OS CONTOS DA SENZALA: ANÁLISE DO DISCURSO E RECEPÇÃO NO MUSEU CASA DOS CONTOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO Escola de Direito Turismo e Museologia Curso de Museologia OS CONTOS DA SENZALA: ANÁLISE DO DISCURSO E RECEPÇÃO NO MUSEU CASA DOS CONTOS Nome da aluna: Carla Brito Sousa Ribeiro Orientadora: Profª Drª. Yára Mattos Ouro Preto Julho de 2014

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A exposição “A Arte Afro-brasileira na coleção de Toledo” toma lugar em um cômodo do MuseuCasa dos Contos conhecido e divulgado como tendo sido uma antiga senzala. O presente trabalhobusca analisar os limites da narrativa da exposição bem como a recepção do discurso não só pelovisitante, mas também pelos diversos agentes que lidam direta ou indiretamente com a exposiçãoem seu cotidiano. Buscamos contribuir com as discussões acerca da problemática da representaçãodo negro nos museus brasileiros e da memória do trauma da escravidão.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETOEscola de Direito Turismo e Museologia

Curso de Museologia

OS CONTOS DA SENZALA: ANÁLISE DO DISCURSO E RECEPÇÃO NOMUSEU CASA DOS CONTOS

Nome da aluna: Carla Brito Sousa RibeiroOrientadora: Profª Drª. Yára Mattos

Ouro PretoJulho de 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETOEscola de Direito Turismo e Museologia

Curso de Museologia

OS CONTOS DA SENZALA: ANÁLISE DO DISCURSO E RECEPÇÃO NO MUSEU CASADOS CONTOS

CARLA BRITO SOUSA RIBEIRO

Projeto de monografia apresentado à disciplinaMonografia Curricular (MUL 201) do curso deMuseologia da Escola de Direito, Turismo eMuseologia da Universidade Federal de Ouro Preto

Ouro PretoJulho de 2014

À memória da Professora Ana Paula de Paula Loures Oliveira

Para sempre, fica em mim seu legado como mentora acadêmica.

Obrigada.

1. RESUMO

A exposição “A Arte Afro-brasileira na coleção de Toledo” toma lugar em um cômodo do Museu

Casa dos Contos conhecido e divulgado como tendo sido uma antiga senzala. O presente trabalho

busca analisar os limites da narrativa da exposição bem como a recepção do discurso não só pelo

visitante, mas também pelos diversos agentes que lidam direta ou indiretamente com a exposição

em seu cotidiano. Buscamos contribuir com as discussões acerca da problemática da representação

do negro nos museus brasileiros e da memória do trauma da escravidão.

Palavras-chave: Museu Casa dos Contos (MG); Representação; Análise do discurso; Pesquisa

de Público em museus; Memória Afro-brasileira.

1. ABSTRACT

The exhibition “Afro-Brazilian Art in Toledo's Collection” takes place at a room in Casa dos Contos

Museum known and published as an acient slave lodge. This work intends to analyse the exhibition

narrative limits as well as the reception speech, not only by the visitors perspective, but also by the

plural agents that deals directly or indirectly with the exhibition's quotidian. The work also intends

to contribute with the issue towards black people's representation in brazilian museums and also

about the memory of slavery era traumas.

Key-words: Casa dos Contos Museum; Representation; Discourse Analysis; Visitors Pofile Research; Afro-Brasilian memory.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................. 06

CAPÍTULO I - Os três discursos, o racismo científico e a ideia de nacionalismo nos museus

1. Os três discursos e o racismo científico …................................................................................................... 08

1.2. Gênese das coleções e a formação dos Estados Nacionais …................................................................... 10

1.3. O discurso racial: Contexto racial no Brasil nascente afora os museus etnográficos ….......................... ...13

CAPÍTULO II – Revisão Bibliográfica, estudo de caso e análise do discurso.

2. Os estudos sobre a representação das populações negras nos museus brasileiros …................................... 22

2.1. A exposição A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo: A Casa e a coleção …....................................29

2.1.2. O Museu Casa dos Contos ….................................................................................................... 30

2.1.3. A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo ............................................................................ 31

2.2. Análise do Discurso ...................................................................................................................................34

2.3. O Colecionador …..................................................................................................................................... 36

CAPÍTULO III - Metodologia e Apresentação do Questionário.

3. Metodologia …............................................................................................................................................. 37

3.1. Elaboração e estruturação do questionário …............................................................................................ 39

3.2. Amostragem ….......................................................................................................................................... 44

CAPÍTULO IV - Resultado da pesquisa empírica, sistematização de dados e conclusões sobre a

recepção do discurso.

4. Resultado da Pesquisa Empírica ….............................................................................................................. 45

4.2. Sistematização de dados …....................................................................................................................... 46

4.2.1. Perfil geral dos respondentes …................................................................................................ 46

4.2.2. Sistematização de respostas ….................................................................................................. 46

4.3. Análise da Recepção …............................................................................................................................. 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS ….....................................................................................................................58

ANEXOS …..................................................................................................................................................... 59

REFERÊNCIAS …......................................................................................................................................... 73

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo se envolve na problemática em torno da representação das populações

negras nos museus brasileiros, e utiliza-se como estudo de caso da exposição A Arte Afro-Brasileira

na Coleção de Toledo, disposta no ambiente identificado como “senzala” no Museu Casa dos Contos.

A realização dessa pesquisa na cidade de Outro Preto é um fator de destaque, dado o contexto sócio

histórico da região, sobretudo o que concerne à gênese de sua formação social. No âmbito das

pesquisas que se desenvolvem à respeito da memória e identidade das populações negras, Ouro Preto

se torna lócus privilegiado para a investigação dos discursos veiculados em torno da representação dos

africanos e afrodescendentes que aqui foram trazidos e também dos que ocupam a região até os dias

atuais. O estudo de caso possibilitou a análise do discurso veiculado pela instituição, bem como a

percepção dos público do museu acerca do discurso, objetivo geral desse trabalho de monografia.

O estudo está dividido em 4 capítulos, que delineiam a metodologia adotada, segundo os

objetivos propostos. Visamos inserir a cidade de Ouro Preto no panorama dos estudos sobre a

representação do negro nos museus brasileiros através da análise do discurso institucional veiculado e

da recepção dos principais agentes envolvidos no processo de comunicação museológica da coleção

de José Lucas Toledo. Através da aplicação de questionários híbridos, intenciona-se verificar o grau de

influência do discurso analisado no processo de manutenção das desigualdades raciais no imaginário

dos respondentes, a partir da análise do discurso que se manifesta nas amostras obtidas. Por fim,

objetivamos refletir sobre a “encenação” da memória do trauma da escravidão no ambiente tomado

como senzala, seus limites e implicações. Ou seja, visamos também invesigar em que medida o

cenário da senzala influi para a naturalização da imagem da dor e do sofrimento do negro no período

da escravidão no âmbito do imaginário coletivo.

Quanto aos conteúdos abordados, no primeiro capítulo, trabalhamos conceitos relativos aos

discursos que intermedeiam o estudo, tendo se debruçado de maneira mais acurada no discurso racial

e sua trajetória na sociedade brasileira.

O segundo capítulo se propõe a uma revisão bibliográfica dos estudos sobre a representação

das populações negras nos museus brasileiros, para então abordar o contexto específico do museu

estudado e a exposição que serve como estudo de caso. A análise do discurso da exposição é também

um dos itens finais desse capítulo.

O terceiro capítulo se debruça sobre a metodologia utilizada e desdobra as questões que

compõem o questionário para colher dados para a análise da recepção do discurso, justificando a

inserção de cada uma. Buscamos também trabalhar aspectos referentes à pesquisa de público em

museus e à análise do discurso segundo Michel Foucault.6

Para finalizar, o quarto capítulo traz os resultados da pesquisa empírica e a sistematização de

dados obtidos com o questionário. A partir deles, foi possível realizar a análise da recepção do

discurso bem como tecer as considerações finais em torno da pesquisa.

Em anexos estão disponíveis gráficos percentuais e infográficos com nuvem de palavras que

mais apareceram em algumas respostas do questionário aplicado, além de quadros com transcrição de

algumas respostas que detalham o imaginário dos receptores do discurso em torno da história da Casa

e da memória Afro-brasileira.

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CAPÍTULO I

Os três discursos, o racismo científico e a ideia de nacionalismo nos museus

1. Os três discursos e o racismo científico

Este trabalho se intermedeia em três diferentes discursos, que se manifestam de maneira

díspar ao passo que representam diferentes segmentos sociais. Um dos discursos que se faz presente

na atual abordagem é o discurso racial. Espinhoso, polêmico e controverso nos limites de seu

próprio universo, o discurso racial assumiu uma forma particular ao longo da história da

consolidação da sociedade brasileira. O discurso da história oficial é uma outra vertente que aparece

aqui, ora entremeada e ora de maneira independente ao discurso museológico e museográfico da

instituição estudada.

Tal como o discurso histórico e o institucional do museu, o discurso racial também não se

desprende em um contexto isolado ou pretensamente homogêneo. Como quaisquer conceitos, os

que formam o discurso racial não podem ser destacados das teorias que inferem sobre a realidade.

Como não poderia deixar de ser, esses conceitos acompanham sua carga histórica, inseridos em um

tempo e espaço específicos.

É certo então, que o discurso racial, tal como o conhecemos atualmente, é fruto de um

processo histórico e social. O Brasil, nesse sentido, sempre fora lócus de destaque e atração para

aplicação de pesquisas e estudos que pretendiam compreender a conformação de sua população e as

relações raciais aqui estabelecidas ao longo de sua formação enquanto Estado Nacional.

Muitos são os autores, que ao delinear o discurso racial tal como se manifesta atualmente,

partem de um grande marco: as teorias do racismo científico no século XIX. Felizmente superadas

como produção científica, essas teorias raciais foram largamente aceitas no Brasil, principalmente

por conta de seu período de aparecimento. No auge do vigor das ideias imperialistas, surge uma

corrente de naturalização que gira em torno da natureza do homem e sua organização em sociedade.

O estrondoso sucesso de A Origem das Espécies, de Charles Darwin, publicado em 1859, dá

abertura a um processo de popularização e publicização de termos científicos. Segundo a

antropóloga Lilia Moritz Schwarcz (1995), referência em estudos desse período, a ideia de um

evolucionismo social, embora combatida nesse sentido por Darwin, começa a ser pensada pela

comunidade científica em geral como meio de se justificar a sociedade estamental e a hegemonia da

burguesia, que apenas estaria seguindo seu rumo natural, por ser mais apta no processo de evolução.

Os determinismos – geográfico e racial -, trazem as discussões para o plano do grupo,

nãomais do indivíduo. Seus pressupostos asseveravam a ideia de “raça” como fenômeno essencial; a

relação entre os atributos internos e externos – a cor de pele, o tipo de cabelo determinariam a moral8

dos grupos - ; o indivíduo como a soma de seu grupo rácio-cultural, e a prática da eugenia como

política de intervenção e isolamento de determinadas “raças”.

Como instrumentos de legitimação, o determinismo racial se utilizava da antropometria,

uma espécie de classificação de evolução e inteligência dos homens e da frenologia, o estudo da

conformação dos crânios. Havia também os atavismos, que se pautavam na classificação de padrões

físicos e comportamentais supostamente indicando a delinquência dos indivíduos e seu teor de

periculosidade.

No contexto Brasileiro dos fins do século XIX, estava a transição de um sistema, do

escravista para o de produção capitalista, o que tornava inviável a manutenção do primeiro, já

ultrapassada internacionalmente. Esse cenário faz com que as teorias do determinismo racial

ganhem espaço. Referência em miscigenação racial, o Brasil vinha sendo visto pejorativamente

como “laboratório racial”, o que despertou o interesse dos “homens de sciencia”, suportados por

instituições de produção de conhecimento como escolas de medicina e de direito, além de museus

etnográficos e institutos históricos e geográficos nacionais.

Schwarcz (1995), entretanto, nos lembra que essa corrente de pensamento no século XIX se

apresenta como uma reelaboração semântica, ou seja, uma ressignificação das ideias e teorias que

buscavam explicar, seja do ponto de vista do dominador, seja do colonizado, as diferenças entre os

homens através dos séculos. O estranhamento das diferenças e a busca por compreendê-las ou tirar

proveito delas é uma constante na humanidade. O racismo científico, nesse sentido, toma forma a

partir dos avanços da burguesia e sua visão de progresso, rumo a um único sentido, o da civilização.

Civilização essa que se pautava no modelo da Europa ocidental, que dispunha e expandia suas

tecnologias de aceleração do tempo, tais como o avanço das linhas férreas e a manipulação do aço

em larga escala. As tradicionais exposições universais que vigoraram no período serviram para a

manutenção do discurso sobre a diferença.

À manutenção das diferenças, justificadas por uma pretensa desumanização do outro e por

sua classificação no plano do exótico, serviram às coleções que se formavam ao longo do século

XVI, os chamados gabinetes de curiosidade e as cosmografias (SEYFERTH, 2002). Os museus

como espaço de representação, refletem em sua trajetória rumo ao modelo que conhecemos

atualmente, uma visão hierárquica da humanidade, se utilizando de suas diferenças.

Não exploraremos com especificidade o conceito de representação, embora seja caro a esse

projeto ao menos delinear o que entendemos por reprsentação e em quais autores nos referenciamos

para trabalhar essa ideia. Utilizamos Stuart Hall (2000), como grande teórico de referencia para o

tema, que nos permite concluir que a linguagem é a principal ferramenta na construção do conceito

de representação, uma vez que “a linguagem opera como um sistema representacional”1 (p.1).

1 Tradução nossa. Ver original: “Language is able to do this because it operates as a representional system.”9

Representação seria, nesse sentido, a parte essencial do processo pelo qual o significado é produzido

e interbambiado entre membros de uma cultura. Representação envolve o uso da linguagem, qua

também se manifesta através de signos e imagens representativas. O processo de representação está

longe de ser um processo simples, e envolve abordagens de outras áreas, como a Semiótica,

proposta pelo linguísta francês Ferdinand de Saussure e a análise do discurso por Michel Foucault.

Em suma, nossos sistemas de representação visam dar significado ao mundo, através dos mapas

conceituais que formamos, individuais, que organizam em nossas ideias imagens, conceitos, signos

e símbolos. A cultura está aí como elemento balizador da formação dos nossos mapas conceituais e

do nosso sistema representacional.

1.2. Gênese das coleções e a formação dos Estados Nacionais.

Por mais que ainda se guardem reservas a respeito dos períodos - se na antiguidade clássica

com o “Mouseîon” em Alexandria, se no século XIX com o iluminismo -, considerados

efetivamente como originários dos museus na contemporaneidade, sabemos por essência que as

coleções, junto à intencionalidade de expor os objetos colecionados, são o protótipo embrionário

dos museus (GONÇALVES, 2004).

O que, entretanto, podemos entender por coleções? Teria sido atribuído o mesmo significado

ao colecionismo e suas motivações teriam sido as mesmas através dos tempos? Segundo Hernández,

Entendemos por “coleção” aquele conjunto de objetos que, mantidos temporária oupermanentemente fora da atividade econômica, se encontra sujeito a uma proteçãoespecial com a finalidade de ser exposto ao olhar dos homens. (1944, p.13)2

Partindo do pressuposto de que as coleções são organizadas para serem exibidas, podemos

inferir que as coleções, além de estarem imbricadas aos ideais de memória, identidade e

pertencimento, possuem relação íntima com a ideia de poder. Para Hernández, o ato de reunir

coleções seria tão antigo quanto a própria noção de propriedade individual, tornando claro que

através dos tempos o centro do poder em cada sociedade e época, tal como o imperador, o faraó, o

monarca ou a Igreja, ostentavam as maiores coleções institucionais. Foram os mecenas a partir do

Renascimento, sobretudo, que incindiram uma ordem dita “mercadológica”, uma vez que a

2 Tradução nossa. Ver original: “Entendemos por “colección” aquel conjunto de objetos que,mantenido temporal o permanentemente fuera de la actividad económica, se encuentra sujeto a unaprotección especial con la finalidad de ser expuesto a la mirada de los hombres.” (HERNÁNDEZ,1994, p.13)

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aquisição e a negociação de obras de arte e a formação de suas coleções estavam diretamente

ligadas ao prestígio e ao poder.

A abertura das possibilidades e fronteiras que conheciam os europeus com as grandes

navegações, também descentraliza a cultura e a arte das dependências do clero e da nobreza,

fazendo com que a Europa passe a ser atingida por uma nova onda de colecionismo, com os

chamados “gabinetes de curiosidade”. Além de obras de arte, os gabinetes expunham objetos do

mundo natural, objetos considerados raros, preciosos ou exóticos, que serviam à contemplação e à

meditação. Segundo Gonçalves (2004), o marco do período é a “cultura da curiosidade”. Com a

reunião desses objetos, se pretendia criar um “microcosmos do mundo”, mundo esse que conhecia

uma nova ordem, tanto para a percepção dos europeus quanto para os nativos americanos.

Ao mesmo tempo, pode-se verificar o crescimento do colecionismo chamado por Hernandez

(1994) de eclético no século XVI, que se instalam nos grandes palácios. A autora considera esse

século como tendo sido o período de formação dos patrimônios artísticos nacionais em torno dos

Estados ainda em formação, sendo a gênese da formação dos grandes museus europeus.

O século seguinte se caracteriza pelo envolvimento da burguesia no mercado de arte, que

impulsiona, nesse sentido, o aparecimento das pinturas nos gabinetes de curiosidade, bem como o

surgimento de galerias de arte, abertas a amigos e a outros colecionadores. Com essa

movimentação, aumenta também o número de falsificações em torno da produção artística europeia,

que ganha mercado internacional.

No século XVIII, a autora pontua a importante transferência da arte cortesã para a arte

burguesa, fruto da ruptura social ocasionada pela Revolução Francesa em 1789. Movimentos que

caracterizam esse período são também a criação das Academias de Arte, o surgimento de outros

grandes museus europeus e escavações arqueológicas de grande porte como a da cidade de

Herculano (1738) que dariam origem a importantes coleções dessa tipologia.

No interior do movimento de tornar públicas grandes coleções de monarquias, o museu

serve como um espaço para a civilidade, uma instituição aberta ao público, que pensava a memória

e vislumbrava o futuro em meio às projeções dos recentes Estados Nacionais.

É só a partir do século XIX que são criados museus etnográficos, instituições dedi-cadas à coleção, preservação, exibição, estudo e interpretação de objetos materiais.A curiosidade renascentista que havia marcado a exploração do Novo Mundo e dooriente encontrava aconchego nesses estabelecimentos, que se firmavam enquantolares institucionais de uma antropologia nascente. (SCHWARCZ, 2000, p.68)

Nesse sentido, o perfil dessas instituições, em franca expansão não somente na Europa, mas

também no Brasil é de museus positivistas, que formavam suas coleções através de coletas e

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expedições, buscando compreender o homem como extensão da natureza, numa postura

evolucionista e darwinista social.

