Os Desdobramentos Da Iatrogenia Na Vida Escolar Da Criança - Sílvia Ester Orru
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VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X
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OS DESDOBRAMENTOS DA IATROGENIA NA VIDA ESCOLAR DA CRIANÇA:
REFLEXÕES SOBRE AVALIAÇÃO, DIAGNÓSTICO E PREVENÇÃO PARA UMA
ESCOLA NÃO EXCLUDENTE
Ana Luza Sá ALVARENGA1
Sílvia Ester ORRÚ2
Virgínia SILVA3
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília
Agência financiadora: CAPES
INTRODUÇÃO
O presente artigo se constitui por um ensaio teórico acerca dos desdobramentos da iatrogenia
na vida escolar de crianças e que, de modo vago e indistinto, são lhes imputados diagnósticos
de hipotéticas deficiências ou transtornos que as adjetivam como menos capacitadas. O ensaio
se originou do estudo crítico de abrangência educacional e social sobre as impressões e as
consequências iatrogênicas do diagnóstico como um instrumento utilizado para avaliar o
indivíduo, nomear, classificar e rotular as crianças a ele submetidas face ao estado social no
qual estão inseridas. A metodologia para o estudo se trata de análise documental CID 10 e
DSM IV sobre os desdobramentos da iatrogenia frente à vida escolar de crianças.
O alvo desse ensaio é o ato reflexivo e crítico sobre o tema proposto que indica haver uma
tendência à valorização desmedida da avaliação diagnóstica cuja mesma infere no
crescimento indiscriminado da medicalização da vida escolar da criança. Como conseqüência,
tais resultados iatrogênicos podem trazer sérios prejuízos qualitativos no desenvolvimento da
aprendizagem de crianças recebedoras de diagnósticos que potencializam a existência de
deficiências e transtornos hipotéticos, principalmente no âmbito psíquico.
AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA: PRELIMINARES PERIGOSAS DE IATROGENIA
Para Illich “a Medicina institucionalizada transformou-se numa grande ameaça à saúde”
(1975, p. 1). Segundo ele, o maior agente patógeno contemporâneo é a incansável procura de
um corpo sadio. E, de uma maneira importante, isto tem uma história” (1992, p. 211). O autor
já na década de 70 nos advertia ao perigo da procura obcecada por um corpo sadio, e no
tempo presente, essa obsessão se voltou para o ser humano de modo a identificar todo o
qualquer tipo de comportamento que possa suscitar o “fora do normal” e atrapalhar o bom
andamento dos planejamentos estabelecidos pelas instituições sociais, entre elas, a escola.
Na história é possível perceber uma obsessão do ser humano em tentar normalizar outros
indivíduos que se mostram à margem dos padrões sociais considerados saudáveis e desejados
1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Brasília. Email:
[email protected] 2 Docente do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Brasília. Email: [email protected] 3 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Brasília. Email:
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pela sociedade. Sob este prisma de hegemonia e homogenia somente o indivíduo produtivo
economicamente e sadio é aceito e tolerado. Os padrões de normalidade e anormalidade estão
a todo tempo à tona desfavorecendo a diversidade e a diferença entre os indivíduos, sendo
esta uma trilha para a marginalização do outro (FOUCAULT, 1977).
A avaliação diagnóstica é um instrumento muito presente no cenário da escola como
instituição social. Embora muitos professores e psicopedagogos aleguem realizarem
avaliações de cunho apenas psicopedagógico, a realidade, é que o parâmetro para a construção
desse instrumento se apóia nos critérios já estabelecidos pela Classificação Internacional de
Doenças (CID, 1993) ou então pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Tratamentos Mentais
(DSM, 1995) criado pela Associação Americana de Psiquiatria. Em outras palavras, podemos
perceber a existência de uma máscara que sombreia critérios médicos estabelecidos em ações
aparentemente psicopedagógicas, ou seja, uma avaliação diagnóstica que deveria servir
exclusivamente para auxiliar o professor a desenvolver ações pedagógicas para a superação de
possíveis dificuldades no processo de ensinar e aprender, acaba sendo subserviente de
critérios clínicos cuja maior serventia é classificar e rotular indivíduos.
