OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO ... · contos: “Teleco, o...

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Produções Didático-Pedagógicas

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Produções Didático-Pedagógicas

1

PARANÁ GOVERNO DO ESTADO

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE

A promoção da leitura via texto literário: narrativas fantásticas, um olhar

acerca do insólito em Lygia Fagundes Telles e Murilo Rubião

ALZIRA PADILHA DE OLIVEIRA

IRATI 2013

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PARANÁ GOVERNO DO ESTADO

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE

A promoção da leitura via texto literário: narrativas fantásticas, um olhar

acerca do insólito em Lygia Fagundes Telles e Murilo Rubião

Unidade Didática apresentada por Alzira

Padilha de Oliveira, a Secretaria e Estado da

Educação do Paraná, por meio do Programa de

Desenvolvimento Educacional.

Orientador: Prof. Ms. GIULIANO HARTMANN

IRATI

2013

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“... Se nós, professores, acreditamos na força

transformadora da literatura, não podemos nos omitir

enquanto cidadãos e educadores.

Não podemos abdicar do papel histórico que nos

cabe: de nos formarmos como leitores para interferir

criticamente na formação qualitativa o gosto estético

de outros leitores” (MAGNANI, 2001, p. 140).

APRESENTAÇÃO Esta Proposta de Intervenção Pedagógica visa contemplar os alunos do 9º

Ano do Colégio Estadual Parigot de Souza – Ensino Fundamental e Médio, do

município de Inácio Martins – Paraná. Na Unidade Didática pretendida, trataremos

de discutir a temática do gênero textual Contos Fantásticos, especificamente, os

contos: “Teleco, o coelhinho” (1999) de Murilo Rubião e “Venha ver o pôr-do-sol”

(1998) de Lygia Fagundes Telles, dialogando com outros autores. A abordagem

objetiva promover a competência leitora por meio de narrativas fantásticas

envolvendo o Método Recepcional, proposto por Aguiar e Bordini (1993) e buscar,

dessa forma, superar as dificuldades detectadas ao longo do percurso de formação

do leitor no âmbito escolar, oportunizando aos estudantes momentos para

desenvolver e aprimorar a prática da leitura por meio do contato com o texto de

caráter insólito, propiciando experiências que sejam prazerosas, interrogativas e, ao

mesmo tempo, reflexivas e críticas.

Nota-se que grande parte dos alunos no âmbito escolar não usufruem do

ambiente da biblioteca e a leitura parece não ser necessária para o aprendizado,

sendo encarada como tarefa cansativa, enfadonha e meramente imposta. Apesar

dos esforços por parte dos professores, a leitura ainda não faz parte do cotidiano

dos alunos, e, tal realidade requer projetos inovadores que venham provocar a

curiosidade dos discentes pelo conteúdo dos livros/obras e possam vir a se

transformar em leitores/sujeitos ávidos e críticos.

A escolha do gênero ‘conto’ ocorreu devida ser uma modalidade de textos

mais curtos, delimitando o conto Fantástico como objeto de leitura, sendo uma das

opções para despertar o leitor da fase adolescente, por meio da excitação e carga

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emotiva desprendida no decorrer da trama narrada. Os contos Fantásticos

possibilitam instigar os leitores, ainda em formação, ampliando e incorporando novos

conhecimentos na construção dos saberes a serem elaborados.

Nessa perspectiva, da elaboração do Projeto de Intervenção Pedagógica,

acredita-se ser possível desenvolver a interpretação crítica e reflexiva da realidade,

contribuindo assim para a formação de leitores competentes e aptos para interagir

com a obra, integrando experiências ao conhecimento literário.

Assim, a leitura deixa de ser apenas entretenimento e passa a ser, além de

um processo de aquisição de conhecimentos, elemento indispensável à

sobrevivência espiritual do ser humano. Nesse sentido, a literatura fantástica

transporta os leitores a um mundo ficcional no qual não há segurança, com uma

linguagem que distorce o real e inquieta o sujeito diante do insólito, motivando a

exploração do poder do imaginário ou do perigo imediato frente ao desconhecido,

desmitificando conceitos entre a realidade e o ficcional, trabalhando com situações

conflituosas, ideias contrárias e com a deformação dos sentidos.

Faz-se necessário mostrar que a leitura é um processo de interlocução entre

leitor/autor mediado pelo texto, no qual o leitor busca a sua significação por meio de

novas leituras e inferências, pois o leitor acaba atingindo uma maturidade fruitiva

que, adquirida no contato com uma extensa gama de textos no arcabouço cultural

da sociedade, pois, como afirma Marisa Lajolo: o “leitor maduro é aquele para quem

cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu, tornando

mais profunda a sua compreensão dos livros, das gentes e da vida” (LAJOLO, 1986,

p.53).

1. A QUESTÃO DO FANTÁSTICO, O ESTRANHAMENTO DA NARRATIVA.

Criaturas sem vida terrena andando entre os vivos, monstros das mais

variadas formas, árvores, pedras e animais que falam, criaturas e acontecimentos

que não pertencem à nossa realidade cotidiana, extrapolam a normativa padrão do

entendimento humano, nossa lógica não entende e não aceita tais

acontecimentos. Dessa forma, Todorov em Introdução à Literatura Fantástica

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(2004), busca traçar os limites entre a realidade e os acontecimentos insólitos no

âmbito da literatura.

O Fantástico deve ser compreendido como gênero literário, pois apresenta

características específicas que o definem. Sua base encontra-se pautada no limiar

da hesitação diante de acontecimentos que não tem explicação perante as leis

racionais ou místicas, pois “a fé absoluta, como incredulidade total, nos levam para

fora do fantástico, é a hesitação que lhe dá vida” (TODOROV, 2004, p.36). Um

acontecimento de caráter fantástico só ocorre quando há a dúvida acerca da

veracidade do evento, afinal, aconteceu ou não? Ele pode ser explicado pela lógica,

ou é sobrenatural, regido por outras leis que desconhecemos. Assim, “há um

fenômeno estranho que se pode explicar de duas maneiras, por meio de causas de

tipo natural e sobrenatural. A possibilidade de se hesitar entre os dois criou o efeito

fantástico” (TODOROV, 1968, p. 31). O autor reitera que:

O fantástico ocorre nesta incerteza; ao escolher uma ou outra resposta, deixa-se o fantástico para se entrar num gênero vizinho, o estranho ou o maravilhoso. O fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, em face de um acontecimento sobrenatural (TODOROV, 2004. p.31).

2.1. Murilo Rubião e Lygia Fagundes Telles, uma escrita insólita nas esteiras do

Fantástico.

Murilo Eugênio Rubião (1916-1991) é mineiro. Foi escritor, advogado e

jornalista. Com alguns colegas fundou a revista Tentativa (1939), na qual publicou

seus primeiros trabalhos. Ainda jovem, revelou uma grande visão crítica da realidade

e sempre esteve engajado no movimento estudantil. Rubião trabalhou em vários

setores profissionais, sendo um deles, a direção da rádio Inconfidência Mineira.

Atuou no serviço público de Minas, com um intervalo de quatro anos na Área

Federal, servindo o Brasil na Espanha. Longe de sua terra natal, sofreu o problema

do exílio, pois não sabia o que era ser estrangeiro. Nesse período, escreveu “Teleco,

o coelhinho”, um de seus contos mais conhecidos.

