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Expresso, 24 de março de 2018 ECONOMIA 16 Projeto Os desafios para este ano e para o futuro foram o tema do primeiro de seis debates organizados pelo Expresso e pelo Santander PME têm de aceitar fazer parcerias EMPRESAS MAIS FORTES Textos Ana Baptista Foto Nuno Fox A s estatísticas mais recentes são cla- ras: o ano passado, o peso das expor- tações em termos reais atingiu os 42% do produto in- terno bruto (PIB) e as vendas de bens para o exterior aumentaram 5 mil milhões. Além disso, a economia cres- ceu 2,7%, influenciada pela procura interna, e a expectativa é de que, em 2018, o consumo privado em Portugal cresça 2,2% e ultrapasse o máximo do milénio. Não há, portanto, dúvidas de que existe uma melhoria da economia e de que os principais protagonistas dessa melhoria são as pequenas e mé- dias empresas (PME), não fossem elas 99,99% do tecido empresarial portu- guês e responsáveis por quase 80% do emprego. Contudo, nada disto significa que tudo esteja bem com todas estas em- presas e que não haja ainda dificulda- des e muito a melhorar. Até porque se há números que oscilam com frequên- cia são os da economia de um país e isso até já se verificou este ano em Portugal. Por exemplo, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), as exportações aumentaram 9,6% quando comparadas com o mes- mo mês de 2017, mas isso é menos do que os aumentos de mais 10% regista- dos nos meses anteriores e voltou a ser menos do que as importações. Os desafios que se colocam às PME são, por isso, muito maiores do que se pensa, principalmente se às ques- tões económicas, financeiras e de con- corrência se somarem outras como a adaptação à digitalização da eco- nomia. E por isso é que faz sentido debater esses desafios e dar sugestões e recomendações sobre como melhor os ultrapassar, diz Pedro Castro e Al- meida. Cooperar para ganhar massa crítica Foi com esta premissa que o admi- nistrador do Santander Totta abriu o primeiro de seis debates que o banco está a organizar em parceria com o Expresso no âmbito do projeto “Em- presas Mais Fortes”. Neste encontro, que decorreu na sede do banco, em Lisboa, estiveram o secretário de Es- tado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, o presidente do IA- PMEI, Jorge Marques dos Santos, o presidente do Fórum de Administra- dores e Gestores de Empresas (FAE), Luís Filipe Pereira, a administradora da Agência Nacional de Inovação, Isa- bel Caetano e ainda o diretor-coor- denador de negócios do Santander Totta, Carlos Santos Lima. E uma das recomendações que foram feitas às PME, transversais a todos os inter- venientes, é de que, sozinhas, estas empresas não vão conseguir exportar mais, diversificar os mercados para onde vendem e concorrer com as em- presas estrangeiras que são, no mer- cado global, a sua principal ameaça. “A PME considera o seu vizinho como concorrente em vez de olhar para o vizinho como parceiro para concorrer no estrangeiro, mas tem de haver uma capacitação coletiva. As empresas têm de se aliar e cooperar umas com as outras, sem perder a independência, e têm de criar clusters com várias entidades do sector. E as associações têm de fazer um esforço brutal para sair da redoma de vai- dades pessoais e criar verdadeiras associações que estejam ao serviço das empresas e não à procura de fun- dos comunitários ou de apoios para fazerem coisa pequeninas que não dão resultados”, diz Jorge Marques dos Santos, dando como exemplo o sector do calçado e o trabalho recente da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICAPS). Esta recomendação torna-se ainda mais significativa se se tiver em conta que a maioria das PME são microem- presas, em média com três pessoas, e que as pequenas têm em média 18 pessoas, alertou Luís Filipe Pereira. Ou que “o número de empresas expor- tadoras continua limitado a 22 mil”, ou seja, “as exportações crescem mais do que as empresas que exportam”, diz Eurico Brilhante Dias. E ainda que essas vendas estão ainda muito concentradas em Espanha, Angola, França, Reino Unido e Itália e que é preciso diversificar os países para onde se exporta. Aliás, para Jorge Marques dos Santos, uma das for- mas de combater esta falta de diver- sificação passa pelas PME usarem as novas plataformas como a Uber ou a Amazon, que lhes permitem estar no mundo sem os custos de deslocação. Mudar mentalidades e melhorar a gestão A ideia das PME cooperarem entre si não é, contudo, fácil, e as instituições públicas de apoio sabem-no. Apesar de haver casos de sucesso, as princi- pais queixas continuam a ser sobre a elevada carga fiscal, a burocracia e a falta de financiamento, nota Luís Filipe Pereira. “Nas PME, o problema é de gestão e não de financiamento. Há incentivos financeiros para que as empresas se associem e exportem e diversifiquem mercados em conjun- to, mas existe um problema cultural que é preciso combater”, salienta o presidente do IAPMEI. De facto, nota por sua vez Luís Filipe Pereira, há um problema de gestão na maioria das PME. “A área estratégica é das mais relevantes numa empresa, mas nestas não há essa cultura e não há formação para isso”. Estes são outros dos grandes desa- fios que as PME têm pela frente: a mudança de mentalidades, a melhoria das equipas de gestão e a formação dessas equipas. E uma das formas de fazer isso é colaborar com as univer- sidades, como refere Isabel Caetano. Ou dar a conhecer os casos de sucesso de colaboração entre empresas. “Há inúmeros exemplos que têm de ser identificados”, repara. O SECTOR 99 é a percentagem de PME no tecido empresarial português. Na Europa é 97% 3 é o número médio de pessoas que têm uma microempresa. Uma pequena tem 18 e uma média já tem 700 50 é a percentagem de empresas exportadoras que apenas vendem para um país, neste caso Espanha ou Angola

