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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

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ANÁLISE CRÍTICA DA HISTÓRIA EM QUADRINHOS DAMAFALDA

Autora: Sônia Cristina Sávio1

Orientadora: Maria Regina Pante2

Resumo

O presente artigo, que descreve os resultados de uma intervenção pedagógica proposta pela auto-ra no ano de 2015, é um dos requisitos para a conclusão do Projeto de Desenvolvimento Educaci -onal – PDE. A intervenção pedagógica teve como objetivo a utilização das histórias em quadrinhosda Mafalda, cujo criador é o argentino Quino, e foi implementada na Rede Pública Estadual de En-sino de Sarandi e realizada entre os meses de junho e outubro de 2015. Teve como referência ospressupostos teóricos de vários autores que abordam o tema, e o objetivo consistiu em implemen-tar uma sequência didático-pedagógica com alunos do 1.º ano do Ensino Médio, visando umaabordagem crítica sobre temas sociais que fazem parte da nossa realidade cotidiana. O métodoutilizado contemplou atividades que passaram por conteúdos gramaticais, pela análise crítica in-terpretativa, argumentativa, dissertativa e pela escrita. Desta forma os alunos obtiveram uma exce-lente compreensão crítica sobre os temas estudados que provavelmente colocarão em prática noseu dia a dia e mudarão sua postura em relação a interpretação crítica dos fatos.

Palavras-chave: História em Quadrinhos, Análise Crítica. Aprendizagem.

1. INTRODUÇÃOEstudiosos da educação brasileira afirmam que o povo de nosso país lê

pouco, o que acarreta déficits em seu intelecto. A causa desse fenômeno não é

responsabilidade só do indivíduo, mas também, e principalmente, da escola, pois

o meio escolar é responsável pela transmissão do conhecimento científico. Para

isso, é necessário o ensino de qualidade, além de docentes bem formados e pre-

parados para que possam formar indivíduos capazes e conscientes para atuarem

na sociedade à qual pertencem.

Por intermédio das pesquisas teóricas e do conhecimento da teoria e da

prática adquiridas no decorrer deste curso e no dia a dia, constatamos que muitos

alunos necessitam ser estimulados a procurarem novos conhecimentos para se

tornarem agentes transformadores na sociedade. Mas, para isso, é importante

que o indivíduo seja leitor, e que nós, docentes, impulsionemos o hábito de leitura

1 Especialista em Literatura e Língua Portuguesa, graduada em Letras/Anglo pelaFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIMAN) de Mandaguari, leciona a disciplinaLíngua Portuguesa e Língua Inglesa no Colégio Estadual Olavo Bilac, em Sarandi – PR. E-mail: [email protected]

2 Doutora pela Unesp (Assis-SP) e docente da Universidade Estadual de Maringá (UEM)

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de maneira prazerosa.

Essa preocupação é constante entre os professores e os envolvidos no

processo ensino-aprendizagem. Isso porque, entre o que o educador espera do

aluno como leitor e o leitor real que tem sido formado pela escola, há uma grande

interrogação, um vazio, uma queixa. Nesse ponto crítico, está a prática, o trabalho

pedagógico e as perguntas que aqui se apresentam: o que acontece no dia a dia

escolar no tocante à leitura, que causa um distanciamento tão grande entre o que

se quer, o que se espera e o que se tem.

Acredita-se que o primeiro passo para a resolução do problema é a tomada

de consciência dele e a procura de suas causas. De modo geral, percebe-se que

há uma espécie de senso comum, nas escolas ou entre os educadores, de que o

ler apenas para a obtenção do hábito de leitura é algo menor, banal, que aponta a

incapacidade do professor que, para se sentir produtivo, necessariamente

necessita fazer algo (de preferência escrito) com aquela leitura.

Partindo do exposto, justifica-se a elaboração deste projeto. Dada a

importância da leitura e da escrita em sala de aula, escolhemos o gênero

quadrinhos para motivar o aluno a ler, a interpretar as falas das personagens e a

identificar o humor presente nas histórias. Assim, estaremos, simultaneamente,

estimulando a leitura e a interpretação do conteúdo. Para a realização do

presente projeto, escolhemos algumas tirinhas da Mafalda, do argentino Quino.

2. A importância da leitura e da escrita

A atividade fundamental desenvolvida pela escola para a formação dos

alunos é a leitura. Segundo Naspolini (1996), é muito mais importante saber ler do

que saber escrever. O melhor que a escola pode oferecer aos alunos deve estar

voltado para a leitura. Se o aluno não se sair muito bem nas outras atividades,

mas for um bom leitor, acredita-se que a escola cumpriu em grande parte sua

tarefa. Ainda para o autor,

Ler é o processo de construir um significado a partir do texto. Istose torna possível pela interação entre os elementos textuais. E osconhecimentos do leitor. Quanto maior for a concordância entreeles, maior a probabilidade de êxito na leitura. (NASPOLINI, 1996,p. 87)

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Uma aprendizagem mecânica do ler e do escrever, que não se apoie nas

ideias e nos conhecimentos adquiridos pela criança sobre a língua escrita, que

não venha acompanhada de uma real compreensão dos usos e das funções da

linguagem, que não esteja sustentada em interesse em comunicar e em aprender,

é, seguramente, inútil. É trabalhar objetivando somente um copista, que não

conseguirá expressar-se por meio da escrita. O que se observa no dia a dia da

aula é a desvinculação entre a realidade em que o aluno se insere e a prática da

leitura, tornando-a desinteressante.

