Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

119
Para compreender os " do suburbio", examinar, primeiramente, alguns dos valores fundamentais do movimento, procurando captar 0 sentido e o papel que eles assumem. Em seguida, destacar a violencia, ni lo apenas pelo seu papel instrumental de nificagao do grupo dos , mas, principalmente, tato de que, atraves de as idealizagoes !"I()tpnrla, herofsmo, concretizar. Ei')1 lugar, ;rmi;f;,.." rl" do r"'r""nlr 85.326 . l Ot . j ml! l j1 301.43(81.61 ) C837 ,;

Transcript of Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Page 1: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Para compreender os " do suburbio",

examinar, primeiramente , alguns dos valores

fundamentais do movimento, procurando captar 0 sentido e

o papel que eles assumem. Em seguida, destacar a

violencia, nilo apenas pelo seu papel instrumental de

nificagao do grupo dos , mas, principalmente,

tato de que, atraves de as idealizagoes

!"I()tpnrla, herofsmo, concretizar. Ei')1 lugar, analisar~6 '

;rmi;f;,.." rl" do r"'r""nlr

8 5 . 3 2 6 . l Ot.

j IIJ1~~1~11I ml!lj1 301.43(81.61 ) C837,;

Page 2: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

o objetivo de OS "CARE­CAS DO SUBURBIO": CAMI­NHOS DE UM NOMADISMO MODER NO, tese de doutora­do defendida em novembro de 1992 na PUC/SP, e analisar a formar;ao de um grupo de jo­vens de origem operaria que, nQS suburbios da capital pau­lista, tendo como relerencia os sJdnheads ingleses, assumi­ram a denomlna9ao de "care­cas do suburbio".

Os skinheads sao origina­rios da Inglalerra, fithos de operanos, considerados racis­las, violentos e com posturas antiburguesas e antiimperia­lislas.

Em Sao Paulo, no decorrer da decada de ailenla, os "ca­recas do suburbio " buscaram construir um movimento, que se concebia larmado por jo­vens pobres, nao-alienados, conscientes e dispostos a sal­var 0 Brasil dos imperialistas, exploradores e politicos cor­ruptos. Isto, no entanto, aca­bou por envolve-Ios em con­tradi90es intemas, disputas, ambiguidades e tentativas de coopta9ao polflica por parte de alguns partidos.

No termino do presenle tra­balho, a Autora conclui ser ne­cessario relletir sobre as ca­racterfsticas gerais de uma 50-ciedade que produz determi­nadas parcel as de jovens com as caraclerfsticas assumidas

1 I r

( I

'; 1

OS "CARECAS DO SUBURBIO":

CAMINHOS DE UM NOMADISMO MODERNO

- .

lIVllARIA TRIANGL\.O

EorrOOA LTOA.

RlIA B,t..RAo IlE IT.4J'ETlI4N(iA. 255 . Lo..l'S Z3. E 2' lEL:lOl1) 2'31.0922 · F"x'1011)ZHO'62 ex. POSTAL 7001 . CEP OJ(l64.911)

CENTRO· sAD PALLO

Page 3: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

11 "I Ij ~ i

Marcia Regina da Costa

OS "CARECAS DO SUBURBIO":

CAMINHOS DE UM NOMADISMO MODERNO

. '~' ~~ .. ---.--~ ~ - .-.... .... ~ .-. '~ -..... . , ;

'.

DEDALUS - Acervo - FE

111111111111111111111111111111111111111111 1111111111 1111111111111

20500010357

~ Petr6polis

I i 1993

Bibliote.ca. / FEUSP] II

3h !ii O l !--v " .J .,- I

Page 4: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

I I l '

© 1993, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luis, 100

25689·900 Brasil

Editol'afiao: Angelo Augusto Zanatta

Diagramafiao: Omar Santos

e Rosane Guedes

ISBN 85·326·1068-4

"Aq:JisiCao Cfl-, .... , l ,0 11;;''1.\ 1\ «(1,\

Origom r-~,\- C~l'() ,-~ .Qf'l. SOiicitante r .. O H A\.-I1'. (, n, t'r " l ,"

P '( C I I '- ' j :1 roc. _. . . ' .. / .~) ! j t ' J .

R. /0, c( 0 Data zcr! -'I 1'1(, N: de Chamada ..: ,)/ ,(Y)·,.

Este Hvro foi compos[O e im pressa nas oficinlS da EdilOra Vozes uda. -Rua Feei Luis, 100. Petropolis, Il) - Brasil - CEP 25689·900 -

Tel., (0242)43-5112 - Fax: (0242)42·0692 - Coixo Pos!.190023-Endere~o Telegr.ifico: VOZE,S - Inscric;50 ES(;1duaJ 80.647.050 -

eGC 31.1 27.301/0001 ·04., em sc[embro d~ 1993

I

I

sUMAruo

Agradecimentos, 7

Apresentac;ao, 11

Introduc;ao, 13

1. As origens inglesas, 19

II. Dos punks aos "carecas do suburbio", 43 l. 1977 - Os punks no Brasil, 44 2. A construc;ao de urn movimento, 58 3. Os "carecas" brasileiros, 72

III. Constituic;ao e contradic;oes presentes nos fanzines punks, 87 1. Os primeiros fanzines paulistas, 88 2. 1982 - Fanzines, questoes e contradic;oes , 92 3. A consolidac;ao de uma rede, 107 4. Punks, skinheads e "careeas", 115

lV. Os "careeas" par eles mesmos, 127 l. Representac;oes e coneep<;:oes, 127 2. A violeneia , 134 3.0 racismo e 0 nazismo, 144 4. 0 movirriento: unidade Oll contradic;ao?, 162

Page 5: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

V. Os fanzines dos "carecas" , 179

VI. Esboc;o de uma transpolitica "careca do suburbio", 211

Bibliografia, 227 AGRADECIMENTOS

Este livro foi, originalmente, minha Tese de Doutora· mento, defendida em novembro de 1992, na Pontificia Universidade Cat6lica de Sao Paulo. Agradec;o a meu orientador, 0 Professor Edgard de Assis Carvalho, pela dedicac;ao com que me orientou. Ao Conselho de Ensino e Pesquisa da PUC-SP, pela concessao de uma bolsa que me auxiliou na elaborac;ao de minha tese ,

A minha familia e ii minha mae, pelo apoio que sempre me proporcionaram, A Elisabeth F. Mercadante, Josildeth Gomes Consorte, Maria Helena Villas Boas Con­cone e ainda agradec;o ao Professor Mauricio Tragten­berg, pelo incentivo que me deu para que este trabalho fosse publicado.

E a todos os meus amigos que, direta ou indiretamen­te , colaboraram comigo de diversas formas e se interes­saram pelo meu trabalho.

Marcia Regina da Costa

7

Page 6: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

I I

! I

II II , I

t ! ~ I I !

i

1: .1

o nomadismo selvagem da desterritorializaf/:io contemporanea demanda entao ... uma apreensao "transversalista" da subjetividade.

Felix Guattarl

9

Page 7: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

I I i

I

I I

I I , I

~ ,'. it J'

"

,I

APRESENTA~AO

Conhe<;o a autora de longa data, de uma longa convi­vencia quando ministrei cursos de pos-graduac;:ao na PUC/ SP_

Durante este tempo deu para perceber que a autora se caracteriza por uma angustia disciplinada que lhe permite transitar entre temas cruciais para a vida humana - acidentes de trabalho ou 0 neonazismo hoje - com muita desenvoltura_ Sempre lidando com os problemas da violencia, dentro e fora das fabricas, para melhor compreende-la e me1hor combate-la.

A crise economica, 0 desemprego maci<;o sao as pre-condi<;6es de surgimento de movimentos racistas, violentos e discriminatorios.

Assim, 0 desemprego na ex-Berlim Oriental empur­rou parte da juventude alema ao neonazismo, ao adio ao imigrante, alem de realizarem 0 trabalho 'negro' sao discriminados pe1a popula<;ao e juventude branca bem­pensante. A crise brasileira criou urn certo desemprego estrutural, que alimenta as fantasias neonazistas dos 'ca­recas de suburbio' contra nordestinos, negros e judeus, esse movimento e que 0 livro retrata. Tambem nos mos­tra os 'anarco punk' uma juventude oriunda da classe

1J

Page 8: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

I

media baixa dos suburbios com idea rio igualitirio e liber­tario que aos 'Carecas' se opae.

E urn livro importante, ele coloca 0 leitor a altura dos problemas deste fmal de seculo, onde ressurgem 'velhos fantasmas', os mitos da 'pureza etnica', da superioridade racial, novos crimes em nome da RA<;:A e novos erimino­sos ocupando espa~o na 'midia'.

Mauricio Tragtenberg Prof. Titular da Faculdade de

Educar,:ao da Unicamp.

12

INTRODU(:AO

Os skinheads sao originarios da Inglaterra, filhos de pais operarios e moradores de zonas suburbanas. Consti­tuiram-se como grupo aut6nomo desde a dec ada de 60 e sao tidos como racistas , violentos, chauvinistas, naciona­listas, antiimigrantes etc.

No Brasil, os "careeas do suburbio" surgiram inicial­mente nos suburbios e areas perifericas da cidade de Sao Paulo. Alguns desses jovens eram negros e mulatos, filhos de pais operarios e trabalhadores de urn modo geral. Desde seu inicio, por volta de 1981, des postulavam que pertenciam ao "movimento careca do subttrbio", 0 que seria composto por jovens de origem operaria, conscien­tes e nao-alienados, fortes de corpo e pmos de mente , nacionalistas, dispostos a forinar urn exercito de "care­cas" para salvar 0 Brasil.

A proposta inicial deste trabalho foi descobrir como jovens pobres, de origem operaria, assumem-se elou sao acusados de violentos, chauvinistas e nacionalistas. E tambem descobrir ate que ponto a analise dos "careeas do suburbio· poderia seevir de subsidio para a retlexao sobre algumas formas de soeiabilidade no mundo atual.

13

Page 9: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

j I

E, ainda, quais as relac;:oes entre os "carecas do suburbio" e os skinheads ing1eses.

Os "carecas do suburbio", longe de serem urn modis­mo, urn fenomeno menor ou uma mera imitac;:ao sem maiores conseqiiencias, ilustram os caminhos trilhados pela modernidade. Tanto os skinheads quanto os "care­cas do suburbio" vivem em urn mundo cuja

( ... ) rnundializa~aoda divisao das fon,as produtivas e dos poderes capitalistic os nao e absolutamente sin6nimo de uma homogeneiza~ao do mercado, muito pelo contriirio. Suas diferen~as desiguais nao se localizam mais entre urn centro e sua periferia, mas entre malhas urbanas super equjpadas tecnologicamente e, sobretudo, informatizadas, e imensas zonas de habitat de classes medias e de habitat subdesenvolvido ( ... ). Pode-se dizer que a cidade-rnundo do capitalismo contemporiineo se desterritorializou, que seus diversos constituintes se espargiram sabre toda a superficie de urn rizoma multipolar urbano que envolve 0

planeta' . Dentro de urn m undo marcado por uma modernidade :

desenraizada, tanto os skinheads quanto os "carecas do suburbio" buscam 0 resgate de uma subjetividade e de uma identidade que possuem a mesma fluidez da socie­dade que os produziu.

Nesse contexto, tentamos, a1c~m de apreender a cons­tituic;:ao dos "carecas do suburbio" no Brasil, estabelecer suas caracteristicas, especificidades, contradic;:oes e con­flitos , vinculac;:6es e cooptac;:oes com a sociedade de uma forma gera!.

Para conseguir atingir esses objetivos, fOi levantado e analisado urn vasto material empirico, relativo a consti­tuic;:ao do grupo, compreendida entre os anos de 1977 a 1989.0 ana de 1977 e relevante porque foi em torno dessa data que os primeiros punks surgiram no Brasil. Tal :­escolha prende-se ao fato de que os primeiros jovens que se identificaram com os skinheads e assumiram a deno­minac;:iio de "carecas do suburbio" tinham sido, original­mente, punks. Assim, revelou-se fundamental iniciar a pesquisa pelos punks, pela forma de sua chegada ao

14

Brasil, pelas principais caracteristi~as, tensoes e diferen­ciac;:oes internas, a fim de que pudessemos apreender os motivos que fizeram com que uma parcela de jovens pobres, moradores dos suburbios da cidade de Sao Paulo passassem a ter como referencial os skinheads. 0 ano de 1989 e outra data importante porque, nesse momento, os "carecas do suburbio" , alem de jii se acharem plena­mente constituidos como urn movimento diverse do dos punks, expressavanl internamcnte as ambigiiidades, dis­putas e conflitos com desdobramentos externos.

o conteudo da pesquisa veio de cinco fontes distin­tas: a) reportagells publicadas pela imprensa em geral; b) entrevistas; , c) fanzines' e manifestos punks e de "carecas do subur-bio"; d) levantamento bibliogriifico relativo ao tema; e) bibliografia teorica.

o material produzido pela imprensa foi selecionado atraves de pesquisa realizada nos arqui~os dos. jomais ? Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo _ ArqUlVOS partl­culares de punks, "carecas do suburbio" e pessoas que tin ham ligac;:oes com eles foram cuidadosamente examl­nados. Alguns desses jovens colecionavam reportagens, artigos de jornais e revistas. Alem disso, produziam fan­zines sendo que dOis deles participavam de band as punks e ocupavam ou tinham ocupado posi<;ao de des­taque dentro de seus respectivos grupos. 0 contato com essas pessoas possibilitou 0 acesso a grande parte dos fanzines e manifestos. As reportagens e artlgos analisados tambem foram selecionados entre 0 material fornecido pelos entrevistados.

Na coleta e pesquisa, foram priviJegiados jomais e revistas de circulac;:1io nacional e estrangeira. As publica­c;:oes estrangeiras que, ao enfocarem os punks e, princi­palmente, os skinheads no exterior, acabararr: tendo repercussao no Brasil, foram incluidas na pesqU1~a, seJa porque inspiraram reportagens e cntrevistas locals, seJa

1,

Page 10: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

I

porque foram reproduzidas em fanzines e Hdas por "ca­recas" e punks_ Atraves das entrevlstas, percebe-se que eles consomem uma parte slgnificativa do material que e produzldo sobre des ao qual consigam ter acesso, e isso acontece tambem no caso de livros e revistas, escrltas, por exemplo, em ingles. Trabalhar com este tipo de material e uma das vias atraves da qual podemos chegar, pelo menos em parte, a complexa teia de rela<;oes que se tece entre a imprensa, os fanzines e, principalmente, punks e "carecas do suburbio".

Paralelamente, como contraponto, foram acompa­nhados fanzines e manifestos publicados de 1982 a 1989. Todo este material e importante, pois seus prodlltores estao preocupados ern se posieionar frente ao que eles tambem denominavam de movlmento punk e movimen­to "careca do suburbio". Alem dlsso, esses fanzines e manifestos levantavam determinadas bandeiras, reelabo­ravam identidades, serviam como urn poderoso veiculo de divulga<;ao politico-cultural, a nivel nacional e interna­cional, e marcavam posi<;oes pollticas e ideologicas. Fre­qiientemente, vados deles criticavam 0 modo como a imprensa e a midiaem geral os enfocavam, apresentando versoes diferentes daqueias publicadas, ou repraduzindo l'eportagens e noticias que conslderavam relevantes.

E claro que nao existe uma coerencia absoluta e total entre os diversos fanzines. Esses, na verdade, refletem, as vezes caoticamente , as divers as tendenclas existentes entre punks e "carecas".

Atraves dessas leituras, podemos levan tar determina­das visoes de mundo e posicionamentos frente a socieda­de e ao Estado, propostas para a solu<;ao de problemas locals e mundiais. No fundo, tentam, ainda que de forma caotica e contraditoria, elaborar uma determinada ima­gem (ou imagens) do que eies chamavam "careca do subtlrbio" ou movimento punk.

Essas imagens possuem certos pontos em comurile certa coerencia 'interna. Mas, ao mesmo tempo, avre'sen­tam, as vezes, divergencias significativas ligadas ao cara-

16

ter plural e mutante dos diversos grupos, assim como alian<;as e vincula<;5es que estabelecem com a socledade em geral.

Os fanzlnes sao tambem multo importantes, po is fazem circular informa~oes e poslcionamentos politicoS e ideol6gicos sobre os skinheads e sobre algumas de suas diferen<;as existentes no exterior.

As entrevistas realizadas of ere cern a oportunidade de exame desse mundo sob varios aspectos. Alguns dos entrevistados ocupavam posi<;oes de destaque dentro de seus respectivos movlmentos, seja porque participavam de bandas, editavam ou ajudavam a edltar fanzines e/ ou mantinham Iiga<;oes ou slmpatias com determinados p ar­tidos politicos, associa<;:6es ou organiza<;oes de cunho cultural e/ou politico. Tambem tivemos a preocupa<;iio de entrevistar punks, corn 0 intuito de eles emitirem opinioes sobre os "carecas do subllrblo", sua imagem , suas propostas, suas vincula<;6es soc/ais e politic as e sllas articula<;oes ern nivel nacional e internacional. Varios dos entrevistados tinham uma relativa percep<;iio do comple· xo jogo de rela<;oes travado entre eles, a imprensa, parti­dos politiCOS e a propria sociedade em geral. Havla tambem a grande no<;iio da influencia exercicla pelos skinheads existentes no exterior, ainda que esses nao formassem um bloco unltario ern seus paises de origem_

Entre os "carccas", ha alguns que se destacaram e passaram a ocupar urn papel especial na elabol'a<;ao e transforma<;ao de certas posturas e no tipo de relaciona­mento que mantem com 0 restante da sociedade. Esse fOi o caso de varios dos contactados.

No total, foram entrevistados dez "carecas do subtlr­bio", sendo nove homens e uma mulhel', e cinco punks.

Alem dlsso, utillzamo-nos tambem de uma palestra dada pelo punk F.' , membra da banda punk "Os Exco­mungados", no Centra de Cultura Social (ce11lra anar­qulsta), em 05.12.87.

17

Page 11: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

-J

r

'I j

I ~ 1

Foram ainda entrevistados 0 Sr. J., membro e dirigen­te do Centro de Cultura Social, 0 Dr. L., urn dos dirigentes do Partido Integralista em Silo Paulo, e Heder C.A. de Souza, co-autor de urn Iivro sobre os punks da regUio metropolitana de Sao Paulo, intitulado ".Absurdo da rea­lidade: Movimento punk". A pesquisa tambem conside­rou cartas dirigidas a Autora, escritas por Go., membro da banda "Tropa Suicida", editor do fanzine "Lute ou Vegete", membro da Frente Nacionalista Brasileira (FNB) e do Partido Nacional Socialista Brasileiro (PNSB). AH:m do mais, ha cartas do "careca" R.A., editor do fanzine "Brasil ' Oil '"~ e membro da FNB.

Apos 0 Ievantamento do material bibliografico espe­cifico do tema, ficou coris'tatado que nao existe, no Brasil , urn trabalho de cunho academico relativo aos "carecas do suburbio". No maximo, eles apenas sao enfocados pela imprensa e os meios de comunica<;ao em gera!. Com rela<;ao aos skinheads, conseguiu-se levantar publica­<;5es produzidas basicamente na Inglaterra. Quanto aos punks, os principais trabalhos publicados nao sao mui­tos, mas, mesmo assim, foram levados em conta nas analises do presente Iivro.

Notas

1. GUATIARI, FcHx .A res[a\lr.1~aodacidadesubjetiva in Caosmose - Um nolJO paradfgma est8ico. Rio de janeiro, Editora 34, 1992, p. 171 .

2.0 primeiro fanzine - "Fan Magazine" (au MRcvista do Fi~) - foi "Sniffing Glue", que .salu em Londres, em sctembro de 1976, editado pelo bandrio de 19 aoos Mark Peny, cuja tiragem {Oi de 200 c6pias xerox. Em seu numero 10, o fanzine alingiu oiro mil exemplares c passou a sec envi:ldo para varias partes do mundo. A partir desta primeira iniciativa, os punks de diversos paises comc'taram a escrever seus fanzines. No Brasil, oa cidade de Sao Paulo, os primeiros fanzines datam de ] 982. A relac;ii.o das fanzines e manifestos pesquJ· sados consta na Bihliografia final.

3. A relac;ao das jornais e revistas pesquisados consta na Bibliografia Hnal. 4 . As pessoas enlrevistad3s S30 idenlificadas atraves de uma letra do nome

ou ape/ido.

18

I. AS ORIGENS INGLESAS

Ao buscarmos reconstituir a historia, a origem e 0

desenvolvimento dos skinheads, encontramos seu surgi­mento na Gra-Bretanha, por volta de 1966. Entretanto, estudos ja apontavam, ha decadas, em centrosllrbanos localizados em varias partes do mllndo, a existencia de gru pos de jovens organizados em gangues.

