OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · saberes, habilidades e atitudes cujo domínio...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
ENSINO DE FÍSICA COM EXPERIMENTOS: uma proposta para o curso de
formação de docentes para as séries iniciais do Ensino Fundamental
Valdecir Donizeti Camacho1
Marcelo Alves de Carvalho2
Resumo: O artigo discute questões sobre o Ensino de Física e relata uma proposta de intervenção pedagógica voltada ao desenvolvimento de estratégias para o ensino da disciplina com o uso de experimentos em sala de aula. Como o público-alvo constitui-se de alunos do curso de formação de docentes, a proposta é a aplicação de atividades de experimentação com esses professores em formação, os quais deverão elaborar transposições didáticas direcionadas a seus futuros alunos do primeiro segmento do Ensino Fundamental. Essa adequação didática a alunos iniciantes nas Ciências Físicas considera os princípios da aprendizagem significativa, conforme teorizado por David Ausubel. Discutem-se também as características de experimentos cativantes, na busca de gerar e manter a motivação dos alunos na condução de atividades experimentais. Os resultados indicam o alto potencial do uso da experimentação em sala de aula para provocar um bom comprometimento dos alunos com a disciplina de Física. Em relação à transposição didática, os futuros docentes demonstraram compreender seus princípios, produzindo versões didatizadas das três Leis de Newton, buscando sua adequação aos alunos do Ensino Fundamental – Anos iniciais.
Palavras-Chave: Transposição didática. Experimentos cativantes. Aprendizagem
significativa.
1 INTRODUÇÃO
A disciplina de Física está bem distante de ocupar a preferência de grande
parte dos alunos, o que equivale a dizer que os discentes não tem tido motivos
suficientes para se engajar na aprendizagem dos conceitos físicos. Devido a esse
fato, relatado em pesquisas diversas sobre ensino de Física, algumas das quais
1 Professor de Física do Quadro Próprio do Magistério do Paraná. Atua no Colégio Estadual Pe. Jerônimo
Onuma, em São Sebastião da Amoreira-PR. É professor do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) – Turma 2013-2014. 2 Docente do Departamento de Física da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Orientador do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE).
adiante referidas, este trabalho insere-se no campo de estudos sobre a metodologia
do ensino da disciplina, ainda carente de pesquisas. Uma das razões dessa apatia
dos alunos pode estar no destaque que os manuais didáticos dão aos cálculos, o
que torna a disciplina uma espécie de matemática aplicada, preparatória para o
vestibular. Sabemos, porém, que os temas da Física, por remeterem a vários
fenômenos que fazem parte de nosso cotidiano, podem ser abordados de maneira
bem mais cativante.
Em nossa escola de atuação, lecionamos no curso de formação de docentes,
o que nos põe em contato direto com futuros professores do Ensino Fundamental
das séries iniciais, os quais abordarão conceitos de Física com seus futuros alunos.
Após formados, esses docentes atuarão numa fase em que as crianças têm seus
primeiros contatos com a ciência, tempo favorável à construção de uma relação mais
produtiva com os conhecimentos físicos.
Principalmente pela carga hora encurtada da disciplina, no curso de formação
de docentes para as séries iniciais do Ensino Fundamental, a Física é explorada de
forma superficial, explorando exercícios com ênfase na Matemática. Além disso, o
professor em formação tem contato com uma Física de nível médio, ao passo que
deverá ensinar os conceitos físicos nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
Percebemos aí uma lacuna no processo de transposição didática dos conteúdos.
Quanto a isso, a orientação dos Projetos Político-Pedagógicos das escolas de
formação de docentes dá ênfase ao preparo do professor para atuação nos anos
iniciais, o que não se verifica na prática. Dessa maneira, defendemos a necessidade
dos estudos sobre transposição didática, uma vez que é por meio desses
conhecimentos que professores em formação farão as adequações das experiências
aos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Demandam-se ações nesse
sentido, a fim de evitar uma rejeição precoce nos alunos que têm seus primeiros
contatos com os conceitos da Física.
Por isso, nosso Projeto de Intervenção dentro do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE), em que ingressamos em 2013, propunha a
abordagem do uso da experimentação com os futuros docentes, investigando
formas de transposição didática dos experimentos em sua aplicação aos discentes
das séries iniciais do Ensino Fundamental. No enfoque da psicologia educacional, a
adequação didática dos conceitos físicos para os alunos iniciantes deveria ser feita
com base nos conhecimentos prévios desses alunos, na perspectiva de proporcionar
uma aprendizagem significativa dos conceitos, conforme a concepção de David
Ausubel (MOREIRA, 2009).
Desse modo, tínhamos como objetivo, por meio da elaboração didática e sua
aplicação, contribuir para os cursos de Formação de Docentes, embasados em
princípios da transposição didática e da aprendizagem significativa. Por meio do
desenvolvimento de experimentos de baixo custo, a partir de dinâmicas de grupo,
tencionávamos propor aos professores em formação o desafio de exercitar a
transposição didática nas explanações das atividades experimentais a alunos dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo em vista uma aprendizagem significativa
dos conceitos.
Optamos pela abordagem inicial da história e teoria dos conceitos
relacionados aos experimentos, segundo o ponto de vista de Silva e Martins (2003),
para quem “um experimento deve ser planejado após uma análise teórica. A idéia
ingênua de que devemos ir para o laboratório com a „mente vazia‟ ou que „os
experimentos falam por si‟ é um velho mito científico”. (SILVA; MARTINS, 2003, p.
57 apud PARANÁ, 2008, p. 71).
Este artigo descreve, então, a intervenção ocorrida em nossa escola de
atuação, de uso de experimentos em sala de aula, assim como o trabalho com os
docentes em formação de transpor os conteúdos e os experimentos para alunos dos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Inicialmente, porém, abordamos alguns
fundamentos teóricos sobre a formação dos professores de ciências, elementos de
transposição didática, os conceitos de experimentos cativantes e de aprendizagem
significativa.
2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS
Garrido e Carvalho (1995), discutem que a formação de professores de
Ciências, tanto inicial como em serviço, vem se revelando insatisfatória. Entre as
causas apontadas colocam a falta de conexão da Universidade com as escolas de
Ensino Fundamental e Médio. Ainda há algum isolamento entre os pesquisadores e
os professores, sendo que estes ficam na condição de consumidores de propostas
inovadoras, sobre as quais não tiveram tempo para reflexão e assimilação. Os
conhecimentos com os quais os docentes entram em contato em seus cursos de
formação, mesmo que abonados pelo mundo acadêmico, não foram produzidos nem
validados na prática de sala de aula, fato que estabelece uma certa rejeição dos
professores a esses conteúdos, assim como às metodologias propostas.
Hoje, vários professores egressos da graduação estão mal qualificados e
necessitam de atualização, quase que imediatamente após seu ingresso no
magistério. Ainda mais quando se considera a produção incessante de novos
conhecimentos. Por outro lado, segundo a análise de Carvalho & Gil Pérez (1993),
necessita-se questionar as visões simplistas sobre formação do professor de
Ciências, para que se compreenda a necessidade de uma formação rigorosa, que
garanta um ensino de qualidade. O cumprimento dessas exigências de formação
conduz ao prolongamento indesejável dos cursos, ao passo que a curta duração tem
como resultado o tratamento pouco sólido dos conteúdos. Para minorar tais
problemas, os autores defendem o estabelecimento de uma rotina de formação
continuada.