A instituição escolar pública, de maneira geral, tem realizadopráticas de leitura de forma dissociada das mudanças e avançosque o mundo globalizado e tecnológico tem determinado nasociedade pós-moderna. Em linhas gerais o trabalho com a leituratem sido caracterizado como mecânico, solto, sem muita relaçãocom o quotidiano vivenciado pelos sujeitos, discentes e docentesno âmago do mundo no que concerne a aspectos locais e/ouregionais. As práticas leitoras desenvolvidas nas escolas sejam dequaisquer níveis de instrução, têm se consubstanciado no bojodas antigas práticas recorrentes, modelos antigos que não maisdão conta de representar o momento pós-moderno. Destamaneira, ainda assistimos, perplexos, a rituais medonhos de aulasde leitura onde o ato de ler se desenvolve de forma isolada,solitária, em sessões intermináveis de repetições verbooralizadoras do pensamento escrito pelo outro. (CARDOSO &SILVA, 2001, p. 2)

A leitura é o objetivo da escrita. O ato de ler ativa uma série de ações na

mente do leitor, por meio das quais ele extrai informações. Essas ações são deno-

minadas estratégias de leitura e, na sua maioria, passam despercebidas da cons-

ciência. Elas ocorrem simultaneamente, podendo ser mantidas, modificadas ou

desenvolvidas durante a apropriação do conteúdo. Segundo Cagliari (1997, p.

149),

Ler é uma atividade extremamente complexa e envolve problemasnão só semânticos, culturais, ideológicos, filosóficos, mas atéfonéticos. A leitura é a realização do objetivo da escrita. Quemescreve, escreve para ser lido. O objetivo da escrita é a leitura. Aleitura vai operar justamente nesse universo. Às vezes, ler é umprocesso de descoberta, como a busca do saber científico.[...] o leitor deverá em primeiro lugar decifrar a escrita, depoisentender a linguagem encontrada, em segundo decodificar todasas implicações que o texto tem e, finalmente, refletir sobre isso eformar o próprio conhecimento e opinião a respeito do que leu.

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A leitura sem decifração não funciona de maneira adequada; sem a

decodificação e os demais componentes referentes à interpretação, ela se torna

improdutiva e sem grande interesse. A leitura é uma atividade estritamente

linguística, e a linguagem se prepara com a fusão de significados com

significantes.

Assim, discorrendo sobre sua história de leitor, Freire (1987) afirma que,

antes de se tornar um leitor da palavra escrita, tornar-se-á um leitor do mundo a

sua volta, da realidade a ele circundante, o que lhe permite formular uma maneira

de compreensão da leitura baseada na experiência de vida do leitor, articulada

com a leitura do escrito. Assim, de forma dialética, a leitura do mundo influencia a

leitura da palavra, e esta, por sua vez, influencia aquela. Para Freire, há que se

ter

Uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota nadecodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita,mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. Aleitura do mundo antecipa a leitura da palavra, daí que a posteriorleitura desta não possa prescindir da continuidade da leituradaquele. (FREIRE, 1987, p. 11).

Para o autor, é fundamental, ao se pensar a figura do leitor, que este, ao

efetivar a leitura de um texto, articule relações entre o texto e o contexto, unindo,

em suas palavras, mundo e palavra, contexto e texto, já que “linguagem e

realidade se articulam inseparavelmente” (1987, p. 12), ou seja, “linguagem e

realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada

por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto”

(FREIRE, 1987, p. 12).

Para o autor,

A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leituradesta implica a continuidade da leitura daquele. Na proposta a queme referi acima, este movimento do mundo à palavra e da palavraao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavradita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos.(FREIRE, 1987, p. 22).

É falso dizer que se pode ler só pelo significado ou só pelo significante,

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porque um ou outro, isoladamente, não constituem uma realidade linguística. Ler

é uma atividade pessoal e secreta, que só se observa em seus aspectos

exteriores: um leitor diante de um texto. Pode-se também tentar observar o que se

faz quando se lê. Mas essa atenção voltada para o próprio leitor enquanto lê é

dificultada porque, para se tornar observável, a leitura deve tornar-se consciente.

Então, o ato da leitura perde a sua naturalidade. Para Barbosa (1990, p. 56),

Ler é uma atividade ideovisual. Pode-se dizer que a leituradepende do que está diante e atrás dos olhos. A leitura é umaatividade visual porque para ler é necessário haver um textodiante dos olhos. Mas a leitura é mais do que um exercício dosglobos oculares, pois se apoia por um lado, no que o leitor recebeatravés do seu sistema de visão e, por outro nas informações queo leitor tem disponíveis na sua cabeça, na sua estrutura cognitiva.

