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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

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Repensando aulas de leitura em língua inglesa com base no letramento crítico

Patrícia Marina Andrade Paulin1

Alessandra Coutinho Fernandes2

RESUMO Neste artigo, comento sobre o projeto de implementação pedagógica que desenvolvi

na Escola Estadual Professor Francisco Zardo, em Curitiba - PR, nas turmas do 3° ano do Ensino Médio, no ano de 2014, com o objetivo de verificar como a perspectiva do letramento crítico poderia contribuir para o ensino da língua inglesa em escolas públicas. O letramento crítico implica uma série de princípios educacionais para o desenvolvimento de práticas discursivas de construção de sentidos, que incluem uma consciência de como, por que e segundo os interesses de quem, textos em particular podem funcionar. No projeto que elaborei, enfatizei a necessidade de um trabalho de compreensão de textos e produção textual mais efetivos, a partir de um entendimento da linguagem como prática social. Ao buscar textos para desenvolver minha unidade temática, mantive meu foco no tema de bullying, por se tratar de um assunto presente na vida dos alunos. Com o auxílio de recursos midiáticos, variados estilos de textos tais como games, músicas e reportagens, desenvolvi e coloquei em prática algumas atividades que levam em consideração a formação crítica dos alunos enquanto cidadãos que vivem, agem e interagem na sociedade. Entre os resultados da implementação de meu projeto posso citar a capacidade dos alunos compreenderem o sentido dos textos trabalhados, sem a necessidade de tradução do texto. Além disso, os alunos puderem ampliar seus conhecimentos em língua inglesa e utilizá-los para buscar melhor compreender a sociedade onde estão inseridos. Palavras-chave: letramento crítico, ensino médio, bullying

ABSTRACT In this article, I comment about the project of pedagogical implementation developed in the State School Professor Francisco Zardo in Curitiba (Brazil), with students of in the 3rd year of high school, in 2014, with the goal of checking how the perspective of critical literacy could contribute to the teaching of English in public schools. Critical literacy involves a series of educational principles for the development of discursive practices of meaning construction, including an awareness of how, why and according to the interests of whom, specific texts may work. In the project I produced, I emphasized the need for a better understanding of texts based on an understanding of language as a social practice. Seeking to develop my texts thematic unit, I kept my focus on the theme of bullying, because of its effects on students’ lives. With the aid of media resources, varied styles of texts such as games, songs and stories I developed the pedagogical material I prepared taking into consideration the need to develop students’ critical attitude as citizens who live, act and interact in society. Among the results of the implementation of my project I can mention that my students began reading texts in English, no longer relying on the translation of the text to understand it. Moreover, my students improved their knowledge of English and used it to better understand the context in which they are inserted. Keywords: critical literacy, high school, bullying

                                                                                                                         1 Escola Estadual Professor Francisco Zardo, professora. 2 Universidade Federal do Paraná, professora

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Introdução

Este artigo tem como objetivo comentar sobre o projeto que desenvolvi

como professora PDE, em 2013, e implementei em 2014. O PDE – Programa

de Desenvolvimento Educacional do estado do Paraná – busca promover a

formação continuada dos professores estaduais, proporcionando a esses

professores a oportunidade de retorno ao ambiente acadêmico. No PDE, os

professores são motivados a utilizar os conhecimentos adquiridos para fazer

uma interferência na escola em que atuam visando contribuir para a melhoria

de um aspecto pedagógico em particular.

Em uma pesquisa realizada em abril de 2013, com alunos do 3◦ ano do

Ensino Médio na Escola Estadual Professor Francisco Zardo, pude perceber

que muitas vezes eles não demonstram interesse em ler os textos em inglês

que são propostos – primeiramente, por não possuírem vocabulário suficiente

para compreender tais textos e, em segundo lugar, pelo fato de que os temas

abordados geralmente não fazem parte do cotidiano deles.

Sendo assim, partindo da premissa que é papel do professor

desenvolver um trabalho voltado às necessidades e interesses dos alunos, me

propus, com base em pressupostos do letramento crítico, a promover

experiências de leitura em língua inglesa que estimulassem o senso crítico dos

alunos e que os fizessem refletir sobre quem eles são, em que contexto estão

inseridos e qual papel exercem na sociedade.

