OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · Após conversarmos, aplicamos um questionário...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
O ESSENCIAL É INVISÍVEL AOS OLHOS: A VISITA DO PEQUENO
PRÍNCIPE EM UMA AULA DE CIÊNCIAS
Tânia Mara Cabral1, Awdry Feisser Miquelin2
RESUMO: Este trabalho teve por finalidade investigar possibilidades para o ensino de ciências, contextualizado pela literatura para potencializar o processo de ensino- aprendizagem. Para tanto, optamos em problematizar a obra O pequeno príncipe, do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, com um grupo de estudantes do 6° ao 9° ano, numa tentativa de aliar o interesse pela leitura com o ensino-aprendizagem em ciências. Trabalhamos com a integração de conceitos científicos e relações literárias, criando relações didático-metodológicas conceituais e contextuais. Realizamos a leitura do livro na íntegra, fazendo entrelaçamentos com alguns conhecimentos científicos, pertinentes com a história e inerentes ao currículo escolar. Como resultado, os estudantes escreveram cartas ao autor, contando como se dera a “visita” do Pequeno Príncipe. Com a análise destas cartas, observamos que conceitos científicos trabalhados foram enaltecidos e apropriados satisfatoriamente pelos estudantes. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de ciências. Literatura. Relação interdisciplinar. Formação de leitores. Pequeno Príncipe.
INTRODUÇÃO
As preocupações com a leitura no ensino de ciências e aspectos relacionados
a linguagem intensificaram-se a partir de 1997, quando o Grupo de Estudo e
Pesquisa em Ciência e Ensino (gepCE), da Faculdade de Educação da Unicamp,
ganhou espaço dentro do 11º Congresso de Leitura do Brasil (COLE), realizando
seminários, que resultaram na publicação de livros e textos. Dessa forma, o que em
primeira instância cabia apenas à área da linguística, passou a ser mais bem
explorado em outras áreas.
Desde então, um número notável de pesquisadores vem se ocupando das
discussões referentes aos entrelaçamentos possíveis entre a literatura e a educação
em ciências. É o caso de Zanetic (2007) que afirma que a ciência apresenta vários
componentes culturais, que podem ser trabalhados nas aulas. O pesquisador, que é
da área de ensino de física, procura a relação de sua disciplina com outras áreas do
conhecimento, de forma a despertar o interesse para a física, quando explicita os
elementos culturais nela presentes. Já Silva (2007, p. 106) parte do postulado de
que “todo professor, independente da disciplina que ensina, é um professor de
leitura”. Esse autor sugere também que nas disciplinas escolares há uma divisão
entre a língua portuguesa e as demais disciplinas, como por exemplo, ciências e
1 Professora de Ciências do Colégio Estadual Campos Sales e aluna do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE/SEED). 2 Professor Doutor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
matemática. Sendo reservado para as últimas, o domínio da linguagem científica
enquanto que para a língua portuguesa, um cunho processual.
Essa divisão é na maioria dos casos prejudicial ao ambiente escolar, pois os
professores de uma maneira geral responsabilizam os problemas relacionados à
leitura e a escrita à disciplina de língua portuguesa. Silva (2007) ressalta que há
certa urgência na superação desta divisão e que o trabalho com a literatura nas
diferentes disciplinas escolares contribui de forma significativa para a formação de
leitores maduros e críticos.
Linsingen (2009) corrobora com Silva (2007) ao afirmar que a crença de que a
ciência nada tem a ver com a literatura, leva a dois tipos de analfabetismo: o
científico e o literário. Para a pesquisadora, a maneira de controlar esse problema é
a ciência visitar a literatura.
Outro postulado relevante defendido por Silva (2007, p. 108) é que “a
imaginação criadora e a fantasia não são exclusividade das aulas de literatura”. Para
o pesquisador, a dicotomia entre os campos da ciência e da literatura precisa ser
questionada, pois existem evidências de que a construção do conhecimento
científico caminha lado a lado com a capacidade de imaginação e criação, assim
como o trabalho literário, muitas vezes se inspira no conhecimento científico.
O terceiro postulado proposto por Silva (2007, p. 110), afirma que “as
seqüências integradas de textos e os desafios cognitivos são pré-requisitos básicos
à formação do leitor”, portanto é necessário que haja o planejamento de um
programa de leitura nas escolas, que ultrapasse a simples transcrição dos
conteúdos dos livros didáticos.