A obra de Murilo Rubião, no arcabouço da Literatura Fantástica é

caracterizada pela presença do insólito por intermédio do ato de escrita, carregado

de elementos fantásticos que se mesclam ao real e que são apresentados de forma

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particularizada, amarrando-se ao então denominado realismo mágico, anteriormente

trabalhado por outros autores como Gabriel Garcia Marques e Jorge Luis Borges. No

universo ficcional criado e representado por Rubião, o extraordinário está nas

diminutas coisas do cotidiano que dão significado à vida equilibrando realidade e

fantasia, buscando a ressignificação do mundo. Porém, o sentimento de impotência

perante as forças adversas se faz presente ao longo das narrativas aprisionando a

realidade.

No decorrer da leitura da narrativa muriliana, percebe-se certo

descompromisso com a figura de heróis idealizados. No arcabouço ficcional fica

estabelecida uma espécie de pacto firmado entre o leitor e o autor, no qual esse

mesmo leitor se sente fazendo parte do universo criado, ocasionando assim novas

possibilidades de interpretação que satisfaçam as expectativas de cada um.

No conto “Teleco, o Coelhinho”, percebemos a presença constante da fusão

entre o mágico e o real. A personagem principal, o coelhinho, transforma-se a cada

momento em outros animais, no entanto, parece não estar satisfeito com nenhuma

das metamorfoses, promovendo assim, uma série de críticas pontuais à natureza

humana ao desestabilizar o real. Rubião não se coaduna a uma vida marcada por

hábitos rotineiros. Dessa forma, destaca: “[...] porque sou um sujeito que acredita

naquilo que está além da rotina. Nunca me espanto com o sobrenatural, com o

mágico. E isso tudo aliado a uma sedução profunda pelo sonho, pela atmosfera

onírica das coisas (Rubião, 1992, p. 3).

O autor afirmava crer naquilo que estava além do habitual, ou seja, no ponto

em que o sobrenatural e o mágico compõem a atmosfera onírica de seus contos.

Em sua obra, percebe-se nitidamente os caminhos da narrativa, marcada pela

constante presença de situações absurdas:

— Moço, me dá um cigarro? A voz era sumida, quase um sussurro. Permaneci na mesma posição em que me encontrava, frente ao mar, absorvido com ridículas lembranças. O importuno pedinte insistia: — Moço, oh! Moço! Moço, me dá um cigarro? — Vá embora moleque, senão chamo a polícia. — Está bem, moço. Não se zangue. E por favor, saia da minha frente, que eu também gosto de ver o mar. Exasperou-me a insolência de quem assim me tratava e virei-me disposto a escorraçá-lo com um pontapé. Fui desarmado, entretanto. Diante de mim estava um coelhinho cinzento, a me interpelar delicadamente (RUBIÃO, 1998, p.143).

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2.1.1. O fantástico literário e o conto “Teleco, o coelhinho”.

Todorov, antes de dar início à discussão sobre o fantástico tece considerações

que o mesmo deve ser compreendido como gênero literário, apresentando

características específicas que o definem. Na concepção de Todorov, a base do

fantástico encontra-se pautada nos acontecimentos que não tem explicação perante

as leis racionais “A fé absoluta, como incredulidade total, nos levam para fora do

fantástico, é a hesitação que lhe dá vida” (TODOROV, 2004, p.36)

Personagens sem vida terrena andando entre os vivos, monstros das mais

variadas formas, árvores, pedras e animais que falam etc., são acontecimentos que

não pertencem à nossa realidade. Nossa lógica não entende e não aceita tais fatos.

Todorov cita em Introdução à Literatura Fantástica, (2004), que no cerne de nossa

realidade regida por leis, ocorrências que não podem ser explicadas por essas leis

incidem na incerteza de ser real ou imaginário. Para Todorov, um acontecimento

fantástico só ocorre quando há a dúvida se esse evento é real, explicado pela lógica,

ou sobrenatural, regido por outras leis que desconhecemos. “Há um fenômeno

estranho que se pode explicar de duas maneiras, por meio de causas de tipo natural

e sobrenatural. A possibilidade de se hesitar entre os dois criou o efeito fantástico”

(TODOROV, 1968, p. 31).

No fantástico, não é possível uma explicação racional da ação e o clímax

está focado em algum acontecimento sobrenatural. Todorov dedicou parte

significativa de seus estudos à narrativa fantástica, e a respeito do enredo fantástico

diz que um acontecimento/fato é produzido para não ser explicado pelas leis do

mundo real, mas por leis desconhecidas por nós. Todorov afirma que:

O fantástico ocorre nesta incerteza; ao escolher uma ou outra resposta, deixa-se o fantástico para se entrar num gênero vizinho, o estranho ou o maravilhoso. O fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, em face de um acontecimento sobrenatural (TODOROV, 2004. p.31)

A narrativa destacada sob o viés do conto fantástico: “Teleco, o coelhinho”, foi

escrita num período de recolhimento interior tendo em vista que o autor encontrava-

se exilado (por vontade própria) na Espanha, época que contribuiu significativamente

para a construção da narrativa sob a ótica do gênero fantástico. A história narrada

por Rubião faz críticas pontuais da natureza humana fazendo a fusão de

elementos/personagens reais com as imaginárias. E isso tudo aliado a uma sedução

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profunda pelo sonho, pela atmosfera onírica das coisas (Rubião, 1992, p. 3).

A narrativa “Teleco, o coelhinho”, traz um enredo retratando a vida de um

individuo que convive certo tempo com um animal – um coelho. O narrador

demonstra que a convivência entre os dois ocorre de forma harmoniosa. O coelho

com suas artimanhas gosta de surpreender as pessoas, e, de acordo com o público

com o qual se deparava, a metamorfose ocorria; o cavalo que com seu galope

ajudava crianças e velhinhos; tigres e leões para assustar vizinhos importunos. No

decorrer da narrativa percebe-se o envolvimento pacífico do coelho com sua

comunidade.

As divergências/problemas iniciam quando o animal aparece transformado em

canguru e acompanhado de uma linda mulher, período em que começa a ter atitudes

grosseiras, aproximando seu comportamento a de um ser humano tornando-o

insensato, atrevido, o que resultou na sua expulsão da casa de seu amigo, que a

essas alturas, havia se apaixonado pela companheira/namorada do animal. Após

certo período de tempo, o narrador relata o retorno do animal, porém doente,

debilitado e sem forças suficientes para exercer a habilidade da transformação.

Apesar do esforço, carinho e dedicação do amigo, Teleco consegue mais uma vez a

metamorfosear-se aparecendo na figura de um carneirinho. Na manhã seguinte o

amigo se depara com a derradeira e definitiva transformação: uma criança morta.

Segundo Bakthin: ”Na realidade toda palavra comporta duas faces. Ela é

determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato que se dirige

para alguém. Ela constitui justamente o produto de interação do locutor e do ouvinte”

(BAKTHIN, 1992, p.113). Devido o conto pertencer ao gênero fantástico descarta a

visão alegórica dos fatos, porém permite que os leitores realizem suas próprias

interpretações tendo em vista que Rubião procura reelaborar a linguagem, buscando

tornar mais clara sua intencionalidade, aproximando o conto da realidade. O duplo

sentido sugerido pelo narrador possibilita aos leitores acreditar nos fatos narrados.