Minha proposta foi ao encontro da crença de que o ensino de uma língua

estrangeira na escola precisa levar em consideração que dentro desse

contexto o currículo necessita voltar-se para a formação do aluno e para a

cidadania, visando superar visões utilitaristas que buscam apenas atingir fins

de decodificação. No projeto que desenvolvi durante o PDE, propus um

trabalho de leitura crítica, pois vivemos em uma sociedade em que a linguagem

assume um papel primordial, e os textos com os quais entramos em contato

cotidianamente, sejam eles verbais, imagéticos ou multimodais, são produtos

discursivos que constroem sujeitos, ideologias, crenças e valores.

Vivemos inseridos na “sociedade de informação”, somos diariamente

bombardeados por vários tipos de informações vindas de diversos meios de

comunicação como televisão, rádio, internet e jornais. Por isso, precisamos

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estar atentos ao que realmente essas informações querem nos passar,

precisamos contribuir para que nossos alunos se tornem leitores críticos e

inteirados no processo ativo de sujeitos capazes de ler o mundo a sua volta –

considerando que ler não é simplesmente extrair dados de um determinado

texto, mas sim construir significados.

Neste momento em que a escola pública tem tido como principal objetivo

preparar os alunos para exercerem sua cidadania, precisamos de inovações no

ensino de língua inglesa que respondam a esta demanda. Como professora,

percebo que embora o número de alunos no Ensino Médio venha aumentado

significativamente, é também muito grande o número da evasão. Muitos são os

problemas ocorridos quanto ao não apropriamento de conhecimentos básicos;

e a famosa pergunta “Por que tenho que aprender inglês, se nem sei falar o

português, ou nunca viajarei para fora?”, precisa ser desmistificada.

Muitas vezes, nós professores, almejamos uma sala de aula com 100%

de alunos participantes e interessados; porém, muitas vezes não nos damos

conta de que cabe a nós inserirmos o maior número de alunos possível no

processo de ensino-aprendizagem, e para que isto ocorra os alunos precisam

perceber alguma relevância no que lhes está sendo ensinado. Desse modo, a

sala de aula deve ser um local propício para oportunizar vivências de

aprendizagem significativas, em que alunos e professores estabelecem

práticas de construção de sentidos. O letramento crítico, nesse contexto,

parece abrigar algumas das respostas para que possamos contribuir para um

ensino de línguas estrangeiras mais eficiente.

Fundamentação teórica

Ainda hoje há uma visão disseminada de que aprender uma língua

estrangeira significa estudar gramática, vocabulário ou saber se comunicar por

meio de algumas funções comunicativas. Entretanto, a sociedade atual é

caracterizada por mudanças rápidas, que direta ou indiretamente afetam a

forma como construímos conhecimento. Nossos alunos não se contentam mais

com “verdades absolutas” proferidas por seus professores.

É papel da escola contribuir para inserir os alunos em um mundo em

constante transformações, estimulando a criticidade e o poder de reflexão dos

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mesmos. Nesse contexto, o letramento crítico se insere. Segundo Motta (2008,

p. 36), o “letramento crítico busca engajar o aluno em uma atividade crítica

através da linguagem, utilizando como estratégia o questionamento das

relações de poder, das representações presentes nos discursos e das

implicações que isto pode trazer para o indivíduo em sua vida e comunidade”.

Embora, conforme PennyCook (2003 apud EDMUNDO 2013, p. 36), haja

várias perspectivas teóricas que embasam o letramento crítico, todas requerem

uma abordagem ativa e desafiadora em relação à leitura e às práticas sociais.

O letramento crítico envolve análise e crítica da relação entre textos,

linguagem, poder, grupos sociais e práticas sociais.

Entende-se por letramento crítico uma série de princípios educacionais

para o desenvolvimento de práticas discursivas de construção de sentidos.

Práticas de letramento crítico incluem uma consciência de como, por que e

segundo os interesses de quem textos em particular podem funcionar. O

letramento crítico concebe a língua como discurso – concepção esta que está

em consonância com os estudos de Bakhtin (2006, p. 09), para quem os

enunciados são construídos historicamente e revelam as relações entre cultura,

poder e ideologia presentes nos contextos em que foram constituídos.

Conforme Bakhtin (ibid, p. 26 ), se concebermos a língua como discurso, a

tarefa de compreensão de um texto deve contemplar a relação entre esse texto

e o contexto que o gerou.