No Brasil, tiveram como função ainda, substituir o papel das universidades e instituições de

pesquisa, inspirados nos modelos europeus, uma vez que ainda em construção, a noção de “nação

brasileira” nesse contexto, servia apenas de campo de estudos para expedições estrangeiras, que

coletavam materiais e amostras biológicas e também “vestígios” de culturas que julgavam estar em

extinção.

Os museus etnográficos brasileiros, que podem ser apontados como partilhadores de uma

gênese comum, são o Museu Real, fundado em 1808, o Museu Paraense Emílio Goeldi, de 1866 e o

Museu Paulista, de 1894.

Schwarcz (2000), estudou publicações periódicas das três instituições em sua consolidação,

fazendo uma análise dos temas pesquisados. A preponderância das pesquisas publicadas no

periódico Archivos do Museu Nacional, apontam para preferências temáticas ligadas às ciências

naturais. Vale ressaltar que a Antropologia era vista pelo museu como um ramo das ciências

biológicas e naturais, tendo sido empenhados estudos de craniologia e frenologia, próprias do

racismo científico produzido no Brasil nesse período.

No Museu do Ypiranga, atual Museu Paulista, também predominavam pesquisas e coletas no

ramo das ciências naturais. Percebe-se, assim como no Museu Real, atual Museu Nacional, que a

Antropologia era vista segundo uma ordem biológica, não separada dos estudos botânicos e

zoológicos..

(...)É isso que sugere Von Ihering, que ao descrever a evolução dos moluscos doterciário concluía: “de fato, o que vale para os animais e no mundo da natureza valetambém para os homens em sua evolução” (RMP, 1902). O suposto era que o mode-lo evolutivo da biologia servia de base para todos os seres vivos da terra e em es-pecial para explicar a evolução da humanidade. Tratava-se, portanto, de uma inter-pretação evolucionista social, cuja base não era religiosa, mas científica e positiva(SCHWARCZ, 2000, p. 82)

Essas posições evolucionistas, longe de serem românticas ou paternalistas, afirmavam de

maneira veemente que determinados grupos, vistos como degenerados e fadados ao extermínio,

impediam o progresso e a civilização que se cristalizava nas grandes obras de infraestrutura urbana.

Os museus desse período cumpriam funções acadêmicas de pesquisa e divulgação científica,

que no formato de publicações periódicas, facilitavam o diálogo com a produção europeia e

estadunidense, inserindo pesquisadores nacionais no âmbito da “sciencias” internacionais, além, é

claro, de destacar pesquisadores estrangeiros em suas publicações. Mais do que espaços de

representação do outro, os museus do período supriam a função classificatória, científica e cultural

de que sentiam falta as elites do XIX.12

No mesmo contexto, o Museu Paraense Emílio Goeldi, um museu amazônico, se viabiliza

pelo desejo de tornar Belém do Pará uma metrópole, a partir do lucro advindo com a exploração da

borracha na região. A instituição centra sua produção periódica nos seus primeiros anos, em espaços

concedidos a pesquisadores estrangeiros que se interessavam sobretudo por amostras zoológicas e

botânicas, dada a grande biodiversidade na região ainda pouco explorada no século XIX,

representando o exótico e o desconhecido.

Tendo seguido a mesma postura até meados da década de 1920, as três instituições se

defrontam com situações que as centralizam definitivamente no âmbito das ciências naturais.

Dentre os principais motivos estão a falta de recursos para manutenção das pesquisas e publicações,

o baixo investimento público, a escassez de profissionais que para formar o corpo técnico das

instituições necessitavam de dedicação exclusiva, e principalmente o crescente descrédito pelas

teorias racistas.

1.3. O discurso racial: Contexto racial no Brasil nascente afora os museus etnográficos.

A formação de um Estado Nacional pressupõe uma tríade homogênea, uma espécie de

congruência entre Estado, povo e território. De imediato, já é possível chamar a atenção para as

diferenças no âmbito dessa categoria povo. As minorias, sejam elas numéricas ou políticas, étnicas,

raciais, culturais ou religiosas, são por excelência perturbadoras da homogeneidade imaginada para

os Estados- Nações (ARENDT, 1996, apud SEYFERTH, 2002).

Embora os ideais construídos no século XIX tenham se constituído como chave para a

compreensão dos rumos das relações raciais no Brasil e seu cenário atual, para que possamos

delinear melhor de quem se trata esse “negro” que é representado não somente no Museu Casa dos

Contos mas em diversas outras coleções no Brasil afora, faz-se necessário delinear um pouco

melhor as questões que estruturam o discurso racial.

Seyferth (2002) chama a atenção para a importância do fenótipo nas acepções sobre a

diferença entre os homens e sua consequente hierarquização, ainda no século XVI, quando segundo

a autora, não existiam termos raciais utilizados para distinção, sendo as característica fenotípicas

justificadas por interpretações teológicas no período.

O discurso se aproxima mais da atribuição de um caráter biológico às "raças" ainda no

século XVIII, quando a cor da pele, tradicionalmente um fator de diferenciação, se junta ao discurso

evolucionista, esse também ligado ao determinismo geográfico. “Assim, as especulações sobre o

lugar do homem na natureza levaram, invariavelmente, à barbarização daqueles que, pela aparência

física e/ou pela cultura, eram diferentes dos brancos europeus.” (SEYFERTH, 2002, p.20). A

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noção de "raça", bem como o racismo científico se delineava nos oitocentos, embora ainda se

pensasse mais em variedades de tipos humanos do que em "raças" propriamente ditas.

Para ilustrar a experiência classificatória do período, Seyferth (2002) lembra do trabalho de

Linnaeus, quem em 1735 classifica a espécie Homo sapiens em cinco “variedades”: Homo

europaeus; Homo asiaticus; Homo americanus; Homo ferus e Homo monstruosus. Linnaeus divide

as primeiras quatro categorias a partir de divisões geográficas e relativas à coloração da pele, se

utilizando por causas morais e estéticas percebidas para fins de enquadramento. As duas últimas

categorias dizem respeito aos “selvagens” e aos “anormais”. A classificação de Linneaus advém de

uma grande organização taxonômica, tendo pensado a “variedade humana da mesma forma que a

dos demais seres vivos” (idem, 2002, p.22).

Esses pressupostos científicos vão ao encontro de um forte paradigma do século XIX –

ainda que não o único – de que o homem, como parte da natureza, segue suas leis, bem como a vida

em sociedade segue também as leis da natureza, tornando naturais as desigualdades entre os

homens. O resultado é a noção das "raças". "Raças" seriam, nesse sentido, “uma explicação biológica

para a diversidade cultural” (idem, ibidem).

Surge também, nesse mesmo sentido, a ideia das “raças puras”, que, no âmbito dos

determinismos raciais, tornava condenável a miscigenação, associada à degeneração. É sabido que

essa ideia não era apenas veiculada em ambientes acadêmicos, mas sim teve vários meios de

propagação popular e adentrou o senso comum através da mídia e de propagação ideológica.

Percebemos, então, que a ideia de identidades raciais pode se delinear de maneira a justificar e

manter dominações políticas, através da criação de categorias imaginadas que pressupõe diferenças

psicológicas, intelectuais e morais inatas, tendo como aporte características físicas como a cor da

pele, dos olhos e a textura dos cabelos.

As teorias nacionalistas, unidas à divulgação científica do racismo colaboraram para uma

institucionalização do racismo, onde "raça" e cultura eram entendidas como unidade.

Observemos que, no contexto brasileiro o racialismo teve fundamental importância na constituição

do ideal de nação em um primeiro momento; e na consolidação de fato do ideal nacional,

posteriormente, o anti racialismo também se apresenta como fundamental. Dada essa interpretação,

podemos pensar sobre a quem serviu a ideia de "raça", em qual contexto ela surge e quais os rumos

dessa ideologia.

Delinear o contexto brasileiro nos serve como estratégia para pensar uma cronologia mais ou

menos abrangente do discurso racial no mundo ocidental, e também pensar uma trajetória do

discurso racial ao longo do projeto e da consolidação do Brasil como nação, mas sobretudo, nos

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servirá para pontuar as persistências racistas que dão abertura para representações de subordinadas

do negro no país.

No Brasil pós abolição, ainda no âmbito do século XIX tratado acima, a história oficial nos

ensina que a imigração em massa era incentivada e desejada como alternativa de mão de obra.

Havia a necessidade de uma transição de sistema, uma vez que o escravocrata não acompanhava a

acumulação e a produção de grandes estoques de excedentes como demandava o capitalismo. O

Brasil do Império, cristalizado na figura de Dom Pedro II, destinava recursos para incentivar a

imigração europeia, não apenas como meio de suprir a necessidade de colonização de áreas de

fronteiras em disputa, mas principalmente tendo em vista um ideal de branqueamento da nação em

formação.

Mas os escolhidos para colonizar eram imigrantes brancos e não os nacionais. (…)Havia o entendimento de que as terras públicas deviam ser colonizadas com imi-grantes europeus, alimentado pela crença de que a existência do regime escravistaera empecilho para a implantação de uma economia liberal no país e a população deorigem africana não se coadunava com os princípios da livre iniciativa. Nessa lógicaevidentemente racista, negros e mestiços (e também os índios selvagens), podiamser escravos, servos ou coadjuvantes, mas não se adequavam ao trabalho livre nacondição de pequenos proprietários” (SEYFERTH, 2002, p.30-31)

Desse modo, pode-se perceber que o ideal de branqueamento sobrepunha-se ao de

mestiçagem das “três raças”, como posteriormente se idealizaria. Ao mesmo tempo, o medo da

mestiçagem predominava. As políticas de incentivo da imigração eram, dessa maneira, vistas como

um meio para o branqueamento do povo brasileiro, uma vez que os não brancos, por serem

considerados biologicamente desqualificados, passariam por um processo de seleção natural,

sucumbindo mais facilmente a doenças e epidemias. Sua suscetibilidade, entretanto, não era

associada à marginalidade imposta pela exclusão do trabalho e das oportunidades em um Estado

pretensamente liberal. Tampouco às condições de moradia precárias, à falta de higiene ou

saneamento público. Da mesma forma, a ancestralidade dessas populações e sua herança cultural

africana era assimilada à inferioridade.

Nesse sentido, a formação de uma população mestiça seguiu uma ordem hierárquica que

condensa ideias e estruturas diferentes, tais como a de “cor”, e a de estrutura de classe, que estão

intimamente entrelaçadas. Segundo Guimarães (2005)

No Brasil o “branco” não se formou pela exclusiva mistura étnica de povos euro-peus, (…) ao contrário, como “branco”, contamos aqueles mestiços e mulatos clarosque podem exibir os símbolos dominantes da europeidade; formação cristã edomínio das letras.(...) O significado da palavra “negro”, portanto, cristalizou a diferença absoluta, onão-europeu. Neste sentido, um “preto” verdadeiro não era um homem letrado, nemum cristão completo, pois carregaria sempre consigo algumas crenças e superstiçõesanimistas (...). Em consequência, nos meios e lugares mestiços do Brasil, somenteaqueles com pele realmente escura sofrem inteiramente a discriminação e o precon-ceito, antes reservados ao negro africano. Aqueles que representam graus variadosde mestiçagem podem usufruir, de acordo com seu grau de brancura (tanto cromá-

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tica quanto cultural, posto que “branco” é um símbolo de “europeidade”), algunsdos privilégios reservados aos brancos.Anani Dzidzienyo notou essa peculiaridade das relações raciais no Brasil, quandocaracterizou, em 1971, o que considerou o “marco da decantada 'democracia racial'brasileira”, como “a distorção de que branco é melhor e preto é pior, e que portanto,quanto mais próximo de branco melhor. A força desta opinião sobre a sociedadebrasileira é completamente perversiva e abarca a totalidade dos estereótipos, dospapéis sociais, das oportunidades de emprego, dos estilos de vida e, o que é maisimportante, serve como pedra de toque para a sempre observada 'etiqueta' das rela-ções raciais no Brasil” (Dzidzienyo, 1971:3) (GUIMARÃES, 2005, p.50-51)

Não é difícil perceber que não se trata de exagero de Guimarães tratar o racismo no Brasil

como pautado por um gradiente de cores onde o branco estaria num patamar de valoração e o preto

em depreciação. No que diz respeito à linguagem, no Brasil, embora não seja uma exclusividade do

idioma português, sabemos que quando algo não é correto, é “obscuro”, não está “claro”. O

minidicionário da língua portuguesa Aurélio (FERREIRA, 2001, p.284) possui como definição de

seu verbete “escuro”, tanto os termos “misterioso” e “escuso” - este último que é definido como

“escondido”, “suspeito”, em um verbete a frente - quanto o sinônimo para as definições populares

“preto” ou “mulato”.

É sabido também, que as populações negras são as maiores vítimas de violência, tanto social

quanto policial. Em 2005, o Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD)

publicou o Relatório de Desenvolvimento Humano com o tema racismo, pobreza e violência. Logo

em seu início, o documento pontua a desigualdade nos limites da violência: são os negros a grande

maioria das vítimas de homicídio no país, mesmo considerando que na grande maioria dos Estados

que compõem a nação, as populações negras não são a maioria da composição étnico-racial social.

É certo que, segundo o documento, que analisou dados do Ministério da Saúde e do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os números que contabilizam os homicídios de jovens

brancos, são por si só alarmantes. A taxa de homicídios de homens entre 20 a 24 anos era de 102,3 a

cada cem mil habitantes. No caso dos jovens negros, os números conseguem ser ainda maiores: são

218, 5 assassinatos por 100 mil habitantes. O risco de morte é comparável ao de países em guerra

civil. A maioria dos jovens que sofreram homicídio, viviam em áreas pobres como periferias e

favelas.

Os redatores do documento evidenciam que a Organização das Nações Unidas (ONU),

responsável pelo PNUD, não trabalha com nenhum sistema de classificação racial, nem ao menos

com aqueles que utilizam a concepção sociológica da ideia de "raça". No entanto, o relatório se

utiliza do sistema de classificação adotado pelo Estado brasileiro, entendendo que em sociedades

como a brasileira, onde se observa de maneira flagrante a desigualdade baseada em pressupostos

étnico- raciais, faz-se necessário manter registros e classificações racialistas.

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Nos limites das políticas de incentivo à imigração, chamado no PNUD de “fenômeno

imigrantista”, tamanha a quantidade de imigrantes vindos ao Brasil a partir de 18803,

Qual seria o futuro de um país evidentemente mestiço? A saída foi imaginar umaredescoberta da nação, digerir certas partes da teoria racial, com a evidente oblite-ração de outras. Nesse arranjo, a miscigenação, antes de ser um obstáculo intrans-ponível ao avanço civilizatório, foi vista como um mecanismo redutor das contra-dições raciais e, ao mesmo tempo, instrumento de absorção da raça inferior pelasuperior, uma fórmula de superação da negritude e sua diluição pela mistura dasraças. (p.33)

Embora o racismo se materialize de maneira explícita ao analisar dados e materiais do

período, devemos ressaltar aspectos que contribuíram para que não se estabelecesse no país um

cenário de ódio racial, já mencionado anteriormente. Um deles dialoga com o ideário de nação e

homogeneidade do povo. A grande maioria da população das regiões Norte e Nordeste era de

origem africana, tanto no período da colônia quanto no Brasil do século XIX, enquanto que no

sul e no centro-sul do país, encontravam-se em números significativos brancos, embora

miscigenados, é certo (PNUD, 2005, p.34). As consequências de uma possível adoção de medidas

segregacionistas institucionalizadas, tal como ocorrera nos Estados Unidos e na África do Sul,

teriam sido, provavelmente, uma ruptura da homogeneidade nacional.

Somado a outros motivos, talvez essa mesma necessidade de manutenção da égide do

nacional tenha criado um cenário de ampla aceitação a um antirracialismo no país a partir da

segunda década do século XX.

O que seria o racialismo? Apesar de estar atrelado ao racismo, não podemos tomar os termos

como sinônimos. “A definição de racismo que me parece correta, terá, portanto, de ser derivada de

uma doutrina racialista, isto é, de uma teoria das 'raças'”. (GUIMARÃES, 2005, p. 34). O racismo

então, se utiliza do racialismo para estruturar uma ideologia hierárquica das "raças" humanas.

Guimarães auxilia muito nesse processo de distinção, quando concordando com Kwame Anthony

Appiah, define racialismo como uma doutrina, na qual se pressupõe que

(...)há características hereditárias, partilhadas por membros de nossa espécie, que nos permitem dividi-la num pequeno número de raças, de tal modo que todos os membros de uma raça partilhem entre si certos traços e tendência que não são par-tilhados com membros de nenhuma outra raça. Esses traços e tendências caracterís-ticos de uma raça constituem, na perspectiva racialista, uma espécie de essênciaracial; [essa essência] ultrapassa as características morfológicas visíveis – cor da pele, tipo de cabelo, feições faciais – com base nas quais fazemos nossas classifi-cações formais. (APPIAH, 1992, p. 4 apud GUIMARÃES 2005, p.30)

3 O Museu Nacional, ainda que de maneira tímida, se opôs às teorias racistas a partir dos anos 1930,ainda fortemente influenciado por teorias eugenistas pautadas em pressupostos científicos, através dafigura de seu então diretor, Edgar Roquete-Pinto, que chegou a defender publicamente a posição deque o “problema brasileiro seria uma questão de higiene e não de raça” (SCHWARCZ, 2000, p.96)

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Decerto, o racialismo não é mesmo que racismo. Mas por que ainda precisamos usar a ideia

de "raça" se é ela que inevitavelmente leva ao racismo? Primeiramente vale ressaltar o que se

define por racismo: “racismo diz respeito às práticas que usam a ideia de "raça" com o propósito de

desqualificar socialmente e subordinar indivíduos ou grupos, influenciando as relações sociais.”

(SEYFERTH, 2002, p. 28). Munanga (2004), ainda nos lembra que valores estéticos estão também

a serviço da hierarquização dos tipos humanos e Guimarães (2005), pontua uma ordem dita natural,

como fundamentadora do racismo.

Se no século XIX os imigrantes europeus eram vistos como a esperança de branqueamento

da nação, que assim poderia então se tornar “civilizada”, durante a Semana de Arte Moderna em

1922, as aspirações das elites intelectuais do período incluíam repensar a nação por meio de suas

origens. O negro é então idealizado como símbolo da brasilidade, junto às duas outras raças

formadoras da nação: a europeia e a indígena. Deve-se lembrar, entretanto, que apesar de se tratar

de um movimento antirracista que se enquadra em certa medida no programa político do

antirracismo ocidental, “no Brasil, esse programa, esposado por intelectuais brancos e de classe

média, ignorou muitas vezes o antirracismo popular dos pretos e mulatos que denunciavam as

barreiras intransponíveis do 'preconceito de cor' (GUIMARÃES, 2005, p.41).