O ato de ler, em si mesmo, é como um processo mental de vários níveis,

que muito contribui para o desenvolvimento do intelecto. O processo de

transformar símbolos gráficos em conceitos intelectuais exige grande atividade do

cérebro durante o processo de armazenagem da leitura; coloca-se em

funcionamento um número infinito de células cerebrais.

Como afirmam Kleiman (1993, 1997), Cavalcanti (1989) e Kato (1995), a

leitura se institui em uma forma de interação envolvendo leitor/texto/autor, e, de

forma particular, essa interação ocorre entre o leitor e o texto, já que o primeiro

precisa encontrar a coesão e a coerência textuais por intermédio dos vários

elementos contextuais oferecidos pelo segundo. Para tanto, o leitor necessita

acionar seu conhecimento prévio, formular hipóteses, estabelecer objetivos para a

leitura, além de acionar os princípios e as regras que tem internalizado para

desvendar os aspectos contextuais (propriamente linguísticos) do texto.

Realizando essas atividades, o leitor poderá compreender o sentido do texto e,

consequentemente, interagir com seu autor.

Segundo Naspolini (1996), as ações que ocorrem no processo de leitura

são: seleção, predição, inferência, autocontrole e autocorreção.

a) seleção: a mente seleciona o que lhe interessa no ato da leitura.

Escolhem-se os aspectos chamados relevantes e ignoram-se os outros, os

irrelevantes, isto para o entendimento do texto;

b) predição: as hipóteses que o leitor faz antecipando informações com

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base nas "pistas" que vai percebendo ao longo da leitura;

c) inferência: os complementos que o leitor fornece ao texto a partir de

seus conhecimentos prévios. É tão frequente o uso dessa estratégia que é

comum não nos lembrarmos se um determinado aspecto estava explícito ou

implícito no texto;

d) autocontrole: a atitude permanente do leitor, a qual consiste em fazer a

ponte entre o que ele supõe (seleção, predição, inferências) e as respostas que

vai obtendo através do texto. Trata-se de avaliar as predições e as inferências,

confirmando-as ou refutando-as, com a finalidade de garantir a compreensão;

e) autocorreção: as expectativas levantadas pelas estratégias de predição

não são confirmadas, havendo um momento de dúvida. O leitor, então, repensa a

hipótese anteriormente levantada, constrói outras e retoma as partes anteriores

do texto para fazer as devidas correções. É o caso, por exemplo, do leitor que

“volta” para corrigir a palavra que leu errado.

Seleção, predição, inferência, autocontrole e autocorreção são processos

cognitivos (estratégias) que facilitam a leitura, tornando-a mais rápida e eficaz.

Como se nota, trata-se de uma concepção de leitura cujo ponto central é a

noção de interação, bastante ausente nos relatos das aulas de leitura. A partir das

implicações político-sociais do ato de ler, Martins (2004, p. 35) observa várias

formas de leitura:

Desde que o ser humano nasce e toma contato com a realidade,começa a fazer uma leitura da vida, por meio de sentidos. A leituraadquire um conceito bem amplo - o de conhecimento,interpretação e decifração do código / enigma que é o mundo.Nesse sentido, a leitura do mundo precede sempre a leitura dapalavra e o objetivo primordial desta implica a compreensãomelhor do mundo. No caso da palavra poética, vamos encontrar,ainda, uma leitura emocional e subjetiva do mundo. Em facedisso, aprender a ler significa também aprender a ler o mundo, darsentido a ele e a nós próprios, o que, mal ou bem, fazemosmesmo sem ser ensinados.

A leitura pode ser percebida como uma atividade individual, em que

importam os processos biológicos e cognitivos que vão do passar de olhos nas

letras do papel até a concepção de hipóteses, de construção de inferências, de

criação de elos intertextuais e de muitos outros processos que as teorias tão bem

têm detalhado. Ela também se conforma como atividade coletiva.

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Textos que circulam no meio urbano, no espaço doméstico, devementrar também na escola, em todos os níveis de ensino, desde aeducação infantil, passando-se pelo curso fundamental, atéchegar-se ao ensino médio, momento em que esses textos devemtangenciar outros, pré-selecionados, ou com eles estabelecerintersecções. (PRADO & CONDINI, 1999, p. 118).

O aspecto coletivo da leitura pode ser observado pelo fato de haver vários

elementos que, mesmo se situando fora do plano leitor/texto/autor, sobre ele

interferem. Um deles seria a própria história de leitura dos textos, que vai

patrocinando certas sedimentações de sentido, em detrimento de outros

(ORLANDI, 1996, p. 42).

Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica do

Governo do Estado do Paraná sugerem que o aluno tenha contato com uma

ampla variedade de textos, produzidos em uma igualmente ampla variedade de

práticas sociais. Tal documento considera que os conceitos de textos e de leitura

não se restringem, nesse contexto, à linguagem escrita; abrangem, além dos

textos escritos e falados, a integração da linguagem verbal com as outras

linguagens: artes visuais, cinema, fotografia, semiologia gráfica, quadrinhos,

charges etc. (PARANÁ, 2006, p. 31).

A história em quadrinhos (doravante HQ) é composta por uma sequência

de representações gráficas com referência à representação do movimento, sendo,

ao mesmo tempo, acompanhada pela linguagem escrita, formando, dessa forma,

o conjunto desenho e literatura.

Segundo Mendonça (2007), embora as HQs já sejam aceitas como objeto

de leitura fora das salas de aula, elas ainda não fazem parte do rol de textos com

que a escola trabalha. Além disso, ainda não chamaram a devida atenção dos

pesquisadores nas universidades. Ainda segundo o autor, “as seções destinadas

às HQs permanecem sendo as menos ‘importantes’, do tipo ‘Divirta-se’, ‘Só para

ler’ ou ‘Texto suplementar’, sendo raríssimos os casos de uma HQ figurar como

texto central de unidade em um LDP (MENDONÇA, 2007)

Para registrar fatos do seu cotidiano ou para expressar-se, uma vez que

ainda não havia desenvolvido a fala e a escrita, o homem primitivo já fazia uso de

um elemento visual: o desenho. Em todos os períodos da história da arte, o

desenho esteve presente, seja acompanhado de textos ou não, até que, no final

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do século XIX, surgiu o que se conhece hoje por HQs (WEBER, 2007).

A história em quadrinho (HQ) surgiu em 1895, nos jornais dos Es-tados Unidos, com o propósito de servir de passatempo aos milha-res de imigrantes que haviam chegado àquele país. Eles queriamcomprar jornais, mas não entendiam o idioma, por isso passarama apreciar aquela história ilustrada que o jornal contava, pois elesa compreendiam. Evidentemente os proprietários de jornais perce-beram ter em mãos uma grande fonte de renda. E começaram aincentivar os desenhistas a produzir histórias em imagens, que setransformaram em comics ou strip comics. (RAHDE, Maria BeatrizFurtado: in Revista Mundo Jovem. Agosto / 2006).

As HQs, segundo Kaufman (1995), são textos humorísticos e têm como

intenção provocar o riso. Para isso, seus autores utilizam recursos linguísticos e

iconográficos (desenhos) que alteram ou quebram a ordem natural dos fatos ou

acontecimentos. Os recursos mais frequentes são a zombaria, a ironia, a sátira, a

caricatura, o sarcasmo.

As tiras são um subtipo de HQ; mais curtas (até 4 quadrinhos) e,portanto, de caráter sintético, podem ser seqüenciais (capítulos denarrativas maiores) ou fechadas (um episódio por dia). Quanto àstemáticas, algumas tiras também satirizam aspectos econômicose políticos do país, embora não seja tão “datadas” como a charge.Dividimos as tiras fechadas em dois subtipos: a) tiras-piadas, emque o humor é obtido por meio das estratégias discursivasutilizadas nas piadas de um modo geral, como a possibilidade dedupla interpretação, sendo selecionada pelo autor a menosprovável; b) tiras-episódio, nas quais o humor é baseadoespecificamente no desenvolvimento da temática numadeterminada situação, de modo a realçar as características daspersonagens (...). Podemos caracterizar, então, caracterizarprovisoriamente a HQ como um gênero icônico ou icônico verbalnarrativo cuja progressão temporal se organiza quadro a quadro.Como elementos típicos a HQ apresentam desenhos, os quadrose os balões e/ou legendas, onde é inserido o texto verbal.(MENDONÇA, apud SILVA, 2007, p. 09).

As HQs são dispostas dentro de quadros ou retângulos, nos quais as

cenas em cada um deles cujas cenas são organizadas em sequências,

transmitindo sempre uma mensagem (a história).

Nesse aspecto, Mendonça (2007) ressalta que

As HQs são colocadas em uma exata constelação de gênerosnão-verbais ou icônicos-verbais assemelhados e estas, podem serexploradas como se faz com qualquer outro gênero, atentando-se

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para recursos distintos do seu funcionamento. Distinguir e utilizarhistórias em quadrinhos como ferramenta pedagógica parece serfundamental, numa época em que a imagem e a palavra, cada vezmais, associam-se para a produção de sentido nos diversoscontextos comunicativos (MENDONÇA, 2007, p. 207).

Afinal, as HQs envolvem toda uma concepção de desenho, de humor, de

ritmo acelerado, de intervenção rápida das personagens nas situações com as

quais se defrontam. Contêm algo de conciso, vertiginoso, quase cinematográfico.

E, como em qualquer outro tipo de história, há as ótimas, as medíocres, as muito

bem feitas, as de carregação, as extremamente inventivas, as que se repetem...

Como em qualquer outra forma literária, escolhem-se, procuram-se as que dizem

mais, desistindo das que dizem menos e suscitam menos emoção, menos envol-

vimento, menos inesperado (ABRAMOVICH, 1994).