Tendo em vista esses apontamentos, propusemos investigar as possíveis
relações entre a Literatura e o Ensino de Ciências, tendo como objeto de estudo, um
grupo de estudantes, entre o 6° e o 9° ano do Ensino Fundamental, do Colégio
Estadual Campos Sales, localizado em Campina Grande do Sul, na Região
Metropolitana de Curitiba.
METODOLOGIA
Por visualizarmos que a literatura pode ser empregada em diversas situações
nas aulas de ciências, optamos em buscar reflexões por meio da obra O Pequeno
Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry. Nossa escolha se justifica pelo interesse
pessoal que possuímos pela obra, pelos temas apresentados na obra, muitos deles
próximos de discussões atribuídas também a ciência e pela popularidade da obra
hoje também presente em outras mídias como os desenhos animados.
Portanto essa forma de trabalho nos possibilitou além de investigar as
possíveis relações entre a Literatura e o Ensino de Ciências, o incentivo, mesmo que
a longo prazo, que nossos estudantes tornem-se leitores. Quando nos referimos
aqui a leitores, entendemos seres capazes de compreender tanto o que está escrito,
quanto o que o autor propõe como visão de mundo e como isso confronta nossas
concepções. Visualizamos assim que o par literatura-ensino de ciências possui
grande riqueza neste sentido para os sujeitos do processo “e que, desta forma,
possam seguir realizando suas próprias leituras de mundo, pois “a leitura do mundo
precede a leitura da palavra” (FREIRE, 2011, p. 19).
Optamos em trabalhar com a obra de Saint-Exupéry também, por
consideramos este, um “autor literário com veias científicas” (ZANETIC, 2007, p. 13),
pois interpretamos que o autor se apropria do conhecimento científico como fonte de
inspiração ou como guia metodológico algo que já citamos acima, mas convém
reforçar.
Para traçar o caminho metodológico deste projeto, recorremos ao documento
das Diretrizes Curriculares Estaduais da disciplina de ciências (2010), que orienta
para a importância de tratar as relações conceituais, contextuais e indisciplinares
durante as aulas. Para tanto, é necessário que “o professor de Ciências reflita a
respeito das abordagens e relações a serem estabelecidas entre os conteúdos
estruturantes, básicos e específicos” (PARANÁ, 2010, p. 68).
Com base nesta orientação e na premissa de realizar uma aula dinâmica e
com potencial heurístico de ensino-aprendizagem, não direcionamos a leitura do
livro a nenhuma conteúdo específico da disciplina de ciências e sim, optamos em
seguir a viagem literária na sua íntegra e, conforme a obra nos foi permitindo,
exploramos os diversos conceitos científicos que o Pequeno Príncipe inspirou e
tratando o currículo da disciplina de forma orgânica. Desta forma, fora possível
realizar relações entre os Conteúdos Estruturantes da disciplina de Ciências:
Matéria, Energia, Biodiversidade, Sistemas Biológicos e Astronomia.
A seguir, descrevemos o caminho metodológico trilhado para a
implementação do projeto.
1. Conhecendo os estudantes
Iniciamos as atividades convidando estudantes do 6º ao 9º ano a participar de
um projeto, no contra turno, que envolveria a disciplina de ciências e a história do
Pequeno Príncipe. Neste momento, não detalhamos como seria o desenvolvimento
do projeto. O convite resultou em 17 participantes, inicialmente.
No primeiro momento, explicamos que iríamos ler a história escrita por Saint-
Exupéry, o que gerou muitos protestos: “Vamos ter que ler o livro inteiro?”, “Por que
você não conta a história?", "Ler é muito chato!". Ouvimos os protestos e
conversamos com eles argumentando sobre a importância da leitura e a incrível
“viagem” que faríamos com o Pequeno Príncipe. Aproveitamos este momento para
contar um pouco sobre a vida de Saint-Exupéry.
Após conversarmos, aplicamos um questionário diagnóstico aos estudantes,
com o objetivo de sondar os hábitos de leitura e os conhecimentos prévios sobre
alguns conceitos inerentes à disciplina de ciências.
