“Os Complexos Agroindustriais no Brasil – Seu Papel na Economia e na Organização do Espaço”...
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Revista geo-paisagem (on line)
Ano 5, nº 9, 2006
Janeiro/Junho de 2006
ISSN Nº 1677-650 X
Revista indexada pelo Latindex ,
Dursi e Capes
OS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL - SEU PAPEL NA
ECONOMIA E NA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO1[1].
1[1]. Este artigo constitui-se na primeira parte de um trabalho originalmente elaborado
para a disciplina Seminá- rio do Programa de Pós-Graduação, nível de Doutorado, da
UFRJ, em 1997.
RUI ERTHAL2[2]
Universidade Federal Fluminense
Resumo
O presente texto o papel dos complexos industriais agro-industriais – segundo
uma perspectiva econômica e espacial.
Palavras-chave: agricultura brasileira, complexos industriais, fronteira
Abstract
This text analyses the role of agrarian industrials complexs in Brazil – in the
economy and the spatial organization.
Keywords : brazilian farm , industrials complexs, frontier .
No inverno de 1978/79, Washington (DC) é tomada por uma “parada de
tratores” promovida por agricultores (farmers) norte-americanos, ligados ao “American
Agricultural Movement” (AAM). Esta grande manifestação protestava contra os baixos
preços dos produtos agrícolas (Burbach e Flynn, 1982). Em abril de 1997, Brasília (DF)
é inundada por uma passeata com cerca de 40.000 trabalhadores rurais ligados ao
2[2] Atual chefe do Departamento de Geografia da UFF, e – mail: [email protected]
“Movimento dos Sem-Terra” (MST) que, vindos a pé, de diversos pontos do território
brasileiro, reivindicavam a efetivação da reforma agrária.
Nos Estados Unidos, os agricultores lutavam pela sobrevivência da tradicional
agricultura familiar, até então o esteio do sistema agrário do país. No Brasil, luta-se,
ainda, pela propriedade da terra por parte, principalmente, dos pequenos produtores que
foram expropriados dos meios de produção. Estes dois eventos, à primeira vista
desconectados entre si no tempo e no espaço, ilustram os efeitos perversos do avanço
das relações capitalistas no campo que ocorrem em escala planetária.
Nesta perspectiva, quaisquer estudos sobre a atividade rural, com exceção dos
modelos coletivistas, devem contemplar o processo de desenvolvimento e expansão do
capitalismo. Neste sentido, a América Latina e, em particular, o Brasil, passaram a
constituir-se num dos espaços mais atrativos do mundo desde a II Guerra, para a
expansão do agrobusiness e, com ele, um novo padrão agrícola, o chamado “complexo
agroindustrial” (CAI).
Lembre-se que a agropecuária brasileira prestou vital papel no processo histórico
da ocupação do território e na configuração espacial do país, além de ter muito
contribuído via exportação (reservas cambiais), à sua própria mudança modernizante e à
edificação do complexo industrial (agroindustrial) brasileiro.
A partir do final da década de 1950, o desempenho das atividades agrárias
brasileiras, baseado no processo de modernização, foi de tal monta que colocou tal
assunto entre os mais importantes temas de discussão científica. Desta forma, os
complexos agroindustriais no país dão oportunidade de se levantar uma série de
questões de natureza econômica, social, política, técnica, social, espacial entre outras.
Na primeira parte deste trabalho procurou-se entender o processo de formação
dos CAIs, sistematizados em períodos, e cujas raízes já se encontram na segunda
metade do século XIX, até a consolidação destes complexos na década de 1980. Na
segunda parte deu-se atenção aos aspectos teóricos (conceitos e formas de integração) e
empíricos (modernização da atividade agrária brasileira e papel do Estado). Buscou-se,
na terceira parte3[3], levantar as conseqüências da modernização e, com ela, dos CAIs,
3[3] - A ser publicada.
em certos horizontes da economia e da organização espacial brasileira. Serão destacados
aspectos destes impactos na relação de produção, estrutura fundiária, produtividade,
relação de trabalho, expansão da área agrícola e modificações espaciais (rural e urbana).
Enfim, apesar da complexidade, magnitude e polêmica sobre a temática em
análise, buscou-se caracterizar, sistematizar e, deste modo, compreender não só os
complexos agropecuários em si, mas a própria modernização do campo, tendo, como
referência, autores consagrados e com formação acadêmica e ideológica diferenciada.
A FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL
Embora os complexos ou sistemas agroindustriais (CAIs) no Brasil tenham se
conformado de modo mais específico na década de 1970, algumas das raízes da
modernização agrária podem ser encontradas no século passado.
As mudanças ligadas às inovações do campo ocorreram sob a lógica, os
objetivos e as estratégias do capital, em princípio comercial, em seguida industrial e,
depois, financeiro. Naturalmente, os setores agrícolas básicos ligados à exportação,
sobretudo café, cana de açúcar, e algodão, foram no passado os mais susceptíveis na
adoção de inovações, tanto a nível técnico como nas relações de trabalho.
Graziano da Silva (1982), Kageyama et al. (1989) e Martini (1991), entre outros
estudiosos, contribuíram no sentido de periodizar o processo histórico da passagem do
denominado “complexo agrário” ao “complexo agroindustrial”. Neste processo
encontram-se envolvidas a substituição da economia “natural” por atividades agrícolas
integradas à moderna industrialização, a intensificação da divisão do trabalho e das
trocas intersetoriais, a especialização da agricultura e a substituição das importações
pelo mercado interno.
Ligado ao capital comercial, o complexo rural encontrava-se atado ao comércio
externo através de um produto valorizado no mercado internacional. As unidades
produtoras (fazendas e engenhos/usinas) eram quase que auto-suficientes. Para realizar
a produção voltada à exportação, elas se proviam, dentro de suas possibilidades, de
artesanatos e manufaturas e, assim, produziam equipamentos rudimentares para o
trabalho, bem como insumos simples, além de transporte. Neste contexto, a divisão
social do trabalho apresentava-se bastante incipiente. É interessante ressaltar que o
desenvolvimento industrial brasileiro, indutor de mudanças no setor agropecuário, ao
contrário dos países centrais, ocorreu sem o substrato da revolução agrícola.
A periodização da evolução da agricultura, apontada segundo os autores
supracitados, se estrutura em quatro distintas etapas: 1850-1890, 1890-1930, 1930-1960
e 1960-1980.
Primeiros sinais significativos de mudanças (1850 - 1890)
Esta fase constituiu-se, segundo Graziano da Silva (1982), num período de
transição marcada pelo fim do sistema colonial.
A Lei Eusébio de Queiroz de 1850, que pôs um ponto final no tráfico africano de
negros, veio dificultar a substituição e ampliação da mão-de-obra escrava, iniciando-se,
assim, uma crise no setor agro-exportador. Em muitas fazendas cafeeiras, mesmo antes
da lei abolicionista (1888), a fim de resolver o problema da carência de mão-de-obra,
introduziu-se a mão-de-obra livre dos imigrantes, principalmente italiana, inaugurando a
categoria nomeada historicamente de colonato. Por outro lado, na medida em que ocorre
um pequeno, mas significativo, surto de desenvolvimento urbano - incentivando a
pequena produção agrícola de gêneros alimentícios - e, com ele, a montagem de
indústrias manufatureiras4[4], aproximando das inovações industriais urbanas e, deste
modo, perdendo a sua estrutura autárquica. Para Albuquerque e Nicol (1987: 203),
somente o desenvolvimento da cafeicultura “permitiu que houvesse um início de
industrialização auto-sustentável a partir dos anos 1870/80 no Brasil”.
4[4] - Na década de 1880, implantaram-se as grandes indústrias têxteis que estimularam
o desenvolvimento da agricultura do algodão, inclusive com a participação da parceria,
seguida das alimentares (moinhos) e bebidas.
O Estado que desempenhará um papel fundamental no processo de
modernização agrícola, também, marcou presença nessa fase, por exemplo, com a
criação dos “engenhos centrais” na década de 70. Abertos aos capitais estrangeiros, os
engenhos centrais não podiam possuir terras, plantar cana-de-açúcar e utilizar trabalho
escravo. Assim, segundo Andrade (1994) 5[5], a sua ação restringia-se a processara a
cana para obter açúcar. Houve uma separação entre as atividades agrícola e industrial,
quebrando um padrão implantado nos primórdios da colonização. Observa-se, portanto,
um avanço nas relações de trabalho nestes engenhos. No entanto, a experiência não foi
bem sucedida, pois os senhores de engenho (donos da terra) mais ricos, tornaram-se
usineiros e continuaram a desenvolver as atividades agro (plantação da cana) e
industriais (refino de açúcar).
Papel da economia cafeeira (1890 - 1930)
Nesta fase, o complexo cafeeiro atinge o seu “clímax” e só quebrado com o
advento da crise mundial de superprodução denunciada pelo “cracking” da Bolsa de
Valores de Nova Iorque em 1929 e que se prolongou aos primeiros anos da década de
1930.
Observa-se nesta etapa o crescimento efetivo das cidades e, com elas, a expansão
e diversificação de suas funções. Algumas delas, localizadas principalmente nas
Regiões Sudeste e Sul, passaram por um processo de industrialização, notadamente de
indústrias de bens de uso e de consumo. Assiste-se, assim, ao nascimento e à expansão
do capital industrial que lança, também, seus tentáculos ao campo.
Corresponde esta etapa aos primeiros passos firmes do processo industrial. Em
tais condições postas, a agricultura pôde voltar-se, também, ao mercado interno,
abastecendo-o com produtos alimentares e matérias-primas. A fazenda de café, ainda
muito independente, passou a adquirir seus instrumentos de produção como secadoras,
despolpadoras, enxadas, arados, nos centros urbanos, intensificando sua vida de relações
com as cidades.
5[5] - Com o advento da República, os engenhos centrais sofreram grandes dificuldades
com a concorrência imposta pela implantação das usinas pelos grandes proprietários.
Neste período, vultosos capitais ingleses são investidos em ferrovias,
favorecendo a expansão cafeeira e semeando cidades. Esta maior eficiência de
integração espacial (transporte rasgando o país continente) configura o retrato de uma
nova era.
O Estado, através de instituições científicas, foi um fator decisivo para o
desenvolvimento da agricultura. Monbeig (1984), no seu marcante trabalho, aponta o
papel do Instituto Agronômico de Campinas6[6] para a expansão da cultura do algodão
em São Paulo. A título de exemplo, em 1923, os pesquisadores deste órgão procuram
obter uma variedade de algodão que melhorasse a qualidade da fibra.