Nesse aspecto, Braga Junior (2012, p. 16) explicita que “as histórias em

quadrinhos são produções midiáticas vinculadas ao mundo do entretenimento e

da expressão artística. São publicações impressas ou digitalizadas, que narram,

através de uma sequência de imagens desenhadas, situações das mais diversas”.

[...] Em relação à formatação e ao desenvolvimento da construção narrativa dos

quadrinhos, o autor (2012, p. 20) ressalta que o “fazer quadrinhos” revela-se a

partir dos princípios de como são enquadrados e representados, “como o olhar é

guiado e como se desenvolve a importância do que é visto pelo expectador”.

Por causa de sua escrita própria, as HQs são uma forma de expressão e

de comunicação, equiparando-se à televisão e ao cinema. Mas a imagem sempre

tem uma importância essencial, razão pela qual o maior valor dos quadrinhos está

nos desenhos, tornando-se a linguagem verbal uma forma de complementação.

As HQs tanto podem ser o objeto de estudo, quanto o meio deabordagem de diversos assuntos no processo deensino/aprendizagem. As características que envolvem osquadrinhos retiram do aprendizado o sentido de obrigatoriedade,aproximando os alunos do conteúdo a ser desenvolvido. Anecessidade do uso dessa mídia para fins educacionais pode serpercebida a partir da publicação Lei de Diretrizes e Bases daEducação (LDB) de 1996, em que se faz referência ao uso deHQs em sala de aula, aparecendo explicitamente nos ParâmetrosCurriculares Nacionais, principalmente nos de língua portuguesa.Ressalta-se ainda que foi com o Programa Nacional Biblioteca nasEscolas (PNBE), a partir de 2006, que os quadrinhos ganharamoficialmente as prateleiras da escola e espaço nos planos de

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ensino dos professores (BRAGA JÚNIOR, 2012, p. 05-06).

Na busca de elementos motivadores para o ensino-aprendizagem, a

história em quadrinhos tem evidenciado o seu acentuado papel para o aluno.

Pouco a pouco, a finalidade, principalmente recreativa para a qual as HQs foram

criadas, alterou-se, iniciando-se um verdadeiro processo de mudança e a validade

educativa do recurso tornou-se mais evidente. Higuchi (2000) ressalta que,

As HQs permitem infinitas possibilidades de exploração doimaginário. Temas como: magia, ficção científica, violência,sonhos, podem ser explorados em suas páginas. Através daimaginação podemos superar, ou pelo menos, diminuir nossosproblemas e as pressões que sofremos no cotidiano e encontrarpossíveis soluções. O olhar aguçado percebe além, espírito críticoe prazer são ampliados através dele (HIGUCHI, 2000, p. 153).

Dessa forma, pode-se constatar que a leitura das HQs pode proporcionar

condições para o desenvolvimento de uma cultura geral e, em uma visão

pedagógica, para a generalização do conhecimento. É essencial o professor se

conscientizar de que ensinar a ler por intermédio do recurso dos quadrinhos não é

o suficiente; é necessário conduzir o aluno a aprender a ler e a eleger as HQs

mais relevantes na situação de ensino-aprendizagem.

A função didática da imagem das HQs, a cada dia, torna-se cada vez mais

utilizada como instrumento pedagógico no trabalho com alunos em qualquer grau

ou disciplina. Isso significa oportunizar cada vez mais o desenvolvimento pleno da

imaginação. O seu valor educativo surgiu com maior ênfase na década de 30 do

século XX, quando esse meio passou a exercer grande influência sobre a

sociedade.

A personagem Mafalda, objeto de nossa pesquisa, foi criada pelo cartunista

argentino Quino, na década de 60 do século XX. Inicialmente, a veiculação dos

quadrinhos era feita visando fins comerciais. No entanto a representatividade

junto a assuntos políticos, econômicos e sociais polêmicos fez da personagem um

ícone. A maioria das tirinhas da personagem traz nas narrativas discussões sobre

problemas mundiais, visões diferenciadas sobre as questões da ONU, de Cuba e

do desenvolvimento econômico mundial. Além disso, apresenta a influência dos

meios de comunicação na sociedade contemporânea. Trata-se de temas

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polêmicos e de interesse público que fazem que essas tirinhas alcancem públicos

de 0 a 100 anos de idade, segundo o próprio criador da personagem (DANTAS et

al, 2012).

Nas palavras de Umberto Eco (2003, apud DANTAS, 2012, on-line),

“Mafalda é uma heroína dos anos 60 que recusa o mundo tal como ele é”. Apesar

de os temas colocados por Mafalda serem característicos da época em que foi

criada, a cada ano se percebe que os assuntos apresentados pela personagem

são sempre atuais, ganhando cada vez mais notoriedade e relevância no cenário

mundial, motivo pelo qual são largamente utilizados como ferramentas no

processo ensino-aprendizagem.

