grupo social) e os outros (os queno fazem parte dele), Tzvetan Todorov enfatiza a necessidade de se postular um universalismo no etnocntrico,no qual a recusa de se tomar o particular como universal no implique o abandono da busca de um universal que sejao horizonte do entendimento entre dois particulares (TODOROV, 1993, p.12 e 31).

    7 O texto, em que Claude Lvi-Strauss refere-se aos perigos que a adoo de um relativismo radical ouextremado induz e sugere a necessidade de se buscar uma sada para ele, Um Copinho de Rum, o trigsimo oitavocaptulo de um dos seus livros mais conhecidos e famosos, Tristes Trpicos. Esse texto relata as emoes e idiasvivenciadas por ele, em um perodo em que se encontrava acampado, na orla do posto indgena de Campos Novos,no Estado do Mato Grosso, a espera que seus companheiros, retidos para tratamento mdico, chegassem, a fim decontinuar a viagem. Momento no qual ele comea pensar sobre o sentido de sua excurso etnogrfica, sobre o que

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  • 3Na primeira etapa, enfatizada a necessidade de se levar em conta o fato inegvel de que nenhumasociedade perfeita. Todas as sociedades comportam certa dose de injustia, de insensibilidade e decrueldade. A fim de exemplificar essa dose de injustia, de insensibilidade e de crueldade, geralmentepresentes nas sociedades humanas, Lvi-Strauss toma como referncia o canibalismo ou antropofagia,prtica que nos parece particularmente cruel e que nos inspiram horror e repugnncia incomparveis.

    Aps ter distinguido canibalismo propriamente dito em que carne humana ingerida devido acrenas msticas, mgicas ou religiosas que do ao ato de com-la um valor sagrado8 do ato de ingerircarne humana em circunstncias excepcionais, nas quais no h outro alimento disponvel, possibilidadepresente em todos os tipos de sociedade, Lvi-Strauss chama nossa ateno para o fato de que os canibaiscomem suas vitimas, no pelo seu valor como alimento, mas pelo seu valor simblico. Acredita-se que aingesto de uma parcela do corpo de um ancestral ou de um fragmento de um cadver de um inimigopermite a incorporao de suas virtudes ou ainda a neutralizao de seu poder.9 Acredita-se tambm quea absoro de certos indivduos, detentores de foras temveis, o nico meio de neutralizar essas foras emesmo de se beneficiar delas (LVI-STRAUSS. 1960, p.485).10

    Tendo mostrado o alto valor moral dado ao canibalismo pelas sociedades que o adotam, Lvi-Strauss contrape as sociedades antropofgicas ou canibalsticas s sociedades antropomicas (imensignifica vomitar em grego), que, a fim de solucionar o problema imposto pela necessidade de neutralizarde alguma maneira as pessoas temveis, ameaadoras, optam por uma soluo oposta: a de expulsar essesseres temveis para fora do corpo social, mantendo-os temporria ou definitivamente isolados emestabelecimento (as prises) destinados a esse fim (LVI-STRAUSS. 1960, p.486). Tal soluo que estna base de nosso sistema penal e que nos parece humana e justa, no deixa de ter seus males. Para os povoscanibais ela provocaria o mesmo horror e repugnncia que sentimos perante o seu canibalismo.11

    Para captarmos o sentimento de horror e de repugnncia que a defesa das atividades justiceiras,antropomicas, pode causar, a quem est fora de sua influncia ideolgica, nada melhor do que a alegao,feita por Ferno Cortez ao ordenar que um indgena, que havia cometido um ato de antropofagia, fossepreso e queimado vivo:

    ele teria vindo fazer naquele serto, longe de tudo o que lhe interessava e de todas as pessoas de quem gostava etinha afinidade.

    8 H autores, todavia, a exemplo de Marvin Harris, que sem levar em conta os aspectos msticos esimblicos do canibalismo que so, sem dvida, essenciais d uma explicao meramente ecolgica do canibalismoasteca. Para ele, legtimo descrever os sacerdotes astecas como carniceiros rituais em um sistema patrocinado peloEstado e destinado produo e redistribuio de quantidades considerveis de protenas animais em forma de carnehumana (HARRIS, 1987, p.153), em um ecossistema com pouca disponibilidade de animais de porte para alimentarpopulaes mais densas.