O entendimento de língua como discurso abre espaço para a

compreensão e a percepção do mundo a partir de diferentes perspectivas. Ao

utilizar essa concepção de língua, o letramento crítico propõe que os alunos se

percebam como sujeitos integrantes da sociedade e participantes ativos do

mundo. Nessa perspectiva, os alunos que aprendem uma língua estrangeira

não aprendem só a língua, eles também aprendem que o mundo se encontra

repleto de identidades diferentes das suas e que essas identidades também

precisam ser respeitadas em suas singularidades.

Por fim, tomar a língua como discurso também implica em vê-la como

espaço de representações de eventos do mundo e de pessoas. Os sentidos

não são pré-existentes nem independentes das interpretações que fazemos

das coisas; eles são construídos na cultura e na sociedade.

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O discurso enquanto forma de prática social é um modo de ação sobre o

mundo e a sociedade. Assim sendo, o discurso deve ser tratado em sala de

aula como uma forma de perceber o mundo, construir sentidos e formar

identidades. Para isso, é preciso que se desenvolva um pensamento crítico

sobre o discurso que vá além da prática discursiva, ou seja, os processos de

produção, distribuição e consumo do texto; e realize um movimento dinâmico

de ruptura com o senso comum através do questionamento e da

problematização.

A escola é um espaço social, constituído por sujeitos históricos e

permeado por uma pluralidade de linguagens e objetivos conflitantes, onde se

criam e recriam conhecimentos, valores e significados. De acordo com (Jordão,

2011 apud Edmundo, 2013, p. 86), a sala de aula apresenta-se como um

ambiente social onde se estabelecem conflitos, a partir do encontro de

expectativas e objetivos diferentes, na tentativa de reconhecimento de

identidades pessoais e coletivas. Assim, quaisquer práticas de construção de

sentidos, inclusive a leitura e a escrita, nos possibilita construir entendimentos

das realidades com que nos deparamos.

No letramento crítico, o foco do ensino/aprendizagem de línguas está na

compreensão do mundo como plural. O professor deve ser capaz de perceber

a multiciplicidade de sentidos que ocorrem socialmente como positiva,

ensinando os alunos a construir sentidos novos a partir das diferentes e

variadas possibilidades que lhes apresenta o mundo, dentro e fora da sala de

aula. Desta forma ninguém pode ser dono absoluto da verdade, detentor

absoluto do conhecimento.

No trabalho com letramento critico, supõe-se que acontecerão conflitos

em sala de aula devido ao fato de cada aluno ter o seu conhecimento prévio.

Estes conflitos são entendidos como sendo oportunidades para a construção

de conhecimento, de aprendizado e de transformação de procedimentos

interpretativos e visões de mundo. Os problemas gerados por nós mesmos,

professores e alunos, precisam ser primeiramente reconhecidos, e então

explicitados e trabalhados constantemente, e mais do que encontrar soluções,

precisamos identificar os problemas.

O letramento crítico é uma abordagem pedagógica que visa a uma

leitura crítica de mundo, levando em consideração a realidade dos alunos, suas

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crenças e suas ideologias, suas experiências, aspectos sociais, sabendo-se

que não há aquele que sabe mais que o outro, mas há o que sabe algo que

pode ser completado com o saber do próximo. Ellis (1997, p. 14) afirma que a

aquisição de uma segunda “língua se trata de um processo resultante de

muitos fatores concernentes ao aluno e ao contexto de aprendizagem”.

Portanto, para que haja o letramento critico em sala de aula, cabe ao professor

um planejamento mais atencioso em selecionar textos que permitam ao seu

aluno uma maior reflexão e compreensão do mesmo.

Atividades desenvolvidas durante o PDE

Durante os dois anos em que participei do PDE, a cada semestre, tive

diferentes focos. No primeiro semestre, tomando como ponto de partida o

desejo de trabalhar com uma perspectiva crítica em minhas aulas de língua

inglesa, elaborei meu Projeto de Intervenção Pedagógica. Nessa etapa,

busquei organizar as ideias e estratégias de ação de acordo como os objetivos

que buscava atingir. No segundo semestre, elaborei o material didático a ser

utilizado com os alunos do 3o ano do ensino Médio. No terceiro semestre,

paralelamente, à implementação de meu projeto, também coordenei um Grupo

de Trabalho em Rede – GTR, realizado totalmente a distancia na plataforma

Moodle, no portal dia-a-dia educação do paraná. Os GTRs são ofertados

anualmente aos professores da rede estadual, nas diversas disciplinas, com

uma caga horária de 64 horas por dois meses e meio.