Talvez tenha sido Gilberto Freyre o expoente máximo da antropologia social a romper o

ideário racista - ainda que de maneira muito criticada posteriormente -, com a publicação do grande

sucesso Casa Grande & Senzala (1933). O destaque se dá pela obra ter sido aclamada e muito bem

recebida pelos intelectuais e formadores de opinião do período, além de ter movido uma escola de

estudos raciais. Esse trabalho, seguido por outros como os de Donald Pierson, Melville Herskovits,

Franklin Frazier e Charles Wagley nas décadas de 1940 e 1950, assim como a contribuição da

Semana de 1922, incitou uma nova percepção sobre o nacionalismo no Brasil, buscando dirimir o

tal “complexo de vira-lata”, do qual falava Nelson Rodrigues nos anos 1950, sentimento em grande

parte implantado pelo racismo científico europeu.

Talvez essa tenha sido a maior falácia do mito da democracia racial, a imaginação de um

paraíso racial onde imperaria a harmonia entre as “três raças”, que contribuíram para o universo

cultural brasileiro conforme seu “potencial civilizatório” (GUIMARÃES, 2005, p. 56). Está aí,

ainda que de maneira tímida, uma hierarquia das raças nas contribuições para a nação.

A democracia racial tem por base a crença em um passado escravista paternalista ede relações benignas entre o senhor e o escravo. Nesse sentido, a miscigenação en-tre negros e brancos e os apadrinhamentos dos senhores aos escravos constituiriamexemplos incontestáveis de uma sociedade tolerante e avessa aos radicalismos ra-ciais. A visão sobre a miscigenação se inverte: o prisma negativo dos deterministasbiológicos dá lugar a seu oposto – ela é vista como um fenômeno positivo que ex-plica a ausência do ódio racial e do próprio racismo no Brasil. Em síntese, os teó-ricos idealizavam uma simetria entre as raças por meio do conceito-síntese deno-

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minado "democracia racial", na qual um cenário social e histórico é idealizado e emque índios, negros e brancos, cada um à sua maneira e conforme a sua cultura, par-ticipam da formação da nacionalidade brasileira. (PNUD, 2005, p.34)

Outro fator que coaduna com a assimilação da democracia racial no Brasil é o contexto perverso que

se forma a partir da modernidade, em torno do conceito de "raça". O racismo científico, que

possibilitou a divisão dos seres humanos em "raças" hierarquizadas, subdividindo qualidades morais,

intelectuais e psicológicas para justificar diferenças entre sociedades e populações,

sobreviveu aos estudos culturais, e ao desenvolvimento das Ciências Sociais para mostrar sua pior

face nos genocídios, holocaustos e sistemas segregacionistas institucionalizados. Após os horrores

da Segunda Guerra Mundial, há um esforço internacional e organizado para ir contra o termo "raça"

em todo e qualquer sentido que ele pudesse ser utilizado.

Afinal, se é o fenótipo, a morfologia, bem como a cor da pele, dos olhos e a textura dos

cabelos que na modernidade pautam a noção das diferenças raciais, no pós-guerra já era sabido que

a cor da pele é resultado de produção e concentração de melanina, onde a “raça” conhecida por

“branca” possui a pele, olhos e cabelos claros pois não concentra melanina como a “raça negra”. Os

chamados “amarelos” são o intermediário na escala de concentração de melanina. Mas a melanina

nem é fator de tanta importância no genoma humano, já que “apenas menos de 1% dos genes que

constituem o patrimônio genético de um indivíduo são implicados na transmissão da cor da pele,

dos olhos e cabelos.” (MUNANGA, 2004, p.2-3). Os pressupostos da craniometria, que se

pautavam no formato e no tamanho do crânio para classificar as "raças" também foram colocados

por terra em 1912 por Franz Boas, que observou que a forma do crânio é mais influenciada pelo

meio, ou seja, por fatores geográficos, assim como a concentração de melanina, do que por termos

raciais. Outros estudos de geneticistas, biólogos moleculares e bioquímicos, chegaram à conclusão

de que o patrimônio genético dos indivíduos não é semelhante a ponto de criar biologicamente

“raças” estanques.

Para tratar de grupos humanos mais isolados, com características partilhadas e costumes

endogâmicos, alguns cientistas da área biológica propuseram o uso do termo “população”, em

detrimento do termo “raça”. O termo manteria a ideia das diferenças dos tipos humanos, que são

inatas, mas evitaria a já cunhada naturalização e hierarquização que acompanha "raça" há muito.

De fato, o termo "raça" não seria um problema atualmente, não fosse a atribuição de valores

às diferentes características físicas e morfológicas percebidas nos homens e mulheres. Embora a

noção de "raça" baseada em traços fisionômicos, fenotípicos ou de genótipo não faça o menor

sentido para a ciência contemporânea, não somos todos iguais, ao mesmo tempo em que é verdade

que o povo brasileiro está além da tríade das "raças" fundadoras da nação.

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Se as "raças" não existem para explicar biologicamente as diferenças, elas são, sem

dúvida uma construção social, como vimos anteriormente, fruto da necessidade de classificação

que possui o ser humano para compreender suas origens e sua realidade.

Depois da guerra, portanto, para ser coerente com a genética pós-dawiniana, algunscientistas sociais passaram a considerar “raça” “um grupo de pessoas que, numadada sociedade é socialmente definido como diferente de outros em virtude de cetasdiferenças físicas reais ou putativas” (Berghe, 1970:10). Ou seja, os fenótiposseriamuma espécie de matéria-prima física e ganhariam sentido social apenas pormeio de crenças, valores e atitudes. Na ausência de marcas físicas, segundo algunsautores, esses grupos deveriam ser chamados, com maior propriedade, de étnicos.Apesar de a diferença entre grupos étnicos e grupos raciais ser sempre problemática.(GUIMARÃES, 2005, p.24)

Considerando a espinhosidade do conceito da diferenciação entre “raça” e “etnia”, buscamos

primeiramente ressaltar que um não substitui o outro. Por possuírem um caráter de dominação

política, é até perigoso que os dois termos se confundam. "Raça", como já vimos, pressupõe traços

morfológicos inatos, ou seja, sua justificativa é sempre biológica. Etnia, por sua vez, abrange

características socioculturais, psicológicas e sócio históricas. No limite das “categorias raciais”,

podem existir diversas outras identidades. Mais tolerado no que diz respeito ao senso comum,

até por conta de todo o histórico que vimos anteriormente, etnia é não raro, termo usado para

substituir ""raça"". Por si só esse não é um ato perigoso, como nos lembra Munanga, pois a

hierarquização dos tipos humanos, parte da gênese do racismo, não se altera com a mudança do

termo. Para o autor, ambos os termos são utilizados por todos, sejam racistas ou antirracistas. O

perigo está na utilização que se dá a eles.

No limite, quando brancos e negros são agrupados em categorias sociais diferentes,

independente de suas raízes culturais ou origem étnica, percebemos a persistência da ideologia

racista, ainda que sutil. É justamente ao ir contra essa persistência que as identidades se reforçam,

esse é o “efeito contrário” da globalização. “É a partir da tomada de consciência dessas culturas de

resistência que se constroem as identidades culturais enquanto processos e jamais produtos

acabados” (MUNANGA, 2004, p.14). O perigo está em tornar características identitárias culturais

caracteres biológicos.

Sendo assim, de quem tratamos quando nos referimos ao “negro”, representado no Museu

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Casa dos Contos? Estamos falando de negro como categoria identitária, de grande parcela da

população afrodescendente, autodeclarada ou não4. Trabalhamos a categoria “negro” num sentido

sociológico, onde a chamada “raça negra” toma certa etnicidade (GUIMARÃES, 2005, p.26).

Desde os anos 1950 e principalmente a partir do final dos anos 1970, quando se retoma os

trabalhos de duas escolas de “estudos raciais” surgidas nos anos 1950, proliferam-se estudos sobre

as desigualdades raciais, que lançaram luz à falta de oportunidades legada aos negros no Brasil. O

termo “raça” volta com força, porém como uma “categoria que expressa um modo de classificação

baseado na ideia de raça.” (GUIMARÃES, 2008, p.77). Ou seja, "raça" não diz respeito a um

conceito real, mas é de extrema importância para a compreensão da realidade social.

Em suma, embora a categoria “raça” não exista, necessitamos da noção sociológica

racialista, que considera as diferenças para diminuir as desigualdades de oportunidades, seja pela

adoção de medidas políticas universalistas, seja pelas polêmicas medidas particularistas, que como

já podemos observar, estão em curso, na tentativa de quebrar a “retórica da harmonia”, como pontua

Seyferth (2005, p.39), rumo a uma sociedade pluriétnica e multiculturalizada de fato.

4 A questão da declaração por cor é intrigante, e inclusive está ligada ao momento da adoção dotermo “negro” para designar a população afrodescendente pelas Ciências Sociais, que tomacredibilidade também no discurso político. O IBGE mantém cinco categorias de autodeclaração:brancos, pretos pardos, amarelos ou indígenas. Guimarães (2008, p.76) pontua que Hasenbalg(1979) e Valle Silva (1980) analisaram os dados produzidos pelo instituto e descobriram que,embora os números de autodeclarados pretos seja diminuto (nunca foram maior do que 5%), acategoria parda não apresentava indicadores sociais significativamente diferentes, portanto, mostrou-se conveniente agregar os dados das duas características. Guimarães conclui, assim, que “cor”,enquanto categoria no Brasil, não é objetiva, mas sim social.

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CAPÍTULO II

2. Os estudos sobre a representação das populações negras nos museus brasileiros.

Antes de tratarmos mais especificamente da exposição A Arte Afro-brasileira na coleção de

Toledo, que toma lugar no Museu Casa dos Contos, cabe a nós a contextualização do cenário dos

estudos sobre a representação do negro nos museus brasileiros, com o qual intencionamos

contribuir.

O cenário atual é de grande responsabilização social dos museus e demais instituições

culturais. O documento gerado pelo Seminário A Missão do Museu na América latina, realizado em

1992 em Caracas, na Venezuela, representou o marco do pensamento museológico mundial do

momento, caracterizando os rumos e os anseios das instituições museais centro e sul-americanas.

As instituições participantes visavam a transformação de monólogos em diálogos, e a “missão

comprometida” se deslocaria da sociedade como conceito vago e abstrato, para abranger às

comunidades em que os museus estão inseridos (MATTOS, 2010, p.73).

Sabemos que a função social dos museus perpassa toda a sua cadeia operatória, exigindo

uma equivalência das atividades desenvolvidas para com as demandas das comunidades nas quais

atuam. Uma de suas atividades é a comunicação, por meio da qual os museus podem representar a

comunidade e lhe servir como espaço de memória. Porém, essa representação nunca é definitiva,

neutra ou livre de conflitos, já que o museu pressupõe um espaço de diálogos e debates. O mais

acirrado e caloroso deles talvez tenha lugar nas disputas entre a memória e o esquecimento de

determinados grupos. No caso de um país como o Brasil, podemos perceber esse movimento ainda

mais saliente, uma vez que essa sociedade se formou a partir de diferentes movimentos, de diáspora,

de imigração em massa, de êxodo e também de dizimação de povos, como já vimos. O produto

dessa dinâmica é sem dúvida uma formação social multiétnica e plural, e um enorme desafio, o de

assegurar a equidade entre os diversos segmentos dessa sociedade.

Considerando que cerca de 80% dos museus brasileiros são públicos e financiados por

instâncias governamentais (SANTOS, 2004), essas instituições servem ao Estado como ferramentas

para a divulgação e fixação de uma identidade nacional comum. Os acervos museológicos e suas

estratégias de comunicação auxiliam na construção de uma história oficial, do mesmo modo que os

monumentos e os livros didáticos, apenas para citar exemplos mais explícitos.

Os museus então, são responsáveis pelo processo de institucionalização da memória de

determinadas culturas, musealizando seu patrimônio. Vimos anteriormente que o ideal de nação

perpassa as narrativas construídas a partir do patrimônio simbólico, e que o valor dado aos objetos e

artefatos, se reflete na valoração ou depreciação da cultura que os produz ou significa. Nesse

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sentido, podemos inferir que o espaço legado às populações negras no país da “Ordem e Progresso” -

ideais positivistas por excelência -, sobretudo no que diz respeito ao período de vigência do

racismo científico etnocêntrico como teoria auxiliar do discurso nacionalista, tenha sido o da exclusão

e da inferiorização, uma vez que não se entendia o negro nem sequer como apto à sobrevivência, o

que se dirá então sobre atributos e características heroicas, necessárias para a construção de um

discurso nacional do período?

Na impossibilidade de exclusão total das referências afro da cultura brasileira, es-tratégias diversas foram constituídas para dissimulá-las, como, por exemplo, a fol-clorização e fetichização da cultura de afrodescendentes no contexto da cultura bra-sileira. Sendo definidos lugares específicos para tais expressões culturais e ações dosseus agentes, sistematizando-se a cultura, estratificando-se indivíduos, manifesta-ções e testemunhos, valorando-os a partir de padrões, paradigmas e estereótipos,também foram produzidas tipologias diferenciadas de locais de preservação, surgin-do espaços alternativos para expressões consideradas à margem ou mesmo fora donível que se pretende estabelecer para as qualidades da “cultura nacional”.(CUNHA,2003, p.276)

Percebemos, então que a lógica por trás de conceitos como folclórico e etnográfico, surge

com pressupostos de atribuição de valor, de hierarquização das culturas que compõe a sociedade

brasileira. Os museus serviram, nesse processo, e ainda servem em grande medida, para a

propagação de polaridades como as existentes entre o popular e o erudito, o escolarizado e o não

escolarizado, entre a arte acadêmica e o artesanato, não como conceitos inerentes, mas sim como

ideologia política de manutenção do status quo.

Entretanto, esse processo de atribuição de lugares específicos para a representação do negro

não foi explícito, à medida em que as relações raciais no Brasil se voltavam para uma política não

racialista. A ideologia da democracia racial enquanto movimento político, difundido no país a partir

dos anos 1930, por ter idealizado uma nação híbrida e mestiça sem racismo ou hierarquização

racial, atrasou, segundo Munanga (2003), em muitos anos o debate a respeito da inserção de “ações

afirmativas” e de uma abordagem multiculturalista no sistema de educação básica.

Contudo, no interior dessa postura homogeneizante, percebe-se com clareza o tratamento

racial nas representações da sociedade brasileira em instituições de memória, uma vez que o local

ocupado pelo negro quase sempre remete ao drama da escravidão e à práticas populares tais como o

samba, o carnaval e o futebol. A elite brasileira, em paralelo, é vinculada às artes, à política, ao

investimento em estrutura, às indústrias e às demais profissões de prestígio no país. O que

percebemos de maneira recorrente em grande parte das instituições, são representações

etnocêntricas não racializadas. Tal como afirma Santos (2004),

O silêncio sobre raça pode representar a predominância de um imaginário coletivo, comum, capaz de se impor ao conjunto de cidadãos, independente de cor, etnia ou nação. Cabe a nós, entretanto, investigar este imaginário comum e perceber em que

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medida ele traz hierarquia de valores e elege padrões estéticos e produções culturais de um segmento populacional em detrimento de outro (p.7).

Os trabalhos desenvolvidos pela historiadora Myrian Sepúlveda dos Santos (2004 e 2005)

são grandes marcos no campo de estudos sobre a representação das populações negras nos museus

brasileiros, e servem, junto com O Negro nos museus brasileiros (2005) do antropólogo Raul Lody,

como referência para grande parte dos trabalhos publicados a esse respeito que se seguiram.

Existem elementos basilares que motivam o fato. Um deles a ser ressaltado, é a estrutura do

raciocínio de Santos, principalmente no primeiro artigo, publicado em 2004: Entre o Tronco e os

Atabaques: A Representação do Negro nos Museus Brasileiros, por ocasião do Colóquio

Internacional Projeto UNESCO no Brasil 50 Anos Depois.

A historiadora aponta a tendência de um movimento crescente nos museus em busca pela

construção de uma nova imagem do negro para o grande público. Como maior exemplo, Santos

referencia a criação de dois museus afro-brasileiros de nova roupagem – o Museu Afro-Brasileiro

'MAFRO' em Salvador (1982) e o Museu Afro-Brasil em São Paulo (2003) – como parte do

programa de uma agenda pública com interesses na implantação de ações afirmativas que objetivam

o combate às desigualdades raciais. Podemos entender essa técnica, segundo a autora, como um

“processo crescente de racialização da cultura brasileira” (2004, p.17.). Nesse sentido, a tendência

dessas instituições passa pela criação de uma representação que se afaste da vitimização da

população negra no Brasil, para ir além de uma memória que se encerre com a abolição, além de

uma representação do negro como coadjuvante de sua história. Aliás, a própria criação dessas duas

instituições é resultado de um longo processo de lutas do movimento negro, que vem conquistando

apoio público para defender uma nova imagem, reescrever e preservar uma outra história social

afro-brasileira, uma vez derrubado o mito da democracia racial. Podemos incluir também no mesmo

patamar, a realidade de novos projetos políticos desenvolvidos na África do Sul como o memorial

do Freedom Park5, que expõe o drama dos conflitos raciais do passado do país de maneira a

conservar a memória das vítimas, mas sobretudo como meio de estabelecer uma “celebração

coletiva da dor”, dando destaque às heroínas e aos heróis da luta contra o apartheid, e não ênfase à

dor e ao luto como narrativa distante da realidade cotidiana.

5 O Freedom Park, ou Parque da Liberdade em português, é um projeto sul-africano culturaldinâmico e multidimensional que conta a história da África do Sul do período pré-colonial até aatualidade. O projeto celebrará todos os que morreram durante a luta pela libertação e homenagearátambém a conquista da democracia e da liberdade. A intenção é proporcionar um maiorentendimento coletivo do país e de seu povo. Composto por um memorial, um museu interativo eum jardim das recordações, o parque busca a abordagem de lacunas, distorções e preconceitos,fornecendo novas perspectivas sobre a tradição sul-africana e colocando em xeque visõestradicionais por meio de uma reinterpretação dos locais já existentes do patrimônio nacional.(ABRAHAMS, 2004)

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Em sua narrativa, Santos (2004) nos lembra de outras realidades, muito mais comuns à

representação do negro em instituições de memória e chama atenção para a necessidade de

superação desses modelos, principalmente em se tratando da representação do trauma da

escravidão. No geral, as representações do negro nos museus brasileiros estão focalizadas ora no

tronco, ora nos atabaques, como sugere o título escolhido pela autora. O que está nesse intermédio,

toda uma história, de lutas e negociações, de suor e de resistência, é constantemente silenciado.

Estamos acostumados a ver o negro representado por intermédio dos instrumentos utilizados para

seu suplício no período escravocrata, instrumentos utilizados como forma de dominação e

manutenção de uma ordem racial preestabelecida; ou então, nos acostumamos a ver a folclorização

de sua religião, sua arte colocada à parte de uma história nacional e academicista, suas

manifestações como fetichizadas ou encerradas nos limites dos estereótipos. A questão que se

sobressai tenta compreender quais são os agentes beneficiados pela representação de um grande

drama coletivo que define as estruturas de uma sociedade sem sua devida problematização. A quem

serve a manutenção desse tipo de representação?

