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OS DESAFIOS DA CIBERCULTURA ÀS CRIAÇÕES DO CONTEMPORÂNEO: DIFERENTES OLHARES SOBRE OS SUJEITOS SOCIAIS EM FORMAÇÃO O painel apresenta pesquisas sobre Cibercultura e os desafios educacionais contemporâneos. O primeiro artigo, um estudo de caso educacional, investiga em que medida o curso “Cibercultura e prática docente” contribuiu para o empoderamento dos professores de uma escola da rede estadual de São Paulo, como autores da sua prática docente. O marco teórico versa sobre políticas educacionais e formação de professores no Brasil; educação e cibercultura; formação continuada de professores; empoderamento freireano. Os achados da pesquisa confirmam a suposição de que o curso contribuiu para o empoderamento dos professores e apontam dois desafios: a necessidade de ampliação da fluência tecnológica dos docentes e a leitura crítica dos estruturantes tecnológicos; a importância de se ampliar o tempo de formação continuada dos docentes. O segundo artigo aborda uma experiência de formação online, junto a funcionários do SESC. O estudo exploratório ampara-se na Via da Complexidade para mapear aspectos emergentes da vivência formativa. Os achados da pesquisa sugerem que o uso do ambiente virtual desvelou uma nova dinâmica de formação, em que o modelo colaborativo enriqueceu o processo. O terceiro artigo tem como objeto a dimensão estética da “Geração Z”: grupo etário de pessoas nascidas a partir de 2000, que utilizam recursos tecnológicos digitais na educação básica, segundo o documento do Cetic.br. Vale-se da análise documental, sob o enfoque da hermenêutica, na perspectiva de Gadamer. O artigo vislumbra a possibilidade de libertação da “Geração Z”, a ampliação no horizonte de práticas instrumentais tecnológicas, a busca do caminho da conscientização da cultura digital. Com diversidade de contextos de investigação e pluralidade teórica, o painel visa colaborar com o adensamento das reflexões sobre a cibercultura nas criações do contemporâneo, destacando as práticas sociais ensejadas nos espaços de formação e o intento de que a incorporação dos estruturantes tecnológicos contribua para a emancipação dos sujeitos sociais. Palavras-Chave: Educação, Cibercultura, Formação dos Sujeitos Sociais XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 11711 ISSN 2177-336X

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OS DESAFIOS DA CIBERCULTURA ÀS CRIAÇÕES DO

CONTEMPORÂNEO: DIFERENTES OLHARES SOBRE OS SUJEITOS

SOCIAIS EM FORMAÇÃO

O painel apresenta pesquisas sobre Cibercultura e os desafios educacionais

contemporâneos. O primeiro artigo, um estudo de caso educacional, investiga em que

medida o curso “Cibercultura e prática docente” contribuiu para o empoderamento dos

professores de uma escola da rede estadual de São Paulo, como autores da sua prática

docente. O marco teórico versa sobre políticas educacionais e formação de professores

no Brasil; educação e cibercultura; formação continuada de professores;

empoderamento freireano. Os achados da pesquisa confirmam a suposição de que o

curso contribuiu para o empoderamento dos professores e apontam dois desafios: a

necessidade de ampliação da fluência tecnológica dos docentes e a leitura crítica dos

estruturantes tecnológicos; a importância de se ampliar o tempo de formação continuada

dos docentes. O segundo artigo aborda uma experiência de formação online, junto a

funcionários do SESC. O estudo exploratório ampara-se na Via da Complexidade para

mapear aspectos emergentes da vivência formativa. Os achados da pesquisa sugerem

que o uso do ambiente virtual desvelou uma nova dinâmica de formação, em que o

modelo colaborativo enriqueceu o processo. O terceiro artigo tem como objeto a

dimensão estética da “Geração Z”: grupo etário de pessoas nascidas a partir de 2000,

que utilizam recursos tecnológicos digitais na educação básica, segundo o documento

do Cetic.br. Vale-se da análise documental, sob o enfoque da hermenêutica, na

perspectiva de Gadamer. O artigo vislumbra a possibilidade de libertação da “Geração

Z”, a ampliação no horizonte de práticas instrumentais tecnológicas, a busca do

caminho da conscientização da cultura digital. Com diversidade de contextos de

investigação e pluralidade teórica, o painel visa colaborar com o adensamento das

reflexões sobre a cibercultura nas criações do contemporâneo, destacando as práticas

sociais ensejadas nos espaços de formação e o intento de que a incorporação dos

estruturantes tecnológicos contribua para a emancipação dos sujeitos sociais.

Palavras-Chave: Educação, Cibercultura, Formação dos Sujeitos Sociais

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FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM SERVIÇO IN LÓCUS E

SUAS DEMANDAS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Valter Pedro Batista (UNIFESP)

Lucila Pesce (UNIFESP)

Resumo

O presente artigo decorre de uma pesquisa qualitativa desenvolvida em nível de

mestrado em educação, como estudo de caso educacional. O objetivo é investigar em

que medida o curso “Cibercultura e prática docente” contribuiu para o empoderamento

dos professores de uma escola da rede estadual de São Paulo, como autores da sua

prática docente. O marco teórico ergue-se em meio aos seguintes campos conceituais:

políticas educacionais e formação de professores no Brasil; educação e cibercultura;

formação de professores (destacando a formação continuada em serviço in lócus);

empoderamento freireano. Foi desenvolvida a análise documental das aulas de trabalho

pedagógico coletivo do curso em tela, a análise estatística descritiva dos dados objetivos

do questionário estruturado e a análise temática de conteúdo dos depoimentos de

professores, nas entrevistas semiestruturadas. Os achados da pesquisa confirmam a

suposição de que o curso contribuiu para o empoderamento dos professores

pesquisados, mediante aprimoramento da formação continuada em serviço in lócus, em

que tais dos professores se situem como autores de sua prática docente. Restam dois

desafios: ampliar a fluência tecnológica dos docentes, bem como a leitura crítica dos

estruturantes tecnológicos, percebendo sua potência e suas contradições, no campo da

educação; ampliar o tempo de formação continuada dos docentes, com o aceno de que

tal desafio extrapola o âmbito de ação imediata das unidades escolares, por resvalar as

questões afeitas às políticas públicas de formação de professores. Os limites da pesquisa

são característicos do estudo de caso: em termos de generalização, poder ser transposto

somente a circunstâncias semelhantes. Em convergência com o apontado na revisão de

literatura, a discussão de resultados aponta a necessidade de as políticas públicas de

formação continuada de professores da educação básica estabelecerem uma relação

mais dialógica com esses profissionais da educação, ao pensar em formações

respondentes às reais demandas dos professores.

Palavras-chave: Educação e Cibercultura; Formação Continuada de Professores em

serviço; empoderamento.

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Introdução

O presente artigo apresenta uma pesquisa em educação realizada em nível de

mestrado, na Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, São Paulo, que

contemplou a investigação acerca das contribuições e dos desafios de um curso de

formação continuada em serviço realizado nas aulas de trabalho pedagógico coletivo

(ATPC), em uma escola pública da rede estadual paulista, voltado ao empoderamento

freireano desses professores, como autores da sua prática docente no contexto da

Cibercultura. A aludida formação foi denominada curso “Cibercultura e prática

docente”.

A revisão de literatura foi desenvolvida como condição para a composição do

cenário no qual o trabalho se insere em diálogo com outras produções acadêmicas do

campo. A contextualização do tema de pesquisa emerge da trama teórica acerca de três

campos conceituais: políticas educacionais e formação de professores no Brasil;

educação e Cibercultura; formação de professores (com destaque para a formação

continuada em serviço in lócus); empoderamento (na acepção freireana do termo).

Este quadro teórico de referência, juntamente com a caracterização do corpus

de análise, dos sujeitos da pesquisa e da metodologia de investigação, melhor

contextualizam a análise, a discussão dos resultados e seus possíveis desfechos.

1. Desvelando o cenário de pesquisa

Tendo a necessidade de entendermos como nossa pesquisa se insere no campo

de conhecimento, assim como o que ela poderia trazer como contribuição e desafio, a

revisão de literatura se constituiu como ponto de partida. E dos primeiros

levantamentos, o recorte temporal se impôs como condição sine qua non para o

fortalecimento de nossa análise, pois amparados pelo conceito de Cibercultura,

evidenciamos que o campo de pesquisa sobre a formação continuada de professores

nesse contexto teve maior concentração a partir de 2004. Então, a década a partir de

2004 tornou-se nosso foco de atenção, pois data dessa época o surgimento da Web 2.0,

onde o internauta passa de mero leitor a coautor das informações veiculadas no

ciberespaço, abandonando sua posição de leitor e ou consumidor de informações, tão

somente, como até então se situava, tendo por base as características da Web 1.0.

Portanto, sendo objetivo dessa pesquisa verificar em que medida o curso “Cibercultura e

prática docente” contribuiu para o empoderamento freireano dos professores como

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autores de sua prática pedagógica, é certo que nosso olhar para esse recorte temporal era

absolutamente necessário.

O trabalho de revisão da literatura centrou-se em dados obtidos com as

palavras-chave: Banco de Teses – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de nível

Superior (CAPES), Periódicos, Domínio Público, Artigos SCIELO - Scientific

Electronic Library Online - (Biblioteca Eletrônica Cientifica Online), Associação

Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) (GT 08 – Formação de

Professores, GT 16 – Educação e Comunicação). Notadamente, a formação de

professores é tema recorrente nas pesquisas na área da educação. Na esteira do

pensamento do filósofo Gaston Bachelard (1996), que nos colocamos nesta mesma

direção: estamos num processo de construção teórica, no confronto com ideias plurais.

Como a experiência comum não é construída, não poderá ser, achamos nós,

efetivamente verificada. Ela permanece um fato. Não pode criar uma lei. Para

confirmar cientificamente a verdade, é preciso confrontá-la com vários e

diferentes pontos de vista. Pensar uma experiência é, assim, mostrar a

coerência de um pluralismo inicial. (BACHELARD, 1996, p. 14)

Sem entrar em pormenores, dado o limite do presente texto, a revisão de literatura fez

emergir que a formação de docentes, seja inicial ou continuada e, ainda em serviço está sempre

relacionada a uma área do conhecimento e/ou a algum componente curricular, a aspectos da

prática docente em sala de aula, ao cargo e/ou à função na estrutura organizacional escolar ou,

ainda, vinculada a alguma política pública implantada ou em implantação, em atendimento a

preceitos legais.