Edificam-se as estruturas (1930-1960)
A crise que assaltou o setor primário exportador, base da economia nacional, deu
ensejo que surgissem e se ampliassem as condições favoráveis à intensificação do
desenvolvimento industrial, principalmente nas áreas onde dominava o antigo complexo
cafeeiro paulista que internalizou infra-estruturas favoráveis ao novo ciclo econômico.
Apesar do setor agrícola não ter passado, como dito, pela revolução agrícola nos
moldes dos países ditos centrais, Albuquerque e Nicol (1987) apontam cinco papéis
básicos desempenhados por ele, no sentido de acelerar a industrialização brasileira. São
elas - liberação de mão-de-obra às indústrias; fornecimento de produtos alimentares e
matérias-primas a custos constantes ou descendentes; suprimento de capital para o
financiamento de investimentos industriais; suprimento de divisas estrangeiras através
da exportação de produtos agrícolas, necessárias ao financiamento de importação para o
setor industrial; criação de um mercado interno para produtos industriais.
6[6] - Procuram os cientistas uma variedade de algodão que não ultrapassa-se a 1,0 m e
que as espécies pudessem ser plantadas em intervalos de 1,20 x 0,25 m. Em 1932 e
1940, a cotação do algodão paulista melhorou sua cotação no mercado mundial,
inclusive ultrapassando a do algodão americano (“meddling 7/8”) na Bolsa de
Liverpool. Monbeig (1984).
Este novo momento econômico inicia-se com o Governo revolucionário de
Vargas que representou e concretizou as aspirações democráticas demandadas pela
classe média urbana e o ideário da emergente burguesia industrial nacional.
Aos poucos, o setor cafeeiro vai cedendo espaço como a grande base da
economia nacional. Os setores algodoeiro e canavieiro, em processo de modernização e
que se encontravam em mãos de empresas altamente capitalizadas, tiveram apoio de
instituições de pesquisa mantidas pelo Estado, como o Instituto do Açúcar e do Álcool
(IAA). Às usinas açucareiras são fornecidas cotas de produção controladas pelo
governo, através de instituições como o IAA (criado em 1933). É da década de 1940, o
estatuto da lavoura canavieira, colocando o Estado como “árbitro” das contendas entre
industriais (usineiros) e agricultores (plantadores de cana)7[7].
A fim de viabilizar o desenvolvimento industrial brasileiro, o Estado cria
políticas direcionadas à criação de infra-estruturas, designadas em seu conjunto por
“arranjos institucionais”, por Singer (1973), necessárias à atração do capital
internacional sob a forma de empresas industriais. Por outro lado, era fundamental a
integração do território, o que representaria a unificação do mercado (de alimentos,
matérias-primas e trabalho). Já na década de 1930, transfere-se o eixo de acumulação de
capital do setor agropecuário para o industrial.
No período em destaque, reorganiza-se o espaço produtivo agrícola brasileiro
com o aumento da especialização a nível regional em determinados tipos de produto e
redesenha-se uma nova divisão social do trabalho na agricultura a nível nacional. A rede
viária amplia-se, principalmente no caso das rodovias pelo incentivo da presença de
montadoras de carros, integrando e intensificando o intercâmbio entre as regiões
Centro-Sul e Nordeste. Alguns estados da Federação, como o Rio Grande do Sul,
Paraná, Goiás, Mato Grosso (do Sul) e Maranhão passaram a especializar-se em
produtos alimentares em função da grande demanda urbano-industrial.
7[7] -Segundo Neves (1997: 75) “As oscilações da produção, da demanda e do preço do
açúcar, ao lado da necessidade de grandes investimentos para a instalação das unidades
fabris, apareciam como justificativa para os produtores reivindicarem a participação do
Estado na atividade econômica”.
Enquanto as áreas de ocupação tradicional são penetradas pelas relações
capitalistas de produção, as áreas de fronteiras “antigas” (Paraná, Goiás e mato grosso)
são consolidadas. Em relação à abertura de novas áreas de fronteiras, aprecia Sorj
(1986: 17):
A expansão de fronteiras acompanha, em termos gerais, a dinâmica do conjunto da
economia que, através da liberação de força de trabalho, da criação de infra-estrutura e
geração de mercados, viabilizavam as condições de ocupação de novas terras e os de
sua integração com o conjunto econômico.
A expansão da economia agrícola, neste período, ocorreu mais no sentido
horizontal, pois o aumento da produtividade limitou-se a determinadas áreas mais
integradas ao processo industrial, principalmente em São Paulo.
Na década de 50, segundo Kageyama et alii (1983) completou-se a implantação
do chamado D1 industrial (Departamento de bens de capital e insumos para a
agricultura) na chamada fase de industrialização de base.
Efetivação dos CAIs (1960 - 1989)
Constitui-se esta fase na consolidação da modernização da agricultura e sua
subordinação definitiva à indústria, tendo também ocorrido a efetivação dos CAIs no
país.
Tal fato realizou-se de modo rápido e intenso pela ação de políticas
governamentais que incentivaram a criação de indústrias de maquinarias e insumos
básicos, tanto por iniciativa oficial, como particular (empresas nacionais e
internacionais).
As firmas multinacionais, algumas já atuando o país, acorreram em grande
número e passaram a operar, tanto na indústria de base quanto na de processamento, em
forma de mono ou oligopólios. O Estado também cria incentivos ao consumo, via
política de crédito subsidiado, difusão de pacotes tecnológicos (revolução verde),
facilidade de aquisição de terras, principalmente nas áreas de fronteiras.
A propriedade fundiária desfruta de um intenso processo de valorização,
constituindo-se num bem com reserva de valor, o que Kageyama et alii denominou de
“territorização do capital”, acentuando a concentração fundiária. Com o aumento do
valor da terra, a pequena produção fica fragilizada frente às pressões do capital e, assim,
muitos dos seus agricultores foram obrigados a abdicar de suas terras. Muitos deles
“optaram” em viver em cidades (estimula-se que trinta milhões de brasileiros deixaram
o campo pela cidade neste período). Uma outra parcela deles transforma-se em
assalariados permanentes ou temporários nas empresas modernizadas. Uma
percentagem das pequenas propriedades familiares consegue se capitalizar e penetrar no
circuito da agroindústria, integrando-se aos CAIs, mas em compensação, perde grande
parte de sua independência.
Esta fase, principalmente no período de 1965 a 1979, ficou conhecida pelos
críticos como “modernização conservadora” (vide Graziano da Silva - 1982), ou
“milagre econômico” pelos simpatizantes do regime militar que a patrocinou. Este autor
afirma que a modernização da agricultura brasileira só se deslanchará ao se consolidar a
hegemonia da indústria de base.
Sorj (1986: 11) observou que, em meados dos anos 60, houve uma redefinição
das relações entre a agricultura e a indústria, a partir do desenvolvimento do complexo
agroindustrial. Sobre isto, ainda, acrescenta o autor: “A agricultura passa a se
reestruturar a partir da sua inclusão imediata no circuito da produção industrial, seja
como consumidora de insumos e maquinarias, seja como produtora de matérias-primas
para a transformação industrial”.
Tal modernização encontra-se presente em quase todos os setores e não só
naquelas plantagens voltadas ao mercado externo. Em relação á modernização recente
da agricultura brasileira (década de 1980), Martine (1991) fez importantes observações,
sendo que algumas delas foram aqui incorporadas.
Quase toda a economia nacional e nela os CAIs amargaram na década de 80 e
início da de 90, intensas dificuldades, em função da crise econômica que afetou o
mundo ocidental. Mais uma vez, o Estado elaborou distintas políticas setoriais não só
visando mitigar os efeitos perversos da crise, como dinamizar a economia nacional
frente às transformações que se operavam no mercado mundial.
Martine distinguiu nessa década duas fases: 1980-84 e 1985-89. Caracterizada
por crise de estagnação econômica, a primeira fase atinge tanto o setor industrial como
o agrário. No entanto, esta crise encontrou a agricultura com uma estrutura produtiva já
consolidada em termos técnicos, amortecendo suas seqüelas negativas.
A atividade rural perde o seu tratamento preferencial junto ao sistema financeiro.
O crédito subsidiado e com taxa de juros negativas, que era concedido de modo
genérico, perde o seu ímpeto e dá a vez ao dirigido. Ao lado desta nova atitude
creditícia, o Estado implementa política de subsídios, de câmbios e de preços mínimos
aos setores ligados à cana-de-açúcar (PROGRAMA DO PROÁLCOOL), soja, trigo,
cacau, algodão e laranja.
Observou-se, por um lado, uma queda na importação de produtos alimentares e
por outro, incentivos à exportação, fato que redundou em elevados “superávit” na
balança comercial brasileira.
Genericamente, constata-se uma retração no ritmo de crescimento das áreas
cultivadas, em particular nas culturas permanentes e do rebanho. Esta queda afetou,
naturalmente, a expansão do uso de maquinaria, em especial dos tratores. Comparado às
décadas anteriores (1960-70), observou-se maior morosidade no processo de
incorporação de novas fronteiras.
Mesmo assim, a cultura da soja foi a grande responsável pelo alargamento destas
fronteiras, sobretudo na região Centro-Oeste e, também, vai expandir-se na região Sul.
A criação de gado fortalece sua presença nas regiões Centro-Oeste e Norte.
A retração relativa da economia rural modernizada propiciou o crescimento de
certas formas não-capitalistas de produção. Isto se revela pelo aumento do ritmo de
crescimento do número de trabalhadores dos pequenos estabelecimentos, caracterizando
o chamado processo de “minifundiarização”.
Apesar da conjuntura externa bastante desfavorável, a agricultura brasileira
conseguiu colher duas supersafras (1985-86), indicativas da recuperação do setor.
Simultaneamente, a esfera industrial se encontrava, ainda, mergulhada numa crise
recessiva, sem precedente, em busca de novos padrões tecnológicos, fato que veio
agravar o debilitado mercado de trabalho, gerando elevados índices de desemprego no
setor.
Sem abandonar a política de incentivos à exportação, o governo da “Nova
República” dinamizou o setor agropecuário voltado ao mercado interno através do
chamado “Plano Cruzado” com efeitos, porém, limitados no tempo. Este plano, ao
conter a inflação, elevou o poder de compra da população trabalhadora urbana,
havendo, inclusive, necessidade da importação de gêneros alimentícios. Foi garantido
ao produtor o preço mínimo mais elevado para os produtos alimentares.
Novamente, o governo põe em prática a política de crédito rural (custeio e
investimento) com taxas de juros reais negativas (1986-87). Já em 1988, observa-se o
saldo positivo na balança comercial, com elevação do preço dos produtos exportados.
