OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE …...Didática como formato para a implementação do...
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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
Contribuições de Bakhtin e dos pressupostos da interculturalidade na produção de material didático para EJA
Silmara Benatto1
Henrique Evaldo Janzen2 Resumo
Pretendeu-se investigar neste estudo como os alunos da Educação de Jovens e Adultos se comportariam perante a uma abordagem de ensino e a um conceito de linguagem diferenciados. Para o desenvolvimento do projeto, foi utilizada a Unidade Didática como formato para a implementação do estudo, fundamentada nos estudos do círculo de Bakhtin e nos pressupostos da interculturalidade. A Unidade Didática foi implementada no ano de 2015. Este trabalho foi desenvolvido no CEEBJA Paulo Freire, localizado em Curitiba-Pr, com alunos do 5º período do Curso Técnico em Segurança do Trabalho, em nível médio na organização Coletiva. As atividades foram realizadas a partir de gêneros discursivos que circulam no universo do aluno adulto e a língua foi trabalhada de forma contextualizada, fazendo conexão entre o conteúdo escolar e a realidade do educando, com o intuito de tornar sua aprendizagem significativa. Com base na fundamentação teórica adotada, durante a aplicação do projeto foi tentado criar situações reais de comunicação que fossem relevantes aos alunos com o propósito de motivar o uso da língua alvo. A implementação alcançou resultados positivos, pois houve a participação e o envolvimento dos alunos nas atividades e construção de conhecimento perceptível, revelando que a concepção teórica de língua e a abordagem de ensino que sustentaram a prática se constituem em ferramentas valiosas para o professor que busca propiciar uma aprendizagem significativa aos seus alunos. As pesquisas que subsidiaram este estudo estão embasadas nos estudos de Bakhtin,Freire, Meirelles, Janzen, entre outros. Este trabalho buscou a ligação entre a prática e a teoria e se coloca como um instrumento de reflexão para os professores de LEM/inglês da EJA em sua prática pedagógica.
Palavras Chaves: EJA, Bakhtin, interculturalidade
Introdução
Ao trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos, faz-se necessário
considerar a diversidade de sujeitos característica da modalidade. Alunos muito
diferentes entre si, mas quase todos com algo em comum: um histórico de exclusão
social. A EJA trabalha com jovens e adultos, sendo que a maior parte dos
educandos são trabalhadores em tempo integral. A outra parte é formada por idosos,
1 Professora da Rede Pública do Estado do Paraná, participante do programa PDE 2014. Graduada
em Letras (UFPR) e com Especialização em Metodologia do Ensino de LEM.(UFPR)
2 Orientador: Prof. Dr. Henrique Evado Janzen.(UFPR)
adolescentes fora da faixa etária/série escolar, adolescentes oriundos de medidas
socioeducativas, entre outros. Alguns educandos relatam que estiveram afastados
dos bancos escolares por muito tempo e que na época que ainda frequentavam as
salas de aula, a disciplina de LEM/Inglês ainda não fazia parte do currículo. Outros
contam que vêm de experiências não bem sucedidas no ensino regular e percebe-se
nesses alunos um bloqueio em relação ao ensino da disciplina. A falta de
embasamento, os bloqueios, a idade avançada, baixa autoestima, os níveis de
escolarização e de conhecimento desiguais são fatores que favorecem à desistência
e desestimulação. Por isso, essa modalidade de ensino requer um tratamento
diferenciado que contemplem o universo do aluno de EJA. O retorno dos alunos aos
bancos escolares deve permitir o desenvolvimento de seus potenciais e a
consciência de seus saberes já constituídos em suas trajetórias de suas vidas,
conhecimentos estes, que devem ser associados aos conteúdos curriculares na
busca por significado, pois segundo Freire,
Não se aprende o objeto se não se apreende sua razão de ser. Não é por outra razão que a pura memorização mecânica do perfil do objeto não constitui conhecimento cabal do objeto. Daí que, na experiência cognitiva verdadeira, a memorização do conhecimento se constitua no ato mesmo de sua produção. É apreendendo a razão de ser do objeto que eu produzo o conhecimento dele.(FREIRE 2000, pág 41)
No tocante ao ensino de LEM/Inglês no contexto apresentado, as práticas e
metodologias devem ultrapassar a mera decodificação de sinais. É preciso criar
estratégias e usar ferramentas que proporcionem uma aprendizagem de língua
estrangeira que tenha sentido para o aluno, que o envolva e o incentive a ampliar
seus conhecimentos, que o coloque no centro do processo de ensino aprendizagem.
É necessário que se tenha uma visão de mundo, de educação e, principalmente,
uma visão de língua que vá além da prática conteudista, compreendendo sua função
social: a comunicação. Não é possível almejar uma aprendizagem significativa sem
considerar a questão dialógica da linguagem. Segundo essa concepção, “a língua só
existe em função do uso que locutores e interlocutores fazem dela em situação de
comunicação”. Essa visão associada a uma perspectiva intercultural, a qual pode
proporcionar ao aluno olhar a outra cultura, entendê-la, compará-la com a sua,
enxergando como ela é e assim, propiciando o respeito pelo outro e a aceitação do
diferente, poderá ser um caminho para um trabalho mais profícuo com o ensino de
LEM/inglês na EJA.