O amplo escopo dos estudos e pesquisas nos permite inserir novas reflexões sobre a

formação continuada em serviço dos professores, ampliando os olhares. A despeito da

abrangência temática verificada, tais como a formação de professores no interior dos

espaços/tempos para o trabalho pedagógico coletivo, as pesquisas observam as resistências às

formações, já que implicam a mudança da prática pedagógica, a partir da compreensão das

novas configurações econômico-sócio-culturais. As pesquisas visitadas também sinalizam a

necessidade de políticas públicas que contemplem a formação continuada, na perspectiva da

valorização do trabalho docente, em detrimento do processo de precarização dessa importante

atividade, na recondução da docência como atividade intelectual capaz de prover a formação

integral do ser humano. Outro aspecto desvelado diz respeito à relação da docência com a

Cibercultura e todos os componentes das tecnologias digitais da informação e comunicação

(TDIC), como estruturantes da formação continuada dos professores, na contemporaneidade.

O trabalho de revisão de literatura como possibilidade de diálogo com campo de

pesquisa fortaleceu a ideia de que a formação dos professores deve ser tema fulcral para todo o

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3 processo de educação, seja a formação inicial, seja a continuada, em serviço na própria escola

ou em outros espaços fora dela.

Desse fecundo diálogo, evidenciou-se a premência de que haja políticas públicas

específicas para a formação continuada dos professores e que essas sejam pensadas a partir das

experiências dos docentes, face às múltiplas vozes que ecoam nos mais recônditos lugares e,

sobretudo, que as políticas públicas permitam processos contínuos de formação, que não sejam

limitados e atrelados aos mandos e desmandos de governo. Oxalá possam ser políticas de

Estado, como forma da manutenção de continuidade.

Portanto, a nossa pesquisa visa contribuir para os estudos do campo, marchando em

direção à reflexão sobre formação docente continuada em serviço, em um horizonte que situa a

materialidade histórica da escola, como instância primordial, na demarcação das necessidades,

frente à formação dos professores. Desse modo, o estudo pretende constituir-se em reflexão

sobre as possibilidades e as limitações da Cibercultura, na prática pedagógica, na construção do

conhecimento, na constituição da docência emancipada e autoral.

2. Tecendo a trama teórica

O entrelaçamento de algumas ideias nos leva a enxergar a trama teórica

contextualizadora de nossa pesquisa, constituindo-se no marco teórico que ampara nosso olhar

acerca da natureza do fenômeno que objetivamos compreender.

No atual momento, as políticas de formação de professores estão na pauta das

discussões quando o assunto é educação; isso é corroborado pelas pesquisas já citadas no

levantamento que realizamos na revisão de literatura. Especificamente, nesse ínterim, o

tratamento dispensado a essa temática é a percepção de que o uso indiscriminado das TDIC seja

o remédio para os problemas da execução de orçamentos diminutos, por parte do poder público,

quando o assunto é formação continuada dos professores em serviço. Formação essa que deveria

ser pensada não como mera resposta ao mercado produtivo capitalista, mas sim como capaz de

favorecer a autonomia dos professores, no exercício da profissão, desbaratando o negro véu do

processo de precarização, no exercício desse trabalho. E é nesse sentido que tomamos por

empréstimo as palavras de Marin (1995), para situarmos a amplitude conceitual de educação

continuada como propulsora de empoderamento e docência autônoma, provocando a evolução

de uma consciência profissional ingênua para a consciência crítica.

Parece que a terminologia educação continuada pode ser utilizada para uma

abordagem mais ampla, rica e potencial, na medida em que pode incorporar as

noções anteriores – treinamento, capacitação, aperfeiçoamento – dependendo

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da perspectiva, do objeto específico ou dos aspectos a serem focalizados no

processo educativo, permitindo que tenhamos visão menos fragmentária, mais

inclusiva, menos maniqueísta ou polarizada. (MARIN, 1995, p. 19)

Ainda, focalizando a contextualização teórica, nossa pesquisa traz à tona o ideário do

neoliberalismo como pano de fundo para a concepção de políticas públicas educacionais

vinculadas às orientações de organismos multilaterais, nomeadamente as provenientes das

reuniões promovidas pela UNESCOi e capitaneadas pela CEPAL

ii, onde especificamente na

Reunião acontecida na cidade boliviana de Cochabamba (2001), a recomendação aos países

membros foi a tomada de cuidados com a profissionalização docente como eixo estruturante do

processo educacional, incorporando especial atenção à formação inicial e continuada, à

introdução de inovações tecnológicas no rol das atividades educacionais e à reestruturação

curricular que incorporasse as necessidades do mundo do trabalho.

Ora, para que avancemos na tecitura dessa trama, precisamos entender que vivemos em

meio a grandes mudanças, que trazem ebulição aos processos sócio-econômico-político-

culturais vigentes, que repercutirão nos processos de educação, culminando com a necessidade

de levarmos os professores a repensar o desafio da docência nesses tempos. Pois, como assinala

Pesce (2013), na atualidade não é possível aos indivíduos o exercício pleno da cidadania,

quando alijados do uso crítico e consciente dos recursos midiáticos. Para tanto, a formação

continuada dos professores deve alicerçar-se na Cibercultura: ambiente cultural contemporâneo,

fortemente marcado pelas tecnologias digitais, onde as relações sociais se engendram numa

nova forma de comunicação e de aproximação entre as pessoas de todo mundo, o que provoca

uma séria reflexão por parte dos docentes frente ao cotidiano da escola, fazendo-os buscar a

ressignificação da sua prática e, nesse movimento, pensar nos limites e nas possibilidades de

uma didática respondente às demandas dos sujeitos sociais desse novo tempo. Na medida em

que, na Cibercultura, a constituição das subjetividades é perpassada pela complexa realidade

universal não totalizante, esse movimento é imprescindível, como assinala Lévy (1999), pois o

universal abriga o aqui e o agora da espécie, seu ponto de encontro, um aqui e agora paradoxais,

sem lugar nem tempo claramente definíveis.

A trama teórica ainda percorre fatores importantes, como pensar a formação dos

professores numa dinâmica que acentue a construção da autonomia docente, pois, segundo

Nóvoa (1999), essa é uma característica fundamental para a promoção da dignidade e da

valorização social desse profissional da educação.

E é nessa perspectiva de valorização social que assumimos a ideia de empoderamento

freireano, à contramão do empoderamento individual, que pode resultar em isolamento frente

aos outros, isso porque a conscientização envolvida no processo de empoderamento, defendido

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5 por Freire e Shor (1986), e acolhida nessa pesquisa funda-se na atenta leitura de mundo, que

afasta a ingenuidade e colabora com a construção de um diálogo crítico com a realidade, para

que nela possamos agir e transformá-la. Em suas palavras:

Mudamos nossa compreensão e nossa consciência à medida que estamos

iluminados a respeito dos conflitos reais da história. A educação libertadora

pode fazer isso – mudar a compreensão da realidade. Mas isto não é a mesma

coisa que mudar a realidade em si. Não. Só a ação política na sociedade pode

fazer a transformação social, e não o estudo crítico em sala de aula (FREIRE &

SHOR, 1986, p. 207).

O empoderamento freireano concentra-se num processo coletivo, em um movimento

em que a interação dos sujeitos sociais envolvidos nesse processo transponha a consciência

ingênua em crítica. As palavras de Baquero (2012) corroboram nossa visão.

Nessa perspectiva, o empoderamento, como processo e resultado, pode ser

concebido como emergindo de um processo de ação social no qual os

indivíduos tomam posse de suas próprias vidas pela interação com outros

indivíduos, gerando pensamento crítico em relação à realidade, favorecendo a

construção da capacidade pessoal e social e possibilitando a transformação de

relações sociais de poder. (BAQUERO, 2012, p.181)

3. Metodologia

As premissas ontológicas e epistemológicas da pesquisa qualitativa amparam a presente

investigação, ao assinalar que:

A Ciência como prática social esclarece a ideia de que, na escolha do processo

de pesquisa, a construção de conhecimento vale-se da compreensão e da

interpretação dos significados construídos socialmente pelo investigador. Ou

seja, a construção do conhecimento ocorre em condições historicamente

datadas das teorias e métodos, assim como da temática de pesquisa (PESCE e

ABREU, 2013, p. 25).

No que diz respeito ao tipo de pesquisa qualitativa, a opção pelo estudo de caso

educacional fundamenta-se no fato de que, nos interessa a compreensão da ação educativa,

como nos ensina Stenhouse (1988, apud André, 2005).

Para a realização dessa pesquisa nossa atenção recai sobre os docentes e sua prática,

particularmente a partir do processo de formação continuada em serviço in lócus realizado nas

reuniões de ATPC de uma escola pública da rede estadual paulista, voltadas ao

desenvolvimento do curso “Cibercultura e prática docente”.

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A coleta de dados contemplou as atas das reuniões das ATPC, as respostas ao

questionário estruturado aplicado aos docentes participantes do curso em tela, bem como o

discurso proveniente das entrevistas semiestruturadas realizadas com os docentes que aderiram

à investigação e se tornaram os informantes-chave da pesquisa.

A análise documental, proveniente das atas das ATPC, não se configura como central

para o estudo, mas coloca como pano de fundo a intencionalidade do grupo gestor, no que tange

a um processo de sensibilização dos envolvidos nas ações formativas, para que percebam a

necessidade do diálogo como condição de construção de um caminho coletivo, em convergência

com as características da formação dialógica inerente ao empoderamento freireano do grupo.

Da análise estatística descritiva das respostas ao questionário estruturado, realizada

mediante levantamento e interpretação de gráficos e tabelas, emerge com força a realidade da

estabilidade do corpo docente na unidade escolar em tela, como fator facilitador da interação

entre os profissionais; dessa interação, o diálogo é a face mais proeminente, em direção ao

empoderamento freireano e à autonomia docente.