A valorização de terras para a produção ou para o especulato forçou, novamente,
a proletarização dos camponeses ou o seu deslocamento para novas áreas
(principalmente Rondônia), reproduzindo o ciclo dos posseiros que agem como
batedores à passagem do grande proprietário. A expropriação parcial dos pequenos
produtores levou muito deles a lutar pelo direito à terra. Nesta fase, consubstancia-se a
formalização do Movimento dos Sem-Terra que passou a comandar a invasão dos
latifúndios improdutivos (1984/85), como medida política de chamar a atenção da nação
sobre a eterna questão da reforma agrária. Não se pode esquecer que a pequena
agricultura familiar continuava resistindo, inclusive, pela via da incorporação aos cais.
Uma vez integrada e capitalizada, ela passou a produzir matérias-primas às
agroindústrias.
Na década de 90, chegaram ao poder os presidentes Collor de Mello e Cardoso
que assumiram práticas ligadas à doutrina neoliberal. No Governo Collor de Melo, a
recessão, desemprego e inflação atingiram patamares nunca vistos e que não foram
debelados, apesar dos planos econômicos implementados. Já o Governo Cardoso obteve
êxito quanto ao controle da inflação, via Plano Real.
Nesta década, o Estado não só perde a sua capacidade de investimento em
indústrias de base e em infra-estrutura, como também, vem-se retirando do processo
econômico com a política de privatização das estatais. Abriu-se, por outro lado, o
mercado brasileiro, até então protegido em favor das indústrias existentes no país,
objetivando, via concorrência, elevar o padrão de qualidade dos produtos e serviços a
preços baixos. A estabilização da moeda, indubitavelmente, atraiu ao mercado
consumidor, sobretudo nos produtos de primeira necessidade, uma parcela da população
nacional de baixa renda, ausente do circuito formal da economia.
Em outro patamar, nesta década efetivou-se a aliança econômica entre os países
sul-americanos do chamado Cone-Sul, constituindo-se num supra-organismo, o
MERCOSUL, com repercussões diferenciadas na economia de todas as nações
membros. Esta realidade, embora muito recente, vem trazendo modificações na esfera
econômica e na organização do espaço brasileiro, principalmente na região Sul, a mais
próxima dos países integrantes no macro-organismo.
Tudo indica que haverá a médio e longo prazo uma maior especialização setorial
nas diversas regiões geoeconômicas, em função de sua proximidade, das
potencialidades naturais e das vantagens comparativas. Algumas, certamente, ganharão
dinamismo enquanto outras poderão ficar, até mesmo, marginalizadas.
Como se comportarão os cais (semi)integrados face à abolição das barreiras
alfandegárias entre os Estados membros? E estes, como estão agindo no sentido de
conciliar tantos choques de interesse – regionais, nacionais, supra-nacionais (Mercosul)
e internacionais?
Frente a estas e a outras mudanças na ordem política e econômica nacionais,
como vem reagindo o processo de modernização industrial e agrícola e com ela os
complexos agroindustriais brasileiros?
OS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS
O surgimento dos Cais vincula-se a um amplo e contínuo desenvolvimento do
capitalismo no após II Guerra, cujo setor industrial em grande efervescência, alcança o
âmago do setor agrário que, por sua vez, buscava novos caminhos para superar a queda
da lucratividade e a depreciação da renda da terra.
Como ocorrera com a indústria no final do século XIX, a agropecuária também
passou por concentrações horizontal e vertical no seu processo de “caificação”. Nas
palavras de Johnston e Kilby (1977: 51) “o mecanismo do processo econômico na
agricultura é o mesmo que opera em todos os demais setores de uma economia. O nome
desse mecanismo é especialização”.
A entrada da agricultura no complexo industrial não se dará de modo tranqüilo,
pois muitos problemas advirão como, por exemplo, o aumento dos custos produtivos,
sem a devida compensação em termo de aumento da rentabilidade, além do mercado ir
perdendo o seu caráter competitivo e penetrar na esfera monopolista.
Base ConceitualO conceito de complexo agroindustrial8[8] surge na década de 1950 nos países
centrais, como resultado de estudos sobre a participação das atividades agrícolas nas
relações inter-setoriais, a partir de teorias a respeito destas relações formuladas por W.
Lentief, como aponta Guimarães (1979).
Um dado fundamental refere-se à distinção entre os termos que compõem essa
grande equação do comportamento moderno da agricultura. Kageyama et alii (1989), ao
iniciar a sua apreciação sobre o assunto, distingue, conceitualmente, os termos
modernização e industrialização da agricultura.
Por modernização entende basicamente a mudança da base técnica da produção
agrícola. Em outras palavras, ocorre uma transformação da produção artesanal
camponesa numa agricultura consumidora de insumos (“inputs”) e com elevado grau de
8[8] - Segundo Alvarenga (2000), o termo “agrobusiness” foi criado por Ray Golberg,
professor da Universidade de Harvard, por volta de 1960.
intensidade. O processo de modernização pode ser aquilatado pela elevação do consumo
intermediário na agricultura. A industrialização da agricultura corresponde à fase mais
“evoluída” da modernização e, por sua vez, nas palavras dos autores: “Envolve a idéia
de que a agricultura acaba se transformando num ramo da produção semelhante a uma
indústria, como uma fábrica que compra determinados insumos e produz matérias-
primas para outros ramos de produção” (p. 113).
Quando se fala em industrialização da agricultura é mister lembrar os seus
limites, pois diferentemente da indústria, a agropecuária possui especificidades (ritmos,
ciclos naturais etc.) que não se coadunam com o método industrial. Prosseguindo sua
análise, acrescentam Kageyama e Outros que, conectada com outros ramos da produção,
esta agricultura para produzir: “depende dos insumos que recebe de determinadas
indústrias, e não produz mais apenas bens de consumo final, mas basicamente bens
intermediários ou as matérias-primas para outras indústrias de transformação” (p. 114).
Segundo eles, três transformações básicas diferem a modernização e
industrialização da agricultura:
- mudanças nas relações de trabalho - ocorre a divisão do trabalho dentro da família, o
trabalho coletivo ultrapassa o individual;
- mudanças qualitativas na mecanização - quando se introduzem as máquinas em todo o
processo de produção (da preparação do solo ao transporte do produto);
- internalização do D1 - no Brasil isto correu com a instalação da indústria de base que
passou a produzir máquinas e insumos ao campo.
Com a industrialização da agricultura brasileira (década de 1960), o setor
industrial passa a comandar a direção, as formas e o ritmo da mudança na base técnica
da agricultura. Esta, no entanto, quando (semi)integrada perde o direito a concorrer no
mercado consumidor final e fica presa aos interesses das indústrias, principalmente
processadoras de suas matérias-primas.
Logicamente que, quando mais modernizada se torna a agricultura, mais amplos
os caminhos se abrem à sua industrialização. Quando ela alcança este “estágio”, o
processo vai tomando caráter de irreversibilidade. O mais elevado grau de
irreversibilidade ocorre no contexto do CAI, pois a agricultura encontra-se altamente
modernizada e industrializada, principalmente se a sua forma de integração for direta.
Assim, o processo de industrialização do setor agrário brasileiro levará à emersão dos
complexos agroindustriais, somente na década de 1970.
A existência dos CAIs pressupõe, logicamente, a presença no mínimo de dois
setores integrados - agricultura (industrializada) e o industrial. Este representada pelas
indústrias de insumos e processadoras, sendo as últimas possuidoras de maior
ascendência sobre a agricultura.
Cada CAI pode estar mais ou menos integrado a nível intersetorial, sendo que os
CAIs mais completos atuam nas esferas de estocagem, comercialização e transporte de
produtos e, até mesmo, na do financiamento. Já os cais incompletos, segundo Graziano
da Silva (1993), só apresentam relações para frente, isto é, com as indústrias
processadoras.
Os vários conceitos elaborados sobre os sistemas ou complexos agroindustriais,
de certa forma, acham-se circunscritos aos aspectos formais já citados, isto é, aos
setores envolvidos, suas funções e integração. Seguem-se alguns conceitos de CAIs,
com ênfase nos aspectos econômicos, políticos e ideológicos.
O CAI constitui-se de um complexo entre tantos outros, como industrial,
portuário, cafeeiro. Giarracca (1985: 23) define complexo como “a estrutura de relações
entre as distintas etapas que intervêm na elaboração de um bem”. E quanto este bem
(produto) tem origem na agroindústria, está-se em presença de um CAI. Para Goldbery,
R. A., citado por Bruneau e Imbernon (1980: 212), o sistema agroindustrial vem a ser:
o conjunto da produção e da distribuição de fornecimento para a agricultura,
as operações de produção ao nível das exportações, como a estocagem, a
transformação e distribuição de produtos agrícolas e de alimentos
transformados.
Para Vigorito, R., reproduzido por Giarracca (1985: 23), o CAI constitui-se de
um:
Mecanismo de reprodução que se estrutura em torno da cadeia de transformações
diretamente vinculadas à produção agrária, até chegar a: a) seu destino final como meio
de consumo ou inversão, ou b) tomar parte da órbita de outro complexo não
agroindustrial.
Muito semelhante à definição de Goldbery, Sorj (1986: 29) vê o CAI como: “um
conjunto formado pelos setores produtores de insumos agrícolas, de transformação
industrial dos produtos agropecuários e de distribuição e financiamento nas diversas
fases do circuito.
Graziano da Silva, citado por Scopinho (p. 29), introduz um viés político em sua
visão. Para ele, o Cai é um produto histórico a partir de uma conjugação de interesses
institucionais (público e privado), num determinado nível organizacional. Explicitando,
ele acrescenta:
É uma verdadeira máquina de organizar interesses no quadro das relações
conflituais entre segmentos da iniciativa privada e o Estado, privilegiando e
até mesmo incluindo atores que por razões estritamente econômicas
deveriam ou não fazer parte de uma dada estrutura tecnoprodutiva.
Em outra linha de abordagem, com uma visão ideológica, Neves (1997: 26)
entende que a modernização, modernização conservadora e complexo agroindustrial são
termos referentes a “modelos gerais relativamente abstratos de compreensão de formas
específicas de interligação da agricultura com a indústria, nem sempre realizáveis tais
quais”.
Em função da complexa natureza dos cais e considerando sua rápida capacidade
evolutiva, cada conceito retratado, embora se constitua em valioso instrumental de
entendimento da realidade, carece de uma visão mais global. Assim, há necessidade de
novas abordagens para tecer conceitos mais abrangentes do fenômeno.