    9 Na 24a Bienal do Livro de So Paulo, realizada em 1998, a temtica da antropofagia, proposta noManifesto Antropofgico de Oswald de Andrade, publicado em 1928, foi a tnica central. Enfatizou-se o papelsimblico e metafrico da devorao do outro, o colonizador, e a conseqente fuso do originrio com o novo emum processo criativo inovador.

    10 O alto valor moral outorgado ao canibalismo, pelos povos que o praticam, ressaltado tambm por RuthBenedict (citado em GEERTZ,1991, p.128). Zygman Bauman (1998), por sua vez, utiliza-se da oposioantropofagia/antropoemia, proposta por Lvi-Strauss, para pr em evidncia as duas estratgias utilizadas para selidar com o estranho, o diferente, no perodo moderno.

    11 Uma comparao anloga entre o canibalismo e os costumes judicirios foi realizada tambm por ThomasSzasz (1976), que estabelece um paralelismo entre o ato do canibal de incorporar suas vitimas, para conseguirvirtude, e a ttica de expeli-las, para conquistar inocncia, freqentemente encontrada em sociedades nocanibalistas. Com efeito, o sacrifcio ou expulso do bode expiatrio, sobre o qual recaiu o mal que se deseja expelir,confirma como bons ou virtuosos, os demais membros da sociedade.

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  • 4E, assim, por ter matado e comido algum, mandei queim-lo porque no queria que sematasse ningum (TODOROV. 1996, p.175).

    A forma pela qual o Governador Geral do Brasil colonial, Duarte da Costa, condena o canibalismoe probe sua prtica, em uma ordenao sobre essa questo dirigida aos ndios, evidencia, igualmente, certadose de injustia, de insensibilidade e de crueldade presente em ambas as sociedades, antropofgicas eantropomicas:

    Os inimigos deveriam (...) ser mortos no campo de batalha como soem fazer as outrasnaes, e, quando aprisionados, no se os devia matar e comer, mas escraviz-los e vend-los (CUNHA; VIVEIROS DE CASTRO. 1986, p.58).

    O fato do sistema penal das sociedades modernas no serem mais to violentos e chocantes nosignifica que eles no sejam igualmente desrespeitosos em relao vida humana, contraditrios na formapela qual combatem a criminalidade e pouco eficazes na recuperao dos criminosos. Por esse motivo,pessoas que se autodenominam de abolicionistas tm proposto a total extino do sistema penal, uma vezque est se tornando cada vez mais bvio que esse sistema no funciona de acordo com os princpios quepretendem legitim-lo. Por esse motivo, pessoas que se autodenominam de abolicionistas tm proposto atotal extino do sistema penal, uma vez que est se tornando cada vez mais bvio que esse sistema nofunciona de acordo com os princpios que pretendem legitim-lo. Uma dessas pessoas Louk Hulsman,professor da Universidade de Roterd e ex-presidente do Comit Europeu para Problemas Criminais. Osadeptos do abolicionismo no ignoram, todavia, as dificuldades dessa empreitada. Eles apostam nacriatividade dos seres humanos que lhes permite encontrar, desde que se empenhem nessa tarefa, outrasformas possveis de resolver as questes criminais, que no as propostas pelo sistema penal. 12

    A relativizao da antropofagia e das instituies penais, proposta por Lvi-Strauss, ao pr emevidncia o fato de que tanto uma como a outra so tidas como plenamente legtimas e altamente morais,por aqueles que vivem sob sua influncia, no pode e nem deve ser pensada como implicando a adoo daposio relativista radical, j referida, que nos impede de repudiar seja o que for, por mais injusto e cruelque possa nos parecer. Ele jamais cogitou, ao fazer esse tipo de relativizao, na possibilidade de seconsiderar a antropofagia e a antropomia como duas prticas passveis de ser avaliadas somente a partirdo contexto em que foram forjadas. Seu objetivo sempre foi apenas o de utilizar essa relativizao comoum meio para pr em evidncia o lado desumano e cruel de ambas e a conseqente necessidade de super-las.