De acordo com Todorov:

O narrador representado convém ao fantástico, pois facilita a necessária identificação do leitor com as personagens. O discurso deste narrador possui um estatuto ambíguo e os autores e tem explorado diferentemente enfatizando um ou outro de seus aspectos: quando concerne ao narrador, o discurso se acha aquém da prova da verdade, quando à personagem deve submeter à prova (TODOROV, 2004, p.94).

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A função desenvolvida pelo gênero fantástico leva os leitores a questionar a

realidade, alertando para algumas situações reais, constantemente vividas pelos

seres humanos. Percebe-se a hesitação do leitor entre a verdade e a ficção diante

do desenrolar dos fatos, levando-o a uma realidade causando estranhamento a

razão lógica. A finalidade da narrativa fantástica é apresentar a “irrealidade da

realidade”, fantasia e realidade devem estar entrelaçados no argumento, que se

tornam praticamente impossíveis isolar um do outro.

2.2. Lygia Fagundes Telles – a inventora de memórias.

Lygia Fagundes Telles nasceu em São Paulo (1923). Formou-se em Direito

e Educação Física, porém não atuou em nenhuma de suas formações, preferindo o

caminho de escritora. Começou sua carreira literária muito cedo a levando classificar

suas primeiras obras como imaturas e precipitadas, no entanto, essa particularidade

foi considerada pelo crítico literário Antonio Candido (1954), o marco de sua

maturidade intelectual. Com o passar do tempo Lygia Fagundes Telles passa a

classificar suas obras como de natureza engajada, sempre comprometida com as

diferenças sociais e de condição humana.

O fantástico em Lygia Fagundes Telles pode ser considerado como um

universo de elementos insólitos e sem logicidade que rompem as leis naturais da

realidade cotidiana. As narrativas/contos de Lygia são limitadas às histórias curtas

em que são içadas o realismo imaginário. A retratação de suas personagens é uma

busca constante de construção solidária e parceira dos acontecimentos relatados. A

ficção irrompe a realidade porque são reais e fantásticas ao mesmo tempo. A

realidade é apresentada como algo inacabado, sempre dispondo de várias

máscaras.

O conto “Venha ver o pôr-do-sol” é a representação significativa da

capacidade de Lygia Fagundes Telles de dialogar com o leitor, impulsionando

mexendo as emoções e expectativas. Suas obras são registros raros da literatura

brasileira, em que elementos da literatura fantástica e de mistério encontram a

criatividade de uma escritora requintada e sensível. As historias impregnadas de

dramaticidade ou de surpresa agitam repentinamente o dia a dia dos personagens,

revelando particularidades da condição humana, sempre de forma profunda e

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inquietante. Encantado e de certa forma demonstrando curiosidade, o leitor segue

atento aos enredos e colado às palavras precisas da escritora.

A narrativa “Venha ver o pôr-do-sol”, encontra-se estruturada numa

combinação de suspense e morbidez que leva o conto a um final trágico, no qual a

inocência e a mesquinharia se misturam ao amor, ao ódio, motivados pelo cruel

sentimento de vingança. Um texto marcado pela ambiguidade: cemitério

abandonado X contemplação do pôr-do-sol; amor declarado de Ricardo por Raquel

X sentimento de vingança.

Segundo Bakthin, ”na realidade toda palavra comporta duas faces. Ela é

determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato que se dirige

para alguém. Ela constitui justamente o produto de interação do locutor e do ouvinte”

(BAKTHIN, 1992, p.113). Devido o conto pertencer ao gênero fantástico descarta a

visão alegórica dos fatos, porém permite que os leitores realizem suas próprias

interpretações tendo em vista que Rubião procura reelaborar a linguagem, buscando

tornar mais clara sua intencionalidade, aproximando o conto da realidade. O duplo

sentido sugerido pelo narrador possibilita aos leitores acreditar nos fatos narrados.

De acordo com Todorov:

O narrador representado convém ao fantástico, pois facilita a necessária identificação do leitor com as personagens. O discurso deste narrador possui um estatuto ambíguo e os autores e tem explorado diferentemente enfatizando um ou outro de seus aspectos: quando concerne ao narrador, o discurso se acha aquém da prova da verdade, quando à personagem deve submeter à prova (TODOROV, 2004, p.94).

A função desenvolvida pelo gênero fantástico leva os leitores a questionar a

realidade, alertando para algumas situações reais, constantemente vividas pelos

seres humanos. Percebe-se a hesitação do leitor entre a verdade e a ficção diante

do desenrolar dos fatos, levando-o a uma realidade causando estranhamento a

razão lógica. A finalidade da narrativa fantástica é apresentar a “irrealidade da

realidade”, fantasia e realidade devem estar entrelaçados no argumento, que se

tornam praticamente impossíveis isolar um do outro.

A narrativa “Venha ver o pôr-do-sol”, encontra-se estruturada numa

combinação de suspense e morbidez que leva o conto a um final trágico, no qual

inocência e mesquinharia se misturam ao amor, ao ódio, motivados pelo cruel

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sentimento de vingança. O conto descreve o encontro das personagens Raquel e

Ricardo (ex-namorados) que após a insistência de Ricardo, o encontro acontece em

um lugar inusitado – um cemitério. O transcorrer da narrativa é invadida por um

ambiente assustador, frio, calculista, assim descrito pela autora. O misterioso

Ricardo usa de artimanhas para conduzir Raquel entre caminhos escuros e desertos

do inusitado local. Percebem-se duas historias dentro de uma só narrativa: uma

relata uma trama romântica e inocente (no início) e outra que se entrelaça de forma

surpreendente (vingança). As personagens da narrativa são providas de desejos

que despertam a vontade de possuir os seus enamorados, resultando em ciúmes,

inveja, raiva, revolta. A personagem Raquel rejeita o amor de Ricardo, devido sua

condição social preferindo um relacionamento com outro homem que é rico, o que

de certa forma provoca sua própria morte devido a rejeição.

Dentro da narrativa de Lygia Fagundes Telles, a personagem Raquel percebe

de fato o que está acontecendo quando vê a fechadura e percebe que é nova,

deduzindo que o objetivo de Ricardo era deixá-la naquele lugar. O conto descreve o

encontro das personagens Raquel e Ricardo (ex-namorados) que após a insistência

de Ricardo, o encontro acontece em um lugar inusitado – um cemitério. O

transcorrer da narrativa é invadida por um ambiente assustador, frio, calculista,

assim descrito pela autora. O misterioso Ricardo usa de artimanhas para conduzir

Raquel entre caminhos escuros e desertos do inusitado local. Percebem-se duas

historias dentro de uma só narrativa: uma relata uma trama romântica e inocente (no

início) e outra que se entrelaça de forma surpreendente (vingança).

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3. ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS.

Objetivando despertar nos alunos, o interesse e gosto pela leitura, acredita-se

que este material de Produção Didática irá oportunizar os discentes a inserção ao

universo da literatura de forma lúdica, prazerosa e motivadora, possibilitando o

contato com o gênero textual dos Contos pautado no campo da literatura fantástica,

estimulando a curiosidade acerca da modalidade textual em estudo.