Uma vez completado o ciclo de integração do setor agrário aos cais, o
entendimento do movimento deste setor só pode ser apreendido em sua real dimensão, a
partir da dinâmica industrial a ele afeita. Por seu turno, o desempenho dos complexos
industrial e do agro-industrial encontra-se atrelado à esfera do capital industrial e
financeiro que opera, de modo simultâneo e integrado, em escalas distintas, isto é,
regional, nacional, continental e internacional. Em outras palavras, segundo Bruneau e
Imbernon (1980: 213):
O sistema agroindustrial se desenvolve, acentuando o processo de
internacionalização do capital social, sob todas as formas: capital produtivo
(implantações industriais e migração de mão-de-obra), capital financeiro
(movimento internacional do capital bancário e industrial),
mercadorias/transferência de tecnologia, importação e exportação de
diversos bens e serviços.
É bom lembrar que, embora a modernização-industrialização da agricultura
brasileira, inclusive integrando-se aos Cais, tenha se intensificado em escala crescente
desde o pós II Guerra, não se pode esquecer de que este processo não se deu de forma
homogênea em todos os setores agrários e no espaço nacional. Ainda existem muitos
espaços, tipos de cultura e criação, fragilmente ou, ainda, não atingidos pela
modernização.
A introdução das relações capitalistas no campo faz-se de maneira seletiva,
principalmente em função dos objetivos do sistema que, em última análise, é o da
reprodução ampliada do capital. Por outro, há que se valorizar a “força do lugar”, pois
as áreas, regiões, países selecionados apresentam especificidades históricas,
características naturais, acessibilidade, possuindo infraestruturas e são dotadas de
situações geográficas fundamentais.
Apesar dos CAIs não elaborarem um modelo universal, ao tomá-los como
unidade escalar, o estudo dos setores agrário e industrial, feito mesmo de modo isolado,
revestir-se-á de grande significado para o entendimento dos seus vários processos
econômico, social, político e principalmente espacial.
O uso da expressão sistema agroindustrial, na acepção dos dois autores supra
citados, torna-se necessário, pois que ela “não significa um simples processo de
reorganização industrial no campo, mas uma reestruturação do processo produtivo”.
Indústrias AfinsO nascimento e evolução do sistema agroindustrial são garantidos, em termos
mínimos, pela existência do tripé – agricultura/pecuária, indústrias de insumos e
indústrias processadoras. A partir do ponto de vista das atividades rurais, tais indústrias
encontram-se situadas, respectivamente, a montante e à jusante do seu processo
produtivo.
As indústrias, genericamente chamadas de insumos (montante), são responsáveis
pela evolução modernizante da base técnica da agricultura, isto é, responsáveis pelo
aumento da produção e da produtividade. As indústrias processadoras (jusante) que são
muito numerosas, não só transformam as matérias-primas provenientes do campo, como
articulam a entrada, a integração e o comportamento das empresas rurais no CAI.
As indústrias de insumos, classificadas genericamente como de base, abriga dois
segmentos bem distintos. Um deles liga-se à produção de maquinarias - tratores e
implementos mecânicos (arado, colhedeira, empacotadeira etc.). O outro ramo produz
insumos de natureza química e biológica que são os fertilizantes, adubos, rações,
inseticidas, sementes etc.. As cooperativas constituíram num dos mais importantes
vetores de difusão do uso de maquinarias e insumos industriais no campo brasileiro.
As indústrias processadoras, além de muito numerosas, são as mais
diversificadas possíveis, pois elaboram produtos alimentares (sob as mais diversas
formas) de procedência vegetal, animal e outros ramos (do couro à celulose).
Como já dito, a organização dos CAIs só se torna exeqüível em um quadro onde
estas indústrias de base são realmente internalizadas.
Indústrias de maquinariasA presença de maquinarias no campo brasileiro é registrada desde a década de
1920. O crescimento do uso destes instrumentos de trabalho associa-se à expansão de
certas culturas. Assim, na década de 40, a difusão da triticultura e da rizicultura irrigada
no Rio Grande do Sul e da cana-de-açúcar e do café em São Paulo criou condições
objetivas ao surgimento de um mercado para estes produtos industrializados.
A partir de então, observa-se um contínuo e vigoroso implemento na utilização
de tratores. Na década de 50, foram contabilizados 8.372 tratores, na década seguinte,
eles atingiram a cifra de 61.345 unidades. Lembra-se que até a década de 50, os tratores
eram adquiridos no mercado externo, principalmente nos Estados Unidos e Europa..
Assim, em resposta aos estímulos emanados do “Plano de Metas” do Governo
JK (anos 50), começaram a chegar ao Brasil empresas multinacionais ligadas à
produção de maquinarias, destacando-se os tratores9[9]. Segundo dados apresentados
por Kageyama e Outros (1989), em 1961, tais indústrias que operavam no país eram
responsáveis apenas por 21% da oferta e, no ano seguinte, elas alcançaram,
espantosamente, 80%.
A expansão da cultura da soja (década de 60) e a consolidação dos Cais (década
de 70) favoreceram, em muito, o emprego de maquinarias agrícolas. O número de
tratores em uso, em 1970, saltou de 157.340 para 331.000 unidades em apenas cinco
anos. O amplo uso de maquinarias na cultura da soja possibilitou que outras, como as do
algodão, amendoim, laranja e milho, também fossem atingidas por tal inovação.
Em princípio, eram apenas três grandes empresas internacionais de caráter
oligopólicos e monopólicos atuantes no Brasil. Já na década de 80, eram seis as que
fabricavam tratores com capacidade até 200 cv. O mercado de tratores, com potência
9[9] - Segundo Kageyama e outros (1989), em 1961, as indústrias que operavam no país
cobriam apenas 2% do mercado e, no ano seguinte, elas alcançaram, espantosamente,
80%.
mais elevada, bastante restrito, estava em mãos de apenas três empresas10[10]. Tanto no
mercado brasileiro como no latino-americano, há o domínio absoluto das empresas
norte-americanas.
As máquinas colhedeiras - uma grande inovação técnica que, ao diminuir o
tempo destinado à colheita, agilizou a produção e possibilitou a expansão da área
cultivada - só chegam ao mercado nacional nos anos 60, com grande defasagem em
relação à introdução de tratores. As empresas encarregadas de produzir este implemento
foram igualmente beneficiadas com os mesmos incentivos feitos às empresa de tratores.
É interessante ressaltar o importante papel prestado ao setor agrário pelas
numerosas indústrias de equipamentos mecânicos de variados tipos, inclusive com
intensas repercussões regionais. Sobre isto comenta Kageyama e Outros (1989: 151):
A história das empresas fabricantes de implementos, mais do que a de tratores e
colhedeiras, desenvolveu-se num espaço acentuadamente regional como uma espécie de
proteção, permitindo que a mecanização atingisse áreas que não atingiria, pelo menos
tão precocemente.
Tal “proteção” permitiu a que pequenas oficinas atuassem, principalmente em
São Paulo e Rio Grande do Sul, na manutenção e no reparo de peças e componentes
agrícolas. Muitas delas evoluíram para pequenas empresas e passaram, até mesmo, à
liderança de alguns segmentos do mercado, extrapolando, pois as fronteiras da região
onde se encontravam implantadas.
Centenas de pequenas e micro-empresas competem neste mercado nos
interstícios não ocupados pelos monopólios e oligopólios. O grande triunfo de tais
10[10] - Inicialmente as empresas eram – Massey e Feergusos (Perkins), Ford e Valmet.
Na década de 80, foram acrescentadas mais três – CBT, New Holland (adquirida pela
Ford) e Danta Matilde (nacional). As empresas especialistas de tratores com mais de cv.
Miller, Sose e Rngesa.. In: Kageyama et alii (1989).
empresas reside no fato de que elas estarem muito próximas à clientela e, assim,
conhecerem as características e necessidades do mercado. Naturalmente que o número e
tipos destas empresas variam como o movimento oscilante da economia.
Segundo Kageyama et alii (1989), a indústria de equipamentos alcançou o seu
maior desenvolvimento entre os anos de 1970 e 76, em função de três fatores básicos -
subsídios de crédito agrícola, pelo lado da demanda; manutenção da supressão da
cobrança do ICM e isenção do IPI, pelo lado da oferta.
Em 1976, com mudanças nas políticas oficiais voltadas aos setores agrícola e
industrial, verificou-se uma retração da indústria em questão e, somente em 1983,
observa-se um novo ciclo ascendente, derivado de conjunturas internas (abundantes
safras, “Plano Cruzado”) e externas (melhorias nos preços dos produtos de exportação).
Indústrias de fertilizantes, rações e defensivos
A partir do século XIX, o mundo assistiu ao crescimento, sem paralelo, da
população humana. O “boom” ocorreu, inicialmente, nos chamados países centrais, na
2a. metade do século passado e na 1a. metade do atual século. No pós II Guerra, a
“explosão demográfica” transferiu-se ao Terceiro Mundo e, até hoje, apesar das
políticas oficiais de controle da natalidade por parte de muito dos seus países, o
fenômeno persiste.
Como alimentar um contingente demográfico que beira à casa dos quatro bilhões
de pessoas, utilizando-se apenas das potencialidades naturais? Como garantir às grandes
multinacionais ligadas às indústrias de base e de transformação, a lucratividade em
bilhões de dólares/ano num mercado consumidor por elas monopolizadas?
As indústrias produtoras de insumos foram envolvendo de tal forma o setor
agropecuário que este não consegue produzir, adequadamente, sem os “pacotes
tecnológicos” por elas impostos. Lavouras como as de trigo, soja, fumo, batata, tomate,
cebola, café, cacau e cana-de-açúcar, por exemplo, só conseguem ser economicamente
viáveis à base de fertilizantes11[11].
Se por um lado, tais insumos operam verdadeiros milagres, por outro, oneram os
preços de custos da produção. Para se diminuir a pressão destes custos, é necessário
produzir com maior eficácia, fato que pressupões o uso de técnicas mais evoluídas, mais
caras e, assim por diante. Isto prende o produtor rural num ciclo vicioso e faz com que
ele corra, cada vez mais rápido, a fim de não ficar defasado e mantendo, minimamente,
as condições básicas de sua reprodução. Este é o caso típico dos “farmers” americanos.
Isto se constitui numa das razões do porquê, apesar de toda a doutrina neoliberal
vigente, os países ricos exercerem um grande protecionismo à sua agricultura.
No caso brasileiro, a difusão do uso de fertilizantes químicos e orgânicos foi
fomentada, inicialmente, pela importação, graças às condições cambiais favoráveis no
pós- II Guerra e, no segundo momento, por incentivos governamentais, atraindo as
empresas. Tal fato conjugou-se às estratégias das grandes multinacionais, para ampliar o
seu mercado nos países do terceiro Mundo, sobretudo através de “joint-ventures”, em
fase posterior. Essas empresas procuraram, naturalmente, criar novos insumos
adequados às condições de (sub)tropicalidade em termos de solo, clima e espécies
vegetais.