Assinalam Botár e Nuñes (1997) que há uma diligência rumo à definição de
saberes, habilidades e atitudes cujo domínio seria pertinente para o exercício da
profissão docente. Em acréscimo, Nardi, Bastos e Diniz (2004) apontam que o
professor deve dominar certa arte de ensinar, ou seja, deve possuir habilidades no
uso e aplicação de procedimentos didáticos. Mais do que técnicas, para eles, é
necessário que o professor deseje, queira ensinar, tenha paixão por essa atividade,
sentimentos que precisam ser cultivados já no início da formação do professor e não
apenas durante as poucas horas destinadas ao estágio supervisionado.
Ainda quanto ao que deve saber e saber fazer o professor de Ciências,
Carvalho & Gil Perez (1993) colocam como base: o conhecimento da matéria a ser
ensinada (os conteúdos e seus processos de construção, bem como suas relações
com a tecnologia e a sociedade); o questionamento das visões do senso comum
sobre o ensino de Ciências; conhecimentos teóricos sobre a aprendizagem,
especialmente de Ciências; capacidade de preparar, dirigir e avaliar atividades dos
alunos; habilidade em metodologia de pesquisa, assim como na análise e utilização
de resultados de investigações científicas. Tais conhecimentos devem ser
abordados tanto na formação inicial como em serviço.
Contudo, as lacunas presentes nos conhecimentos dos professores não se
ligam apenas à questão da qualidade dos cursos de licenciatura, já que também
procedem do incessante avanço e diversificação dos conhecimentos. Quanto a esse
ponto, Carvalho (1991) já enfatizava a necessidade de que os cursos de atualização
priorizassem os conteúdos específicos, sem menoscabo aos aspectos históricos da
construção das teorias. Por essa afirmativa, entende-se que não basta saber a teoria
para aplicação imediata ao ensino. É preciso saber como esse conhecimento foi
produzido, de modo a assimilá-lo inteiramente, para só então arrazoar de que forma
poderia ser apresentado a alunos de outro nível de ensino, com outras idades e
experiências. Quanto a isso, o conceito de transposição didática será abordado no
próximo tópico.
Krasilchik (1996), ao tratar do complexo papel do professor de Ciências,
menciona que é necessário o conhecimento dos produtos e processos da Ciência e
da Tecnologia. Porém, isso não é tudo: o cidadão considerado alfabetizado
cientificamente deverá ainda ser capaz de discutir o significado da Ciência para a
sociedade. O primeiro a ser alfabetizado em Ciência deverá ser o docente, tanto em
relação ao conhecimento científico, como em relação à capacidade de discutir o
papel da Ciência e da tecnologia na sociedade, ultrapassando o papel de simples
repetidor de saberes científicos.
Freire (2000, p.32) também defende essa ideia, pois, para ele, “ensinar exige
pesquisa”. Mais do que uma função a mais que se acrescenta à de ensinar, para o
autor, já deverá ser característica da docência o questionamento, a busca e a
pesquisa. Desse modo, é necessário que, em sua incessante formação, o professor
se perceba e se assuma como pesquisador.
Consideramos, neste estudo, que o professor, ao refletir sobre sua prática,
torna-se um pesquisador, produzindo conhecimentos e colaborando para a produção
de outros conhecimentos. Contudo, esse processo fundamental, que deve se tornar
parte integrante da prática docente, demanda tempo, vontade e reflexão. Em nossa
passagem pelo PDE, pudemos exercitar, dentro das possibilidades oferecidas pela
estrutura do programa, o papel de pesquisador, processo que resultou na análise e
reflexão que ora apresentamos.
2.2 TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
Como explica Chevallard (2005 apud BARROS; NEVES, 2011), para que o
conhecimento construído no meio científico adentre a sala de aula, ele precisa
passar por uma transformação para que possa ser ensinado. Essa adaptação se faz
necessária porque a comunidade científica e a escola têm objetivos distintos. A
ciência tem a função de responder questões formuladas em certo contexto sócio-
histórico, cuja sociedade exige respostas. Primeiramente, os novos conhecimentos
são compartilhados na comunidade científica e, depois, com a sociedade em geral.
Porém, há saberes escolhidos para o ensino, os quais são socializados na
instituição escolar. À passagem do saber de uma instância, seja instituição ou nível
de conhecimento, a outra, chama-se transposição didática, que ocorre em várias
etapas, sendo o livro didático uma das dimensões. Como o livro didático se torna a
ferramenta básica para o professor, baseado nele, o docente elege os saberes
considerados fundamentais e realiza nova transposição, adequada ao entendimento
dos alunos.
Esta última etapa, em que o saber chega ao aluno, é chamada por Chevallard
(2005 apud BARROS; NEVES, 2011) de trabalho interno de transposição, fase cuja
responsabilidade é do professor. Conforme Brito Menezes (2006), o docente vai
transformar esse conhecimento para os alunos, em um processo que possibilita o
ensino e a aprendizagem dos conteúdos. Leva-se em conta também o fato de que o
saber ensinado pelo professor vai carregado de aspectos particulares e subjetivos
moldados por sua relação com esse saber (CÂMARA DOS SANTOS, 1997 apud
BRITO MENEZES, 2006).
Contudo, a pesquisa sobre transposição didática avalia que a passagem do
conhecimento científico para uma roupagem didática não é apenas adaptação ou
simplificação do saber. Em todo o trabalho de transposição, torna-se possível buscar
a abrangência de novos saberes que vão sendo gerados. Tem-se, por exemplo, as
muitas influências que definem a configuração que a transposição vai adquirindo nas
diferentes etapas. Para Chevallard (2005, apud BARROS; NEVES, 2011), esse
percurso é permeado de diversas regras, construídas, por exemplo, pelas forças
institucionais da pesquisa; do tipo de escola, seus objetivos e projeto pedagógico;
das tendências políticas refletidas nos programas e currículos das secretarias de
educação, assim como do mercado de livros (para) didáticos.
Como assinala o autor, a distância entre o saber científico e o saber ensinado
não significa uma organização hierárquica de conhecimento, ou seja, um não é
superior ao outro. Trata-se, na verdade, de uma modificação de conhecimentos
dependente da diversidade de gêneros discursivos e dos interlocutores. A
transposição se faz necessária porque o funcionamento didático e científico do saber
não coincidem. Por isso, o conhecimento a ser transposto é adequado às
capacidades cognitivas dos alunos e exemplificado com elementos da realidade que
os rodeia. Nesse sentido, Chevallard (2005 apud BARROS; NEVES, 2011) admite
que, para que esteja adequado ao ensino, os conteúdos podem sofrer até
“deformações”.
No percurso, as linguagens oral e escrita costumam sofrer adequações às
condições dos alunos na escola, esta também determinada por cronogramas e
demais circunstâncias, em seu trabalho de difundir os conhecimentos
sistematizados. Segundo Chevallard, esse processo de construção dos conteúdos
de ensino necessita ser estudado para a compreensão de seu movimento
específico.
Por isso, nossa proposta, de trabalhar a transposição didática com futuros
professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, objetiva também interpretar
feitios dessa dinâmica de alteração do saber acadêmico para saber escolar.
Mencionamos ainda que o saber a ser trabalhado com os futuros professores já é
resultado de transposição didática. Dessa forma, eles terão de modificá-los para um
nível menor de dificuldade, que seja adequado à compreensão dos discentes dos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Nesse caso, talvez a transposição didática
deva se revestir de maior concretude, como, por exemplo, atividades experimentais
para uma melhor compreensão dos conceitos físicos por parte dos aprendizes
iniciantes nas Ciências Físicas.