    Partindo do pressuposto de que os males indubitavelmente presentes em todas as sociedadeshumanas no so inexorveis, Lvi-Strauss acredita na possibilidade de se encontrar, por detrs dos abusose dos crimes, uma base, inabalvel, a partir da qual se possa construir uma sociedade digna de se viver.Para isso, preciso, como ele assinala na segunda etapa de sua argumentao, nada reter de nenhumasociedade, mas utiliz-las todas para pr em evidncia os princpios da vida social que nos ser possvelaplicar reforma dos nossos prprios costumes, pois apenas a sociedade a que pertencemos queestamos em situao de transformar sem arriscarmos a sua destruio (LVI-STRAUSS. 1960, p.493).

    O que Lvi-Strauss quer dizer com isso? Que, para fugirmos do etnocentrismo e da doutrinarelativista, denunciada por ele como perniciosa, preciso levar a investigao alm dos limites da

    12 Alm de criticar o sistema penal, Hulsman pe em evidncia o fato indiscutvel de que a noo de crime relativa, pois resulta de uma deciso humana que sempre pode mudar. Como exemplo, ele cita a caa s bruxas, nodecorrer da Idade Mdia, e a considerao do aborto como um crime em certos pases, aliada sua liberao emoutros (Folha de So Paulo, 6 de dezembro de 1997).

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  • 5conscincia, 13 alm das idias que as pessoas fazem das razes pelas quais elas se comportam, de formasimilar ao que ele fez em relao antropofagia e antropomia. 14 Em momento algum, no entanto, elenos diz como poderia ser feita a superao dessas duas formas alternativas de se utilizar a violncia com oobjetivo de neutralizar o poder do inimigo ou de incorporar suas virtudes. A sua proposio, a de que preciso pr em discusso a possibilidade de se encontrar um modo de se ultrapassar o relativismo radical,mesmo assim, construtiva, posto que funda nos mesmos princpios duas atitudes aparentementecontraditrias: o respeito para com sociedades muito diferentes da nossa e a participao ativa nos esforosde transformao de nossa prpria sociedade (LVI-STRAUSS. 1970, p.360).

    por essa razo que Lvi-Strauss reage com espanto e indignao perante a confuso, feita poralguns de seus intrpretes, entre o ato de relativizar e a adoo de uma postura relativista segundo a qualtudo vlido. Dirigindo-se diretamente Maxime Rodinson, um dos autores que faz esse tipo deinterpretao, ele afirma enfaticamente que, longe de me satisfazer com um relativismo esttico, comocertos antroplogos americanos justamente criticados por Rodinson com os quais ele no tem razo de meconfundir, denuncio seu perigo, abismo onde o etnlogo se arrisca sempre a cair (LVI-STRAUSS. 1970,p.361). A mesma ressalva pode ser feita em relao afirmativa de Tzvetan Todorov de que Lvi-Strauss portador de um relativismo tico radical por ter afirmado que toda sociedade imperfeita, nenhuma melhor do que a outra (TODOROV. 1993, p.79).

    A possibilidade, explorada por Lvi-Strauss, de se conciliar o respeito s particularidades culturaiscom a busca do universalismo assinalada, tambm, por Louis Dumont, ao afirmar que:

    O universal s pode ser atingido na espcie atravs das caractersticas prprias, e semprediferentes, de cada tipo de sociedade. Por que ir a ndia se no for para contribuir para adescoberta de como a sociedade indiana, por sua prpria particularidade, representa umaforma de universal? Definitivamente, s aquele que se volta com humildade para aparticularidade mais nfima que mantm aberta a rota do universal (DUMONT. 1992,p.52).

    Com efeito, ao procurar compreender o sistema de castas indiano, to oposto nossa moral erebelde nossa inteligncia (DUMONT. 1992, p.49), tarefa a qual ele dedicou grande parte de sua vida,seu objetivo no foi o de apregoar o anmalo ou de traficar o estranho, mas sim o de pr em evidncia oslimites e as condies de realizao do igualitarismo moral e poltico do qual estamos vinculados(DUMONT. 1992, p.50).

    Outro autor que rejeita o relativismo como uma opo filosfico-terica Eduardo Soares. A seuver, as pesquisas antropolgicas devem ser orientadas para "a busca de universais, por um lado, aexplorao radical das diferenas, por outro, sem concesses e com plena conscincia da prprialimitao" (SOARES. 1994, p.91).