No que diz respeito a uma concepção sociointeracional de linguagem e uma
abordagem de ensino intercultural, percebe-se que muitos professores de língua
inglesa, têm certa dificuldade na articulação entre teoria e prática. Apesar de terem
um conhecimento considerável sobre esta concepção de linguagem e dos
pressupostos da interculturalidade, não conseguem subsídios suficientes para o
desenvolvimento da abordagem, que os permitam transformar o conhecimento
teórico em ações no seu contexto de ensino. Por outro lado, percebe-se que existe
uma resistência do aluno de EJA em relação ao ensino da língua inglesa. Alguns
afirmam que tem medo da disciplina, por achá-la muito difícil, outros dizem não
entender o porquê de estudar inglês, pois ao acabar a disciplina “vão esquecer tudo
mesmo!”. Esses posicionamentos refletem a falta de significação da disciplina na
vida do aluno.
Conforme as Diretrizes Curriculares para EJA,
A atuação do educador da EJA é fundamental para que os educandos percebam que o conhecimento tem a ver com o seu contexto de vida, que é repleto de significação. Os docentes se comprometem, assim, com uma metodologia de ensino que favorece uma relação dialética entre sujeito-realidade-sujeito. Se esta relação dialética com o conhecimento for de fato significativa, então as metodologias foram adequadas (PARANÁ 2006, p.40).
O material didático tem a função mediadora entre os agentes do processo de
ensino aprendizagem, porém, em relação a EJA, poucos materiais levam em conta o
seu funcionamento, as especificidades da modalidade, bem como a noção de
linguagem como prática social. Assim sendo, para a seleção ou produção de um
material de apoio que abranja todo esse universo e auxilie o trabalho em sala para
uma prática mais qualitativa, torna-se necessário o aprofundamento teórico. Neste
sentido, buscou-se reflexões e discussões acerca das contribuições da concepção
Bakhtiana de linguagem atreladas ao ensino de línguas, da abordagem intercultural
pela qual a teoria se efetiva na prática, das características da modalidade, e dos
resultados obtidos na implementação do projeto, com a intenção subsidiar o trabalho
pedagógico dos professores de LEM/Inglês na elaboração ou seleção de materiais
didáticos para a EJA.
Primeiramente apresentaremos os eixos articuladores que compõem a
proposta curricular para EJA, destacando a importância de considerar em toda
prática pedagógica o conhecimento não formal e a cultura que o aluno traz para sala
de aula, pois entender o universo do aluno e aproveitar esse conhecimento é
essencial para um trabalho relevante para a modalidade. Logo em seguida,
fundamentados principalmente nos estudos de Bakhtin, buscamos traçar a relação
entre linguagem e cultura. Também exploramos algumas questões referentes ao
universo epistemológico do círculo de Bakhtin que, julgamos, importantes para o
aprofundamento de questões que ajudam na articulação entre teoria e prática. Em
seguida é feita a descrição da implementação e onde apresentamos nossa análise a
partir dos resultados obtidos.
A PROPOSTA CURRICULAR PARA EJA
As DCEs de EJA (PARANÁ, 2006, p.32), apresentam três eixos
articuladores do currículo: cultura, trabalho e tempo, os quais deverão nortear toda a
ação pedagógico-curricular nos estabelecimentos que ofertam esta modalidade.
Por cultura se compreende toda produção de vida material e imaterial
compondo vários significados que abrangem todas as formas de atividade social.
Busca-se valorizar e mediar o conhecimento prévio do aluno, sua bagagem de saber
popular, não científica para uma aprendizagem reflexiva, crítica e significativa.
O trabalho compreende uma forma de produção da vida material, ou seja, é
a ação pela qual o homem transforma a natureza e, nesse processo, transforma-se
a si mesmo, sendo, portanto, produção histórico-cultural. O trabalho é um dos
principais motivos que trazem o adulto de volta à escola. Mesmo sendo um fator
relevante, não é tarefa da EJA preparar o aluno para o mercado de trabalho, mas
sim ajudá-lo na sua formação intelectual e moral para que se torne um cidadão
autônomo.
O tempo é enfocado nas suas dimensões: social (tempo individual e tempo
coletivo - os quais compreendem os momentos da infância, juventude e vida adulta
no contexto das múltiplas relações sociais) e tempo escolar (tempo físico, tempo
vivido, tempo pedagógico).
O currículo é um componente importante na mediação entre prática e
aprendizagem. Assim sendo, ele deve revelar os interesses de todos os envolvidos
no processo ensino-aprendizagem.
De acordo com as DCEs de EJA, os critérios para a seleção dos conteúdos
e das práticas educativas são:
1º - Relevância dos saberes escolares frente à experiência social construída historicamente. 2º - Processos de ensino-aprendizagem, mediatizados pela ação docente junto aos educandos. O educador deve perceber o que o educando sabe e o que precisa saber, conhecendo-o no conjunto:profissão, religião, desejos, anseios, características e ideologias, por meio do diálogo e da observação permanentes. 3º - Organização do processo ensino-aprendizagem, dando ênfase às atividades que permitem a integração entre os diferentes saberes. 4º - A seleção de conteúdos e práticas refere-se às possibilidades de articular singularidade e totalidade no processo de conhecimento vivenciado pelos educandos. Os conteúdos selecionados devem refletir os amplos aspectos da cultura, tanto do passado quanto do presente, assim como as possibilidades futuras, identificando mudanças e permanências inerentes ao processo de conhecimento na sua relação com o contexto social (PARANÁ, 2006, p.39).