Pensando em desenvolver ações específicas, em que os discentes sejam

atraídos pelo ambiente da leitura e passem a integrar-se com o mundo da

informação literária de maneira reflexiva e crítica elaboramos algumas atividades

para desenvolver a criticidade e gosto pela leitura.

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Apresentação Na presente Unidade Didática, abordaremos o estudo do gênero Contos

Fantásticos, fundamentados na teoria de Tzvetan Todorov (2004), objetivando

oportunizar aos alunos do 9º Ano do Ensino Fundamental a lidar com a língua

nos seus diversos usos enfatizando a importância de uma prática de leitura que

desperte o prazer na aquisição e construção do conhecimento, pois:

A leitura se efetiva no ato da recepção, configurando o caráter individual que ela possui, [...] depende de fatores linguísticos e não-linguísticos: o texto é uma potencialidade significativa, mas necessita da mobilização do universo de conhecimento do outro – o leitor – para ser atualizado (PERFEITO, 2005, p.54-55).

O planejamento das atividades aqui propostas baseia-se das no Método

Recepcional das autoras Bordini e Aguiar (1989), seguindo as etapas, por elas

propostas:

1. Determinação do horizonte de expectativas;

2. Atendimento do horizonte de expectativas;

3. Ruptura do horizonte de expectativas;

4. Questionamento do horizonte de expectativas;

5. Ampliação do horizonte de expectativas;

O Método Recepcional consiste em colocar o aluno em contato com

textos literários, nas mais diferentes formas, sempre fomentando a discussão

enfatizando a progressiva emancipação dos alunos, levando-os a interpretar

criticamente os textos a eles apresentados aperfeiçoando o prazer da leitura,

assim como a interação entre alunos e professores.

Segundo Bordini e Aguiar (1989), com o aprimoramento da leitura sob uma

percepção estética e ideológica e uma visão crítica acerca de sua atuação e a

de seu grupo, o aluno torna-se agente de aprendizagem que busca

constantemente o crescimento cultural e social. O Método Recepcional

desperta nos alunos o desejo de prosseguir com a leitura, de ampliar suas

relações com o texto literário, uma vez que ele parte do conhecido para o

desconhecido, do simples para o mais complexo, sempre na tentativa de que o

leitor amplie o seu repertório de leituras e se transforme em um leitor maduro,

capaz de apoderar-se, ao longo de sua formação escolar, da herança cultural

da humanidade.

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Atividade 01

Tendo em vista a grande preocupação dos professores com a falta de

entusiasmo dos alunos pela leitura, a proposta, neste primeiro momento será a

análise do conhecimento prévio que os discentes possuem quanto ao gênero

literário Conto, mais especificamente, o Conto Fantástico, promovendo uma

sondagem e o levantamento de hipóteses por meio da discussão oral, com base em

alguns questionamentos:

Você já ouviu/leu algum texto do gênero conto?

Quais as partes principais de um conto?

È uma narrativa longa ou curta?

Conhece algum conto que pode ser relatado para os colegas?

Que tipo de leitura você mais gosta ou se identifica?

Cabe ao professor, ouvir os apontamentos dos alunos e, na sequência, para se

entender melhor o que é o conto, exibir o vídeo de Heloísa Prieto, disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=eTn1HZZaa2U.

Promover novos questionamentos acerca do vídeo assistido:

O conceito que você possuía do gênero conto é o mesmo apresentado no

vídeo?

O vídeo ajudou a entender essa modalidade textual?

Vamos elaborar um conceito que defina o termo: Conto

Após a elaboração conceitual por parte da turma, levar os alunos à biblioteca

para pesquisar o que outros autores já definiram acerca do conto.

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Para finalizar a atividade, propor a elaboração de um mural na sala de aula com

as definições pesquisadas.

O professor deverá ter feito a

pesquisa previamente e separado o

material para facilitar o trabalho.

“... os contos são verdadeiras obras de arte. São uma grande arte que

pertence ao patrimônio natural de toda a humanidade e representam a

visão de mundo, as relações entre o homem e a natureza sob as formas

estéticas mais acabadas; aquelas que provocam precisamente o

maravilhoso.” Jean- Marie Gillig

Conto é...

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Para saber mais...

Atividade 02

Após termos conhecido um pouco mais da conceituação do conto, vamos

realizar a leitura do miniconto de Sérgio Fonseca: “Bilhete”.

O conto por contistas

(...) Muitos escritores que dedicaram parte de sua obra ao gênero

chegaram a conceber conceitos próprios sobre o “conto”. Cortazar

ressaltava haver nas narrativas breves um poder latente entre

“fugacidade” e “permanência”, capaz de vencer uma tensão que

venceria o leitor “por nocaute”, e não “por pontos” (como ocorre nos

romances). Machado de Assis, talvez o maior entre os nossos, alertava

para a imensa complexidade que se esconde sobre a tarefa

aparentemente simples de elaborar em poucas páginas uma trama

envolvente. Carnavalizando o debate, Mario de Andrade vaticinou: cabe

ao próprio autor definir se o texto que criou deve ser considerado um

conto ou não. Uma das mais precisas definições, veio do argentino

Ricardo Piglia. Em suas “Teses sobre o conto”, enfatiza que a principal

característica do gênero é narrar, paralelamente, duas histórias – uma

aparente e outra secreta. Este fio que desenrola silenciosamente em

algum momento se revelaria, despertando “verdades secretas” que

jazem sob a “capa” do texto propriamente dito.

(Marcelo Moutinho. Extraído do site:

www.paralelos.org/out03/000256httml)

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Bilhete1

Querido,

Quando você chegar, já estarei morta.

O pão é de hoje cedo, mas fica bom se você esquentar na frigideira como

ensinei.

A manteiga está na geladeira.

Dia muito abafado. Ou foram os comprimidos?

Deixei café na garrafa térmica. Pergunte a Pedro o número do jazigo, pois

não me recordo. Espero que amanhã chova. A chuva dá um tom solene nessas

ocasiões.

Beijo. O último.

Norma

Qual o tema do miniconto?

Já leu algum texto parecido?

Por que a personagem resolveu deixar esse bilhete?

Para quem estaria endereçado esse bilhete? Filho? Esposo? Noivo?

Quem era o Pedro, citado no texto?

Após coletar as respostas dos alunos, comentar acerca da classificação dos

contos, ou seja, que eles podem ser classificados segundo seu tema. Assim, os

contos de mistério tratam de crimes a serem decifrados, de enigmas; os contos

de amor vão tratar de temas ligados à paixão, as sensações, às relações

humanas; os fantásticos apresentam temas incomuns, sobrenaturais, porém

tratados como se fossem comuns e naturais; os psicológicos desenvolvem temas

voltados à subjetividade, ao humano e às suas dúvidas e angústias; e assim

sucessivamente.

Depois dessa informação como podemos classificar o miniconto lido?

Mistério? Amor? Fantástico? Psicológico?

Espera-se que os alunos concluam que o tema do miniconto seja classificado

como de Mistério.

1 FONSECA, Sergio. Bilhete. In: ROSATO, Edson (Org). Contos ao mar. São Paulo:

Andross, 2006.

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Levar os alunos à biblioteca para que procurem livros de contos e os

emprestem para ler.

Atividade 03

Propor que os alunos comentem sobre os contos lidos, fazendo breves

comentários sobre as leituras. Na sequência apresentar a autora Lygia Fagundes

Telles, enfatizando que seus contos são marcados pelo mistério pelo tom

sobrenatural, mas que a autora mostra que os pavores e estranhezas nascem na

mente humana.