No interior das disputas que envolvem diferentes grupos sociais e uma história nacional

compartilhada, é comum e necessário o estabelecimento de marcos fundadores e de heróis. Santos

exemplifica o “Dia da Consciência Negra”, data cunhada pelo movimento negro, como um dia

símbolo da luta pelo seu protagonismo no período abolicionista. Ao invés de celebrar o dia em que a

Princesa Isabel assina a Lei Áurea, o movimento insere Zumbi dos Palmares como herói da

resistência à dominação, negando a abolição da escravidão como um “presente”. Junto à figura que

reverte a passividade do negro, Zumbi traz também a ideia de uma nação constituída por diferenças

étnicas e culturais. Por que então, não é comum que sejam valorizados heróis como Zumbi nas

instituições museológicas em detrimento dos instrumentos de tortura, tão comuns às linguagens

tradicionais quando tratam a História Oficial do Brasil? “No ambiente neutro em que são mostrados

esses objetos, eles tendem a cumprir a função de banalizar os açoites, as chicotadas, o trabalho

forçado, a separação de famílias e o aviltamento a que foram submetidos os escravos” (SANTOS,

2004, p. 13). Nos perguntamos, entretanto, quais são os limites para que esse ambiente deixe de ser

neutro. Teria o Museu Casa dos Contos abandonado a neutralidade quando se utiliza de um espaço

conhecido como senzala para estabelecer sua narrativa sobre o negro? Como se caracteriza o

imaginário dos visitantes com relação a esse aspecto?

A autora conclui que a história da escravidão não tem sido narrada e transmitida por

intermédio de uma voz dos “escravizados”. Quem são seus autores? Há relatos de escravizados

sobre a escravidão ou eles tornam-se “memória adquirida”? A memória de um trauma tem

reverberado ao longo de gerações não familiarizadas a esse drama, ou ainda, gerações que não se

identificam com a representação subalternizada desses povos. Afinal, qual é o impacto que a25

história da diáspora africana e que a história da escravização dos africanos e afro-brasileiros ainda

consegue causar nas gerações atuais? A história não teria se tornado parte de um passado distante,

anterior à grande miscigenação das “raças” que formaram o povo brasileiro? Qual é o direito que o

outro, ou seja, aquele que não sente os ecos da dor e do sofrimento causados pela escravidão de

encená-la nos museus? “Mas o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de

seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde, afinal está o perigo?” (FOUCAULT, 2010,

p.8.).

Outros trabalhos também se preocupam com as mesmas questões e, principalmente buscam

analisar de maneira crítica a velha estrutura comunicacional de museus que encerram a

representação do negro no contexto do período escravista, sem incitar maiores reflexões ou

questionamentos. A abordagem de autoras como Machado (2013), Barbosa (2012) e Mello (2013)

nos permite uma visualização do contexto brasileiro como uma unidade relativamente comum.

Machado faz a análise de dois museus no Rio Grande do Sul que possuem representações

racializadas, embora abordagens distintas: o Museu Júlio de Castilhos, administrado pelo Estado do

Rio Grande do Sul, criado no início do século XX, tendo adotado o modelo do Museu Histórico

Nacional, se devotando às Ciência Naturais até a década de 1950, quando adota uma tipologia

histórica com o objetivo de trabalhar a memória regional e oficial do Estado. A outra instituição

estudada é o Museu de Percurso do Negro (MPN), criado no início do século XXI, a partir de uma

demanda do Movimento Negro também em Poto Alegre, e possibilitado a partir da abertura gerada

pela Nova Museologia. O MPN é um museu de território que trabalha marcos representativos da

memória e da territorialidade negra espalhados pela capital gaúcha.

A autora indica que o Museu Júlio de Castilhos concentra a maior parte de suas narrativas

com relação aos povos negros em uma sala denominada “Período Escravista”, denotando com a

própria seleção do nome uma também seleção temporal de desprivilegio do negro nos limites da

exposição, onde “a homogeneização do ‘outro’ negro, o destaque à violência escravista e o

silenciamento sobre a cultura afro-brasileira” (MACHADO, 2013, p.54) tomam lugar como

estratégias de representação da instituição. Quando o visitante sai do “período escravista”, é como

se o negro tivesse se convertido em “vestígio do passado”, no qual após sua abolição – onde não são

mencionados seus protagonistas negros -, não houvesse mais história a ser contada.

Já o Museu de Percurso do Negro, constitui-se numa tentativa de contestar as representações

racializadas de vitimização, buscando a reprodução da cultura, memória e história dos povos negros

de maneira positiva. Isso ocorre no destaque visual aos chamados “territórios negros urbanos”. A

autora salienta que imagens positivadas como essas só puderam ser construídas a partir de um

processo histórico de inversão da representação do “outro”, como pode-se observar no Museu Júlio

26

de Castilhos, pela “auto representação”, onde o próprio negro constrói e representa a imagem que

deseja apresentar de si no museu.

Barbosa (2012), estuda a característica cenográfica de dois museus mineiros, que segundo a

atribuição da autora, muito se assemelham à atividade cênica, sobretudo quando constroem

caracteres identitários nacionais. São eles o Museu da Inconfidência (1944) em Ouro Preto e o

Museu do Ouro, em Sabará (1946). Segundo a autora, ambos museus fazem a seleção dos atores

sociais que figuram como destaque no período em que querem representar – sumariamente o século

XVIII -, tanto na área mineradora quanto na formação do imaginário nacional, privilegiando a

etnicidade portuguesa. Para Barbosa, no período em que os dois museus foram idealizados, décadas

de 1930 e 1940, coexistiam outros ideais de nação, que não figuram no discurso institucional, por

não terem sido considerados pertinentes para a imaginação social.

As exposições museológicas talvez sirvam de momento e lugar mais propícios para verificação da dualidade ausência/presença quando nos referimos a representação denegros em museus. Aquelas dos museus que ora estudamos parecem desconhecer as dinâmicas das relações sociais na diversidade brasileira desde o período colonial. (p.102)

A autora também entende que o que é comum em várias instituições quando representam

culturas africanas diaspóricas através de suas exposições, também acontece nos museus estudados

por ela, onde o tema da escravidão é utilizado como parte do contexto para narração de uma

História Oficial, desencadeando na naturalização da condição de escravizado e do processo

escravagista, com o uso ilustrativo de objetos que serviram como instrumento de suplício. Sendo

assim, esses museus optam pela seleção de uma memória do trauma e do castigo em detrimento da

memória que alude à descendência, à resistência e à etno-história.

Mello (2013) nos lembra que os museus e seus profissionais devem atentar para o discurso

que veiculam e seus sentidos, contextualizando e refletindo sobre as marcas que a escravidão legou

a toda a sociedade brasileira. Nesse sentido, a historiadora atenta para os potenciais educativos dos

museus, que segundo ela, “educa(m) por meio da tridimensionalidade”. Sendo assim, ressalta-se a

responsabilidade dos técnicos que atuam nos museus e trabalham diretamente com seu acervo, que

apresenta inúmeras possibilidades de narrativas. É necessário também que tenhamos em mente o

potencial comunicador das exposições, onde o discurso pressupõe-se intercambiável, através do

estabelecimento de um diálogo entre o emissor e o receptor.

A dimensão dialógica propicia aos museus e às suas ações educativas densidade paradiscutir o pluralismo e o processo litigioso das memórias. É necessário prever, in-cluir e expor formas diferentes de perceber o tempo e a história, principalmente de povos que estiveram silenciados durante um longo período como os de matriz africa-na.” (p. 55)

27

Como também nos lembra Lima (2004), “o significado da cultura material não é fixo, nem

estático, mas está constantemente sujeito a mudanças” (p.24). O formato que tomam os artefatos

nas exposições museológicas, são manipuláveis, passíveis de ressignificação, atendendo aos

interesses dos agentes sociais que participam das relações de poder constituídas nos museus. Um

mesmo objeto, nesse sentido, pode ser utilizado para contar histórias e produzir narrativas sobre

diversas perspectivas.

O antroplólogo e museólogo Raúl Lody, quando publica O Negro nos Museus Brasileiros

(2005), trata sobre seu estudo de coleções e documentos representativos das culturas afro-

diaspóricas, em museus de oito diferentes estados brasileiros, traçando um panorama da cultura

afro-brasileira musealizada, e inserida também em institutos históricos, acervos particulares,

terreiros de candomblé e em mercados populares. O autor nos lembra que a constituição desses

acervos está em sua maioria, distante das aquisições oficiais para a construção de narrativas no

patamar do nacional. A formação de muitos acervos passa pela história da dominação, servindo

como troféus de guerra, comprovação de uso de força militar ou econômica, e de dominação de

territórios. “Fica nesses exemplos o museu apenas enquanto um depósito de espólio dos guerreiros

vitoriosos na ocupação do mundo inculto”. (p.28). É inevitável que caiamos na problematização do

direito ao patrimônio, e principalmente do direito à sua guarda e a seus usos. Sobretudo quando

sabemos do processo de perseguição institucional e política a cultos, ritos, e manifestações artísticas

e culturais de referência africana e/ou afro-brasileira. Segundo Lody, a partir da segunda década de

século XX, pode-se verificar o aumento da repressão policial a essa categoria de manifestações,

sobretudo as religiosas, de matriz africana e afro-brasileira nos Estados do Norte e Nordeste, onde a

perseguição armada, de caráter punitivo e destruidor, perdurou até a quarta década do século XX.

Esse cenário só vem a se diferenciar, conforme o autor, cerca de cinquenta anos após a

imputação das repressões institucionalizadas, num certo movimento econômico, político e cultural,

da criação de um ideário afro. Estético, cultural e artístico, as dimensões desse movimento chegam

ao que chama Lody, de resultados “afro-abrasileirados”, gerando motivações para artistas plásticos,

grupos de afoxé, blocos afro, músicos e escolas de samba (p.24).

Contudo, o antropólogo não apresenta o mesmo posicionamento de Cunha (2003),

referenciado anteriormente, em se tratando dos museus e laboratórios etnográficos e dos institutos

históricos e geográficos. Parte dos acervos estudados pelo autor, advém de um “salvamento”

realizado por estudiosos e pesquisadores desses institutos, ainda que o autor pontue que essa

motivação, por vezes esteja ligada ao entendimento dos artefatos como exóticos, portanto dignos de

guarda e exposição.

28

O autor ressalta também a falta de conhecimento sobre os acervos apreendidos, e sobretudo

a dificuldade de atribuir significação a objetos que possuem forte carga simbólica nos cultos, rituais

e nas comunidades de onde foram expropriados.

Quando o objeto é isolado de seu criador, de seu usuário, adquire valoração, numprimeiro momento exclusivamente material; e, interpretado, poderá readquirir con-ceitos morais e étnicos que lhe conferem seu valor simbolizador, ora de autores,ora de grupos sociais, de um determinado momento da história, de aspecto da vidacultural de populações. (p.27)

Ou seja: qual a função de um objeto quando isolado de suas funções sociais? Como

podemos, enquanto técnicos e profissionais de museus tentar diminuir os prejuízos causados por

esse tipo de repressão étnico cultural, violência e desapropriação de bens? Essa é uma questão que

está longe de ter uma resposta simples, mas Lody aponta um caminho também nada fácil de ser

concretizado: através de um amplo processo de educação patrimonial, que atinja às diferentes

populações e regiões do país.

O caminho para a construção de uma memória negra mais democrática, entretanto, não

passa pelo silenciamento do trauma da escravidão. Esse drama coletivo, ainda que extremamente

doloroso, é elemento constitutivo da identidade nacional, e sem dúvida é assunto a ser abordado nos

museus. Como ressalta Abrahams (2007) “Ao tratarmos do tema da escravidão, podemos

reconhecer e reafirmar a identidade de um grupo, bem como evitar que novos abusos venham a

ocorrer” (p.92). Ainda segundo o autor, é necessário pensar os museus como lugares em que é

possível não somente a manifestação das identidades, mas local em que podemos desconstruí-las se

necessário, contestá-las se assim julgarmos coerente. Essa necessidade se faz ainda mais latente

quando pensamos no momento em que vivemos, globalizado, de rápida mudança social, em que a

busca pelas raízes e a renovação dos laços comunitários, étnicos, familiares e religiosos, surge como

resposta ao medo da efemeridade. É preciso, contudo ponderar como a memória dos grandes

dramas será veiculada. Há necessidade de uma política e sobretudo de reflexão institucional. Afinal,

o drama coletivo da escravidão é um elemento histórico que possui efeito direto sob a paisagem

social, econômica, política, cultural e histórica do Brasil.

2.1. A exposição A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo: A Casa e a coleção.

A coleção da qual pretendemos tratar, exposta sob a forte chamada A Arte Afro-brasileira na

Coleção de Toledo, é de propriedade particular da família Toledo, conhecida por ser empresária do

ramo de antiguidades há anos na cidade de Ouro Preto. Os objetos estão dispostos no espaço

conhecido como senzala do Museu Casa dos Contos, exposição essa que servirá como laboratório

29

para compreensão da representação e recepção da memória do trauma coletivo da escravidão e da

memória dos povos negros em geral no Brasil. A exposição pode ser considerada como um módulo

fisicamente isolado dos demais que compõem o circuito do museu e é composta por objetos que vão

desde exemplares de louça inglesa a instrumentos de tortura, registro de compra de escravizados e

pistolas..

2.1.2. O Museu Casa dos Contos

O prédio que abriga atualmente o Museu Casa dos Contos foi construído por João Rodrigues

de Macedo, entre 1782 e 1784, tendo sido considerado o maior banqueiro do século XVIII. “Seus

detalhes arquitetônicos, amplos salões decorados – agora se descobrem outros forros pintados –

senzala, quartos de hóspede e demais dependências, indicam a importância de seu proprietário”

(Ferraz, 2007). Nesse período, a casa além de lhe servir de residência, também funcionava como

Casa de Contratos, e de arremate da Arrecadação Tributária das Entradas e Dízimos. No período

que ficou conhecido como o da Inconfidência Mineira, o prédio serviu de abrigo para as tropas do

vice-rei e de prisão temporária para os envolvidos no movimento.

Em 1792, devido a dívidas contraídas por seu proprietário, passa a funcionar mediante

aluguel a Administração e Contabilidade Pública da Capitania de Minas Gerais, denominada de

Casa dos Contos, nome que permanece até a atualidade. No ano de 1803, a inadimplência do

contratador junto à coroa fez com que a casa fosse transferida aos bens da Coroa Portuguesa. O

prédio sofreu diversas alterações em sua estrutura, tendo sido sua primeira reforma de expansão

datada de 1820. Em 1824, uma nova reforma adaptou o prédio para receber a Casa de Fundição

do Ouro e da Moeda, já justificando a sua administração atual pelo Ministério da Fazenda.

Com a transferência da capital de Minas Gerais para a planejada Belo Horizonte, o prédio

passa a abrigar simultaneamente os Correios e a Caixa Econômica. Em 1970, a Prefeitura ocupou o

prédio, que somente em 1973 é retomado pelo Ministério da Fazenda, tendo sido inaugurado ali o

Centro de Estudos do Ciclo do Ouro (Ceco).

O Ceco foi criado com a finalidade de abrigar as microfilmagens dos documentos

econômico-fiscais relacionados ao Ciclo do Ouro, e o chamado Arquivo da Casa dos Contos e a

Biblioteca Luiz Camillo de Oliveira Netto. O prédio sofreu restaurações para abrigar o acervo

referente à história econômico fiscal do país.

O Museu Casa dos Contos hoje, possui espaços para exposições de longa e curta duração,

que se organizam entre os três pisos do edifício e o subsolo conhecido por “senzala”, esse último,

que abriga a exposição que serve como objeto de estudo.

30

2.1.3. A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo

O circuito deste módulo da exposição começa com a descida ao subsolo, onde está disposta

uma escadaria de ferro, em adição à original, em piso “pé-de-moleque”, construído a partir de

pedras extraídas nos leitos dos rios. De imediato o visitante se depara com um banner que contém o

seguinte texto diagramado junto a uma fotografia de José Lucas Toledo, já falecido, aquiridor da

coleção.

A Arte Afro-Brasileira na Coleção de ToledoConstrutores de Minas e do Brasil, os africanos e seus descendentes constituem umdos mais vigorosos pilares da historia de Ouro Preto. Eles chegaram ao longo dosséculos XVIII e XIX, submetidos à condição servil, trazendo quase em segredo,uma rica tradição cultural. Nos meandros do sincretismo, sua contribuiçãofloresceu intensamente e deixou raízes. A saga de Chico Rei traduz exatamente amobilidade dos africanos no espaço social assim como o prestigio do Aleijadinho ede Lobo de Mesquita testemunha a escalada dos afro-descendentes, pela via dasartes na primeira sociedade urbana do Brasil.Essa inclusão no processo cultural do pais passa pelos conhecimentos de quedispunham em campos como a mineração e a geologia, para chegar à culinária,usos e costumes, bem como ao enriquecimento da língua e a originalidade daprodução artística. Daí o imenso acervo afro-brasileiro, do qual oferece admiráveisexemplares o conjunto reunido pelo colecionador ouro-pretano José Lucas Toledo. Ainda menino, habilidoso aprendiz de sapateiro, Toledo deixou-se encantar pelostesouros de sua cidade e, pouco a pouco, firmou-se a si mesmo como notávelconhecedor das artes plásticas e do mobiliário dos períodos colonial e imperial.Para si, igualmente, reservou peças significativas entre as que foi recolhendo, enesse contexto destacam-se as de origem afro-brasileira.Com sensibilidade e pertinência, ele compôs um repertorio de obras de arte, objetose utensílios que narram a vida dos africanos na antiga Vila Rica de minas de ouro.Trata-se de elenco de testemunhos materiais que, na esfera domestica e no espaçopublico, ilustram, de maneira impactante, a historia da mentalidade e docomportamento dos africanos no quadro em que se configurou o Brasil. Instrumentos de tortura, de que não se deve esquecer, integram a coleção tantoquanto peças representativas da vida cotidiana e das diversas vertentes. Aofranquear ao publico parte do acervo, nesta exposição organizada pelo artistaRoberto Sussuca, José Lucas Toledo, presta mais um serviço a sua comunidade e àcidade que muito lhe deve pelo cuidado com o patrimônio e amor às artes. (ÂngeloOswaldo de Araújo Santos6) - (Anexo 1)

6 Ângelo Oswaldo de Araújo Santos é atual Presidente do Instituto Brasileiro de Museus(IBRAM) – Mandato com início em 2013. Nascido em Belo Horizonte (MG), em 1947, é escritor,curador de arte, jornalista profissional, advogado e gestor público. Formou-se em Direito pelaUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1971, e cursou o Instituto Francês de Imprensa,em Paris (1973-1975). Foi crítico literário do Diário de Minas e editor do Suplemento Literário deMinas Gerais. Como gestor público, foi secretário de Turismo e Cultura da PrefeituraMunicipal de Ouro Preto (1977-83), prefeito de Ouro Preto por três mandatos (1993-1996; 2005-2008; 2009-2012), secretário de Estado da Cultura de Minas Gerais (1999-2002), presidente doFórum Nacional de Secretários Estaduais de Cultura (2002) e ministro interino de Estado daCultura do Brasil (1986 e 1987), na gestão do ministro Celso Furtado.