Eisenstadt', ao analisar a gangue, considera que "as atividades de seus membros sao geralmente dirigidas para a viola<;ao declarada dos costumes e normas da .: sociedade na qual vivem - 0 roubo, 0 furto , varios tipos . de comportamento agressivo, sejam em grupo ou indivi­duais - atos estes que podem estar dirigidos tanto a pessoas como a nOl'mas e simbolos sociais e culturais"'.

Varios analistas procuraram estudar grupos de jovens que se organizaram em gangues. Este foi 0 caso, por exemplo, da pesquisa feita por Michelle Perrotl ao estu­dar, na Paris da "Belle Epoqlle" , no inicio do seculo XX, os chamados "apaches" .

Nessa epoca, os jornais e as autoridades come<;aram a denominar de "apaches" uma determinada categoria de jovens provenientes das camadas subalternas da popula­<;ao, que acabaram "se reconhecendo nessa imagem in-

19

Page 12: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

dia, reivindicaram-na para si e adotaram-na como simbolo de sua modalidade critica e de seu espirito desordeiro C .. ), des suscitaram a admirac;:iio e a inveja de uma parcela da juventude das classes populares, que tenta se identificar com eles C .. )"'.

Os "apaches" eram jovens que se organizavam em gangues, formadas em ruas e bairros, sem uma estmtura interna bem definida. No entanto, acabaram se tornando verdadeiras associa~6es de amigos, cujos primeiros con­tatos se deram na escola, nas pris6es, nos reformatorios, no exercito. 0 "apache" se recusava a trabalhar e assumia uma postura de transgressao social, misturando-a a uma critica aos valores estabelecidos.

Os apaches constituem lIma rnicrossociedade com sua geografia, sua hierarquia, sua linguagem, seu codigo. Eles reivindicam abertamente 0 dire ito a diferenc;a e retomam por conta propria a tradic;:ao dos submundos C ... ). Gostam de tatuagens, como os criminosos empernecidos ou a fidalguia londrina, sinal de reconhecimento - cinco pontas tatuadas em estrela no dorso da milo, para os membras da Popine -, simbolos buc6licos ou sentimentais, inscriq6es provucantes uu fatalistas: "Morte aos meganhas", "Viva a anarquia" C ... ). Apaches nao sao revolucionarios. Eles imi­tam a sociedade estabelecida, repraduzem suas hierar­quias e gostos. Esse desejo de imita<;ao, de fato, e uma das fontes de sua agressividade. Mas nao sao apenas delinqiien­tes juvenis, vadios comuns (se e que existem). Eles expri­mem parte dos desejos, elementos tambem afetivos, dos sonhos e das reellsas de uma juventude - a mais despos­suida - em confronto com as normas de uma sociedade aspera que nao lhes reconhece urn lugar coletivo e nao lhes oferece outra saida alem da obediencia, paciencia, mono­tonia dos dias einzentos e submissos numa incessarite repeti<;ao' . Assim, nao se constitui novidacle a existencia cle

gangues de jovens que buscam constmir sua diferen~a em relar;ao ao rest ante da socieclacle. Estes jovens eram provenientes clas camaclas subalternas e questionavam os valores e normas aceitas e assustavam as autoridades e demais setores da popular;ao.

20

Na Grii-Bretanha, de acordo com a opiniiio de Knight6

, a proliferar;ao de gmpos de jovens organizados em gangues teve inicio na clecada de 50. Nesse pais, como em outros paises capitalistas, essa decada marca a consolidac;:ao do "consumo de massas", uma maior auto­nomia do jovem perante a sociedade e 0 gmpo familiar, e sua relativa inclependencia financeira, 0 que Ihe penni­te consumir e diferenciar-se atraves cle uma serie de bens e cia busca de espa<;;os proprios para seus encontros e lazer.

No interior desse processo se multiplicaram gangues de jovens que se caracterizavam por adotar atitudes consicleradas "anti-sociais" e, por isso, eram freqiiente­mente taxados cle "clelinqiientes".

Embora a consolida~iio clo consumo de mass as re­monte aos anos 30, esse processo ficou interrompido durante a Seguncla Guerra Munclial e na reconstm<;;ao do pos-guerra, perioclo cle grancle austericlacle economica. Com a retomada clo desenvolvimento, a partir clos anos 50, ocorreram muclan<;;as significativas nos sistemas edu­cacional, de saiicle e de bem-estar de urn modo geral. Sucedeu tambem, a!em de uma melhoria no padriio de vida da c1asse operaria, uma altera.;,:ao na balan~a de pocler entre as classes sociais, beneficiando a c1asse ope­raria. Ao mesmo tempo, aumentava a confian~a no esta­blishment e 0 Imperio Britanico se clesmantelava.

o aumento de empregos, nesse momento, nao signi­ficou apenas urn maior pocler para a c1asse trabalhadora em geral, mas tambem alteron as rela<;;6es entre as gera­c;:6es. Uma das manifesta~6es clesta mudan<;;a e que, nos anos 50, os trabalhadores jovens passaram a gastar muito mais dinheiro do que em anos anteriores, 0 que tornou possivel a cria~ao cle urn mercado de consumo para aclolescentes e jovens. Assistiu-se, assim, grar;as ao clesen­volvimento cle um mercaclo cle bens culturais endere~aclo aos jovens, a consolida~ao cleuma "cultura jovem".

Para compreenclermos melhor essas quest6es, alguns dos. conceitos que estamos utilizando exigem uma defi-

21

Page 13: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

nic;:ao teorica. Entre eies, 0 de cultura, que e definido por Morin7 como

(. .. ) urn sistema que fazcomunicar - ern forma dialetica -uma experieocia existencial e urn saber eonstituido (. .. ) deve estar articulado ao sistema social em seu conjunto C· .. ), ao contrario das sociedades arcaicas em que a magia e a religiao estabeleeem urna unidade. cultural sincretica dos saberes e dasexperiencias (. .. ). A nossa sociedade e policultural C ... ). Assim, a cultura, na nossa sociedade, e 0

sistema simbiotico - anta~6nicD de multiplas culturas , nenhuma delas homogenea ..

Partindo da intima articulac;:ao entre sociedade e cul­tura e preocupado em apreender 0 que chama de cultura de m assas, Morin a define como "a cultura do individuo privado na sociedade burgues-tecno-industrial-moder­na "'. Isto vale dizer que ela e urn produto do mercado, dependente do desenvolvimento tecoologico, da moder­nizac;:ao dos meios de comunicac;:iio e, portanto, ligada a industria cultural . Alem dis so,

C .. .) 0 saber sobre 0 qual se fund •• eultura de massas e -aparentemente urn mosaiCD C .. _), e constituido por urn agregado de informa<;oes nao Ugadas entre si C .. ). Mas, olh.ndo de perto, vemos que este saber e subestrutural­mente organizado de forma mitologiea Ca infinita sucessao de fatos diversos, por exemplo, se ordena em fun"ao dos grandes tabus e dos grandes tropismos imagioarios). 0 eodigo e pobre porque se trata , para a industria cultural, de comunicar-se com 0 publico rna is vasto possivel'o. Morin argumenta ainda que , se a cultura de massas e

o p roduto do mercado, ela e tambem C .. . ) 0 produto de uma longa e complexa dialetic. historica que desenvolveu 0 individualisrno moderno no quadro burgues. Ao mesmo tempo que 0 sistema industrial traz a este individualismo a ideologia euforica e os espetaculqs de evasao para integra-Io, este iodividualismo, principal· mente pela intermediac;ao da intelligentsia engajada, mas insatisfeita, no cicio de produc;iio da industria cultural, apresenta sellS problemas e tambem os de sua propria crise l 1

,

22

Apes 1955, a mitologia euforica do "individuo priva­do" transforma-se e a cultura de massaspassa tambem a apresentar problemas de solidao, crises e contradic;oes_ Por isso, 0 Autor acredita que, a partir de sse momento, a cultura de massas passou a corres popder a sociedade que a produziu, diversificando-se para atender a co m ple­xidade dessa mesma sociedade.

Urn dos ecos desse desenvolvimento contraditcrio espelha-se, segundo Edgar Morin, no que ele chama de "cultura adolescente-juvenil", que , apesar de seu carnter contraelitorio. nasceu e se formou 110 interior da cultura de massas, passando. naturalmente. a funcionar segundo as leis de mercado. Apesar elisso, ela procurou tambem diferenciar-se atraves da revo lta. da dissidencia social e politica e, paradoxalrnente. atraves da "recusa ao consu­mo". Em seu interior, passou a existir uma parte "integra­da ou integracionista" e uma outra em que a "destruic;:ao supera 0 consumo" e que esta junto da violencia, das drogas, da contestac;:ao politica e sociaL Para Morin, ela e criada pelos jovens. mas e reproduzida pelo sistema, processando-se atraves de urn "conflito dialetieo entre os ferm entos criticos ou de desintegrac;ao e as enzimas de il1tegra<;ao""-

Temos, assim, urna estrutura ambivalente ness a cul­tura jovem, pOis, de urn lado, ela conduz contraditoria­mente ao

(. .. ) consumo "estetico-h'idico" e ii fruic;ao individualista da civiliza~ao burguesa; mas ela contem, aD mesrno tempo, os "fermentos de uma nao-adesao" (. . .). A onda individua­lista libertaria da revoluc;ao cultural esta em embriao no individualismo burgues da sociedade estabelecida. 0 he­donismo favorecido e excitada pelo desenvolvlmento da consumo prolonga-se C ... ), mas metamorfoseando-se. Par­que b3 uma ruptura no seio mesmo do individualismo. Ao individualismo de propriedade, de aquisic;ao, de posse , opoe-se doravante 0 individualismo de sensac;ao, de frui­c;aa , de exalta<;ao. Ao consumo se opoe 0 consumo, e, embara tenha 0 mesmo tronco comum, 0 hedonismo do ser C ... ) se opoe radicalmente ao hedanismo do tern

23

Page 14: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Morin, ao trabalhar com a concepc;'ao de "cultura adolescente-juvenil" , buscava saber se todo este fen6me­no nao teria gerado uma "classe de idade" especifica_ Mas, para ele, "c1asse" e urn termo bern definido e s~ refere a posi<;ao que os individuos ocupam frente a propriedade dos meios de produ<;ao e nao apenas frente a uma determinada posic;ao culturaL Todavia, 0 Autor acredita que se possa usar 0 termo "cultura adolescente­juvenil" referindo-se a urn determinado grupo de pessoas classificadas genericamente como adolescentes e jovens, na medida em que "esta cultura cristaliza virtualidades provocadas pelo conjunto do processo social""_

Devem-se aprofundar as ressalvas e tomar cuidado para nao se assumir uma "mitologia" que acredita na existencia de uma adolescencia e juventude (mica e coerente_ Para Lagree", por exemplo, nao existe 0 que comumente se denomina de "cultura-jovem", mas, sim , "varias culturas jovens" _ Podemos perceber isso quando analisamos a extrac;:ao social desses jovens e a compara­mos com 0 tipo de "praticas" culturais e posicionamentos assumidos pelos mesmos.

No inicio da decada de 50, uma dessas culturas jovens que aparece e a das gangues de jovens que procuravam diferenciar-se do restante da popula<;ao pela preferencia a determinado tipo de musica, filme, roupas, corte de cabelo, enfim, por uma serie de comportamentos onde pontuava niilismo, revolta, agressividade e desprezo pe­los padroes sociais aceitos. Na Grii-Bretanha, alguns jo­yens desse tipo , provenientes da classe operaria, organizados em gangues e considerados briguentos, gos­tavam de ouvir rock-and-rotl e comec;:aram a ser chama­dos de teddy-boys_

Seu estilo se difundiu em curto espac;:o de tempo atraves do pais, grac;:as ao poder de difusao da midia, principalmente da televisao, da qual logo chamaram a atenc;ao. Tambem as autoridades e a policia logo come­c;:aram a se preocupar com os "problemas" gerados pelos teddy-boys. Foi nesse clima que se milltiplicaram as de-

24

nuncias, atraves da imprensa, do comportamento violen­to dos "torcedores de futebol"_

Dunning, Murphy e Willians,6, em urn artigo sobre as

origens da violencia em estadios de futebol na Gra-Breta­nha, afirmam que os teddy-boys, assim como Olltros grupcis de jovens que se tornaram atuantes no inleio da decada de 60, como os rockers e os mods, tornaram-se os principais "diabos populares" da sociedade britanica.

Os mods rodavam pelas ruas, bern vestidos, em suas lambretas, e contrastavam com os rockers, que ostenta­yam, orgulhosos, seus blus6es de couro e tentavam se aproximar do estilo assumido pela gangue de motoquei­ros americanos "Hell's Angels".

Os disturbios e as lutas provocados por essas gangues nao se desenrolavam apenas em estadios de futebol. Tanto que, na Inglaterra, os tumultos gerados entre gru­pos rivais levaram a um ciima de grande ansiedade e, segundo a pesquisa realizada peIos referidos autores, muito explorada pelos meios de comunica<;ao_

Segundo Dunning, Murphy e Willians, quem partici­pava dos disturbios acabava obtendo grande visibilidade social. E isto aurnentou a atrac;:ao pelos estadios por parte dos jovens que assumiam comportamento agressivo e violento. Par isto, nao foi casual, segundo os Autores, que os skinheads ten ham se tornado urn grupo ativo logo ap6s a Copa do Mundo de Futebol de 1966, realizada na Inglaterra_

Ai e em varios oulros paises europeus, os skinheads juntaram-se as torcidas, sendo englobados pela rnidia, posteriormente, sob 0 rotulo COillum de hooligans". Contudo, como a propria midia e varios trabalhos apon­tam , nern todo hooligan era urn skinhead e nem todo skinhead era urn hooligan.

Alguns trabalhos realizados ua Europa, analisando as raizes e origens daviolencia em esportes, como 0 futebol, aponram, cC>!TI0 uma delas, a atra<;ao que ele exerc: sobre determinados setores marginalizados da populac;ao, cor-

25

Page 15: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

respondendo, simbolicamente, ii necessidade de expres­sao desses setores, Walgrave eVan Lumbergerl8

, por exemplo, apontam que, na Beigica, como em outros paises europeus, grupos de jovens torcedores violentos come<;:aram a aparecer no inicio da decada de 70, junto a subcultura juvenil urbana, marginal e delinqiiente, em alguns casos, sendo que muitos de seus membros eram ou tinham sido skinheads,

Outra caracteristica de alguns jovens desse grupo era a simpatia para com a extrema-direita_ Muitos nutriam, assim como seus amigos de outros paises, uma forte aversao pelos imigrantes, particularmente pelos do norte da Africa e judeus, Eles acabaram reunindo uma serie de sentiment os extremistas, regionalistas e antidemocrati­cos, que eram explicitamente demonstrados quando fa­ziam 0 "Heil Hitler" e a sauda<;:ao nazista , ou quando participavam de reuni6es de grupos como 0 "Ordine Militare Fiammingo" ou 0 "II Fronte della Gioventu" , ou quando Ham jornais do "Fronte Nazionale "_ Para Walgra­ve eVan Lumberger, entretanto, muitos desses valores e dcsse comportamento nao correspondiam a uma real consciencia politica, mas, sim, freqiientemente , a este­reotipos valorizados para provocar efeitos chocantes e humoristicos, sendo raro encontrar esses jovens torcedo­res recrutados diretamente nos grupos de extrema-direi­ta,

Roversi19 assinala que eles fazem parte de um mundo de valores onde 0 futebol e vivido como expressao de virilidade, combatividade, forc;:a e, freqiientemente, de desprezo pelo "diferente", A estrategia de rela<;:6es desses grupos poderia, para 0 Autor, ser denominada de "sindro­me de beduino", 0 amigo de urn amigo e urn amigo, 0

amigo de urn inimigo e urn inimigo, e 0 inimigo de urn inimigo e urn amigo, Assim, 0 inimigo ou 0 amigo podem significar, conforme 0 caso ou situa<;:ao, 0 negro, 0 judeu, o arabe, 0 imigrado, 0 neonazista etc.

o jogo pode gerar altos niveis de excita<;ao na medida em que e uma "batalha simulada" entre "machos" de duas

26

comunidades opostas, As rivalidades intern as podem ser suspensas temporariamente para que se forme uma espe­cie de "frente" contra a invasao de estrangeiros, "Lutar", "guerrear", passa a ser uma fonte de prazer.

De qualquer fonna, os skinheads, em sua origem europeia, fizeram e fazem parte do que alguns analistas chamaram de "subcultura juvenil, as vezes delinqiiente e ;" marginal", nao sendo estranho, segundo varios autores, encontrannos alguns elementos comuns entre eies e certos grupos de "torcedores de futebol",

Alem de se identificarem pela sua paixao ao futebol, os skins come<;aram a ser distinguidos pelas roupas que usavam e pelo-tipo de comportamento_ E, nessa decada, os diversos estilos culturais adotados pelos diferentes grupos de jovens pass;lram a estar, em geral, associados a algum tipo de musica, de "som"_ Dessa forma , os teddy-boys gostavam do rock-and-roll, e os mods, do soul. Ja os skinheads , inicialmente, adotaram 0 reggae, vindo da Jamaica, que era tambem 0 tipo de musica preferida pelos rude-boys, dos quais adotaram tambcm outras caracterlsticas_ Dal que eles ouviam 0 reggae de Bob Marley ou 0 ska de Laurel Autken, assim como Desmond Dekker, Prince Buster, "The Skatellites", "The Ethiopians", "The Upsetters" etc_

o visual que os identificava era obtido com caracte­risticas dos operirios , cal<;:as com suspensorios, botas e jaquetas, cabe<;a raspada, procurando passar uma ima­gem de jovens que adotavam um estilo "lim po" e "nao sujo", Segundo Hebdge", desde 0 inicio, eles se caracte­rizaram por assumir uma postura de proletarios agressi­vos e duros , puritanos , cha uvinistas e machistas, Desprezavam os intelectuais e passaram a ser tidos como anti-socialistas , nacionalistas e antiimigrantes_ Para Hebd­ge, enquanto os mods buscavam ascensao social , os skinheads afirmavam-se enquanto lumpens, ou melhor, assumiam-se como proletarios que sofriam as agruras da crise economica, como parte de um grupo cuja possibi­lidade de ascensao era negada na pratica, afinnando

27

Page 16: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

orgulhosamente suas origens. Segundo Marx", a lurn­pemproletariado,

(. .. ) pondo de lado os vagabundos, os criminosos, as pros­tieutas, 0 rebotalho do proletariado consiste, em suma, ( ... ) de trIOs categorias. Primeiro, os aptos para 0 trabalho.Basta olhar as estatisticas inglesas, referentes ao pauperismo, para se verificar que seu numero aumenta em todas as crises e diminui quando os negocios se reanimarn. Segun­do , os onaos e filhos de indigentes. Terceiro, os degrada­dos, desmoralizados, incapazes de trabalhar". De certo modo, as skinheads expressavam uma das

facetas da lumpeniza"ao que rondava parte da juventude de origem pro!etaria.

De acordo com essas ideias, segundo alguns estudio-50S, as fontes da identidade dos skinheads seriam pelo menos duas: a) a cultura dos imigrantes negros prove­nientes das Antilhas e conhecidos como rude-boys ou rudies, e b) a cultura da classe operaria branca, inglesa e tradiciona!.

o substrato psicologico que 0 comportamento skin desnudava era 0 de uma grande inseguran.;a. E estava ligada a crise que come<;:ou a se delinear na decada de 60 e que envolveu profundamente a classe operaria inglesa. A crise era decorrente, dentre outros fatores, das altera­<;:(ies economicas pelas quais a sociedade inglesa passava.

Nesse contexto, os skinheads concebiam uma "ima­gem mitica" da c1asse operaria tradicional, tentando atua­Iiza-Ia no presente vivido, exatamente no momenta em queela estava sendo engolida pelos imigrantes vindos "de fora" e perdendo seu espa<;:o social e politico. Assim, o movimento dos skinheads pode ser entendido como uma tentativa de reafirma<;:ao quase que extrema da pos­tura proletaria agressiva e chauvinista.

Ao mesmo tempo, no entanto, 0 movimento incorpo­rava elementos tirados da Gultura negra dos imigrados. lsto e contraditorio, visto que, desde seu inicio, as gan­gues skinheads apresentavam um agudo senso de defesa de territorio contra todos aqueles tidos como invasores.

28

Mas, nesse momento, observamos que nao havia grandes amagonismos entre e!es e os jovens antilhanos. Tanto que muitos destes aderiam aos skins ate oportunidade em que passaram a formar suas proprias gangues.

A situa<;:ao era bern diferente, porem, em re1a<;:iio aos imigrantes asiaticos. Estes nao se misturavam com a dasse operaria inglesa tradicional , que, nos suburbios, comec,:ou a remer a competi<;:ao e 0 "perigo" da instalao:;:ao destes imigrantes. Assim, os skins, segundo Hebdge, sao considerados como a materializao:;:ao das ansiedades de uma sociedade com problemas raciais e sociais. E sua violencia pode, em parte, ser relacionada com as mudan­<;:as pe1as quais a sociedade inglesa esrava passando.