Por fim, registramos a menção de Chevallard quanto ao fato de que a
passagem do saber acadêmico para o saber escolar apresenta duas etapas: a
transposição externa, no nível do currículo formal e dos livros didáticos e a
transposição interna, na materialização do currículo, em sala de aula, na interação
professor-aluno. Exatamente nessa dimensão final está o maior problema do
professor no compartilhamento do saber: é o momento de redimensionar o objeto de
ensino, de transpô-lo de uma prática discursiva ainda formal para a situação
discursiva dos educandos (CHEVALLARD, 2005 apud BARROS; NEVES, 2011).
Vale reiterar que a ação de transformação do conhecimento mostra vários
problemas, dentre eles a diferença entre elementos do saber sábio da academia em
relação ao conhecimento a ser aprendido, podendo haver rupturas e, presume-se,
até distorções em relação à noção ensinada na escola e a original, provinda do meio
científico.
2.3 EXPERIMENTOS CATIVANTES EM FÍSICA
A implementação de experimentos na sala de aula é uma das alternativas
metodológicas colocadas pelas DCE - Diretrizes Curriculares da Educação Básica
do Estado do Paraná para a disciplina de Física (PARANÁ, 2008). Porém, ressalva o
documento que, ao propor atividades experimentais, o professor deverá investir-se
de uma postura questionadora, levantando dúvidas para o aluno, fazendo com que
ele exponha suas ideias, as quais serão problematizadas pelo docente.
Assinala ainda o documento norteador de nossa ação didática que uma
experiência de manipulação de materiais pelos alunos ou uma demonstração
experimental feita pelo professor não precisa de sofisticação de recursos, pois
“importa a organização, discussão e reflexão sobre todas as etapas da experiência,
o que propicia interpretar os fenômenos físicos e trocar informações durante a aula,
seja ela na sala ou no laboratório” (PARANÁ, 2008, p. 74)
Em acréscimo, as DCE evidenciam que as atividades no laboratório ou na
sala de aula devem esquivar-se da concepção de uma ciência concluída, cujos fatos
só precisam ser confirmados pelo aluno. As Diretrizes ressaltam, igualmente, o fato
de que a experimentação não será o único recurso de uma proposta de ensino
baseada no conhecimento.
Quanto à implementação de atividades experimentais na escola, Pintrich &
Schunk (1996 apud LABURÚ, 2006) propalam que, para que essas tenham um
caráter cativante e representem desafio, curiosidade, controle e fantasia devem
amparar-se no conceito de novidade. Afirmam, nesse sentido, que tais atividades
devem contemplar duas dimensões diferenciadas do interesse, por eles chamadas
de satisfação de baixo nível e satisfação de alto nível.
Quando a atividade experimental é baseada no interesse pela satisfação de
baixo nível, a motivação é obtida ao se recorrer ao bizarro, ao chocante, à magia,
representando um tipo de satisfação mais sensorial, diretamente ligada à diversão.
Por outro lado, as atividades direcionadas à satisfação de alto nível procuram
motivar o aluno recorrendo à habilidade ou capacidade intelectual para a solução de
problemas, gerando o controle do ambiente experimental estabelecido. A situação
ideal, segundo se depreende, é que o aluno evolua do apelo à satisfação de baixo
nível, diretamente ligada aos sentidos, em direção à recompensa intelectual em
virtude de sua competência no entendimento do problema colocado.
No entanto, Pintrich & Schunk (1996 apud LABURÚ, 2006) alertam para a
possibilidade real de perda de motivação quando o aluno não consegue acompanhar
a atividade experimental em todas as suas etapas, por motivos variados. Assim,
mesmo que se dê a motivação inicial a partir do experimento, a perda da sequência
pelo aluno pode tornar o prolongamento da atividade desmotivador. Isso tem como
consequência a falta de significado e de sentido para o prosseguimento da ação,
pois, nesse caso, interrompe-se a mobilização do aluno, esvaziando-se sua
motivação.
Concluindo sua reflexão sobre experimentos cativantes, Pintrich & Schunk
(1996 apud LABURÚ, 2006) preocupam-se em estabelecer uma forma para apurar o
sucesso de uma atividade empírica em sala de aula: colocam como critério de
comprovação o que se pode observar de cooperação e de trocas positivas entre os
discentes, assim como as perguntas espontâneas por eles colocadas e o tempo de
atenção dedicado à tarefa.
No decorrer da intervenção pedagógica na escola, tínhamos como
expectativa a gradativa diminuição do desinteresse do aluno, pela utilização de
experimentos com características cativantes. Como forma complementar, mas não
menos importante de manter o interesse do aluno, Laburú (2006) aponta que o
princípio maior para beneficiar a motivação fundamenta-se na variação de
metodologias, vale dizer, na noção de que tarefas variadas e procedimentos
didáticos diversificados têm maior potencial em causar a motivação dos alunos.
Nosso projeto de pesquisa defendia que o experimento cativante poderia
trazer como resultado uma mobilização maior do aluno, sobretudo se contemplasse
seus conhecimentos prévios. Essa consideração pelos referenciais preexistentes
dos alunos tende a contribuir para a ocorrência da aprendizagem significativa,
segundo os pressupostos de Ausubel (1980), a seguir colocados.
2.4 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
Segundo a teoria de David Ausubel, nossa estrutura cognitiva é formada
pelos conteúdos das ideias e sua organização (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN,
1980). A aprendizagem significativa ocorre quando uma informação nova recebida
por um indivíduo interatua com conhecimentos relevantes existentes em sua
estrutura cognitiva. Tal estrutura de conhecimentos preexistentes é constituída de
conceitos relevantes, designados conceitos subsunçores, palavra que remete à
noção de que esses conceitos funcionam como âncoras para a incorporação,
integração ou inserção de novas aprendizagens. Desse modo, os subsunçores
ancoram os novos conhecimentos que com eles mantêm vínculo relevante
(MOREIRA, 1999).
Contudo, ao interpretar a teoria de Ausubel, Moreira (1999) aponta que não
se trata de um processo de simples associação, mas de interação entre certos
conceitos relevantes da estrutura cognitiva e os novos saberes. Interação que
possibilita às novas aprendizagens adquirirem significados e se integrarem à
estrutura cognitiva. Por sua vez, os conceitos âncoras também sofrem alterações,
pois são reelaborados, configurando-se de forma mais abrangente e refinada, de tal
forma que os conhecimentos prévios são aperfeiçoados, possibilitando outras
aprendizagens significativas posteriores. Ocorre, então, uma progressão contínua,
individual, intencional e interativa, entendida como a organização e integração de um
novo componente na estrutura cognitiva, pronto para ancorar novas aprendizagens.
Por isso, Lemos (2006, p.57) entende a aprendizagem significativa como um
produto, uma vez que “um significado identificado em um momento específico,
entretanto, é sempre produto provisório porque no instante seguinte, dependendo
dos fatores contextuais e da intencionalidade do sujeito, esse conhecimento poderá
modificar-se”.
Por outro lado, segundo Ausubel, Novak e Hanesian (1980), existe a
aprendizagem mecânica, também denominada de aprendizagem automática ou de
memorização, a qual, segundo os autores, não se opõe à aprendizagem
significativa, mas pode ser considerada integrante de um continuum no processo da
aprendizagem. Quanto à aprendizagem mecânica, refere-se ao tipo de
aprendizagem em que as novas informações têm pouca ou nenhuma ligação a
conceitos relevantes preexistentes na estrutura cognitiva do aprendiz, dependendo
de memorização. Pontes Neto (2001) considera que, para certos conteúdos, admite-
se a importância da aprendizagem mecânica, pois certos conteúdos que não podem
ser modificados em sua essência também podem ser úteis no cotidiano. Da mesma
forma, ocorre de o conhecimento especializado de certos campos de estudo
depender mais de uma aprendizagem mecânica.