3. Apresentação da clientela e análise dos resultados da implementação do

material didático planejado

O Colégio Estadual Olavo Bilac – Ensino Fundamental e Médio - localiza-

se na área da cidade de Sarandi, mais especificamente na Rua Jaçanã, no 587.

Ao contrário do que se imagina, a referida escola não atende apenas a alunos

residentes no entorno do estabelecimento, mas também aqueles provenientes

dos mais diferentes bairros da cidade. Essa informação é importante porque é

comum que se imagine que, devido ao fato de a escola se localizar em área

central (ou privilegiada, visto que o acesso a ela poder ser feito por meio de todas

as circulares que fazem o percurso Maringá-Sarandi), o aluno pertença às classes

sociais de melhor poder aquisitivo. Ou seja, o fato de os alunos provirem dos mais

variados bairros da cidade é significativo, porque indica que o Colégio atende a

um grupo bastante heterogêneo, formado por crianças e adolescentes que

residem nas proximidades, bem como por aqueles que residem em bairros mais

afastados, que dependem do transporte escolar tanto para chegar à escola

quanto para retornar a suas casas.

É verdade que em outros anos a população atendida nessa escola era mais

homogênea e, por conseguinte, as práticas de ensino e aprendizagem pareciam

ser mais eficazes. Por outro lado, é correto afirmar que tais práticas estavam

voltadas para o ensino de Língua Portuguesa em uma perspectiva tradicional,

pautada na gramática, na redação e na historiografia literária. Ocorre que a

mudança no perfil do alunado levou os professores ao questionamento tanto dos

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conteúdos abordados quanto das metodologias de ensino e aprendizagem que

eram empregadas em sala de aula. Tal preocupação tem mobilizado o conjunto

de profissionais da educação que atuam nesse estabelecimento de ensino, visto

que, nas provas oficiais de que têm participado, os alunos demonstram um nível

de aprendizagem bastante aquém do esperado.

Assim, nos últimos anos, a comunidade escolar, incluindo alunos, pais,

representantes da sociedade, equipe pedagógica, gestores (diretor e diretor

auxiliar), profissionais da educação estão mobilizados para pensar e implementar

encaminhamentos metodológicos que auxiliem os alunos a aprender os

conteúdos científicos abordados em situação de ensino.

De modo geral, os professores se queixam de que os alunos resistem a

aprender os conteúdos ensinados da forma como são ensinados. Os alunos

corroboram a visão dos professores, afirmando que não aprendem porque as

aulas são cansativas, monótonas e que não conseguem perceber a relação entre

os conteúdos e a vida “lá fora”, ou seja, a escola lhes parece desvinculada do

cotidiano em que vivem.

Para tornar mais didática a apresentação dos resultados da aplicação da

sequência didático-pedagógica, a professora coordenadora optou por relatar,

neste artigo, como foram as etapas desenvolvidas no projeto de pesquisa.

A sequência didática proposta pela professora-pesquisadora apresentou-se

como uma implementação didático-pedagógica no 1.º ano do ensino médio

ofertado nas aulas de língua portuguesa, dividido em doze atividades, totalizando

trinta e duas horas de implementação em sala de aula.

Assim, nesse primeiro momento, mobilizamos os alunos para que tivessem

contato com o criador da Mafalda, Quino, bem como sua biografia e as

personagens que compõem as tiras. Nesse momento, os alunos se mostraram

curiosos e estimulados a participar das atividades propostas pela professora.

Na sequência, trabalhamos com uma tira em que o pai de Mafalda está

lendo um jornal e se mostra indignado com a notícia sobre seu time de futebol; ele

está nervoso e joga o jornal no chão. Mafalda, vendo aquilo, corre para ver o que

ele está lendo, mas a página que ela lê é totalmente diferente daquela que ele

estava lendo. Ela pensa que seu pai está indignado com uma reportagem que fala

de crianças abandonadas e desnutridas. Então ela se volta para ele, fala

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orgulhosa que está muito feliz por ter um pai que se preocupa com causas sociais

e sai. Ao sair, seu pai fica muito envergonhado de si mesmo diante da atitude de

sua filha.

Fonte:http://2.bp.blogspot.com/cPzqezXa_Hk/T3jTEBx_HdI/AAAAAAAAB3M/rRaFIDJ0Ss/s1600/M

afalda+hist%C3%B3ria.jpg

Desse modo, os alunos se envolveram na atividade como sujeito ativo,

participativo no processo de leitura, tendo voz em seu contexto. Além disso, esse

método instigou momentos de debate, de reflexões a respeito da leitura da leitura

das tiras de Quino.

Após a leitura das tiras da Mafalda, questionamos acerca das questões

políticas e das causas sociais nelas presentes, visto que, embora essas tiras já

tenham sido criadas há um certo tempo, suas temáticas continuam atemporais, ou

seja, elas ainda retratam, até hoje, problemas. Diante disso, os alunos fizeram um

breve relato de dez linhas no qual expuseram seu ponto de vista para onde

caminha a humanidade. Além disso, propusemos questões argumentativas e

críticas sobre as tiras. Concluímos, assim, a parte de leitura e escrita.