Como caracteristica comportamental, eles acentua­yam a agressividade e a virilidade. Procuravam deixar claro que se constituiam em gangues de "machos" e adesrravam-se atraves do judo, do boxe e das luras mar­ciais. As mulheres , por sua vez, podiam participar das gangues desde que partilhassem dos ideais do grupo.

Para Knight , os skins viam-se a si mesmos como mais honestos que os soul-boys, mais classe operaria que as punks, roais duros, fortes e briguentos que as mods . 0 fato de ter urn filho pertencente ao grupo era algo que, em geral, nao incomodava as familias. As maes gostavam do modo de ser e de se vestir de seus filhos. Considera­vam que davam menos "dores de cabe<;:a" do que os oUtros jovens, principalmente os que usavam cabelos compridos e gostavam de usar drogas . Os pais, por sua vez, apreciavam 0 estilo skin,porquejulgavam-no limpo e corn caracteristicas de masculinidade e seriedade pr6-prias de hom ens de trabalho. Dessa forma, quando ne­cessario, suas familias as de(endiam nas rela<;:oes com a escola e com a policia e as socofriam com dinheiro.

Entretanto, a decada de 60 hao marcou apenas 0

aparecimento dos skinheads.'Cafacterizando-se por ser urn momenta de' grandes transformao:;:oes culturais, ela tambem foia epoca do desejo de "revo!u<;:ao cultural" , da recusa Ii sociedade de consumo, de busca de renova<;:ao

29

Page 17: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

social, de desconfianr;:a nas praticas politicas tradicionais, da afirmar;:ao da "niio·violencia" e do "flower power". Ligado a esses valores, surgiu 0 movimento hippie, um fenomeno vinculado a classe media, que questionava a moral e os padroes burgueses. Este questionamento ocar· ria, na pratica, atraves do uso de drogas como uma via de; '. acesso para a transformar;:ao interior e buscando a libera· r;:ao sexual, a aceitac;ao do homossexualismo e do lesbia· nismo e a abertura de novos horizontes atraves do zen·budismo e da meditac;ao. Akm disso, procurava·se a fuga da cidade, de sua estrutura burocratica e alienante, com a constituic;ao de comunidades agricolas, onde se negava a civilizar;:ao industriaL

Ao mesmo tempo, quase como uma especie dc con· traponto, grupos de jovens oriundos da classe operaria passaram a se auto·afirmar com um estilo oposto ao dos hippies. Par isso nao e de se estranhar que os skinheads nao gostassem deles e se opusessem a seu pacifismo e a seu "power flower ".

Entretanto, a problematica skinhead tambem se liga, conformc ji observamos, a questoes mais profundas, isto e, as transformar;:oes socia is , economicas, politicas e ideologic as que a Gra·Bretanha, e sua classe operaria em particular, comec;aram a sofrer em fins da decada de 60. Estas tcansformac;oes geraram ansiedades em cujo bojo as quest6es "racial" e "nacional" assumiram grandes pro· porc;oes.

Segundo Lapeyronnie", em fins da decada de 60, a crise economica obrigou a Gra·Bretanha a iniciar urn processo de transformar;:ao e modernizar;:ao de sua indus· tria, que afetou particularmente as industrias tradicionais e os empregos que proporcionavam. Nesse processo, os setores rna is frageis da classe operiiria acabaram dura" mente atingidos. 0 crescimento economico, que poste· riormente se desenvolven, acelerou a distancia entre os setores "marginalizados" e aqueles que se modernizaram, cujos trabalhadores acabaram se aproximando da classe media. A instalar;:iio, cada vez mais crescente, de minorias

30

etnicas e imigrados de urn modo geral deu·se paralela· mente a essas transformac;oes e a decomposir;:ao do mun­do industrial e operario, 0 que acabou gerando a rejeic;ao dessas minorias como sendo uma "amear;a externa".

Segundo Lapeyronnie, a extrema·direita, sob a sigla do "National Front", comec;ou a desenvolver·se justamen-te ai, fa zen do propaganda contra os imigrantes. Signifiq· tivamente, em abril de 1968, deu·se 0 famoso discurso de Enoch Powell, em Birmingham, no qual ele apelava para a defesa dos cidadaos brit:inicos , de sua "cultul"a", de sua "rac;a" e de sua "nac;ao", contra os imigrantes. Para Lapey· ronnie, em fins da decada de 60, ocorreu a superposic;iio de tres fatores importantes, que permitiu a extrema·direi· ta unir tres temas em urn discurso unico. Em primeiro lugar, a "visibilidade" crescente da popular;:iio imigrada; em segundo, as profundas transformac;oes economicas que se desdobraram na crise economica dos anos 70 e que acabaram abrindo espar;o para 0 governo conserva· dor de Margareth Thatcher; e, em terceiro, uma crise de .~ . identidade naciona!. . ..--- .-. .

No bojo disso tudo, a c1asse opera ria britanica tentou manter sua unidade social e cultural, buscando reforc;ar sua identidade para resistir a crise e a marginalizar;:ao. Foi nesse processo que, para Lapeyronnie, deu·se 0 nasci· menta de condutas violentas como a dos hooligans ou a dos skinheads.

Alem disso , hii ai tambem uma relac;ao com a questao do racismo na Gra·Bretanha. Segundo Gilroy",

Nos nos defrontanl0S com urn racismo que dissimula sua verdadeira identidade, na medida em que tern capacidade de !igar a nor;ao de "ra,a" a nacionalidade, ao patriotismo e ao nacionalismo. E um racismo que se disranciou em relac;ao as teorias primfll'ias de inferioridade e de superio· ridade biologic" e que atualmcnte procura apresentar uma definic;ao imaginaria de nac;ao enquanto uma comunidade culturalmente unificada. Ele criou e defende uma imagem de cultura nacional homogenea em sua pureza racial, mas, no entanto 1 precflria e perpetuamente vulnernvel aos ata· ques dos inimigos do interior e do exterior C ... ).

31

.'

Page 18: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Esse racismo responde as transforma<;oes sociais e politicas geradas pela crise atraves da ressurgimento da grandeza nacional no imaginario popular. Atraves de uma representa<;ao orurica de nossa ilha real como etnicamen· te purificada, ele volta a dar a coragem necessaria para afrontar as provac;:oes do declinia. Ele representa urn dos componentes ftmdamentais do pracesso ideologico e politic a que tern restaurado cansideravelmente a grande· za naci.onal britanica".

No decorrer desse processo histcrico, a segunda me· tade .da decada de 70 foi marcada pela ascensao de Margareth Thatcher ao poder. Ao assumir 0 cargo de Primeiro·Ministro, Thatcher procurou por em pri'ltica 0

"liberalismo economico" , lan<;:ando urn ataque vigoroso contra as sindicatos e as conquistas e beneficios propor· cionados pela "democracia social", apoiando-se nas con­cep<;:oes tecricas de Friedman e Von Hayek. Delineou-se, assim, urn discurso conservador centrado em pontos como a defesa da autoridade, da hierarquia, da ordem, da nac;:ao britanica e de Sllas tradic;:oes e valores.

Lapeyronnie assinala ainda que, em aposic;:ao a todo esse. processo, it aniculac;:ao da extrema-dire ita e it explo­sao do racismo, desenvolvell-Se na Gra-Bretanha uma corrente de extrema-esquerda. Esta procurou mostrar a unidade entre os problemas dos operirios e das minorias etnicas frente aa sistema capitalista. Problema dificil, pois esses panidos e seus quadros buscaram, nas contradi<;oes do sistema e na atuac;:ao conservadora do Estado, uma unidade que era neg ada na propria pratica social dos operirios e das minarias, cujas relac;:oes no cotidiano eram freqiientemente demarcadas par rivaUdades, dispu­tas e discriminac;:6es.

Esse periodo, 0 inicio da decada de 70, segundo Hebdge , fbi marcado por urn refluxo dos skinheads, motivado pela corrosao acentuada dos valores tradicio­

OJ' nais da classe operiria, pelo processo de transformac;:ao e modernizac;:ao que envolvia a sociedade como urn todo, pelo crescente "aburgue5amento" do futebol e do PI-C-

32

prio lazer em geral e pela amplia.;;ao do consumo em moldes capitalistas, entre outros fatores.

Alem disso, tarnbem se acelerou 0 processo de mu­dan.;;as ideolcgicas dentra do reggae, que come<;ou a nao fazer concessoes ao publico de jovens brancos. Sendo

.:.- ' oriundo da]amaica, mas com raizes na America Central, , ele inspirava-se na cultura negra que tinha sido trazida da

Africa com as escravos. E, por causa desta origem, came-c;:ou a servir de canal para que os negros que viviam em guetos urbanos manifestassem seu descontentamento e sua busca de afirmac;:ao cultural e politica.

Assim, apesar da atrac;:ao que as jovens brancos e. em particular, os skinheads sentiam pelo 1-eggae, a [alta de concessao a eles, de passagens para temas ligados it cultura britanica, levou-os it impossibilidade de real idel1-tifica"iio com este genero musical. Pelo menos, naquele momento, a impossibilidade de identifica<;ao ocorrell principalmente entre os que provinham de setores subal­ternos, marginalizados e que sofriam urn processo eco­nomico e politiCO de "modernizac;:ao conservadora".

Essa mesma falta de identificac;:ao acorria em rela<;ao ao rock tocado pelas gran des bandas da epoca. Com seu equipamenta caro, Suas musicas elaboradas e seus temas sofisticados, 0 rock se afastava da dma realidade cotidia­na vivida pelos jovens brancos das camadas mais pobres.

Nessa epoca, 0 empresario Malcolm Maclaren tirau partido desse clima social de desemprego, caos, niilismo , vioH!ncia e amargura e lan<;ou a banda "Sex Pistols", que produziu uma verdadeira revoluc;:iio no rock. A primeira

, apresentac;:ao ocorreu em novembro de 1975 e, explosi­vamente, seus integrantes passarama vincular urna criti­ca social violenta. Proclamando a "anarquia" e a luta contra 0 imperialismo e a sociedade de consumo, choca­ram a opiniao publica por se expressarem violentamente atraves de palavroes, por agredirem-na com suas roupas negras, cheias de correntes e alfinetes, e por usarem a suastica nazista como urn simbolo da necessidade de destruic;:ao do sistema, dos "fal50s valores da liberdade e

33

Page 19: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

da democracia". Os "Sex Pistols", assim, tornaram·se porta·vozes da crise economica pela qual passava a Gra· Bretanha e, principalmente, de uma nova atitude cultural e politica, que, expressa atra"Ves de urn novo tipo de rock, passou a ser chamado de punk. Em ingles, punk significa "lixo", "podre", mas pode signillcar"estopim". Urn esto· pim de urn barril de polvora usado por uma juventude dis posta a explodir com 0 sistema.

Esse novo tipo de rock, coino nota Caiafa", apesar de nao ter sido tramado pela mielia, nem pela industria da moda, acabou servindo a esses interesses em determina· dos contextos e situac;6es. Mas como podemos com· preender esse processo?

Para isso, podemos nos servic da analise de Morin: devido ao fato de a cultura jovem ser criada pelos jovens e reproduzida pelosistema, is so freqiientemente gera situac;6es de contraelic;6es e ambigiiidades, 0 que se ex· plicaria pelo fato de ela ter nascido no interior da cultura de massas e de funcionar segundo as leis de mercado. Contudo, isso nao significa que a pulverizac;ao e a massi· ficac;iio sejam totalmente inevitaveis. Demonstrando mais uma vez seu desenvolvimento complexo, dentro da cultura jovem, encontra·se, contraditoriamente, uma ala "integrada" ao consumo e uma outra em que a destruic;ao o supera e que esta mais prOxima da violencia, da agres· sividade, das drogas, da contesta<;ao social e politica.

No caso punk, ou pelo menos para uma parte, os interesses comerciais fizeram·se presentes e materializa· ram·se sob 0 fotulo de new wave. Tanto que, ja em 1977, foi via "nova onda" que ele alcanc;ou 0 mundo. Isso se deu atraves de tudo que pudesse ser comercializado com o objetivo de atender ii demanda de uma plateia mais ampla produzida pelo mercado mundial.

Contudo, em 1981, os punks tentaram uma rea<;ao frente ao processo de massifica<;ao e comercializa<;ao. Para isso, utilizaram·se do lema "Punk not Dead", popu· larizada pela banda escocesa "The Exploited", que, assim como algumas outras, propunha·se a fazer urn som "Oi!"

34

(uma palavra de giria, 0 cockney, falada nos suburbios pobres de Londres) que era mais lento do que 0 punk· rock. 0 "Oi!" tinha a inten<;ao de congregar skinheads, punks e jovens desempregados. Mas, devido ii pressao dos meios de comunicac;ao, as acusa<;6es de violencia e conflitos que ocorriam em seus shows e encontros e, principalmente, devido as acusa<;6es de vinculac;6es de algumas bandas e de grupos de skinheads a extrema·di· reita, 0 movimento passou a ser chamado de skunk.

]a os skinheads sempre criticaram 0 new wave, resistindo ao processo de massifica<;ao e reafirmando sua identidade operaria, a violencia e outras caracteristicas nao acei tas pela midia, pelo status quo e pela intelectua· lidade.

No processo de retomada do punk, varias bandas participaram de shows denominados "Rock against Ra· cism", cujo intuito era com bater a infiuencia do "National Front" (extrema·direita) na c1asse operaria, principal· mente entre os jo"Vens. Esses shows, no entanto, foram encerrados devido a confiitos e a acusac;6es de que deter· minadas bandas, ouvidas por jovens skinheads, teriam Jiga<;6es com a extrema.<Jireita e seriam racistas . Em 1981, por exemplo, em Southall, os "Four Skins" foram acusados de terem provocado os violentos conflitos civis que envolveram os skinheads e os jovens aSiaticos.

A aproxima<;ao de grupos de skinheads e de algumas de suas bandas ii extrema·direita foi apontada por Ta· gUiefi", que, preocupado em analisar a difusao na Europa de concep<;6es "revisionistas"z., observa:

o revisionismo radical tornou·se urn dos principais com· ponentes da tematiea dos grupos de rock de extrema·di· reita que apareceram na Franc;:a entre 1984 e 1986. o grupo de rock "Legion 88", enado em outubro de 1984, "com a finalidade de politizar 0 movimento skinhead na direc;:ao do nacional·soeialismo europeu", propos difundir no interior da juventude "nossa coneepc;:ao de nacionalis· rno europeu", ista e, uma nova ordem social e nacional. Militantes do Partido Naeionalista Frances e Em'opeu (PNFE), organizac;:ao neonazista fundada em 1987por

35

·i ! ~ 1

Page 20: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Claude Comilleau, dissidente do Partido Nacionalista Fran­ces (criado em 10 de dezembro de 1983), os membros do grupo "Legion 88" esclareceram 0 objetivo de sua luta: "N6s lutamos contra a decadencia da juventude atual, contra a droga, a inseguran~a e a mistura de ra,as". Depois de uma fita com oito tItulos, intitulada "Nossa Europa", em 1986, "legion 88" produziu urn disco de 45 rota~oes, em fevereiro de 1987, seguido rapidamente de urn disco de 33 rota~oes feito em comum com "Bunker 84" e "Skin Korps", depois urn novo de 33 rota~5es, em 1988, com 0 titulo "ThuiC:". A distribui~ao desses discos, como a de outros grupos nacionalistas revolucionarios ou neonazistas, tais como "Brutal Combat" ("moderado", pr6ximo do "Natio­nal Front"), "Evil Skins" ou "Bunker 84" e assegurada pela casa de discos "RebeUes Europeens", criada em fins de 1986 (Brest). Perante a questao: "Em que dire,ao voces irao orientar 0 combate nos meses que vil"~o?", "Legion 88" respondeu, na primavera de 88: "Atualmente e a difusiio das idCias revisionistas que nos parecem as rna is importan­tes. 0 sistema repousa, depois de 19ti5, sobre 0 mito do holoeausto: a nossa contribui<;:iio e ~ destruir". '9 A vincula<;:ao dos skins Ii extrema-direita esta relacio­

nada ao surgimento, par volta de 1975/ 1976, dos novas skinheads, que, alem de reafirmarem as valores e carac­tedsticas dos "velhos", acabaram tambem par amplHi-los. Passando a se tatuar com a suastica nazista e a [azer a "Rei! Hitler" em publico, os "novos" skins acabaram por assumir urn papel politico que estava ausente no passado .

Varios grupos desses novos skins entraram freqiien­temente em conflito com os punks, principalmente com as que crlticavam os valores e tradi<;:oesbritiinicas. Mas a situa<;:ao era contusa, pOis, frequentemente, alguns gru­pos dos dOis movimelllos encollll'avam-se nos shows das mesmas bandas, principalmente das que se assumiam como "Oi!"

Embora seja clara a Jiga<;:ao de parte dos skins com a extrema-direita, devemos ter cuidado com as generaliza­<;:oes, pais tambem existiam grupos dentre eles que recu­savam essa /iga<;:ao. E ainda havia aqueles que tiveram sua percepc;:1io social e politica transformada pela atua<;:ao de

36

grupos de extrema-esquerda, que procuravam mostrar Ii c1asse operaria a existencia de interesses comuns entre e1a e outros setores da populac;ao, como 0 das minorias irnigradas. Podemos supor que 0 mesmo processo pro­duziu os grupos de skinheads tanto os de extrema-dire i­ta, quanto os que nao seidentificaram com ela. E ate mesmo os que se ligaram a partidos de extrema-esquerda. Observadores nao suficientemente familiarizados nem atentos podem incorrer em confusoes e generaliza~5es indevidas ao verem a mesma afIrma<;:ao pela violencia, a mesma linguagem e a mesma postura de defesa da na<;:ao, anticapitalista e anriimperialista, comuns as diferenres posi<;:oes pollticas dentro do movimento.

Apos seu surgimento na Inglaterra, os skinheads espalharam-se pelo mundo, mais ou menos em paralelo com as punks, despertando cada vez rna is 0 interesse para en tender suas especillcidades e caracteristicas. A imprensa come<;:ou a abrir espac;o para seu exame. Entre essas publica<;:oes, duas chamaram particularmente a atenc;iio. Uma delas' foi a f .. y lsta frances a "Le Nouvel Observateur"'", que puhlicou uma longa reportagem in­titulada "A viol en cia dos skins ganha a Fran<;:a". Segundo o artigo, pela primeira vez, desde 0 fim da Segunda Guerra Mundial, urn movimento de jovens franceses desenvolvia-se com referencias a uma mitologia que reu­ne 0 fascismo e 0 nazismo. Ainda segundo 0 jomal, apesar dos skinheads de extrema-direita serem a maioria, de terem a reputa<;:ao de serem os SS dos quarteiroes, sim­paticos a Ku-KIux-Klan, existiriam skinheads de extre­ma-esquerda (os redskins), inimigos da extrema-direita e dos skins nazistas. Segundo declara<;:iio de urn redskins, "os skins fascistas semeiam 0 terror ja hi muito ( ... ), entao os trotskistas se organizaram ( ... ), nos procuraram enos acharam."

Segundo 0 jomal, as skinheads franceses tinham de 13 a 25 anos. eram ateus e filhos de pais divorciados e viviam com as maes. Este era a taso de Serge, com 24 anos de idade. Aos 16, esteve com os punks, Depois fol

37

Page 21: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

para a Inglaterra e, devido a habilidade de manejar 0

bastao de beisebol, tornou·se skin, que, segundo ele, "vive em bando, ama a revolta violenta". Mas a noite, ele ia para a casa de sua mae, que era funciomiria e socialista.

