Os desafios da legislação ambiental

Ana Maria Moreira Marchesan/RS/Brasil

Alerta do Pontífice-Cântico no qual São Francisco fazia uma ode à nossa casa comum, comparável ora a uma irmã com quem partilhamos a existência, ora a uma mãe, que nos acolhe nos braços

-Diversas passagens da Encíclica convocam a economia a dialogar com uma nova concepção que leve em conta os limites planetários

-Nova ética baseada na preservação da vida e do Planeta

Ponto de Partida – ética da responsabilidade (JONAS, Hans)

• Para além do imperativo categórico da moral Kantiana, há que se acrescentar o elemento temporal – preocupação com futuras gerações

• Moral tem de invadir a esfera da produção

• Levar em conta os limites planetários

• Atividades humanas planejadas para além do marco temporal do presente

CONSUMO, CONSUMISMO E CRISE AMBIENTAL:

• Não existe preservação ambiental sem tomada deconsciência relacionada ao consumismo

• Enquanto cidadãos e consumidores cabe a cada um denós a adoção de posturas menos predatórias

• Os recursos ambientais são finitos; nossasnecessidades, infinitas

• O meio ambiente é um sistema fechado que limita aatividade econômica

Paradoxo ambiental:• Sob o rótulo da SUSTENTABILIDADE, todas as

empresas, governos e instituições procuram exibir uma pauta amiga da proteção do meio ambiente natural e cultural

• Na prática, vivemos uma série de retrocessos que demonstram que a Nação elegeu a proteção do meio ambiente como a causa de nossas mazelas econômicas

• Extinção das Secretarias de Mudanças do Clima, de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável e a tentativa de transferência da FUNAI do MJ para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos são indicativos de enfraquecimento com a preocupação ambiental

• Discrepância entre a retórica política e os objetivos formalmente assumidos e a legislação

PL 3.729/2004• Art. 2º, II – conceito de área de influência: limita o

licenciamento a tratar apenas dos impactos diretos,excluindo os indiretos. A desconsideração dos impactosindiretos confronta tecnicamente com tudo o que serealizou no licenciamento ambiental no país e com o que serealiza internacionalmente.

• Art. 2.º, XIV, e art. 23 – licença ambiental por adesão ecompromisso (LAC), de natureza autodeclaratória, passariaa ser aplicável para todo empreendimento que não forconsiderado de significativo impacto ambiental. Na formaproposta pelo relator, a LAC será a regra no País, o quesignifica enfraquecimento inaceitável ao licenciamentoambiental, com a proliferação dos riscos de novosdesastres, como Mariana e Brumadinho.

PL 3.729/2004• fixação de prazos exíguos e fatais para análises técnicas de alta complexidade;

• Tipologias que autorizam a supressão de uma ou mais fases do procedimento delicenciamento, mesmo para projetos que envolvam atividade potencialmentecausadora de significativa degradação do meio ambiente;

• possibilidade de dispensa de documentos técnicos essenciais (EIA/RIMA, mesmopara atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental)e limitação na fixação de condicionantes nas licenças ambientais;

• Desconsideração da cumulatividade e sinergia de impactos

• excessiva ampliação da discricionariedade do órgão licenciador na dispensa deetapas e exigências de estudos técnicos;

• redução da participação e interferência de demais órgãos técnicos, sociedade civile comunidade científica no procedimento de licenciamento

PL 3.729/2004• Licenciamento não precisa ser precedido de certidão municipal de uso,

parcelamento e ocupação do solo• Renovação automática de licenças mesmo sem verificação do cumprimento

das condicionantes• Art. 4º, art. 8º, III – “guerra fiscal ambiental” ou “guerra antiambiental”: nas

versões anteriores, havia previsão de que os conselhos de meio ambientedefiniriam as tipologias de empreendimentos sujeitos a licenciamentoambiental, observada a hierarquia normativa (a lista nacional deveria serrespeitada pelos estados e municípios, que poderiam complementá-la).Essas duas previsões foram excluídas na quarta versão. Sem que essahierarquia fique clara e com a permissão aos entes federativos, estados emunicípios poderão dispensar licenças de empreendimentos para atrairinvestimentos, gerando uma guerra (anti)ambiental entre os entesfederados. Isso gera insegurança jurídica para os empreendedores epermite que cada estado e município tenha sua regra própria, sem qualquerpadronização, como seria de se esperar de uma Lei Geral de LicenciamentoAmbiental.