31

O espaço físico da exposição de divide em dois, sendo uma sala ao fundo e um grande salão

no início do circuito onde estão dispostas vitrines e objetos de grande porte acomodados sob o piso

irregular revestido por pedras.

Segue abaixo, um arrolamento dos objetos dispostos no ambiente:

Três (3) ex-votos esculpidos em madeira, sendo o primeiro datado de 1795, o segundo de 1771 e o

terceiro sem data repreenta uma mão;

Duas (2) imagens religiosas de pequeno porte;

Onze (11) peças de cerâmica, sendo identificadas como potes, pratos e um cuscuzeiro;

Trinta de dois (32) pares de equipamentos para montaria: Estribos e caçambas de uso masculino em

madeira, metal dourado e alpaca, datados dos séculos XVIII e XIX e estribos de uso feminino em

metal datados de fins do seculo XVII;

Um (1) tear em madeira, com datação identificada do século XIX;

Duas (2) Rocas;

Duas (2) cadeiras em madeira, sendo uma delas identificada como “Cadeira de idosos enfermos”;

1 (um) cinturão de sinos de tropa, em couro com sinos em metal;

Um (1) arreio de couro e tecido;

Quatro (4) espadas em prata, ouro, couro e madeira, e uma (1) adaga, datados dos séculos XVIII e

XIX;

Um (1) porta livro em madeira

Um (1) instrumento em madeira usado para expor e imobilizar escravizados, dividido em duas

peças de madeira sobrepostas, com seis pares de buracos utilizados para prender mebros inferiores e

superiores, com duas alças nas laterais.

Quatro (4) baús, um deles em madeira, dois em couro com detalhes em metal e madeira, e o último

em couro, madeira e ferro, com a seguinte identificação “Arca de Noiva – Madeira século XVIII”;

Oito (8) folhas de documentos, sendo uma delas o registro de compra de escravizados datada de

1872, outra uma página do jornal “Monitor Campista”, de 1869 noticiando um leilão de

escravizados e recompensa para captura de fugitivos escravizados, uma carta de alforria, dada

pela “Sra. Anna Augusta de Jesus à escrava Tereza” sem data, um registro de posse de

escravizados do século XIX, proveniente do Rio de Janeiro e por último carta de registro de

aquisição de escravizados sem data; Duas (2) moedas;

Uma (1) pistola;

Uma (1) cadeira de dentista;

Um (1) instrumento museical identificado como Caxambú, em madeira e couro;

Três (3) pilões, sendo um de Madeira e dois de aço;32

Oito (8) dobradiças e dezesseis (16) cravos identificados como “conjunto de dobradiças e cravos”;

Uma (1) prensa de óstia, identificada;

Uma (1) armadilha em madeira para capturar peixes em córregos;

Duas (2) armadilhas indentificadas por “armadilhas de mato - utilizada para capturar escravos

fujões”;

Uma (1) bigorna de ferro;

Seis (6) ferramentas usadas para fundição de metais;

Uma (1) forma de modelar queijos em madeira, datada do século XIX;

Duas (2) chaleiras, sendo uma em ferro e outra em alumínio, ambas datadas do século XIX;

Quatro (4) chaves de metal;

Dois (2) cachimbos em terracota datados do século XVII e XIX;

Uma (1) roda d'água de madeira;

Sete (7) recipientes de pedra-sabão, sendo panelas, tachos, armazéns e um escoamento de bica

d'água;

Um (1) moedor de grãos em madeira, de grande porte;

Um (1) tacho de cobre com escumadeira também em cobre;

Duas (2) balanças de ouro, datadas do século XIX;

Uma (1) balança de metal;

Dois (2) instrumentos de medida em metal;

Três (3) bigornas de ferro;

Duas (2) batéias em madeira;

Uma (1) balança de mercado, de grande porte em madeira e ferro, com datação do século XIX;

Quatro (4) cerâmicas, sendo dois pratos, uma sopeira e uma jarra;

Um (1) pote de louça, identificada como louça de Limogène, região da França, com datação do

século XIX;

Doze (12) utensílios de carpintaria, sendo identificados como plainas, compasso, furadeira, chave

de fenda, graminho, encho e golvete;

Seis (6) pesos de balança esculpidos em pedra-sabão;

Dois (2) serrotes de ferro;

Três (3) aquarelas em papel assinadas por “Luciomar”, datadas de 2005, representando o uso de

gargalheiras, algemas e ferro de marcar a pele de escravizados;

Três (3) desenhos a lápis grafite em papel representando o uso de bolas de ferro em escravizados.

Dois deles também assinados por “Luciomar”;

Uma (1) reprodução emoldurada de desenho aquarela de viajantes naturalistas com assinatura não

legíel, representando o cotidiano da vida colonial em uma praça;33

Um (1) instrumento identificado por “anjinho”, ou “viramundo, instrumento de tortura em ferro,

datado do século XVIII;

Doze (12) ferros de passar datados do séculos XIII a XX, todos em metal;

Dezoito (18) ferramentas de mineração de ouro em metal, datadas do século XVIII;

Três (3) pistolas de “pederneira”, em madeira, ferro e alpaca, dos séculos XVIII e XIX;

Um (1) “Polvarino” de fins do século XVIII;

Um (1) alambique de pedra-sabão;

Cinco (5) candeias em ferro, cobre e metal dos séculos XVIII e XIX;

Dois (2) moedores de café com balde de recolha.

Os técnicos da instituição não possuem registros senão o contrato de comodato da coleção,

em que constam os deveres e direitos da instituição e do proprietário da coleção Edson Toledo,

documento que não tivemos acesso.

Segundo os colaboradores do museu, a exposição que ocupava o espaço anteriormente à

Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo tinha temática afro-brasileira, e teria sido organizada

pelo artista ouropretano conhecido por “Chiquitão”. No entanto, a instituição não guarda registros

oficiais dessa mostra, desmontada há pelo menos oito anos, quando a atual toma lugar. Algumas

modificações foram realizadas ao longo do período em que a exposição foi aberta ao público.

Anteriormente, a mostra contava com um maior número de objetos que já retornaram ao

colecionador, segundo colaboradores.

2.2. Análise do Discurso

Uma vez que o texto de abertura é o principal elemento balizador da narrativa expográfica,

na presente análise do discurso ele terá um forte peso.

Antes de se deparar com o texto, no entanto, o visitante, após indicado por funcionários,

pode perceber na descida para a sala de exposição, a sinalização em três idiomas indicando que

abaixo encontrará uma antiga senzala.

Não cabe a este trabalho investigar o fato de o local referido se tratar ou não de uma senzala.

É certo que surgem dúvidas até mesmo institucionais que cercam o fato, e entremeiam argumentos

de historiadores que apontam que o tratamento desumanizado dado ao negro escravizado, não

propriedade onerosa ao senhor, não convinha àquele espaço insalubre, de grande umidade por conta

do rio que passa por detrás da casa, propenso à proliferação de doenças infecto contagiosas. Para o

senhor, perder um "escravo" significava perder além dos prováveis lucros que viria a ter com a

34

força de seu trabalho, perder ainda parte de sua propriedade. Outra parte da argumentação gira em

torno de que a antiga casa de fundição de ouro não demandava atividades em larga escalade

produção, como exemplo as atividades de extração de minério, como o ouro. Essas atividades

tinham lugar em espaços relativamente distantes dos centros urbanos, característica que já possuía

Vila Rica no auge da “Casa dos Contos”.

Quando então o enunciatário do discurso desce ao patamar da sala, se depara diretamente

com o sistema de escoamento de esgoto da Casa, já que o ambiente expositivo está ao lado de um

córrego que atravessa a cidade. À frente do visitante, também está disposto um banner com o texto

de abertura acima transcrito. Tendo escolhido fazer a leitura ou não, o visitante visualiza a

fotografia de José Lucas Toledo, que recebe grande destaque na narrativa do texto de abertura.

A primeira parte do texto, que evidencia aos africanos e seus descendentes como destaque da

representação da exposição, menciona também o controverso sincretismo, e a mobilidade e escalada

social dos povos negros. Quando trata de prestigiadas figuras históricas, e de certa maneira

mitológicas – a saber: Aleijadinho e Chico Rei – o texto busca trabalhar o fato de que embora

estejam expostos instrumentos de tortura, mencionados adiante, existiram exceções à regra da

realidade servil.

No entanto, é importante pensar se a possibilidade de “mobilidade social” abordada no texto é

explorada na narrativa construída através dos objetos. A coleção, é tida como um conjunto de

objetos que narra a vida dos africanos na pretérita Vila Rica. Não há, porém, maneira de isolar a

vida dos escravizados do contexto social do período, uma vez que não foram trazidos na condição

servil por opção, mas sim sob a égide de um sistema escravocrata coadministrado por muitos,

inclusive outros africanos.

Instrumentos de extração de minério dizem tanto respeito a quem os manipulava quanto a

quem comandava seu uso. Utensílios de cozinha podem igualmente representar a quem fazia o

preparo dos alimentos quanto aos que eram servidos. Nesse sentido, a escolha de vincular os objetos

expostos aos africanos e seus descendentes no texto, é uma vertente de representação. Uma escolha

dos organizadores. Contudo, são escolhas representativas como a exibição de desenhos que ilustram

os usos dos instrumentos de tortura que aproximam a representação da ótica dos que empunhavam

os instrumentos.

A disposição de uma pistola ao lado de documentos de posse de escravizados constitui outro

elemento que desloca a narrativa visual do eixo proposto pelo texto. Ou seja, ainda que no mesmo

ambiente estejam dispostos cachimbos de terracota, utilizados em momentos de prazer individual

ou coletivo por escravizados, é a religião Católica dominante nos séculos XVIII e XIX

35

representados pelos oratórios, ex-votos e imagens, que se faz presente como elemento que diz

respeito à fé no período.

Dito isso, sabemos que outra escolha de grande impacto para dar ênfase ao Africano ou

afrodescendente como cativo do sistema escravocrata, distanciando-o da mencionada mobilidade

social, é adoção da “senzala” como espaço expositivo. Uma vez que esse espaço representa a

privação da liberdade e de todo e qualquer direito dos negros, o ponto de vista da representação é

sem dúvida canalizado para a ótica do branco, do colonizador, do escravocrata. A arte do preparo

culinário, do domínio das técnicas de extração de minerais preciosos, de uso da terra, é ofuscada

pelo ambiente, que nos recorda a todo momento que a liberdade para praticar, para exercer à arte,

não era “cedida” junto às ferramentas.

2.3. O Colecionador

Edson Toledo herdou do pai a coleção e a administração do negócio de antiguidades.

Tentamos contato com ele para entender melhor o interesse da família no colecionismo, sobretudo

no que diz respeito a peças que remontam a trajetória afro-brasileira em Minas Gerais. No entanto,

após quatro diferentes tentativas não tivemos sucesso em contatá-lo.

O fator nos leva a refletir sobre as diversas instâncias que dão forma ao cenário

patrimonial brasileiro. Uma coleção privada tem acesso público até certo ponto, uma vez que as

informações que dizem respeito à musealidade dos objetos, ou seja, ao seu potencial de se tornar um

objeto de museu, a ser guardado e preservado em um sentido amplo, em que também se preservam

as suas informações intrínsecas e extrínsecas, ficam em posse do colecionador. Bem como é do

colecionador a autorização de uso e veiculação de imagem. Como não pudemos ter acesso ao

colecionador também não tivemos acesso às imagens referentes à coleção.

36

CAPÍTULO III

Metodologia e Apresentação do Questionário.

3. Metodologia

A Metodologia adotada para nos possibilitar a análise tanto do discurso quanto da recepção

do mesmo nos limites da exposição A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo passou

primeiramente por um levantamento bibliográfico e documental mais amplo e abrangente, o que

resultou na produção dos primeiros dois capítulos, tendo sido o primeiro uma breve explanação dos

discursos que caracterizam estudos de representação do negro, principalmente em instituições de

memória. O levantamento possibilitou evidenciar e aprimorar os limites de alguns conceitos,

estruturas de pensamento e termos que são recorrentes nesse trabalho. O capítulo seguinte, também

fruto de uma revisão bibliográfica, contemplou uma aproximação do contexto dos estudos já

existentes de representação das populações negras nos museus brasileiros. E como não poderia

deixar de ter sido, o capítulo tem seu final voltado ao museu Casa dos Contos e à exposição que nos

serve como objeto de estudo.

Nos registros do Centro de Estudos do Ciclo do Ouro, o CECO, núcleo de pesquisas da Casa

que serve de espaço para a memória arquivística e documental do museu e do período da exploração

aurífera, não foram encontrados materiais de referência sobre a exposição. O museu mantém

registrado apenas documentos técnicos que garantem a validade do comodato da coleção de

propriedade de Edson Toledo. Com o intuito de remontar a estrutura do discurso da exposição e

seus limites, buscamos contato com o Sr. Toledo em quatro diferentes tentativas, mas não obtivemos

sucesso. Esses fatores nos levaram a centrar a análise sobre a elaboração do discurso nos objetos

escolhidos para compor a exposição, na narrativa que se centra na disposição dos mesmos e nos

elementos auxiliares do discurso como pro exemplo as gravuras que ilustram o uso dos

instrumentos de suplício utilizados no período escravocrata e o texto de abertura, e principalmente

na narrativa que envolve a escolha do espaço.

Faz-se necessário que explanemos o que entendemos por análise do discurso para produção

desse estudo. Silva (2005), define que

a Análise do discurso busca apreender como a ideologia se materializa no discurso e como o discurso se materializa na língua, de modo a entender como o sujeito, atra-vessado pela ideologia de seu tempo, de seu lugar social, lança mão da língua para significar(-se) (p.17)

37

Em adição a essa concepção de discurso, seguimos alguns preceitos de Michael Foucault

(idem, 2005), como a ideia de que o discurso se conforma como um jogo estratégico, por vezes

polêmico, onde os poderes são negociados, junto ao saber, que está em constante articulação com o

poder. O discurso, para Foucault é elemento gerador de poder e assim seleciona, organiza e

redistribui certos procedimentos que garantem a estabilidade de seu poder.

No que diz respeito ao método utilizado para realizar a análise do discurso proposto pela

exposição A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo compreendemos a leitura do discurso para

“além de suas aparências”, ou seja, para além do texto de abertura e disposição e seleção dos

objetos representativos da Coleção de Toledo. Fazer esse tipo de leitura é além de tudo, remontar as

condições de produção de um discurso (SILVA, 2005, p.36). É perceber também, os elementos

inconscientes e ideológicos no interior da produção desse discurso.

O que temos em mente, entretanto, é que a análise do discurso é apenas uma dentre as quase

infinitas possibilidades de interpretação e abordagem da linguagem. “Questões diferentes, postas

para diversos analistas, conduzem a resultados distintos para 'um mesmo' objeto” (idem, p.37). Do

mesmo modo em que o sujeito, quando elabora seu discurso, se adapta à sua tipologia de público,

ao seu ouvinte, quando o analista do discurso verifica seus dados coletados, ele também os

direciona segundo a sua interpretação. Sendo a nossa uma interpretação específica e limitada,

trazemos também a interpretação de outros agentes envolvidos nos limites do discurso.

Quanto aos objetivos analíticos da recepção do discurso, foi elaborado um questionário

híbrido, destinado a visitantes locais e turistas, funcionários da instituição envolvidos diretamente

ou não com as atividades de mediação e a professores e responsáveis pelo público escolar. O intuito

da aplicação de um único questionário a todos os agentes ligados à estrutura de comunicação

(discurso e recepção) aqui estudados, é perceber como se dão as diferenças de apreensão desse

discurso, nos diversos graus de envolvimento do agentes. Não há a intenção de se estabelecer

padrões para os grupos entrevistados, mas sim, colocar todos no lugar de receptores do discurso,

mesmo aqueles que tiveram envolvimento indireto na elaboração do mesmo.

A aplicação dos questionários visa, em última instância, a afirmação ou refutação da

hipótese de que a representação do negro na sala senzala do Museu Casa dos Contos, através de seu

discurso expositivo colabora para reforçar estereótipos da população negra, e manter as estruturas

de poder que implicam na inferiorização do negro e na manutenção de preconceitos.

A importância dessa ação se dá, à medida em que os museus, como instituições de enorme

carga política, assumem o papel representativo da sociedade brasileira. Uma vez que nossa

38

sociedade é multiétnica e plural, e se considerarmos as disputas que acontecem em torno da

memória, podemos pensar melhor como tem se desenvolvido as políticas de promoção da igualdade

– ou de redução de danos causados pela negação da diversidade étnica – nas instituições

museológicas.

3.1. Elaboração e estruturação do questionário.

Entendemos a exposição como parte do processo comunicacional das instituições

museológicas. É por essa instância que o museu media o homem e a cultura material, agentes do

fato museológico7. Para Cury (2005), passamos por transformações ao longo dos anos no que diz

respeito a esse processo de comunicação. Em um primeiro momento, as exposições eram

concebidas de maneira hermética (p.368), sem espaço para reflexões, bem como a ciência outrora

fora, centrada numa organização taxonômica sem espaços para uma participação do público que não

fosse passiva. Com a abertura e a renovação da ciência, que adquire uma postura explicativa, os

museus reconhecem seu caráter pedagógico, fazendo surgir exposições interativas, comprometidas

com a participação cognitiva do público. Atualmente, a autora chama a atenção para as exposições

de última geração, nas quais o público é parte do processo criativo, que não se encerra na

inauguração da mostra. Sendo assim, Cury entende que os papéis antes definidos do museu como

enunciador (agente que comunica e elabora o discurso) e do público como enunciatário (aquele que

recebe o discurso) se sobrepõe no momento em que vivemos, uma vez que o público recebe a

mensagem, mas a reelabora a partir de suas percepções, contextualiza os múltiplos discursos

sociais. É nesse sentido que a autora chama a atenção para as pesquisas de recepção, que se fazem

fundamentais à medida em que possibilitam a captação do discurso reelaborado pelo público

enunciatáio/enunciador. Ciente dessa dinâmica, o museu pode criar a unicidade do discurso, no

momento em que percebe se esse é equivalente ao do seu público-alvo ou não. O processo

comunicacional então, não se encerra em si, uma vez que os agentes “negociam o significado da

mensagem”.