Segundo 0 artigo, os skinheads-franceses trouxeram de suas tribos de origem anglo·saxonica 0 fanatismo pelos detalhes das vestirnentas, com urn toque de elegan· cia proletaria e viril, e representavam uma violenta rea· ,.ao as ideologias dos estudantes do tipo "paz e amor", Na Fran~a, Danton e Robespierre seriam seus her6is e eles se opunham tanto aos EVA quanta a Moscou, Eles esta­riam indignados com 0 desmanteiamento do "servi<;:o publico" em beneficio dos gran des trustes, Gostavam de "Che" Guevara, dos palestinos, dos .antiyankees e das lutas nacionais, Alem disso, opunham-se aos imigrantes, perguntancto "por que os arabes nao ficavarn em seus paises e lutavam contra seus governos a fim de garantir os direitos sociais, ao inves de virem para a Fran,.a e se aproveitarem de seculos de lutas para 0 progresso so­cial",

Segundo declara,.oes publicactas por essa revisla, al­guns skins comec;:aram a ser procuradps pelos nazistas por volta de 1984, Certa ocasiao, quando alguns partid­pavam de uma reunHio de esquatts autonomos, alguem, ao rnicrofone, exclamou: "Quem e racista levante a mao!" E todos levantaram a mao. Na opiniao da revista , era a primeira vez, des de 1950, que urn movimento de jovens escapava das midias e dos valores dominantes da esquer· da, representando uma revolta de jovens contra os valo· res da sociedade tecnocratica e um nacionalismo proletario,

Em dezembro de 1988, a revista americana "Rolling Stones" pubJicou a materia "The Skinhead Reich"", sobre a atuac;ao e forma<;:ao dos skinheads nazistas nos EVA, Descrevendo-os como racistas, anti·semitas e ligados a Ku·Klux-Klan, estimava-os em 3.500, contra 300, em 1986. A maioria deles estava na faixa dos 16 aos 19 anos , era proveniente da classe media trabalhadora e se con·

38

centrava nas cidades maiores da Costa Oeste, Era a pri· meira gera<;:iio de americanos que nao esperava viver melhor do que seus pais ,

Segundo a mesma revista, a influencia da extrema·di· reita na Inglaterra ocorreu a partir de 1980, quando 0

"National Front" infiltrou-se entre os skins e a ideologia "nazi" penetrou nas gangues. Nos EVA, 0 estilo skin existiria desde 1977, mas a influencia nazista s6 teria ficado evidente no verao de 1985. A reportagern aponta ainda a existencia dos ska skin, que seriam skins anti·ra· cistas, provenientes do movimento original de musica e politica que e 0 ska, denomina<;:ao que vern da incorpo· ra<;:ao do reggae ao rock, popularizada pelos primeiros skins britanicos, Ainda pela reportagem, nos EVA, os skins nao-nazistas eram poucos e sofriam ataques dos nazistas, da policia e de pessoas que pensavam serem e\es de extrema·direita, Jii na Inglaterra, eJes s6 teriam obtido a reputa,.iio de racistas nos anos 70, e a existencia de bandos de redskins esquerdistas e de skins anarquistas testemunharia esse fato, permitindo·nos perceber que nem todos os skins eram nazistas.

Assim, pelas reportagens, pode·se verificar que, tanto nos EVA como na Fran~a, 0 movimento dos skinheads ainda guarda semelhan,.as com seu modelo original brio tanico,

Nos pr6ximos capitulos, procuraremos verificar 0

que ocorreu no Brasil, descrevendo as origens do surgi· mento dos "carecas do suburbio" em nosso pais, sua difusao, seus valores e comportamentos caracteristicos,

Notas

1. EISENSTADT, S.N. Grupos informais e organizac;oes juvenis nas socie· dades modernas in Socialagia dajuIJe1Jlude IV - Os m ovfmentosjuvenis. Rio de)aneiro, Zahar. 1986.

2, EISENSTADT, Op, cit., p, L8 e 19, 3. PERROT, Michele. Na Franr;a cia ~ Belle Epoque" : Os "Apaches". primej·

ros bandos de jovens f" Os exciu£dos da hist6ria . Rio de Janeiro, Paz c Terra, 1988,

39

Page 22: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

"

4. PERROT. Op. cit., p. 315, 316 e 317. 5. PERROT. Op. cit., p. 322, 323 e 325. 6. KNIGHT, Nick. Skltlhead. LondonjNew York, Omnibus Press, 1982. 7. MORIN. Edgard. Cultura de massas no seculo XX (2 vots.): 0 esplrito

do tempo - 2 . Rio de Janeiro, 'Unlversitaria, 1986. 8. MORIN. Op. (:It., p, 77, 79 e 80. 9. MORIN. Op. Cit., p. 100. 10. MORIN. Op. cit., p. 101. 11. MORIN. Op. cit., p. 112. 12. MORIN. Op. cit., p. 113. 13. MORIN. Op. cit., p . 133, 135 e 136. 14. MORIN. Op. cit., p. 141. IS. UGREE.-Jean-CharJes. Ya·[·ll une: Culture Jeaune? Pratlques Culturel·

Ies dc:sJeunes, Ages de 1a Vie et Generation In/eunes D'Aujourd'Hul, Notes etEtudes Documenta(res. P~ris, La Documentation Franc;aise, 1987.

16. DUNNING, E., MURPHY, P ., W1LllANS, F. e W1WANS,]. U Tepplsmo Causlslico In Gran Bretanha: 1880·1989 In CalclO e Vlolenza /11 Europa, a cura dl Antonio Roversi. Bologna, II Mulino/Contemporanea, 16. 1990.

17. 0 termo ll ooligatlS tern a sua origem lig:lda ao nome de uma familia lrlandesa que viveu em Landres. no tim do seculo XIX (Houlihan). Devldo as caractcr'istlcas de vlolenci:1 e de nao-sodabilldade de sew membros, esse: termo P:lSSOU, grad;uiv2mente, a designar os jovens que se organlzavam em gangues.

18. W ALGRA VE. L e LUMBERGER, K. Van. II Teppismo Causistico In Belglo: Cause e . Remedi In Caleto e V{olenza In Europa. Bologna, II Mull· no/Contemporanea, 1990.

19. ROVERSI, Antonio. Imroduzione In Calclo e Vlolenza In Europa . Bologna, n Mullno/Contemporane:1, 1990.

20. HERBDGE, DIck. Subcullure: The Meaning of Style. London/New York, Methuen, 1988.

21. MAIUC, Karl. 0 Capital, Livro 1, Volume 2, Rio de]aneiro, Civillzac;ao BrasUcira, 1971 .

22. MARX. Op. ell. , p. 746 e 747. 23. LAPEYRONNIE, Didier. La France et 1a Grande·Bretagne et leurs

Minoritts Immlgrees III Les Temps Modernes. Paris , juillet·Aouc. n. 54()"541, 1991.

24, GILROY,Paul. Le Fin de L'Antiracisme /n les Temps Modernes. Paris, ]uille<·Aout, n . 540·541, 1991.

25. GILROY. Op. Cit., p. 173. 26. CAlAFA,]anice. MO ll/mento punk na cldade. A invasito dos bandos

sub. ruo de }andro, lahar, 1985. 27. TAGUlEFF, Pierre·Andre. l..;1 Nouvelle )udeophoble - Anti-Sionisme;

Anti·Raclsme, Anti·Irnperialisme in Les Temps Modernes. Paris, Novembf(:, n. 520,1989.

28, Pierre Vid:ll·Naquet deHne 0 revisionismo como a doutrina pela qual o genoddio pr:uicado n2 Alc manha Nazista contru os judeus nao cxlstiu, sendo n2 verdade urn mito, iabui:u;ao, mentlra. In VlDAL·NAQUET, Pierre. These sur Ie Revisionnisme In Les Assassfns de la M~molre. P:lris, La Decouverte, 1987.

40

29. TAGUIEFF, Pierre·Andre. Op. Cit., p. 15. 30. Revista Le Nouvel Observateur, agosto de 1988. 31. Revista Rolling Stones, dezembro de 1988.

41

Page 23: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

I ,

II. DOS PUNKS AOS "CARECAS DO SUBlnrnIO"

No Brasil , especificamente em Sao Paulo, 0 processo que levou uma determinada parcela de jovens a se iden­tificar com os skinheads e a criar 0 movimento "carecas do suhurhio" foi longo, tortuoso e passou pelos punks .

. . Assim, para reconstituir a chegada desse movimento ao Brasil, a qual foi influenciada pelos meios de comunica­c;:ao de massa, devemos comec;:ar exarninando as reporta­gens da imprensa e os relatos de punks. Desse modo, veremos como esse principio ja se deu permeado de arnbigiiidades e contradic;:6es.

Tambern a bibliografia existente na area deve ser considerada, no sentido de se avaliar sua repercussao entre os participantes do movimento e para ajudar na · identificac;:ao do aparecimento dos "carecas do subur­bio".

Todas essas fontes of ere cern urn panorama muito elucidativo a respeito do movirnento e sua consolidac;:ao como grupo autonomo, alern da incorporac;:ao, ambigua e contraditoria, de aspectos do rnovimento punk.

43

·'

Page 24: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

" I

1. 1977 - Os punks no Brasil

As primeiras informar,;6es sobre os punks chegaram ao Brasil atraves de discos, de revistas especializadas, de jomais, enfim, da midia em geral, no final da decada de 70, ao lado das primeiras informar,;oes sobre os ski­nheads. 0 que cornou isso possivel, entre outros fatores, foi a existencia previa de urn mercado de consumidores jovens, avidos em receber "informar,;6es" que vinham do exterior, em comprar discos e revistas, que refJetia a expansao da cultura de mass as em nos so pais.

Assim, em 1977 a imprensa brasileira comec;:ou a produzir materiais sobre 0 punk europeu e, ao mesmo tempo, a denunciar a sua presenr,;a no Brasil. A revista "1stoE"', por exemplo, publico\l a reportagem: "Ha futu· ro nos punks? Hi muita animac;:ao na Europa, mas aqui 0

movimento custa a pegar". A reportagem dizia: No Brasil, 0 punk s6 se manifesta atraves do visual e algumas caretas ( ... ) e, se na Europa e urn caso de policia, .qui virou curti<;:ao tropical ( ... ). Uma grande confecr,:ao (ELLUS) lanr,;ou a moda punk em Sao Paulo ( ... ). No Rio Ufila confecc;ao de prestigio, a BIu-Blu, Janc;ou uma cami­seta simples com a estampa da palavra PUNK.

Mas, para a reportagem, se no Brasil 0 punk e uma "curtir,;ao" e e tranqiiilamente incorporado pela industria da moda, na Europa a coisa evista como seria. 0 reporter, ao entrevisear punks europeus para realizar a sua materia , declara que se senriu em urn cenario do filme "Laranja Mecanica" , apontando a existencia "de um verdadeiro sincretismo politico":

(. .. ) usam da suastica a Legiiio de Honra, passando pelo retrato de Stalin e de Hitler ( .. .). Rejeitam, de maneira geral, as hards drugs, preferindo 0 leite e a cerveja ( ... ) e fazem a saudar,;ao nazista para provocar os que ainda acreditam em democracia.

o relato feieo dos punks da Europa e clara ao enfatizar o lado da busca do insulro, do descrediro pela democracia e das Jigac;,:oes com a extrema·direita. Os skinheads nao

44

sao diretamente noticiados, embora a descri"ao da exis· teneia de jovens de "cabelos curtissimos", apontados em um determinado momento da reportagem como "a lit Mussolini", que rejeitam as "hard drugs" e preferem "0

!eite e a cerveja", provavelmente nos revele a presenr;a de alguns deles.

Contudo, nessa mesma reportagem, apontou·se que pelo menos uma parte dos punks foi "recuperada", ainda que involuntariamente, por publieitarios, editores, do· nos de boutiques, gravadoras. 0 punk, ou pelo menos parte deste, via nova onda (new wave) jii desdobrara-se mundialmente atraves de sua comercializar;ao. Nesse momento, portanto, ja temos lanr;ado ai ° debate da incorporar;ao desse movimento pela midia, pela moda.

A imprensa nacional, ao enfocar ospunks, principal­mente em relar,;ao a Europa, construiu um retrato frag­mentado dos mesmos, no qual nao sao c laramente delimitadas as reais diferenr,;as existentes entre os diver· sos grupos. Contudo, ainda que a midia confunda e misture tendencias as vezes dispares, foi atraves dela que, em grande parte, 0 debate sobre 0 punk se fez nacional· mente presente.

Temos, portanto, desde 1977, colocadas no Brasil duas questoes: de um lado, a violeneia, 0 descredito aos valores democraticos, as vincular,;6es com a extrema-di· reita, e, de outro, a incorporar,;ao do punk pelo sistema. Entretanto, tudo era passado simultaneamente , sem uma analise mais profunda.

A "Folha de S. Paulo"', em 1978, publica 0 arcigo "A Repllblica Tupiniquim, a vanguarda do punk", sobre urn audiovisual preparado pelo jornalista Marco Antonio La· cerda e 0 fotografo Bernardo Magalhaes. Ao comentar 0

trabalho, 0 jomal afirma que 0

( ... ) punk surge como uma contr'ldir,;ao inexpJiciivel, no momento em que a ordem natural e cultivada em todo 0

planeta das mais diversas formas ~ zen, ioga, macrobiotica etc. ( ... ) . . TudQ indica que nao hi lugar para semelhante

45

Page 25: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

disparate na cultura brasileira, a menos que voltassemos aos tempos que antecederam aa Trapicalisma.

A descren<;:a sobre a possibilidade de inser<;:ao dos

punks na "cultura brasiJeira" e clara em todas as publica·

<;:6es. 0 ''Jornal do Brasil'" chegou a noticiar 0 "refluxo

do movimento a nive! internacional"; "C.') 0 punk est! passado".

Dessa mesma epoca, entretanto, encontramos urn

dos mel hares artigos sobre os punks, principalmente

com reJa<;aa it sua constitui<;:ao e as suas contradi<;:6es no

exterior, escrito por Marco Antonio Lacerda e publicado

no "Jornal da Tarde"'. Uma versao dele tambem apareceu

na revista "Pop" , editada pela Editora Abril, que exerceu

pape! importante na divulga<;ao do movimento punk,

segundo alguns entrevistados. Nioe de espantar, pais ,

que 0 artlgo a que nos referimos flzesse parte do arquivo

de umpunk POf mim entrevistado, A.C., que havia sido

um dos editores de fanzine punk da Zona Leste da cidade de Sao Paulo .

Significativamente, ainda segundo os entrevistados I

o ana ,de 1978 foi muito importante, pois foi nessa epoca

que vanos adolescentes e jovens provenientes das cama.

das subalternas da popula<;:ao, que viviam em bairras

pobres e em suburbios de Sao Paulo, come<;:aram a mani·

festar urn interesse crescente em rela<;:ao ao comporta·

memo e a mllsicapunk, 0 que se refletiu na preocupa<;ao

da imprensa em come<;:ar a produzir artigos de analise

sabre essa tendencia.

Assim, em seu artigo "A aventura punk", Lacerd.

aponta que "a palavra punk esta circulando ha seculos

na Inglaterra e posteriormente na America, sempre ligada

a conota<;6es negativas de rejei<;io e de exclusao social,

de praticas opostas a moral e aos bons costumes". Ele

afirma que a "garotada punk inglesa nao tem feito outra

coisa senio continuar uma tradi<;:ao de scculos", ou seja,

tl"ansformar os alribulos de rejei<;:ao social ern virtudes

positivas. Isso sigllifica, na prlitica, tomar esses atribulos

na forma de expressao de urn tipo de ute. Na opiniao de

46

I

Lacerda, os punks ingleses, ao assumirem urn "estigma",

utilizaram os seus valores e os atribulOs negativos atribui·

dos pelo conjunto da sociedade como uma fonna de

expressao, nao apenas de urn estilo de ane, de mlisica,

mas principalmente de determinados comportamentos e

atributos. C ... ) 0 rock atravessava entao urn periodo de marasmo, sem nenhuma grande explosiio c. .. ), ate que surgiu 0 'Sex Pistols' , negando os cornestadores dos anos 60 e 70 e tornando-se imediatamente porta~voz da recessao econo­

mica na IngJaterra. 0 punk e musica de pobre C .. ), simples e aborda sempre problemas sociais.

Lacerda afirma que 0 mais famoso grupo de punk

ingles, 0 "Sex Pistols", teria se destacado pela agressivi·

dade e pelo comportamento polemico de seus membros,

que falavam palavr6es em publico evomitavam ern frente

as camaras de televisao. As musicas mais famosas do

conjunto, "God Save The Quenn" e "Anarchy in the

United Kingdoon", tedam sido boicotadas pelos meios

de comunica~ao por, entre outros motivos, "denegrirem

a imagem da Rainha da lnglaterra". E para Lacerda 0

conjunto "Sex Pistols" transformou·se numa grande po·

lemica na Inglaterra, principalrnente quando urn de seus

membros, 0 Sid Vicius, apareceu em uma manha em urn

quarto de hotel drogado e abra"ado com 0 corpo ensan·

giienlado de sua namorada morta.

o jornaUsta apoma 0 fato de a punk ser originalmente

uma musica do branco oprimido pela sociedade, pelo

desemprego e pela recessao. Com suas roupas sujas e

rasgadas, com a sua musica, caras, express6es e agressi·

vidade, assustariam a rainha, 0 governo e os grupos

privilegiados. o punk·rock e urn rock que se diferencia de suas origens Cfundamentalmente negras e rurais) porque assume os fatos rudes, feios, brutais da cultura dominada, branca e

urbana, em vez de esconde·los atr's de uma fachada in6cua C .. . ). punk rock diminui a tolerancia da plateia em rela~ao ao sentimentalismo.

47

Page 26: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

o artigo relata que os analistas preocupavam·se em apontar os possiveis precursores do punk ingles, como por exemplo 0 escritor Anthony Burgers, autor da novela "Laranja Medinica", filmada por Stanley Kubrick, que foi considerado "padrinho do movimento". Outra aproxima· ~ao seria com 0 adolescente marginal da decada de 50, retratado nos fllmes de Hollywood e que imortalizaram James Dean, Marlon Brando, Sal Mineo, Vic Morrow etc. Ja as criticos de musica americanos prefeririam aproxi· mar 0 punk do Velvert Underground, surgido em 1966 em Nova Iorque, asslm como de outros grupos musicais.

Os punks ganharam, claro, seus inimigos nas roas de Londres: as torcidas de futebol e 0 con junto "Teddy·boys" (".). A acusao;:ao rna is grave, no entanto, e a aparente simpati. dos grupos punk em rela<;:ao ao fascismo, ao nazismo e a duvidosa sexualidade dos seus integcantes. Sem falar, e claro, n. pessima reputa<;:iio dos concertos de rock, sempre compacados aos comicios de Nuremberg. Paca as chamadas classes "politizadas", guitarristas nao passam de nareisistas filicos e as plateias de rock lembram as "massas crescentes fora de todas as camadas sociais", descritas por Hannah Arendt como "uma presa natural para os movlmentos fascistas (".)". Concertos de rock sempre correm 0 risco de cair no fascismo , pelo simples fato de gerar energia de massa. Mas, para aqueles que conilam na mais rudimentar das pmmessas politicas - a de que apenas a a<;50 coletiva dara a massa de marginalizados economicamente a possibilidade de chegar ao poder pes· soal - punk e um retrato feito realidade. Atribuir·lhes conota<;iies fascistas e uma atitude urn tanto comodista de quem acha que dar nome a uma manifesta<;iio de horror e o meio mais simples de controlii·la. A analise realizada par Lacerda tentou apreender 0

movimento pUnk em suas contradi,,6es, esfor~ando·se em se afastar de posi"oes conservadoras. Mas outras publica,,6es recuperaram aspectos dos punks que eram temidos e desvalorizados pela classe media e pela burgue­sia. Este fOi, por exemplo, 0 caso da materia publicada peio "Jamal do Brasil" , "A violencia punk ~ Drogas e assassinato na rota dos escravos da liberdade to!al", escri·

48

ta pelo correspondente em Londres, Robert D. Evans. 0 eixo desse anigo e a defesa da moral , dos val ores tradi· cionais e dos bons costumes como elementos basicos da civiliza"ao que estavam sendo solapados devido a corrup­"ao da juventude. Os punks em geral e os "Sex Pistols", em particular, sao acusados de transmi!ir aos jovens urn "niilismo viol en to e subversivo" e de viveremsob a egide das drogas e do sexo. A imagem que se cria e, ponanto, de urn "niilismo subversivo, de violencia anarquica, ele usa de drogas, de agressoes, de desregramentos sexuais , de desrespeito aos valores tradicionais".

Em rela~ao aos punks do Brasil, 0 "Jornal da Tarde'" publica 0 artigo "A amea~apunk", que representa uma especie de mudanc,:a no modo como as punks brasileiros vinham sendo descritos pela imprensa . Passa·se de uma imagem de movimento inofensivo e caricatural (confor· me vimos na revista "IstoE", de 1977) para uma imagem oposta , mostrando que:

Desde que a mllsica e a moda que exalta 0 sujo. 0 grotesco, criadas na Inglaterra ha menDs de dois anos, chegaram a Sao Paulo. os nossos punks trataram de imita- las COlli fidelidade. Os gual'das da segurano;:a da estao;:iio do metro, no Largo Sao Bemo, ja nao se surpreendiam com os ado· lescentes vestidos de sujo; com suas grossas correntes penduradas a cintura OU ao pescoo;:o. Longe dali , em Sao Caetano, tambem a vizinhan~a do Clube Sberog nao se espantava tamo com os freqiientadores dos bailes punks, que travavam violentas lutas ou amanheciam dormindo na calo;:ada. Ou ainda, drogados, subiam nos telhados vizi· nhos, ou simplesmeme usavam os jardins das casas pr6xi. mas para se amar. A materia descreve ainda 0 cotidiano dos p unks, as

disputas e brigas em bailes , as diversas gangues, a violen· cia entre elas e as disputas travadas a tiros e facadas. 0 retrato e 0 de violencia, brigas, drogas , enfatizando·se 0 carnter suburbano. Ap6s a leimra da materia do "Jamal da Tarde" , fica-se com a impressao que os punks haviam tornado de assalto a cidade de Sao Paulo .