Na análise temática de conteúdo (LAVILLE e DIONNE, 1999) emanada das falas dos

professores entrevistados, a opção foi pela técnica de emparelhamento, na qual os dados

recolhidos são associados, por meio de comparação, levantamento de convergências e

divergências e, sequencialmente, categorização.

4. Análise dos dados e discussão dos resultados

A escola pública, palco desta pesquisa tem características interessantes, para além de

sua localização privilegiada, conta com grupo gestor de longa data, com um corpo docente

composto em sua maioria por professores efetivos e com cerca de 80% com pós-graduação lato

sensu. É justamente entre esses docentes que buscamos os sujeitos dessa pesquisa. Apresentado

aos docentes um questionário estruturado, entre os respondentes selecionamos, por critério de

adesão, os participantes da entrevista semiestruturada que se consubstanciou em material para a

análise que segue. Assim, como tentativa de descortinar a realidade instaurada pelas ações

formativas do curso “Cibercultura e prática docente”, a análise temática de conteúdo amparou-

se em duas categorias: A) Cibercultura e formação docente continuada em serviço; B)

Cibercultura, empoderamento freireano e prática docente autoral.

No que tange a categoria A, os entrevistados apontam o espaço do ATPC como

enriquecedor, como conquista importante para a formação continuada, vejamos o que nos fala a

Profª Maria do Carmoiii:

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Isso. E, além disso, tendo essa oportunidade de incluir realmente nas

nossas aulas, e vislumbrar até o aluno já inserido nesse processo.

Então para ele ter um espaço a mais de aprendizado, nós um espaço a

mais de transmitir conhecimento. Porque 50 minutos em sala de aula

se torna um tempo curto, para tanto item que a gente precisa passar

para eles. Então nessas aulas, vou dizer aulas que a gente teve na

ATPC, vou chamar de aula mesmo, foi enriquecedor, enriquecedor.

(Profª Maria do Carmo)

O curso Cibercultura e prática docente, que aconteceu em ATPC, e que provocou um

diálogo fecundo capaz de promover a socialização entre os pares, como processo para o

aprendizado da profissão docente se coaduna às ideias defendidas por Tardif (2000).

Na verdade, eles (os professores) terminam sua formação sem terem sidos

abalados em suas crenças que vão se reatualizar no momento de aprenderem a

profissão na prática, crenças essas que serão habitualmente reforçadas pela

socialização na função de professor e pelo grupo de trabalho nas escolas, a

começar pelos pares, os professores experientes. (TARDIF, 2000, p.20)

A falta de fluência tecnológica também foi citada e as ATPC se constituem como

momentos propícios à formação que eleve essa fluência, de modo gradual:

Eu vejo que muitos professores deixam de realizar cursos oferecidos

pelo Estado, pela Escola de Formação - a EFAP - justamente por não

terem esse domínio pleno da utilização do computador. Quando fala que

é um curso a distância, muitos professores já são arredios com relação a

isso, deixam de fazer o curso por causa disso. [...] Então é uma

característica dos professores da rede estadual a dificuldade de acesso a

essa tecnologia. Eu acho que quanto mais a gente tiver essa formação na

prática, mais benéfico vai ser. (Prof. Alberto)

A percepção da formação continuada em serviço in lócus como instância respondente às

circunstâncias da escola onde atuam foi comparada com a formação continuada em serviço

promovida pela Secretaria da Educação. Pelo escopo macro, essa segunda instância de formação

não responde às circunstâncias da escola como a primeira. Daí os professores terem apontados a

formação continuada em serviço in lócus como importante aspecto de complementaridade na

formação continuada.

Acredito que há uma relação... O [curso, grifo nosso] feito pela

Secretaria de Educação traz algumas sugestões de atividades de como

você deveria trabalhar. E aqui [ATPC na escola, grifo nosso] também,

favorece como trabalhar com tecnologias, então dá para relacionar os

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dois. Aqui mais com aspectos de ensino aprendizagem de modo geral

e aqui usando tecnologia, tentar usar os dois para haver essa relação.

Agora o que falta um pouco seria talvez, como você falou, mais tempo

pra se reunir em grupo horário para discutir, como fazer essas

integrações talvez, esses momentos de integração seriam muito

importantes se fosse possível. (Prof. Aquiles)

Em relação à categoria B, as entrevistas apontam a emergência do conceito de

empoderamento freireano, pois citam a troca de experiências e a ampla discussão entre os pares

como elementos favorecedores da construção de uma prática pedagógica mais autoral.

Assinalada essa perspectiva autoral notamos como adverte Pretto (2012), a percepção do

empoderamento dessa classe trabalhadora como instância fundamental para situar o professor

no centro do processo educativo. Estar no centro do processo educativo, por sua vez, é se

colocar como autor de sua prática.

Eu acho que sim [houve melhoria na compreensão dos problemas

vividos por ela ou por seus alunos, grifo nosso], porque a partir do

momento que está em sala de aula e usa só a lousa e o giz, você limita o

conhecimento do aluno, e também limita o seu conhecimento. Uma vez

você ampliando isso, através da tecnológica auxilia o aluno,

complementa o aluno porquê de repente, você está dando uma aula e ele

a recebe de uma forma. E entrando com o auxílio da multimídia, auxilio

do Moodle, ele vai complementar aquilo que talvez você tenha se

dispersado no momento de dar aula. [...] Nós que abastecíamos [o

ambiente virtual de aprendizagem – Moodle - utilizado na escola, grifo

nosso] com figuras, com vídeos, com vídeos aulas, com exercícios

complementares, onde também tinha essa parte de interagir aluno.

(Profa. Zenaide)

Considerações finais

Nosso olhar para a formação continuada dos professores provém da necessidade

instaurada pela Cibercultura, pois a reconfiguração das relações sociais nesse espaço nos

impulsiona a rever o papel do professor, que, para além da disseminação do conteúdo específico

de sua área de conhecimento, precisa revisitar seu papel social, como intelectual e promotor de

cultura. Isso porque, o acesso irrestrito às informações, no ambiente Cibercultura, coloca em

destaque a função formativa do professor, para além da esfera informativa. A partir dessa

perspectiva, a presente pesquisa objetivou verificar em que medida o curso “Cibercultura e

prática docente” contribuiu para o empoderamento (freireano) de um grupo de professores de

uma escola da rede estadual paulista, como autores da sua prática docente.

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Para tanto, a pesquisa, desenvolvida com abordagem qualitativa, fez uso do estudo de

caso educacional para melhor aproximar-se da realidade na qual um determinado grupo de

profissionais atua. Focalizando a formação continuada em serviço, foi privilegiada aquela

formação proveniente das circunstâncias de contexto da prática desses docentes, no lócus da

atuação profissional: a escola. As ações formativas nas ATPC relativas ao curso “Cibercultura e

prática docente” consubstanciam-se como objeto da investigação.

Os limites da pesquisa incidem sobre uma das características do estudo de caso: em

termos de generalização, poder ser transposto somente a circunstâncias semelhantes.

Dos achados da pesquisa decorre a confirmação de nossa suposição de que o curso

“Cibercultura e prática docente” tenha contribuído para o empoderamento dos professores, pelo

aprimoramento da formação continuada em serviço in lócus, situando-os como autores de sua

prática docente.

Os achados da pesquisa apontam, ainda, dois grandes desafios. O primeiro refere-se à

necessidade de se ampliar a fluência tecnológica e a leitura crítica dos estruturantes

tecnológicos, pelos docentes. Outro desafio diz respeito à importância de se ampliar o tempo de

formação continuada dos docentes. Sabemos que tal desafio extrapola o âmbito de ação

imediata das escolas, por resvalar nas políticas públicas de formação de professores. Justamente

aí incide a convergência do presente estudo com um dos apontamentos da revisão de literatura:

a necessidade de que as políticas públicas de formação continuada de professores sejam

concebidas a partir da realidade da práxis docente, como nos adverte Pesce (2007), e não de

modo unilateral, quando tais ações formativas são implantadas com o auxílio das TDIC, como

forma de baratear ainda mais os parcos recursos financeiros destinados a essa finalidade.

REFERÊNCIAS

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UMA EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEM EM AMBIENTE VIRTUAL NO

SESC SP: A VIA DA COMPLEXIDADE

Ana Maria Di Grado Hessel (PUC SP)

Werley Carlos de Oliveira (PUC SP)

Resumo

O texto aborda uma experiência de formação online, desenvolvida sob a forma de

cursos, em ambiente virtual, que envolve a participação de funcionários do Sesc SP.

Com a finalidade de dinamizar a formação de sua mão de obra, a empresa adotou,

recentemente, uma plataforma de educação a distância e tem interesse em conhecer o

processo de apropriação da nova modalidade de ensino e aprendizagem. Trata-se de um

estudo de caso que se caracteriza como um estudo exploratório, pelo fato de procurar

mapear os aspectos emergentes da vivência formativa. O objetivo da pesquisa centra-se

no impacto do uso do ambiente virtual de aprendizagem utilizado pela empresa, como

contexto de implementação de cursos de atualização de conhecimentos. A pesquisa

ampara-se no pensamento complexo. Assim sendo, conceitos como auto-eco-

organização e autopoiese são apresentados no bojo da narrativa, como fundamentos

explicativos dos aspectos selecionados no processo de análise e interpretação dos dados.

Os dados foram coletados no próprio ambiente virtual, nos questionários de avaliação

de reação e nos fóruns de discussão. A interpretação dos aspectos considerados

relevantes para mapear o impacto do uso do recurso virtual foi organizada sob os

títulos: aprendizagem e-learning, comunidades de prática e aprendizagem colaborativa.

Os achados da pesquisa esclarecem que o uso do ambiente virtual desvelou uma nova

dinâmica de formação, na qual um modelo colaborativo passou a enriquecer o processo

de ensino e aprendizagem. A gestão do conhecimento institucional com foco no

processo de aprendizagem direcionado para o aluno passou a substituir o antigo modelo

educacional praticado, que tinha como foco o professor.