A seguir, apresentamos os dados levantados por meio destes questionários,
que foi dividido em duas partes: uma sobre os hábitos de leitura e outra sobre
conhecimentos prévios.
2. Questionário diagnóstico: primeira parte
Questão 1: Você gosta de ler? Que tipo de leitura costuma realizar?
Cinco estudantes responderam que gostam de ler e oito responderam que
não gostam. Dentre os estudantes que responderam sim, um respondeu “amo” à
pergunta em questão. Além destes, três responderam “mais ou menos” e um
estudante não respondeu.
Quanto ao tipo de leitura, os mais citados foram aventura e terror.
Questão 2: Quantos livros você acha que já leu?
Dois estudantes afirmaram que nunca leram nenhum livro. Estes mesmos
estão entre aqueles que responderam que não gostam de ler, na questão 1. Sete
estudantes responderam que leram até 5 livros; dois estudantes leram atém 20
livros; três estudantes leram até 30 livros e outros três estudantes responderam que
já leram mais de 30 livros.
A estudante que respondeu “amar” leitura, disse que leu 20 livros. Já o
estudante que não respondeu a questão 1, afirmou que realizou a leitura de 73
livros, até o momento.
Questão 3: Qual o melhor livro que você leu até o momento? Do que se
tratava esta história?
As respostas a esta questão foram variadas, porém, percebemos que o
gênero ”diário” está entre os preferidos destes estudantes: o livro “O Diário de um
banana”, de Jeff Kinney, recebeu quatro menções; “Querido diário otário”, de Jim
Benton, recebeu duas menções; e “Diários do vampiro”, de L. J. Smith, recebeu uma
menção. Ainda foram citados os livros “Harry Potter”, de J. K. Rowling; “ As crônicas
de Nárnia”, de C. S. Lewis; “Orgulho e preconceito”, de Jane Austen; “Querido
John”, de Nicholas Sparks; “O mistério de feiurinha”, de Pedro Bandeira; “Percy
Jackson”, de Rick Riordan; e um estudante afirmou que “o Pequeno Príncipe” foi o
melhor livro lido até o momento.
Quanto às sinopses, foram descritas de forma muita simples e diretas: “uma
menina que escreve um diário”; “um menino que mora num asteroide”. Alguns
estudantes não souberam dizer sobre o que era a história.
Questão 4: Você costuma emprestar estes livros na biblioteca da escola? O
que você acha do acervo de livros da biblioteca?
Onze estudantes responderam que costumam emprestar os livros da
biblioteca da escola e quatro responderam que não. Dois estudantes não
responderam esta questão.
Sobre o acervo da biblioteca, a maior parte (11 estudantes) respondeu que é
muito bom. Alguns acrescentaram que os livros e “as tias” da biblioteca são “muito
legais”.
Questão 5: Quais livros você gostaria de ler, mas não encontrou na biblioteca
da escola?
Nove estudantes escreveram que não encontraram livros de terror. Também
surgiram alguns títulos, tais como: “A menina que roubava livros”, de Markus Zusa;
“Cidade dos ossos”, de Cassandra Clare; “A pirâmide vermelha”, de Rick Riordan;
“Peregrino da alvorada”, de C.S. Lewis; e até mesmo os livros da antiga coleção
“Julia”, da editora Abril, foram lembrados.
Os títulos mencionados foram repassados às bibliotecárias da escola, para
uma possível análise e compra dos mesmos.
Questão 6: Você conhece o livro “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-
Exupéry? Se conhece, o que achou da história?
Cinco estudantes afirmaram conhecer o livro de Saint-Exupéry e doze
estudantes afirmaram não conhecer. Dentre os estudantes que responderam sim,
três responderam que gostaram da história e dois responderam “mais ou menos”.
Questão 7: Você conhece o Pequeno Príncipe de outras formas (filmes,
desenhos)? Se conhece, o que achou do personagem?
Cinco estudantes responderam que sim e doze estudantes responderam que
não. Apenas um estudante, dentre os que responderam sim, especificou que
conhece o desenho animado. Sobre a segunda parte da questão, quatro estudantes
responderam que acharam “bacana” e que gostaram. Dentre estes quatro, um deles
havia respondido “não” à primeira parte da pergunta.
3. Questionário diagnóstico: segunda parte
Questão 8: O que são planetas?