49

Page 27: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Gradativamente, 0 movimento, particularmente 0 de Sao Paulo, e rotulado como aquele que assusta e agride, sendo essa a tonica de varias materias que passaram a ser produzidas. Tanto isso e verdade que, em 1982, alguns punks, preocupados em mudar essa "imagem", procura· ram os meios de comunica"ao a fun de tentar revette·la. Os motivos de tal situa"ao ficado daros ainda nesse Capitula.

E importante assinalar que foi uma constante, nas entrevistas, a afmna"ao de que quando 0 punk e princi­palmente 0 "Sex Pistols" come"aram a ser divulgados no Brasil, 0 componamento violento e agressivo contra os padriies burgueses e 0 fate de nao serem bern vistos pelo sistema, pela sociedade e pela midia em geral, foram fatores que exerceram grande poder de atra<;ao. Aparen· temente, ainda nesse momento, para esses adolescentes e jovens provenientes das camadas subaltern as, 0 fato do punk, mesmo no Brasil, jii. estar sendo comercializado, perdendo 0 seu aspecto agressivo e transgressor, e trans· formando·se em algo mais digerivel, comercializado em anigos vendidos nas boutiques, era ainda uma questao nao claramente colocada e vivida no cotidiano.

Nesse momento, 0 punk atraia e fazia sentido para eles, porque simbolizava 0 que era socialmente nao acei· to, era 0 violento, 0 sujo e 0 rasgado, 0 que transgredia as regras e padroes burgueses. Nesses jovens, que viviam em urn contexto' social de carencias, de violencia, de ausencia de perspectivas, 0 punk encontrou urn terreno fecundo.

Essas afirma<;oes ficam mais claras nos relatos que se seguem, como por exemplo no de S., 26 anos, que, filho de urn zelador de urn predio na capital de Sao Paulo, formou uma banda punk, produziu fanzines e manifes· tos, morou no CRUSP (Conjunto Residencial da USP) e que cursava, na epoca da entrevista, a Faculdade de Letras , na Universidade de Sao Paulo:

Em 1978 eu fui no show da "Patrulha do Espac;o" C .. ). Eu jii sabia 0 que estava acontecendo na Inglaterra par infor·

50

mac;ao da revista Pop, e ai tinha tres punks Iii (. .. ) que tlcaram do Iado da caixa de som C •.• ). 0 som era "pesado" (. .. ). Era a lmica banda que tinha urn som mals pesado aqui em Sao Paulo C ••. ). Nessa epoca eles usavam alfmetes, todos rasgados. Em 1978 a ideologiapunk era mais niilista, ligada a autodestrui<;ao, uma coisa mais pessoaJ, urna revolta mais pessoal, individualista. Mais tarde 0 movimento mudou para uma eoisa mais anarquista, urn eombate eolet/vo ao Estado e as nonnas sociais, as regras burguesas. Isto come· ~ou a ocorrer em 1982 e eu entrei nesta epoca no movi· menta punk. No relato de S., temos a constatac;ao de urn dado

muito importante: a mudan<;a ocorrida entre 1978 e 1982 no que ele chamou de "ideologiapunk" . Em 1982, algu· mas lideran<;as que atuavam na regiao metropolitana de Sao Paulo, atraves de fanzines, bandas, debates com a imprensa, tentaram congregar os punks em torno do que eles chamaram movimento punk. Naturalmente, esse movimento punk, que eles buscavam construir, tornou· se incompativel com urn niilismo anarquico e violento, a agressao como forma de expressao, a usc da suastica nazista etc. Logicamente que a narmatiza<;ao de formas de comportamento e de adequa<;ao valorativa que passa· ram a seevir de lastro para este movimento punk estava de certa forma interligada com contradi<;oes e altera<;oes que, como virnas no capitulo anterior, 0 punk vinha sofrendo no exterior. Todavia, isso gerou conflitos serios entre os punks que circulavam na cidade (punks da city) e as punks dos suburbios (ABC e Zona Leste de Sao Paulo).

Outro entrevistado, A.C., 26 anos, filha de urn opera­rio, produtor de fanzines, e que acabou aproximando·se dos anarquistas de Sao Paulo. Na epoca da entrevista freqiientava 0 curso de Hist6ria e era professor em uma escola publica na Zona Leste.

Em 1978 a escola que eu estudava em Sao Mateus (Zona Leste) tinha uma gangue, ospunkides C .•. ). Alinal de contas uma coisa leva a outra, pois no bairro onde eu morava ja existiam gangues que eram os "Iaranjas", os "carnic;as" e

51

Page 28: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

os punkides ( ... ). Eu acabei estudando em uma escola majoritariamente de punk/des. Na epoca eu Hnha uma serie de problemas em casa, com a religiiio catolica, e eu encontrei pessoas que tinharn os mesmos prohlemas que eu, e que estavam a fim de "resolver" d. sua forma, eles estavam radicalizando, indo para 0 confronto e para mim isto foi super,importanre. Existiam outros grupos e nao dava para voce ficar sozinho ( ... ), e na periferia, se voce naobate, voce apanha C .. ), voce tern que procurar "se agrupar" C .. ), e ninguem conseguia se opor a gente. Os pimks eram muito mais mal vistos pela policia do que os roqueiros, do que os "negros", e na escola era a mesma eoisa, eles eram muito mais marginalizados. Havia uma identificac;:ao por "regiao", os punks moravam na mesma regiiio, os "laranjas" na mesma regiao. Quando os punks iam em urn baile e tinha "roqueiros" , eles acabavam com tudo e nao [inha conversa, e por causa disso, era necessario o grupo para dar seguranc;:a (. .. ). Os punk/des tinham uma rivaJidade muito grande com os "carni~as" e a gente se unia para nao apanhar. Ate a musica difcrenciava C .. ). OS "la­ranjas" gostavam dos Ramones, do ""ock certinho", tudo bonitinho, elcs vestiam jaqueta da marinha, limpinha, branquinha, e n6s, os punkldes Coo.), gostftvamos 'do "Sex Pisrols" e de outras bandas com urn comport.mento visual mais agressivo, com violenci' , e n6s com relac;ao a eles eramos IDuito rnais radicais. o punk F. , membra da banda "Os Excomungados" e

professor de Ristoria, em um debate que participou no Centro de Cultura Social (centro Jigado aos anarquistas de Sao Paulo), decJarou que:

Os punks no Brasil , em Sao Paulo, surgem mais ou men os em 1977. Aqui eles nao surgem como movimento. Eram garotas de suburbio que ouviam a musicapunk, dos "Sex Pistols", e tin ham informac;:ao sobre 0 movimento alraVeS de jomais, de revistas e da midia em geral. A partir dai, estes garotos come~al'am a "pichar" as paredes com a palavra punk (. .. ) e isto chamou a aten,ao da imprensa no Brasil. Quem corne,ou a falar de movimento punk no Brasil foi a imprensa, a midia. Aqui 1)0 Brasil a midia, a imprensa, teve uma a,ao fundamental na caracteriza<;:ao do grupo.

52

Essas declarar;6es de F. sao confirmadas em reporta­gem publicada no "Jornal do Campus", cia Universidade de Sao Paulo, intitulada "Punks na historia", em que a sua experH!ncia e reJatada:

o movimento punk surge na vida de Falcao em 1978, quando a Rede Globo passou no Fantiistico urn video do "Sex Pistols", comentando que era uma. banda de delin­qiientes e marginais que cuspiam em reporteres e quenam bater na rainha da Inglaterra. Em 1982 viu a palavra punk escrita na parede do Carandiru. A1 ouviu 0 disco do "Sex Pistols" e disse: "Nunca m.is vou sair disto". Quanto ao anarquismo, Falcao entende esse movimento como a ~ar­quia do Seculo XX. "Leia Malatesta e adapte-o ao seculo XX". P ., 27 anos, tambem membro da banda "Os Excomun­

gados", morador da Zona Leste; com muitos ~migos e irmaos "carecas do suburbia", e vendedor de livros usa­dos e, na epoca da entrevista, cursava a Facu!dad: de Historia na Universidade de Sao Paulo. Ele tambem vlveu a periodo e critica a idda de "unidade" do movimento punk:

Tern gente que fala que nunca existill urn movimento punk. 0 que existiu Coram varlos grupos Coo.), mas urn movimento unido nunca existiu. o mesmo P., ao falar da com posir;ao inicial dos punks

e mesmo dos "carecas do subttrbio" , e de opiniao que: Sao jovens de 12 a 30 anos, ciasse media baixa, pobre e ate em alguns casos classe media. 0 jovem nao tern pr~te~ao na .lUal soci~dade . Existe a "gangue do Estado", que e muito rnais organizada, e se eles !ormam urn. gangu~ e de autodefes., autoprote<;ao. Se voce anda sozlllho, voce pode ser atacado pOl' margin.is, I?ode ser, atacado pela policia, por urn neur6tico que esta de re:,olver Coo _) e se voce tiver uma gangue, e mais dificil voce ser atacado. A gangue e uma forma de defesa, de "organizac;ao juven.il" (. .. ). Tern gente que tern segundo grau, tern gente dc fez faculdade Coo.), embora seja minoria. A maioria eu acho que tern "ginasio", mas .tem alguns que tern curSQS tecnicos Coo.). No nosso grupo ("Os Excomungados") tinlla urn vocalista que virou ' crente" C.-). Isto e Olltra forma de

53

Page 29: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

defesa C ... ). E uma outra forma de voce se defender e de organizar a sua vida. Na igreja protestame voce pertenee a urn grupo grande. E urn grupo visto como "nao agressi­vo', e uma forma de voce sobreviver (. .. ), de voce estar com a mulher do Jado, mho, de vod' arrumaruma "mosolia de vida' e ter a sua vida, sobreviver. Para serpunk, voce briga, vai em urn show C ... ). S6 que urn dia aJguem pode invocar com voce C ... ), urn "careea", por exempJo, (. .. ) e acontecer alguma coisa com voce. Agora com 0 "crente" ja nao aconteee C ... ). "Eu sou crente, vou rezar e pronto'. Os grupos de esquerda, 0 PT etc. tambem sao uma outra forma de organizac;ao, tambem e uma forma de "tribalis· mo", de entrar nuina "tribo" e se defender tambem. Assim, para P. , a gangue e uma forma de defesa ,

prote<;:iio e urn meio para se "organizar a vida" e poder sobreviver em uma sociedade, em um sistema que nao dii garantias para grande parte dos jovens. Mas, para ele, alem da gangue, oUlros "grupos" ocuparam a mesma fun<;:iio, como por exemplo a "igreja protestante" ou 0 partido politico.

1., 20 anos, outro punk, C urn jovem operario que trabalha como ajudante geral em uma industria de plasti­cos em Sao Paulo. Apesar de se declarar anarquista, frequentava as reuni6es e partidpava de atividades no Sindicato dos Plastic os de Sao Paulo, ligado na epoca a CUT. Devido a sua participa<;:ao nesse sindicato, esteve presente em confrontos contra os "carecas" durante rna· nifesta<;6es do Primeiro de Maio de 1989 e 1990. Para ele:

Quando voce pertence a urn grupo punk au "careea' C··.), voce gosta de determinadas eoisas, tem seus amigos C .. ) e quer ser diferente. E falar que voce nao gosta de futebol au novela e uma forma de ser "diferente'. A imprensa "vende" a ideia de que a brasileiro ad ora 0 tutebol C ... ) e eles nao dao importancia. Acredito que este e 0 motivo por que os punks e os "eareeas', no Brasil, "falam' que nao gostam de futebo!. Mais ou menos no inicio de 1982, algumas gangues

punks que circulavam no ABC paulista enos suburbios distantes da Zona Leste comec;:aram a assumir 0 nome de "carecas do suburbio".

54

Relatos de punks reconstroem 0 convivio que tive­ram com os primeiros "qrecas do suburbio ". Este fOi, por exemplo, 0 caso de A.C.:

o primeiro "careea do suburbio" eo T., ha dez anos atras (mais Oll menos 1981), ele ja era "careea". Na epoca s6 tinha 0 T., que era punk mas andava eareea, de cabec;:a raspada , e era s6. Depois surgem os "careeas do suburbio" , urn pessoal do fundiio da Zona Leste, e depois se iuntam com os "careeas" do ABC. Os "careeas" cram fortes e eles eram tao fortes que para niio "aeabar" com 0 baile , etes eram chamados para "fazer a seguranc;a" do baile ( ... ). A nossa rela<;ao com os "careeas" comec;:ou no dia em que ocorreu uma grande briga entre a gente e os punks da cidade (punks cia city) C ... ). OS "carccas" licaram do nosso lado e, a partir dal , eomec;:amos a proeurar os "eareeas' e a proeurar mais os punks do ABC do que os punks da eidade. Ha dez anos atras 0 movimento punk iii tinha diferenc;:as C.-). A gente tinha a nossa direita , a nossa esquerda, tinha a massa que era manobrada C .. ) e as "careeas", dentro do movimento punk, eram ia, naquela epoc., os nossos neonazistas. Mas 0 gmpo majoritario Cos punks), nao se opuseram a eles, e eles se tornaram uma grande for<;3, a maior forc;:a dentro do movimento ( ... ). 0 movimento punk niio se opos por causa d.s amiz.des ( ... ). o interessante e que com 0 fim da richa entre 0 ABC e a cidade (city), os "earecas" e os pequenos empresarios punks se fortaleeeram. Naquela epoca ia tinha existido duas tentativas para acabar com as brigas C .. ) e a gente fazia uma analise de que as fitas do ABC nao eram tocadas na cidade e vice-versa C ... ), os caras da cidade nao iam para 0

ABC. Na epoea, as bandas 0 C61era , Os Inocentes, Lixoma· nia etc., estavam tentando acabar com as riehas ( ... ). 0 outro gmpo que proeurava era 0 M. dos Garotos Padres (banda muito ouvida pelos "carecas '') C- .. ). Come<;:.ram a oeorrer reuni6es C ... ) e para n6s C ... ) a luta tinha chegado • urn ponto que est.va morrendo gente. A1 a gente falou que a gente queria se unir e os punks que nao queriam se unir era 0 pessoal da Carolina Punk C ... ). Um dos motivos e que urn cara do grupo tinha sido morto em uma das brigas. as "eareeas" se beneficiaram com 0 fim da richa , pois toda a moc;ada da epoca se identificava com os "care· cas" C ... )- Os "carecas" eram muito mais fortes. Uma vez eu

55

Page 30: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

i ~ :

conversei com 0 Claudinho e de me disse que os "carecas" sao irmaos. Se a gente tiver que matar, a gente mata; se tiver que morrer, a gente morre C .. ). E tudo irmao (. .. ). Ai nao era mais a Gangue da Zona Leste C ... ). A grande gangue de Sao Paulo eram os "carecas do suburbio". Quando tinha urn show no saBio, eles alugavam um caminhao C ... ). Era engra<;ado, po is tinha bandeira do Brasil, da Inglaterra. Tinha urn livro ingles sobre os skinheads (e a livro "Ski· nhead" de Nick Knight), e aquele livro era a carti/h. dos "carecas" brasileiros ha uns cinco ou seis anos atras. o entrevistado afirma que as punkS do suburbio, no

i11icio, nao se opuseram aos "carecas" por causa das "amizades". Contudo, pode-se no tar que, alem das "ami­zades", havia alian"as entre eles contra as punks da cidade.

o punk S., membra da banda "Os Excomungados", que pertencia a urn grupo de punks e que tinha se formado em fins de 1981 no CRUSP, na USP, relatou-me a impressao que teve dos "carecas";

No comeo;:o, punks e "carecas" andavam juntos C ... ). No inieiotinhapouco "careea" C ... ). No ABC era mais forte C ... ). Oepois de 1983 foi aumentando ( ... ). Come~ou uma div;­sao entre 0 pessoal mais moralista e 0 pessoal mais anar­quista. Os mais moralistas gostava!'l de andar de eotueno, que falavam temos que formar tropas pra combater, temos que derrotar eles. Os "careeas" cram uma eoncepo;:ao mais proletaria, mais crassa da coisa C ... ). E urn pessoaJ rnais fechado C ... ), adeptos de uma moral diferente, que as meninas deviam ter urn cara so, casar etc. e os punkS nao estavam nem ai, com uma preocupa~ao rnais estetica, anarquista. Os "carecas", eles fumavam (maconha), de­pois veio se dizer que eles nao fumavam, nao bebiam, mas faziam isto escondido. Em 1982 0 pessoal andava junto (. .. ). Depois teve rivalidades, brigas e mortes, mas isto nao quer dizer que eventualmente nao podiam andar juntos ( ... ). Alguns grupos se radicalizavam, outros nao era tanto assirn .O que tinha na verdade era uma briga entre regioes. Tinha 0 pessoal da Zona Norte e 0 pessoal da Zona Leste, que depois se assumiramcomo,os "carecas do suburbio". Na Zona Leste parece que tern aquela coisa ma;s tradicio· nal C ... ). Sao filhos de operarios C ... ). Voce leu aqueles

56

joen"is anarquistas do inicio clo seculo? N ossas Hilus nao deviam ir ao baile! Nossos mhos nao clevem beber' (. .. ) Coisa de moral rnais prolttaria. Talvez pOl' viver em urn contexto de rebeldia, de

crltica aos valores e it moral vigente, de contestac;ao social e politica, como era, prineipalmente na epoca, 0 CRUSP, eie considera os "ca~ecas" moralistas, tradicio­nais , filhos de operarios que assumiam uma moral prole­taria.

Ainda segundo S., Os "carecas" surgem em todos os lugares, mas vao se agrupar na Zona Leste, no ABC. No ABC, 0 movimcnto "careca" e mais velho e as pequenas brigas sao entre ABC e Sao Paulo. Na Zona Leste tambi'm tern indllstrias, sao filhos de operarios. E a Zona Norte e urn bain'o on de tem muit. policia e muito bandido C ... ). 0 pessoal desl. zona, muitas gangues gostavam de roubar jaquem, quando 0 cara estava sozinho ( ... ). Os "carecas" na Zona Leste nao faziam isto de roubar coisas ( ... ) e a Zona Norte e aquela, logo 11. saida tern a Rota C .. .) depois rem a Oeten~ao, 0 Barra Blanco, depois urn QUllrtel da P.M. C ... )· E uma regHio reacionar;a ( ... ). E os punks estao inseridos quase como uma reao;:ao ao meio ( .. . ). Nao e que todos os punks d.a Zona Norte ten ham essas caracteristicas, mas tinlla gangue que voce tinha medo de encontrar sozinho na fila , se voce estava com tenis bonito. Os dois gmpos (punks e "care· cas") sao violentos C .. ), mas existem difereno;:as entre eles (. .. ). Os ·careeas" sao pobres, e urn pessoal da Zona Leste, sao filhos de operarios C ... ). Agora jit tern ate academias (de muscula~ao, de lutas marcials) que d es freqiienram (. .. ), fazem reuni iio secreta ( .. . ), ji, malaram gente ( ... ) , mas quem da 0 direcionamento do grupo e uma minoria . Assim, para 5. , os dois grupos eram violemos, mas ele

estabelece aJgumas diferenc;as entre eles, destacando-se a origem operaria dos "careeas" , a regiao onde moravarn, a enfase no fisico e a forma de sua organizac;ao, que, conforrne eie, promovia "reunioes secretas" e cui a dire· <;:ao pertencia a uns poucos.

Todos esses depoimentos sao significativos de urn determinado momento que foi intensamente vivid 0 ,

57

Page 31: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

pois, atraves deles , podemos perceber nao apenas a eonsti tui<;ao dos punks, mas tambem a visao e as rela<;6es que eles tiveram com as primeiras gangues punks que passaram a se assumir eomo "carecas do suburbio" e que foram, paulatinamente, aprofundando suas diferen<;as e se constituindo autonomamente.

Estes depoimentos tam bern revelam·se fecundos pois i1ustram, em parte, urn periodo hist6rico que foi enfo~a­do em estudos existentes sobre os punks em nosso pals. Portanto, e estrategieo que 1evernos em considera<;ao algumas dessas analises.

2. A constru<;ao de urn movimento

Os trabalhos academicos dedicados ao movimento punk no Brasil sao escassos, enquanto que sao inexisten· tes, quando se trata dos "carecas do suburbio". Em nosso pais , as pesquisas sobre os punks come<;aram a ser pro· duzidas a partir de 1982.]a com rela<;ao aos skinheads e posteriormente nos "careeas" foi inicialmente a imprensa que neles encontrou urn filao feeundo para estabelecer uma serie de polemicas e apontar contradi<;6es que per· mearam este periodo e que inclusive envolviam os punks.