Vídeo disponível em http://youtu.be/Z5rFxV9YVBI

Essa pequena biografia será entregues digitadas aos alunos, para serem coladas

nos cadernos.

O professor deverá ter feito a

pesquisa previamente e

separado o material para

facilitar o trabalho.

Você sabia que...

A escritora Lygia Fagundes Telles recebeu os principais prêmios

literários no Brasil?

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Lygia Fagundes Telles nasceu em São Paulo (1923). Formou-se em Direito

e Educação Física, porém não atuou em nenhuma de suas formações, preferindo o

caminho de escritora. Começou sua carreira literária muito cedo a levando classificar

suas primeiras obras como imaturas e precipitadas, no entanto, essa particularidade

foi considerada pelo crítico literário Antonio Candido (1954), o marco de sua

maturidade intelectual. Com o passar do tempo Lygia Fagundes Telles passa a

classificar suas obras como de natureza engajada, sempre comprometida com as

diferenças sociais e de condição humana.

Após assistir o vídeo tecer alguns comentários que poderão ser registrado no

quadro de giz ou no caderno de atividades dos alunos.

Na sequência dialogar com os alunos o que significa o “Pôr do sol”. Deixar

que os alunos expressem suas ideias. Em seguida apresentar o conto (impresso)

“Venha ver o pôr-do-sol”, de Lygia Fagundes Telles.

Venha ver o pôr do sol – Lygia Fagundes Telles2

2 TELLES, Lygia Fagundes. Antes do Baile Verde. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Professor! A leitura deverá ser

coletiva para facilitar a compreensão

e as atividades de investigação

dirigidas pelo professor.

20

Ela subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na quietude da tarde. Ele a esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão

azul-marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinham um jeito jovial de estudante.

– Minha querida Raquel.

Ela encarou-o, séria. E olhou para os próprios sapatos.

(...)

– Jamais, não é? Pensei que viesse vestida esportivamente e agora me aparece

nessa elegância… Quando você andava comigo, usava uns sapatões de sete-

léguas, lembra?

– Foi para falar sobre isso que você me fez subir até aqui? – perguntou ela,

guardando as luvas na bolsa. Tirou um cigarro. – Hem?!

– Ah, Raquel… – e ele tomou-a pelo braço rindo.

– Você está uma coisa de linda. E fuma agora uns cigarrinhos pilantras, azul e

dourado… Juro que eu tinha que ver uma vez toda essa beleza, sentir esse

perfume. Então fiz mal?

– Podia ter escolhido um outro lugar, não? – Abrandara a voz – E que é isso aí? Um

cemitério?

(...) Durante a leitura: Realizar a leitura compartilhada, fazendo inferências quando necessário:

Dos conceitos elaborados por vocês é o mesmo significado do conto lido?

O que significou o termo “último pôr do sol”, no texto de Lygia Fagundes Telles?

Atentar para a descrição do cenário exposta logo no primeiro parágrafo e depois,

aprofundada ao longo do conto;

Atentar para a descrição das personagens – Raquel e Ricardo – ela, casada com

outro por interesse e ele não conformado por ter sido trocado;

Atentar para a descrição do olhar de Ricardo quando aparecem “inúmeras

rugazinhas” em torno de seus olhos;

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Ir fazendo um retrato mental das personagens, tanto física quanto

psicologicamente;

Perceber pelo tom da conversa dele (uso de ironia, de chamá-la de “anjo”, de

insistir em ver o pôr-do-sol) qual seu real objetivo;

Depois da leitura.

Questionar se o enredo seria o mesmo se o narrador fosse em 1ª pessoa (Ricardo).

Verificar se o aluno percebeu o tipo de narrador (observador) e sua função na

trama.

Levantar um paralelo entre um fator romântico (o pôr-do-sol) e o local (um

cemitério).

A que um cemitério nos remete, ainda mais abandonado?

Verificar qual foi o retrato mental que os alunos imaginaram para as personagens.

Essas personagens poderiam ser reais?

Debater questões polêmicas como crime passional, ciúme, relacionamentos amorosos.

O narrador descreve o cenário no qual as personagens irão se encontrar. Que

cenário é esse? Qual a importância dele na narrativa?

A partir do diálogo estabelecido entre as personagens, sabemos como era

Raquel e como ela está agora. O que mudou na personagem? E em relação à

situação financeira dos personagens, o que ocorreu?

Os olhos de Raquel são, segundo Ricardo, “assim meio oblíquos”. Que outra

personagem da Literatura Brasileira tinha olhos oblíquos? Busque essa

As atividades a seguir deverão ser

realizadas em grupos e depois

compartilhadas com a turma

22

informação, identificando com quem Telles estabelece esse discurso

intertextual.

A ideia de Ricardo, a princípio, parece estranha: ver o pôr do sol em um

cemitério. No entanto, ele tranquiliza o leitor. Que argumentos ele usou para

convencê-lo de que o passeio poderia ser bom?

Como Ricardo convence a ex-namorada a entrar na catacumba? O que essa

personagem descobre nesse momento? Qual a sua reação?

É possível afirmar que o crime foi premeditado? Utilize fatos do texto para

comprovar sua resposta.

O narrador, no final do conto, diz que a personagem Raquel, ao tomar

consciência de sua condição, lança gritos semelhantes aos de um animal.

Explique essa comparação.

Nesse caso, é possível afirmar que o conto tem um desfecho inesperado?

Comente a resposta dada.

A temática nesse conto é bem clara. Identifique-a.

Escrever uma carta desabafo como se você fosse Ricardo.

Imaginar que houve uma testemunha e escrever o depoimento dessa

testemunha (narrador em 1ª pessoa).

Colocar-se no lugar de Raquel e escrever o que está sentindo.

Dramatizar o conto.

Saiba mais...

No conto, “Venha ver o pôr do sol”, Lygia faz uso de uma linguagem

concisa, tornando-o bem dinâmico. Ela também faz com que o leitor

observe os fatos bem de perto. Venha ver o por do sol é narrado em

terceira pessoa, ou seja, o narrador é heterodiegético (O narrador não é

personagem da história), mas tomamos conhecimento dos personagens

através dos diálogos entre eles, exceto sobre suas características

externas, que são descritas pelo próprio narrador.

23

Atividade 04

Você conhece o conto “O barril de Amontillado” (1846), de Edgar Alan Poe? Para

escrever Venha Ver o Pôr do Sol, possivelmente, a autora inspirou-se nessa

narrativa. Leia atentamente:

O Barril de "Amontillado"3

Suportei o melhor que pude as mil e uma injúrias de Fortunato; mas quando

começou a entrar pelo insulto, jurei vingança. Vós, que tão bem conheceis a

natureza da minha índole, não ireis supor que me limitei a ameaçar. Acabaria por

vingar-me; isto era ponto definitivamente assente, e a própria determinação com que

o decidi afastava toda e qualquer ideia de risco. Devia não só castigar, mas castigar

ficando impune. Um agravo não é vingado quando a vingança surpreende o

vingador. E fica igualmente por vingar quando o vingador não consegue fazer-se

reconhecer como tal àquele que o ofendeu. (...)