Uma vez que, o currículo de EJA concebe o aluno como ser social, justifica-se
a elaboração de material didático dentro de uma concepção sociointeracional de
linguagem para permear a prática pedagógica do professor de língua estrangeira
desta modalidade.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
CONCEPÇÃO DE CULTURA E LINGUAGEM
Como a cultura permeia diferentes campos da vida cotidiana, ela é estudada
na antropologia, sociologia, história, comunicação, entre outras, e cada uma dessas
áreas dá diferentes enfoques ao conceito. Segundo CUCHE, (1999, p.203) a palavra
cultura tem sido utilizada em diferentes campos semânticos em substituição a outros
termos como “mentalidade”, “espírito”, “tradição” e “ideologia”. Terry Eagleton, no
livro “A idéia de Cultura” (2011), também aponta a transição histórica do conceito de
cultura desde a sua origem e como ele foi ganhando diferentes significações, como:
“lavoura ou cultivo agrícola”, “civilidade e civilização”, “pessoas cultas são pessoas
que têm cultura”, “modo de vida e criação artística”, “cultura são os outros” entre
outras. Eagleton afirma a relevância do papel da sociedade na construção da
identidade cultural dos sujeitos.
A cultura pode ser aproximadamente resumida como o complexo de valores , costumes, crenças e práticas que constituem o modo de vida de um grupo específico. Ela é ―aquele todo complexo(...) que inclui conhecimento, crença arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo ser humano como um membro da sociedade. (EAGLETON, 2011, p.54-55)
Se a identidade cultural do sujeito é consubstanciada pelo meio em que este
está inserido e pelas suas experiências adquiridas no curso de sua vida e, é a
linguagem que permeia todas essas atividades humanas, então, podemos afirmar
que a relação entre linguagem e cultura é indissociável, e também ampla e
complexa. Portanto, o processo de aquisição de uma língua também implica
conhecer a cultura do outro e entender sua história. Trabalhar a linguagem
desvinculada de cultura, significa negar ao aluno a consciência dos valores e
significados que há por trás da estrutura da língua.
A cultura organiza nossos valores, nossas atividades e orienta nossa visão de mundo. Os indivíduos, por sua vez, são constituídos por meio das interações sociais que ocorrem pela linguagem. Cultura e linguagem são determinantes para a nossa constituição. Sociedades, grupos e identidades culturais são formadas a partir dessa relação. Nossas ações são, portanto, o reflexo dos valores culturais, das marcas culturais que nos orientam (STORCK, 2011, p.15).
Os estudos do Círculo de Bakhtin3, apresentam uma concepção que
privilegia o aspecto social da linguagem e que dialoga com os pressupostos da
interculturalidade, pois o tema central do pensamento Bakhtiniano é a linguagem e a
sua indissociabilidade com o mundo, visto que ela permeia toda forma de construção
de conhecimento. Bakhtin a concebe como produto da interação humana e a discute
a partir de uma visão dialógica entre sujeito e sociedade.
No capítulo intitulado Língua, Fala e Enunciação, de uma das obras mais
célebres de Bakthin - Marxismo e Filosofia da Linguagem, o autor mostra as
características enunciativas da língua contrastando-a ao objetivismo abstrato (que
3 O Círculo de Bakhtin é a denominação atribuída ao grupo de intelectuais russos que se reunia
regularmente entre 1919 a 1971, do qual fizeram parte Bakhtin, Voloshinov e Medvédev. Seus
trabalhos são influentes na área de filosofia da linguagem e da teoria literária.
dissocia o sujeito do contexto), trazendo a noção de enunciação como um processo
histórico em que as formas linguísticas atuam como apoio no fenômeno da fala- o
qual envolve bem mais do que a língua enquanto sistema - nele, devem ser
consideradas as condições de produção, os interlocutores envolvidos na interação
verbal e o caráter social da atividade linguística.
A linguagem permite a formação da consciência individual e, dialeticamente,
permite aos sujeitos a prática dessa atividade. Segundo o autor, tudo que é
ideológico é signo. Sem signos, não existe ideologia. Para ele, o signo nasce na
interação social; logo tanto sua forma é determinada pelos modos de interação
social, como seu significado, uma vez que o objeto só adquire significação entre
indivíduos. Disso subentende-se que o significado do signo não pode ser estático ou
unilateral. Ao contrário, signo é polissêmico, porque, além de refletir, também refrata
uma outra realidade. Ele não tem uma significação única, mas receberá tantas
significações quantas forem as situações reais em que venha a ser usado por
sujeitos num dado contexto social e histórico. O signo só existe numa relação
dinâmica; se ele for retirado do contexto real da comunicação, deixará de ser signo,
transformando-se em mero sinal, estático, monológico.
Bakhtin afirma que a língua, bem como os que a utilizam, estão situados em
um contexto sócio-histórico e ela é penetrada pelo sujeito (da mesma forma que o
inverso também é verdadeiro) e, é na dinamicidade desse processo de trocas que
há o despertar da consciência. Segundo Bakhtin, é a experiência que organiza essa
atividade. Para o autor, o centro organizador da enunciação é o meio social que
envolve o indivíduo. A significação da enunciação instaura-se no social, é fruto da
interação dos sujeitos socialmente organizados. Nesse sentido a palavra constitui o
produto da interação entre locutor e interlocutor; ela é determinada pelo fato de
proceder de alguém, como a de ter um destinatário.
Ainda segundo Bakhtin (2011), somos ativamente responsivos. Qualquer
coisa que pensamos é a resposta para algo que nos foi dito de imediato ou em
algum ponto no tempo. Nessa atitude responsiva, enquanto interlocutores,
discutimos, refletimos, concordamos ou discordamos. Nesta perspectiva, todo
enunciado sempre espera uma resposta. De acordo com Bakhtin, nossos
enunciados são compostos por várias vozes. Nosso discurso se constitui de vozes
alheias. “Em todo enunciado, descobriremos as palavras do outro, ocultas ou
semiocultas, com graus diferentes de alteridade” (JANZEN, 2005, p.58).