Palavras-chave: Ambiente Virtual de Aprendizagem, Pensamento Complexo,

Formação online.

Introdução

O Sesc - Serviço Social do Comércio - foi criado em 1946. É uma instituição de

caráter privado, sem fins lucrativos, de âmbito nacional, com a finalidade de promover o

bem-estar social, o desenvolvimento cultural e a melhoria da qualidade de vida dos

trabalhadores do comércio e serviços, bem como de suas famílias e da comunidade em

geral. Presente em todos os estados brasileiros a instituição promove ações no campo da

educação, saúde, cultura, lazer e assistência.

Esta pesquisa tem como cenário o Sesc Administração Regional no Estado de

São Paulo, que para fins desse estudo vamos nomeá-lo pela sigla Sesc SP. A

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instituição, no Estado de São Paulo, conta com cerca de 7.000 funcionários distribuídos

em uma rede de 37 unidades, em sua maioria centros culturais e desportivos.

O Sesc SP passou a usar a modalidade educação a partir de 2014 e depois de

superar dificuldades operacionais implementou a formação online para seus

funcionários, pela necessidade de gerenciar, distribuir e atualizar o conhecimento de

forma rápida em um ambiente de trabalho dinâmico, acompanhando as mudanças

tecnológicas e se beneficiando destas técnicas.

Na escolha de uma plataforma de trabalho, o Sesc SP teve como critério a

garantia de um espaço para as múltiplas formas de aprendizagem, bem como suporte

para o acompanhamento contínuo do processo de aprendizagem. Após um cuidadoso

estudo de viabilidade escolheu um sistema integrado para gestão da aprendizagem

institucional – o ambiente virtual de aprendizagem Saba.

O presente estudo visa compreender alguns aspectos do processo de apropriação

da prática de formação online, enfatizando-se a vivência colaborativa no ambiente

virtual da instituição. Na medida em que o conhecimento de um funcionário em

formação pode ser compartilhado com todos, estabelece-se um sistema em rede. Todos

trocam conhecimento com todos, recursivamente. Essa configuração caracteriza-se por

ser um sistema vivo auto-eco-organizativo (MORIN, 2011), pois os elementos do

contexto estão em permanente intercâmbio e criação. Dessa forma, uma cultura de

aprendizagem se estabelece envolvendo os funcionários em formação, os formadores e a

experiência acumulada da própria empresa.

O desenvolvimento do estudo procurou atender ao seu principal objetivo, o qual

abarca a compreensão do impacto do uso do ambiente virtual de aprendizagem

empregado pela instituição, na visão dos participantes desta formação online. Uma

suposição inicial emergiu, ancorada na observação da prática: a implantação de uma

plataforma virtual de aprendizagem modifica a forma de construção e disseminação do

conhecimento organizacional.

No encaminhamento metodológico dessa pesquisa caraterizada como um estudo

de caso qualitativo, o levantamento dos dados foi realizado por meio da observação e de

questionários de avaliação de reação desenvolvidos dentro dos próprios cursos

implementados no Saba. Foram considerados também os relatos nos fóruns de discussão

como fonte de dados.

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Os dados foram analisados e interpretados sob a luz do pensamento complexo e

estão organizados sob os critérios de aprendizagem e-learning, comunidades de

aprendizagem e aprendizagem colaborativa.

A conclusão do estudo evidencia a apropriação de um modelo colaborativo de

aprendizagem na gestão do conhecimento institucional.

Referencial teórico

Para auxiliar na interpretação dos dados foram selecionados alguns conceitos

compatíveis com uma visão sistêmica da realidade.

Um primeiro conceito, o de autonomia e dependência do ser vivo,

desenvolvido por Maturana e Varela (1995, 1997) explicam a autopoiese, que quer dizer

autoprodução. Os seres vivos são autônomos, capazes de produzir sua própria estrutura

ao interagir com o meio. Aplicando esse conceito à educação de adultos,

compreendemos a capacidade do ser humano produzir seus próprios conhecimentos pela

interação com o meio ambiente e os objetos que nele estão disponíveis.

Contudo, se observarmos os seres vivos, em seu relacionamento com o meio,

torna-se perceptível o fato de que são dependentes de recursos externos para manter a

sua sobrevivência. Isso significa que enquanto seres vivos, o ser humano é autônomo,

mas também é dependente de uma série de fatores externos à sua estrutura para manter-

se vivo.

Morin (2013) também reflete sobre esse conceito, introduzindo a ideia da auto-

eco-organização: Os seres vivos são seres auto-organizadores que se autoproduzem

constantemente e por isso mesmo gastam energia para manter a autonomia. “Como têm

necessidade de colher energia, informação e organização no seu ambiente, a autonomia

é inseparável desta dependência” (MORIN, 2013, p. 101).

Assim, o paradoxo autonomia/dependência deixa de ser entendido como

contradição, pois a autonomia é complementar à dependência. Uma polaridade integra a

outra e por ela é constituída e complementada, numa relação circular.

Se, de um lado, o adulto tem a autonomia para escolher se quer ou não aprender

um determinado conteúdo, de outro, esse mesmo indivíduo, para exercer essa liberdade

de modo autônomo, precisa recorrer a recursos do meio ambiente, que são externos a

sua estrutura. Esses recursos, por sua vez, são variados e respeitam a autonomia do

indivíduo em busca do saber. Assim, a aquisição de novos conhecimentos pode ser

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auxiliada por meio do suporte de professor, de material didático, do acesso a um

ambiente virtual de aprendizagem, de recursos tecnológicos ou mesmo da simples

observação do próprio indivíduo a fatores externos, que agregados a sua estrutura

interna propicia a aprendizagem propriamente dita.

O ambiente de aprendizagem no SESC

O objetivo do Sesc SP ao adquirir o ambiente virtual Saba, foi utilizá-lo como

uma ferramenta para auxiliar a gestão da aprendizagem na instituição.

A plataforma Saba é um sistema de gestão de aprendizagem popularmente

conhecido como um LMS (do inglês: Learning Management System), também chamado

de plataforma e-learning ou, ainda, ambiente virtual de aprendizagem (AVA).

O Saba dispõe de um conjunto de funcionalidades projetadas para armazenar,

distribuir e gerenciar diversos conteúdos de ensino e aprendizagem, de forma

progressiva e interativa, com a capacidade de registrar e relatar atividades do aprendiz,

bem como o seu desempenho durante todo o processo de sua formação.

A estratégia educativa do software visa dar suporte para que vários alunos

construam o seu conhecimento por meio de grupo de discussão, da reflexão e tomada de

decisões. Nesse contexto, os recursos tecnológicos atuam como mediadores do processo

de ensino-aprendizagem.

O ambiente de ensino e aprendizagem do Saba é flexível e configurável de

acordo com a identidade visual da empresa na qual esteja hospedado, oferecendo a

infraestrutura para o gerenciamento e operacionalização de várias ações de

aprendizagem separadamente e/ou simultaneamente.

Ao apresentarmos o ambiente virtual Saba, nos amparamos em um conceito

sistêmico que exprime ao mesmo tempo unidade, multiplicidade, totalidade,

diversidade, organização e complexidade (MORIN, 2013, p. 157). Na verdade o

ambiente tem características funcionais favoráveis ao tratamento sistêmico de qualquer

formação. Para entendermos as funcionalidades gerais do Saba precisamos pensá-lo

como um sistema vivo que é constantemente alimentado por outros sistemas em uma

relação circular que conversa diretamente com outras linguagens computacionais da

instituição Sesc SP em um constante mecanismo de integração, migração de dados e

parametrização.

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O Saba permite integrar de forma circular as diversas informações dos sistemas

de Recursos Humanos do Sesc SP. Dessa maneira, observamos que esta ferramenta

funciona como emitente e receptor, ou seja, é possível realizar a integração com

sistemas por meio de migração de dados, simultaneamente. Assim, ora recebe, ora

transmite informações.

Assim como o Saba alimenta informações de ensino e aprendizagem para o

Sesc SP (emitente), os diversos sistemas institucionais alimentam o Saba (receptor), e

vice-versa, com informações como cargo, função, dados gerais dos funcionários, bem

como histórico de aprendizagem realizados em instituições externas nos formatos

presenciais e a distância, criando um fluxo de relações que estão inter-relacionadas.

O Saba permite a criação de fóruns e/ou listas de discussão abertas e também

divididos e associados em cursos, temas específicos com eventos de aprendizagem.

Uma ação de formação pode ter um ou mais fóruns e/ou listas de discussões. Os fóruns

de discussões são criados por meio de comunidades colaborativas, possuem chat no

formato síncrono, que podem ser associados a temas e eventos de aprendizagem.

Em resumo, os recursos para colaboração no Saba podem ser compreendidos

como redes de conversação em que muitas trocas são realizadas, facilitando a

manutenção de comunidades de aprendizagem.

A experiência com o ambiente virtual

A seguir refletimos sobre a experiência de um curso desenvolvido no Sesc SP,

ofertado na modalidade de educação a distância, sobre “Administração de

Armazenagem”, desenvolvido na plataforma Saba, um ambiente virtual de

aprendizagem (AVA).

O curso em questão teve como objetivo apresentar técnicas de armazenagem na

cadeia de logística e nas definições dos processos que compõem as atividades

desenvolvidas por um almoxarife que atua no Sesc SP. Abordou aspectos físicos dos

materiais e os seus respectivos espaços para estocagem, cálculos e principais

tecnologias que contemplam o gerenciamento de estoques.

Este curso foi ofertado no período de outubro de 2014 a março de 2015, para

quatro turmas distintas, com o mesmo conteúdo e dias destinados à aprendizagem. Cada

turma teve duração de um mês com atividades nos formatos síncronos e assíncronos.

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Participaram desta ação de formação 147 almoxarifes, equivalente a 2,29% do total de

6.540 colaboradores da Instituição.

O curso fez uso dos seguintes recursos do ambiente: Videoconferência,

funcionalidade Saba Meeting, e-learning, funcionalidade catálogo de aprendizagem,

fórum, funcionalidade comunidade, questionário e funcionalidade de avaliação.