Tinha um ponto fraco, este Fortunato sendo embora, sob outros aspectos,

homem digno de respeito e mesmo de receio. Orgulhava-se da sua qualidade de

entendido em vinhos. Poucos italianos possuem o verdadeiro espírito de

virtuosidade. Na sua maior parte, o seu entusiasmo é adaptado às circunstâncias de

tempo e de oportunidade para ludibriar milionários britânicos e austríacos. Em

pintura e pedras preciosas, Fortunato, à semelhança dos seus concidadãos, era um

charlatão, mas na questão de vinhos era entendido. Neste aspecto eu não diferia

substancialmente dele: eu próprio era entendido em vinhos de reserva italianos, e

comprava-os em grandes quantidades sempre que podia.

(...)

Após a leitura fomentar a discussão do texto com os alunos destacando

pontos relevantes entre os textos: “Venha ver o pôr-do-sol” e “O Barril de

Amontillado".

Escreva um parágrafo, estabelecendo uma relação entre o texto de Lygia

Fagundes Telles e o de Edgar Allan Poe. Seu parágrafo deve ser coeso e

3 Disponível em:< http://www.culturabrasil.org/zip/amontillado.pdf>

24

coerente e comentar sobre semelhanças, diferenças e temática dos dois

textos.

Atividade 05

EXPLORANDO A ESTRUTURA DO CONTO.

Quem foi Edgar Allan Poe? O que teria levado esse autor a produzir histórias

no limiar do fantástico?

Edgar Allan Poe foi autor de obras de mistério e suspense e é considerado o pai

da narrativa de enigma, primeiro tipo de narrativa policial. Nasceu em 1809, em

Boston - EUA, vindo a falecer em 1848. Poe teve uma vida repleta de

acontecimentos fantásticos, misteriosos e tristes, que certamente, influenciaram

nas temáticas de seus textos, como: a morte do pai, quando tinha apenas três

anos, pouco tempo depois, a morte da mãe, a privação do convívio com os outros

dois irmãos e a adoção por uma família de agricultores. Mas Poe não se

relacionava bem com o pai adotivo, pois esse o considerava um menino ingrato.

Allan Poe foi uma alma perturbada, e ele mesmo teria reconhecido que o terror

presente em suas histórias não seria fruto da sociedade em que vivera, mas sim

da sua obscuridade interior, de seus medos e aflições, enfim, de um ser humano

atormentado. No entanto, por ter dado voz aos seus sentimentos mais profundos e

por ter vivido numa época que não o compreendeu, produziu obras que fascinam

os leitores. O autor consegue criar em seus textos um clima de mistério, que

desperta inquietude no leitor e vontade de ler suas histórias, tudo foge ao

racionalismo humano. Teve uma vida repleta de tragédia e à margem da miséria.

Sua ficção, tão espetacularmente guiada por temas de horror, é mesclada de:

funerais prematuros, assassinatos movidos por vingança e múltiplos desvios de

personalidade. Há muitas mulheres nas obras de Poe, ele as mata, e, ainda

assim, elas retornam, assombram, perdoam, nascem umas das outras e se

mesclam novamente na morte. Estudos sobre os contos góticos de Poe

evidenciam que a mente do autor estava se deteriorando e, preocupado com essa

deteriorização, Poe pôs-se a registrar tudo. Em 1848, um amigo encontra-o

totalmente embriagado e com roupas que não eram suas. É levado ao hospital e

passa dias com crises de delírio, vindo a falecer prematuramente.

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No conto “O Barril de Amontillado", podemos destacar:

Enredo - O princípio do conto relata as injurias de Fortunato. Montresor resolve

tomar satisfação com o colega, para isso deixa clara a sua intenção para com o

injuriador. A trama desenrola-se na vingança de Montresor e Fortunato. O ponto alto

ocorre no momento em que Fortunato é acorrentado.

Personagens - Composto por dois personagens: Fortunato, uma pessoa

jactanciosa, um personagem complexo, que se considerava ourives, conhecedor de

pinturas e perito em vinhos, quando na verdade só era entendedor do ultimo.

Montresor, oriundo de uma família burguesa, de índole vingativa, sendo também

era uma pessoa jactanciosa, apreciador de vinhos, personagem complexo.

Espaço – Grande parte do conto ocorre na adega de Montresor. O primeiro espaço

descrito é o espaço do encontro que não é detalhado pelo narrador. Após, aparece

descrito o caminho que é percorrido. No interior da casa, os personagens percorrem

diversos cômodos, não apresentando detalhes até chegarem à entrada da cave.

Descem uma escada e se encontram dentro da cave que também aparece como

catacumba, sendo esse o espaço mais “valorizado’ pela narrativa. Depois de

percorrerem a cave, os personagens se encontram na profundidade e chegam a

uma cripta, espaço final da narrativa.

Narrador - O conto é narrado em 1º pessoa (o narrador não é onisciente nem

onipresente, 3ª pessoa), Montresor seria o narrador protagonista.

Todo texto tem um formato e é composto por partes. No caso do conto de mistério

o elemento principal é a presença de um suspense, que cria a tensão e

expectativa no leitor. Essa tensão tem um ápice o qual denominamos clímax.

Além disso, por ser um texto com predominância narrativa encontramos nele

apresentação, o conflito e o desfecho. E seus elementos são: narrador,

personagens, tempo, espaço, ambiente atmosférico.

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Obs: Em seus “contos”, Poe se concentrava no terror interior, do íntimo da alma dos

seres. Seus personagens sofriam de um terror avassalador.

►De acordo com as informações, acima descritas, acerca do conto “O barril de

Amontillado”, identifique-as no conto “Venha ver o por do sol”:

a) Enredo →

b) Personagens →

c) Espaço →

d) Narrador →

Atividade 06

Vamos conhecer mais um conto, fazendo a discussão sobre o mesmo?

A máquina extraviada 4

Você sempre pergunta pelas novidades daqui deste sertão, e finalmente posso lhe

contar uma importante. Fique o compadre sabendo que agora temos aqui uma

máquina imponente, que está entusiasmando todo o mundo. Desde que ela chegou

- não me lembro quando, não sou muito bom em lembrar datas - quase não temos

falado em outra coisa; e da maneira que o povo aqui se apaixona até pelos assuntos

mais infantis, é de admirar que ninguém tenha brigado ainda por causa dela, a não

ser os políticos. (...) Como geralmente acontece nessas ocasiões, os homens

estavam mal-humorados e não quiseram dar explicações, esbarravam

propositalmente nos curiosos, pisavam-lhes os pés e não pediam desculpa, jogavam

pontas de cordas sujas de graxa por cima deles, quem não quisesse se sujar ou se

machucar que saísse do caminho. Descarregadas as várias partes da máquina,

foram elas cobertas com encerados e os homens entraram num botequim do largo

para comer e beber. Muita gente se amontoou na porta mas ninguém teve coragem

de se aproximar dos estranhos porque um deles, percebendo essa intenção nos

curiosos, de vez em quando enchia a boca de cerveja e esguichava na direção da

4 Veiga, José J. A Estranha Máquina Extraviada. 13 ed. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand

Brasil, 2008.

27

porta. (...)

Questionamentos.

Você já conhecia essa história? Em caso negativo, gostou da leitura?

Justifique sua resposta.

Analisando os fatos acontecidos, é possível ocorrer tal situação na realidade?