Em 1960, a superprodução de fertilizantes nos EUA, levou o governo a estender
o crédito para financiar a exportação desses produtos ao Terceiro Mundo, via a
conhecida Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA (USAID). No mercado
mundial ocorre grande concorrência entre firmas européias, americanas e japonesas.
Elas procuram-se expandir em mercados promissores como o México, Argentina e
Brasil, por razões apontadas por Burbach e Flyn (1982: 118) :
As vantagens que têm para os investidores estrangeiros a produção no Brasil
- uma força de trabalho barata e controlada e incentivos governamentais -
11[11] - Os fertilizantes tradicionais são compostos por combinações dos elementos N,
K e P. Eles já estão concorrendo com novos produtos obtidos por pesquisas
biotecnológicas.
também tornaram o país atraente plataforma de exportação par abastecer
outros países do Terceiro Mundo.
A ação do Estado, quer através de políticas visando a incentivar tanto a produção
como o consumo, quer sendo ele próprio um agente produtor, revestiu-se de
fundamental importância à modernização da agricultura e da indústria. Já mesmo na
década de 1940, a Companhia Siderúrgica Nacional industrializava fertilizantes de
origem orgânica. Entre 1950 e 85, o consumo aparente de adubos cresceu em quase
13%/ ano, atingindo 17,8 % no período considerado áureo (1967/80), segundo dados
apresentados por Kageyama et alii (1989).
O “Plano de Metas” e o “II Plano Nacional de Desenvolvimento” foram capitais
no sentido de consolidar o setor industrial de fertilizantes e garantir a auto-suficiência
brasileira. Muitas vezes, o Estado investiu em setores chaves, onde a iniciativa privada
não dispunha ou não podia atuar por falta, principalmente, de capitais. A
PETROFÉRTIL, criada em 1973, também em função do custo elevado do preço dos
insumos, subsidiária da PETROBRÁS, chegou a ter o monopólio da produção de
amônia, substância crucial à produção de insumos. Ela procurou descentralizar as
unidades produtoras, segundo à presença de matérias-primas.
Dados apresentados por Sorj (1986), dão conta de que, entre 1970 e 76, a
produção de fertilizantes, embora importando, ainda, dois terços de matéria-prima,
cresceu em 335%, enquanto a demanda em 140% .
Como nos demais setores econômicos, o consumo e a produção de fertilizantes
apresentaram queda acentuada no início dos anos de 1980, mas em 1984, volta aos
níveis registrados em 80, em função do subsídio estatal.
Em relação às sementes selecionadas, a sua produção concentrou-se em São
Paulo até 1964. No ano seguinte, elaborou-se o “Sistema Nacional de Sementes”. O
plano de produção de sementes, finalmente, integrou-se desde 74 ao II PND, voltado
principalmente para as principais culturas comerciais.
A produção de rações vegetais volta-se maciçamente à avicultura, porém, nesses
últimos anos, dirigiu-se à criação bovina. A expansão da indústria de ração é recente no
Brasil12[12] A cultura de soja permitiu expandir a produção de torta feita por firmas
multinacionais. E, segundo Sorj (1986: 39), para colocar seus produtos no mercado esta
indústria: “desenvolveu planos de modificação de granjas e orientação técnica aos
produtores, conjuntamente com planos de financiamento, sendo ela tanto a expressão
como o detonador da modernização da produção avícola, bovina e suína”.
Um dos problemas inibidores à difusão do consumo da ração era o tabelamento
de preço da carne e do leite. Em 1976, o próprio preço da reação passou, de certa forma,
a ser controlado pelo CIP. Mas o preço interno deste insumo encontra-se muito
condicionado às flutuações do preço da soja no mercado internacional, pois a soja
constitui-se numa importante matéria-prima da ração.
O Brasil representa um dos maiores mercados de defensivos do mundo. Até a
década de 1960, a importação de defensivos era livre, não havendo participação
substancial da incipiente indústria nacional, que praticamente se restringia à produção
de DDT e BHC. O desenvolvimento deste setor industrial, em ritmo acelerado, só será
realizado com o II PND nos anos 70, atingindo maturidade na década seguinte.
A legislação brasileira sobre o uso e controle de defensivos era vaga,
desatualizada e inoperante. Na década de 1970, sob pressão de ambientalistas, uma série
de portarias foram estabelecidas, formatando um corpo legal. Em 1982, estabeleceram-
se leis visando à padronização desses produtos e á restrição do registro de alguns deles
por iniciativa de entidades civis. Somente na Constituição de 1988, a matéria é tratada
de forma mais responsável.
A resistência crescente dos insetos, fungos, parasitos e microorganismos tem
levado as empresas a buscar outras formas alternativas de eliminar os “predadores” dos
vegetais e animais. Em outro sentido, desenvolveu-se uma consciência ecológica que
12[12] Entre 1966/68, chegaram ao país as empresas americanas Cargil, Ralsston-
Purina e a Central Soja, enquanto a Anderson Clayton reingressa no mercado. Em 1974,
forma-se a Socil (capital nacional) que é absorvida pólo grupo francês Dreyfus e, no ano
seguinte, a Conto-Brasil, subsidiária da Continental Graines.
impulsionou os movimentos ambientalistas a reivindicarem o controle de aplicações
indiscriminadas dos perniciosos insumos, causadores de seqüelas não só àquelas que os
manuseiam, como os consumidores.
Muitos desses produtos, tóxicos e agressivos ao meio, a exemplo do DDT, já
estão proibidos de fabricação e uso nos países desenvolvidos. A EMBRAPA tem
conseguido êxito em pesquisar métodos naturais do controle de certas pragas, acionando
algumas espécies de insetos não prejudiciais para eliminarem outras espécies nocivas a
determinada cultura. Papel fundamental neste campo tem sido empreendido pela
biotecnologia13[13]. Encontra-se em formação um novo paradigma tecnológico para a
agricultura, tido como ambientalmente limpo e poupador de energia.
Indústria de processamentoA indústria de beneficiamento de alimentos alcançou grande desenvolvimento
nos EUA, desde a década de 1930, mas no pós II Guerra, as empresas ligadas ao setor
passaram por uma grande diversificação e rápida expansão no país e fora dele.
De 1945 a 60, observa-se o surgimento de uma centenas de produtos novos sob
diversas formas, sabores, odores e cores, acompanhados de inéditas e atraentes
embalagens. A propaganda, cientificamente elaborada, utilizando-se do novo veículo de
comunicação de massa a tv, atuou no sentido de incorporar um imenso mercado,
incentivando a criação de novas necessidades no campo alimentar, inclusive, o “fast
food”.
Quando esse mercado dá sinais de certa saturação, as empresas, em constante
processo de evolução e de ajustamento, buscam outros produtos e mercados
principalmente no Sudeste Asiático e na América Latina. Nesta, foram instaladas,
principalmente via “joint venture”, 75 empresas ligadas ao setor alimentício no período
compreendido entre 1960 a 75, segundo dados fornecidos por Burbach e Flyn (1982;
13[13] - A biotecnologia (cultura de tecidos, clonagem, produção de predadores naturais
– controle biológico) tem sido referida como uma segunda revolução verde. Muitos
aceitam esta idéia, outros são céticos a curto prazo, pelo menos.
124). Eles reeditaram aqui, com as devidas adaptações, os mecanismos necessários à
realização da produção, favorecidas por incentivos oficiais e trazendo, em suas
bagagens, uma enorme experiência. Sobre a penetração destas empresas comentam os
autores: “Abarcando tanto a área urbana como rural, as beneficiadoras estrangeiras na
América Latina formam o núcleo de uma nova indústria na região”. Exemplo disto é
dado pela empresa Anderson Clayton que passou a produzir óleos vegetais e
margarinas, substituindo a banha de porco na diária dos brasileiros.
Na atualidade, não só empresas ligadas ao capital industrial, mas também ao
comercial (supermercados) e às instituições financeiras investem, maciçamente, nas
indústrias de processamento e no próprio setor rural, desbancando parte do capital
mercantil tradicional, ainda, muito atuante.
As modificações trazidas pelas grandes empresas afetaram tanto o mercado
consumidor final, como o setor agropecuário. Este, ao se associar ao setor moderno da
economia, foi obrigado a adequar a sua estrutura produtiva às exigências das indústrias
de processamento.
Muitas indústrias tradicionais, frente à esta nova realidade, não tiveram como
competir no mercado. Simplesmente foram desativadas ou absorvidas pelo grande
capital, num intenso processo de verticalização da grande empresa. A indústria moderna
- e entre elas a Parmalat - que se utiliza do leite como matéria-prima para produzir
vários derivados, por exemplo, leite em pó, foi responsáveis pela desarticulação de
inúmeros laticínios de porte pequeno no Brasil.
Mas, apesar da expressiva presença de multinacionais norte-americanas,
européias e, até mesmo japonesas, uma parte significativa da produção de alimentos
industrializados, ainda, se encontra em mãos de empresas locais, produtoras em pequena
escala e que se utilizam de métodos e técnicas mais tradicionais.
As grandes empresas multinacionais de beneficiamento, em seu processo de
expansão e verticalização, tornaram-se chaves como veículos de articulação entre os
diversos setores (agropecuário, industrial e financeiro), no processo de organização dos
CAIs, tal articulação em torno da empresa núcleo, ocorreu através da integração que se
apresenta sob diversas formas.
Formas de IntegraçãoA integração agroindustrial, segundo Guimarães (1979), em grande parte dos
países centrais, ocorre, simultaneamente, com o progresso de concentração industrial
que abrangeu tanto as indústrias de insumos, como as de beneficiamento de alimentos.
Ao lado das fusões e das aquisições (horizontal e vertical) das empresas,
principalmente alimentares, proliferaram os “contratos agrícolas” (contract farming)
entre produtores, rurais, de um lado, e indústrias de insumos e processadora, de outro.
Surgidos nos EUA e Canadá como fenômenos esporádicos, os contratos
agrícolas foram, inicialmente, motivados por interesses mútuos que aproximavam, entre
si, os produtores primários de gêneros alimentares, cuja venda precisava ser assegurada,
e as indústrias de transformação, preservadoras e empacotadoras de tais gêneros.
A primeira fase da integração ocorreu de modo espontâneo, sendo que muitos
dos contratos eram verbais e os vínculos limitavam-se a operações livres de troca. Os
agricultores forneciam matérias-primas às processadoras e recebiam insumos diversos.