A visão dialógica da linguagem presente em todo o trabalho de Bakhtin
coloca o “outro” como um ser imprescindível à comunicação, pois ele se forma na
interação e pela interação, envolvendo sempre a presença de pelo menos duas
vozes: a voz do eu e a voz do outro. É possível detectar, em vários trechos da obra
de Bakhtin, a importância da presença do outro. De acordo com Baktin (2011,
p.373-374):
Tudo o que me diz respeito, a começar pelo meu nome, chega do mundo
exterior à minha consciência pela boca dos outros (da minha mãe, etc.),
com sua entonação, em sua tonalidade valorativo-emocional. A princípio eu
tomo consciência de mim através dos outros: deles eu recebo as palavras,
as formas e a tonalidade para a formação da primeira noção de mim
mesmo. Os elementos do infantilismo da autoconsciência (...) às vezes
permanecem até o fim da vida (a concepção e a noção de mim mesmo, do
meu corpo, do meu rosto e do passado em tons carinhosos). Como o corpo
se forma inicialmente no seio (corpo) materno, assim a consciência do
homem desperta envolvida pela consciência do outro. Mais tarde começa a
adequar a si mesmo as palavras e categorias neutras, isto é, a definir, a si
mesmo como homem independentemente do eu do outro.
O ASPECTO INTERCULTURAL NO ENSINO DE LEM/INGLÊS
Entrelaçando a concepção dialógica de língua aos pressupostos da
interculturalidade, temos uma prática pedagógica que permite ultrapassar os
limítrofes da própria cultura e enxergar o outro de forma igual, com uma cultura
diferente apenas, nem melhor, nem pior que a sua. O trabalho a partir desta
perspectiva resulta em atitudes de aceitação, respeito, compartilhamento de
experiências, convivência com o diferente, pois através dessa prática é possível
colocar de lado preconceitos e estereótipos da cultura alvo e da própria cultura.
“Apenas no método intercultural o aprendiz não é convidado a despir-se de suas características culturais e assumir ou assimilar novas regras de conduta e pensamento. Na abordagem intercultural, o aprendiz vê sua cultura e sua língua como uma dentre várias possibilidades igualmente desejáveis e válidas. Apenas, por razões de sua escolha pessoal, decidiu-se a conhecer mais a fundo as peculiaridades da língua (...) e da cultura dos países que a utilizam, estando livre para escolher, conscientemente, o quanto dessa cultura ele irá incorporar.(MEIRELLES, 2001, p.11)
Para desenvolver a competência intercultural se faz necessário ajudar o
aluno a mudar pontos de vistas, para compreender o horizonte do outro e estar
disposto a aprender sobre e com a cultura do outro.
Um aprendiz autônomo e consciente de uma língua estrangeira é capaz de utilizar adequadamente todos os canais à sua disposição para alargar seus horizontes, aumentar seu conhecimento lingüístico e cultural do alemão ou de qualquer outro grupo cultural e formar opiniões que, por sua vez, irão enriquecer o pool de experiências ao qual recorre para suas decisões diárias. Principalmente, ele será menos suscetível a estereótipos e a manipulações e terá um comportamento mais crítico e tolerante frente ao estrangeiro, àquilo que lhe é “estranho” ou desconhecido, sabendo que não é necessariamente algo a ser combatido, temido ou copiado indiscriminadamente.(MEIRELLES, 2001, p.15)
A mediação cultural é sem dúvida um dos fatores de facilitação no processo
de aquisição de um idioma, pois resulta em diálogo, valorização da pluralidade,
tolerância e respeito à diversidade e autonomia.
A aprendizagem é um processo de construção de sentidos, no qual os
sujeitos envolvidos são social e historicamente orientados e ideologicamente
constituídos, estando a aprendizagem diretamente relacionada com o conhecimento
de mundo do indivíduo, por isso, a aprendizagem cultural deve ser viabilizada
quando se busca um ensino de línguas significativo. Para isso se faz necessário,
expor o sujeito a situações reais de comunicação, para que possa fazer uso do que
aprende: ter contato com publicações, comerciais, canções e filmes, trocar
correspondências, elaborar diálogos a partir daquilo que lhe faz sentido. Enfim,
garantir o máximo de interação com os mais variados enunciados. A respeito dos
gêneros discursivos Bakhtin afirma que
Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, ou que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes deste ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos - o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKTHIN, 2011, p.261-262).
O discurso é um processo e produto da interação verbal e o enunciado sua
unidade real. O discurso pode ser entendido como uma linguagem em
funcionamento numa determinada situação ou processo de produção de
significação, sendo a língua o instrumento dessa produção. Para se manifestar, o
discurso usa o gênero, que se pode definir como toda e qualquer manifestação da
capacidade humana, realizada mediante um sistema de signos. Pode ser tanto um
poema, uma bula ou uma conversa, quanto uma pintura. Bakhtin ressalta que é
através do texto que a história do pensamento, o sentido e o significado do outro se
manifestam e se apresentam.
A utilização de diferentes tipos de textos pode não só contribuir para o
aumento do conhecimento intertextual do aluno, mas para mostrar claramente que
os textos são usados para propósitos diferentes na sociedade.