Em 1981, os conflitos urbanos ocorridos na Inglater· ra, em julho, alcan<;aram as manchetes, acusando·se os skinheads de os terem deflagrado. Esse foi 0 caso da revista "Time"?, com a materia" Anger in the Streets ", na qual os skinheads sao taxados de racistas e se fala tam· bern da amea<;a causada no futebol pelos hooligans, colocando·se como grande pano de fun do problemas s6cio·econ6micos da Inglaterra e a politica econ6mica de Margareth Thatcher. Esse artigo constava dos arquivos de urn punk e de urn "careca do suburbio ", entrevistados por mim, que rnoravam na Zona Leste de_ Sao Paulo e editavam fanzines, 0 que mostra a clrcula<;ao desse tlPO de reportagem entre os diferentes grupos.

58

Urn outro artigo que focalizou os acidentes que ocor­reram em Londres e que circulou entre punks e "care­cas", fOi 0 publicado na revista "lstoE"', "0 Rock e de Direita?", de Ana Maria Baiana, que nos apresenta novos ingredientes para esse debate, aflrtllando que:

A liga"ao politica-musica e tao clara e natural na contur­bada Gra·Bretanha quanta melindros. e complicada no Brasil de hoje. A ruptura punk tem muito a ver com !sso: talvez nao tenha sido a primeira, mas foi a ocasiao mais violenta de confronto entre 0 que a musica aparentava ser - entretenimento, diversao - e 0 que realmente era apazi­guamento, manipulac;ao C ... ). Quanto it direita, ela estii melhor representada pelo que a imprcnsa costuma chamar os grupos de anfetamina ou skinheads, por causa de suas cabe"as quase raspadas (. .. ). Inicialmerue uma for"a cega de revolta juvenit - tam bern mo,os e desempregados como todos os outros produtores / consumidores de mu· sica - ocupada em dan<;ar violentamente no compasso de tres ou quatro acordes, os skinheads se tornaram presa ficit de manipula<;ao dos partidos de extrema-direita, no· tad.mente como uma tropa de choque. Foram as provoca· <;6es de urn conjunto de skinheads, as "Four Skins", num clube predominantemcntc a'sHitico de Londres, que defla­graram as duas semanas de choques raciais no ultimo mes de julho. Podemos aHrmar ainda que, no Brasil, 0 ano de 1981,

alem de marc.r a difusao do "Punk not dead" e dos conflitos em Southall, tambem se notabilizou Pela pro­moc;;ao, atraves da imprensa nacional, de uma grande polemica a respeito do new wave, que explodiu com a denuncia de que este seria 0 nome usado pelo punk para veneer 0 boicote dos meios de comunica<;ao e que, atraves dele, a industria do disco teria encontradoum dos caminhos para veneer a recessao. Em toda parte, noti· ciou-se 0 surgimento de clubes new wave e a cria<;ao de urn "comportamento" que se espalhou na arte, na rnusica e na moda. No Brasil, ele teria chegado atraves de Sao Paulo, via Nelson Mota e 0 Paulieda Desvairada.

Enquanto na 1nglaterra jii surgia urn movirnento de retomada do punk e os conflicos explodiam, no Brasil, a

59

Page 32: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

problematica do new wave e da comercializa~ao do punk e que se constitulam como a "nova onda" que tomava os centros urbanos. Significativamente, nos su­burbios da cidade de Sao Paulo, em fms de 1981 e inicio de 1982, os "carecas do suburbio" come~aram a se forta­lecer enquanto uma ala radical do punk que se opunha ao new wave, it transforma~ao das roupas e artigos para serem vendidos em lojas e boutiques e que, principal­mente, tentava reafirmar do punk, exatamente aqueles valores e posturas que acreditavam fazer sentido em rela~ao it realidade em que viviam. Foi al que a imagem projetada pela sociedade, dos skinheads encontrou, cada vez mais, urn terreno fecundo, exatamente pelo seu carater de violencia, de transgressao e de crltica.

No Brasil, entre as primeiras aniilises academicas temos a de Janice Caiafa', que acompanhou ospunks do Rio de Janeiro entre 1983 a 1984. Nesse trabalho, a autora confirma 0 que observamos a respeito das primeiras informa~6es sobre 0 movimento punk eucopeu trazidas ao BraSil. Ele conflfma tambem a chegada, em 1981, das informa~6es sobre a retomada do punk europeu, atraves do movimento "Oi!" Observamos ainda que , com a pu­b1ica~ao dos primeiros fanzines em 1982, todos esses fatos foram discutidos e debatidos.

Caiafa assinala que, em 1982, no Rio de Janeiro, com a reativar;ao do rock e sua banalizar;ao atraves do new wave, os punks dos suburbios lan~aram 0 seu brado de revolta e de desobedlencia. 0 new wave, segundo a autora, apontava para a possibilidade da assimila~ao do punk pela moda, pela mldia, e para sua morte: "e a despreocupa~ao e a diversao, numa ausencia total de questionamento, ao aproveitar tudo 0 que a sociedade investe e divulga, sen do a music a do consumo por exce­lencia c. .. ). Era 0 som que tocava na Rio-Wave, onde muicos punks iam dan~ar, salvo 0 pessoal do suburbio mesmo"lO. Quanto aos skinheads, Caiafa afirma que, no Brasil, eles ainda nao existiriam enquanto movimento. Todavia, nos suburbios paulistas, desde 1981/82, os "ca-

60

recas do suburbio" jii tinham comer;ado a elaborar as suas "diferen~as" com os punks, conforme nossa pesquisa atesta.

o trabalho de Caiafa atraiu a aten~ao da imprensa, como por exemplo do "Jornal do Brasil ,,11 , que publicou a materia "Punks do Rio - Escondidos, mas so por en­quanto", na qual ela e entrevistada e aponta alguns cles· dobramentos do punk no Rio de Janeiro:

(. .. ) Durante sua existencia, 0 movimento sofreu diversas crises internas. Em certa medida, das obedeciam ao rirmo das transforma~6es no movimento punk internacional, mas tinham algumas especificidades tipicamente locais c. .. ). Com a segunda crise do movimento europeu, em 1984, os punks cariocas racharam irremediavelmente. E 0

racha refletiu·se numa tensao interna presente desde os primordios do movimento; entre os punks da Zona Oeste, de Caxias e dos suburbios mais distantes e os punks da Tijuca e do centro da cidade. Nessas colocar;6es encontramos referencias as clife­

rencia~6es que ocorreram em 1984, entre os punkS clo Rio de Janeiro. S6 que estas estiveram anteriormente presentes em Sao Paulo em 1982, e cuj' conseqiiencia foi 0 fonalecimento dos "carecas do subtlrbio" nas peri· ferias e suburbios paulistas.

Outco trabalho a respeito dos punkS bnlsileiros foi 0

de Antonio Bivar, no livro "0 que e Punk"", publicaclo em 1982, que se tornou leimra assidua entre os punks e os "carecas", no qual 0 autor tambem aponta 0 an? de 1977 como 0 da chegacla do punk a Sao Paulo, atraves cia iin prensa e dos discos:

A "Revista Pop" (Editora Abril) publica uma foto de dois pivetes armados, com uma legend. dizendo que os deliS garatos sao membras do primeiro grupo punk de Sao Paulo. Nome do gmpo, segundo a Pop: Os FUllas cia Crise. Esse gmpo, claro, nunc> existill. E pura ficC;iio da revista para dar a impressiio de que tambem 0 arrigo genuino est. comec;ando a aparecer. E realmente eSt •. 56 que ninguem da Pop, nem da imprensa em gem), sabe onde os punks de Sao Paulo se ,retmem. 0 numero e poueo representativo

61

Page 33: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

C ... ), mas deles s6 se romara conhecimento em 1982! Ai, sim, em numero bastante relevante ( ... ). Depois que a imprensa parou de noticiar e 0 punk deixou de ter 0

charme do modismo, 0 movimento [oi crescendo natural· mente, nos suburbios C .. .). Se for perguntano aos }Junks qual e a mensagem do movimento, eJes responderao com palavras de manifesto que: 0 punk surgiu numa epoca de crise e desemprego, e com tal for~a , que logo espaUlou·se pelo mundo C ... ). OS punks nao consideram 0 movimento uma coisa nadonalista Cou nacionalizante) mas internacio· nal". Ao descrever urn show ocorrido em 1982, no salao

Beta, na Pontificia Universidade Cat6lica de Sao Paulo, Bivar ressalta apenas a presen~a dos punks do ABC, os "careeas do suburbio". Quanta aas skinheads da lngla· terra, Bivar relata as questoes que envolviam 0 "Oil" e os conflitos ocorridos.

A partir desse livro, Bivar passou a ser entrevistado, escreveu artigos sobre os punks e ate passou a emitir opiniao sobre os skinheads, quando em uma reportagem pubJicada no jornal "0 Globo"", incitulada "Os Punks invadem Sao Paulo", afirma que:

Parece que a violencia musical corresponde ao conlporta· mento dos punks. 0 Teatro Lira Paulista, urn reduro da musica independente da cidade, foi obrigado a suspender, em meados do ano passado, a temporada do grupo Vermi· nose, new wave, genero do qual os punks desgostam radicalmente. A reportagem cita ainda que no SESe Pompeia urn

grande conflito entre os belicosos Ratos do Por~o e os "earecas do suburbio" com outras gangues da area do ABC quase degenerou em grave conflito, de~o!s da. ~io. lenta intervenc;ao da tropa de choque da pohcla mllitar C .. ·)·

A lnglaterra e 0 pais modelo do movimento punk. Segundo Bivar, assiduo freqiientador das rodas punk, a tendencia e a crescente conscientizac;ao do movimento quanto ii realidade social na Inglaterra, lembra ete. ,?s grupos mais radicais como os skinheads, que eram raCls·

62

tas, hoje estao lado a lado com negros e outras minorias etnicas e sociais.

Em artlgo anterior, Bivar" deixou bern claro as dife· renc;as que percebia no interior do movimento punk, dizendo que:

Olhando mais de perto, 0 observador percebeci que entre os punks existem varios arquetipos, entre eJes, os gara· nhoes. Sao conquistadores, briguentos. Para estes, a vida sem treta (briga, luta, ser e impor·se atraves da violencia) nao tern gra~a C ... ). No movimento encontram·se tambem os viindalos, de mentalidade troglodita, destroem scm motivo, pelo simples prazer de destruir C ... ). Representam urn pequeno numero, mas, pelos danos que causam, che· gam muitas ve'zes a comprometer seriamente 0 movimen· to e ate mesmo a eonfundir as pessoas, levando·as a pensar que todos os punks sao viindalos C ... ). Felizmente a ala dos punks conscientes, estes sao mais politizados, cons ide· ram·se socialistas e ereem que com 0 uso da inteligeneia e da razao, no final eonseguirao ajustar as contas com os desonestos e derrubar 0 sistema. Entre os conscientes, quase todos eonsideram os vandalos falsos punks. Mas estes talvez nao sejam falsos. Todos, a seu modo, fazem parte de urn mesma movimcnto. Assim como nas melhorcs familias encontram·se as ovelhas negras, aqui os punks nao fogem a regra. Assim, Bivar, de forma valarativa, divide os punks

entre os vandalos, trogloditas que destroem peto prazer de destruir, e os punks conscientes, politizados. Essa divisao tambem esteve presente em 1982 nos primeiros fanzines punks, como veremos no pr6ximo capitulo, e ja refletia uma preocupac;ao de construir urn movimento punk que estivesse afastado de posturas que pudessem ser identificadas como de vioiencia, agressao, destruic;ao etc.

Enquanto isso, a imprensa nacional continuava noli· ciando e analisando os skinheads, que surgiam, princi· palmente, nas revistas de rock, como temas de reporta· gens. Este foi 0 caso, por exemplo, da revista "Pipoca Moderna"", que publicou urn artiga de]ose Emilio Ron· deau, intitulado "A cor e as tribos musicais", que tambem

63

Page 34: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

consta,va do arguivo de urn punk entrevistado e que, pelas ,infonna~oes obtidas, na epoca, havia circulado tambem entre os "carecas"

Para 0 jornalista,

( ... ) com 0 crescimento do desemprego n. Inglaterra _ estlma·se que ate 1985, 68% dos men ores de 19 anos estao sem ~ra~a.lli~ - s~biu proporcionalmente 0 desagrado em ~ela\;.ao a unlgra.~ao de negros e aSiaticos. Surgiu, entaD, 0

NattOnal Front , uma organiza\;ao politica nos moldes do nazlsmo, que logo ganhou 0 apoio dos skinheads brttani. cos,. a mais arruaceira, radical e violenta posi\;ao do rock Ingles. A mesela dos dOis grupos foi tao bem sucedida que originou urn terceiro, 0 movimento "Oi!" que grosso modo, Com?ati~ os imigrantes e toda cultura que 'carrega­va.m. Seu pnmelro confronto com a comunidade imigrante fOl em Southall, em 1979, quando uma reuniao do "Natio­nal Fro.nt" ocasionou uma demonstra\;ao antinazista e, consequ~ntemenle, uma pancadaria entre as duas partes. Mas 0 plOr ocorreu urn anD depois, no mesmo lugar, ~u~~te urn sh?wdo grupo "Four Skins", do movimemo .01. Southall e uma comunidade de predominancia asHi.

Ilca ~, por prov~ca~iio, desembarcaram para 0 concerto mult,does d,e skmheads. A cidade virou urn campo de batalha. Apos ~m tntenso repudio aD "Oi!" (aprovado ~esd~ sua Cria\;.~o. !lelo jornal de musica "Sounds") e a~ NattOnal Front, ate meSmo a Familia Real tomou a defesa

de negros e aSiaticos. Hi poucos meses, a prinCipe Charles premlou um grupo de reggae, 0 Unity, como urn dos melliores novos talentos surgidos n. Inglaterra. E, atraves ~os anos, a grande predominanCia no melo musical ingles e de grupos multi·raciais.

Contudo, como veremos no pr6xuno capitulo fanzi­nes que foram produzidos em 1982 e inicio dd 1983 procuraram . fornecer uma versao diferente a respeito desses cOnfutos, na qual os skins afirmavam que nao era v~rdade que fossem racistas e nazistas "e que tais acusa­~oes eram frum das posi~5es que assumiam em suas lutas contra a crise e 0 desemprego.

. ]ornais e revistas editados no Brasil, ap6s 1982, pau­latmamente passaram a focalizar e comparar punks e

64

skinheads, procurando levantar suas caracteristicas, di­feren~as e posturas politicas. Varlos desses artigos eram lidos pOl' punks e "carecas" e assim, atraves deles, os pruneiros "carecas do suburbio" tiveram no~ao do espa­~o dado aDs skinheads e tiveram acesso a diferentes posi<;5es sobre eles e a forma como eram criticados pe1a sociedade. Mas tambem existiam outras fontes e canais de infonnac;oes. Os fanzines ocuparam urn pape! impor­tante nesse debate e divulga~ao. Assim, a imagem produ­Zida e projetada dos skinheads variava: por urn lado, a de serem violentos, racistas, nazistas; e, de outro, a de serem arruaceiros, violentos, debochados, mas nao racistas, nao nazistas, alem do que preocupados com 0 trabalhador e seus destinos.

Alem das pubHca<;6es brasileiras, revistas estrangei· ras com materias sobre as diversas gangues ou tribos existentes na Europa, particularmente na Inglaterra, con­tinuaram a chegar ao BraSil. A revista "Time"'? publicou em 1983 urn extenso artigo intittllado "The Tribes of Britain", que circulou em Sao Paulo entre punks e "care­cas", no qual foram apresentadas as diversas "tribos Uf­

banas " existentes na Inglaterra e, entre elas, as dos punks e as dos skins. "

Assim, como a im prensa tl'azia as infonna<;5es sobre os skinheads e outros grupos existentes, alguns de meus entrevistados recolhiam cuidadosamente esse material, buscavam tambem informa~5es contrarias as colhidas e utilizavam-nas nos fanzines, divulgando-as e debatendo­as entre os amigos.

Urn outro trabalho que analisa ospunks na cidade de Sao Paulo - "Absurdo da Realidade: 0 movimentoPunk" -, foipublicado em junho de 1983 e e de autoria de Heder CHiudio Augusto de Souza e Helenrose Aparecida da Silva Pedroso'S.

Ao analisar 0 movimento punk, os autores apontam que a sua pruneira fase na regiao metropolitana de Sao Paulo, em torno de 1978179, caracterizava·se pela diver· sidade, por nao haver uma estrutura organizada, e sim

65

Page 35: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

multiplicidade de gangues e pela forte presen<;a de urn niilismo destruidor de valores sociais. Inicialmente, se­gundo os autores, na regiiio metropolitana, 0 punk carne­terizou-se por ser 0 "violento", 0 "antiburgues", os "sem-futuro", anti-hippie, 0 antirnoda, com urn "visual" sujo, rasgado e escrachado e com uma organiza<;ao de gangue.

Mas, ainda segundo Souza e Pedroso, gradativamen­te, come<;ou a se firmar a ideia da forma<;:ao de urn movimento , tendo por base a ideia de anarquia e adqui­rindo uma "linguagem definida, coerente, que pudesse explicitar sua postura frente ao sistema, ou melhor, dan­do razoes explicitas para a sua rebeldia e objetivando como inimigo 0 sistema. Essa postura foi-se consolidando e tornando·se dominante em Sao Paulo", tendo as bandas punks ex.istentes na epoca se destacado como suas pre· cursoras , com 0 abandono do aspecto mais "violento" e com a absor<;:ao de algumas ideias do new punk ingles .

Assim, as principais ideias que alguns grupos, bandas e fanzines passaram a disseminar foram: 0 punk nao estava morto ("Punk n o t Dead"); a anarquia nao era sinonimo de bagunc;:a, destruic;:ao, desordem, e sill atitu­de politica consciente, que visaria uma participa<;ao atra­ves do movimento punk - a violencia do punk esta no "visual" (roupas, simbolos, aderec;:os etc.), na musica e nao na agressao fisica, na violencia; 0 visual sofre mudan· <;as, trocando·se 0 simbolo da suastica nazista pelo "A" de anarquia; a ado<;:ao de uma linguagem "teorica" e "obje· tiva" e 0 incentive a leituras de textos anarquistas.

Ainda segundo Souza e Pedroso, C ... ) se antes a estrutura de relac;:5es era baseada na forma­"ao de gangues, agora se baseia na formac;:ao de bandas e na realizac;:ao de shows C ... ). A nao formac;:ao de gangues e o processo de uniao para a consolidac;:ao de urn movimento provocou uma certa homogeneizac;:ao dos ideais entre os punks de Sao Paulo, formando urn unico grupo: 0 pessoal da city. Os punks do ABC, mamendo·se Jigados a postura original, tinham freqiientemente atritos com as gangues OU individuos da cidade de Sao Paulo, mas com 0 processo de

66

""., do. P""'" d, ,;, "'"'" =,,~'" 00=:' , 1 ... ganhar urn car-Iter de choque entre regioes e nao guerra I de gangues: 0 pessoal da city, preocupado em organizar 0 I movimento, via no ABC uma postura inconciliave\ com ele I pelo seu aspecto violento e por ter uma estrutura baseada na forma~ao de gangues, e os punks do ABC se mostravam hostis a certos grupos de Sao Paulo que se consideravam donas do territorio (pontos de encontro e salOes) e repu· diavam a presenc;:a deles nesses mesmos locais. Assim, nota·se 0 esboc;:o de urn processo de definic;:ao de duas posturas diferenciadas, que vai culminar na guerra entre Sao Paulo e ABC C .. .). Quanto a Zona Leste, as gangues nao tomaram partido de imediato n. guerra entre Sao Paulo e ABC C.). Com a consolida~ao da postura de Sao Paulo assumindo novos valores, as velhas rix.s com alguns gru· pas e sua semelhanc;:a nas atitudes e iddas com 0 ABC, as gangues da Zona Leste se aliaram as gangues do ABC, estabelecendo liga<;:oes entre elas e assumindo 0 suburbio como seu territorio C ... ). Houve tentativ.s de uniao entre Sao Paulo e ABC atraves da re.lizac;:ao de shows com bandas de ambos os territorios, mas novamente acontece· ram atritos, demonstrando a II1compatibilidade de convi· vencia das posturas antagonicas. Sao Paulo acusava os punks do ABC de vandaJos e troglodltas (pur lerell1 um visual mais escrachado e darem maior valor;l agitac;:ao nas atitudes).Ja 0 ABC provocava os punks da city ehamando· os de nl?W wave e .cusando·os de terem se aburguesado, dando urn sentido pejorativo Ii expressao punk da city". Uninda·se os varios elementos levantados, pode·se

dizer que, mais ou menos em 1981, come<;:ou a oeorrer uma diferencia<;:ao entre os punks do ABC e os da Zona Leste, de urn lado, e, de outro, ospunks da cidade, ou da City. As earacteristicas do ABC e da Zona Leste eram as gangues com urn forte individualismo, um niilismo e violencia. ]a os punks da cidade, mais ou menos em sintoni. com as transformac;:oes do punk no cenario internacional, atraves d. atua<;:ao de suas bandas e da realizac;:ao de shows, centram·se na idCia de construir urn movimento baseando·se na ideia de anarquia, nao em sua vertente de destruic;:ao popularizad. pelos "Sex Pistols", mas na de constrw;:ao de uma nova sociedade e com

67

Page 36: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

r ' ligac;6e~ com propostas e concepc;6es defendidas peIos anarqUJstas.