O relato sobre essa experiência formativa é permeado com a análise

interpretativa, a qual está ancorada no pensamento complexo, com o propósito de dar

conta da explicação dos aspectos sistêmicos da realidade em questão. Essa análise

focou aspectos de aprendizagem e interações dos alunos do curso em pauta. Foi

organizada em categorias definidas previamente, tendo em vista três aspectos

delimitados por experiências com os recursos do ambiente virtual bem como a aderência

do referencial teórico: aprendizagem e-learning, comunidades de prática e

aprendizagem colaborativa.

É importante esclarecer que esses aspectos foram elencados apenas por

questões de organização metodológica, pois em uma perspectiva sistêmica com base na

teoria da complexidade é difícil delimitar as contribuições de cada uma delas, de forma

fragmentada e linear.

Aprendizagem e-learning

O tema principal desta formação foi desenvolvido utilizando o recurso e-

learning (funcionalidade Catálogo de Aprendizagem do Saba), com uma série de ações

para dar suporte e mediar o conteúdo disponibilizado de maneira digital. O recurso, ou

item de aprendizagem, foi usado como uma atividade com objetivo de facilitar a

aprendizagem.

O termo “e-learning” vem do inglês “eletronic learning” (aprendizado

eletrônico) e pode ser definido como uma modalidade de ensino a distância oferecido

totalmente por meio digital, com a utilização de algum dispositivo eletrônico

(computador, notebook, smartphone, tablet etc).

No ambiente virtual de aprendizagem do Sesc SP, o e-learning foi utilizado no

método assíncrono, ou seja, as aulas não aconteceram em tempo real, como uma aula

presencial ou uma videoconferência, e sim em tempos diferentes. O aluno acessou o

conteúdo no momento em que lhe foi mais conveniente.

Nesse sentido, cada aluno pode acessar os itens de aprendizagem em seu tempo

e em sua velocidade, em respeito ao fato de ser autopoiético. Cada aluno avançou nas

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atividades propostas de acordo com o seu próprio ritmo, prosseguindo para o passo

seguinte quando se sentiu preparado.

Ao analisarmos este item de aprendizagem utilizado pelo Sesc SP, na

plataforma Saba, é fácil perceber que o planeta seria a nossa sala de aula e o nosso

endereço virtual (MCLUHAN, 1964). O e-learning, no Sesc SP, rompeu com a ideia de

tempo exclusivo para a aprendizagem. O espaço de aprendizagem passou a acontecer

em qualquer lugar, fazendo com que o tempo de aprender seja o tempo do aluno e não

mais o tempo ditado pela Instituição. Esse debate sobre as temporalidades na formação

tem sido discutido por Pineau (2003).

Contudo, cabe ressaltar que o aluno não está sozinho nesse percurso: diante de

qualquer dúvida, ele pode enviar uma mensagem para a equipe de monitoria, que o

responderá imediatamente. Além disso, todas as atividades de e-learning, no Sesc SP,

são subsidiadas por uma comunidade virtual de prática, que dá suporte no sentido de

motivar e estimular o acesso aos conteúdos disponibilizados no ambiente virtual de

aprendizagem.

As práticas pedagógicas foram desenvolvidas com o objetivo de estimular o

aluno a construir o conhecimento e a desenvolver competências. Foram utilizadas

metodologias participativas, estruturadas na prática, baseadas em situações reais, por

meio de estudos de caso, pesquisas, solução de problemas, projetos e outras estratégias,

apoiadas em recursos da tecnologia educacional. Dessa maneira, procurou-se fortalecer

a autonomia dos alunos na aprendizagem, desenvolvendo a capacidade crítica, a

criatividade e a iniciativa. Mais uma vez é importante observar que o ambiente foi

configurado para atender as singularidades dos participantes. Como sujeito de sua

formação, o participante está em congruência com o seu meio e dele capta o

conhecimento que o alimenta e contribui para a evolução de sua estrutura.

Comunidades de prática

Comunidades de prática, recurso muito utilizado em ambientes virtuais de

aprendizagem, é um termo criado por Lave e Wenger (1991) e descreve um grupo de

indivíduos que se unem em torno de um mesmo tópico ou interesse. As pessoas

trabalham unidas para encontrar meios de aperfeiçoar o que fazem, ou seja, na resolução

de um problema na comunidade ou no aprendizado diário. Por meio de interações

regulares, constroem um conhecimento comum a todos.

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Capra (2002) compara as comunidade de prática com redes vivas que são

autogeradoras. Elas geram pensamentos e um contexto comum de significados, nos

quais os conhecimentos são compartilhados, regras de conduta são estabelecidas e há

identidade coletiva.

O ambiente Saba disponibilizou uma funcionalidade que podemos denominar

de comunidade virtual, com o objetivo de fomentar a conversa de algum assunto

específico, relacionado com o tema de estudo. Neste recurso os alunos disponibilizaram

suas pesquisas e, na maioria das vezes, contribuíram com comentários sobre o material

que tenha sido publicado por outros participantes desta comunidade. Observamos nesta

funcionalidade a construção de uma aprendizagem colaborativa que está em permanente

reconstrução. Nas palavras e explicação de Mariotti (2007) esse movimento

reconstrutivo é possível porque os efeitos retroagem sobre as causas e as realimentam,

segundo os princípios retroativo/recursivo do pensamento complexo (MORIN, 2002,

2011).

Nos fóruns de discussões virtuais do ambiente Saba as comunidades se

estabeleceram. Neles, os tópicos foram produzidos por estudantes provocando a

participação de todos.

Na visão dos participantes os fóruns desenvolvidos nos cursos de formação

foram comparados com uma rede virtual na qual há uma extensão da conexão real. A

possibilidade de compartilhar ideias, debater opiniões, aprender com o outro e

sentimento de protagonismo foram reconhecidos por quase todos. A percepção de que o

conhecimento emerge de uma relação horizontal, também foi elencada como uma

vantagem no debate coletivo. Isto torna-se possível em função da congruência entre os

elementos do grupo. Segundo Maturana e Varela (1997), ser vivo e o meio em que vive

estão em congruência, ou seja, ambos se modificam pela ação interativa. O processo é

chamado de acoplamento estrutural.

Os participantes foram questionados na plataforma sobre o aspecto da

relevância do assunto estudado. A grande maioria, 80% dos participantes, considerou os

temas adequados e pertinentes ao trabalho desenvolvido na instituição.

Aprendizagem colaborativa

Ao analisarmos as interações dos alunos no ambiente Saba e as respectivas

propostas de aprendizagem incorporadas a este ambiente, percebemos que essa

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experiência formativa encaminha o Sesc SP rumo a um novo paradigma de formação

online, ou seja, a educação colaborativa.

Os indivíduos, ao interagirem de forma colaborativa no ambiente Saba, fizeram

negociações, compartilham materiais, produtos, observações, conhecimento anterior,

desenvolvem uma construção conjunta do conhecimento, Para a instituição, esse aspecto

significa um considerável avanço no que tange às possibilidades de interação entre

pessoas que não se encontram na mesma localização geográfica.

No processo formativo percebemos que todos os funcionários precisam ser

valorizados, pois podem contribuir com algum tipo de saber. Na verdade todos devem

ser valorizados, porque na coletividade ocorre o processo criativo. O conceito de Lévy

(1998, p. 28) sobre inteligência coletiva é oportuno para justificar esse pensamento: “ É

uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em

tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências”.

Aprendizagem colaborativa é um termo que tem como referência um método

de ensino e aprendizagem, no qual as pessoas trabalham juntas em torno de um objetivo

comum. Podemos entender este conceito como o processo de construção do

conhecimento decorrente da participação, do envolvimento e da contribuição constante

das pessoas na aprendizagem umas das outras.

Com base nesse pressuposto, aprendizagem colaborativa pode ser apoiada no

conceito de Vygotsky (1991). O autor defende a ideia de que a aprendizagem é um

processo complexo de atividades sociais, propulsionado por interações mediadas por

várias relações.

Funcionalidades como Saba Meeting (videoconferência) e os tão conhecidos

fóruns de discussões permitiram uma ação em rede, o que de maneira indireta

aproximou os indivíduos ora distantes pelo espaço físico, trazendo uma mudança no

paradigma da educação corporativa da Instituição.

A aprendizagem colaborativa foi reconhecida pelos participantes nas interações

dos fóruns de discussão. Na avaliação de reação do curso as opiniões revelaram esta

tendência nas seguintes narrativas: é possível criar juntos, há integração da equipe, o

trabalho em rede funciona, sempre surgem novas ideias, há troca de experiências, há

troca de conhecimentos, há aprendizagem, a rede é muito rica, diferentes pessoas

compartilham diferentes conhecimentos e diferentes visões de como resolver um

problema comum etc.

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A totalidade das opiniões dos participantes mostrou que os funcionários

recomendaram cursos online para os colegas de trabalho. Com base nessa questão e

também a partir de observações e análise de dados, interpretamos as respostas como

uma aceitação às atividades não presenciais no formato online. Podemos supor que por

se tratar de uma modalidade que envolve tecnologia online, esta teria grande adesão,

uma vez que vivemos na era da informação e de ambientes virtuais.

Considerações finais

Esta pesquisa representa uma primeira investigação sobre a experiência de

formação online do Sesc SP, com o uso de uma plataforma de aprendizagem virtual. Os

primeiros conhecimentos obtidos no estudo já respondem a uma suposição prévia, ou

seja, a implantação de uma plataforma virtual de aprendizagem modifica a forma de

construção e disseminação do conhecimento organizacional. O reconhecimento do

grupo em formação, desenvolvido em ambiente virtual, como um sistema vivo que se

auto-eco-organiza (MORIN, 2011), pode auxiliar na compreensão dos impactos da

experiência. Os sujeitos não são vistos como simples peças de uma engrenagem, mas

sim na sua dimensão sistêmica. As relações passam a ser valorizadas porque

possibilitam a criação coletiva de uma identidade cognitiva.