Contudo, o mesmo autor destaca as vantagens da aprendizagem significativa
em relação à mecânica, uma vez que ela proporciona maior diferenciação e
enriquecimento dos conceitos integradores, possibilitando ancoragens posteriores;
retenção mais duradoura; redução do impedimento de aprendizagens de conceitos
semelhantes; facilitação de novas assimilações; favorecimento da criatividade pela
transferibilidade dos conceitos aprendidos a outros contextos; pensamento crítico e
visão da aprendizagem como construção do conhecimento (PONTES NETO, 2001).
Evidencia-se, então, o papel imprescindível do aluno em sua disposição para
aprender significativamente. Assim, por mais que se reconheça a função primordial
do professor no processo de ensino e de aprendizagem, Ausubel não isenta o
aprendiz da responsabilidade pela maneira como aprenderá os conteúdos.
Conforme ressaltado em Lemos (2006), a aprendizagem significativa
constitui-se em processo complexo e exige tempo para ser consolidada. Para que a
estrutura cognitiva do aluno se torne mais estável e organizada, o percurso é
demorado. Porém, a estabilidade e organização dos conhecimentos possibilitam ao
aprendiz a percepção de novas informações, a realização de novas aprendizagens,
bem como a ação autônoma em sua realidade.
3 ANÁLISE DA INTERVENÇÃO NA ESCOLA
3.1 Apresentação
Em nosso projeto de Intervenção Pedagógica apresentada ao Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE), colocávamos o objetivo geral de desenvolver
experimentos de baixo custo, no curso de Ensino Médio de Formação Docente e
discutir a sua demonstração para alunos das séries iniciais utilizando os princípios
da transposição didática.
Para isso, no início do trabalho com os futuros docentes, planejávamos
introduzir a história e a teoria dos conceitos relacionados aos experimentos;
propiciar dinâmicas de grupo para a preparação de experimentos de baixo custo
pelos professores em formação. Ao mesmo tempo, colocávamos a esses
professores em formação o desafio de aplicar a transposição didática nas
explicações dos experimentos para alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
tendo em vista uma aprendizagem significativa.
Esta intervenção foi feita no Colégio Estadual Padre Jerônimo Onuma, Ensino
Médio, na cidade de São Sebastião da Amoreira, Estado do Paraná, onde estamos
lotados, no primeiro semestre de 2014, num total de 64 horas/aula, conforme a
Matriz Curricular do PDE 2013/2014.
Iniciamos com a apresentação do conteúdo estruturante de Física em nível do
Ensino Médio, nomeadamente as Três Leis de Newton. Em conjunto com os
docentes em formação, primeiramente procuramos desenvolver os experimentos em
sala de aula, pedindo que nossos alunos montassem os aparatos para a
experimentação, utilizando materiais alternativos. Dividida a sala em três grupos,
cada um ficou responsável pela construção de sua “Pista de Newton” e as outras
montagens necessárias para a demonstração das Leis.
Conforme detalharemos adiante, pedimos que explicassem como se fosse
para os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental. Após isso, procuramos
analisar em conjunto as explicações, verificando se poderiam ser entendidas pelas
crianças, procurando antecipar os conhecimentos prévios que deveriam possuir.
Ainda em relação à transposição didática, promovemos discussões e
atividades para a escolha de termos que se considerassem adequados ao
entendimento dos alunos das séries iniciais. Para isso, idealizamos a produção de
fichas didáticas evidenciando termos que poderiam ser usados no Ensino Médio e
no Ensino Fundamental, levando em conta os conhecimentos prévios dos alunos,
para a promoção de uma aprendizagem significativa.
Para que pudéssemos coletar os dados, além de recolhermos os
questionários sobre a experiência dos alunos antes e depois da Intervenção,
tomamos notas de campo do processo e de seus resultados, para o relato e
discussão dos resultados, efetuada neste artigo.
O tipo de pesquisa, de caráter qualitativo, realizada por meio da proposta de
intervenção relatada, denomina-se pesquisa-ação. Ela é desenvolvida com base nas
interpretações de questionários, observações na sala de aula e de documentos
produzidos pelos participantes:
Uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa-ação quando houver realmente uma ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação. (...) os pesquisadores desempenham um papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função dos problemas (THIOLLENT, 2012).
No caso deste estudo, o problema focalizado é a baixa motivação dos alunos
para o estudo da Física, dada a matematização abstrata da disciplina, assim como a
necessidade dos alunos do Curso de Formação de Docentes pensarem nas
adequações didáticas dos conteúdos para que sejam trabalhados com seus futuros
discentes do Ensino Fundamental – séries iniciais.
3.2 Experimentos e Transposição Didática com a Primeira Lei de Newton
Vimos que, para que se dê a aprendizagem significativa, é necessário que os
conceitos trabalhados sejam relacionados a conhecimentos prévios dos alunos. O
professor poderá evocar os conhecimentos cotidianos dos alunos para estabelecer a
ancoragem com os conceitos a serem trabalhados. Como as Leis de Newton se
relacionam a muitas de nossas ações do dia a dia, existem muitas situações que o
professor pode usar para preparar a estrutura cognitiva dos alunos para a
sistematização dos saberes.
De início, no trabalho com os alunos do Curso de Formação de Docentes,
apontamos situações cotidianas sobre as quais apresentamos os conceitos relativos
a cada uma das Leis de Newton. Como o objetivo final era que os professores em
formação fizessem transposições didáticas, após a realização dos experimentos
com eles, também teriam de pensar em alternativas para identificar os
conhecimentos prévios ou criar pontes cognitivas em seus futuros alunos do primeiro
segmento do Ensino Fundamental.
Buscando uma contextualização inicial, lemos o texto biográfico sobre Isaac
Newton, constante da Produção Didático-Pedagógica elaborada para essa
implementação. As curiosidades sobre o cientista serviram para que os alunos
percebessem que a ciência é feita por seres humanos normais que trabalharam
muito para chegar a suas teorizações. Não se tratam apenas de “descobertas” de
sujeitos geniais, mas de trabalho duro de compreensão e representação abstrata
dos fenômenos. Os alunos acharam muito interessante o fato de que Newton, por
ser muito introvertido, não divulgava seus achados, razão por que se diz que as
descobertas de Newton têm duas fases: ele descobria as coisas e depois os outros
tinham que descobrir o que ele tinha feito.
Com a finalidade de trabalhar a Primeira Lei de Newton primeiramente com os
alunos da Formação de Docente, pensamos em como poderíamos partir da
realidade, do conhecimento prévio deles. Para isso, colocamos um exemplo: quando
queremos mover uma mesa, temos que fazer um esforço muscular. No campo dos
conhecimentos da Física, esforço tem a ver com força. Precisamos exercer uma
força sobre a mesa para movê-la – arrastando-a pela sala, por exemplo – e essa
força deve se fazer presente durante todo o movimento, porque se pararmos de
empurrar, a mesa também para.
Buscamos então o aspecto histórico do desenvolvimento dessa Lei,
mencionando que o filósofo Aristóteles, um dos pensadores mais brilhantes da
história da Ciência elaborou, no século IV A.C, uma teoria que teve aceitação até o
Renascimento (século XVII). Para ele, „um corpo só pode permanecer em
movimento se existir uma força atuando sobre ele‟.