Durante o GTR que coordenei, pude socializar meu Projeto de

Intervenção, o material didático que elaborei, e também o andamento da

implementação de meu Projeto de Intervenção. Em meu GTR, realizado de

março a maio de 2014, participaram 11 professoras de todo o estado do

Paraná, e a troca de experiências foi muito produtiva.

O GTR iniciou-se com a discussão sobre a escolha de materiais mais

apropriados para o 3º ano do ensino médio, e os professores expuseram suas

opiniões, e deram sugestões de novas atividades. No primeiro fórum,

discutimos como socializar a Produção Didático-pedagógica, possibilitando a

troca de ideias e dos fundamentos teóricos e metodológicos relacionados à

Produção. Os professores precisaram responder as seguintes perguntas:

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a) Você a usaria em suas aulas?

b) Em sua avaliação, o público a que se destina terá facilidade de

compreensão e aprendizagem usando esta produção?

c) Em sua percepção, alguma proposta de atividade se destaca entre as

outras? Qual e por quê?

As professoras participantes apresentaram as mais diversas respostas,

um dos pontos levantados por uma das professoras foi que certamente o

projeto apresentado era totalmente aplicável e servia de pano de fundo para

discussões profundas a respeito do tema ‘Bullying’. A mesma professora

acrescentou também que as atividades propostas poderiam facilmente ser

utilizadas em sala de aula, e os professores poderiam complementá-las com

filmes, noticias de jornal, etc.

Uma outra professora sugeriu que fossem feitas pesquisas relacionadas

ao tema, trazendo dados e informações complementares sobre casos de

bullying no Brasil. Temos hoje um dia um tipo de bullying até mais grave: o

bullying virtual, que, frequentemente, está relacionado aos ambientes

escolares, onde os agressores e as vítimas de bullying estudam no mesmo

local.

Para uma terceira professora, o tema bullying foi de ao encontro da

realidade de nossas escolas. Segundo ela, é necessário trazê-lo para

discussão em sala de aula, buscando resgatar atitudes positivas para que haja

uma mudança de comportamento em nossos alunos, para que os mesmos

percebam que certas atitudes muitas vezes podem trazer consequências

irreversíveis na vida de uma pessoa.

Entre tantos comentários relevantes feitos pelas professoras participantes

do GTR, como um último ponto a título de ilustração aqui, cito que de acordo

com uma quarta professora a grande parte dos jovens hoje não preserva mais

os valores de respeito e de valorização pelos outros, valores esses que

deveriam ser agregados desde a infância e demonstrados diariamente em

todas as esferas sociais na qual ele está inserido.

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Sobre a implementação do projeto

Meu projeto foi implementado em 3 turmas do terceiro ano do ensino

médio, do período matutino, da Escola Estadual Professor Francisco Zardo,

envolvendo cerca de 90 alunos. Durante a implementação, textos pré-

selecionados, a partir de um estudo de interesse dos alunos, foram trabalhados

não com foco na tradução, mas com foco na compreensão e na discussão dos

temas abordados.

Os textos selecionados foram provenientes da internet, de jornais, de

revistas e de filmes da mídia em geral, e tratavam de questões sociais

relevantes para a formação dos alunos. Os temas foram escolhidos com base

nas unidades didáticas do livro didático utilizado no Ensino Médio, na escola

estadual em que trabalho: UPGRADE, da Richmond. Durante o trabalho de

leitura, com base nos pressupostos do letramento crítico, os textos foram

abordados de forma a levar em consideração os pontos de vista dos alunos.

Esse trabalho provocou reflexões tanto sobre o papel da língua inglesa no

mundo globalizado quanto sobre o papel da ação dos professores de língua

inglesa no contexto da escola pública.

Para Marcuschi (2005, p. 03) a língua “não é forma nem função e sim

atividade significante e constitutiva”. Portanto, ao trabalhar a leitura de textos

com meus alunos a partir da perspectiva do letramento crítico, tive em mente

que o uso da linguagem como prática social – o que implica compreender a

linguagem como um modo de ação historicamente situado.

A escolha do tema bullying foi feita a partir de várias pesquisas sobre um

assunto que pudesse envolver os alunos, e o fenômeno bullying é, atualmente,

uma das formas mais recorrentes de violência na escola.