É por meio do diagnóstico que um quadro de sintomas fundamentados na CID ou no DSM sai
da condição de abstrato e passa a se materializar como algo concreto para a sociedade quando
um rótulo é imposto no indivíduo e, este por sua vez, passa a levar consigo a marca e o
estigma de um indivíduo que não é normal, mas sim, doente, deficiente, incapacitado; um
anormal que precisa ser tratado, medicado, até mesmo segregado em instituições
especializadas para atender as exigências do padrão de indivíduos desejados pela sociedade.
Essa mentalidade é que sustenta a existência de escolas excludentes, pois gera nos próprios
profissionais da educação quase que uma necessidade de identificar na sala de aula os alunos
que se enquadram nesse contexto. Essa escola excludente justifica suas falhas pedagógicas a
partir do quadro sintomático do aluno. Numa tentativa de normatizá-lo, concorda, apóia e,
inclusive, até mesmo assume alguns minutos como profissional da saúde para sugerir que se
busque uma receita médica para que o aluno possa fazer uso do que há de mais moderno hoje
no mercado: a Ritalina (NOVARTIS, 2013). Num breve comentário, podemos dizer que esse
é um medicamento que deveria ter sua prescrição médica evitada. Logo, muito menos deveria
ser levantado como hipótese salvadora pelo profissional da educação que, certamente, deve
desconhecer os efeitos iatrogênicos severos que podem se desencadear na criança, inclusive,
causar dependência física ou psíquica.
Por conseguinte, uma vez realizado um diagnóstico de modo equivocado, precipitado ou
indiscriminado, os resultados da iatrogenia alcançam o indivíduo de maneira negativa e, até
mesmo danosa a sua vida. Quando a identidade deste indivíduo é tatuada pelas características
daquilo que foi diagnosticado, ficando estas mais acentuadas e realçadas do que o próprio ser
humano dá-se inicio um processo cruel e, muitas vezes, irrevogável que denominamos
“coisificação” do indivíduo.
É por meio da “coisificação” gerada pelo diagnóstico rotulador que a subjetividade do
indivíduo é praticamente esquecida, ficando em maior ressalto a materialização daquela
“coisa” (suposto transtorno, incapacidade, doença) que antes era abstrata, mas que agora o
nomeia frente à sociedade. É nesse contexto que nos deparamos com profissionais da
educação que se referem a determinados alunos com os seguintes vocativos: “[...] aquele é o
TDAH, não para quieto.”; “[...] aquele ali é o autista, vive em seu próprio mundo”; “[...]
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embora ainda sem diagnóstico, percebemos que ele é diferente, mas alguma coisa ele deve
ter”. Lamentavelmente, essas últimas linhas não se expressam como exageros, mas sim como
uma triste realidade presente em grande parte de nossas escolas, tanto da rede pública como
privada. Esses alunos, até então crianças, passam a ser concebidos, realmente enxergados e
tratados pela nominação que receberam a partir do diagnóstico, o quadro de sintomas que
antes era abstrato, que se encontrava apenas nas páginas da CID e do DSM agora estão
materializados na vida deste aluno.
Chamamos à atenção para a terminologia utilizada nos critérios para diagnóstico da CID e do
DSM. Ela traz consigo uma adjetivação contraproducente com relação às singularidades da
criança diagnosticada. Enfoca o déficit, a falha, aquilo que considera estar faltando na criança
se comparada a uma criança com desenvolvimento que satisfaz ao padrão imposto pela
sociedade. O conjunto dessa adjetivação constitui o quadro de sintomas que nomina uma
doença, um determinado transtorno. Vejamos como exemplo, quando uma criança é
enxergada de forma fragmentada, a partir de seus comportamentos pouco tolerados pela
escola, pela sociedade, ela é classificada pela CID, 10ª versão ou pelo DSM IV a partir das
seguintes características consideradas sintomáticas e de essência negativa:
CID 10 DSM IV
Falta de perseverança nas atividades Comete erros por descuido
Atividade global desorganizada,
incoordenada e excessiva
Com freqüência não segue instruções
Frequentemente imprudentes e impulsivas Não termina seus deveres
Incorrem em problemas disciplinares Com freqüência evita, antipatiza ou reluta a
envolver-se em tarefas que exijam esforço
mental constante
Relações com os adultos são frequentemente
marcadas por uma ausência de inibição
social, com falta de cautela e reserva
normais
Com freqüência perde coisas necessárias
Impopulares com as outras crianças Freqüentemente abandona sua cadeira em
sala de aula
Podem se tornar isoladas socialmente Freqüentemente fala em demasia
Déficit cognitivo retardo específico do
desenvolvimento da motricidade e da
linguagem
Freqüentemente interrompe
Comportamento dissocial e perda de auto-
estima
Se mete em assuntos de outros
Será que apenas indivíduos sindrômicos, doentes ou com algum tipo de transtorno apresentam
as características acima citadas? Será que os psiquiatras que criaram e impuseram o DSM
para a avaliação de transtornos mentais, quando crianças, nunca apresentaram pelo menos três
desses comportamentos mencionados? Será que os profissionais da educação nunca se viram
enquadrados em pelo menos três dessas características quando eram estudantes?