A PRÁTICA PEDAGÓGICA A PARTIR DE BAKTHIN
Em todas as discussões sobre o papel da escola, é apontada a
responsabilidade desta no processo de construção de cidadania. Fica a cargo da
escola, propiciar ao educando possibilidades de debates de valores e reflexões
sobre as manifestações de sua própria subjetividade e da construção da sua
identidade. Entendemos que cabe ao professor, ajudar o aluno a transferir o que ele
aprendeu nas aulas em situações reais de comunicação. Ao invés de exercícios
gramaticais isolados de qualquer contexto, se fazem necessárias práticas
pedagógicas que dialoguem com a realidade dos alunos.
Bakhtin não era educador, não criou uma metodologia para o ensino de
línguas, mas, como aponta Maria Tereza de Assunção Freitas, em “Diálogos com
Bakhtin” (2007), a sua teoria inspira mudanças na prática em sala de aula.
Concordo quando a autora afirma que uma leitura aprofundada sobre os
estudos do pensador russo, invariavelmente traz à tona reflexões sobre a prática
pedagógica.
O que é o aluno para mim? Objeto que observo e sobre o qual derrubo o "meu saber" ou um sujeito com o qual compartilho experiências? Alguém a quem não concedo o direito de se expressar, o direito de autoria? Ou quem sabe, apenas reconheço sua voz quando ela é um espelho da minha? Aceito o seu discurso apenas quando reproduz o meu? O que acontece em minha sala de aula? Ela é um espaço para monólogos ou o lugar onde muitas vozes diferentes se intercruzam? Que tipo de interações aí
transcorrem? Falo para um aluno abstrato ou ele existe para mim marcado pelo tempo e espaço em que vive? Conheço o seu contexto, os seus valores culturais? O conteúdo das disciplinas tem a ver com esse meio cultural, com a vida dos alunos? Minha sala de aula é um espaço de vida ou apenas um espaço assepticamente pedagógico? (FREITAS, 2007, p.147).
Ensinar além da palavra isolada como mero sinal; mostrar através do
enunciado, o outro; ensinar a se reconhecer na palavra alheia; ensinar que, no que
escrevo ou digo, há outras vozes escritas e ditas; ensinar que existe uma ideologia
por trás de cada discurso; ensinar que tudo se movimenta pela linguagem e por isso
ela é uma ferramenta poderosíssima e que explorá-la além de seu código linguístico,
é no mínimo interessante.
Para o sucesso de uma prática pedagógica, vem sempre antes uma crença -
saber onde se quer chegar com uma determinada prática é imprescindível. Que
caminhos percorrer para atingir esses objetivos requer, sobretudo, muito
comprometimento, responsabilidade e dedicação. Nas palavras de Paulo Freire:
Não há ensino sem pesquisa, nem pesquisa sem ensino. Esses quefazeres
se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando,
reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me
indago. Educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não
conheço e para comunicar o novo (FREIRE, 2014, p.30-31).
METODOLOGIA
Explorar o contexto escolar e compreender suas especificidades é vital para
promover mudanças reais em qualquer prática pedagógica. Neste sentido o
professor pode questionar e investigar sua prática a partir de seu contexto de
atuação para detectar o que pode ser aprimorado. A pesquisa-ação é uma forma de
tornar o professor pesquisador de sua práxis e sujeito de sua própria formação, pois
permite unir a pesquisa à prática.
Sendo assim, a metodologia norteadora deste projeto baseou-se nos
princípios de pesquisa-ação, no sentido de produzir uma ferramenta de apoio que
propiciasse uma mudança para o ensino de língua inglesa dentro do contexto da
Educação de Jovens e Adultos. A pesquisa-ação como metodologia de investigação
proporcionou uma clareza maior sobre o contexto de atuação e de ensino e
aprendizagem, mostrando novas possibilidades de ação, bem como, possibilitando
gerenciar os conflitos com mais maturidade, conforme será descrito a seguir.
Quando o projeto de intervenção foi elaborado, tinha-se em mente alunos do
ensino Fundamental, período noturno o qual era composto quase que em sua
totalidade por alunos trabalhadores. Entretanto, ao iniciar a aplicação do projeto, a
realidade encontrada foi outra. Os alunos da turma na qual o projeto foi aplicado,
eram alunos mais jovens, entre 17 a 19 anos, e a maioria ainda não tinha tido o
primeiro emprego ainda e, sem dúvida, alguns itens da proposta de trabalho tiveram
que ser revistos e precisaram de adaptações. A turma mencionada era de outra
professora, que gentilmente me cedeu duas horas-aula semanalmente para que eu
aplicasse o projeto, porém esta situação também se tornou uma dificuldade na
aplicação do projeto, pois neste formato, a sequência das minhas atividades e a
forma de trabalhar a disciplina, obviamente sofreu interferências, tanto pela distância
entre as aulas, como também pela forma de trabalhar da professora regente, pois, o
projeto de intervenção propõe uma mudança de abordagem, a qual prevê,
obviamente a aplicação de uma metodologia diferenciada no projeto de intervenção,
o que sem dúvida poderia levar a uma avaliação final equivocada.
Visto que o ponto chave do meu projeto está justamente atrelado em
investigar como a concepção de linguagem e abordagem escolhida influenciaria o
processo de aprendizagem dos alunos da EJA, o orientador deste projeto e eu,
decidimos, por falta de outra turma do ensino fundamental disponível, fazer a
implementação deste projeto novamente em uma turma de PROEJA (EJA
Profissionalizante), na qual, eu fui a professora regente.