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Expresso, 24 de março de 2018ECONOMIA16

Projeto Os desafios para este ano e para o futuro foram o tema do primeiro de seis debates organizados pelo Expresso e pelo Santander

PME têm de aceitar fazer parcerias

EMPRESAS MAIS FORTES

Textos Ana Baptista Foto Nuno Fox

As estatísticas mais recentes são cla-ras: o ano passado, o peso das expor-tações em termos reais atingiu os 42% do produto in-terno bruto (PIB) e as vendas de bens

para o exterior aumentaram 5 mil milhões. Além disso, a economia cres-ceu 2,7%, influenciada pela procura interna, e a expectativa é de que, em 2018, o consumo privado em Portugal cresça 2,2% e ultrapasse o máximo do milénio.

Não há, portanto, dúvidas de que existe uma melhoria da economia e de que os principais protagonistas dessa melhoria são as pequenas e mé-dias empresas (PME), não fossem elas 99,99% do tecido empresarial portu-guês e responsáveis por quase 80% do emprego.

Contudo, nada disto significa que tudo esteja bem com todas estas em-presas e que não haja ainda dificulda-des e muito a melhorar. Até porque se há números que oscilam com frequên-cia são os da economia de um país e isso até já se verificou este ano em Portugal. Por exemplo, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), as exportações aumentaram 9,6% quando comparadas com o mes-mo mês de 2017, mas isso é menos do que os aumentos de mais 10% regista-

dos nos meses anteriores e voltou a ser menos do que as importações.

Os desafios que se colocam às PME são, por isso, muito maiores do que se pensa, principalmente se às ques-tões económicas, financeiras e de con-corrência se somarem outras como a adaptação à digitalização da eco-nomia. E por isso é que faz sentido debater esses desafios e dar sugestões e recomendações sobre como melhor os ultrapassar, diz Pedro Castro e Al-meida.

Cooperar para ganhar massa crítica

Foi com esta premissa que o admi-nistrador do Santander Totta abriu o primeiro de seis debates que o banco está a organizar em parceria com o Expresso no âmbito do projeto “Em-presas Mais Fortes”. Neste encontro, que decorreu na sede do banco, em Lisboa, estiveram o secretário de Es-tado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, o presidente do IA-PMEI, Jorge Marques dos Santos, o presidente do Fórum de Administra-dores e Gestores de Empresas (FAE), Luís Filipe Pereira, a administradora da Agência Nacional de Inovação, Isa-bel Caetano e ainda o diretor-coor-denador de negócios do Santander Totta, Carlos Santos Lima. E uma das recomendações que foram feitas às PME, transversais a todos os inter-venientes, é de que, sozinhas, estas empresas não vão conseguir exportar mais, diversificar os mercados para onde vendem e concorrer com as em-

presas estrangeiras que são, no mer-cado global, a sua principal ameaça.

“A PME considera o seu vizinho como concorrente em vez de olhar para o vizinho como parceiro para concorrer no estrangeiro, mas tem de haver uma capacitação coletiva. As empresas têm de se aliar e cooperar umas com as outras, sem perder a independência, e têm de criar clusters com várias entidades do sector. E as associações têm de fazer um esforço brutal para sair da redoma de vai-dades pessoais e criar verdadeiras associações que estejam ao serviço das empresas e não à procura de fun-dos comunitários ou de apoios para fazerem coisa pequeninas que não dão resultados”, diz Jorge Marques dos Santos, dando como exemplo o sector do calçado e o trabalho recente da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICAPS).