Uma das principais vantagens de um ambiente virtual de aprendizagem é a de

expandir as alternativas físicas. Outra possibilidade é que, no ambiente virtual a

construção do conhecimento não precisa ficar restrita à transmissão unilateral de uma

informação. Segundo Moraes (2008) há uma ação ecologizada no contexto formativo.

A interação mútua é uma constante, na medida em que os sujeitos dessa ação cooperam

e constroem em colaboração.

No caso do Sesc SP observamos que o modelo colaborativo de ensino e

aprendizagem contribuiu para uma gestão do conhecimento institucional com foco no

processo de aprendizagem direcionado para o aluno em substituição ao antigo modelo

educacional praticado, que tinha como foco o professor. O caráter interativo dessa

ferramenta contribuiu para entender a gama de conexões e construções cognitivas

direcionadas para a diversidade tanto no individual como no grupal.

Referências

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A DIMENSÃO ESTÉTICA DA CULTURA DIGITAL: UM ESTUDO DA

“GERAÇÃO Z” NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Marcelo Aparecido Freitas Vieira (Universidade Cidade de São Paulo-SP)

Margaréte May Berkenbrock-Rosito (Universidade Cidade de São Paulo-SP)

Resumo O estudo apresenta como objeto a dimensão estética da “Geração Z”, o grupo etário de

pessoas nascidas a partir do ano 2000, no uso da Tecnologia Educacional Digital- TED,

que utilizam recursos tecnológicos digitais na Educação Básica, segundo especificações

do documento do CETIC.br. As questões norteadoras são: Em que medida a “Geração

Z” possui conhecimento sobre o uso da TED? Até que ponto essa faixa etária é

produtora de ideias, de conhecimento? Esta pesquisa tem como objetivo compreender a

importância da dimensão estética nos processos formativos de desenvolvimento da

autonomia e da emancipação dos sujeitos, na Educação Básica, diante da utilização da

TED, segundo os dados do CETIC.br. A hipótese é que o desenvolvimento da

autonomia e da emancipação, no uso das TED ocorre via dimensão estética. Adota-se

como referencial teórico, no que tange à Tecnologia da Informação e Comunicação, a

perspectiva de Papert e Lévy. Em Adorno e Horkheimer compreende-se os parâmetros

da estética da indústria cultural e da massificação da cultura. Em Freire, encontram-se a

crítica à Educação Bancária e a busca de sua superação, como caminho de

conscientização, propiciado pela educação estética. Esta pesquisa aproxima-se também

de Schiller, no que concerne à dimensão estética na interação do sensível e da razão nos

processos formativos. A metodologia utiliza-se da analise documental como

procedimento de coleta de dados. O material analisado baseia-se nos dados do

CETIC.br, sob o enfoque da hermenêutica, na perspectiva de Gadamer. Os resultados

são apresentados por meio das seguintes categorias: a estética da geração “Eu sei”, “Não

sei” e “Eu Digital” como fenômenos midiáticos na contemporaneidade. Em oposição,

vislumbra-se uma possibilidade de libertação da “Geração Z”, a ampliação no horizonte

de práticas instrumentais tecnológicas, a busca do caminho da conscientização da

Cultura Digital no âmbito da relação do indivíduo consigo mesmo e com o mundo.

Palavras-Chave: Educação Estética, Cultura Digital, Geração Z.

Introdução

Neste estudo, apresenta-se uma compreensão da Cultura Digital focalizando a

dimensão estética na Tecnologia Educacional Digital - TED, presente nos processos

formativos na Educação Básica da “Geração Z”, categoria usada para designar os que

nasceram após a disseminação dos computadores pessoais, como utilidade doméstica.

Assim, estabelece-se uma balbúrdia, uma fantasia ancorada na realidade por meio do

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discurso de que a “Geração Z” aprende sozinha, e que crianças e jovens nasceram

sabendo tecnologia.

O estudo visa compreender a dimensão estética nos processos formativos e a

interpretação do desenvolvimento da autonomia e da emancipação dos sujeitos da

“Geração Z” na Educação Básica, diante da utilização da Tecnologia Educacional

Digital. Os dados do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da

Comunicação (CETIC.br) são compreendidos e interpretados sob o enfoque

hermenêutico na perspectiva de Gadamer (2012), como um caminho de reflexão

visando à compreensão da educação estética da “Geração Z”, cujas respostas podem

estar nas reflexões sobre a relação entre: usuário<–>programa<–>máquina na TED.

Criado em 2005, o CETIC.br é o departamento do NIC.br responsável pela

coordenação e publicação de pesquisas sobre a disponibilidade e uso da Internet no

Brasil. Esses estudos são referência para a elaboração de políticas públicas que

garantam o acesso da população às Tecnologias da Informação e da Comunicação

(TICs), assim como para monitorar e avaliar o impacto socioeconômico das TICs.

(CETIC.br, p.7)

Com base nos dados do CETIC.br é possível afirmar que a “Geração Z” não

domina todos os recursos tecnológicos, cria-se um paradigma no processo formativo

que contesta o status quo e apresenta uma necessidade do desenvolvimento de

autonomia e emancipação dos sujeitos preocupados com a passagem do nível de

informação para a apropriação do conhecimento ao fazer uso da TED, no espaço

escolar.

Tecnologia Educacional Digital: contextualizando o estudo

A TED nasce com as mudanças em linguagens de programação de computadores

e modernização das máquinas, a década de 1960. As linguagens de programação se

tornavam mais amigáveis, diferente da época dos pioneiros da computação da década de

1940, que utilizavam código binário para programar as máquinas. Como afirma Papert

(2008, p. 149): “Os pioneiros eram matemáticos e construíram máquinas à sua própria

imagem.” Assim, com uma linguagem mais amigável tornou-se possível trazer para a

educação: “fui um desses computadoristas que foram atraídos, pela perspectiva de

mudança na educação. (PAPERT, 2008, p. 151).

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Assim, nos primórdios da TED, houve uma grande preocupação dos partícipes

em desenvolver uma Cultura Digital, embora esse nome não tenha sido cunhado na

época, é possível perceber a preocupação em não reproduzir consumidores de

tecnologia. O início da tecnologia na educação é chamado por Papert de período

clássico, e, em síntese, as ideias desse momento podem ser representadas por três

personagens: Patrick Suppes, CAI, John Kemeny, BASIC, Symon Papert, Logo.

(PAPERT, 2008, p. 154). A última forma de aprender com computadores: uma

perspectiva construtivista. São sistemas que seguem a ideia Logo, na qual o professor

tem o papel de parceiro no processo de ensino e aprendizagem.

Dos primórdios da TED aos dias atuais, houve muita evolução, aparecendo em

meados da década de 1980 uma comunidade interessada na interação humano-

computador (IHC), contemplando, entre outros, plataformas na Internet, Inteligência

Virtual, Simulação, Robótica, Animações em Áudio e Vídeo. Todo desenvolvimento

pode ser justificado nos termos “Ciberespaço” e “Cibercultura”, assim denominado por

Lévy:

O “Ciberespaço” é o novo meio de comunicação que surge da interconexão

mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura

material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de

informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e

alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “Cibercultura”, especifica

aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes,

de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o

crescimento do “Ciberespaço”. (LÉVY, 2011, p. 17)

Segundo Lévy, a Cibercultura está ligada diretamente ao Ciberespaço, então, por

analogia, qualquer prática em TED, fará parte da Cibercultura que se desenvolverá com

o Ciberespaço. A interdependência entre Cibercultura e Ciberespaço é alimentada pelas

inovações tecnológicas e se reflete nas TED’s.

Almeida e Prado (2011) discutem o papel do educador frente aos dispositivos

disponíveis, pois segundo os autores:

Para que a presença do laptop educacional em sala de aula possa agregar

valor aos processos de ensino e aprendizagem, é importante o professor

conhecer os principais recursos, funcionalidades e serviços oferecidos por

essa tecnologia e respectivas potencialidades pedagógicas, de modo que ele

possa criar situações nesse contexto nas quais o computador traga efetivas

contribuições à aprendizagem e ao desenvolvimento do aluno. (ALMEIDA;

PRADO, 2011, p. 51)

Conforme Lévy (2011): Há uma grande quantidade de aparatos tecnológicos

digitais, usados na educação, tais como: computadores pessoais, tablets, notebooks,

netbooks, smartphones, celulares, câmeras digitais, interfaces robóticas, lousas digitais,

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mesas digitais, e em quantidade superior encontram-se os softwares que fazem a

interface com essas máquinas, tais como: sistemas operacionais, aplicativos de edição

de texto, imagem, áudio, vídeo, linguagem de programação. Para Pesce (2014, p.163), a

formação pedagógica necessária para o uso didático das TICs não pode se limitar à

dimensão operacional, pois esta busca somente, instrumentalizar os alunos, futuros educadores,

para o uso das mídias digitais. (PESCE, 2014, p.163). Assim, cabe aos ambientes

educacionais, estabelecer relações de conhecimento com a tecnologia.

A estética do consumo: uma presença nos processos formativos

Embora não haja um consenso sobre a definição da Geração XYZ. Sobre a

definição das gerações apresenta-se o seguinte:

No mundo ocidental, as principais classificações recentes de gerações nos

últimos 50 anos são:

Baby boomers (nascidos de 1946 a 1964) – é a geração que nasceu após a

Segunda Guerra Mundial, que foi marcada por um aumento das taxas de

natalidade.

Geração X (nascidos entre 1960 e início dos anos 1980).

Geração Y (nascidos entre 1980 e início da década de 2000) – também

conhecida como Millennials, Generation Next e Echo Boomers.

Geração Z (nascidos a partir do início da década de 2000) – também

conhecida como iGeneration, Generation@, Net Generation, Generation AO

(Always on), Generation Text e Nativos Digitais. (GABRIEL, 2013, p. 85-86)

A mesma definição pode servir de prática instrumental para a publicidade e o

consumo.