O emissor e o receptor existem, mas ambos são enunciadores e enunciatários, indiví-duos e sujeitos, posto que cada uma das partes, a seu tempo, apropria-se de discur-sos que circulam em seu meio, reelabora-os e então cria os seus próprios discursos. (CURY, 2005, p.370)

7 Fato museológico é um conceito definido pela museóloga paulista Waldisa Rússio CamargoGuarnieri primeiramente apresentada em 1981 no Encontro do ICOFOM/ICOM em Estocolmo. Aautora entende a Museologia como estudo do fato museológico que “é a relação profunda entre oHomem, sujeito que conhece, e o Objeto, parte da Realidade a qual o Homem também pertence esobre a qual tem o poder de agir, relação esta que se processa num cenário institucionalizado, ou omuseu” (CURY, 2005, p.366)

39

A seguir, explanaremos cada questão, justificando sua inserção para fins de estruturação do

questionário, tendo em vista os objetivos deste estudo7.

Os primeiros campos, não numerados, destacados em negrito, visam a identificação dos

respondentes do questionário, e contém dados de interesse para serem quantificados ao final da

aplicação. São eles o nome completo do entrevistado, único campo não quantitativo, a idade, que

nos dará uma noção da faixa etária dos respondentes; a origem, ou seja, a cidade e o Estado de

moradia do entrevistado, e o grupo de aplicação a que pertence, se turista, morador de Ouro Preto,

funcionário, guia de turismo ou escolar.

1. O que você achou mais interessante/ mais gostou na exposição?2. Houve algo que lhe desagradou? Se sim, o que?

As duas primeiras questões que se seguem visam uma aproximação primária do respondente

com o questionário, tratando de seus interesses, identificações com os objetos expostos e, em

oposição, aos aspectos desagradáveis, caso o visitante tenha se sentido incomodado por algo. As

duas questões, em sua abrangência, buscam aspectos gerais, referentes ao espaço físico, aos objetos

da coleção, à narrativa empregada, à iluminação, à mobilidade, e assim por diante, pois todos os

aspectos mencionados foram considerados, uma vez que consideramos o espaço expositivo como

parte da narrativa. Elencando os elementos da exposição com referência em seu gosto, o visitante

faz um exercício de rememoração do que foi visto, se preparando para responder às questões

seguintes, relativas à narrativa de maneira mais geral.

3. Você leu/reparou no texto de abertura? ( ) SIM ( ) NÃO

A terceira questão se refere ao texto de abertura. Como o empregamos como um meio de

análise do discurso, buscamos saber se o respondente repara e lê o texto de abertura que nomeia a

exposição, de autoria de Ângelo Oswaldo. Essa questão é colocada de maneira fechada, tendo como

opção a leitura ou não do texto.

4. A quem você acredita que a exposição pretende representar?

Como quarta questão, buscamos saber a respeito da interpretação do entrevistado. Para ele,

quem estaria sendo representado naquela exposição? Seria um grupo específico? Uma pessoa? A

7 Veja em anexos o modelo de questionário aplicado.

40

quem a exposição pretenderia representar? A pergunta é aberta, o que possibilita a objetividade ou

não do respondente a partir de sua interpretação da narrativa. A questão dá abertura para respostas

que circulem em torno do negro como objeto de representação, mesmo que de maneira indireta,

pois optamos por não fazer menção ao período escravocrata ou mesmo aos povos escravizados.

5. Você achou essa representação bem sucedida? ( ) SIM ( ) NÃO ( ) EMPARTE

A quinta questão é fechada, e se refere à questão anterior. O respondente deverá indicar se

achou a representação indicada por ele anteriormente como bem ou mal sucedida, ou ainda, se por

um aspecto a representação é bem sucedida em parte. Partimos do pressuposto aqui de que os

representados são os povos negros, que aparecem referenciados no título da exposição, em gravuras

específicas e em diversos outros objetos que constroem a narrativa. Buscamos saber então, se essa

representação se faz perceptível ou evidente para visitantes e colaboradores da instituição.

6. Como você imagina a vida aqui na casa na época da Colônia?

A próxima e sexta questão busca o que está no imaginário das pessoas no que diz respeito à

história da Casa dos Contos, que se vincula diretamente ao período colonial, escravocrata. Como a

exposição tem lugar em um dos espaços da casa, outrora em uso diferente do atual, buscamos

perceber qual a relação que os entrevistados fazem com aquele espaço conhecido como senzala e os

demais espaços em outros pavimentos da Casa, quando incitados a pensar em um período anterior

àquele, no qual os agentes sociais, bem como a própria estrutura social possuíam outra

configuração. Buscamos aqui perceber também o que está no imaginário do entrevistado no que diz

respeito ao drama da escravidão e as estruturas de poder que regiam a vida social na Casa.

7. Você percebe conexão entre essa exposição e o restante das exposições da Casa dosContos? ( ) SIM ( ) NÃO

A sétima questão busca perceber se os entrevistados entendem o que está exposto nos

demais pavimentos como parte de uma mesma narrativa, onde a memória fiscal e monetária do país

tem lugar nos pavimentos superiores, naturalmente o espaço de pertença e atuação dos proprietários

e manejadores do capital, enquanto o pavimento inferior é relativizado as espaço dos também

inferiorizados.

41

8. Você percebe a Arte Afro-brasileira nessa coleção? ( ) SIM ( ) NÃO.Se sim em qual ou quais objetos?

A questão de número oito procura evidenciar se, de alguma maneira ou visitantes e

colaboradores do museu concordam com a nomenclatura proposta para a exposição. Se há Arte

afro-brasileira, em qual ou quais objetos ela pode ser identificada nos limites da coleção? Como os

visitantes percebem a proposta do título e os valores que ele carrega? O museu é percebido como

ambiente de neutralidade, em qual medida?

9. Você acredita que esse espaço é um local adequado para a exposição dessa coleção?( ) SIM ( )NÃO ( ) EM PARTEPor quê?

De que maneira os visitantes e colaboradores percebem que a representação ali proposta é

influenciada pelo espaço em que está disposta? Em que medida a escolha do espaço influencia a

percepção dos visitantes? É possível que o espaço esteja sendo tomado como neutro por se tratar de

um espaço museológico? O complemento da pergunta nos auxilia a pensar essas repostas e seus

possíveis desdobramentos.

10. Você acredita que a exposição concorda com a História Oficial ensinada nas escolas?( ) SIM ( ) NÃO

A décima questão vem no sentido de perceber se o entrevistado visualiza equivalências nas

duas narrativas, a veiculada pelo museu e o que se aprende e ensina nas escolas. O intuito é também

verificar como o entrevistado percebeu sua formação escolar no que diz respeito à história do

período escravocrata e quais relações são feitas pela maioria.

11. Por fim, gostaríamos de saber como você se declara, segundo a classificação do IBGE?

( ) BRANCO/A ( )NEGRO/A ( )PARDO ( ) AMARELO ( ) INDÍGENA ( ) OUTRO(especifique)

A última questão vem no sentido de propor a visualização da nossa amostragem a partir da

percepção que possui sobre si mesma, mas além disso essa questão se coloca no sentido de tentar

provocar uma autoanálise no respondente, que questiona sua “cor”, “raça” ou “etnia”, no caso de

não possuir uma autodefinição imediata, já formada por causas ideológicas.

Essa é uma questão de cunho polêmico no interior desse estudo, no entanto, a inserção de

questões como essa se justifica à medida em que as nossas relações raciais são conflituosas e

complexas. Seguimos, portanto, padrões já utilizados nacionalmente pelo IBGE. Julgamos de grande

42

importância essa postura, uma vez que a captação de dados censitários, sobretudo no que diz respeito

à etnia, nacionalidade e aparência física, varia de acordo com cada sociedade e o desenrolar das

relações raciais no interior da mesma.

Cabe primeiramente salientar que ao longo da história, a existência de quesitos que remontem às identidades coletivas no interior dos sistemas censitários ou amostrais somente pode decorrer do uso específico que se queira dar às respostas, especial-mente por parte dos Estados nacionais. O mesmo vale para a sua não inclusão. (CARVANO & PAIXÃO, 2008, p. 32).

Os termos utilizados pelas nações são regidos pela especificidades históricas, demográficas

e políticas de cada país. Segundo Carvano e Paixão (2008), no caso do Brasil, as pesquisas

amostrais e censitárias que incluem as categorias “raça”, “cor”, ou “etnia”, como campos, tiveram

início em 1870, ano em que é considerada a aplicação do primeiro censo moderno no país. As

categorias que apareciam nesse período, ainda de transição do sistema escravocrata para o

capitalista, são “Brancos” “Pretos”, “Pardos” e “Caboclos”. A questão proposta visava a

identificação da “raça” a que pertencia o entrevistado. O próximo levantamento, já na República,

aparece em 1890, seguindo as mesmas opções terminológicas, porém passando a se classificar

como “Pardos” todos aqueles que eram considerados mestiços, e que não se encaixavam em

nenhum outro padrão racial preestabelecido. Nos censos realizados em 1900 e 1920, não foi

coletada a variável "raça", com a justificativa de que era demasiada a quantidade de mestiços no

país, e portanto imprecisa a sua classificação. Em 1940, dois anos após a fundação do IBGE,

retorna-se a investigação das categorias raciais, mas agora com o emprego da variável “cor”. Eram

oferecidas as seguintes opções “Branca”, “Preta”, “Amarela” (instituída por conta do aumento da

imigração de origem oriental), e “Pardos”, que categorizavam todos os indivíduos que não se

adequariam às características físicas previstas pelas terminologias anteriores. Em 1950 passa-se a

abranger também os indígenas na categoria “Pardo”, além dos mestiços. Na década de 1960, há

novamente a coleta da variável cor, diferentemente da década seguinte, quando as decisões

políticas abandonam novamente essa variável no recenseamento, tomadas pelos autores como uma

estratégia de perseguição ao Movimento Negro no período da ditadura militar. Contudo, nos

anos 1980, retomam-se os padrões da década de 1960, seguindo agora os parâmetros de auto

classificação de “cor”, como resultado da demanda do Movimento Negro resistente. Apenas no

ano de 1991 é inclusa a categoria “Indígena” como terminologia de classificação, além da

retomada à variável “raça”, que na pergunta vinha acompanhada da “cor” de identificação do

indivíduo. No geral, o Brasil segue os mesmos parâmetros até o recenseamento do ano de

2000, quando a pergunta utilizada passa a ser “a sua cor ou raça é?”. Segundo os autores,

43

Futuros progressos conceituais acerca do modo pela qual a variável étnico-racial éinvestigada, no mundo e em nosso país, dependerão de novos avanços no campo dapesquisa demográfica, antropológica e sociológica que favoreçam à superação da-queles tantos óbices. Parece evidente que tal questão igualmente dialoga com a evo-ução da percepção da população sobre o tema em termos culturais e políticos. Maisespecificamente abordando a realidade brasileira, tais progressos dependerão dosrumos do debate sobre as relações raciais, com especial relevância para o modopelo qual as populações historicamente discriminadas (negros, indígenas e os mesti-ços de diversas matizes), passarão a se inserir em múltiplos níveis em nossa socieda-de (…) talvez mesmo revelando uma verdade no momento implícita, qual seja, quenosso país é formado por uma imensa maioria afrodescendente. (CARVANO &PAIXÃO, 2008, p. 54-55)

3.2. Amostragem

A quantidade da amostragem foi determinada a partir do exame do número de visitantes no

mês de junho de 2013, uma vez que os questionários foram inteiramente aplicados no mês de junho

de 2014. O número de visitantes é contabilizado pelo Museu Casa dos Contos para fins de controle

interno e do Sistema de Museus de Ouro Preto e apresentou 10.472 visitantes no mesmo mês do ano

anterior. Optamos por coletar uma amostragem equivalente a um por cento (1%) desse número,

sendo aplicados cento e cinco (105) questionários no total. A princípio, priorizamos que no mínimo

sessenta por cento (60%) dessa amostragem seria aplicada com turistas, a maioria em frequência

nos grupos de aplicação predeterminados, não especificando a percentagem para os demais grupos.

44

CAPÍTULO IV

Resultado da pesquisa empírica, sistematização de dados e conclusões sobre a recepção do

discurso.

4. Resultado da Pesquisa Empírica

Antes de iniciar a apuração dos questionários e a análise do discurso extraído a partir dos

dados coletados, cabe, primeiramente, explanar as condições em que foram aplicados os

questionários, justificados no capítulo anterior.

Os cento e seis questionários foram aplicados entre os dias 11 e 25 do mês de junho

passado, durante o período regular de visitação do museu9. Os visitantes espontâneos foram

abordados na saída da sala de exposição conhecida institucionalmente como “senzala”, sendo

pedido para que eles realizassem o preenchimento dos questionários. Para que a pesquisa não fosse

confundida com a pesquisa de satisfação institucional, a aplicadora se apresentou como estudante da

Universidade Federal de Ouro Preto e pediu aos respondentes que auxiliassem em sua pesquisa de

monografia, respondendo às questões que se referiam apenas àquela exposição, que tinha acabado

de ser vista, a partir de suas impressões e de sua interpretação pessoal. Alguns, entretanto, pediam à

aplicadora, por motivos diversos, para serem entrevistados e terem o questionário preenchido pela

mesma. Vale ressaltar que esse fator não causa diferenciação na mostra, uma vez que houve a

preocupação em confirmar com os respondentes a inserção das respostas definitivas no formulário.

Os colaboradores da instituição, por sua vez, foram abordados a partir do aval da

administração do museu, em momentos propícios nos quais não estivessem atendendo ao público.

Os que puderam, preencheram suas respostas, e alguns foram entrevistados e tiveram o questionário

preenchido pela entrevistadora, seguindo os mesmos padrões relatados anteriormente. Foi pedido

aos funcionários entrevistados que, na medida do possível, respondessem às questões sem valorar

seu vínculo institucional.

Não obtivemos mostra referente aos guias de turismo, uma vez que nenhum profissional

abordado se dispôs a responder ao questionário.

Por ter sido o mês de início dos jogos da Copa do Mundo 2014, no Brasil, e considerando

Ouro Preto como uma cidade de alto fluxo de turistas, o número de visitantes estrangeiros, já

regularmente alto na instituição, aumentou consideravelmente, tendo sido abordados turistas

estrangeiros que falassem os idiomas inglês, espanhol ou francês. Para esses entrevistados, as

9 O museu está aberto à visitação todos os dias e obedece aos seguintes horários: segunda-feira,

das 14h às 18h; terça- feira a sábado das 10h às 17h; domingo e feriado das 10h às 15h.45

questões eram traduzidas em seu idioma pela aplicadora, e eles faziam o preenchimento das

respostas também em seu idioma.

4.2. Sistematização de dados

4.2.1. Perfil geral dos respondentes

Os primeiros dados a serem sistematizados são os dados identificatórios e pessoais dos

respondentes, o que nos dá a possibilidade de traçar um perfil.

Foram 52 respondentes identificados pelo gênero masculino e 53 pelo gênero feminino

(figura 1) e um sem identificação, uma vez que o gênero foi identificado através do nome declarado

pelo entrevistado, apenas para termos uma breve noção. Em 104 de 106 questionários os

respondentes declararam sua idade, tendo sido predominante a faixa etária de 21 a 30 anos, seguida

pela faixa de 31 a 40 anos (figura 2). Recebemos respostas de pessoas entre 18 a 66 anos de idade.

Quanto à origem dos entrevistados, a maioria se declarou proveniente do Estado de Minas

Gerais (46 pessoas), sendo 11 respondentes de Ouro Preto e 2 da cidade de Mariana. Em seguida

temos o empate de visitantes originados de São Paulo, Rio de janeiro e de origem estrangeira, tendo

sido 12 respondentes de cada origem (quadro 1).

Foram entrevistados em sua maioria turistas, bem como previsto anteriormente à aplicação,

seguidos por colaboradores da instituição, escolares e moradores de Ouro Preto, não tendo sido

possível coletar a amostragem de nenhum guia de turismo.

4.2.2. Sistematização de respostas

Quando perguntados qual ou quais elementos mais interessaram aos entrevistados, as

respostas podem ser divididas nos seguintes padrões:

1. Objetos específicos:

Algumas respostas citam objetos específicos, em sua maioria também recorrentes em outros

questionários de outros respondentes. Os documentos escritos expostos, tais como jornais da época

que relatavam fugas de escravizados oferecendo recompensas para captura e os documentos de

posse de cativos africanos ou afrodescendentes são mencionados em 13 diferentes questionários

como elemento de maior apreciação. Em seguida, vem o piso do tipo “pé-de-moleque” e os

utensílios de cozinha como objetos específicos mais citados, 3 vezes cada um. As armas em

46

exposição também aparecem mais de uma vez, bem como o tear de madeira, além de terem sido

citados também os desenhos representando os escravizados em momentos de tortura e privação de

liberdade, a cadeira de dentista e os objetos de carpintaria.

2. Senzala e generalizações.

A senzala é citada como elemento de maior apreciação em 26 diferentes questionários.

Respostas que incluem a arquitetura do local como elemento de identificação são recorrentes em 3

respostas. 14 das menções também se referem a toda a casa e 5 fazem menções a elementos no

geral. Em duas respostas os respondentes se identificaram com o ambiente “sombrio”.

3. Instrumentos de suplício.

Objetos utilizados na tortura de escravizados aparecem em 14 diferentes respostas como

elementos de maior interesse ou identificação dentre os objetos expostos.

4. Institucionais e elementos de outras exposições.

Elementos que dizem respeito a aspectos institucionais, tais como elogio ao atendimento, ao

estado de conservação do acervo, à organização dos objetos, e outros aspectos da Casa dos Contos

aparecem em seis diferentes respostas.

Foram recorrentes também, respostas sem relação aos elementos da senzala, mas a outros

objetos da casa, ou a outras exposições, como a exposição referente à evolução das moedas e do

dinheiro no Brasil (5 recorrências). Elementos históricos foram mencionados 4 diferentes vezes.

5. Coisa Alguma

3 respostas dizem não ter se identificado ou gostado de coisa alguma na exposição.

Os termos que mais aparecem nas respostas foram compilados em uma nuvem de palavras,

que podem ser observadas nos anexos, dando um perfil visual às respostas do questionário. (figura

3)

No que diz respeito aos elementos que desagradaram aos entrevistados, encontramos os

seguintes padrões de respostas (figura 4):

1. Nenhum elemento

A maioria das respostas (65) não indica nenhum elemento de desagrado na exposição.

47

2. Ambiente e instrumentos de suplício

9 respostas fizeram menção a elementos relacionados ao ambiente para designar seu

desagrado. Andar no chão de pedra teve duas recorrências, enquanto o fato do espaço ser uma

senzala, do mesmo modo que aparece como elemento de agrado também aparace aqui como

elemento de incômodo mais de uma vez. Quatros respostas estiveram centradas no mal estar que os

respondentes sentiram quando estiveram no espaço. O fato de ser um ambiente frio e fechado também

aparece mais de uma vez nas respostas. Os objetos de suplício aparecem como elemento de incômodo

em 8 respostas.