A escola
O Centro Estadual de Educação para Jovens e Adultos -CEEBJA Paulo
Freire, Curitiba, oferta escolarização para jovens, adultos e idosos que buscam dar
continuidade a seus estudos no Ensino Fundamental ou Médio na organização
Coletiva e Individual, bem como Ensino Profissionalizante integrado – PROEJA –
ofertando Curso Técnico em Segurança do Trabalho em nível médio na organização
Coletiva.
A Carga Horária total do Curso Técnico em Segurança do Trabalho é dividida
entre: 1440 h/a – disciplinas do Núcleo Comum; 1440 h/a – disciplinas técnicas mais
120 h/a de estágio profissional supervisionado. As disciplinas do curso são ofertadas
na organização semestral. A disciplina de LEM –Inglês é ofertada nos 5º e 6º
semestres, com 40 h/a cada, somando um total de 80 h/a.
A turma objeto de estudo
A turma iniciou o curso no segundo semestre de 2013 com cerca de 35 alunos,
mas infelizmente com um alto nível de evasão, a turma, ao chegar ao 5º semestre,
era composta por 5 alunos, sendo 3 do sexo masculino e 2 do sexo feminino, com
idades compreendidas 35 a 45 anos, exercendo as seguintes profissões: pintor
alpinista, eletricista, auxiliar de produção, costureira e artesão.
Considerações sobre a implementação
Uma vez que o aluno é o centro do processo ensino-aprendizagem e a função do
professor é o de mediador, as atividades planejadas na produção didático-
pedagógica tiveram como objetivo ampliar os conhecimentos linguísticos- culturais
dos alunos, bem como construir a base necessária para o desenvolvimento da
competência comunicativa intercultural através de assuntos que ajudem o aluno a
refletir sobre si mesmo e seu contexto de vida, fazendo com que os alunos
participassem mais ativamente das aulas. Para o desenvolvimento das atividades de
implementação, além da unidade didática foi utilizada a TV multimídia, laboratório de
informática da escola e os celulares dos alunos, nos quais eles filmaram uns aos
outros reproduzindo oralmente os textos elaborados durante as atividades.
As atividades que serão descritas aqui tem como base a unidade didática “Who
are you and what do you do for a living?”
A implementação da unidade didática ocorreu durante os meses de julho a
outubro. A primeira parte da unidade didático foi trabalhado em 8h/a e a segunda
parte foi desenvolvida em 26 h/a. Primeiramente foi realizada uma averiguação,
através de uma conversa informal, sobre os conhecimentos prévios dos alunos na
disciplina. Todos já tinham estudado inglês em algum momento de suas vidas.
Lembraram que estudaram o verbo “to be” mas não lembravam seu significado.
Demonstraram certo temor por achar a disciplina difícil. Em seguida, foi feita a
explicação geral do projeto expondo os objetivos e conteúdos para a turma. Os
alunos foram convidados a aceitar o desafio ao qual se mostraram motivados.
Resultados e discussão
A implementação do material de trabalho foi feita dentro de uma abordagem
intercultural. Essa abordagem no ensino de língua estrangeira justifica-se por ajudar
o aluno a ter mais tolerância em relação ao outro, bem como contribui para o
processo de alteridade, pois através dela o aluno reflete sobre a cultura alvo,
compreende as diferenças e é levado a reflexão sobre a própria cultura. “Mas o mais
importante na abordagem intercultural, é (...) a valorização da cultura do aluno como
igualmente legitimada em relação à cultura da língua estrangeira” (MEIRELLES,
2002, p11).
Assim sendo, as atividades foram elaboradas e propostas sempre no sentido de
criar a ponte entre o conhecido e o desconhecido, bem como com a intenção de
levar o aluno a perceber que os gêneros estão inseridos em uma situação real de
uso da linguagem, que levam em conta os participantes e o meio social em que o
enunciado (gênero) se insere e que “são igualmente determinados pela
especificidade de um determinado campo da comunicação”(BAKHTIN, 2011, p.
262). A elaboração das atividades também tem a intenção de propiciar aquisição de
vocabulário de formal gradual e consciente, estimular a produção oral e a possibilitar
o aluno se expressar, sem necessidade de produzir enunciados gramaticalmente
corretos a princípio, pois estes seriam construídos ao longo das atividades, a partir
do uso da linguagem em contextos reais, uma vez que o trabalho de sala de aula é
focado na perspectiva do gêneros discursivos, pois acredita-se que estes são
essenciais no processo de ensino-aprendizagem, especialmente no contexto da
EJA. “Falar não é, portanto, apenas atualizar um código gramatical num vazio, mas
moldar o nosso dizer às formas de um gênero no interior de uma atividade”.
(FARACO, 2009 p.127)
A escolha dos gêneros usados, justifica-se por se tratar de algo que pertence
ao universo do aluno adulto, configuram-se em algo familiar, servindo neste caso,
como ponte para a aquisição de conhecimentos novos. Segundo PIRES; ROHRMANN
( 1990 Apud MEIRELES, 2002, p.10) : “A abordagem intercultural [...] visa propiciar ao
aluno a oportunidade de interpretar outras formas de comportamento, concepções e
valores de uma cultura, tendo como pano de fundo sua própria cultura, suas
experiências pessoais” . As atividades permitiram aplicar a abordagem intercultural,
uma vez que proporcionaram uma interação oral/escrita com a turma.