Mas, Galileu apontou o erro dessa teoria, realizando experiências mais
rigorosas e precisas. Conclui que Aristóteles não tinha levado em conta o atrito
sofrido pelo corpo. Assim, Galileu aperfeiçoou a teoria, que pode ser colocada
nestes termos: „Se um corpo está em repouso ele irá permanecer neste estado até
que uma força externa seja aplicada nesse corpo‟; “se um corpo está em movimento
uniforme este permanecerá em movimento até que uma força mude isso”.
Tempos depois, Newton, baseado nas conclusões de Galileu, instituiu sua
teoria sobre as Leis da Mecânica, das quais a primeira, conhecida como a Lei da
Inércia, assim se formulava: „Por inércia, um corpo em repouso tende a continuar em
repouso‟.
A essa altura, mencionamos o conhecido exemplo do ônibus: quando uma
pessoa se encontra em pé dentro de um ônibus e este “dá uma arrancada”
repentina, a pessoa é arremessada para trás, pois, pela lei da inércia, a tendência é
que fique parada.
- Por inércia, um corpo que está se movendo tende a continuar em movimento
Para exemplificar este último postulado, colocamos: quando um motoqueiro
para de uma vez, ele é jogado de sua moto, pois a moto para, mas o motoqueiro
continua em movimento.
Essa visão histórica constituiu um fator de motivação interessante, pois
geralmente não se trabalha com os alunos a evolução dos conceitos, de maneira
que eles acabam vendo a ciência como algo pronto e acabado, ou seja, que sempre
foi assim. A visão desse processo mostra como a ciência é construída e isso tende a
interessar mais os alunos, como pudemos observar.
Em outra aula, como forma de retomar o conteúdo, assistimos a um vídeo
bem elucidativo sobre a Primeira Lei de Newton, cujo link está na Produção Didática.
Passamos então à fase de elaboração do experimento sobre a Primeira Lei de
Newton, para a qual o primeiro grupo se responsabilizou em conseguir os materiais.
A elaboração do experimento contou com a ativa participação dos alunos.
Iniciamos com a discussão sobre a montagem do experimento e do material
necessário, procurando obter dos alunos ideias para a aquisição dos materiais.
Marcamos para a semana seguinte a apresentação do grupo. Após a realização do
experimento, todos os alunos deveriam pensar em formas didatizadas para a
apresentação do conteúdo a seus futuros alunos, iniciantes nas Ciências.
No dia marcado, foi efetuado o experimento com o grupo, sob nossa
supervisão e questionamentos. Após recordamos o princípio, os exemplos dados e a
formulação proposta por Newton, sugerimos o levantamento do vocabulário que
poderia constituir empecilho à compreensão, buscando transpor os conceitos
didaticamente para adequá-los à idade/série dos alunos dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Lembramos que, assim como fizemos com eles, futuros professores, o
planejamento dos experimentos com os futuros alunos dos docentes em formação
deveria começar com o levantamento dos conhecimentos prévios das crianças. Na
ausência destes, deveriam pensar na criação das “pontes cognitivas”, propostas por
David Ausubel (1980).
No experimento sobre a primeira Lei, objetivamos investigar e fundamentar o
conceito de quantidade de movimento. Usamos a “Pista de Newton”; esferas
grandes; esfera pequena; orientamos os alunos a colocar sete esferas grandes
sobre a “pista de Newton”, em repouso. Em seguida, eles soltaram uma esfera
pequena do alto da pista e observaram com atenção o que sucedia com as esferas
em repouso, durante o choque e depois dele. Anotaram, então, o deslocamento da
esfera que mais se afastou das outras após o choque. Fizeram o mesmo com uma
esfera grande e também registraram o deslocamento da bolinha que mais se afastou
das demais. Para finalizar a parte prática, repetiram as ações anteriores,
abandonando as esferas em diferentes alturas da pista.
Para a discussão dos resultados, propusemos aos alunos questões como:
nessa experiência, que grandezas físicas influem nos resultados? Pedimos que
expressassem o conceito de quantidade de movimento em forma de equação, após
nossas explicações adicionais. Também questionamos se o sentido do movimento
da esfera que é solta tem efeito no deslocamento das demais, pedindo que
explicassem. Notamos que esse fazer algo prático em sala de aula trouxe uma
mobilização e envolvimento maior dos alunos na aula.
Os alunos conseguiram nos explicar que, quando a esfera de massa pequena
é abandonada, ela gera um pequeno deslocamento na última esfera. Por sua vez, a
esfera maior afeta claramente as outras esferas. Quando as esferas são
abandonadas de diferentes posições, elas atingem as esferas paradas com
diferentes velocidades, pois rolam por planos inclinados de várias extensões.
Observaram que a quantidade de movimento é uma grandeza vetorial, já que a
direção e o sentido do movimento afetam as medidas.
Depois da realização da prática experimental, passamos a oferecer a
sistematização dos conteúdos, para só então propor aos alunos a resolução de
alguns exercícios. Tínhamos ciência da necessidade de que as atividades propostas
tivessem uma gradação de dificuldades, como forma de manter a motivação,
conhecido o fato de que dificuldades intransponíveis para o aluno poderiam causar
sua desistência da atividade, como discutimos sobre os experimentos cativantes
(LABURU, 2006).
Ainda como forma de vincular os conceitos da Física ao cotidiano, pedimos
para que a turma pensasse e respondesse: a) Os lançamentos de foguetes são
baseados nas leis de Newton. O sucesso desses lançamentos confirma a existência
dessas leis?; b) Além da função de acomodar o passageiro, qual a importância da
presença dos bancos nos carros?; c) Para que serve o uso do cinto de segurança
nos carros? d) Um homem de para-quedas desce próximo à superfície da Terra,
com velocidade constante. Qual é a resultante das forças que atuam sobre o
conjunto?
Sobre a transposição didática, após todo esse percurso de aprendizado,
aplicamos as fichas didáticas elaboradas a fim de que os alunos pensassem em
palavras ou expressões que substituíssem os termos da Física que usamos com
eles por outros mais adequados ao nível do ensino dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Obtivemos por exemplo:
Termos usados no Ensino Médio Termos escolhidos para os alunos do
Ensino Fundamental – Anos iniciais
Corpo em repouso Objeto parado; Imóvel, parado
Movimento uniforme Velocidade constante; Deslocamento em velocidade sempre igual
Força Ação exercida, pressão
Inércia Falta de ação
Deslocamento Variação de posição; Mudança de posição
Plano Inclinado Rampa, elevação Tabela 01: Ensaio da Transposição Didática de alguns termos – 1
a Lei de Newton.
Quando pedimos que formulassem a Primeira Lei de Newton de maneira mais
compreensível para as crianças, obtivemos opções como:
A1: “Um objeto ou pessoa que está em repouso, costuma continuar em
repouso; e um objeto ou pessoa em movimento costuma continuar em movimento.”
A2: “Um corpo em repouso tende a ficar em repouso e um corpo em
movimento tende a ficar em movimento.”
Alguns alunos mencionaram também que, nas séries iniciais, a compreensão
dos alunos pode ser mais efetiva quando o professor ilustra bastante com exemplos
concretos, principalmente de fatos que os alunos vivenciam no cotidiano, afirmativa
com a qual concordamos com eles.
Mesmo que suas versões didatizadas não estejam perfeitas, as adaptações
tentadas parecem sinalizar que compreenderam a necessidade de adequar a
linguagem aos alunos do Ensino Fundamental – fase inicial.