Esta recomendação torna-se ainda mais significativa se se tiver em conta que a maioria das PME são microem-presas, em média com três pessoas, e que as pequenas têm em média 18 pessoas, alertou Luís Filipe Pereira. Ou que “o número de empresas expor-tadoras continua limitado a 22 mil”, ou seja, “as exportações crescem mais do que as empresas que exportam”, diz Eurico Brilhante Dias. E ainda que essas vendas estão ainda muito concentradas em Espanha, Angola, França, Reino Unido e Itália e que é preciso diversificar os países para onde se exporta. Aliás, para Jorge Marques dos Santos, uma das for-

mas de combater esta falta de diver-sificação passa pelas PME usarem as novas plataformas como a Uber ou a Amazon, que lhes permitem estar no mundo sem os custos de deslocação.

Mudar mentalidades e melhorar a gestão

A ideia das PME cooperarem entre si não é, contudo, fácil, e as instituições públicas de apoio sabem-no. Apesar de haver casos de sucesso, as princi-pais queixas continuam a ser sobre a elevada carga fiscal, a burocracia e a falta de financiamento, nota Luís Filipe Pereira. “Nas PME, o problema é de gestão e não de financiamento. Há incentivos financeiros para que as empresas se associem e exportem e diversifiquem mercados em conjun-to, mas existe um problema cultural que é preciso combater”, salienta o presidente do IAPMEI. De facto, nota por sua vez Luís Filipe Pereira, há um problema de gestão na maioria das PME. “A área estratégica é das mais relevantes numa empresa, mas nestas não há essa cultura e não há formação para isso”.

Estes são outros dos grandes desa-fios que as PME têm pela frente: a mudança de mentalidades, a melhoria das equipas de gestão e a formação dessas equipas. E uma das formas de fazer isso é colaborar com as univer-sidades, como refere Isabel Caetano. Ou dar a conhecer os casos de sucesso de colaboração entre empresas. “Há inúmeros exemplos que têm de ser identificados”, repara.

O SECTOR

99é a percentagem de PME no tecido empresarial português. Na Europa é 97%

3é o número médio de pessoas que têm uma microempresa. Uma pequena tem 18 e uma média já tem 700

50é a percentagem de empresas exportadoras que apenas vendem para um país, neste caso Espanha ou Angola

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Expresso, 24 de março de 2018 ECONOMIA 17

O presidente do FAE, Luís Filipe Pereira,

e o secretário de Estado, Eurico Brilhante Dias

cumprimentam-se num momento de descontração

antes do debate

Segundo Carlos Santos Lima, no Santander já há casos de empresas que não procuram o banco para obter financiamento, mas sim formação e no apoio à entrada em novos merca-dos. Nesse sentido, apesar de já terem apoiado as PME com 3,9 mil milhões de euros no âmbito de programas de apoio como o PME Investe e Capitali-zar, têm estado também muito ativos a dar “formação gratuita e a oferecer estágios”.

Desafio: inovar

A formação e a mudança de mentali-dade e da gestão é igualmente essen-cial noutro dos grandes desafios que as PME têm pela frente: o da inovação. Não só tecnológica, mas de métodos de trabalho, alerta Isabel Caetano. Para a administradora da ANI, para inovar numa empresa “é preciso ter resiliência”, mas também captar ta-lento junto das universidades, mais uma vez, fazendo parcerias. “É pre-ciso estimular as empresas a inovar e muito disso parte da concorrência”, acrescenta.

Contudo, o processo não é fácil. “Não podemos obrigar uma empre-sa a fazer inovação se ela não sentir necessidade disso”, refere Luís Filipe Pereira. E isso vê-se nos processos mais simples, diz Isabel Caetano. “Pre-cisamos de melhorar muito a disponi-bilização de informação online, não só a mais básica sobre a empresa, mas também dos produtos e serviços que vendem”, conclui.

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Qual o maior desafio para as empresas em 2018?

“Do ponto de vista da internacionalização, o desafio é reduzir o risco pela diversificação de mercados e de clientes. E do ponto de vista dos recursos é captar talento. Estes são os dois grandes desafios que temos: captar talento que permita conseguir novos produtos e capacidade de internacionalização e, do ponto de vista da empresas exportadoras, diversificar mercado e risco, não só dentro da União Europeia mas também saindo do perímetro confortável, como é o caso do país vizinho ou de língua portuguesa. São muito importantes, mas não são onde Portugal deve permanecer. Neste sentido, o Governo lançou o programa Internacionalizar que tem quatro eixos. O primeiro, centralizar a informação a dar às PME, o segundo, capacitar os recursos humanos para a internacionalização, que continua a ser uma das grandes restrições à boa execução desses projetos, o terceiro o financiamento e o quarto fazer com que o AICEP e as câmaras de comércio funcionem como almofada na entrada para os mercados externos”.