As respostas foram variadas, sendo a mais frequente “planetas são bolas
gigantes”. Além destas, surgiram respostas como: “são iguais a Terra”; “são Terras
que viram 24 horas”; “são lugares na ‘Vialática’”, “são corpos celestes do espaço”; e
“são corpos celestes sem iluminação própria”. Um estudante não soube responder.
Questão 9: Quantas estrelas existem no Sistema Solar?
Seis estudantes responderam “infinitas” a esta questão; Sete estudantes
numeram: “10000000000000000”, “bilhões”, “milhares”, “mais de 100000000”, “4000
estrelas”, “10000”; dois estudantes não souberam dizer e outros dois estudantes
responderam “uma – o Sol”.
Questão 10: Por que existem dias e noites?
Percebemos, nas respostas a esta questão, uma visão bastante
antropocêntrica por parte dos estudantes, pois oito deles associaram os fenômenos
dias e noites às atividades humanas: “para acordar e para dormir”; “para dormir e
para trabalhar”; “para dormir e para estudar”. Observamos que, outras respostas,
tentaram relacionar os dias e as noites ao movimento de rotação: “para escurecer e
‘esclarecer’”; “Porque um dia o Sol está de um lado da Terra e outro dia do outro
lado”; “Porque quando faz Sol de um lado, do outro não”; “Porque o mundo gira”.
Duas outras respostas foram mais concretas: “Porque o planeta Terra faz a rotação,
que dura 24 horas e o lado do Sol é dia e a sombra é noite”; “Porque a Terra gira
entorno do Sol”. Três estudantes não souberam responder.
Questão 11: Os dias e anos duram a mesma quantidade de tempo em todos
os planetas?
Onze estudantes responderam que não, sendo que um deles acrescentou
que “em alguns planetas, a rotação é diferente”; cinco estudantes responderam que
sim; e dois estudantes responderam que não sabiam.
Questão 12: Por que é possível existir vida na Terra?
Nove estudantes relacionaram a vida na Terra com a presença de oxigênio,
sendo que um deles ainda acrescentou que, além do oxigênio, as bactérias também
contribuem com a vida; outros dois estudantes relacionaram com a camada de
ozônio; e três estudantes não souberam responder. Dentre as demais respostas,
percebemos que dois estudantes relacionaram “vida” apenas com os animais, pois
responderam que a vida na Terra é possível graças a vegetação. Um outro
estudante relacionou a vida com a presença de água.
Questão 13: O que é metamorfose? Que animais que você conhece passam
por metamorfose?
Dez estudantes não souberam responder. Outros dois responderam que
ainda não estudaram este conteúdo. Analisando as respostas, percebemos que
muitos destes estudantes são do 6º ano e que, geralmente, a metamorfose é
trabalhada apenas no 7º ano. Dois estudantes lembraram apenas dos exemplos,
respondendo “borboleta”. Um estudante confundiu metamorfose com camuflagem,
pois respondeu “camaleão”. Um estudante relacionou metamorfose com
“transformação” e exemplificou: “borboleta – lagarta”.
Questão 14: Para que servem os espinhos das rosas?
Oito estudantes responderam que os espinhos servem para defender a rosa
dos predadores. Seis estudantes demonstraram uma visão antropocêntrica, pois
responderam que os espinhos servem para “fazer remédio”, “espetar as pessoas”,
“furar a mão”. Três estudantes não souberam responder.
Questão 15: Por que algumas cobras picam o ser humano?
Todos os estudantes responderam que é uma defesa, pois as cobras se
sentem ameaçadas.
Após a aplicação do questionário iniciamos a leitura coletiva do livro.
4. A “visita” do Pequeno Príncipe
Antes de iniciar o trabalho, conseguimos um exemplar impresso de O
Pequeno Príncipe para cada estudante, de modo que eles pudessem ter a
possibilidade de folhear a obra, sentir sua textura, sentir seu cheiro, aguçar os
sentidos e tornar a viagem literária mais interessante.
Também levamos para a sala de aula, um dicionário de sinônimos, visto que
algumas palavras poderiam ser inéditas aos olhos e ouvidos dos estudantes e,
quando fosse este o caso, seria possível pedir que folheassem o dicionário, a
procura de seus significados.