    13 No s na antropologia que se precisa levar a investigao alm dos limites da conscincia. Comparandoa antropologia com a lingstica e a lgica, Lvi-Strauss lembra que o fato de no ser preciso ter conscincia das leisda lgica, para pensar, e nem das leis lingstica, para falar, no implica que no seja preciso descobri-las (LVI-STRAUSS, 1976, p.218).

    14 A anlise estrutural, na antropologia, assim como a anlise fonolgica, na lingstica, passa do estudo dosfenmenos conscientes "ao de sua infra-estrutura inconsciente; ela se recusa a tratar os termos como entidadesindependentes, tomando, ao contrrio, como base de sua anlise as relaes entre os termos" (LVI-STRAUSS,1970, p.49), busca descobrir leis gerais, tais como as leis de combinao dos sons, no caso da fontica, e as leis detroca matrimonial, no caso da antropologia. Dessa perspectiva, a noo de objetividade no diz respeito capacidadedo investigador de "se elevar acima dos valores prprios da sociedade" (LVI-STRAUSS, 1970, p.388), mas sim desua capacidade de levar a investigao alm dos limites da conscincia.

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  • 6H alguns antroplogos norte-americanos, todavia, que consideram as crticas geralmente feitas doutrina relativista, irrelevantes, e as pretenses universalistas, da decorrentes, inviveis. Clifford Geertz um desses autores. A seu ver, a vocao essencial da antropologia:

    No responder s nossas questes mais profundas, mas colocar nossa disposio asrespostas que outros deram e assim inclu-las no registro do que o homem falou (GEERTZ.1978, p.41).

    Ou, dito em outros termos:

    Tranqilizar a tarefa de outros; a nossa a de inquietar (...) apregoamos o anmalo,mascateamos o que estranho, mercadores que somos do espanto (GEERTZ, 2001,p.65).15

    Fiel a essa postura, Geertz faz uma crtica ferrenha aos anti-relativistas, dizendo que esses criamtemores imaginrios sob algo que no merece ser temido.16 Acreditando que a razo no est com CliffordGeertz, mas com os autores que se recusam a reduzir a tarefa da antropologia apenas ao ato de inquietar,apregoar o anmalo, traficar o estranho, atravs da justaposio de uma srie de particularidades culturaisisoladas e fechadas em si mesmas,17 parece-me legtimo e extremamente importante denunciar os perigosque rondam a adoo de um relativismo que implique o abandono da possibilidade de se fazer com que asculturas falem uma as outras em termos crticos.18

    Referncias Bibliogrficas

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    So Paulo. 1988.CUNHA, Manuela L. Carneiro; Eduardo B. Viveiros De Castro. Vingana e Temporalidade: os

    Tupinambs. Anurio Antropolgico 85. Rio de Janeiro. 1986.DA MATTA, Roberto. Relativizando: uma introduo antropologia social. Petrpolis: Vozes. 1983.DUMONT, Louis. Homo Hierarchicus: O sistema das castas e suas implicaes. So Paulo: EDUSP.

    1992.GEERTZ, Clifford. A interpretao das culturas. Rio de Janeiro: Zahar. 1978.

    15 Ponto j ressaltado por Ruth Benedict, em um texto em que ela trata do valor moral do canibalismo, aodizer que a cabe antropologia a tarefa de inquietar, de ser mercadora da perplexidade, conforme o prprio Geertzo reconhece (citado em GEERTZ,1991, p.128).

    16 Ernst Gellner, que critica o menoscabo de Geertz quanto aos perigos inerentes ao relativismo, atribui essemenoscabo incapacidade de Geertz de compreender as questes realmente em jogo, afirmando que no h comonegar que o relativismo cognitivo um absurdo, o relativismo moral trgico (GELLNER, 1997, p.254).

    17 Ponto enfatizado por Dan Sperber, ao afirmar que se na antropologia pr-relativista, os Ocidentais serepresentavam como superiores a todos os outros povos. O relativismo substituiu esta detestvel barreira hierrquicapor um apartheid cognitivo: se ns no podemos ser superiores em um mesmo universo, que cada povo viva em seuprprio universo (SPERBER, 1982, p.83).

    18 Conseqncia do relativismo referida por Teresa Pires Caldeira (1988).

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  • 7GEERTZ, Clifford. Works and lives: the anthropologist as author. Stanford: Stanford University Press.1991.

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