“Os desafios são muitos e dependem dos sectores que estamos a falar, mas o tema da exportação está na ordem do dia e vai continuar a estar, tal como está e estará a inovação e também a forma como vamos tornar as empresas mais robustas. Programas como o Capitalizaralgo têm sido relevantes nesse sentido nos últimos anos, e temos também novos subsegmentos que têm surgido em Portugal agarrados aos grandes sectores como o turismo, o que fez com que muitas empresas tenham crescido e, agora, o desafio é acomodar todas elas. A banca tem ajudado no financiamento, mas o Santander tem também uma oferta muito ligada à edição e à criação de tecnologias”.

“Para as empresas portuguesas poderem combater no mercado global têm de ter massa crítica. Se agirem individualmente dificilmente vão conseguir vingar e crescer. O importante é que se habituem a trabalhar em conjunto. O sector do calçado é um excelente exemplo disso. Todos juntos conseguiram criar a marca Portuguese Shoes. É também importante que se associem para fazer frente aos desafios da digitalização. Este processo tem as suas vantagens, que é o não depender da localização geográfica, mas aumenta a necessidade de agilização, mas as empresas portuguesas têm de fazer parte desta transformação porque senão serão vítimas de quem lá estiver”.

“Além dos desafios habituais, como a captação de mercados ou a concorrência, as PME estão hoje confrontadas com algumas dificuldades que também são desafios. Ao nível dos recursos, porque há algumas que estão insuficientemente capitalizadas, ao nível do acesso ao crédito, é preciso viabilizar melhores condições para as PME, e também ao nível da captação de melhores profissionais. Depois há o problema da intensidade fiscal e da burocracia que pode ser combatido com políticas públicas, mas também o desafio das competências de gestão. Nas PME há lugar para uma reflexão quanto ao futuro da empresa, porque o raciocínio estratégico tem de estar presente também nas pequenas empresas. Por fim, há outro aspeto que é o da internacionalização. Estamos num mundo cada vez mais global e a digitalização veio acelerar esse aspeto e encurtar as distâncias. Hoje uma empresa portuguesa pode estar a competir com outra mesmo sem estar fisicamente no mesmo local”.

“As PME portuguesas têm pela frente o grande desafio da transformação digital e que não é apenas de Portugal, mas sim das PME na Europa e em todo o mundo. Elas têm de ser capazes de competir nesse âmbito e transformar

EURICO BRILHANTE DIASSecretário de Estado da Internacionalização

CARLOS SANTOS LIMADiretor- -coordenador de negócios do Santander Totta

ISABEL CAETANOAdministradora da Agência Nacional de Inovação

JORGE MARQUES DOS SANTOSPresidente do IAPMEI

LUÍS FILIPE PEREIRAPresidente do FAE

conhecimento em produtos. Para isto, é preciso criar estratégias de colaboração, envolvendo não só as grandes empresas, mas também as PME e as instituições que podem contribuir para a inovação e investigação e desenvolvimento. As universidades e outras instituições de ensino são agentes absolutamente essenciais porque são capazes de contribuir para a identificação de soluções para as empresas serem mais competitivas e para a formação de pessoas com um maior perfil de qualificação. As universidades são essenciais na ajuda à captação de talento”.

O QUE É O PROJETO

Ao longo dos próximos meses, “Empresas Mais Fortes”, projeto do Expresso e do Santander, vai olhar para os principais desafios que condicionam as PME este ano. Este foi o primeiro de seis debates a que pode assistir através do Facebook Live (envie-nos as suas questões). Os temas que analisaremos no Expresso:

Pagar e receber a horas É um dos principais obstáculos na tesouraria das empresas, apesar dos mecanismos existentes

Maximizar fundos comunitários Os fundos ainda não chegam a todas as PME e a maximização do Compete e do Horizonte 2020 é prioritária

Trabalhar no mercado global Novos mercados apresentam novos desafios. E a retoma mundial está a levar as empresas portuguesas a novas geografias

Financiar a inovação Crescer sem inovar é difícil. Crescer sem investir também. São desafios prementes para as empresas

Crescer As PME portuguesas precisam de ganhar escala internacional e de recursos para conseguirem concorrer no novo mercado