Trabalhamos um total de onze horas aulas, lembrando sempre de, ao iniciar
cada uma delas, fazermos uma retomada da aula anterior, instigando os estudantes
a relatar o que lembravam. Ao final de cada aula, de forma provocativa,
perguntávamos aos estudantes o que iria acontecer na sequência da história,
lançando questionamentos e tentando aguçar a curiosidade.
Na primeira aula, para que a leitura acontecesse de forma mais dinâmica,
ofertamos um personagem do livro para cada estudante. Sendo assim, os
personagens ganharam as entonações das vozes dos estudantes enquanto
narrávamos a história.
Durante a leitura do livro, sempre que a história permitiu, procuramos
relacionar a narrativa com alguns conceitos científicos, projetando slides com
imagens do próprio livro e dos assuntos contextualizados.
A seguir, apresentamos um quadro com os principais pontos da "visita" do
Pequeno Príncipe na aula de ciências:
Quadro 1: Encaminhamento metodológico
Aula Livro Conhecimento cientifico Contextualização
1 Questionários diagnósticos
*****
*****
2 Partes I e II Paisagens naturais Deserto do Saara
3 Partes III e IV Planetas; Galáxias Origem do nome Via Láctea; União Astronômica Internacional
4 Parte V Características do Planeta Terra; Espécies endêmicas; Equilíbrio ecológico
Baobás; Ervas daninhas
5 Partes VI e VII Estrelas; Sol; Espinhos; acúleos Evolução
Ano-luz; Antropocentrismo
6 Partes VIII e IX Metamorfose; Geração espontânea
Maria Sybilla Merian e o Livro das lagartas
7 Partes X, XI, XII e XIII
Características dos seres vivos Vida extraterrestre
8 Partes XIV e XV Rotação e translação Vida extraterrestre
9 Partes XVI, XVII, XVIII, X IX, XX e XXI
Fenômeno vida; Fatores que possibilitam a vida na Terra
Densidade demográfica
10 Partes XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI e XXVII
Répteis; ofídios Evolução; mimetismo; camuflagem
Lendas locais sobre cobras
11 *****
Retomada dos conhecimentos científicos estudados
Cartas
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Durante o desenvolvimento deste trabalho, um anseio que nos foi muito
pertinente refere-se a interação entre ciências e literatura, pois não basta levar um
texto literário para a sala de aula e achar que estamos relacionando as duas
linguagens. Será que o professor de ciências não corre o risco de usar a literatura
apenas como pretexto para ensinar os conceitos?
É pertinente lembrar que, assim como reconhece Salomão (2005), os textos
literários não têm nenhuma responsabilidade com estratégias de ensino e com as
exigências que o trabalho científico impõe. Dessa forma, esta premissa foi um dos
nossos principais desafios.
Para tanto, nos preocupamos em entrelaçar a história do Pequeno Príncipe
com os conteúdos abordados, de forma mais natural possível, evitando fazer
rupturas entre a literatura e o conhecimento científico.
Outro desafio foi enfrentar a resistência dos estudantes em realizar a leitura
do livro. Percebemos que, alguns deles, além de não apreciarem a leitura, ainda
demonstraram bastante relutância em realiza-la, ignorando pontuações e a
dificuldade em pronunciar algumas palavras. Por outro lado, conforme a leitura
ocorria, outros estudantes passaram a auxiliar os que apresentavam dificuldades de
leitura.
Demorou algumas aulas para que os estudantes passassem a demonstrar um
certo apreço pela leitura. Notamos também que, alguns deles, continuaram a leitura
em casa, pois demonstravam que sabiam o que estava prestes a acontecer na
narrativa.
Dos dezessete estudantes que iniciaram este trabalho, apenas nove estavam
presentes na última aula, na qual relembramos o final da história de Saint-Exupéry:
após a partida do Pequeno Príncipe, o aviador está muito triste e pede que se
alguém encontrar o principezinho, é para escrever imediatamente, contando sobre a
sua volta.
Tendo como base o último parágrafo do livro, propusemos que os estudantes
escrevessem uma carta para Saint-Exupéry, contando sobre a presença do
principezinho nas aulas de ciências. A seguir, apresentamos nossas principais
impressões sobre esta atividade.
a) A introdução das cartas
Percebemos que, apesar de alguns estudantes nunca terem escrito uma
carta, o fizeram de forma muito significativa, relacionando o pedido do autor com a
carta em questão: “Querido senhor Antonio, hoje, dia 01 de abril, encontrei o
pequeno príncipe, um menino de cabelo dourado, muito educado e bem alegre“;
“Caro Antoine, estou escrevendo para te contar que encontrei um amigo seu...”.