Antes de encerrar a aula, um dos alunos comentou: “Sabia, professora, que

devemos mudar a política do nosso Brasil?”. Quando questionamos o porquê de

tal afirmação, ele respondeu: “para acabar com a corrupção em nosso país, que é

uma vergonha. Nesse instante, foi possível constatar a indignação geral da turma

em relação aos fatos políticos e à crise econômica que assolam o Brasil, gerando,

dentre outros problemas sociais, o desemprego.

A fim de enfatizar a importância da leitura digital, Mafalda, juntamente

com a personagem Susanita, questiona sobre a geração da tecnologia, diz que o

mundo hoje está mudado e estamos em “outra geração” tecnológica. Entretanto a

personagem finaliza sua fala dizendo que: “Quando eu crescer vou comprar uma

máquina de tricô”, porque a cibernética a atrai, ou seja, ela descontrói todo o

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discurso feito até então. Essa desconstrução provoca o questionamento do

quanto a mídia digital está em constante evolução e de que as informações

ocorrem de forma muito rápida, ou seja, o que é considerado atual hoje pode ser

superado, melhorado e aprimorado em um futuro muito próximo.

Na outra tira, o pai de Mafalda dirige-se à estante para pegar um dicionário.

Ela se volta para ele e diz “se você continuar desse jeito papai o senhor nunca irá

terminar de ler esse livro.” Nesse caso, temos as tiras de humor: a pesquisa em

um dicionário, que é uma mídia impressa, é uma busca específica, ou seja,

ninguém lerá o dicionário do início ao fim, como se fosse um livro.

QUINO, J. L Mafalda. Tradução de Mônica S. M. da Silva, SãoPaulo: Martins Fontes, 1988.Fonte:http://exercicios.brasilescola.com/exercicios-redacao/exercicios-sobre-interpretacao-texto-nas-tirinhas-mafalda.htm

Desse modo, trabalhamos questões argumentativas sobre elas, e os

alunos se posicionaram tanto em relação às tecnologias de informação e

comunicação que fazem parte do nosso cotidiano quanto à interpretação das tiras

mencionadas. Os alunos participaram ativamente da aula, apresentando visão

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crítica sobre as tiras abordadas.

Passamos à leitura e à intepretação da tira em que Mafalda se posiciona

contra a relação entre mãe e filha: segundo ela, deveria haver uma relação de

igualdade entre ambas. Implicitamente, a tira traz uma crítica à sociedade de

classes, na qual há existência de superioridade e de inferioridade. Em sua obra,

Quino ironiza o corpo social: há uma rotulação das pessoas, e isso condiz com

sua posição social, o que, na tirinha, fica estabelecido como mãe – superior – e

filha – inferior –, portanto, obediente.

Diante desses questionamentos e embasando-se na tira e no texto de

apoio, os alunos produziram um texto de até quinze linhas sobre a importância da

hierarquia em seu lar, na escola, na igreja e em outros ambientes. O foco

dissertativo foi diverso e chegou-se à conclusão de que devemos nos comportar e

nos posicionar de forma crítica e argumentativa, sempre utilizando o bom senso e

os valores sociais de boa convivência.

A tira seguinte apresenta Mafalda e Miguelito conversando. Ele diz que é

difícil seu aprendizado na disciplina da Língua Portuguesa e que não consegue

entender o sujeito e o predicado nas orações. Mafalda tenta ensiná-lo dando um

exemplo: “Esse lixo enfeita a rua”. Ela lhe pergunta onde está o sujeito da oração,

e ele prontamente diz que é o prefeito. Mafalda fica decepcionada com a resposta

de Miguelito e desiste de ensiná-lo.

Link:http://3.bp.blogspot.com/Kq7TOiqa6Ig/T20B7GA5q8I/AAAAAAAAB4I/3x1AxRkhN20/s1600/sujeito+mafalda.bmp

Nessa tira, trabalhamos com a argumentação envolvendo questões

gramaticais, tais como as funções sintáticas de sujeito e predicado e as classes

gramaticais, por exemplo, numeral e verbos. Explicamos a gramática apresentada

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nas tiras e também realizamos atividades de fixação para reforçar a

aprendizagem.

Na tira seguinte, Mafalda analisa o uso da mídia, refletindo sobre o meio

em que vivemos e de que modo somos facilmente manipulados por vários meios

de comunicação de massa como: televisão, internet, revistas, jornais, redes

sociais entre outros.

Fonte: et/wp-utras-palavras.ncontent/uploads/2013/05/86.jpg

Além de questões argumentativas, os alunos produziram um texto sobre o

papel do cidadão em meio a todo tipo de manipulação a que estamos sujeitos

atualmente. Ou seja, refletiram sobre a necessidade de serem cidadãos críticos

diante da manipulação de massa e expuseram suas ideias por meio de uma

produção textual.