3.3 Experimento e Transposição Didática com a Segunda Lei de Newton
Para ensinar o conteúdo sobre a Segunda Lei aos futuros docentes,
novamente buscamos nos reportar ao conhecimento prévio deles, partindo da
realidade. Desse modo, evocamos o fato de que certamente eles já brincaram ou
participaram de jogos com bola. Esses jogos envolvem movimentos da bola a partir
da ação da mão, do pé ou de determinado equipamento, como um taco de sinuca. O
toque põe a bola em movimento, muda sua trajetória, aumenta ou diminui sua
velocidade. Reiteramos que a força aplicada e o tempo de sua aplicação são dois
fatores que influem no efeito produzido.
Assim, dissemos que a Segunda Lei de Newton, também chamada de
Princípio Fundamental da Dinâmica, faz uma relação da resultante das forças
aplicadas em um corpo com a aceleração exercida sobre ele. Para o entendimento
de como se dá essa relação, dissemos que iríamos considerar um corpo qualquer e
as resultantes das forças exercidas sobre ele como . Tal força resultante faria
com que esse corpo sofresse uma aceleração , o que significaria também uma
alteração em sua velocidade. A direção e o sentido da aceleração do corpo são os
mesmos da força resultante; dessa maneira, quando a força resultante se dá
verticalmente e for voltada para baixo, a aceleração terá a mesma direção, conforme
a ilustração que exibimos, presente no material didático elaborado:
Se a intensidade da força fosse aumentada aos poucos, a intensidade da
aceleração também aumentaria na mesma proporção. Assim, dizemos que as
grandezas força e aceleração são diretamente proporcionais. Isso porque quando
uma partícula é submetida a uma força F1, ela sofre uma aceleração a1. Se
aumentarmos aos poucos a intensidade dessa força, obteremos o esquema F1 > F2
> F3 e a1 > a2 > a3. Dessa maneira, a razão de cada força com sua respectiva
aceleração são equivalentes.
A essa altura, propusemos a Segunda Lei de Newton com a seguinte
formulação: Se uma partícula sofre uma força resultante , com relação a essa
força a partícula vai adquirir uma aceleração a. Essa força e essa aceleração vão ter
a mesma direção e o mesmo sentido, cujo módulo é diretamente proporcional à
intensidade de força.
Na aula seguinte, para retomar o assunto, assistimos na TV pendrive, um
vídeo com uma explicação bastante clara sobre a Segunda Lei de Newton, conforme
havíamos planejado no material didático. Depois disso, o segundo grupo de alunos
deveria fazer a demonstração do experimento sobre a Segunda Lei, para o qual já
vieram preparados. Usaram a “Pista de Newton” que construíram, sete esferas
grandes, uma esfera pequena e dois blocos.
Sob nossa supervisão e incentivo, colocaram as sete esferas grandes sobre a
“pista de Newton”, em repouso. Logo após, soltaram uma esfera pequena do ponto
mais alto da pista, notando o que ocorria com as esferas em repouso durante e
depois do choque. Anotaram o deslocamento da esfera que mais se afastou das
outras após a batida. Após nossas explicações adicionais, propusemos
ações/questões como:
- desenhar um gráfico da velocidade (v) da esfera de massa (m) em função do
tempo;
- A esfera que é solta sofre alteração em sua velocidade após o choque?
- Mostrar no gráfico essa situação bem como o intervalo de tempo decorrido.
- Ainda em relação ao primeiro choque, houve alteração da quantidade de
movimento? Caso tenha ocorrido, demonstrar a variação.
- Na obra Princípios matemáticos da Filosofia Natural, Newton fundamenta o que
chama de segunda lei do movimento: “A variação do movimento é proporcional à
força motriz impressa e se faz segundo a linha reta pela qual se imprime essa força.”
Represente matematicamente esse enunciado.
- Demonstrar que Fr = m. a, em que Fr é a força resultante; m é a massa e a é
aceleração adquirida.
Os alunos mostraram compreender que a velocidade da esfera no plano
inclinado aumenta. No primeiro choque, perceberam que a velocidade da esfera em
movimento enfraquece de repente, pois a variação da velocidade influi na
quantidade de movimento por causa do tempo.
Após outras explicações complementares, propusemos que os alunos
resolvessem algumas questões mais abstratas. Porém, estas ainda se referiam a
situações de jogo de futebol, envolvendo variação da quantidade de movimento da
bola, a força aplicada pelo pé do jogador sobre a bola e o impulso produzido pela
força. Também propusemos um problema com a pista de Newton, envolvendo
outros números em relação à variação da quantidade de movimento da bolinha,
impulso produzido pela força e força aplicada sobre a bolinha.
Quanto à transposição didática, obtivemos dos alunos as seguintes
adaptações dos termos:
Termos usados no Ensino Médio Termos escolhidos para os alunos do Ensino Fundamental – Anos iniciais
Trajetória
Caminho percorrido; percurso de um corpo no espaço; Caminho de um corpo em relação a uma referência.
Força aplicada Força exercida
Aceleração Rapidez; variação de velocidade
Proporção Quantidade Tabela 02: Ensaio da Transposição Didática de alguns termos – 2
a Lei de Newton.
Ao solicitarmos aos alunos que pensassem em formulações da Segunda Lei
de Newton para alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, obtivemos, por
exemplo:
A1: “A força resultante que atua sobre um corpo é proporcional ao produto da massa
pela aceleração por ele produzida”.
A2: “A 2ª Lei de Newton diz que a força é sempre diretamente proporcional ao
produto da aceleração de um corpo pela sua massa.”
A3: “Quanto maior a massa do corpo maior deverá ser a intensidade da força
necessária para que ele alcance uma determinada aceleração.”
A4: “A mudança do movimento é proporcional à força impressa que se faz em linha
reta”.
A5: “Sem força, a bola não alcancará o caminho desejado. Sem a força aplicada, a
bola ficará parada.”
A6: “A mudança do movimento é proporcional à força expressa em linha reta.”
Percebemos nessas formulações dos alunos uma tentativa de simplificação
do enunciado da Segunda Lei, mas de maneira ainda um tanto imprecisa e confusa,
na maioria das vezes. Como uma aluna inteligentemente colocou, talvez com os
alunos iniciantes das ciências físicas fosse mais interessante quase que somente
fazer as crianças apreciarem os fenômenos, despertando sua curiosidade pelo
assunto das ciências, visto que o entendimento da formulação parece difícil. De fato,
também acreditamos que, se conseguirmos despertar o interesse e curiosidade
pelos fenômenos físicos, já estaríamos fazendo algo bastante significativo para que
as crianças se tornem bons alunos de Física futuramente.
3.4 Experimentos e Transposição Didática com a Terceira Lei de Newton
Da mesma forma, para trazer o conteúdo sobre a Terceira Lei de Newton,
buscamos uma situação da vida real, para que pudéssemos fazer a ancoragem com
o conhecimento prévio dos alunos. Propusemos a situação de um parque de
diversões. Quando ocorre a colisão entre dois ou mais carrinhos “bate-bate”, cada
carro exerce e recebe uma força durante a batida. Será que acontece a mesma
coisa quando um carro bate em um caminhão? Na interação que acontece entre o
caminhão e o carro, uma força da mesma intensidade atua sobre cada um deles. O
que não significa que o amassado seja o mesmo para os dois. Sabemos que o efeito
será diferente, pois a massa e a dureza da lataria do caminhão e do carro são
diferentes.