Outros estudantes, talvez não tenham entendido a proposta da carta e nem o
pedido do autor, pois se limitaram apenas a escrever se gostaram ou não do livro e
o porquê.
b) A criatividade
Alguns estudantes, além de relatarem o “encontro” com o Pequeno Príncipe,
ainda o fizeram com bastante criatividade: “o Pequeno Príncipe passou em frente a
minha casa meio cansado. Ele me pediu um copo de água”; “ o pequeno príncipe
estava com muita fome por causa de ter andado tanto”; “cuidei um pouco dele e o
deixei dormir por uns dias aqui, até sua partida, de volta”; “o pequeno príncipe veio
na escola e trouxe um amigo extraterrestre. Ele tinha a cabeça em forma de gota
d´água e era azul”.
c) Impressões sobre o livro
Algumas cartas evidenciaram a impressão que os estudantes tiveram sobre o
livro: “Queria conhecer a serpente e o vaidoso”; “é uma história infantil ´mais´ de um
jeito bom porque se um adulto lê volta a ser criança”; “achei a história muito
emocionante. Os personagens são incrivelmente incríveis”; “aprendi que as pessoas
tem as suas diferenças, qualidades e defeitos”; “O pequeno príncipe quis mostrar a
todos sua tristeza, mas sempre com otimismo”; “parabéns e continue escrevendo”.
d) O conhecimento científico
Algumas cartas fizeram menção aos conhecimentos científicos relacionados
com a história: “o planeta de onde veio o Pequeno Príncipe é parecido com a Terra,
pois é habitável e tem oxigênio”; “aprendi que o Baobá é uma árvore bem grande,
alta e grossa”; “aprendi que o deserto do Saara é mais extenso do que eu pensava”;
“o príncipe me contou que só existe uma estrela no sistema solar e esta estrela é o
sol”; “planeta não tem luz própria, já estrela tem”; “o pequeno príncipe é amigo de
uma cientista chamada Maria, que gosta de desenhar insetos. Ninguém acreditava
nela, que as lagartas viravam borboletas”; “descobri que em alguns planetas o dia
dura muito mais tempo que o ano”; “a cobra que matou o pequeno príncipe era
malvada, ‘mais’ as cobras aqui da ‘terra’ picam só pra se defender”.
Ao analisarmos as cartas, lembramos da afirmação de Linsingen (2005)
quando ressalta que o trabalho com a literatura não tem a pretensão de ensinar os
conteúdos de ciências e sim de constituir-se como uma ferramenta de informação e
discussão dos conceitos.
Acreditamos que no desenvolvimento deste trabalho, os conceitos não foram
ensinados, porém puderam ser colocados em pauta e discutidos de tal forma, que
fizeram sentido e foram apropriados pelos estudantes junto com a história do
Pequeno Príncipe.
Estamos cientes que trabalhos pontuais como este, não vão fazer com que os
estudantes passem a gostar de ler. Porém, acreditamos que se a literatura estivesse
mais presente em sala de aula, dentro de diferentes disciplinas, o hábito da leitura
poderia ser estimulado e quem sabe, colaborasse com a formação de futuros
leitores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização deste trabalho, observamos que a literatura pode ser
empregada em diversas situações nas aulas de ciências. Acreditamos que os
estudantes se interessaram mais pela disciplina de ciências, quando mediada pelo
Pequeno Príncipe. Percebemos que para alguns estudantes, não houve uma ruptura
entre a literatura e os conceitos científicos. As duas linguagens se fundiram a ponto
de um estudante afirmar em sua carta que, “o pequeno príncipe é amigo de uma
cientista chamada Maria, que gosta de desenhar insetos”. A história da ciência,
envolvendo a naturalista e ilustradora científica alemã foi entrelaçada com a
narrativas sobre a Rosa e o momento de despedida entre ela e o Príncipe, que está
preocupado em deixá-la por causa dos perigos, entre eles, os predadores, ao que a
Rosa responde: “É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as
borboletas. Dizem que são tão belas.” (SAINT-EXUPÉRY, 2009, p. 34).