Às vezes, eram estabelecidas obrigações específicas como, por exemplo, o
financiamento para a agricultura em troca de preços pré-fixados pela indústria.
Na segunda fase, os produtores rurais passaram a negociar a maior parte da
produção com a indústria e não com o setor comercial. Nesta altura, a agricultura já se
apresentava industrializada. O setor industrial impõe as regrar do relacionamento entre
as partes, perdendo os agricultores a sua liberdade, sua capacidade de decisão. Estes não
têm como optar ente os fornecedores de insumos e os compradores de seus produtos,
cujos preços não são mais de concorrência e sim de monopólio. Sobre as relações entre
ruralistas e as indústrias processadoras na fase mais avançada da integração, observa o
próprio Guimarães (1979): “Não há mesmo sequer “escolha”, pois o ato de decidir
vender não compete mais á agricultura e sim á (grande) indústria ou ao Estado, que
induzem, indicam ou determinam o que e a quem deve a agricultura comprar e vender”.
A indústria foi se tornando cada vez mais exigente em termos de padrão de
qualidade dos produtos. A fim de diminuir o preço de custo e elevar a produtividade, ela
passou a determinar a área destinada ao plantio, tipos de insumos e tecnologias
apropriados. Além do mais, ela fornecia crédito direto ou indireto, via instituições
financeiras. Neste processo histórico de integração do setor agropecuário, a grande
empresa industrial (mono ou oligopólica) executou papel fundamental.
O capital produtivo agroindustrial é muito flexível quanto às suas formas
de integração. Ele, segundo Bruneau e Imbernon (1980; 214), integra:
novos agentes sociais de produção e impõe a transferência de lucros ao sistema
produtivo capitalista, mas ele está principalmente fundado mais sobre o controle do
mercado produtivo (prática oligopolista e monopolista) do que sobre o aprofundamento
de relações de produção capitalista.
Estes mesmos autores apontam para quatro fatores principais que determinam a
intervenção agroindustrial e os diferentes graus de integração ao sistema:
- os sistemas agrícolas pré-existentes à intervenção agroindustrial e o grau de
desenvolvimento de tecnologia na agricultura;
- o grau de concentração e o nível técnico da produção industrial;
- o mercado interno ou internacional pelo qual produz a agroindústria;
- a intervenção do Estado no nível social ou econômico.
Apesar das relações entre as empresas, principalmente processadoras, e as rurais
serem muito variadas em natureza e intensidade, são genericamente classificadas pela
literatura pertinente, em duas tipologias - integradas e simi-integradas. A distinção entre
elas fica mais por conta de aspectos formais, no entender de Guimarães (1979).
A integração vem a ser a ligação interativa intersetorial de diversos processos
que envolvem a agropecuária, a agroindústria e o comércio, sob o controle final de uma
empresa processadora que passou por grande concentração horizontal e vertical.
Os CAIs, altamente integrados, possuem um corpo técnico diversificado e
qualificado (veterinários, agrônomos, engenheiros florestais, biólogos, químicos etc.).
Alguns deles chegam mesmo a construir seus próprios laboratórios e investem em
pesquisas. Por outro lado, eles detêm uma complexa estrutura administrativa e
organizacional, inclusive, contanto com a presença de especialistas em ciências
humanas (economistas, administradores, psicólogos, contabilistas, assistentes sociais
etc.) para definir políticas globais e setoriais. Procuram racionalizar os recursos técnicos
e humanos a fim de garantir a produtividade da força de trabalho, através de
aprimoramento dos métodos de trabalhos, entre outros.
Tais complexos concentram, apesar do uso de tecnologias avançadas, um
relativo elevado contingente de mão-de-obra assalariada. Os assalariados permanentes,
genericamente, são dotados de maior qualificação escolar e profissional. Grande parte
dos assalariados foram pequenos produtores familiares que não conseguiram manter-se
em sua condição original e, uma vez expropriados, colocaram-se à disposição no
mercado de trabalho rural. Os trabalhadores temporários, conhecidos como “boias-
frias”, só são requisitados às lides das grandes empresas, em determinados momentos do
processo produtivo, geralmente na colheita. Na maioria das vezes, ganham menos que o
salário mínimo legal. São recrutados e pagos por intermediários (“gatos”) que os
conduzem ao local de trabalho. Portanto, as grandes empresas não têm obrigações legais
com esses trabalhadores, pois tercerizam o serviço.
Nos CAIs, não raro, há presença de empresas integradas que se verticalizam a tal
ponto de assumir riscos inerentes ao processo produtor rural, como a inversão de capital
na aquisição de grandes glebas de terras. Dois exemplos notáveis desta postura podem
ser lembrados – os casos da produção de celulose no Amapá e a de açúcar na Flórida.
Bruneau e Imbernon (1980) trazem alguns detalhes do expressivo CAI
comandado pela empresa do alemão Daniel K. Ludwig que, para produzir celulose e
arroz, adquiriu 3,7 milhões de acres em plena selva do Amapá. Foram 100.000 ha
plantados com a espécie industrial - “gmeline arborea”, importada da África cuja
produção alcançava 250t/dia.
Na região dos Evergladers, situada na parte central da Flórida, os CAIs
voltaram-se, principalmente, à produção de açúcar de cana e legumes de inverno. Numa
área de mais de 280.00 há, mais da metade encontra-se, efetivamente, aproveitada em
agricultura. Seis grandes grupos econômicos (4,7% dos estabelecimentos rurais), cada
qual com mais de 4.000 ha, concentravam 51% das terras. Examinando esses sistemas
agro-industriais, Dorel (1982: 19) comenta sobre a auto-suficiência na produção de
matéria-prima: “um pouco mais da metade do açúcar produzido nos Everglades são das
usinas dos quatro grupos agro-industriais que produzem diretamente de 80 a 90% de
suas necessidades de cana”.
O Estado, lá como aqui, desempenhou papel importante no sentido de bonificar
terras, por exemplo, com a construção de canais, assim, drenando as outroras alagadas
terras. Não se pode também esquecer de um dado político de maior relevância para
incentivar o crescimento da produção de açúcar. Está se falando do bloqueio americano
ao açúcar cubano a partir de 1960.
No Brasil, entre os setores em que o processo de integração se encontra mais
intenso destacam-se os avícola, hortifruticultural, pecuário e florestal. Na opinião de
Sorj (1986: 47) “o setor avícola é, provavelmente, um dos poucos onde os progressos
tecnológicos estão suficientemente avançados no Brasil para que haja reais ganhos de
escala em contra posição à pequena produção”.
Por empresa semi-integradas, Sorj entende aquelas onde “a produção
agropecuária, se bem realizada por produtores em estabelecimentos próprios, está
totalmente controlada pela agroindústria” (p. 50).
Como dito, a empresa núcleo exerce papel fundamental no processo de
integração das demais, dentro do complexo. Ela impõe as normas do contrato (escrito
ou oral) onde estão estabelecidos os direitos e deveres de cada parceiro. Cabe a empresa
nucleadora, geralmente multinacional, fornecer insumos, assistência técnica, transporte,
crédito, fixar preços às unidades participantes do complexo. Em compensação, estas
devem entregar a produção com padrões de qualidade estabelecidos, em quantidade e
tempo certos.
A unidade econômica familiar camponesa, herança de relações de produção não-
capitalistas, é a dominante neste tipo de integração. Embora subordinada14[14], ela goza
de certa autonomia para denunciar o contrato ao findar o prazo de sua vigência e
engajar-se em outros complexos similares, ou não. As relações de produção e o
processo de trabalho das unidades familiares, não são tipicamente capitalistas.
Nesta forma de integração, observa Oliveira (1996) não ocorre a expansão, de
forma absoluta, do trabalho assalariado. Ao contrário, ela (re)cria o trabalho o familiar
camponês, a fim de aumentar sua acumulação. O capitalista consegue, através de
relações não-capitalistas, transformar a renda da terra em capital.
Geralmente, as relações dessas unidades com as processadoras são diretas. Entre
elas, há uma série de instâncias intermediárias que também são tradicionais. Esses
intermediários podem ser atravessadores, comerciantes, camioneiros etc. que realizam
várias funções idênticas às das integradoras. A indústria estabelece os preços das
metérias-primas com esses intermediários e estes com os produtores.
Muitas vezes, o Estado encontra-se presente nas relações existentes entre as
processadoras e produtores. Forma-se o acordo triangular, em que o Estado joga papel
importante na fixação de preços dos produtos. Tais relações triangulares, observam
Bruneau e Imbernon (1980: 219), “permitem às agroindústrias, sob a autoridade ou com
o apoio do Estado, de controlar muito estritamente a produção de um conjunto de
pequenas unidades familiares, sem possuir a terra nem correr os riscos da cultura”.
Em função da autonomia dos produtores rurais, muitas vezes, os complexos
apresentam alta rotatividade de produtores integrados. Redesenhando a área de
influência destes complexos. Neste caso, as empresas integradoras têm que partir para a
competição no mercado.
14[14] - Giarracca (1985: 27) define subordinação como: “um processo social, portanto
contraditório, com determinações múltiplas, resultado por um lado dos interesses de
rentabilidade das empresas processadoras, mas também das negociações e lutas que os
setores camponeses realizam para modificar as condições de integração”.
As cooperativas de produtores rurais, quando ativas, constituem-se em
importantes mecanismos de proteção dos interesses dos pequenos produtores. Neste
sentido, observa Sorj (1986: 52)
Embora surgindo, muitas vezes, na dependência dos grandes comerciantes e
processadoras industriais, os pequenos produtores, organizam-se em cooperativas,
procuram limitar a extração de excedentes pela agroindústria, gerando suas próprias
plantas industriais e esquemas de comercialização.
A agricultura contratual apresenta também uma série de conflitos derivados de
interesses diversos entre os seus integrantes. Sobre estas tensões, observa este autor:
“Nas formas de semi-integração, pela grande dependência dos produtores que trabalham
com a agroindústria, as formas de solidariedade horizontal são minadas pela
dependência vertical do produtor com a agroindústria”.
Levando-se em consideração a modernização, a industrialização e a integração
intersetorial, Kageyama e Outros (1989) classificam a atividade agrícola brasileiro em
quatro grandes segmentos:
1 - Segmentos com grande modernização em sua base técnica, industrializados e
altamente integrados verticalmente e formando complexos agro-industriais com o tripé
– indústrias a montante, agropecuária e indústrias à jusante. Encontram-se nesta
categoria os complexos avícolas, sucro-alcooleiros, carne, soja, trigo, milho híbrido,
arroz irrigado e ovos.