3. Representação e organização

Elementos ligados à representação e à organização incomodaram a alguns visitantes e

aparecem mencionados nas respostas. Algumas respostas (6) pontuaram sentir tristeza, vergonha ou

até mesmo se sentirem chocados com a forma de tratamento dada aos escravizados, ali

representada. Alguns questionários (3) citaram seu desagrado com o que entenderam como “falta de

diálogo com as outras exposições do museu” e o fato de haver “objetos que não faziam referência à

senzala” expostos no mesmo ambiente e à exposição de “uma visão reduzida da condição de vida

dos escravizados”.

4. Institucionais/ elementos pontuais.

Bem como na questão anterior, alguns respondentes citaram elementos vinculados à

instituição, ainda que a aplicadora tenha tido o cuidado de se identificar como estudante da

Universidade, sem vínculo formal com a instituição. Elementos como a proibição da fotografia no

espaço aparecem em 6 respostas, a falta de explicação em outras línguas aparecem em 3

questionários. Queixas a respeito da iluminação, postura de um funcionário, a falta de etiquetas de

identificação de acervo e a falta de interatividade e elementos audiovisuais aparecem pontualmente.

Com relação ao texto de abertura, elemento principal utilizado para a análise do discurso da

instituição, descobrimos números acirrados, já que 56 dos respondentes disseram ter lido/ reparado

no questionário e 50 deles não leram ou repararam (figura 5).

A quarta questão buscava perceber a interpretação dos visitantes no que diz respeito à

representação da exposição, ou seja, a qual ou quais grupos visa a exposição representar. Tivemos 9

abstenções. Das respostas sistematizadas reunimos os seguintes padrões (figura 6):

48

1. Cultura/ História/ Contexto de uma época, citando ou não agentes

25 respondentes entenderam a representação da exposição como algo mais abrangente,

fazendo menções não precisas à história, ou à cultura de uma maneira geral. Ao mesmo tempo, 16

respostas vieram no mesmo sentido, se referindo à cultura, história e memória, mas citando os

agentes relacionados ao período e/ou o período em específico. Nesse sentido, a História da

Escravidão no Brasil aparece 14 vezes, a “importância dos negros para a história no Brasil”, aparece

pontualmente em uma resposta. A interpretação da representação como sendo relativa aos escravos

ou aos escravizados aparece 16 vezes de maneira direta, tendo algumas respostas se dirigido à

condição de vida dos escravizados (4), ou ao dia a dia do escravizado (3), de maneira indireta, ainda

que citando os mesmos agentes.

2. Generalizações e o poder

Algumas generalizações de interpretação aparecem em recorrência, tais como “ao povo” (3),

e “à diversos períodos da história”, que aparece pontualmente, caracterizando uma tipologia de

respostas para essa questão. 7 respostas se centraram no poder como representativo da exposição,

sendo que quatro delas pontuam a representação da exposição como voltada tanto aos “escravos”

quanto a seus “donos”.

3. Aos brancos.

6 entrevistados indicam a representação como sendo aos “brancos”, ou aos “senhores de

engenho”, ou mesmo aos “colonizadores”. Destacamos uma das respostas, bem específica

“Definitivamente não representa os escravos, somente o sofrimento deles, desta forma representa no

máximo os senhores dos escravos”.

4. Diversos

Agrupadas em “diversos” estão respostas que se relacionam à outras exposições da casa (3).

Outras respostas abrangidas por essa categoria foram pontuais e seguem transcritas aqui:

“A quem não tem noção de como foi a época da escravidão”;

“Não está focalizada em nenhum grupo” e;

“Um pouco da exposição possui interesse econômico em coisas antigas”.

A quinta questão visa saber se o entrevistado entende a representação como bem sucedida ou

não. 69 entrevistados acreditam que sim, apenas 1 declara que não foi bem sucedida a representação

e 29 respondentes afirmam que a representação é bem ou mal sucedida em parte. (figura 7)

49

No que se refere à sexta questão, as narrativas a respeito da vida cotidiana na casa no

período colonial, segundo a imaginação dos entrevistados se dividem em 3 grupos:

1. Discorrem sobre a bipolaridade entre sofrimento e riqueza/ poder;

2. Narrativas centralizadas no sofrimento;

3. Narrativas com ausência de sofrimento.

As narrativas são de grande interesse para nossa análise, e portanto foram transcritas em três

quadros (quadros 2, 3 e 4) e podem ser lidas nos anexos. 4 entrevistados se abstiveram de

responder à questão.

Como sétima questão perguntada visamos descobrir se o entrevistado percebe a “Arte Afro-

brasileira”, conforme o título da exposição, na Coleção de Toledo. 61 respostas foram positivas e 41

negativas (figura 8). Quanto à menção dos objetos representativos da arte Afro-brasileira requerida

pela questão, o número de abstenções foi grande, uma vez que muitos entrevistados acreditavam ser

uma exposição sobre arte pois assim indicara o título, mas não se questionavam o que representaria

a arte nos limites da coleção. Os que preencheram a questão, indicaram objetos diversos. Os mais

mencionados foram os utensílios de cozinha (14), seguidos dos objetos de manufatura (11), tais

como o tear (4), os cachimbos (2), e os pontuais como as espadas e as telhas moldadas nas coxas

dos cativos. Infelizmente, os instrumentos utilizados para tortura aparecem 9 vezes nas respostas

dos entrevistados. O instrumento musical de percussão em exposição, indicado pelos funcionários

como sendo um “caxambu”, aparece em 6 respostas. A senzala em si aparece 4 vezes. Outros

elementos relacionados ao trabalho também aparecem, como as ferramentas de mineração (2), os

objetos de carpintaria (3) e até mesmo os objetos de montaria, de maneira pontual. Outras respostas

foram genéricas ou não concisas, como “todos” ou “muitos” (5) e “pelos trabalhos realizados e

objetos de escravidão” e “utensílios de fabricação da moeda”. (figura 9)

A oitava questão visa descobrir se o respondente visualiza conexão entre a exposição a que

se refere o estudo e as demais dispostas na Casa dos Contos. 64 disseram que sim, enquanto 32

afirmam que não. (figura 10)

Quando perguntados se acreditavam que aquele seria um espaço adequado para a exposição daquela

coleção, 81 respondentes declararam que sim, apenas 2 que não, e 18 marcaram em parte (figura

11). A questão vinha acompanhada de um por quê, e também resultou em muitas abstenções de50

resposta, tendo 21 respostas deixadas em branco. As respostas que aparecem podem ser divididas nos

seguintes padrões:

1. Por ter sido realmente uma senzala/ Por representar o passado Afro-brasileiro

37 respondentes indicam em suas respostas que aquele seria um local adequado para

exposição da coleção por ter sido realmente uma senzala, o que demonstra a credibilidade do museu

para seus visitantes, além da visão cristalizada de que os museus são locais fiéis ao passado, locais

dedicado à reconstrução fidedigna desse passado. Narrativas como “Porque era o ambiente dos

negros. Acho que tem uma ligação que facilita os visitantes voltarem ao passado, apesar de a

exposição apresentar objetos que ficam deslocados, se o foco for a vivência dos negros na senzala”,

nos ajudam a perceber que o local ganha legitimidade por sua posição, que é dentro do museu, lugar

da “verdade”, e da “neutralidade” por excelência no imaginário do senso comum.

20 respostas fazem relação ao local com o passado Afro-brasileiro, indicando que o local possui

referenciais históricos e arquitetônicos que justificam a disposição da coleção no mesmo, e que o

espaço ajuda a divulgar a vida dos escravizados por ser um local que remonta à sua “origem”.

2. Ambiente e objetos

7 respostas indicam o local como adequado para a exposição dos objetos por servir como um

ambiente de contextualização do uso dos mesmos. Algumas (8) mencionam a arquitetura do local

como um elemento que justificaria a disposição da coleção no ambiente. Para ilustrar,

transcrevemos uma das respostas que se encaixa nessa categoria: “O ambiente difícil da sala (sala,

luz...) ajuda para entender mais as condições dos escravos”.

3. Diversos (narrativas neutras, positivas ou negativas)

O agrupamento dessas respostas diz respeito à comentários sem um padrão definido. A

maioria das menções neutras ou positivas se centraliza na justificativa da inserção do espaço no

contexto institucional no âmbito das narrativas das outras exposições nos pisos acima. 2 respostas

afirmam que o local é adequado por ser bem localizado com relação à cidade.

Quanto aos comentários negativos, há também o padrão de vinculação das outras exposições à

exposição estudada, de maneira crítica, na qual a maioria dos respondentes não percebe conexão entre

as exposições da instituição. Outras respostas (5) se centram no fato de os objetos expostos não se

referirem apenas ao “passado Afro-brasileiro”, mas também a outros contextos. Houveram também

respostas que demonstram insatisfação com relação à representação da exposição. Dentre elas

destacamos duas:51

“No sentido de reafirmar a hegemonia branca sobre os negros, visto os instrumentos de tortura e os

objetos de utilização da classe branca (dominante). Nada que caracterize de fato uma cultura

advinda do povo afro-brasileiro, sua cultura e seus costumes”;

“Porque só mostra o lado ruim da história (tortura, etc), poderia mostrar cultura, arte, dos negros”.

A décima primeira questão busca a relação que os respondentes fazem entre o ensino formal

de história e a exposição. 68 respostas afirmam perceber uma relação entre a representação da

exposição e a História Oficial que se aprende e ensina nas escolas, enquanto 30 respostas são

negativas. (figura 12)

A última questão, relativa à autodeclaração de “raça”, “cor” ou “etnia” dos entrevistados,

conforme os padrões do IBGE, mostrou uma maioria de autodeclarados brancos (57), seguidos de

pardos (29), negros (8), amarelos (2) e nenhum autodeclarado indígena. Os termos que aparecem

no campo “outros (especifique)” foram 7, e são: “Latino”, “Morena escuro”, “Caucásico”,

“Caboclo” “Negro e indígena” “Indiano”, “Brasileiro, uma grande mistura”. (figura 13)

As observações e comentários opcionais podem se dividir nas seguintes categorias:

1. Institucional/ Pontuais ou pontuais elogiosos

São comentários relativos à instituição e sua estrutura, abaixo transcritos:

“A exposição é importante e extremamente necessária, deve ser muito bem divulgada. Gostei da

organização, dos monitores, que me esclareceram muito e do vídeo inicial”;

“Se há vídeo sobre moeda (contas públicas) porque não há sobre a senzala?”;

“1. Deveria ficar aberto por mais tempo

2. Ótima escolha não cobrar taxa de entrada

3. A passagem para o parque deveria ser aberta assim que possível” (tradução nossa);

Comentários pontuais elogiosos:

“Interessante”;“Adorei a exposição”

52

2. Representação

Tratam-se de comentários que fazem referência à representação da exposição:

“Creio que a senzala é um local que proporciona ao visitante imaginar como era o cotidiano dos

negros que viveram no local e as condições a que eles eram submetidos. Porém, no meio da senzala,

o organizador da exposição se preocupa em expor objetos do cotidiano das famílias do período e

isso eu achei confuso, pois estão fora do contexto inicial que a exposição tenta nos proporcionar”;

“Importante questionar o uso do prédio e a apropriação de acervo da senzala”;

“Creio que os objetos expostos assim como o espaço cedido não representam a realidade da

época.”;

“Tem muita coisa nada a ver com a escravidão. Parece mistura entre colonização e escravidão. Tem

poucas coisas sobre a escravidão.”;

“Todos deveriam ter acesso a verdadeira história da escravidão aqui no Brasil afinal é a nossaorigem que é contada pela metade”.

3. Fazem referência à questão de número 11

“Caucásico é um termo para designar as pessoas entre indígena e branco. Não reconheço o termo

pardo para me designar.”;

“Não há distinção de raça, somos todos iguais.”.

4.3. Análise da Recepção

O discurso expositivo se centra na justaposição de objetos representativos do cotidiano dos

séculos XVIII e XIX e de objetos de suplício de cativos africanos ou afrodescendentes. Entretanto,

o que é possível perceber a partir da leitura dos dados sistematizados, é que os instrumentos usados

para torturar as pessoas escravizadas sobressaem aos olhos dos visitantes e funcionários. Ora, se

concluímos que pouco mais da metade da mostra coletada diz ter lido o texto de abertura - sendo

que esse número pode ser ainda menor, uma vez que a pergunta dá abertura para que o respondente

tenha apenas reparado e não lido o texto de fato-, podemos inferir que o discurso institucional não

necessariamente baliza a interpretação dos que visitam a sala de exposição.

Os dados recolhidos não nos permitem afirmar que os enunciatários dessa exposição

percebem seu conteúdo enunciado como a celebração a um povo, ou celebração a uma época, tal

como o texto nos permite perceber, mas sim ao contrário, podemos verificar que as respostas se

centralizam demasiadamente no sofrimento e nas dificuldades em se viver no período. Cria-se então

53

uma espécie de anacronismo, percebido sobretudo nas narrativas extraídas do imaginário dos

entrevistados a respeito da vida na época colonial. Como se estivéssemos muito distantes em

relação aos nossos antepassados. Como se fôssemos muito diferentes em capacidade intelectual que

os homens e mulheres que viveram na colônia.

Esse mesmo distanciamento provocado pela acepção de passado como distante de nossa

realidade faz com que se entenda os horrores do período escravocrata como algo sem relação com

os dias atuais. Os instrumentos de suplício chocam, as condições precárias de subsistência também,

mas o distanciamento coloca tudo em um patamar relativo ao passado, um passado distante,

ultrapassado. O racismo, de repente, se transforma em uma fábula de outrora, afinal, as condições

de vida já não são como as do período exposto.

Os objetos de tortura aparecem com a mesma frequência e relevância em respostas a

questões que buscam a identificação dos entrevistados com relação à exposição, que buscam seus

incômodos e a questão a respeito da arte Afro-brasileira. Aliás, aparecem de maneira mais

expressiva na questão que se refere aos objetos de interesse e identificação.

Ao mesmo tempo em que não nos identificamos como herdeiros desse passado também é

difícil a identificação racial da população negra, o que justifica o pequeno número de

autodeclarados negros com relação a mostra.

A construção de uma identidade afro-brasileira ainda é polêmica em um país que não se identifica em termos raciais, mas sim a partir de um imenso conjunto de ele-mentos relacionados à cor da pele e a características físicas. Não obstante a diversi-dade identitária, é incontestável a associação existente entre sinais negativos e indí-víduos mais próximos de seus ascendentes africanos. O preconceito opera desqua-lificando o indivíduo estigmatizado de várias formas, inclusive ao dificultar seu acesso aos recursos públicos (…).Nesse contexto, a valorização das memórias dosafro-descendentes, notadamente quando o Estado brasileiro promove políticas públi-cas de inclusão afirmativa em diferentes setores da sociedade civil, torna-se funda-mental no âmbito da luta contra o preconceito racial no país. Sabemos que esseé um processo contínuo e em andamento e que precisa ganhar espaço entre as inici-ativas de preservação da memória existentes no país. (SANTOS, 2010, p.5-6)

Além das relações raciais à primeira vista cordiais em nosso país, a dificuldade de se

identificar enquanto negro vem também da representação legada ao negro. A memória do trauma

está ali exposta de maneira tal que aquele momento não consegue angariar testemunhas. Segundo

Santos (2004), vivências de um trauma destroem o ego individual, bem como a capacidade de ação

e reação das pessoas. A autora defende que os escravizados não deixaram seus testemunhos a

respeito da escravidão não apenas por não terem tido acesso formal à escrita, ou pela sua privação

de um espaço ou veículo para tanto, mas também porque carregaram junto ao trauma da escravidão,

a incapacidade de transmitir os horrores vividos. Nesse sentido, a questão que se coloca é quem

narra a experiência dos horrores desse período? E sobretudo, quem se identifica com uma memória

54

de um grupo torturado e fragilizado como sendo seus antepassados? Não vimos anteriormente que

os museus tendem a celebrar marcos e heróis na construção da nação e de uma memória coletiva?

A autodeclaração de "raça" ou cor no momento atual é altamente veiculada às

políticas públicas de ação afirmativa para acesso principalmente ao ensino superior. Mas ainda não

é comum que ocorram debates abertos a respeito de nossa identidade racial no plano individual. A

inserção da questão de número 12 acabou por servir como um incentivo a esse debate. Boa parte

dos respondentes questionava a outras pessoas, quando acompanhados, a respeito de como se

percebiam e como eram percebidos. Alguns até mesmo questionavam à própria aplicadora sobre

qual termo deveriam se declarar, que sempre se mostrava neutra, indicando ser uma classificação

individual e subjetiva. Uma das entrevistadas, que teve o questionário preenchido pela aplicadora se

declarou negra. Ao fim da entrevista a respondente diz que seu filho se considera branco, mas que

ao pleitear uma vaga em uma universidade pública, declarou-se como pardo para que tivesse mais

chances. Sabemos que a identidade racial é uma construção histórica e que no Brasil ela é

sobretudo situacional. No momento de preenchimento do questionário, a muitos coube uma

autodeclaração enquanto pardo, fator que os distancia em certa medida de um passado traumático.

A narrativa percebida tanto no plano institucional quanto nos entrevistados nos concede um

panorama de uma estrutura de poder unívoca, centralizada, “onipotente” e “onipresente”, onde não

existem negociações, ou mobilidade. Essa estrutura é contestada por Michael Foucault, que apesar

de não se declarar um teórico dessa temática, traz análises que desconstroem nossa visão tradicional

sobre poder em quase a totalidade de suas obras (MARINHO, 2008).

O poder não é onipotente, onisciente, pelo contrário! Se as relações de poder pro-duziram formas de inquérito, análises dos modelos de saber, é precisamente por-que o poder não era onisciente, mas que ele era cego, porque ele se encontrava den-tro de um impasse. Se a gente assistiu ao desenvolvimento de tantas formas de vigi-lância, é precisamente porque o poder continuava impotente (FOUCAULT, 2001, p.629 apud MARINHO, 2008).

Esse é um dos aspectos centrais dos quais pretendemos tratar, uma vez que as noções de

poder que temos, em sua maioria construídas e legitimadas pela História Oficial, nos remetem a

algo que vem “de cima para baixo”, a uma estrutura preestabelecida e estável. Mas se essa estrutura

de poder que imaginamos e reforçamos fosse realmente onipotente, não haveria a necessidade de

criar estruturas de vigilância sistematizadas, o que mostra a vulnerabilidade dos sistemas de

dominação tradicional que conhecemos, pois afinal, sabemos quem explora, sabemos quem detém o

lucro e conhecemos também os intermediários que se beneficiam desse lucro. No entanto seriam

eles mesmos os “titulares” do poder? Numa relação de dominação como a escravidão, por exemplo,

sabemos quem detinha os meios de produção e o capital, mas quem dominava a técnica? Qual era a

55

mão que servia, a mão que preparava, que alimentava a criança? A relação é bem mais complexa do

que a noção estática de poder que temos. Havia sim negociação e havia resistência, num contexto

em que o poder se faz presente nas relações de maneira multidimensional.