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Os termos assinalados no quadro atribuem valores ao indivíduo, classificam e tatuam rótulos,
marcas a partir de comportamentos considerados fora do padrão estipulado por um tipo de
sociedade que enobrece o que se caracteriza como economicamente produtivo e homogêneo,
elementos necessários para o controle do indivíduo pela sociedade de nossa época.
Portanto, se fizermos uma reflexão às avessas, perceberemos que paira um pânico nos
controladores dessa sociedade quando estes se deparam com um indivíduo, ainda criança, que
se apresenta como curioso, questionador, inconformista, resistente a cumprir toda e qualquer
tarefa a ele imposta e mal explicada ou justificada, super ativo, diferente no modo de ser em
razão de sua personalidade criativa, autêntico de modo a assustar o outro acostumado a
controlar e a obedecer sem questionar. Este indivíduo, desde sua tenra idade, incomoda a
sociedade. Traz incômodo à escola porque a constrange diante de sua incompetência na
construção de novas metodologias para aprendizagem frente às novas configurações
subjetivas dos alunos, das crianças do tempo presente.
De acordo com Akermam (2000, p.74) a escola tem assumido o papel de perpetuar a
hegemonia e a homogeneização obstinada pela sociedade que se estabelece de geração em
geração, vejamos: “Da medicina passando pela pedagogia, pela psicologia, pelo direito até
chegar à televisão, todos se ocupam do enquadramento objetivo e subjetivo do que deve ser
uma criança e um adolescente”.
Neste cenário, quem foge aos padrões da sociedade vigente é anormal ou rebelde. E o papel
da avaliação diagnóstica como uma preliminar perigosa aos efeitos iatrogênicos é nominar,
classificar e rotular esses indivíduos e, posteriormente, numa tentativa de contê-los dentro das
expectativas sociais homogeneizantes, acabam por medicalizá-los em sua vida escolar numa
força tarefa de normatizá-los, modificá-los, controlá-los e padronizá-los conforme os modelos
sociais que se assujeitam ao controle.
As linhas escritas no quadro posto com os critérios descritos pela CID 10 e pelo DSM IV
correspondem às características comportamentais do Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade. Fazemos menção que este e muitos outros “transtornos4” não são
identificados por exames laboratoriais, em outras palavras, não apresentam um vírus ou uma
célula defeituosa passivos de serem reconhecidos por tais exames. Esses transtornos são
diagnosticados a partir de observação comportamental e relacionados àqueles critérios
dispostos que se materializam no indivíduo e o apontam como doente, sindrômico,
transtornado, menos capaz, anormal.
As adjetivações e características apontadas nos critérios para avaliação diagnóstica acabam
por dar ênfase apenas a uma série de comportamentos embebidos de negatividade e que
estigmatizam e marcam o indivíduo como quem produz resultados indesejados pela sociedade
se comparado a outro indivíduo por ela considerado como normal, ou seja, que atende ao
padrão estabelecido. Desta maneira se processa a desumanização do indivíduo em seu meio
social, uma vez que terminam por serem coisificados e representam tão somente as
características listadas nos quadros sintomáticos.
4 Exemplo: transtorno de espectro autista, o transtorno opositor desafiante, o transtorno de ansiedade, o
transtorno depressivo entre muitos dos 374 citados no DSM.
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OS DESDOBRAMENTOS DA IATROGENIA SOCIAL
Frente a esse panorama é que se faz relevante uma reflexão tomada pelo espírito crítico de
entender que uma avaliação diagnóstica pode desencadear resultados pertinentes à iatrogenia
social que podem ser irreversíveis no indivíduo, em sua família, na comunidade na qual se
insere, em sua relação social com o outro e até consigo mesmo.