Comunidades online, sites de relacionamento, blogs e outras tecnologias

digitais em rede são as ferramentas utilizadas para a disseminação do

conteúdo que conquista legitimidade e credibilidade rapidamente quando o

assunto em pauta é consumo. No cenário vigente de grandes impactos

visuais, alta competitividade dos mercados e desgaste da publicidade em seus

formatos antigos, a ideia propagada pelos usuários da web pode decidir o ato

de compra. O “novo” consumidor descarta o discurso pronto, afetado pelas

estratégias de venda, para encontrar na Internet a possibilidade de fugir da

padronização e descobrir o que não está, diretamente, no mercado. (ABREU,

2012, p.31)

A relação das empresas com o consumidor nas sociedades contemporâneas,

segundo Lipovetsky (2009), tem um grande apelo de sedução: “[...] com o hedonismo

ao qual induz, com seu ambiente eufórico de tentação e proximidade, a sociedade de

consumo revela claramente a amplidão da estratégia da sedução.” (LIPOVETSKY,

2009, p. 2)

Considerando a geração x, y ou z, um perfil interessante para o Marketing que,

no contexto contemporâneo, pode ser assim interpretado: “À nossa volta, existe hoje

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uma espécie de evidência fantástica do consumo, criada pela multiplicação dos objetos,

(...) a celebração do objeto na publicidade e as centenas de mensagens diárias emitidas

pelos mass media.” (BAUDRILLARD, 2011, p. 13)

Uma Teoria da Estética foi proposta por Adorno (2002), a palavra estética, foi

utilizada para descrever as diferentes imagens que pretendiam atingir as massas, através

dos seus veículos de comunicação, nesse caso deveria ser destituída do seu significado

de leveza ou docilidade, para ser incorporada como “um modo de existir no mundo”, o

conceito de massa cultural que, por sua vez, vincula-se ao conceito de indústria cultural:

“A palavra mass-media, que a indústria cultural cunhou para si, desloca o seu acento

para o inofensivo. (...) as técnicas de comunicação enquanto tais, insuflam, a voz de

seus senhores”. (ADORNO; 1982, p.17)

Consoante, Blinkstein (2001) defende que existe uma relação consumo e

educação:

Quando qualquer sistema, metodologia ou tecnologia de educação nos

imagina apenas como consumidores de algo já mastigado, deglutido e

digerido, boa parte de seu poder revolucionário se perdeu. Aliás, quando um

sistema já nos apresenta, logo no início, coisas enquadradas e padronizadas,

ele já está comunicando algo sobre como espera que nos comportemos.

(BLINKSTEIN, 2001, p. 5)

A necessária incorporação das TEDs, como possibilidade instrumental no

processo formativo, pode ser compreendida em Adorno (1982): “O fato de que

"valores" sejam consumidos e atraiam os afetos sobre si, sem que suas qualidades

específicas sejam sequer compreendidas ou apreendidas pelo consumidor, constitui uma

evidência da sua característica de mercadoria” (ADORNO, 1982, p. 77)

Para Freire (2011), a educação visa o reconhecimento de somos sujeitos da

história e não objetos. Isso expressa a importância da ética como modos de ser da

estética que tem como alcance a justiça entre os homens, no resgate e na busca de todas

as formas de expressão humana. Neste estudo, a estética tem como objeto as sensações e

afetos que aparece por meio de sentimentos e nos fazem discriminar o que é belo e o

que é feio. A dimensão da Educação Estética em Schiller é um equilíbrio entre o

sensível e o racional. Na perspectiva de Schiller (2011), a estética é o único modo de

tornar racional o homem sensível, ao refletir sobre o que emociona, sobre o que o afeta,

encaminhando releituras do vivido, reconstruindo-o de um novo modo.

Na obra de Freire (2011), os professores são mediadores da aprendizagem, a

estética aparece nos procedimentos pedagógicos, por exemplo, ao dar voz e vez aos seus

alunos, o que favorece a introdução de modificações nos métodos educativos, ao se

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refletir sobre a práxis. É possível vislumbrar a dimensão estética da educação, em

Freire, no que se refere ao diálogo: cabe educar os sentidos para o diálogo, a fim de

saber fazer e decidir em grupo, garantindo o intercâmbio entre o professor ou o superior

(no trabalho) e o grupo de alunos/trabalhadores.

Schiller, Freire, Adorno seus olhares evocam uma re-humanização do que nos é

mais precioso: nossa própria humanidade ou mesmo o que nos une enquanto espécie. O

que se apresenta de mais trivial na nossa constituição enquanto seres da terra são nossas

necessidades.

A estética do poder “Eu sei”: quando o consumidor precede o usuário

Considerando-se as diferentes interpretações para as definições de “Geração Z”,

pode-se inferir que elas são bem aproveitadas como importantes ferramentas

instrumentais para o Marketing. Uma análise que confirma essa afirmação pode ser feita

a partir dos dados apresentados pelo quadro 2, do CETIC.br, no qual apreende-se que

33% dos jovens dessa geração são consumidores nos sites de compra e venda no espaço

virtual. A análise racional dessas informações evidencia que a “Geração Z” consome no

espaço virtual e se pode concluir também que esse consumo pode ser direcionado por

adultos, que possivelmente não estejam familiarizados com as ferramentas digitais ou

estão suscetíveis aos desejos de seus tutelados. Um questionamento plausível trataria da

origem desses pagamentos, pois sendo jovens, entre 10 e 15 anos, teriam impedimento

legal para trabalhar, por isso deduz-se que há um responsável que efetiva a transação

monetária. Nesse processo de consumo, sob a perspectiva da estética, apresenta-se o

jovem, menor de idade, que opera as ferramentas digitais por meio do maquinário

tecnológico, sendo auxiliado por outro ator que será o responsável pela efetivação da

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compra. Podemos encontrar no responsável pela compra, a evidente impotência frente à

necessária intermediação para efetivação de todo o processo.

O jovem da “Geração Z”, no controle da máquina que propicia a ação do

consumo, faz manifestar no seu responsável o seu poder por meio de todo procedimento

de aquisição do bem consumido, causando dependência do outro, pois, sendo consciente

do seu papel e da dependência gerada, se acha no direito de afirmar “Eu sei” comprar na

web. A análise racional dos dados quando veiculada pela mídia sob a lógica binária do

sabe não sabe, favorece os aspectos massificadores da estética da indústria tecnológica e

midiática, em nome do poder da compra que não se relaciona apenas com o aspecto

monetário, mas ao desconhecimento das ferramentas tecnológicas que permitem essa

compra. Basta lembrar “tudo que acontece pela via da propaganda permanece ambíguo”

(ADORNO, 1982, p. 47). O consumo é interdependente ao consumidor, ou seja, a ação

de consumir só se realiza quando há um consumidor, por isso, para se analisar o

consumo, deve fixar-se no sujeito que consome, nas suas representações objetivas e

subjetivas. Há inclusive um campo novo do marketing que estuda a essência do

comportamento do consumidor, o neuromarketing, que tem avançado nesses estudos,

demonstrando que há uma necessidade em compreender esse sujeito com o objetivo do

aumento no número de consumidores.

Segundo Lipovetsky, o consumismo funciona à base de sedução. Braudrillard

aponta aspectos de felicidade no consumidor pós-consumo. Contudo, a relação

consumidor e bem consumido não está pautada apenas em códigos racionais, pois há

um conjunto de aspectos subjetivos que devem ser considerados.

É o seguinte o princípio da análise: nunca se consome o objeto em si [no seu

valor de uso] – os objetos [no sentido lato] manipulam-se sempre como

signos que distinguem o indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo tomado

como referência ideal quer demarcando-o do respectivo grupo por referência

a grupo de estatuto superior. (BAUDRILLARD, 2011, p. 66)

O usuário, nem sempre é o consumidor, mas, fazendo parte desse processo, deve

ser analisado como tal. Usando esse exemplo, usuário<–>consumidor, em TED, pode-se

afirmar que o nível de conhecimento do usuário em relação ao bem consumido pode ser

fator preponderante no resultado de qualquer atividade em ambientes virtuais de

compra. Neste viés, Adorno defende que “o preço que os homens pagam pela

multiplicação do seu poder é a sua alienação daquilo sobre o que exercem o poder”

(ADORNO, 1999, p.24). Entende-se poder como o sentimento resultante da capacidade

de compra. A afirmação de Adorno corrobora com o consumo de bens tecnológicos,

pois a satisfação de possuir o melhor, o mais moderno equipamento, aliena o usuário ao

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ponto do não questionamento das suas amplas funções, o que resulta em sua

subutilização.

Em Tecnologia Digital há uma “caixa preta” entre o input do usuário e output.

da máquina. Do lado do usuário, o seu input não deve ser compreendido apenas no nível

da informação inserida na máquina, ou seja, um aluno que esteja digitando um texto,

por exemplo, não deve apenas se limitar ao domínio do idioma, mas ter consciência da

escolha daquele computador com aquele programa para executar essa tarefa. Com isso,

o output pode agradá-lo ou não, mas o resultado poderá ser questionado com maior

propriedade. Essa criticidade pode e deve ser desenvolvida no contexto tecnológico,

senão a relação estabelecida entre produtor e consumidor ficará pautada apenas em

dados que refletem o número de equipamentos vendidos.

As informações sobre o produto, as necessidades que motivam a sua compra

devem ser refletidas e analisadas pelo usuário e é nessa abstração que o consumidor

deve buscar a sua afirmação. Todavia, para que isso aconteça, a ordem normalmente

encontrada em que o consumidor age antes do usuário deve ser alterada. O usuário é que

deve fornecer argumentos e informações para que a compra se efetive; é ele quem deve

conhecer ou buscar conhecimento sobre o bem a ser adquirido, em especial quando

tratamos de equipamentos de tecnologia digital, como computadores, tablets,

smatphones ou qualquer equipamento que use sistema operacional e aplicativos.

Massificam-se os bens, e o consumidor, cada vez menos, participa desse

processo ativamente. Esse fenômeno também foi observado na indústria musical,

guardada as devidas proporções, por Adorno.