Iniciei a implementação de meu projeto apresentando imagens com

ações de bullying. As imagens foram apresentadas na TV pen drive. Em

seguida, fizemos uma pequena discussão sobre as mesmas, e, oralmente, os

alunos colocaram suas opiniões sobre o tema. Em uma segunda etapa, um

vídeo do Youtube, intitulado “anti-bullying awareness”, foi assistido no auditório

da escola. Inicialmente, apresentei a imagem da menina, apresentada no

vídeo, antes de ela ser vítima de bullying, e solicitei que os alunos a

descrevessem. As respostas apresentadas foram muito semelhantes, os

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alunos comentaram que a menina estava feliz, os meninos comentaram que

ela era muito bonita.

Em seguida, dei continuidade ao vídeo, e estudamos as palavras e

expressões em inglês que são apresentadas para indicar que a menina passou

a ser vítima de bullying. Entre as palavras apresentadas no vídeo, havia

adjetivos como fat, stupid, loser, invisible, e expressões como text me, notice

me. Solicitei aos alunos que escrevessem, em seus cadernos, as palavras e

expressões que aparecem no vídeo, e oralmente as traduzimos. Com essa

atividade, pude perceber que quase todos os alunos já conheciam esse

vocabulário. No final dessa aula, solicitei aos alunos que, individualmente,

escrevessem sobre o que sentiram ao ver o vídeo e sobre o que pensam

sobre o ato de bullying.

Após os alunos já estarem inteirados com o tema bullying, partimos para

a leitura de e-mails originais de pessoas vítimas de bullying, os alunos

demonstraram mais confiança ao ler um texto em inglês, pois conheciam o

assunto ao qual aqueles e-mails se referiam.

Feito isso, utilizando imagens, trabalhamos com algumas expressões

relacionadas ao bullying. Trabalhamos com ações e expressões tais como:

leaving somebody, threatening, gossiping, kicking, pushing, teasing, name-

calling, saying mean words. Nesse momento, os alunos foram divididos em

grupos e cada grupo pesquisou sobre uma expressão específica, que,

posteriormente, foi explicada para o grande grupo, por meio de cartazes.

A atividade seguinte, trabalhou com textos autênticos, em que pessoas

pedem sugestões de como agir em relação aos casos de bullying que seus

filhos sofrem. Os alunos precisaram ler, compreender e dar sugestões para

cada situação; por isso, criamos um e-mail resposta, e no laboratório de

informática da escola, os alunos, em duplas, elaboraram e-mails em inglês com

soluções para os problemas enfrentados.

Os diferentes tipos de bullying também foram estudados, através de

textos que explicavam e exemplificavam que nos dias de hoje o bullying

através da internet, por redes sociais, ou até mesmo por mensagens no celular,

são frequentes, e seu efeito para as vítimas é tão prejudicial quanto o bullying

feito nas escolas.

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Também trabalhamos com algumas músicas em inglês, que abordam o

tema de bullying. Por exemplo, o clipe da música ‘Numb’, da banda Link Park,

conta a história de uma garota que está tão triste com todo o preconceito que

sofre que se sente adormecida. A participação dos alunos foi ótima, porque

apesar de muitas das músicas serem conhecidas, eles agora conseguiram

perceber o seu significado e entender a mensagem.

Durante o desenvolvimento do projeto, a participação dos alunos foi

aumentado gradativamente conforme eles se apropriavam do tema e sentiam-

se mais confiantes com textos em inglês.

Para o encerramento do projeto, assistimos ao filme proposto no

material didático que produzi durante a terceira etapa do PDE: ‘Bang Bang

you are dead”. O filme, inspirado em fatos reais, tem como personagem

central, Trevor, um rapaz que, por ter sido vítima de bullying na escola, acaba

desenvolvendo um comportamento muito agressivo. Cansado de ser

hostilizado, ele chega ao ponto de ameaçar explodir o prédio escolar com uma

bomba de mentira. Após esse fato, ele sofre com a desconfiança de todos:

professores, alunos e pais de alunos.

Após o término do filme, fizemos uma discussão em um grande grupo e

a opinião dos alunos nesse momento já era muito mais madura e coerente

sobre o tema abordado. Além disso, o olhar dos alunos também havia se

tornado mais crítico em relação ao tema estudado.

A participação de alguns professores enriqueceu ainda mais o projeto.