. Em 1976, os "Sex Pistols" gravaram "Anarchy in the UK" (Anar<],u.ia no Reino Unido), uma das suas mais famosas mUSICaS que se tornou porta-voz dos punks naquele periodo, Essa lerra afirmava que:

Eu sou urn Anticristo Eu sou urn anarquista Nao sei 0 que quero Mas sei como consegui-!o Eu quero ser anarquia - e nao urn cao E eu quero ser anarquia E eu quero ser anarquia - entenda 0 que digo Porque quero ser urn anarquista - me defender _ Destruir.

Urn dos membros do "Sex Pistols", Johnny Rotten, d~rante as suas apresentac;6es gritava para a plateia: "Nos nao estamos interessados em musica e sim em caos!" Como reforc;o, ospunks, naque1e momento, apontavam que urn dos expoentes do anarquismo, Malatesta, dizia que ele ,e os seus co~panheiros nao queriam 0 anarqulS­rna e Slm a anarqula, Naturalmente que estes punks trabalhavam com essa afirmac;ao de Malatesta fora de seu contexto ~riginal, com 0 prop6sito de reforc;ar 0 sentido de anarqUJa populanzada na letra da musica dos "Sex Pist~ls", Ji em ~982 a preocupac;ao dospunks da cidade de Sao Paulo fOI ~m retrabalhar 0 sentido de anarqula em uma nova dlrec;ao que estivesse longe da ideia de caos d~ des,truic;ao,. de desordem, de bagunc;a, Procurou-s~ difundlr uma hnguagem mais teorica, a 'partir da leitura de textos anarquistas, posicionando-se contra as guerras as drogas, a violencia, e procurando-se assumir um~ p,ostura politica de contesta<;:ao contra 0 Estado e 0 SIStema,

Nas entrevistas com punks do suburbio, estes mos­trara~ que pelo menos uma parcela deles, originalmen. te, tlll,ha diferenciac;6es com os grupos da "cidade", P?stenormente, passou a ~ssumir essas ultimas concep. qoes, Para tanto, a atuaqao de alguns fanzines foi de

68

grande importancia, Nos relatos anteriormente apresen· tados, esta evidente que, apos 1984, com 0 fim da "guer· ra" entre 0 suburbio e a cidade, os pequenos empresarios punks que comercializavam fitas, diSCOS, camisetas etc" as bandas e os "carecas do suburbia" sairam fortalecidos, Os empresarios foram beneficiados, porque os seus pro· dutos puderam circular com mais liberdade entre as regi6es da cidade, As bandas, porque puderam toear com mais liberdade e tiveram ampJiado 0 seu publico, )a as "carecas" passaram a ser tidos como as mais fortes, as mais violentos e, par serem os mais organizados, of ere­ciam mais protec;ao, A grande gangue de Sao Paulo pas· sou a ser ados "carecas do suburbio".

Por outro lado, uma serie de contradic;6es e acusa· c;6es passaram a atingir uma parcela dos punks, de terem sido articulados pela midia , aderido ao new wave, de terem se aburguesado, Nessa epoca, os fanzines, que comec;aram a se multiplicar a partir de 1982, passaram a ocupar urn papel importante enquanto divulgadores das polemicas, das contradic;6es existentes entre os punks e os "carecas do Subllrbio" e, inclusive, enquanto agentes de redefinic;iio e reelaborac;ao de novas posturas,

As acusa<;:6es mencionadas partiam dos punks clo ABC e da Zona Leste contra os cia cidade e foi exatamente na mesma Zona Leste e ABC que come<;:aram a se formar os primeiros nucleos de "careeas do suburbio", Quanto aos punks da cidade, eJes passaram a taxar os do ABC e da Zona Leste de violencos, trog]oditas, vandalos etc, E, natura]mente, essas acusac;6es tam bern atingiam os "ca· reeas do suburbio",

Atraves da analise de jomais e revistas publieados nesta epoca, percebemos que, com relac;ao aos punks nacionais, a atitude da imprensa variou de uma atitude de descredito, para uma de preocupac;ao, No periodo de 1977 a 1981, a imagem multifacetada que a imprensa elaborou deles oscilou entre a ideia de eles terem sido incorporados pela midia, pela industria da moda e as acusac;6es de simpatias com 0 nazismo, 0 uso de drogas,

69

Page 37: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

a adoc;:ao de urn niJlismo violento, anarquico etc. Ja os skinheads ingleses, principalmente apos os dlsturbios raciais que ocorreram em julho de 1981 na IngJaterra, passaram a ter, pelo 'menos para varios jornais e revistas, uma imagem de radicalidade, de violcncia, de ligac;:6es com a extrema·direita, culpando-se a banda "Four Skins" de ter side a causa dora dos conflitos na IngJaterra.

Em 1982', alguns punks Jigados as bandas e fanzines, preocupados em divulgar as concepc;:5es do movimento punk, comec;:aram a lanc;:ar uma contrao()fensiva com relac;:ao a imagem que tinham frente a imprensa e a sociedade, afirmando que eram urn "movimento de jo· yens conscientes", com posturas anarquistas e de com· bate ao Estado.

Ao mesmo tempo, e em oposic;:ao a todo esse proces· so, alguns punkS, provenientes da Zona Leste e do ABC paulista, assumiram gradativamente a denominac;:ao de "carecas do suburbio" e , paulatinamente, passaram a falar do "movimento dos care cas do suburbio".

as nucleos iniciais de "carecas do suburbio" VaG aparecer exatamente naquelas zonas da Grande Sao Pau· 10 que estavam envolvidas na famosa "guerra entre reo gioes". Ao nivel do discurso e atraves de ac;:5es e atitudes, eles comec;:aram a construir 0 movimento "careca do suburbio", 0 qual se oporia aqueles que teriam "traido" a verdadeira identidade punk. au melhor, aquela parcela de punks que passaram a assumir uma linguagem mais teorizada, de negac;:ao a violencia, menos "radicais" e, portamo, mais "digeriveis" para 0 conjunto da popula· c;:[o. Gradativamente, os "carecas" passaram a se identifi· car com os skinheads ingleses, exatamente devido a sua conotac;:ao de radicaJidade, de nao aceitac;:iio por parte do sistema e de oposic;:iio aos punks. Mas tam bern ocorreu uma identificac;:ao com algumas das caracteristicas dos skinheads, como com a origem de classe, 0 nacionalis­mo, a defesa dos explol'ados e desempregados e as criti·

70

' j

'cas a politica econ6mica posta em pratica pelo Estado e o uso da violencia,

as futuros "carecas" eram jovens pobres, proletariza· dos, tinham que trabalhar para sobreviver, organizavam· se em gangues e auto·afirmavam-se atraves da violencia, estando mais proximos a muitas das caracteristicas ini· ciais do punk no Brasil. Ao mesmo tempo, expressavam varios dos valores tipicos dos trabalhadores de um modo geral, como a busca da dignidade no trabalho, 0 respeito, o reconhecimento social, aiem de assumirem, freqiiente· mente, posturas moralistas e nacionalistas. Pertenciam, principalmente, a uma camada SOCial que se via em posic;:ao de fragilidade frente a crise econ6mica, de insta· bilidade e de "lumpenizac;iio",

Assim, ao mesmo tempo em que uma parcela dos punks estava preocupada em "construir" urn movimen· to, os "carecas" tambem passam a falar disso, buscando constituir uma imagem de aJgo serio, de urn estilo de vida, representando·se como jovens de origem proletaria, for· tes, violentos, do mesmo modo como a sociedade era "violenta"; nacionalistas, conscientes, preocupados com os "destinos do Brasil", nao·alienados e sem vieios. Tam­bern no nivel do discurso e das representac;5es, tentaram afastar-se dos punks considerados alienados, que tinham sido incorporados pelo sistema e so estavam preocupa· dos em consumir e comprar, e cuja bandeira de "anar· quia" tinha virado moda, bagunc;a.

E provavel que 0 intuito de construir urn movimento punk expressasse uma tentativa de elaborac;:iio de uma etica e de uma moral, uma busca de coerencia e de significado que justificasse e orientasse as ac;:6es e as condutas e, ao mesmo tempo, uma tentativa de legitima· los pe~nte parcelas da sociedade, ao se contraporem a "conduta de gangue". Como Eisenstadt definiu a 'gangue, "as atividades de seus membros sao geralmente dirigidas para a vioiac;ao declarada dos costumes e normas da sociedade l1a qual vivem - 0 roubo, 0 furto, varios tipos de comportamento agressivo, sejam em grupos indivi·

71

Page 38: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

duais - atos estes que podem estar dirigidos a adultos como pes so as ou a normas e simbolos sociais e cultu. rais"zo,

Os "carecas do suburbio", paulatinamente, nao se identificaram com esse movimento punk, passando a construir 0 seu, que se revelou contraditorio e ambiguo, pois, de urn lado, projetou·se como formado por jovens preocupados com sua dignidade, conscientes politica. mente e nao·alienados e, de outro, sancionou e assumiu a violencia, a gangue como forma de organiza.,;ao, as posturas politicas nao aceitas e 0 uso de simbolos social. mente malvistos, utilizados como forma de agressao. Nesse sentido e que e fecunda uma analise que, pelo menDs em pane, apreenda como algumas dessas ambi­giiidades sao tl'abalhadas e justificadas.

Para essa analise, a no~ao de movimento e muito importante, por ser, atraves dela, que tanto punks e "carecas" buscaram a cria.,;ao de uma repl'esenta.,;ao de si proprios que garantisse a produC;ao de uma imagem tida como socialmente valida, mas que, ao mesmo tem­po, conseguisse garantir a concretizac;ao, nao apenas de seus objetivos, mas tambem que fornecesse urn canal de expressao para seus desejos, de como gostariam de ser, de seus sonhos. Atraves dessa analise, sera possivel tel' acesso ao nueleo simb6lico e ao fluxo discursivo dos "carecas do subllrbio", que mantem rela~6es complexas com alguns dos conflitos que atravessam a sociedade. Mas, para tanto, devemos inicialmente retomar as carac­teristicas assumidas pelos "care cas".

3. Os "carecas" brasileiros

Os skinheads ingleses surgiram numa epoca em que a sociedade, e em especial a c1asse operaria britanica, enfrentava urn processo de transforma~ao e crise.

Assim, e significativo que os "carecas" brasileiros tambem tenham surgido em uma conjuntura caracteriza.

72

1 da por transforma.,;6es de ordem politica e de crise eco· nomica. Do mesmo modo que seus "irmaos" ingleses, os "carecas" brasileiros provinham de camadas sociais que se viam em uma posi~ao de fragilidade frente Ii crise economica e ao processo de lumpenizac;ao.

Urn de meus entrevistados, 0 "careca" T., 27 anos, mulato escuro, entregador de jornais, considerado pelos "carecas" e punks que entrevistei como 0 primeiro punk que come~ou a "circular" com a cabe.,;a raspada Ii "care· ca" pela Zona Leste da cidade de Sao Paulo, ao ser entrevistado, declarou que:

o movimenro comec;ou em 1980 C ... ), comec;arnos em 4, sabe C ... ). Era urna "mina" e tres "caras"C ... ). Hoje jii e na base de mil. A genre queria fundar urn movimento mais serio, urn movimento tambem brasileiro, sem neg6cio de fora, urn estilo de vida talnbem, porque esse movimento tambem e um estilo de vida. A gente e trabalhador C .. .). E um movimento de trabalhador C ... ), pessoal que mora no suburbio C ... ), zona leste, zona norte C ... ). OS tres caras do inicio eram de Ferraz de Vasconcelos C ... ). Nasceu na zona leste porque era 0 pessoal operario pobre. Ao responder por que fundaram 0 chamado "movi·

mento careca do suburbio", afirmou: o punk estava numa badema C ... ) e a gente nao quer bademar, queria coisamais seria, uma eoisa mais forte (. .. ). o punk naquela epoea nao !inha nada na cabec;a, os caras s6 queriam "chular latas de lixo", s6 queriam arrumar confusao, quebrar vidra~as C ... ). Por que? De repente eu estou passando na rua, eu yOU taear uma pedra na casanao sei de quem C ... ). Por que? Isso ai nao e pra mim ( ... ). Anarquia nao e isso C ... ). Apesar de eu nao gostar de anarquia C ... ). Eu nao sou a favor da anarquia C ... ). Entao n6s resolvemos fazer a coisa mais organizada, urn movi· mento mais eonsciente C ... ). A anarquia virou moda C ... ) e tambem trocando ideia com DUIros caras, a genre ve que anarquia nao tem nada a ver cOm a gente De acordo com as declara~6es de T., 0 movimento

teria come.,;ado porvolta de 1980, com pessoas de Ferraz de Vasconcelos. Outros entrevistados apontaram respec· tivamente 0 "fundao da Zona Leste", ou entao, 0 "ABC

73

Page 39: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

1

I '\ ,

paulista". Mas, ao observarmos 0 mapa da cidade, pode­mos perceber que essas regioes sao fronteiri<;as, cortadas pelos trens do suburbio. E importantc obscrvar que tanto o ABC paulista quanto a Zona Leste sao areas industriais de concentra<;ao opeciria.

Atravesdas coloea<;oes de T., podemos pereeber entao que, originariamente, 0 movimento nasceu de urn nlicleo de jovens de origem opeciria, marginalizados socialmente, provenientes de bairros periferieos e muni­cipios proximos a cidadede Sao Paulo. Notamos, alem disso , urna critiea ao que denomi.lla rnovimento punk existente na epoca, em Sao Paulo e no Brasil, que, em sua opiniao, tinba sido deturpado e cujos mernbros, naquela epoca, so queriam arrumar confusao. Segundo T ., ainda, a anarquia tinba se tornado uma baderna, e que a ban dei­ra da anarquia, levantada pelos punks, alem de ser urna bagunc;:a, teria virado moda. Dai a percepc;:ao de que a anarquia nao teria nada a vereom "eles", porque queriam alguma eoisa mais seda, forte . A anarquia a que T. se referiu e que era urna das "bandeiras" dos punks tinba se popularizado atraves da banda punk "Sex Pistols", que identificava 0 anarquista com 0 Anticristo, a anarquia com destruic;:ao. Em 1982, os punks paulistas, em sua preoeupac;:ao em construir urn movimento punk, luta­yam para afastar a anarquia tanto de sua eonotac;iio de destruic;:ao, de caos, quanta de bagun"a, de desordem, e para afirma·la como forma de eonstruc;:ao de uma nova sociedade. Mas queriam, principalmente, deixar claro que nao tinham nada com aqueles para quem a "anar­quia" era algo para ser usado apenas em roupas e cami­setas, como urn simbolo comercializado pela moda.

Semelhantemente, foi com 0 intuito de se diferenciar dos punks que nasceu a ideia dos "carecas" de fazerem urn movimento serio, urn estiJo de vida, urn movimento de trabalbadores, de brasileiros, sem negocio de fora, de gente que mora nos sublirbios. 0 interessante e que, ao aflfl1lar a necessidade de se eonstruir urn "movimento contra 0 que vinha do exterior", contraditoriamente, eles

74

eomec;:aram a se identificar com algo que tambem provi­nba de fora, com os skinheads ingleses.

A. , de 25 anos, "eareea do suburbio" hi varios anos , mulato eseuro, morador do Jardim das Oliveiras, Zona Leste, relata sua entrada nos "eareeas do subUrbio", aftr· mouque:

Eu tinha doze anos e curtia rock com a pessoaJ da escola e via urn pessoal diferente, que andava com urn jaleco preto escrito atras "esquadriio punk" C ... ). Com treze, quatorze anos, entrei no movimento punk. Ai. quanto aos "carecas" ( ... ), existia uma gangue chamada punkids ( ... ). Isto foi em 1980 (. .. ) e eles se aliaram com uma gangue de "carecas". Isso aeonteceu a epoca que teve urn movimento de unHio de gangues do suburbio e fOi ai que eu me tornei "careca do suburbio" . Nos nos unimos porque, se urn entrava no distrito do outro, era btiga ( ... ) e eu entrei para as "careeas", porque os punkids aeabaram (. .. ). Uos casa· ram , Dutras viraram crentes e sumiram. Eugostei porque as "carecas do suburbia", as skinheads, cram mais radieais em materia de nao beber, treinar, eultuar a corpo. Havia necessidade de se prevenir, defesa pessoal, porque a briga persegue a gente. A convivencia com 0 pessoal se tornou um estilo de vida C .. ), pelas vestirnentas C ... ), pelo coturno que eu gas to, que e urna coisa durave1 C ... ). Ell nao tenho dinheiro para fiear trocando de tenis todo 0 mes (. .. ). Eu simpatizei com a postura antidrog.s C .. .), embora exist.m alguns que usam a droga C .. .). Tern tambem esse negocio de passeata, movimento de protesto, me identifiquei mui· to. Em nossas reunioes nos propomos nao sermos urn grupo de jovens iguais a tantos outros jovens alienados ( .. . ) . Tambem nao somos traficantes. Segundo 0 entrevistado, a convivencia no interior do

grupo gerou urn estilo de vida, eujas caracteristicas se· riam a roupa usada, 0 tipo de sapalo, a pratiea da defesa pessoal , a preoeupac;:iio com a eorpo, a reeusa ao uso de drogas (embora A. admita que alguns ·careeas" a usem), a participac;:ao em passeatas e em alOS de protesto, e uma grande preoeupac;:ao em nao serem taxados de jovens alienados.

75

;1

II Ii il "1 ' [

I

Page 40: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Nessa entrevista , aparece ainda urn 'certo conflito com os pais que sao cremes , membros da Igreja Assem­bleia de Deus:

Eles sao moralistas , hi uma discrimina<;ao com rela<;ao ao sexo enorme (...), Quando eu entrei no movimento, eu tive que agliencar uma repressao dentro de casa (. .. ). Eles falaram que isto era coisa do demonio. o interessante e que, apesar de se opor aos seus pais ,

ao comportamento rigido destes, 0 emrevistado, ao optar pelos "carecas", sentiu-se atraido, em parte, justamente pela suposta radicalidade moral desse grupo, "mais radi­cais em materia de nao beber, nao tomar drogas ( .. . )" . Comparando 0 grupo com outros grupos de jovens, A. aponta que:

No fim de semana 0 pessoal vai para 0 "bar:zinho", beber, nao se interessa poruma programa<;ao cultural (. .. ). Alguns ficam no fim de semana na "frente do bar"( ... ) , batendo "pandeiro" C-), nao tern nada aver, nao tern futuro . No gmpo "careca", tem roda uma atividade cultural , pois quando a gente se reune, conversa sobre 0 que estii aeon­tecendo no mundo, troca revisea, recorte de jornal, fanzi­ne, fita , 0 pessoal faz alguma cois. de utiL E por isso que eu nao saio dos "carecas"( ... ). Eu me ocupo, sao como uma familia para mim, vejo lodos como irmaos. A gente no fim de semana nao cai no vazio de ir no bar, tomar cerveja, conversar besreira ( .. .) e 0 pessoal se "livra desse vazio", Os "carecas" sao rrabalhadores ( ... ). A gente tenta ser urn jovem decente, a gente tern que trabalhar ( .. . ). Se a gente nOlo trabalhasse, reria que se ocupar de alguma coisa para sobreviver ( .. .), Roubar? Vender "fum~" para sobreviver? C .). Ser perseguido pela policia por causa disso? Nos nao gostarnos de policia.

Nos relatos de A., assim como nos de T., notamos 0

que ja observamos ameriormeme: a preocupa<;:ao de afirmarem-se como "jovens decentes", trabalhadores, membros de urn mOvimemo serio, sem bagun<;:a.