2 - Segmentos plenamente integrados à jusante, intensamente tecnificados, mas não
mantêm vínculos específicos com as indústrias a montante. A idéia de “complexo”
restringe-se às interações da agricultura com as agroindústrias, apresentando grande
dinamismo entre elas. Enfim, está-se diante dos chamados CAIs “incompletos”. Nesta
categoria incluem-se as fibras (algodão), frutas (laranja para suco), laticínios, milho
(parte dos grãos), oliaginosas (amendoim), legumes (tomate, ervilha).
3 - Segmentos modernizados e dependentes do fornecimento de máquinas e insumos
extra-setoriais, porém, não estabelecem ligações específicas a montante e à jusante.
Encontram-se neste grupo: feijão (São Paulo), arroz (Centro-Oeste), cebola, hortaliças e
frutas de mesa.
São incluídas nesta categoria, também, as atividades ligadas à classificação e à
embalagem que passam a desempenhar papel semelhante à agroindústria. O café
poderia incluir-se neste grupo, pois o mais importante neste CAI, não são as indústrias
de moagem e torrefação e sim o segmento de exportação/embalagem e classificação. As
torrefações são, genericamente, de pequeno porte e com atuação restrita, sem poder de
pressão sobre os produtores. Estes além de serem grandes produtores, possuem
influência junto ao governo, via Associação Nacional do Café e Instituto Brasileiro do
Café.
O café vem-se redefinindo dentro do complexo e tem-se aproximado do setor de
insumos, em busca de adubos e de defensivos (combate à ferrugem).
4- - O último segmento compreende atividades pouco modernizadas, com raras e
esporádicas ligações com as indústrias de insumos e processadoras. São atividades que
têm sua base nos produtos como a banana e a mandioca.
Esta classificação apontada por Kageyama, embora referindo-se à década de
1980, ainda persiste, basicamente, ao confronto com dados mais atuais. Estes produtos
agro-industriais ou “in natura” destinam-se tanto ao mercado interno quanto ao
externo15[15]. Café e suco de laranja, por exemplo, ao longo desta primeira metade dos
anos 90, parecem merecedores de classificação no sentido ascendente.
15[15] - Produtos importantes para o mercado interno (industrial ou “in natura”): arroz,
carne, feijão, ovos e trigo. Produtos, basicamente, para o mercado externo: soja, café e
milho. Produtos importantes para o mercado externo: açúcar, alcool e farelo de soja.
Produtos com consumo não monetário expressivo (“in natura”): arroz (casca), aves
vivas, leite, ovos milho (grãos) e feijão (grãos).
Em relação á competitividade no mercado externo16[16], os setores agrícolas e
agro-industriais que alcançam elevado nível são o café, suco de laranja, soja (farelo),
papel e celulose). Os produtos ligados às indústrias têxtil e de confecção (tecidos,
roupas e calçados) apresentam nível intermediário. Há grandes perspectivas quanto às
frutas e carnes (vaca e aves).
Ação do EstadoPelo exposto, não se pode falar em modernização, industrialização da
agropecuária e a conformação dos complexos agro-industriais no Brasil, excluindo-se
ou minimizando a figura do Estado. As ações e políticas estatais demarcaram as
mudanças no sistema de poder nos últimos 50 anos.
O papel do Estado, que foi de modernizar o setor agrário brasileiro, atendeu,
principalmente, aos interesses do grande capital, a ponto de alguns críticos, como
Graziano da Silva (1982), afirmar que o Estado passa a ser apropriado não apenas pela
burguesia, mas por grupos específicos de interesses deste ou daquele ramo de atividade,
forçando uma balcanização do aparelho governamental. Na realidade, como os
interesses são múltiplos, vão ocorrer, naturalmente, contradições nas políticas públicas.
O grande problema encontra-se justamente no fato de o Estado ter sido o grande ou nas
palavras de Martins (1991), o único tomador de riscos, considerando ser o Brasil um
país de economia de mercado.
Os estudos sobre o papel do Estado, na maioria das vezes, consideram-no como
um “fator externo desencadeador das alterações nas condições de participação dos
agentes” da produção agrícola, como afirma Neves (1997: 13). Isto levou, segundo a
autora, à consideração de que o Estado poderia alterar “de modo relativamente uniforme
16[16] - Palestras proferidas por A. Furtado - “A capacitação tecnológica do Brasil e
sua inserção na economia internacional”, em 17/10/1996 e por B. Albuquerque -
“Agricultura no Brasil de hoje e os seus desafios”, em 22/10/1996. Seminário de
Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ.
a todos os produtores, independentemente da posição social que ocupam ou do conjunto
específico de relações que estejam vivendo”. Completa Neves afirmando:
Tais estudos como provável que decretos e normas formais sejam por si só capazes de
alterar relações e que os agentes sociais não participem, ainda que indiretamente, de sua
elaboração. Admitem, também, como certo que ela os absorvam uniformemente ou sem
resistências, reivindicações e recriações.
A atuação deste agente de natureza multifacetada pode ser vista e aquilatada pelo
implemento de diversas políticas (global, territorial, setorial) que abrangeram não só a
esfera econômica, como política, institucional, social etc.. Tal postura, alicerçada em
planejamentos, visou a dotar o país de condições atrativas aos investimentos produtivos
internacionais e, assim, tornar factível o processo de desenvolvimento socioeconômico e
a sua inserção, em nível competitivo, no mercado internacional.
Embora a presença do Estado Brasileiro na atividade rural venha ocorrendo
desde o século XIX17[17], pode-se tomar a Revolução de Trinta como o marco inicial da
intervenção deliberada e sistemática do Estado na economia. Mas foi no regime
ditatorial militar, após o golpe de 1964, que a intervenção do Estado atingiu o seu ponto
mais expressivo, isto é, nas décadas de 60 e 70. Observe-seque este papel realizou-se,
também com eficiência, em regime de liberdades democráticas, como no Governo JK.
Foram selecionadas algumas dessas intervenções diretas ou indiretas, a fim de
qualificar o Estado, indubitavelmente, o grande artífice do processo de modernização do
campo brasileiro. As intervenções, ora o fazem um grande empresário, criando
indústrias de base como siderúrgica (CSN), química (ÁLCALIS), petroquímica
(PETROBRÁS), montadora (FNM) e infraestrutura (energia, vias de transporte,
irrigação, açudagem, drenagem, saneamento etc.), ora como formatador de legislações
específicas nas esferas monetária, tributária, fiscal, cambial, preços de produtos,
17[17] - Desde o final do século XIX, O Estado protocapitalista assegura a livre
circulação de mercadoria e a reprodução do trabalho livre. Sorj (1986).
trabalhista, pesquisa, extensão rural etc.. Estas ações isoladas ou combinadas criaram
condições objetivas para o chamado “take off” ao desenvolvimento industrial, agrário e
agroindustrial do Brasil.
O período correspondente à II Guerra, em função das dificuldades de
importação, ofereceu oportunidade no sentido de dotar-se o país de uma estrutura
industrial. Foi o deslanchar da implementação efetiva do modelo conhecido por
“substituição de importações”. O saldo positivo da balança comercial, derivado da
exportação de produtos primários e da manipulação de taxas cambiais, estimulou,
inicialmente a importação de insumos agrícolas e, posteriormente, o início das próprias
indústrias de base produtoras destes insumos. A agricultura cumpriu, então, papel
fundamental em relação ao novo padrão de acumulação de capital, subsidiando a
importação e, conseqüentemente, transferindo de renda ao setor industrial.
Ao final da década de 1950 e início da de 60, observa Sorj (1986), verificou-se
uma queda nos mecanismos da integração da agricultura no processo cumulativo
industrial. A esta época, o Governo João Goulart propôs reformas de base mas, por falta
de alianças políticas significativas, não conseguiu alcançar seus objetivos que, inclusive,
contemplava uma reforma agrária de forma distributiva e não coletiva. Grupos
conservadores, ligados aos interesses do capital monopolista e dos grandes
latifundiários, articulam com as Forças Armadas um golpe de Estado que se efetiva em
1964. A partir de então, grandes mudanças econômicas e políticas completam a
modernização da agricultura.
Com Congresso cativo, oposição silenciada e controlada, classe média urbana
ideologicamente cooptada, os governos militares elaboram políticas voltadas às
mudanças modernizantes, a fim de implantar o modelo de desenvolvimento calcado no
capital monopolista. Em outros termos, o Estado criou condições concretas à expansão
das grandes empresas internacionais, nacionais e, até mesmo, estatais.
Entre os expedientes mais eficazes para transformar as estruturas ditas arcaicas,
principalmente rurais, e integrar este setor ao industrial, encontrara-se a política de
financiamento, ou seja, o crédito rural.
Em 1965, houve uma reforma do sistema financeiro, inclusive, para dar suporte
à criação do Sistema Financeiro de Crédito Rural (SRCR)18[18]. Acionou-se o sistema
financeiro privado para que o mesmo participasse desta nova política, através da
aplicação de 10% dos depósitos à vista, no novo crédito agrícola com juros de 7%/ano,
ou canalizá-lo ao Banco Central. O crédito destinava-se ao custeio, investimento e a
comercialização19[19].
Kageyama e Outros (1989) distinguem duas fases quanto à concessão de crédito
rural. Na primeira (1965-79), ele era abundante e altamente subsidiado, já na segunda
(1979/86), há grande retração de crédito subsidiado, com decréscimo em cerca de 50%.
Ratificando o papel deste mecanismo voltado à modernização agrícola,
acrescenta Sorj (1986: 89):
O crédito agrícola se transformou, sem sombra de dúvida, no mais importante
impulsionador do processo de modernização das forças produtivas, em particular, na
modernização, chegando por vezes a subsidiar praticamente mais da metade do valor da
maquinaria agrícola.
Esta farta distribuição de benesses financeiras, porém, foi bastante seletiva. Isto
é, os proprietários rurais, com um mínimo de lastro econômico, podiam garantir os
empréstimos. Tinham eles que possuir bens em terra, produção etc.. Pelo visto, somente
os médios e grandes proprietários satisfaziam tal exigência. No caso de parceiros e
arrendatários, havia necessidade de carta de anuência pelos proprietários. Assim, as
exigências de garantia atuavam como uma forte barreira que excluía, de saída, os
18[18] - Até os anos de 1950, não havia linha de crédito especial. Nessa faixa atuava o
capital mercantil-usuário que, às vezes, constituía-se num obstáculo às transformações
mais profundas na organização da produção. Kageyama et alii (1989).
19[19] - Era a seguinte composição do crédito - custeio que alcanço,no máximo, 40%,
investimento que chegou a 33% e comercialização, estabilizado em torno de 25%. Idem.
pequenos produtores, principalmente aqueles dedicados à produção de gêneros
alimentícios de primeira necessidade.