A fala da Rosa levou a uma discussão sobre metamorfose e a apresentação
de algumas ilustrações de Merian, realizadas em uma época dominada pelo
pensamento da Geração Espontânea. Esta interpretação para a origem dos seres
vivos foi lembrada pelo estudante quando afirmou que “ninguém acreditava nela,
que as lagartas viravam borboletas”.
Esses entrelaçamentos nos remeteram novamente a Silva (2007), quando
afirma que a construção do conhecimento científico e a imaginação caminham lado
a lado. No caso deste trabalho, percebemos em muitos pontos este “caminhar”, por
exemplo, quando o estudante compara a Serpente personagem com as serpentes
que ele conhece. Ou então o trecho da carta que explicita que o Pequeno Príncipe
“contou” que o Sol é a única estrela do Sistema Solar.
Deixamos aqui também o anseio de saber como este trabalho se daria em
uma turma normal, com 40 estudantes, tendo o professor prazos para cumprir e
conteúdos a vencer. Seria possível fazer a leitura de um livro literário, na íntegra,
como fizemos? Que outras estratégias os professores poderiam usar? Que outras
leituras poderiam ser realizadas?
Por outro lado, tais adversidades não podem ser usadas como desculpas
para que o trabalho com a leitura não seja realizado em sala de aula. Pois como
apontam Giraldelli e Almeida (2008), tal trabalho extrapola os conteúdos ensinados,
podendo contribuir para a construção da cidadania e o repensar de atitudes. As
autoras constatam que a literatura contribui para o rompimento com alguns
conceitos espontâneos e traz a construção de novos conceitos referentes ao ensino
de ciências, sendo a mediação do professor fundamental para que esse processo
ocorra.
É imprescindível lembrar que, conforme aponta Zilberman (2008, p.22)
“compete hoje ao ensino da literatura não mais a transmissão de um patrimônio já
constituído e consagrado, mas a responsabilidade pela formação do leitor”.
Acreditamos que, como professores de quaisquer disciplinas, temos a tarefa
de atuar nesta formação, mesmo que a longo prazo, pois,
formar um leitor supõe formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto (BRASIL, 1999, p.69).
Desta forma, o leitor passa a diferenciar os vários tipos de texto e cada
pessoa pode usá-los para abrir outras possibilidades para o processo de
individuação, “seja por motivação estética, seja para receber informações, seja como
instrumento para ampliar sua visão de mundo, seja por motivos religiosos, seja por
puro e simples entretenimento“ (AZEVEDO, 2004, p.183).
Por fim, concordamos novamente com Silva (2007), quando aponta para a
necessidade de um planejamento de um programa de leitura nas escolas, que
ultrapasse a simples transcrição dos conteúdos dos livros didáticos.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, R. Formação de leitores e razões para a literatura. In: SOUZA, R. J. (org.) Caminhos para a formação do leitor. São Paulo, 2004. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, 1999. GIRALDELLI, C. G. C. M.; ALMEIDA, M. J. P. M. Leitura coletiva de um texto de literatura infantil no ensino fundamental: algumas mediações pensando o ensino das ciências. Ensaio. Unicamp, Campinas: v.10, n. 1. jun. 2008. LINSINGEN, L. von. A literatura infanto-juvenil e o Ensino de Ciências: uma relação possível. Anais do 4º SLIJSC. Palhoça, SC, n.4, p. 495-507, 2009. PARANÁ. Diretrizes Curriculares Estaduais de Ciências. Curitiba: Seed, 2008 SAINT-EXUPÉRY, A. O Pequeno Príncipe. Rio de Janeiro: Agir, 2006. 48ª edição. SALOMÃO, S. R. Lições da Botânica: um ensaio para as aulas de ciências. Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense: Rio de Janeiro, 2005. SILVA, E. T. Ciência, Leitura e Escola. In: ALMEIDA, M. J. P. M. e SILVA, Henrique César da (orgs.). Linguagens, Literaturas e Ensino da Ciência. Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB, p.105-112, 2007. ZANETIC, J. Literatura e cultura cientifica. In: ALMEIDA, M. J. P. M. e SILVA, H. C. da (orgs.). Linguagens, Literaturas e Ensino da Ciência. Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB, p.11-45, 2007.