O comportamento valorativo tornou-se uma ficção para quem se vê cercado

de mercadorias musicais padronizadas. Tal indivíduo já não consegue

subtrair-se ao julgo da opinião pública, nem tampouco pode decidir com

liberdade quanto ao que lhe é apresentado, uma vez que tudo o que lhe

oferece é tão semelhante ou idêntico (ADORNO, 1982, p. 66). Para valorar um equipamento digital, faz-se necessário conhecimento e a escola

pode ter papel fundamental nesse desenvolvimento. Ao contrário, porém, ela acabou se

igualando aos consumidores e adquirem os mesmos equipamentos segundo as mesmas

práticas consumistas. “Eu posso comprar!” Encontra-se nessa lógica uma afirmação de

que não se precisa conhecer para comprar ou pouco conhecimento não é empecilho para

uma compra, restando apenas a questão da valoração financeira. Nesse sentido, os

signos tecnológicos que representam a “Geração Z” são a simbologia de jovens que

“dominam tecnologia”, portanto, estão avalizados a consumir qualquer produto,

desconsiderando o que se conhece dele.

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Segundo a lógica de Baudrillard (2011), o consumo não se ordena em torno do

indivíduo ao considerar as suas necessidades pessoais, mas sim num grupo formalizado

e estabelecido que reforce a necessidade e justificativa para a compra. No exemplo da

“Geração Z”, a quebra desse processo só se dará quando essa geração for considerada

como uma multiplicidade de Sujeitos com características singulares que sugerem

constantes práticas que busquem o conhecer.

Em primeiro lugar, existe a lógica estrutural da diferenciação, que produz os

indivíduos como [personalizados], isto é, como diferentes uns dos outros,

mas em conformidade com modelos gerais e de acordo com um código aos

quais se conformam (BAUDRILLARD, 2011, p.112).

Só após essa análise é que a compra deve ser efetivada, o que tornará o usuário o

próprio guia do consumo, permitindo a compreensão dos processos que se ativam nessa

prática. Quando esse usuário pertencer a “Geração Z” deverá ser orientado no espaço

escolar, pois cabe à escola manter o afastamento necessário da lógica de mercado para

fornecer subsídios aos seus educandos, para que eles tenham capacidade e autonomia na

escolha tecnológica. No ambiente escolar, isso poderia ficar melhor evidenciado, se

observássemos um aluno operando um computador; sem maiores questionamentos,

concluiríamos que ele não demonstra dificuldades, a sua relação com a tecnologia se dá

na maior naturalidade e, novamente, manifestar-se-ia o poder do “Eu sei”.

Essa observação pode ser expandida em Schiller (2011), que afirma que os

aspectos estéticos não se observam somente no que é vivo, portanto há estética no

envolvimento do usuário com o manuseio da TED, mas também nas minúcias dos seus

programas e interfaces. Um observador que desconsidere essa estética que se manifesta

nas TEDs se convenceria de que esse usuário teria um bom nível de conhecimento

tecnológico, reafirmaria a estética do “Eu sei”, deixando de lado as questões pertinentes

a conhecimentos pedagógicos do currículo escolar. Portanto, a afirmação “Eu sei!”,

pode indicar que o aluno sabe algo em TED, mas não traz questionamentos sobre o quê

especificamente ele sabe, não apresentando nenhum dado que favoreça o processo

educacional como um todo.

Neste sentido, Paulo Freire (2011) alertava que a experiência educativa não

poderia ser transformada em treinamento técnico, o que significa que a compreensão

tecnológica aliada às percepções estéticas deve fundamentar a atuação do Sujeito que

faz uso de aparatos tecnológicos.

O aprendizado do usuário deve ser iniciado após a identificação do seu nível de

conhecimento e as percepções, por sua vez, devem ser trabalhadas com a Educação

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Estética. É no surgimento dos sentimentos e na sua atuação que o jogo descrito por

Schiller, deve acontecer. Para esse aspecto do jogo na Educação Estética, Gadamer faz

uma importante contribuição: “o modo de ser do jogo não permite que quem jogue se

comporte em relação ao jogo como se fosse um objeto” (GADAMER, 2012, p. 155).

Uma afirmação que contradiz os que acreditam que a análise dos sentimentos se realiza

na mais pura racionalização, segundo o autor, pode-se deduzir que somente o Sujeito

seria capaz de jogar e, em Schiller (2011), o impulso sensível pede uma determinação e

o impulso formal quer determinar que os opostos se aproximam, pelo impulso lúdico

que dá fruição ao jogo.

O Sujeito, sendo partícipe do processo, influencia e é influenciado no processo

cíclico do jogo estético. Pode-se inferir que esse processo se dá de maneira contínua na

fruição do jogar, buscando a compreensão no conhecer: “quem busca compreender está

exposto a erros de opiniões prévias que não se confirmam nas próprias coisas”

(GADAMER, 2012, p. 356). Toda complexidade exposta nesse processo educativo visa

à autonomia do aluno, Sujeito, frente às relações estabelecidas e pré-estabelecidas com

os aparatos digitais por meio da indústria tecnológica.

A obviedade racional que afirma o conhecimento dos jovens da “Geração Z” no

manuseio da TED para orientar a compra impõe a finitude na estética “Eu sei”. O

auxílio da Educação Estética, conduzido pela hermenêutica, indica maior profundidade

nos dados apresentados e a informação obtida denota que só será possível o

desenvolvimento da autonomia do Sujeito aluno, quando a escola identificar a

necessária percepção dos diferentes níveis de conhecimentos existentes nos processos

de interação entre a tríade usuário<–>software<–>máquina propostos pela TED,

considerando- os no seu planejamento pedagógico, assim como refletindo sobre o poder

de sedução na publicidade, que massifica a utilização desses aparatos tecnológicos,

tornando-os cada vez mais necessários.

Esse Sujeito autônomo atuará com ética frente à sedução do consumo e não se

curvará aos interesses do lucro, o que é defendido por Freire (2011). É nessa

consciência que deve habitar a educação contemporânea, estabelecendo o “seu tempo”

para priorizar o processo formativo dos seus alunos e não participar da luta consumista

por novidades tecnológicas, ajudando na análise crítica de informações que sugerem a

falta de preparo dos docentes.

Papert (2008) ainda alerta em relação aos pais, pois eles:

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[...] ficam deliciados quando os filhos passam horas no computador em

profunda concentração, mas sentem-se incomodados pelo caráter de

dependência que essa experiência origina. Interrogam-se se os jogos de vídeo

são prejudiciais (PAPERT, 2008, p. 22)

Ou mesmo, para além do Sujeito e do Objeto, é importante destacar que “a

inteligência ou a cognição são o resultado de redes complexas, nas quais interage um

grande número de atores humanos, biológicos e técnicos” (LÉVY, 2011, p.137). Nesta

perspectiva, quando o jovem da “Geração Z” usa a afirmação “Eu sei!” para o trato

tecnológico, devem-se considerar as diferentes interpretações, sejam objetivas ou

subjetivas e não a lógica binária do computador: Sabe e Não sabe.

Além disso, a mídia, como propagadora de mensagens, é fator preponderante

para o desenvolvimento de uma estética que busca a finitude do saber tecnológico em

nome do nivelamento dos usuários em TED que possibilitem o maior número de

consumidores; cabe à escola favorecer o desenvolvimento desse jovem na busca pela

compreensão do seu saber por meio de uma possibilidade pedagógica diferente da

estética do “Eu sei”.

Considerações Finais

A “Geração Z”, conhece as práticas instrumentais das TEDs e os dados do

CETIC.br demonstram o percentual desse conhecimento, tendo como grande

capacidade o uso das redes sociais. Os dados apresentados e discutidos conseguem

questionar e desconstruir o paradigma do discurso que a “Geração Z” aprenderia

sozinha e que crianças nasceriam fazendo uso da tecnologia, já que esta geração está

ancorada na fantasia da “estética do eu sei” originada pela “estética do consumo”,

amparada pela mídia e pela indústria cultural. Os resultados do estudo sugerem a

presença da estética, nos processos formativos promovidos pela TED, ela atua nos

discursos do “Eu sei”, na cultura digital com destaque para o valor estético, envolvendo

atitude, a pessoa, o aspecto relacional, a criatividade e a autonomia. Estes elementos são

essenciais para a formação que orienta a consciência ética e política, porque opera na

sua atuação social, amplificando a compreensão a respeito do Eu e do Outro.

Neste contexto, é preciso vislumbrar que acrescidas às TEDs estão: a

valorização da prática pedagógica, a ampliação do universo cultural digital dos sujeitos

através da introdução de metodologias de ensino que possibilitem o uso das formas

diversas de expressão em diferentes mídias, tais como: música, cinema, teatro, arte

digital, entre outras, no pensar sobre o próprio pensamento sobre o ouve, lê, faz.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11745ISSN 2177-336X

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Confirma-se, assim, a presença da Educação Estética na formação da “Geração Z” na

contemporaneidade.

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i A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi criada em 16

de novembro de 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de garantir a paz por meio da

cooperação intelectual entre as nações, acompanhando o desenvolvimento mundial e auxiliando os

Estados-Membros – hoje são 193 países – na busca de soluções para os problemas que desafiam nossas

sociedades. Disponível em www.nacoesunidas.org/agencia/unesco/

ii A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) é uma das cinco comissões

regionais da Organização das Nações Unidas (ONU), que tem como mandato o estudo e a promoção de

políticas para o desenvolvimento de sua região, especialmente estimulando a cooperação entre os seus

países e o resto do mundo, funcionando como um centro de excelência de altos estudos. Os países

requerem um organismo com a capacidade de compilar informação, analisá-la e fazer recomendações.

Desde 1948 a CEPAL contribui para o debate da economia e da sociedade latino-americana e caribenha,

apresentando alertas, ideias e propostas de políticas públicas. Disponível em www.onu.org.br.

iii

Em obediência ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que anuncia a garantia de

confidencialidade das identidades dos entrevistados, os nomes dos sujeitos de pesquisa seguem

identificados com o primeiro nome de alguns dos fundadores da Academia Paulista de Educação. Os

nomes dos fundadores da Academia Paulista de Educação, utilizados para identificação dos sujeitos de

pesquisa são: Aquiles Archero Junior, Zenaide Vilalva de Araujo, Mathilde B. d’Almeida Bessa, Alberto

Rovai e Maria do Carmo Godoi. No corpo do texto são citados apenas os primeiros nomes.

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