Além do mais, muitos dos empréstimos concedidos reingressaram no circuito
monetário, quando o proprietário começou a exercer o papel de “repassador” destes
recursos ou, ainda quando eram canalizados para outros fins, como lembra Graziano da
Silva (1982: 39) “políticas de crédito rural enquanto instrumentos de modernização,
indicam que grande parte desses recursos foram investidos por grandes proprietários em
reserva de valor principalmente na compra de terras.
É importante observar, como faz Kageyama e Outros (1989: 160/61), a captação
do setor agro-pastoril ao financeiro “além de modernização em si mesma, a integração
da agricultura ao circuito financeiro é mais abrangente do que a simples integração
intersetorial”.
Como resultante deste processo interativo, o mercado financeiro tornou-se um
importante ponto de referência, em relação à tomada de decisões do setor agro-pecuário
e das empresas atuando neste setor, conclui os autores.
No final dos anos de 1970, um novo aumento no preço do petróleo afetou a
economia brasileira - inflação em alta, déficit público e dívida externa se avolumando.
O país recorre ao Fundo Monetário Internacional em busca de crédito e, em decorrência
disto, foi forçado a colocar em prática alguns ajustes macro-econômicos que iriam
afetar, inclusive, a política de crédito subsidiado à agricultura. Esta perde, então, sua
atração como campo privilegiado de acumulação de capital, observando-se uma fuga
deste para outros setores (1980/85).
Mas, a necessidade de se obter divisas para a importação de bens de capital e,
assim, viabilizar a implementação dos CAIs e, mais tarde, para pagar, ao menos, os
serviços da dívida externa, levou o governo a incentivar investimentos direcionados ao
setor agro e agro-industrial. Recorda Sorj (1986 83) que “o incremento das exportações
é fundamental para a reprodução do modelo econômico fundado numa dívida externa
crescente, e tem-se exprimido numa política aguerrida de procura de novos mercados”.
Assim, tratou o Estado e viabilizar a produção tanto de culturas tradicionais
(café, cana-de-açúcar etc.) como de novas (soja etc.). Tratou, também, de estender a
área cultivada através de vendas de terras da União, financiada a preço muito baixo,
principalmente, às empresas modernas e aos latifundiários, alargando, inclusive, a
fronteira agrária interna, nas áreas de cerrado e floresta equatorial. Em termos de
expansão de culturas, Sorj enfatiza o papel da produção de gêneros não tropicais, ao
afirmar: “A expansão brasileira não se deu fundamentalmente na base de produtos
tropicais, dos quais os países periféricos ainda são os maiores produtores, mas em termo
de produtos como a soja, dos quais os países desenvolvidos são importantes
concorrentes”.
Enquanto o setor agroindustrial, ligado à exportação, recebe todos os tipos de
incentivos, a produção voltada ao mercado interno tem controle em termos de
tabelamento de preços. Entre os mecanismos criados pelo Estado para fazer frente às
necessidades do mercado interno, sobressaem a CIBRAZEM e a CEASA. A primeira
desenvolveu programas de armazenamento e estocagem de produtos, principalmente “in
natura”. A segunda tratava, precisamente, de controlar a comercialização e, assim,
tentando eliminar ou mitigar os intermediários. Ambas as instituições atuavam no
sentido de evitar a oscilação brusca de estoques e de preços ao longo do ano.
O preço do trigo constitui-se um exemplo significativo do controle
administrativo de preço. Este não era, simplesmente, determinado pelo livre jogo do
mercado, mas sim deliberado pelo governo que levava em consideração, além do valor
monetário no produto no mercado internacional, a posição da balança de pagamento, os
interesses dos produtores de insumo entre outros. Além de políticas e seus mecanismos,
outras foram incrementadas, nas áreas de cooperativismo, sindicalismo, pesquisa,
trabalhista e assentamentos.
Após o golpe de 64, o Estado procurou legitimar-se entre todas as camadas de
produtores rurais e, assim, incentivou o estabelecimento e o desenvolvimento de
cooperativas. Cooptadas ideologicamente e tuteladas pelo Estado, elas passaram a
prestar serviços ao novo sistema implantado, como repasse de crédito, incentivo ao uso
de insumos, promoção de cursos de extensão etc.. Enquanto a EMATER substitui a
ACAR, oferecendo assistências técnica e creditícia aos cooperados, a EMPRAPA
transforma-se no principal órgão de pesquisa agrícola do país.
O corpo técnico, atuando sob os auspícios de governos autoritários, exerce papel
importante na mudança de mentalidade dos produtores, no sentido de direcioná-los aos
novos padrões de organização da dinâmica produtiva. Muitas vezes, ocorreram choques
entre a visão tecnocrata dos representantes do poder oficial e as práticas e interesses dos
produtores, há muito articulados com as esferas governamentais. A este respeito,
consultar a ação dos sindicado dos plantadores de cana de Campos (RJ), estudado por
Neves (1997).
As mudanças necessárias à modernização do campo, há tempo já estavam em
marcha. As lutas dos pequenos agricultores e trabalhadores rurais tornaram-se mais
consistentes com a criação do seu sindicato (CONTAG), em 1961. Por outro lado, os
grandes proprietários fundiários tinham se organizado na Conferência Nacional da
Agricultura (CNA). Esta, com grande poder, influenciava nas diretrizes das políticas
governamentais para o setor, principalmente após 64. Levar ao campo as conquistas
trabalhistas, obtidas pelas lutas dos operários urbano, era a meta do governo João
Goulart. Assim, foi elaborado o Estatuto do Trabalhador Rural.
Grande promessa de transformação no campo adveio do Estatuto da Terra
(1965), acenando para uma reforma agrária, há muito necessária e aguardada. Esta
objetivava fortalecer pequenos proprietários em moldes dos “farmers” americanos e,
deste modo, estabelecer uma classe média rural. Tal proposta, porém, nunca foi
implementada, nem mesmo em área de forte pressão populacional, pelos governos
militares que tinham “compromisso” com ela.
Um dos fortes segmentos sociais aliados desses governos eram os grandes
latifundiários que, por razões obvias, obliteravam quaisquer iniciativas nessa direção,
mesmo que fosse executada de forma restrita e parcial. À parte a questão da reforma
agrária, era necessária modernizar as relações de trabalho no campo, expandindo o
trabalho assalariado, enquadrando um vasto contingente de mão-de-obra ao processo de
produção capitalista. A categoria dos colonos, como foi dito, por exemplo, passou a ser
dispensada pelos proprietários, a fim destes fugir das obrigações trabalhistas. À
categoria dos assalariados permanentes juntou-se a dos novos assalariados temporários,
ambas formadas praticamente por pequenos produtores expropriados. A mão-de-obra
desenraizada não teve outra alternativa, se não se deslocar às cidades e ali buscar outras
formas de sobrevivência. Muitos destes trabalhadores, embora vivendo nas “urbes”, são
obrigados a continuar presos às lides rurais como assalariados temporários.
Visando facilitar o processo de acumulação, o Estado Brasileiro vai atuar no
sentido de garantir a baixa remuneração salarial (um dos menores salários mínimos do
mundo) e controlar movimentos reivindicatórios dos trabalhadores, via legislação
trabalhista e repressão aberta às lideranças sindicais. O arrocho salarial deprimiu a renda
da classe trabalhadora (urbana e rural) e, logicamente, fez diminuir o seu, já débil poder
aquisitivo, comprometendo o crescimento do mercado interno e, deste modo,
prejudicando os pequenos produtores integrados a esse mercado.
Finalmente, o Estado, com objetivos de - a) ampliar a produção agrária e, com
ela, a consolidação dos CAIs, b) garantir a soberania nacional sobre áreas pouco
habitadas, principalmente de fronteiras, - elabora um conjunto de instrumentos, como
incentivos fiscais para a ocupação de vastas zonas do interior, sob o lema “integrar para
não entregar”. Neste sentido, criaram-se ou modernizaram-se instituições oficias, como
o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Superintendência
do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), a fim de planejar e executar políticas de
desenvolvimento setorial e regional.
A estrada de rodagem Belém-Brasília constitui-se num marco inicial desta nova
visão. Barragens surgem em pontos diversos da bacia hidrográfica amazônica. Glebas
imensas de terra são vendidas a preço baixíssimo para grupos nacionais e internacionais
que passaram a explorar as vastíssimas potencialidades naturais desta fronteira de
recursos.
Houve uma verdadeira corrida do tipo “far west” americano, mas numa escala
espacial bem maior e num espaço temporal bem menor. Tradicionais atores (posseiros,
grileiros, madereiros, garimpeiros, seringueiros), ao lado de modernas empresas
(pecuaristas, madereiras, mineradoras, agrícolas) disputam, entre si, e com os nativos a
posse da terra. O próprio governo estabelece novos modelos de assentamentos rurais, a
exemplo das agrovilas, em trechos da Transamazônica que, inclusive, redundaram em
fracasso.
Hoje, há toda uma discussão sobre o significado de fronteira. Becker (1996), por
exemplo, passa a entender a fronteira como uma categoria geográfica, dando uma
valiosa contribuição ao tema. Caracterizam a fronteira amazônica como heterogênea e já
nascida urbana, sendo que a intensa urbanização registrada passou a ser principal
estratégia de ocupação do território.
Enfim, a intervenção moderna, principalmente do espaço amazônico, sem
dúvida, constitui-se na maior experiência de ocupação territorial do mundo, num curto
lapso de tempo. Os resultados desse modelo de povoamento podem ser vistos, de forma
imediata, não se necessitando do cauteloso distanciamento histórico, para serem
aquilatados. Por outro lado, observa-se uma ocupação, genericamente, predatória, onde
as riquezas são mais extraídas/destruídas do que construtivas. Está se “reeditando” o
ciclo das “drogas do sertão”, agora capitaneada por atores modernos muito mais
tecnificados e, como no passado, voltados aos interesses extra-regionais. Como
resultado deste processo, produzem-se paisagens bastante diversificadas, porém, com
um traço em comum que são os problemas sócio-ambientais.
Hoje, o Estado Brasileiro, representado pelos três níveis de poder
político-administrativo, as Organizações Não-Governamentais (ONGs), entidades
nacionais e internacionais (como o Banco Mundial) têm pensado um novo modelo de
ocupação, baseado no chamado “desenvolvimento sustentável”. Uma nova tentativa de
preservação ambiental da Amazônia - os “corredores biológicos”, propostos pela
IBAMA, articulando as unidades de conservação (parques nacionais e reservas
indígenas).
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