Justifique

Por que, a chegada da máquina na cidade, causou tanto alvoroço na

população?

Num texto narrativo, o assunto é a história contada, as ações principais que

se desenrolam no decorrer da narrativa. No conto “A máquina extraviada”

qual é o assunto narrado?

Resuma o texto em poucas linhas. Não se esqueça das ações principais.

Escolha um objeto de sua preferência e com ele produza um texto em que o

mesmo siga os mesmos meios utilizados por J. J. Veiga, ou seja, produza um

texto que cause estranhamento nos leitores.

Após leitura, reescrita (se necessário), expor os textos dos alunos no mural da

escola. Convidar outros alunos, assim como os professores para que leiam as

produções realizadas.

28

Atividade 07

De início, destacamos algumas informações acerca de Murilo Rubião, autor do qual

trabalharemos o Conto “Teleco, o Coelhinho”.

Murilo Eugênio Rubião (1916-1991) em Minas Gerais. Foi escritor,

advogado e jornalista. Com alguns colegas fundou a revista Tentativa, onde

publicou seus primeiros trabalhos. Ainda muito moço, revelou uma grande visão

crítica da realidade e sempre esteve engajado no movimento estudantil. Murilo

trabalhou em vários setores profissionais, em um de seus trabalhos dirigiu a rádio

Inconfidência Mineira. Atuou no serviço público de Minas, com um intervalo de

quatro anos na Área Federal, servindo o Brasil na Espanha. Longe de sua terra

natal, sofreu o problema do exílio, pois não sabia o que era ser estrangeiro. Nesse

período, escreveu Teleco, o coelhinho, um de seus mais publicados contos

Vídeo: (leitura no sótão - Murilo Rubião) disponível em http://youtu.be/H4dulfDRV70.

O vídeo que assistimos narra resumidamente o conto que vamos ler e

interpretar.

Professor. Esta breve biografia deverá ser

entregue (individual) aos alunos para que

colem/ em seus cadernos.

29

Qual a primeira impressão que o conto te causou? Por quê?

É possível um animal (coelho) manter diálogo com os seres humanos?

Explique.

Por que será que o coelho se transformava em outros animais? Isso é

possível?

O que você imagina que as várias transformações do coelho em outros

animais, podem significar?

Vamos viajar com a imaginação. Se pudesse se transformar em algum animal,

qual seria e por quê?

Que animais você conhece que, devido a certas atitudes, os seres humanos

são comparados a eles?

Comente as expressões populares: “Esperto como uma raposa!”, “ Sujo como

um porco!”, “Dorminhoco como um gato!”, “Rápido como uma águia!”.

Além das expressões destacadas, conhecem outras? Cite-as

Saiba um pouco mais sobre o gênero fantástico, da estrutura e temática

Professor!

Os questionamentos poderão ser

anotados no caderno para posterior

análise das respostas.

30

explorada no conto “Teleco, o coelhinho”.

Propor a leitura grupal do conto “Teleco, o coelhinho” de Murilo Rubião,

O gênero fantástico surgiu no final do século XIX. No caso do Brasil, o

gênero não se constituiu uma tradição forte, sendo Murilo Rubião o

percussor nacional e um dos poucos a operar com o fantástico de maneira

sistematizada.

Hipérbole: o exagero da metáfora humana – ponto fundamental para o

surgimento do fantástico nos textos narrativos, a hipérbole é de vital

importância nos contos e se manifesta de diversas formas, atingindo as

personagens, o tempo, o espaço, representados nas ações e nas

descrições.

Metamorfose: um elemento metafórico dos problemas humanos (burocracia,

marginalização, relacionamentos, rotina). Na narrativa em estudo, Teleco tem

o poder de transformar-se em qualquer animal para agradar as pessoas,

mas sua verdadeira busca é pela forma do ser humano, pois se sente

marginalizado e quer ser aceito socialmente. Apesar de agir como humano,

não tem a aparência de um. Faz várias tentativas, porém os resultados o

deixam frustrado e, ironicamente, apenas quando morre consegue adquirir a

forma tão desejada: uma criança. A metamorfose demonstra a degradação, a

impotência diante do mundo, concluindo que o homem que não compreende

e não consegue fugir de sua condição de vida. O absurdo/estranho advém

da própria condição humana. A função desenvolvida pelo fantástico é de

conduzir o leitor a questionar a realidade, chamar sua atenção para algumas

situações reais vivenciadas pelo ser humano.

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fazendo as comparações com as supostas respostas, obtidas anteriormente.

TELECO, O COELHINHO 5

“Três coisas me são difíceis de entender, e uma quarta eu a ignoro completamente: o caminho da águia no ar, o caminho da cobra sobre a pedra, o caminho da nau no meio do mar, e o caminho do homem na sua mocidade.”

(Provérbios, XXX, 18 e 19)

– Moço, me dá um cigarro?

A voz era sumida, quase um sussurro. Permaneci na mesma posição em que me

encontrava, frente ao mar, absorvido com ridículas lembranças.

O importuno pedinte insistia:

– Moço, oh! Moço! Moço, me dá um cigarro?

Ainda com os olhos fixos na praia, resmunguei:

– Vai embora, moleque, senão chamo a polícia.

– Está bem, moço. Não se zangue. E, por favor, saia da minha frente, que eu

também gosto de ver o mar.

Exasperou-me a insolência de quem assim me tratava e virei-me, disposto a

escorraçá-lo com um pontapé. Fui desarmado, entretanto. Diante de mim estava um

coelhinho cinzento, a me interpelar delicadamente:

– Você não dá é porque não tem, não é, moço?

(...)

Foi nesse momento que reparei nos seus olhos. Olhos mansos e tristes. Deles me

apiedei e convidei o a residir comigo. A casa era grande e morava sozinho –

acrescentei.

A explicação não o convenceu. Exigiu-me que revelasse minhas reais intenções:

– Por acaso, o senhor gosta de carne de coelho?

Não esperou pela resposta:

– Se gosta, pode procurar outro, porque a versatilidade é o meu fraco.

Dizendo isto, transformou-se numa girafa.

– À noite – prosseguiu – serei cobra ou pombo. Não lhe importará a companhia de

5 RUBIÃO, Murilo. Contos reunidos. 2 ed. São Paulo: Ática, 1999.

32

alguém tão instável?

Respondi-lhe que não e fomos morar juntos. Chamava-se Teleco.

(...)

Fazer uma leitura compartilhada do texto, questionar todos os pontos relevantes

propor aos alunos que procurem, na biblioteca da escola, o livro de Murilo Rubião, O

Pirotécnico Zacarias (1999), ou Contos reunidos, releiam integralmente o conto

“Teleco, o coelhinho” e promovam uma análise:

Que elementos estabelecem o universo da realidade fantástica?

Qual é a realidade concreta espelhada por esse universo fantástico?

Produzam um texto em que uma realidade fantástica espelhe uma realidade

concreta.

Propor a apresentação do texto produzido (poderá ser na forma de teatro,

diálogo, quadrinhos).

Atividade 08

Analisando as metamorfoses do coelhinho Teleco, no conto estudado, qual foi

a transformação mais estranha? Por quê?