Na primeira parte, trabalhou-se com o gênero documento. Após as
apresentações iniciais e o diálogo estabelecido com os alunos para criar um
ambiente mais relaxado, a palavra “document” foi colocada no quadro e a partir dela,
foi feito um brainstorming, sobre a importância dos mesmos no dia a dia das
pessoas, e as informações que eles trazem.. O primeiro documento trabalhado foi a
Certidão de Nascimento Brasileira e a partir dela, vários outros documentos foram
explorados, alguns familiares e outros não. A partir destes, os exercícios propostos
visavam a exploração das informações através de associação, comparação e
inferência objetivando a internalização de vocabulário, a relação dos documentos e
suas situações de usos e as diferentes formas de dar a mesma informação e a
composição do gênero. Para resolver os exercícios os alunos apoiaram-se sempre
em figuras e palavras cognatas sem necessidade de usar o português para o
reconhecimento das palavras novas, assim a introdução da parte oral foi feita de
forma sutil. Embora os alunos tenham mais dificuldade para produzir oralmente,
acompanharam as atividades de forma tranquila e participaram ativamente das
atividades propostas e quase não houve necessidade de intervenção da minha parte
para a realização das atividades escritas, houve apenas a necessidade de
esclarecimentos em relação à pronúncia de algumas palavras.
Usar a língua efetivamente em situações reais de comunicação é um desafio
que demanda mudanças de atitude de alunos e professores. Conforme FREIRE
(2014, p.47): “(...) ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção.(...).” Promover situações de
aprendizagem que promovem a autonomia do aluno e que o desafie a aprender com
o(s) outro(s) através de oportunidades de interação e de colaboração deve ser uma
busca constante na prática pedagógica de todo professor para propiciar uma
aprendizagem significativa.
A segunda parte do material iniciou com mais um tipo de documento: a
carteira de trabalho. Este documento foi utilizado para fazer a ponte entre a primeira
parte e a introdução do novo assunto. A língua, neste ponto foi explorada, a partir do
tema trabalho, pois ele está dentro do universo de interesse do aluno adulto. Cada
aluno é único e singular e dentro de uma sala de EJA podemos encontrar diferentes
realidades atreladas às necessidades de cada aluno, porém, pode-se afirmar que o
trabalho, com raras exceções, sempre será o motivo que os traz de volta à escola.
Trabalhar com assuntos que ajudem o aluno a refletir sobre si mesmo e seu
contexto de vida e de trabalho, é uma estratégia para ajudá-los a interligar os
conhecimentos escolares com a sua realidade, propiciando um saber não dissociado
de suas experiências. De acordo com Paulo Freire em “Pedagogia do oprimido”,
podemos usar o conhecimento dos alunos, adquiridos na sua prática profissional,
como matéria prima para desenvolvermos nossas aulas e assim, dentro do limite
linguístico-discursivo dos alunos, são feitas algumas reflexões sobre o contexto de
trabalho no qual eles estão inseridos e como ele se veem como profissionais.
Após introduzir o vocabulário sobre profissões, foi proposto um exercício, no
qual os alunos deveriam relacionar a profissão à sua respectiva descrição. Apesar
da atividade trazer bastante vocabulário novo e estruturas mais difíceis, foi
necessário fazer intervenção em apenas duas descrições. Novamente, o uso de
palavras cognatas na atividade, propiciou a autonomia dos alunos na realização da
atividade. Três dos alunos ficaram felizes em saber descrever a própria profissão.
Como a atividade não previa as profissões dos outros dois, abrimos um parêntese
no material e fomos pesquisar as duas profissões que faltavam e em conjunto
fizemos a descrição para cada uma delas e as incorporamos nas atividades. A
proposta seguinte foi uma atividade lúdica. Sabendo que o jogo é uma prática
educativa prazerosa e que ele pode contribuir para o aprendizado de um idioma,
este foi utilizado na forma de jogo da memória, onde os alunos precisavam
relacionar as profissões, a partir de figuras, às suas respectivas descrições. Foi um
momento no processo de implementação de muita descontração e ao mesmo
tempo, o jogo se configurou em uma importante ferramenta de internalização de
vocabulário e sociabilização de conhecimento, pois para minha surpresa, os alunos
participaram do jogo com espírito competitivo, mas ao mesmo tempo, ajudavam-se
mutuamente com a pronúncia e na busca da combinação entre as profissões e
descrições. Foi possível comprovar os aspectos positivos desse encaminhamento
metodológico através da troca, a interação entre os alunos e a verificação in locu
dos resultados, privilegiando a oralidade que, na maioria das vezes, é esquecida por
nós e pelos livros didáticos. Vale ressaltar que as práticas socioverbais no universo
cultural brasileiro se dão predominantemente pela oralidade.
Aproveitando, o bom andamento das atividades de produção oral, a atividade
seguinte era uma entrevista, na qual os alunos precisam perguntar sobre as
profissões dos colegas e sobre a satisfação nos empregos atuais. O resultado da
pesquisa foi unânime: os cinco alunos estavam insatisfeitos com seus empregos,
mas por razões diferentes, as quais foram apuradas no exercício seguinte. Nesse
exercício, os alunos tiveram que numerar de 1 a 6 os fatores que afetavam a
satisfação do empregado em relação ao seu emprego. A atividade promoveu a
ebulição de sentimentos, discussões e reclamações, desta vez, foi difícil, segurar o
português, ou melhor dizendo, não foi possível. A reação deles foi entendida como
desabafo, e como a aula acabaria em alguns minutos, permitiu-se que o desabafo
acabasse junto com a aula. Algumas falas deles foram anotadas, para ser usadas
como ponte para iniciar a aula seguinte. Duas delas remetiam-se à inflexibilidade de
atitudes de um dado chefe, e a outra à irresponsabilidade de um colega de trabalho.