Relembramos que as duas primeiras Leis de Newton, a Lei da Inércia e o
Princípio Fundamental da Mecânica, mostram como uma força se comporta. A
Terceira, então focalizada, analisa o sistema de troca de forças entre os corpos. A
Terceira Lei de Newton, uma das bases da mecânica clássica, é estabelecida nos
termos seguintes: Em toda interação, quando um corpo A aplica uma força sobre um
corpo B, o corpo A recebe do corpo B uma força na mesma direção e intensidade,
no sentido oposto. Essas forças agem em objetos diferentes e sempre aparecem
aos pares. Embora as forças de ação e reação tenham o mesmo valor, podem
provocar efeitos diferentes. Para melhor entendimento, mostramos aos alunos a
ilustração da Produção Didática:
Assim: |FA-B| = |FB-A|
Dessa forma, quando ocorre troca de forças, não importa saber qual corpo
agiu e qual reagiu. Porém, observamos que as forças estão sempre em pares, ou
seja, quando se realiza uma ação, ocorre sempre uma reação correspondente. Um
exemplo corriqueiro é notarmos quando uma bola bate na parede. Nesse caso, a
parede exerce uma força sobre a bola com a mesma intensidade e direção, no
sentido contrário. Lembramos aos alunos que a natureza da força de reação é
sempre a mesma da de ação. Por exemplo, as forças de ação e reação podem ser
duas de contato, ou ambas elétricas, etc.
Na sequência, buscamos algumas aplicações da Terceira Lei, constatando
que toda força que um corpo recebe, é consequência da força que ele aplicou. Por
exemplo, ao caminhar, uma pessoa é impulsionada para frente por causa da força
que exerceu sobre o chão. A pessoa empurra o chão e é empurrada por ele.
Um outro exemplo dado foi o do foguete. Para subir e entrar em órbita em
volta da terra, ele exerce uma ação de forças constante sobre o ar atmosférico, pelo
jato quente que lança para trás, e, em reação a essa força, o foguete é impulsionado
para cima. Quando está em órbita, o foguete só vai necessitar de propulsão se for
preciso alterar sua trajetória, porque, como prevê a Primeira Lei de Newton, ele vai
permanecer em movimento. Se houver necessidade de mudar a rota no espaço,
basta aplicar uma força para o lado contrário e, conforme a Terceira Lei de Newton,
o foguete é impelido para o outro lado.
Na aula seguinte, como material complementar, assistimos a um vídeo de
uma aula bem ilustrativa sobre a Terceira Lei de Newton, produzida pela Khan
Academy e traduzida para o português pela Fundação Lemann. Depois, demos
espaço para que o terceiro grupo de alunos fizesse a sua demonstração da Terceira
Lei. Elas haviam trazido seu aparato para fazer o experimento para o restante da
turma, sob nossa orientação. Para investigar a Lei a partir da interação entre
massas, trouxeram um miniposte, dois frascos com alça, esferas pequenas, esfera
grande, mola; dois blocos, plano inclinável e cabo tracionador.
Para fazer a demonstração, os alunos do grupo prepararam o sistema
colocando a esfera grande em repouso, abandonando a esfera pequena de um dos
planos inclinados. Pedimos que observassem, com atenção a sequência de
fenômenos que sucederia entre as esferas. Após a batida, perguntamos o que havia
acontecido com a esfera pequena? E com a grande? Como se explicava o
acontecido por meio da Terceira Lei de Newton?
A sequência do experimento assim se deu:
- O frasco com as 12 esferas estava suspenso pela mola.
- Sob nossa orientação, os alunos localizaram e representaram as forças que agiam
quando o sistema massa-mola estava em repouso. Fizemos um esquema e
discutimos a ação da Terceira Lei de Newton no sistema;
- Os alunos colocaram o frasco com as 12 esferas em repouso sobre a pista;
- No outro lado do cabo tracionador, puseram o outro frasco, inicialmente sem as
esferas. Deram ao plano uma inclinação que possibilitou ao sistema estar, de início,
em repouso. Foram levando as esferas, uma por uma, do frasco cheio para o vazio.
Observaram e mediram a deformação da mola ligada ao frasco sobre a pista.
- Fizemos conjuntamente um esquema detalhado das forças atuantes nos sistema,
observando as forças de ação e reação.
- Questionamos se era possível notar o surgimento de alguma força isolada ou elas
sempre apareciam de duas.
A partir das discussões empreendidas, observamos que os alunos
compreenderam que, na batida entre as esferas, houve uma variação na quantidade
de movimento, o que determinou uma força resultante. Essa força resultante ocorria
em par, tipo ação e reação. Uma vez que as massas eram diferentes, suas inércias
também eram. Por essa razão, a esfera maior sofreu variação pequena de
velocidade, enquanto que na esfera menor a variação foi bem maior. Quanto ao
frasco pendurado, uma força de campo atua sobre ele, ou seja, uma força a
distância, sem a presença de interação entre os dois corpos. Essa é a força da
gravitação: o frasco atrai Terra , a Terra atrai o frasco; por isso se diz que são forças
de ação e reação. Por outro lado, o frasco “puxa” a mola e a mola “puxa” o frasco,
ao passo que a mola “puxa” o poste e o poste “puxa” a mola.
Após esses procedimentos, com os exemplos e explicações adicionais que
demos, os alunos foram solicitados a resolver problemas que exigiram
conhecimentos mais formais. Porém, continuamos usando ilustrações concretas de
batidas de carro contra caminhão, envolvendo a massa dos dois veículos, com
questões sobre que corpo exerce a reação e onde esta foi aplicada.
Também pedimos que imaginassem que um astronauta está consertando a
nave em que viaja, que se encontra parada em um lugar do espaço em que não atua
a força da gravidade. Como ele está tendo dificuldades com o conserto, fica nervoso
e arremessa com força a caixa de ferramentas “para baixo”. O que acontece com o
astronauta? Por quê?
Após mais alguns exercícios, passamos à parte da transposição didática
relacionada a esse experimento.
Transcrevemos abaixo algumas opções dos alunos para a simplificação de
termos para seus futuros discentes da primeira fase do Ensino Fundamental:
Termos usados no Ensino Médio Termos escolhidos para os alunos do Ensino Fundamental – Anos iniciais
Interação Relação de alguma coisa com outra
Corpo Porção limitada de matéria
Sentido oposto Contrário; Discordante
Reação Força ao contrário, que volta; Resultado de ação oposta
Tabela 03: Ensaio da Transposição Didática de alguns termos – 3a Lei de Newton.
Quanto à reformulação simplificada da Terceira Lei de Newton, obtivemos dos
alunos exemplos como:
A1: “As forças atuam sempre em pares, para toda força de ação, existe uma força
de reação.”
A2: “Então você joga bilhar ou snooker. Ao atirar uma bola contra a outra, elas
voltam cada uma para trás, por quê? A bola A transferiu sua força para a bola B e a
B transferiu a sua força para a A.”
Embora necessite de formulação mais adequada, o segundo exemplo nos
parece mais claro. No entanto, ele não formula a Lei em si, mas trabalha com
exemplificação. Isso parece indicar que os professores em formação acreditam na
concretização dos enunciados, ou seja, na exemplificação, a fim de que as crianças
possam compreendê-los de fato.
Cabe mencionar, por fim, as impressões dos alunos após o trabalho com
experimentos, em relação ao efeito dessa metodologia sobre sua motivação:
A1: “O uso de experimentos na disciplina de Física mudou minha visão porque eu
achava muito complicada a Física.”