Para marinho,o,Foucault acreditava que as instituições eram as grandes responsáveis pela manu-tenção da falsa ideia de poder, pois poderiam, valendo-se do seu campo de influ-ência, manter o status quo, sobrevivendo como um monstro invencível, representan-tes do sujeito absoluto, que é a falsa ideia de poder. (MARINHO, 2008, p. 8)

Se tomamos essa interpretação como factual, não podemos deixar de incluir os museus na

lista das instituições que legitimam a estrutura social vigente, uma vez que em muitos podemos ver

representações de poder estáticas e indeléveis, de maneira a nos fazer acreditar que não possuímos

ferramentas para lutar contra.

Não é possível acreditar que as 9 diferentes pessoas que percebem a arte Afro-brasileira nos

instrumentos de suplício estivessem realmente atentas a suas respostas, ou que elas tenham sido

fruto de alguma reflexão. O que nos leva a concluir que esses objetos são os que mais se destacam

nos limites da recepção do discurso. Sobretudo pelos desenhos representativos de seu uso, onde

podemos encontrar a dramatização de um período histórico. Algumas respostas trouxeram

reivindicações a respeito da organização dos objetos. Entendiam que peças de louça francesa não

combinava com a narrativa referente à história da escravidão. Outros entenderam que sim, a louça

possuía toda a relação com a escravidão, já que essa história estaria sendo narrada segundo a

perspectiva do homem branco, dono dos meios de produção, dono das ferramentas expostas, dos

utensílios de cozinha, inclusive “dono” no plano legal dos próprios escravizados.

Se existe arte nesses objetos, ela está em sobreviver à condição servil. A questão que se

coloca é se os objetos de uso cotidiano dos proprietários do período seriam identificados como

objetos artísticos sem estranhamento. Os museus de “arte acadêmica”, de “Belas Artes”, ou de

“Arte Europeia” cristalizam a imagem do que consideramos como arte em nossa sociedade. De

maneira oposta ao artesanato ou às manufaturas, a arte é alçada ao patamar do belo – por mais

controverso que esse conceito venha a ser -, ao sublime. Não estaríamos diminuindo aqui o

potencial da Arte Afro-brasileira? O cotidiano é tido como artístico aqui por ser o cotidiano de um

povo fragilizado e inferiorizado pela narrativa? Os entrevistados realmente pensam dessa maneira

ou estariam com medo de contrariar às propostas institucionais? Afinal o museu, lugar do sagrado,

lugar de guarda do passado, não passaria informações não incongruentes a seus visitantes. Desse

modo, para eles, a arte estaria presente em todos os objetos daquela coleção.

Enquanto não repensarmos as formas de representar o nosso passado não nos

identificaremos com ele, não aprenderemos com ele e o que é pior, não seremos capazes de56

desconstruir as desigualdades estruturais de nossa sociedade. Garantir igualdade de oportunidades e

de tratamento não significa equalizar as nossas diferenças. Não somos todos iguais, somos diversos,

e é a nossa diversidade que significa a nossa riqueza.

O amadurecimento das lutas contra práticas discriminatórias tem mostrado que amera inversão de valores não combate a intolerância seja ela racial, cultural ou sexu-al. Entre as ações mais eficazes, estão aquelas que procuram valorizar positivamenteaspectos antes desqualificados aumentando o leque de opções de reconhecimentomútuo entre indivíduos. Luta- se para neutralizar a reação contra a diferença, qual-quer que seja ela. (SANTOS, 2010, p.5)

O uso do espaço como “senzala”, ainda que sem comprovação documental é uma escolha

institucional, não necessariamente uma escolha ruim. A falta de problematização dessa escolha

representa uma fraqueza, e sobretudo o apoio da narrativa em um único texto, sem a utilização de

outros elementos expográficos ou suportes para o discurso, traz à tona interpretações pautadas no

sofrimento e na vitimização, em grande medida reforçadas pelo imaginário do senso comum, pelas

concepções preexistentes e pela História Oficial. Nesse sentido, a representação não colabora para

uma sensibilização crítica a respeito dos horrores do período escravocrata, mas sim reforça o ideal

de poder bipolarizado, o qual nos sentimos impotentes para lutar contra e tem como consequência o

afastamento de um passado que parece não dizer respeito a nós.

57

5. Considerações finais.

Ouro Preto é sem dúvida uma cidade construída e resignificada e vivenciada pela população

afrodescendente. Para além dos números de autodeclarados, caminhar pela cidade é perceber a

grande composição dessa população no comércio, nos serviços, nas atividades públicas e a cada vez

mais nos Institutos Federais de Ensino Superior. Lugares de memória em tempos de identidades

híbridas e globalização são fundamentais para os processos de resistência, (re) construção e

afirmação de identidades esmaecidas e esquecidas que se percebe emergir nos últimos tempos.

Junto às políticas que pretendem ampliar o currículo escolar formal para a diversidade cultural,

racial, social e econômica, os museus fazem parte desse processo de formação de uma sociedade

tolerante à multiculturalidade.

A identidade racial não é formada pelos traços fenotípicos, a cor da pele ou a aparência

física. Trata-se da interpretação social sobre esses elementos, que é balizada em grande medida

pelas representações que fazemos, recebemos, percebemos, interpretamos e questionamos.

58

ANEXOS

Anexo 1: transcrição do texto de abertura da exposição “A Arte Afro-brasileira na Coleção de

Toledo”.

A Arte Afro-Brasileira na Coleção de ToledoConstrutores de Minas e do Brasil, os africanos e seus descendentes constituem umdos mais vigorosos pilares da historia de Ouro Preto. Eles chegaram ao longo dosséculos XVIII e XIX, submetidos à condição servil, trazendo quase em segredo,uma rica tradição cultural. Nos meandros do sincretismo, sua contribuiçãofloresceu intensamente e deixou raízes. A saga de Chico Rei traduz exatamente amobilidade dos africanos no espaço social assim como o prestigio do Aleijadinho ede Lobo de Mesquita testemunha a escalada dos afro-descendentes, pela via dasartes na primeira sociedade urbana do Brasil.Essa inclusão no processo cultural do pais passa pelos conhecimentos de quedispunham em campos como a mineração e a geologia, para chegar à culinária,usos e costumes, bem como ao enriquecimento da língua e a originalidade daprodução artística. Daí o imenso acervo afro-brasileiro, do qual oferece admiráveisexemplares o conjunto reunido pelo colecionador ouro-pretano José Lucas Toledo. Ainda menino, habilidoso aprendiz de sapateiro, Toledo deixou-se encantar pelostesouros de sua cidade e, pouco a pouco, firmou-se a si mesmo como notávelconhecedor das artes plásticas e do mobiliário dos períodos colonial e imperial.Para si, igualmente, reservou peças significativas entre as que foi recolhendo, enesse contexto destacam-se as de origem afro-brasileira.Com sensibilidade e pertinência, ele compôs um repertorio de obras de arte, objetose utensílios que narram a vida dos africanos na antiga Vila Rica de minas de ouro.Trata-se de elenco de testemunhos materiais que, na esfera domestica e no espaçopublico, ilustram, de maneira impactante, a historia da mentalidade e docomportamento dos africanos no quadro em que se configurou o Brasil. Instrumentos de tortura, de que não se deve esquecer, integram a coleção tantoquanto peças representativas da vida cotidiana e das diversas vertentes. Aofranquear ao publico parte do acervo, nesta exposição organizada pelo artistaRoberto Sussuca, José Lucas Toledo, presta mais um serviço a sua comunidade e àcidade que muito lhe deve pelo cuidado com o patrimônio e amor às artes. (ÂngeloOswaldo de Araújo Santos)

59

Figura 1- Gráfico de quantidade de entrevistados por gênero.

Figura 2 – Faixa etária dos entrevistados e percentagem

60

Quadro 1 - Origem dos entrevistados.

Sudeste

Minas Gerais São Paulo Rio de Janeiro Espírito Santo

Contagem (2)UberlândiaBelo Horizonte (16)Juiz de ForaOuro Preto (11)ItaúnaPratápolisPatos de MinasParacatúCaxambú (2)Barra LongaItabira (3)Sabará (2)CláudioMariana (2)

São PauloOsascoSanta Cruz do RioPardoPirajuLimeiraBotucatu (2)São José dos Campos(2)Atibaia (2)

Rio de Janeiro (10)Angra dos Reis (2)

Venda Nova doImigrante (2)SerraVitória

Nordeste

Ceará Paraíba Bahia Rio Grande doNorte

Fortaleza (4) João Pessoa (2) Salvador (2)Feira de Santana

Natal

NorteAmazonas

Manaus

Centro-OesteGoiás Distrito Federal

CeresGoiânia

Brasília

SulRio Grande do Sul Paraná

Porto Alegre (2)Triunfo

Curitiba (2)Toledo

Estrangeiros América do Sul Europa Oceania

Colômbia (3)Argentina

GréciaFrança (3)HolandaPortugalReino Unido

Austrália

61

Figura 3 – Nuvem de palavras sobre questão 1. Identificação/ interesse dos entrevistados sobreos objetos da exposição.

Figura 4 – Nuvem de palavras sobre questão 2. Incômodos e desagrados dos entrevistados naexposição

62

Figura 5 – Gráfico referente à questão 3. Entrevistados que leram/repararam no texto deabertura (percentagem).

Figura 6 – Nuvem de palavras sobre questão 4. Interpretação dos respondentes sobrerepresentação na exposição.

63

Figura 7 - Gráfico referente à questão 5. Interpretação dos respondentes sobre representaçãona exposição (percentagem).

64

Quadro 2 – Transcrição das respostas referentes à primeira categoria da questão 6.

Bipolaridade entre sofrimento e riqueza/poder

Fica bem forte a vida que osescravos levavam. Foi umaépoca de muito sofrimento

onde poucas pessoas detinhamo poder nas mãos

A vida burguesa dos nobres e ogrande sofrimento dos escravos

(4)

Aos escravos a resignação para sobrevivência. Aossenhores feudais a busca do poder, mas mesmo

assim contribuíram para o crescimento econômico

Uma mistura de pujança epobreza/crueldade

Muito luxo para os brancos e umlugar singelo com aposentos

muito desagradável, parece quehouve muito sofrimento como

conta a história

Comparada aos dias atuais muito difícil mas, paraa época deveria ser o que tinha de melhor para os

senhores. Coitados dos escravos.

De muita regalia para uns esofrimento para outros

(escravos e negros)

Fácil para quem tinha dinheiro,difícil e sofrida para quem não.

Por parte da classe mais favorecida, a vida eramais confortável do que a classe menos favorecidae escrava. A dos escravos parecia mais violenta e

agressiva

Muito poder dos grandes,muita submissão. Sofrimento.

Pelos instrumentos apresentadospercebe-se uma vida difícil parao cidadão e pior ainda para quem

é escravo

Muita orgia e muita repressão ao mesmo tempo.Para os escravos repressão, e festas para os donos

do poder.

Uma vida boa para uns e difícilpara outros

Confortável para os senhores daépoca e terrivelmente frio e

desumano para os escravos =sombrio

Muito dinheiro, ouro, e o que vem com isso, aambição, a cobiça, a abundância, e coisas horríveis

que aconteciam com os escravos.Morte/submissão/mal-cheiro

Dos escravos árdua e a vidados senhores boa

Depende de quem você fosse.Muito boa se você era o chefe dacasa. Muito difícil se você fosse

um escravo.

Apartada entre senhores e escravizados, compouco ou nenhum contato entre essas duas

realidades. Sabemos contudo, que não era bemassim.

Para os donos “maravilhosa”,para os negros “horror”

Uma vida de muito trabalho,grande influência cultural e com

algum sofrimento

Na Casa dos Contos, movimentado pelo fato de serum órgão do governo; na senzala, um ambiente

opressor e desumano.

Muita alegria para os senhorese uma tristeza para os escravos

Condicionada a cobrança detributos. A relação entre os

membros da Coroa e o povoescravocrata era uma relação

quase desumana

Quem tinha boa vida aqui era só o contratador eseus capangas, os escravos só apanhavam

Depende de quem esteja emevidência. Os senhores deviam

viver bem ´para a época; osescravos mal.

Com muita ostentação na partede cima e muito sofrimento na

parte de baixo, na senzala

O proprietário dá a entender que possuía um ar desuperioridade e os escravos, quando vemos a

senzala imaginamos o sofrimento deles.

Imagino uma vida de luxúria por parte dos donos (proprietários) etalvez sofrimento pelos escravos da casa. A casa representa o

poder dos colonizadores.

65

Quadro 3 - Transcrição das respostas referentes à segunda categoria da questão 6.

Narrativas centralizadas no sofrimento Somente menção aosescravos (8)

Sofrimento sem menção aosagentes (6)

Bem difícil se comparada com os dias atuais de hoje,apesar de ser nostalgia

Triste para os negrosUma vida bem sofrida etriste para os escravos

Bem difícil. A senzala é um local complicado de se viver.Os negros tinham contato com o mau cheiro da casa, o

local é frio, sem nenhuma boa condição

Muito difícil, quase semcondições

Incrivelmente difícil e triste

Triste, com pessoas rudes que tratavam escravos como“não pessoas”, nem animais tratam-se de tal forma

Muito sofrimento, dor, frio,doença

Uma vida sem direitos

Imagino uma vida sofrida, limitada e curta para o escravo.Não sabia que ficavam no subsolo. E ver algum dos

instrumentos de tortura são imagens fortes, que fazem seruma experiência marcante.

Sofrida e de muito trabalhoduro – em péssimas

condições de alimentação eespaço físico

Sofrida, sufocante eaterrorizante

Realmente difícil, muito desapontamento. O tratamentoinjusto a alguns seres humanos foi uma página negra para

a humanidade (tradução nossa)

Cruel, muito sofrida erepugnante

O período de sofrimento, adominação e o tratamentoirreal entre os humanos

A vida no período colonial era o retrato da ignorância,maldade e sede do ser humano pelo poder, em que a

imensa maioria da população vivia de forma degradante

O que visitei, que foi asenzala me chocou

Terríveis as condições,deveria faltar higiene,

conforto

Os elementos apresentados não permitem de se fazer umaboa representação da vida da época, mas com certeza que

as condições eram horríveis, precárias...Cruel, desumana

Difícil, precária, semcondições de bem-estar

Falta de liberdade; falta de reconhecimento do processo demiscigenação, segregação, postura etnocêntrica

Terrível, com condiçõesprecárias em todos os

sentidos

A estrutura social eraaltamente elitista e desigual

Um período difícil com muitas privações, preconceitoscontra as minorias, transporte e comunicações escassos.

Muita tristeza, aflição,angústia.

Retrata a teoria aprendida naescola. Sentimos a unidade,

desconforto...

Difícil! Muita maldade e ambição

Quadro 4 - Transcrição das respostas referentes à terceira categoria da questão 6.

Narrativas com ausência de sofrimento OuroAgradável com muito

trabalho

Imagino que era uma casa de muito luxo para a época eque aconteceu coisas muito importantes para o país

Simples comparada àsfacilidades dos dias atuais

Muito agitada, com muitavida

Muita ostentação, tudo regado a ouro, muitas regras aserem seguidas e os escravos realizando todos os serviços

que eram demandados a eles.Para poucos

Complexa e diversificada,permeada com segredos

Por parte de quem? Dos negros escravizados? Ou dosbrancos ricos que moravam aqui enquanto foi permitido

ao contratador?Luxuosa e interessante

Sinceramente não gostariade viver naquela época

Muita coisa foi representada nesta exposição. Refere avivência dos senhores com os seus servos. É possível

fazer uma referência fotográfica com os acervos expostos

Imagino que os escravosdormiam na senzala havia

grandes festas pois, ocontratador morava sozinho

Imagino uma casa muitomovimentada, com

colonizadores e escravos

Imagino um ambiente requintado e luxuoso, com váriaspessoas circulando diariamente

Sistema militarismo eprodução total para

Uma vida de luxo, commuitos empregados/escravos

66

exportação

A vida do contratador era boa, os comerciantes quevinham aqui lucravam, e viviam bem

Interessante, algo meiodifícil de imaginar de como

seria viver nessa época

Mais calma

Imagino uma vida rica para a ocasião, porém com muitaslimitações comparando com a vida atual (progresso)

Muito frequentada por seruma espécie de “banco” da

época

Fria

Figura 8 – Gráfico referente à questão 7. Percentagem de entrevistados que percebem a arte

Afro-brasileira na coleção

67

Figura 9 – Nuvem de palavras referente à questão 8. Em quais objetos se percebe a arte

Afrobrasileira.

Figura 10 – Gráfico Referente à questão 9. Conexão entre as exposições da Casa

(percentagem).

68

Figura 11 – Gráfico Referente à questão 10. Respostas a respeito do adequamento do espaço

para receber a coleção (percentagem).

Figura 12 – Gráfico Referente à questão 11. Percentagem de respostas que vinculam anarrativa da exposição com a História Oficial.

69

Figura 13 – Gráfico Referente à questão 12. Percentagem de autodeclaração de cor/raça/etnia.

70

Anexo2: Modelo de questionário aplicado

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETOESCOLA DE DIREITO, TURISMO E MUSEOLOGIA

CURSO DE MUSEOLOGIA

Questionário aplicado para o trabalho de monografia OS CONTOS DA SENZALA: ANÁLISE DO DISCURSO E RECEPÇÃO NO MUSEU CASA

DOS CONTOS

Nome Completo:_________________________________________________________________

Idade:_________anos

Origem:__________________________(cidade/UF)

Grupo de aplicação:

Turista ( ) Visitante de Ouro Preto ( ) Funcionário ( ) Guia de Turismo ( )

1. O que você achou mais interessante/ mais gostou na exposição?

_______________________________________________________________

2. Houve algo que lhe desagradou? Se sim, o que?

________________________________________________________________

3. Você leu/reparou no texto de abertura?SIM ( ) NÃO ( )

4. A quem você acredita que a exposição pretende representar?

_________________________________________________________________

5. Você achou essa representação bem sucedida?SIM ( ) NÃO ( ) EM PARTE ( )

71

6. Como você imagina a vida aqui na casa na época da Colônia?

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

7. Você percebe conexão entre essa exposição e o restante das exposições da Casa dos Contos?SIM ( ) NÃO( )

8. Você percebe a Arte Afro-brasileira nessa coleção?SIM ( ) NÃO ( )Se sim, em qual ou quais objetos?

_______________________________________________________________________________

9. Você acredita que esse espaço é um local adequado para a exposição dessa coleção?SIM ( ) NÃO ( ) EM PARTE ( )

Por quê?

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

10. Você acredita que a exposição concorda com a História Oficial ensinada nas escolas?SIM ( ) NÃO ( )

11. Por fim, gostaríamos de saber como você se declara, segundo a classificação do IBGE?BRANCO/A ( ) NEGRO/A ( ) PARDO/A ( ) AMARELO/A ( )

INDÍGENA ( ) OUTRO (especifique)____________________________________

Observações ou comentários (opcional):

72

REFERÊNCIAS

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