A partir delas, foi proposto um exercício de reflexão, sobre a ótica deles, quais
seriam as características de um bom profissional e outras atividades nas quais eles
descreviam com quais profissionais não gostariam de trabalhar, quais profissionais
admiravam e por quais motivos e quais características seriam indispensáveis a
determinados profissionais. Os alunos que, queriam usar uma característica que não
havia sido fornecida no material, foram incentivados a procurar as palavras na
internet, através de seus aparelhos celulares e depois incentivados a compartilhar o
vocabulário novo com os colegas, fazendo com que a lista de característica
fornecida no material fosse ampliada.
A partir de três relatos de informações pessoais fornecidos aos alunos, foi
realizado um exercício de interpretação, no qual os alunos precisariam localizar
informações específicas. E a partir desse exercício, eles fizeram outro de produção
escrita, onde escreveram sobre si mesmos. Depois da parte escrita, então foi
proposta a atividade oral, porém os alunos sentiram um pouco de dificuldade, pois
para realizar a atividade precisavam do conhecimento de números cardinais e
ordinais, os quais não dominavam. Então algumas atividades extras precisaram ser
feitas, para que os alunos entendessem a formação dos números, principalmente os
ordinais, bem como a pronúncia dos mesmos. Depois que essa lacuna foi
preenchida, voltamos às atividades e eu os desafiei a gravar seus textos e
entrevistas oralmente. No começo estavam tímidos, mas depois se divertiram
fazendo a atividade de produção oral.
Na penúltima parte foi trabalhado com os formulários de emprego. Foi
discutido sobre a estrutura dos formulários, seu conteúdo temático, seu estilo, sua
funcionalidade, sua circulação. Através dos exercícios propostos, foi possível alargar
os conhecimentos linguísticos discursivos dos alunos. O último gênero trabalhado
foi o gênero biografia. As atividades foram trabalhadas no laboratório da escola. O
primeiro exercício propunha que os alunos procurassem uma determinada biografia
na internet e respondessem uma atividade de verdadeiro ou falso, tendo que corrigir
as proposições falsas. No segundo exercício, os alunos deveriam acessar um site
sobre uma determinada pessoa e buscar as informações solicitadas sobre ela. Estes
dois exercícios se constituíram no momento de maior expectativa, pois eles
sintetizaram o trabalho ao longo das 30 h/a. O resultado superou a expectativa, pois,
eles conseguiram reconhecer e trabalhar com os dados mais importantes, dentro do
gênero. Incentivei-os a continuar navegando pela internet, buscando a biografia em
inglês, de alguém que eles admirassem e fiquei, de longe, observando eles
descobrirem as informações principais das pessoas escolhidas, sem minha
intervenção. Foi recompensador.
Em agosto de 2015, foi iniciado o Grupo de Trabalho em Rede (GTR), através
da plataforma Moodle. Participaram deste grupo, professores de língua inglesa da
rede pública do Estado do Paraná, todos com experiência na modalidade da EJA.
Por meio do ambiente virtual, os participantes foram incentivados a pesquisar, refletir
e discutir a fundamentação teórica que embasa este trabalho e a partir da produção
didático-pedagógica, trocaram ideias, a partir de suas realidades, sobre práticas
pedagógicas mais significativas para a Educação de Jovens e Adultos. De forma
geral, os professores aprovaram o projeto e relataram em vários momentos que o
projeto os inspirou a produzir atividades mais significativas.
Considerações finais
As práticas e o material didático necessitam contemplar o universo do aluno
de EJA, e serem condizentes com suas necessidades, precisam aproveitar e
respeitar os conhecimentos adquiridos de forma não padrão, conhecimentos estes,
fundados em suas crenças e valores já internalizados e que auxiliem na conquista
da autonomia desses educandos, ajudando-os em sua formação pessoal e
profissional.
É possível, trazer significação para a disciplina de língua inglesa no contexto
da EJA, mas é necessário compreender as especificidades da modalidade, e usar o
universo desse aluno como ponto de partida para a construção/aprofundamento de
conhecimentos. Percebeu-se que a participação do aluno é maior quando este é
colocado no centro do processo de ensino aprendizagem e o professor assume o
papel de mediador e não de depositário de conhecimento, e propicia práticas que
levem em consideração as necessidades, experiências e valores de seu aluno, pois
ele consegue encontrar significado na aprendizagem da língua.
Esta pesquisa apontou para a necessidade de buscar uma teoria que
privilegie o aspecto social da língua, bem como, a compreensão da
indissociabilidade entre ela e a cultura. Pelo apresentado neste estudo, a prática
pedagógica embasada na concepção bakthiniana de linguagem aliada aos
pressupostos da interculturalidade, mostra-se como um caminho para uma prática
significativa na EJA, pois permite aos alunos, a participação na construção de
conhecimento através da interação com o outro, a reflexão sobre sua cultura e sobre
a cultura do outro, bem como, propicia ao aluno caminhar sozinho, promovendo
assim, um aprendizado mais eficiente, consciente e autônomo.
Espera-se que a experiência descrita neste trabalho possa incentivar a
continuação desse estudo, pois acredita-se que a concepção teórica de língua e a
abordagem de ensino que sustentaram a prática se constituem em importante
instrumentos para o professor que busca propiciar uma aprendizagem significativa
aos seus alunos.
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