“Primeiro, é preciso que o texto obrigue o leitor a considerar o mundo

das personagens como um mundo de criaturas vivas e a hesitar entre

uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos

acontecimentos evocados. A seguir, a hesitação pode ser igualmente

experimentada por uma personagem (...). Enfim, é importante que o

leitor adote certa atitude para com o texto: ele recusará tanto a

interpretação alegórica quanto a interpretação ‘poética’” (TODOROV,

2004, p. 39).

33

Há várias formas de apresentar o “estranho”, o não habitual, dentro da

literatura do gênero fantástico. Vamos realizar a leitura do conto “A almofada

de penas” do escritor uruguaio Horácio Quiroga, e façamos a análise dessa

narrativa, traçando um paralelo das informações entre os contos.

A almofada de penas - Horacio Quiroga6

Sua lua-de-mel foi um longo estremecimento. Loura, angelical e tímida, o

temperamento duro do marido gelou suas sonhadas criancices de noiva. Ela o

amava muito, no entanto, às vezes, sentia um ligeiro estremecimento quando,

voltando à noite juntos pela rua, olhava furtivamente para a alta estatura de Jordão,

mudo havia mais de uma hora. Ele, por sua vez, a amava profundamente, sem

demonstrá-lo.

Durante três meses — tinham casado no mês de abril — viveram numa felicidade

especial.

Sem dúvida ela teria desejado menos severidade nesse rígido céu de amor, mais

expansiva e incauta ternura; mas a impassível expressão do seu marido a reprimia

sempre.

(...)

Nesse estranho ninho de amor, Alicia passou todo o outono. Porém tinha

terminado por abaixar um véu sobre os seus antigos sonhos, e ainda vivia dormida

na casa hostil, sem querer pensar em nada até o marido chegar.

Não é incomum que emagrecesse. Teve um ligeiro ataque de gripe que se

arrastou insidiosamente dias e mais dias; Alicia não melhorava nunca. Por fim uma

tarde pôde sair ao jardim apoiada no braço dele. Olhava indiferente para um e outro

lado. De repente Jordão, com profunda ternura, passou a mão pela sua cabeça, e

Alicia em seguida se quebrou em soluços, e o abraçou. Chorou demoradamente seu

discreto pavor, redobrando o choro diante da menor tentativa de carícia. Depois, os

soluços foram-se acalmando, e ainda ficou um longo tempo escondido no seu

ombro, quietinha, sem pronunciar uma palavra.

(...)

6 Texto completo em: RAMAL, Alicia (Org). Contos Latino-Americanos Eternos. Tradução

Alicia Ramal. Rio de Janeiro: Editora Bom-Texto, 2005.

34

Qual foi o fato surpresa do texto?

No decorrer da leitura foi possível prever o final, como o apresentado pelo

autor?

Qual a semelhança percebida no desfecho dos contos: “Teleco, o coelhinho” e

“A almofada de penas”? Confronte sua resposta com a do colega.

A descrição da personagem principal permanece a mesma no início e final do

texto? Qual foi, em sua opinião, a intenção do autor? Causar curiosidade?

Estranhamento? Suspense? Explique sua escolha.

Propor aos alunos que imagem uma situação e inventem um final

surpreendente para a história.

Solicitar que os alunos iniciem contando/lendo seu texto para os colegas sem

mencionar o final, deixando que os mesmos apontem possíveis finais para

então apresentar o final que escolheram.

Atividade 08

Exibir o vídeo Flor, Telefone e Moça http://youtu.be/33WIH8BZzsQ.

Esse vídeo relata o conto de Carlos Drumonnd de Andrade “Flor, Telefone e

Moça”, conto este, escolhido para finalizar o trabalho proposto.

Esse texto “A almofada de penas”, poderá ser apresentado aos

alunos, em recortes, para que os alunos montem a seguência que

julgar correta. Após a montagem dos alunos, apresenta-se a forma

original.

Sugestão

35

Na sequência propor a leitura do conto:

Flor, telefone, moça – (C. D. A)7

Não, não é conto. Sou apenas um sujeito que escuta algumas vezes, que outra não

escuta, e vai passando. Naquele dia escutei, certamente porque era a amiga quem

falava. É doce ouvir os amigos, ainda quando não falem, porque amigo tem o dom

de se fazer compreender até sem sinais. Até sem olhos.

Falava-se de cemitérios? De telefones? Não me lembro. De qualquer modo, a amiga

– bom, agora me recordo que a conversa era sobre flores – ficou subitamente grave,

sua voz murchou um pouquinho.

– Sei de um caso de flor que é tão triste!

E sorrindo:

– Mas você não vai acreditar, juro.

Quem sabe? Tudo depende da pessoa que conta, como do jeito de contar. Há dias

em que não depende nem disso: estamos possuídos de universal credulidade. E daí,

argumento máximo, a amiga asseverou que a história era verdadeira.

– Era uma moça que morava na Rua Gerenal Polidoro, começou ela. Perto do

Cemitério São João Batista. Você sabe, quem mora por ali, queira ou não queira,

tem de tomar conhecimento da morte. Toda hora está passando enterro, e a gente

acaba por se interessar.

(...)

As coroas não prestigiam apenas o defunto, mas até o embalam. Às vezes ela

chegava a entrar no cemitério e a acompanhar o préstimo até o lugar do

sepultamento. Deve ter sido assim que adquiriu o costume de passear lá por dentro.

Meu Deus, com tanto lugar pra passear no Rio! E no caso da moça, quando

estivesse mais amolada, bastava tomar um bonde em direção à praia, descer no

Mourisco, debruçar-se na amurada. Tinha o mar à sua disposição, a cinco minutos

de casa. O mar, as viagens, as ilhas de coral, tudo grátis. Mas por preguiça pela

7 ANDRADE, Carlos Drummond de. Flor, telefone, moça. In: TAVARES, Braulio. Páginas de

sombra: contos fantásticos brasileiros. Rio de Janeiro: Casa da palavra, 2003.

36

curiosidade dos enterros, sei lá por quê, deu para andar em São João Batista,

contemplando túmulo. Coitada!

(...)

Fazer com os alunos uma espécie de “revisão” das atividades propostas, para

verificar o que realmente gostaram, ou não, de realizar. Solicitar que

escrevam em seus cadernos um breve relato das atividades desenvolvidas,

destacando os pontos relevantes do Projeto de Intervenção Pedagógica.

Propor aos alunos que, dentre os autores que foram trabalhados – Lygia

Fagundes Telles, Murilo Rubião, Carlos Drumonnd de Andrade, Horácio

Quiroga, Edgar Allan Poe, José jacinto Veiga – escolham aquele que mais

se identificaram e realizem a leitura de outros contos (A biblioteca da escola

dispõe de exemplares de todos os autores citados).

Professor!

Todas as atividades propostas serão registradas em caderno próprio

(fornecido pela professora) o qual servirá como avaliação, tanto para os

alunos quanto para o professor, sendo o mesmo colocado em exposição

para que os pais, direção, equipe pedagógica, professores e demais

interessados para manuseá-los no dia da finalização do trabalho.

37

REFERÊNCIAS. ANDRADE, Carlos Drummond de. Flor, telefone, moça. In: TAVARES, Braulio.

Páginas de sombra: contos fantásticos brasileiros. Rio de Janeiro: Casa da palavra,

2003.

_____. Flor, Telefone, Moça. Disponível em: http://youtube/33WIH8BZzsQ. Acesso

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38

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