A2: “Sim, porque se você parar pra pensar, é uma matéria entediante, mas com
experimentos nos ajuda a olhar a Física como uma matéria legal e descontraída.”
A3: “Os experimentos me ajudaram a compreender melhor a matéria e entender
como as coisas acontecem em volta da gente.”
A4: “Sim, porque os experimentos deixam a Física mais interessante para os alunos;
eles aprendem melhor e não acham tão chato.”
A5: “Sim, porque eu começo a entender o sentido da Física. Estou começando a
gostar desse conteúdo.”
A6: “Sim, a aula de Física ficou mais prática, os alunos participam mais e, com os
experimentos aprendem muito mais. A Física ficou uma aula mais legal e
interessante, pois apesar de ser uma matéria bem complicada, com experimentos,
ela ficou mais fácil.”
Essas foram algumas das respostas dos alunos, as quais nos apontam que
os experimentos mudaram a rotina de sala de aula e fizeram com que os alunos se
envolvessem e aprendessem mais.
Na sequência, fazemos nossas considerações finais com uma visão geral
sobre esta experiência de intervenção na realidade escolar.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tínhamos como objetivo, por meio da proposta de Intervenção Pedagógica
conduzida durante nossa participação no PDE, contribuir para os cursos de
Formação de Docentes, embasados em princípios da transposição didática e da
aprendizagem significativa. Através do desenvolvimento de experimentos de baixo
custo, e a partir de dinâmicas de grupo, propusemos aos professores em formação o
desafio de fazer a transposição didática nas explicações das atividades
experimentais a discentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo em vista
uma aprendizagem significativa dos conceitos.
De início, tínhamos que estimular os próprios professores em formação para
o estudo da Física, uma das disciplinas menos preferidas de todos. Como forma de
contextualizar, nos valemos também de uma abordagem histórica dos conteúdos,
focalizando a vida de Newton, que teorizou dos conceitos relacionados aos
experimentos que íamos desenvolver. Essa humanização da disciplina teve papel
fundamental na motivação dos alunos, que perceberam que a Física é uma ciência
em construção como qualquer outra, longe de ser um conjunto de verdades prontas
e acabadas, descobertas por indivíduos geniais do passado.
Tínhamos em mente, que esse professores, após formados, atuariam numa
fase em que as crianças têm seus primeiros contatos com a ciência, período
favorável à criação de uma relação mais produtiva com os conhecimentos
científicos.
Além disso, a lacuna contemplada é que o professor em formação tem
contato com uma Física de nível médio; contudo, deverá ensinar os conceitos físicos
nas séries iniciais do Ensino Fundamental, de modo que se percebe a ausência de
um trabalho de transposição didática dos conteúdos.
Por isso, defendemos a necessidade dos estudos sobre transposição didática
no curso de formação de docente, uma vez que é por meio desses conhecimentos
que professores em formação farão as adequações das experiências aos alunos dos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Demandam-se ações nesse sentido, a fim de
evitar uma rejeição precoce nos alunos que têm seus primeiros contatos com os
conceitos da Física. Temos visto que, quando vão para a sala de aula, os
professores formados contam quase que exclusivamente com o livro didático, como
intermediário entre o saber da academia e o conteúdo ensinável. Por isso,
defendemos que o professor possua a necessária fundamentação teórica e prática
e, consequentemente, autonomia para proceder a didatizações mais adequadas a
seu público discente. Mesmo que utilize o livro didático, o processo de mediação
entre o conteúdo do livro e o aluno por vezes necessita de uma transposição final,
que o professor deve ser capaz de conduzir, para que consiga melhores resultados
na aprendizagem.
Esse tipo de visão não admite que o professor seja um mero aplicador de
métodos do livro didático. Como visto, Freire (2000, p.32) também defende essa
ideia, pois, para ele, “ensinar exige pesquisa”. Mais do que uma função
acrescentada à de ensinar, para o autor, essa já deveria ser inerente à docência ou
seja, a reflexão, a busca e a pesquisa. Assim, é preciso que, em sua incessante
formação, o professor se perceba e se assuma como pesquisador.
A esse respeito, Chevallard menciona que a passagem do saber acadêmico
para o saber escolar compõe-se de duas etapas: a transposição externa, no nível do
currículo formal e dos livros didáticos e a transposição interna, na materialização do
currículo, em sala de aula, na interação direta do professor com o aluno. Justamente
nessa dimensão final está o maior problema do professor no compartilhamento do
saber: é o momento de reavaliar o objeto de ensino, de transpô-lo de uma prática
discursiva ainda formal para o contexto discursivo dos educandos. (CHEVALLARD,
2005 apud BARROS; NEVES, 2011).
Como pudemos constatar, nos exercícios de transposição didática feitas com
os docentes em formação, a ação de transformação do saber apresenta vários
problemas, dentre eles a diferença entre elementos do saber sábio da academia em
relação ao conhecimento a ser aprendido, o que ocasiona rupturas e mesmo
distorções em relação à informação veiculada na escola e a original, proveniente do
meio científico.
Nosso percurso de revisão bibliográfica nos revelou que o experimento
cativante poderia trazer como resultado uma mobilização maior do aluno,
principalmente se contemplasse os referenciais preexistentes dos alunos. Esse foco
tende a contribuir para a ocorrência da aprendizagem significativa, conforme os
pressupostos de Ausubel (1980).
No tocante aos experimentos cativantes, concluímos que tiveram efeito na
mobilização dos alunos para aprenderem os conceitos da disciplina. Se nos
balizarmos pelos critérios de Pintrich & Schunk (1996 apud LABURÚ, 2006) para
apurar o sucesso de uma atividade empírica em sala de aula, acreditamos ter sido
bem sucedidos, pois pudemos observar a cooperação e trocas positivas entre os
discentes, assim como as perguntas espontâneas por eles colocadas e o tempo de
atenção voltado à tarefa.
Em relação aos processos de transposição didática, os professores em
formação mencionaram que, nas séries iniciais, a compreensão dos alunos poderia
ser mais efetiva se o professor ilustrasse bastante com exemplos concretos,
principalmente com fatos que as crianças vivenciam no dia a dia, afirmativa com a
qual nos mostramos inteiramente de acordo.
Ainda que suas versões didatizadas não estejam perfeitas, as adaptações
tentadas por nossos alunos parecem apontar para a compreensão da necessidade
de adequar a linguagem aos alunos do Ensino Fundamental – fase inicial.
Nessas formulações dos docentes em formação, percebemos uma busca de
simplificação dos enunciados, às vezes um tanto imprecisa e confusa. No entanto,
como uma aluna lucidamente colocou, pode ser que com os alunos iniciantes das
ciências fosse mais relevante fazer as crianças apreciarem os fenômenos,
despertando sua curiosidade pelo assunto das ciências, uma vez que o
entendimento da formulação parece difícil. Com efeito, também acreditamos que, se
formos bem sucedidos em gerar o interesse e curiosidade pelos fenômenos físicos,
já estaríamos fazendo algo bastante significativo para que as crianças se tornem
bons estudiosos das ciências num tempo vindouro.
Por fim, sabemos que a produção de conhecimento sobre metodologias para
o ensino de Física está longe de se esgotar. A disciplina, em virtude das temáticas
que estuda, pode ser muito mais interessante do que se apresenta no cotidiano de
nossas escolas e deve conquistar seu lugar na preferência dos alunos, pela
relevância de seus conteúdos para a formação do ser humano integral.
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