Essa reflexão faz um movimento importante, pois de modo geral, a avaliação diagnóstica
como ato precoce tem sido defendida por muitos profissionais da saúde e por profissionais da
educação como algo positivo e necessário para que tão cedo surja um prognóstico de
intervenção que abrande determinados sintomas identificados. Não obstante, esse texto traz
uma opinião um pouco diversa, alertando que a avaliação diagnóstica precoce pode ser
também construída por conclusões equivocadas e precipitadas, além de terem a tendência a
rotular o indivíduo. Logo, é de bom senso entender que a prevenção às deficiências também
pode se dar a partir do extremo cuidado com a ação de diagnosticar algo no outro. Dizemos
desta forma porque dependendo das atitudes tomadas após o diagnóstico inferido, essa criança
pode de fato começar a apresentar comportamentos patológicos oriundos da medicação
prescrita e seus efeitos colaterais e também do processo de marginalização que pode sofrer em
meio à sociedade. Portanto, se essa criança apenas fugia aos padrões comportamentais
desejados pela sociedade homogênea, agora pode realmente ser diagnosticada como doente,
pois poderá se apresentar apática, sem concentração, inerte, cognitivamente limitada por estar
dopada, sob efeitos impactantes do medicamento.
Essa iatrogenia social aparece na forma de preconceito, estigma, barreira atitudinais
carregadas de percepções distorcidas de menos-valia, incapacidade, subestimação, rejeição,
marginalização e até mesmo sentimento de medo referente ao indivíduo, manifestados pela
sociedade e, lamentavelmente, pela própria escola como instituição social. As barreiras
atitudinais não são únicas, elas surgem à medida que a sociedade se transforma e geram uma
cicatriz que pode se mostrar perdurável no sujeito (ORRÚ, 2012).
Em razão da supervalorização das avaliações diagnósticas baseadas em observação
comportamental é que se construiu uma imagem exacerbada sobre os comportamentos das
crianças com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade dentre outros e, como resultado
desta obstinação, passa-se haver um credo que essas crianças são hiperativas, agressivas,
desatentas, desafiadoras, com menos capacidade de aprender, destinadas a se relacionarem em
classes segregadas, até mesmo vistas como sendo uma possível ameaça à segurança de outras
crianças.
Também é notável que a realidade educacional brasileira muitas vezes impede que a criança
com alguma dificuldade de aprendizagem se desenvolva plenamente em razão de conclusões
diagnósticas precipitadas, preconceituosas e estigmatizantes acerca de seu processo de
desenvolvimento e aprendizagem. Ora, é preciso mudar o foco em prol de uma escola não
excludente. As possibilidades de aprendizagem são uma herança própria da espécie humana.
A questão é que nem todas as pessoas aprendem do mesmo jeito, com a mesma metodologia,
em um mesmo compasso. Nem todos percebem o mundo ao seu redor da mesma forma.
Portanto, as singularidades de cada um exigem da escola o saber fazer criativo, pautado no
aluno como parte do processo de ensinar e de aprender. Caso contrário, a escola continuará
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reproduzindo uma forma de ensinar retrógada e reducionista do potencial de aprendizagem de
seus muitos alunos.
Entretanto, acreditamos que falta, na verdade, uma investigação e avaliação diagnóstica sobre
as reais dificuldades dos professores no processo de ensinar seus alunos. A forte tendência
homogênea e hegemônica perpetua a ideia de que o professor sabe ensinar e que por isto seus
alunos tem a obrigação de aprender e, se não estão aprendendo, é porque a culpa é deles
mesmos que são incapazes ou que não prestaram atenção às aulas. Mas o professor sabe
ensinar o que? A quem? De que modo ele sabe ensinar? Com quem ele está dialogando nesse
processo? O que percebemos é que há certa homogenia no sentido de que nossos professores
“sabem ensinar” alunos medianos, aqueles que não se encontram na categoria das dificuldades
de aprendizagem, mas que também não estão listados na categoria das altas habilidades. Ou
melhor, se o aluno exige mais (que aquele com dificuldades ou com altas habilidades) o
professor se encontra perdido, despreparado para o processo de ensinar e de aprender que se
constitui como uma mão dupla. Esta realidade evidencia que nossa escola muito pouco sabe
lidar com a diversidade, com as diferenças nos processos de aprendizagem. Sendo assim,
numa tentativa de se prevenir ações excludentes na escola, é preciso certa dedicação ao estudo
sobre as dificuldades dos professores em se adequarem às demandas sociais, ou seja, às novas
crianças, ao novo paradigma de alunos que estão sendo matriculados nas escolas brasileiras.