Vejamos algumas considerações feitas pelo professor de filosofia de nossa

escola, que participou da aula em que trabalhei o filme ‘Bang Bang you are

dead’:

O excelente filme de 2002, baseado em fatos reais, retrata de maneira contundente a experiência de Trevor Adams com o bullying sofrido numa escola secundária americana. A violência nas escolas pode ser encarada como um reflexo das relações de poder exercidas na sociedade e demanda uma atenção especial por toda a comunidade escolar. O trabalho de pesquisa do PDE da professora Patrícia Paulin, vem preencher muitas lacunas vazias no ambiente escolar. Ela conduziu de maneira exemplar, um momento de reflexão e debates sobre a necessidade de uma tomada de posição contra os abusos cometidos na escola, em nome de uma “simples brincadeirinha”. O tamanho do dano provocado pelo bullying só pode ser medido quando ele provoca uma reação violenta por parte do agredido. Nesse caso, pode ser tarde demais. A agressão é retribuída na forma

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de um assassinato dos agressores. São utilizados nesses casos, armas altamente letais que produzem a morte quase imediata, dependendo do tempo e espaço utilizados para executar a pretença “justiça”. A agressividade retratada no filme é relatada numa fala feita pelo protagonista como: “Jovens são mais cruéis que todos. Naturalmente cruéis.” Como então podemos entender esse fenômeno? Como podem jovens socialmente e mentalmente saudáveis produzirem uma humilhação tão grande em outro jovem a troco de uma mera demonstração de poder? Essas questões são feitas já há muito tempo pelos psicólogos, filósofos e sociólogos. Muita coisa foi pesquisada, mas, algumas perguntas ainda permanecem não respondidas. O desdobramento das questões do bullying são altamente relevante e merecem uma atenção especial de todos na escola. Mas como retratado no filme, um docente atento e bem informado pode fazer uma diferença substancial ao identificar padrões de humilhações de alguns alunos para com outros e a partir daí, partir para uma intervenção adequada.”.

Após esse trabalho de conscientização acerca do bullying que

implementei nas aulas de inglês, uma grande campanha iniciou-se na escola.

Essa campanha foi uma iniciativa dos próprios alunos dos 3os anos do Ensino

Médio. Eles começaram um trabalho de conscientizar os alunos menores onde

a prática de bullying está cada dia mais presente. Os alunos organizaram rodas

de conversa durante o horário do recreio, explicando o dano que um ato

inocente de uma brincadeira de criança pode fazer na vida de um adolescente.

Dessa forma, eles buscaram conscientizar os alunos menores que o bullying é

uma violência não só física, mas também psicológica. Eles também

apresentaram exemplos práticos de que muitas vezes brincadeiras ditas de

maneira inofensiva podem sim ser traumáticas. Assim, os alunos da educação

fundamental puderam ter a chance de rever suas atitudes.

Considerações finais

Como professora PDE na área de língua inglesa, tive a oportunidade de

refletir sobre minha prática pedagógica e buscar novos conhecimentos que

pudessem contribuir positivamente para o ensino/aprendizagem da língua

inglesa na escola pública em que trabalho. Ao implementar o projeto que

desenvolvi durante o PDE, percebi que houve um aumento no interesse dos

alunos em participar das aulas, tanto nas atividades propostas no material

didático que desenvolvi, como nas discussões e debates que o tema bullying

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gerava. Outro aspecto positivo foi que os alunos puderam expor suas opiniões

e refletir sobre suas atitudes, e o diálogo professor-aluno se fez presente em

todas as atividades.

A implementação de meu projeto me fez perceber a importância de

desenvolver uma consciência crítica nos alunos; em outras palavras, a

importância de levar os alunos para além do pensamento ingênuo e do senso

comum. Ao longo das aulas, os alunos puderam ampliar suas perspectivas

fazendo conexões entre o tema discutido e a realidade vivenciada por eles, e

isso levou-os a repensar suas atitudes e comportamentos. Como professora,

esse trabalho me permitiu compreender a importância de adaptarmos nossas

formas de ensinar. Hoje, o papel do professor não é mais apenas o de

transmitir conhecimento, mas também envolve buscar diferentes modos de

ensinar, de acordo com a necessidade e interesse dos alunos.

Por meio da implementação pedagógica realizada, e dos depoimentos obtidos nos

debates realizados durante as aulas, pude observar que meus alunos da rede pública de

ensino demonstraram-se bastante receptivos à introdução da abordagem do letramento

crítico na disciplina de inglês. Eles reconheceram a necessidade do desenvolvimento da

reflexão crítica na formação do cidadão, e perceberam que a disciplina de língua inglesa

também pode colaborar na tarefa de formação de um cidadão crítico.

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