Na sequência, apresentamos uma tira em que os alunos aprenderam o

uso do estrangeirismo na Língua Portuguesa, bem como a origem e a importância

de sua utilização em nosso idioma.

Realizamos atividades de assinalar a resposta correta. Os alunos

compreenderam o conteúdo de forma satisfatória.

Dando sequência às atividades, nas próximas tiras temos a presença de

Mafalda, juntamente com Calvin e Haroldo, de Bill Watterson. Nesse episódio, as

personagens nos fazem refletir sobre vários aspectos do ser humano, tais como

ser crítico e ser capaz de transformar e de modificar a realidade que nos cerca.

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Após promover a discussão e o debate a respeito das tiras, além de

questões interpretativas, os alunos produziram uma narrativa argumentativa sob o

tema: “Se eu fosse presidente do Brasil”, de até dezoito linhas. Percebemos que

os alunos tiveram posicionamentos políticos consideráveis, viáveis e aceitáveis,

capazes de transformar positivamente a estrutura política do Brasil.

Por fim, Mafalda e Susanita conversam a respeito do que desejam

quando atingirem a fase adulta: Susanita quer ter muitos vestidos, ao passo que

Mafalda quer ter muita cultura. Posteriormente, Susanita diz a Mafalda que o mais

importante é sair com roupas bonitas, porque, se sair sem cultura, a polícia não a

prende, mas se experimentar sair sem vestido pode ser presa. Mafalda, então,

desanimada, admite que Susanita está correta e sai triste de cena.

Fonte: http://mafalda-portugues.blogspot.com.br/

Conclui-se que o indivíduo, desde o início de sua vida, possui valores e

princípios intrínsecos, os quais formam a sua personalidade. Outros valores,

conceitos e interesses são adquiridos no meio em que vive. Ou seja, esse meio

apresenta regras e normas que devem ser cumpridas.

Com base na charge, os alunos criaram cinco questões sem resposta e

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trocaram com outros alunos para interação da atividade a fim de que o colega

respondesse seu questionamento. Dessa forma, houve uma interação entre

professora/aluno e aluno/aluno, o que tornou a aula mais dinâmica, interessante e

os alunos participaram ativamente atingindo seu ápice, ou seja, todos passaram a

interpretar o conteúdo dos quadrinhos de forma crítica, fazendo uma relação entre

a leitura e a realidade vivida.

4. Considerações finais

Definimos a experiência realizada com os alunos como boa, pois todos

conseguiram estabelecer relações entre o gênero textual quadrinhos trabalhados

a partir de uma temática central fundamentada nas relações sociais.

Considerando que não houve dificuldade de acesso às tiras, pois a leitura

foi realizada na sala de informática e em sala de aula, utilizando a mídia impressa

e a digital, todos se envolveram nas atividades, fazendo uma leitura simultânea,

ora um aluno, ora outro.

Quanto ao método utilizado para a implementação do projeto,

observamos que foi relevante para o melhor desenvolvimento das atividades

propostas, pois houve uma sequência de ações didático-pedagógicas, que,

partindo das HQs de Mafalda, passaram por conteúdos gramaticais, pela análise

crítica interpretativa, pela argumentação, pela dissertativa e pela escrita.

Um aspecto negativo, que deve ser destacado, é que durante a

implementação do projeto, o professor PDE estava envolvido com a

implementação do projeto e o GTR ao mesmo tempo, o que às vezes dificultava o

acompanhamento deste último. Apesar desse aspecto negativo, o resultado,

como dissemos, foi bom, pois demonstrou importantes avanços no processo de

incentivo à leitura. Se considerarmos o meio socioeconômico e cultural dos

alunos, estes se sentiram estimulados à leitura. Acreditamos que eles apreciaram

a leitura das HQs de forma prazerosa, chegando à conclusão de que nem todo

gênero textual é complexo e de difícil leitura.

Além disso, os alunos reconheceram que a responsabilidade pelo ensino

e pela aprendizagem não se restringe ao professor e à escola; ao contrário, faz

parte de um conjunto de fatores articulados, que favorecem a apropriação do

conhecimento. Para isso, bastam o interesse e a vontade de aprender.

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Concluímos que as atividades desenvolvidas ampliaram as possibilidades

de conscientização sobre a importância da leitura, para a compreensão do mundo

e para a superação das injustiças sociais impostas pelas relações sociais. Assim,

além de uma alternativa metodológica para incentivar e despertar o gosto pela

leitura, esperamos que o resultado da pesquisa contribua de forma positiva para o

desenvolvimento de práticas de leitura do gênero HQs e que outros

pesquisadores e estudiosos possam aprofundar esse estudo, bem como aplicar

essa metodologia em suas aulas.

Acreditamos, ainda, que, por meio dessa metodologia, é possível

trabalhar com a interdisciplinaridade e a intertextualidade. Afinal, sem o

conhecimento que advém do mundo letrado, o indivíduo será mero apreciador da

sociedade dividida em classes e incapaz de transformá-la e de torná-la mais justa

e igualitária.

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