PLC do Executivo para alterar CEMA

• Dispositivos relacionados a macroplanejamento TODOS extirpados do texto

• Institui a LAC

Desafios da legislação ambiental

• BUGGE, Hans Christian. Twelve fundamentalchallenges in environmental law. Anintroduction to the concept f rule of law fornature.

1) Natureza é autorregulada e

complexa: não podemos influenciar

suas leis

Só podemos influenciar no regulamento

e planejamento das atividades humanas,

mas não nas leis naturais.

2) Invisibilidade de alguns problemasambientais:

• Ex. radioatividade, os níveis de dioxinas no leite ou CO2 na atmosfera, microplásticos nos peixes

• Solução: fatos invisíveis precisam ser tornados visíveis – Democracia participativa e direito à informação integram o conteúdo material do princípio da precaução

• Fabricantes de produtos devem ter obrigações de avaliar e conhecer as propriedades,características e efeitos de sua produção e dos seus produtos e a obrigação de levaresse conhecimento aos tomadores de decisões na esfera pública e aos consumidores(Ex. 2-4-D) IN SEADPUR que regulamentou no ERGS venda de agrotóxicos hormonais -obriga, dentre outras questões, o estabelecimento comercial a alertar os produtoresrurais e colher compromisso de utilização de equipamento adequado e da corretaaplicação do produto (https://www.agricultura.rs.gov.br/legislacao)

3) Incerteza sobre algunsproblemas ambientais:

• Solução: incorporação plena nalegislação do princípio da precaução,não como fator inibidor das atividadesmas como cautela dentro da lógica deHANS JONAS

• In dubio pro natura

4) A NATUREZA NÃO TEM VOZ NOS PROCESSOS DE TOMADA DE DECISÃO

• Marco legal com normas de direito material e processual na defesa do meio ambiente

• o valor intrínseco da natureza deve ser aceito como um interesse judicializável e defensável perante tribunais

• deve haver pessoas e organizações com recursos, competência e independência desejando representar a natureza – muito além do MP

5) Caráter público dos bens ambientais – Tragédia dos Comuns (Garrett

Hardin)• Necessidade de um direito público forte que

limite e racionalize a exploração e explotaçãodos recursos naturais

• Não basta monetarizar a natureza, mas avaliá-la corretamente enquanto bem difuso nãosujeito ao direito de propriedade, indivisível eirrepetível

6) O paradoxo das pequenas decisões - Alfred Kanh

Soluções:• Um caso não pode ser decidido isoladamente e somente

com base numa isolada análise de custo-benefício• Visão ampliada (holística) deve preponderar em relação a

uma perspectiva reducionista para evitar indesejáveis ecumulativos efeitos de pequenas decisões – a visãofragmentada é mãe do fato consumado

• A legislação ambiental deve aplicar um cruzamentosetorial e ser moldada para enfrentar esse desafio damultissetorialidade

7) Questões ambientais não respeitam fronteiras políticas

• Qdo os efeitos negativos coincidem com o Estado de onde devem partir as decisões não há problemas. Mas qdo a atividade é regulada pela parte que só aufere os benefícios, aumentam os desafios (ex. mudanças climáticas)

Solução: novo marco regulatório VINCULANTE em termos internacionais

8) Consequências ambientais negativas são de longo prazo e muitas vezes

inexoráveis:

Solução:• Para além da retórica, o desenvolvimento sustentável

há de ser incorporado nas legislações nacionais e internacional

• Voz e vez para as futuras gerações“Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro

das consequências”.

(Pablo Neruda)

9) O ambiente é vítima silenciosa da CORRUPÇÃO

• Incrementar e implementar a legislação de combate e controle da corrupção

• TRANSPARÊNCIA

• PUBLICIDADE

Conclusões:• A legislação ambiental consubstancia importante

instrumento para auxiliar na preservação ambiental• Se bem direcionada, pode desencadear tanto mecanismos

preventivos como de estímulo à preservação• A economia deve dialogar com uma nova concepção que

leve em conta os limites planetários• A vinculação das atividades humanas ao futuro, a uma

perspectiva que transcenda o arco temporal da geraçãoatual, está na base da preocupação ambiental que inspirouo texto constitucional.

• Necessidade de avançarmos para um Estado de Direito quecontemple as características intrínsecas e as leis da natureza.

Obrigada !ana_marchesan@mprs.mp.br