Contudo, esse credo na plena validade, legitimidade e confiabilidade nas avaliações
diagnósticas se revela repleto de equívocos, de ignorância quanto à subjetividade e as
singularidades das crianças, se mostra marcado pelo preconceito e discriminação, perpetuando
o mal através dos efeitos sociais iatrogênicos de práticas classificatórias e rotuladoras de
indivíduos que tem sua identidade subjetiva trocada por uma que é espelho refletidor de
quadros sintomáticos.
CONCLUSÕES
O diagnóstico quando impetrado de modo irresponsável e equivocado enfoca a marca
biológica como um fator determinante para o fracasso no processo de aprender da criança. A
criança padece resignada com a opressão do estigma de ser entendida como alguém anormal.
Traz sobre si o delito do não aprender e como sujeito singular sofre sua invisibilidade pela
parte dos outros que a enxerga como doente, transtornada ou fora do normal.
Portanto, consideramos neste estudo que as avaliações diagnósticas podem ser instrumentos
provocadores de resultados sociais iatrogênicos na vida de muitas crianças em idade escolar.
O enaltecimento dos critérios diagnósticos em detrimento das singularidades da criança
aniquila sua subjetividade passando a ser vista e tratada a partir do quadro sintomático que
apresenta ou pelo rótulo que lhe foi atribuído.
Não há dúvidas que vivemos em uma época de transição de paradigmas. Nossas crianças não
são mais as mesmas de 20 anos passados. É preciso emergir um entendimento consciente
sobre as novas configurações subjetivas de nossas crianças, sobre os contextos sociais que vão
constituindo sua forma de ser e de ver o mundo que as cerca. É necessário e urgente perceber
que os nossos alunos são essas crianças repletas de possibilidades de aprendizagem e que é a
escola que precisa se adaptar a esse novo tempo, às novas configurações de seus alunos.
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Vê-los como sujeitos ativos de seu processo sócio-histórico, como possíveis cidadãos que
emanam criatividade, atividade, sinergia para viverem neste mundo onde as transformações
cotidianas são velozes e exigem pessoas com tais habilidades. Precisamos perceber que nossa
cultura está mudando, porém, muito lentamente, como é próprio da história, mas a revés,
nossas crianças acompanham a velocidade das muitas tecnologias de um mundo mais
imediatista. Logo, cabe a escola rever sua configuração em sua função social e não recorrer
aos cantos da medicalização que controlam e desaceleram nossas crianças atribuindo às
questões sociais problemas de ordem biológica onde a concepção de aluno é ainda aquela
onde ele se senta sempre atrás da nuca de seu colega enquanto seu professor explana o
conteúdo curricular a ser precisamente cumprido dentro do bimestre planejado.
Aos profissionais da educação não cabe o diagnosticar doenças, mesmo que de maneira
informal, uma vez que este ato é pertinente à atividade médica. Tampouco cabe ao
profissional da educação justificar suas falhas pedagógicas a partir das singularidades de seus
alunos e diagnóstico clínico impetrado. O fator biológico não é determinante para o fracasso
escolar. Segundo estudos, até o momento presente não há comprovações de que exista uma
doença de cunho psiquiátrico que comprometa o processo de aprendizagem das pessoas
(MOYSES & COLLARES, 2002).
Aos educadores cabe o trabalhar com as áreas de interesses de seus alunos e o investimento
no desenvolvimento de novas metodologias que favoreçam o processo de aprendizagem dos
mesmos. Aplicar objetivos e metas concretas para que o desenvolvimento de significados e
ações práticas seja constante na vida do aluno.
À escola cabe promover e favorecer a educação de todos e para todos a partir da organização
do meio social e a favor de um processo de ensinar e aprender repleto de sentido e significado
para seus alunos, jamais se esquecendo deles como crianças singulares que são. Devem ser
concebidas como sujeitos ativos de seu processo de aprender, sem desconsiderar os aspectos:
biológico, social, cultural, histórico e suas singularidades que as constituem de modo pleno e
integral. Por último, cabe a escola perceber que o diagnóstico não a serve para construir
metodologias para o processo de ensinar e aprender, mas sim as práticas pedagógicas onde a
relação dialógica e dialética é privilegiada junto aos seus alunos.
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