Em rela<;:ao ao surgimento dos "carecas do suburbio" no Brasil, A. 0 ve claramente influenciado pelo contato com 0 movimento europeu:

76

Nos virnos que tinha 0 skinhead na Europa atraves do jorn.I, recorte de Jornal , revist. , de fanzines e acraves de quem era mais informado (. .. ). Achamos e1es mais legal (. .. ), 0 nacion.lismo, 0 corte careca (. .. ) e 0 pessoal resol­veu ad.ptar 0 ' estHo". G. , 25 anos , membro ativo das "carecas do subUrbia",

branca, marador da Jardim das Oliveiras, Zona Leste, pertence aa "Nucleo d. Consciencia Punk", produtor de varios fanzines e participou da forma<;:ao das "carecas da 'suburbia". Na entrevista, relatou-me que, em sua Casa (uma grande casa de comodos), na epoca em que era punk, havia existido urn nucleo do Partido dos Trabalha­dores, que, posteriormente, depois de uma grande briga, retirou-se. Ele tambem teve rela<;:oes com os anarquistas de Sao Paulo, participou de palestras e debates que foram por eles organizados, mas a sua postura nacionalista e sua atua<;:aa como "careca do suburbio " levou-a a urn "afasta­mento" com rela.;:ao aos anarquistas. Segundo G.:

o movimento comeo;ou rnais ou menos a partir de 1978, dentro do movimento punk. Os "carecas do suburbio" eram uma gangue punk e nao tinham muito .cesso, infor­ma<;6es sobre 0 movimento skinhead europeu. Os "care­cas" nao gostavam do modo de ser dos punks, do uso de drogas. Os "carecas" saa trabalhadores, operarios, ou qual­quer outro tipo de ocupao;iio (office-boys, auxiliar de cozi· nha, metalurgicos, entregador de jornal, entregador de lista teiefonica, subempregados, desempregados elc.), mas sempre trabalhando. Estao preocupados com a sua dignidade de trabalhador, alguns estao procurando estu­dar. Nos procuramos tocar neste ponto, que 0 movimenro, seus membros , nao sejam tratados como 'vitimas do siste­ma". Procuramos colocar a ideia de estudar, traballlar, evoluir sempre. Est. e a idda que a pessoal "maiS .ntigo" procura colo car. Quando os ' carecas" come<;aram, e1es e os ptmks assumirarn uma postura rna is de marginaL Mas depois as "carec.s" perceber.rn que isto nao era valido, Se a gente saia n. ma, a policia pegava C .. . ). Perccberam que este negocio de "viSual" era negocio mais de adolescente. Os punks mantiveram este estigma de marginalidade, es­tigma de Bob Cuspe, embora com urn nive\ bern rnais maneiro do que era no inicio do mavimento. Os ' carecas"

77

Page 41: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

tem uma "vivencia" mais pobre, e nao procuram irnitar ninguem, sao eles mesmos.

Os "carecas", assim, sao descritos como trabalhado­res preocupaclos com sua dignidade, dispostos a estudar, trabalhar e a "evoluir sempre". Procuram afastar-se de uma postura de marginalidade, de serem vistos como "vitimas do sistema', bus cando uma afirma~ao social.

o mesmo entrevistaclo, em urn manifesto de sua autoria, publicado em fanzines por volta de 1985, deixa claro a forma de constjtui~ao dos "carecas do suburbio" em Sao Paulo:

Como todo mundo iii deve saber, 0 movimemo punk surgiu no Brasil em 1978, quase ao mesmo tempo que na Inglaterra. Neste ano, quando eome~ou a se formar gan· gues de vila , existia unHio e os "carecas do suburbio" eram uma gangue punk com componentes limitados. Com 0

tempo, 0 movimemo punk foi sendo usado pela midia e come,aram a aparecer os embalos , as roup as produzidas, tudo que os punks rcpudiavam. Ao mesmo tempo, a maioria dospunks da Zona Leste (eu, porexemplo) come· ,aram a rdore;:ar os "carecas", que a essa altura jii era 0

"Movimento Careca", tinha se expandido pelo interior de Sao Paulo e varios estados do Brasil. Nao e verdade que odi.mos punks, 0 que odiarnos sao os embalos do movi· mento , os boys, os pilantras da city, e os alienados, que passam uma im.gem errada e preiudicam os autenticos, que sao as pessoas que gostam do movimento e que lutam para que haja uniao entreTODOS os jovens EXPLORADOS (por G.).

Em 1986, 0 numero 6 do fanzine "Lute ou Vegete" , produzido em Santos - SP, publicou uma serie de "reca­dos" de membros dos "carecas do suburbio", que nos permitem apreender varias pistas para uma melhor com­preensao das caracteristicas que buscavam evidenciar, de seus valores, de sua visao de mundo:

Recado do Morceguinho: Tudo que a gente conseguiu ate hoje foi atraves da for.;a . Queiram ou nao , fomos obrigados a isso. Todo "careca do suburbio" sabe se portar em qualquer lugar, seja l1a rua au num SalaD. Mas quando chega alguem

78

e come"a a te gozar, julgar e vir com intimidade que nao existe ( .. . ). 0 "careca" exige respeilO ii sua pessoa porque n6s respeitamos a sua pessoa. Recado do Leopardo: NaG somos skinheads, somos "careeas do subiirbio·. Bern nacional, au seja, brasileiros. Nao somas urn grupo, somos uma gangue exercito de desarmados. Odiamos as punks da city. Motivo: incriminam a movi­mento, sao drogados e boys, e por estes motivos se distan­ciam de uma verdadeira identidade punk. Cultuamos 0 fisico. Eu cultuo 0 fisico e minha mente. Os "carecas", igualmente skins, sao operarios do pesado: tee­nicos, torneiros, caldereiros etc. A for"a fisica vern depois da ideia de repressao. Quando nao se pode ganhar com palavras, nao se pode deixar que te rnassacrem (maldita policia). Quando tem passe at as no ABC, os "carecas' servem como Unha de frente, cartao de protesto. SOMOS UNIDOS, SOMOS FORTES, SOMOS "CARECAS DO SUBORBIO". Nesse mesmo fanzine, foi pubJicado urn outro texto

manifesto dos "carecas do suburbio·, que tambem nos indica as bases centrais de seu pensamento:

UNIAO, FOR<;:A E SERIEDADE e a base do "Movimento Carecas do Brasil" . De certa forma pretendemos formar urn exercito de "carecas· no Brasil com uniao (principalmen· te), seriedade, a,ao e dureza, mas sem !ider. Nao somos radicais, pais radical e 0 sistema e quem faz parte dele; apenas somos (e devemos ser) duros como a realidade. Sabemos que nao hii a minima chance pra nos, como sabemos que nao ha a minima chance pra paz, por isto somos a que somos, ia que 0 sistema tambem 0 e conosco ( ... ). Nosso sentimenlO de revolta e insatisfa"ao nao e representac;;ao nern for,assao de barra, como alguns que se dizem ista au aquilo; somas "carecas" e nao estamos num movimento musical, e slm num movimento de pro­testo muito serio. Lendo os text os, percebemos que eles se consideram

"duros" como a reaJidade, que · sabem" que nao existe chance para a "paz" e que, por isso, sao como sao, isto

79

I

I I

Page 42: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

e, agem da mesma forma como 0 sistema age com eles. A ideia e de que a realidade e dura e violenta, e que, como e1a, eles tem que ser "duros" para resistir. Se comparar· mos estas coloca<;:oes com os dois recados de "carecas do suburbio", temos mais elementos para a analise. Nesses recados, 0 "careca' exige respeito a sua pessoa, conside· ram·se serios e marginalizados pela sociedade. Cultuam o f!Sico e a mente, e deixam claro que todos sao operarios e trabalham no pes ado. Ainda percebemos novamente a preocupa~iio em se difereneiar dos punks da city, que estariam distantes da "verdadeira" identidade punk. Ha tambem uma nltida preocupa~ao em se diferenciarem dos skinheads, colocando·se como carecas do subUrbio, nacionalistas, especificamente brasileiros, tendo como valores a "Dniao, For~a e Seriedade" e constituindo·se como um movimento de protesto, e nao simplesmente musical.

Alem disso, hi urn posicionamento contra os politi· cos e a politica tradicional, tida como suja e urna coloca· C;ao de si mesmos como um grupo de jovens prantos para salvar 0 Brasil. Outro aspecto a saliemar e que, apesar de se representarem como "movimento de jovens", eles admitiam a possibilidade que outras pessoas, mesmo "mais velhas", pudessem "andar com e1es", desde que concordassem com as normas do movimento.

Assim, um dos entrevistados, ao ser interrogado, aflf· mouque:

Entre a gente tern ate de tfeze anos ( ... ), mas tern ate cara mais au menos de quarenta anOs ( ... ). De repente aparece um "velho" e a1 fala "eu quero andat com voces, eu gasto do movimento" C ... ), porque de repente, a movimento nao e apenas para jovens, e para todo mundo, basta set uma pessoa "consciente".

'Apesar de se concebetem e se representarem inieial· mente como fazendo parte de urn movimento de jovens de camadas operarias e trabalhadotas, 0 movimento, no decorrer dos anos , come~ou a atrair, segundo declara· t;oes, elementos da c1asse media que nao eram dos subur·

80

bios. Entretanto, a inclusao de individuos de outra classe, no movimento, potencializou ambigilidades e conflitos existentes entre eles. Assim, como veremos nos proxi· mos capitulos, 0 movimento nao e unitario, existindo em seu interior difereneia<;:oes, ambigiiidades, disputas, que, freqiientemente, se traduzem em lutas para se estabele· cer 0 que chamam de rumos do movimento, ou ate mesmo a forma de se defmi·lo. Em relat;ao a esse periodo inicial, uma questao essencial a ser discutida e 0 tipo de vinculat;ao que alguns carecas tiveram ou tinbam com associac;6es e partidos politiCOS. Alguns, por terem origj· nalmente sido punks, tiveram .contato com textos, Iivros e com 0 proprio movimento anarquista, enquanto outros se Iigaram a partidos de exttema·direita, que tentaram repetir no Brasil uma aproximar;ao que jii houvera nos Estados Dnidos e na Europa.

Em alguns fanzines produzidos par care cas podemos observar os efeitos de algumas dessas coopta~oes e Yin· culac;6es e 0 seu desdobramento interno e externo. As· sim, a analise deles e importante para a discussao dessas questoes, principalmente quando as posir;oes ai defendi· das nos fanzines sao comparadas as entrevistas e a outros dados, ou quando cotejadas aos esclarecimentos feicos em cartas, 0 que faremos nos capitulos IV e V.

Outra caracteristica marcante no grupo e 0 interesse que tinham em lec, em tomar conheCimento de Iiveos, revistas e jomais, mesmo estrangeiros, que enfocassem e analisassem movimentos semelhantes no Brasil e no exterior. Pude constatar que, por exemplo, 0 livr~ "Ski· nhead" , de Nick Knight, foibastante lido pelos carecas. Contudo, isto nao e uma especificidade deles, pOis ocor· ria 0 mesmo em relar;ao aos punks. Por exemplo, um de meus entrevistados, ° punk 1., ajudante geral em urna industria de plastico, pediu·me 0 xerox do Iivro de Caiafa, sobre "0 movimento punk na cidade". Ate algumas reo vistas estrangeiras, desde que tivessem informac;oes so· bre skinheads e punks, circulavam entre esses grupos, existindo tambem uma complexa rede de comunica<;:6es

81

Page 43: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

que teciam atraves de cartas, discos e fitas. Urn outro entrevistado, urn rapaz "careca", declarou-me ter visto uma fita de video, com grava~oes de bandas skinheads em shows no exterior. 0 acesso a essas informa~oes acabou auxiliando 0 processo complexo de adapta~oes e reelabora~oes das posturas desses grupos e, conforme o momento ou a situa~ao especifica, elas foram articula­das e utilizadas de urn outro modo.

Nessa dire~ao , Caiafa , ao estudar os punks no Rio de Janeiro, apontou que:

Pode-se dizer que urn punk e provave!mente tao bern informado quanta urn garoto de alta classe media que ouve som, e muito mais bern informado que a maioria dos musicos brasileiros que formam bandas de rock. Existe toda uma regiao de dispersao e contagios que nao segue a via diret. das aquisi<;5es e dos contatos. E possivel defron­tar-se ocasionalmente com urn artigo import,do na casa de alguem au no jomaleiro, mesmo que nao se possa comprar a revista, conseguir ver urn video raro de uma banda com urn amigo ou inimigo (quem sabe?). Os punks estlio sem­pre ii procura dessas coisas e acabam por realizar uma sorte de confbca"iio ao se apodcrarem desse repertorio que a principia nao lhes caberia. Existe uma expectativa social de que as classes mais baixas se entreguem ii batucada de samba (pel as "midias" a "povo" e sempre represenrado nos bares e pelas ruas tirando som, par exemplo, de uma simples mesa de madeira)". Pude cons tatar, em minh. pesquisa, que estas colo­

cac;:oes tambem sao vilidas para os "carecas do suburbia". Sem duvida, eles ji tinham uma tradic;:ao de rebeldia, violencia, de forma~ao de gangues, mas a midia, os meios de comunicac;:ao, foram urn meio muito importante atra­yeS do qual eles se iniluenciararn pelas "novidades" vin­das do exterior, embora sua intenc;:ao inicial fosse a de formar urn movimento nacional. Apesar de criticarem a imprensa, acusando-a de "mentirosa " e de estar sob 0

controle dos "poderosos", eles guardavam cuidadosa­mente recortes de jornais e revistas que traziarn essas informac,;6es.

82

Alem disso, e1es teceram toda urna rede complexa de busca de informac;:oes, de troca de experiencias, atraves de fanzines, de caetas, de troca de fitas, de carater alter­nativo a rede oficial, 0 que tambem lhes permitiu entrar em contato com os punks e skinheads existentes no mundo, 0 que foi feito por varios de meus entrevistados.

Varios de meus entrevistados, por exemplo. editavam fanzines. Alias, foi bern significativa a "fala" de A. , ao apontar os "mais bern informados" como aqueles que tiveram urn papel ativo na "adaptac;:iio" dosskinheads ao Brasil, que foi realizada, segundo as entrevistas, atraves da adaptac;:ao do "estilo skin" as caracteristicas da "nac;ao brasileira". Naturalmente elas tinharn estreita relac;ao com 0 seu cotidiano, contradic;:oes, necessidades e dese­jos. No limite, ao se atribuirem como ponadotes dessas caracteristicas, eles se projetavarn como aqueles que estavam aptos a salvar 0 Brasil dos exploradores. dos corruptos. A adesao ao nacionalismo, por exemplo, era vista como uma marca skinhead e levava-os a admitir que todos (pelo menos teoricamente) tern 0 direito de User 0

que sao", des de que nao interfiram no pais dos outros e, principalmente, nao procurem domini-Io ou explori-lo.

Portanto, a cultura de massas exerceu urn importante papel na constituic;:ao do movimento.

Para Edgard Morin, a cultura de massas e urn produto do mercado, depende da rnodernizac;:ao dos meios de comunicac;:ao, esta Jigada a industria cultural e ao fortale­cimento de urn mercado de bens culturais. Para este autor, 0 saber que compoe esta "cultura" e aparentemen­te urn mosaico, ela e "subestruturalmente organizada de forma mitoI6gica,,22, os fatos e elementos que a compoem sao organizados e func;:oes de grandes tabus e gran des tropismos imaginarios que circulam a nive! da cultura e da sociedade.

Exemplos pontuais, aplicaveis especificamente aos "carecas", iremos encontrar nos pr6ximos capitulos, es­pecificamente no capitulo IV, no qual examinarei mais

83

II i

i

Page 44: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

\.

detidamente 0 relato do "eareca", que assim se expres­sou:

A minha idtia foi introduzir no movimento a coragem dos 5S_ Isto a1 eu vi em documentarios em fiImes e Ii em livros; aquilo me fascinou (. .. ), aquela "coragem" de morrer por urn ideal. Esse e 0 ideal dos SS: "fidelidade" urn com 0 outro e a coragem de morrer lmando, nunca dar as costas para o inimigo (. .. ). Ai comecei a distribuir livro de nazista para os caras verem ( ... ). Era livro sobre 5S, Gestapo C ... ) e 0

pessoal foi lendo e gostando. Qutro exemplo e a declara\;ao de urn "careca" sobre

o seu "fascmio" pelos filmes de "Mad Max", "her6i solita­rio" que, em urn mundo destruido pela guerra nuclear, impoe-se, atraves de sua for\;a, violencia e astiicia, as diversas gangues inimigas que disputam os poueos recur­sos restantes.

Em sintese, podemos afinnar que esses jovens, a partir de seu cotidiano, das rela\;oes que mantinham com o conjunto d<\ sociedade e das vincula.;oes e coopta.;oes que se produziram, e tendo por base as informa.;oes que Ihes chegaram atraves da midia em geral e atraves de fanzines e canas foram adaptando, elaborando e reelabo­rando 0 estilo skin.

Entretanto, 0 produto des sa reelabora.;ao nao foi unitario pois, entre outros fatores, 0 processo criou e ou potencializou divergencias,. ambigiiidades, disputas e conflitos. 56 que, idealmente, os "carecas" concebem-se fazendo parte de urn movimento. E 0 que explicaremos nos pr6ximos capitulos.

Notas

L RevistaIstoE, novembro d~ 1977. 2. Folha de S. Paulo, junho d4 1978. 3.jornal do Brasil, julho de 1978. 4.jornal da Tarde, junho de 1978. 5.jon'tal do Brasil, outubro de 1978. 6. Jornal da Tarde, jtlflho de 1979. 7. Revista Time, julho de 1981.

84

8. Revista IstaE, agosto de 1981. 9. CAlAFA, Janice. Mov/mento punk na cldade -.A. invasilo dos bandos

sub. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985, p. 34. 10. CAIAFA, Janice. Op. Cit., p. 115. II.Jomal do Brasil, fevereiro de 1985. 12. BIVAR, Antonio. 0 que e punk. Sao Paulo, Editora Brasiliense, 1982. 13. BIVAR, Antonio. Op. Cit., p. 65. 14.0 Globo, Janeiro de 1983. 15. Revista Penthouse, dezembro de 1982. 16. Revista Pipoca Modema, fevereiro/mar~o de 1983. 17. Revista Time, outubro de 1983. 18. SOUZA, Heder Ctaudio Augusto e PEDROSO, Helenrose Aparecida da

Silva. Absurdo da reaUdade: 0 movimento punk. Sao Paulo, Biblioteca. do Instituto de Filosofta e Cicncias Humanas, UNICAMP, exemplar xerografado, 1983.

19, SOUZA, Heder Claudio Augusto e PEDROSO, Helenrose Aparecida da Silva. Op. cit., p. 43, 46.

20, EISENSTADT, S.N. Grupos informais e organiza~oes juvenis nas socie­dades modemas in Soc/ologta dajuventude W - Os movimentosjuvenis. Rio de Janeiro, Zahar, 1986, p. 18/19.

21. CAIAFA,Janice. Op. cit., p. 115. 22. MORIN, Edgard. CuJtura de massas no seculo XX (2 vols.): 0 esp/rita

do tempo - 2. Rio de Janeiro, Universitaria, 1986, p. 101.

85

Page 45: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Ill. CONSTITUI<;:AO E CONTRADI<;:OES PRESENTES NOS FANZINES PUNKS

No capitulo anterior, vimos que, porvolta de 1982, a constrw,ao de urn movimento punk expressava uma tentativa de busca de coerencia, de uma moral e ate de urn significado que servisse de orientac;:ao e justificativa para as condutas e legitimidade social. Em suma, refletia uma busca de legitimidade interna e principalmente ex­terna frente a parcelas da sociedade, contrapondo-se a conduta de gangue.

Em 1982, os primeiros fanzines editados pelospunks da cidade de Sao Paulo ja evidenciavam as principais ideias que eram defendidas e que visavam a reafirmar uma determlnada identidade. A analise de conteudo dos primeiros fanzines paulistas ilustram bern essa preocupa­c;:ao. Gradativamente, os fanzines multiplicaram-se por quase todo 0 Brasil e constituiram-se numa rede conten­do informac;:6es, troca de mensagens entre punks, ski­nheads, "carecas" a nivel nacional e internacional. Em 1985, mais ou menos em paralelo ao pipocar de criticas feitas em manifestos e fanzines sobre supostos "desvios" no movimento punk, essas publicac;:6es passaram a assu­mir a existencia dos "carecas" como um grupo autono-

87

I i

I,' I

! i i , . , ,

Page 46: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

mo. E, no ano de 1987, despontaram textos denunciando o que alguns punks chamavam de ambigilidades, incoe· rencias e contradic;:oes presentes no movimento "carecas do suburbio". As den6ncias colocavam em diivida 0

carater de seriedade, de clareza potitica, de coerencia e de. unidade do movimento.

Algumas das questoes serno aprofundadas neste capi­tulo, basicamente atraves da analise de fanzines e mani­festos de punks e, secundariamente, por intermedio de entrevistas e reportagens de jornais e revistas.

1. Os primeiros famines paulistas

Alguns punks entrevistados emitiram suas opinioes a respeito destes primeiros fanzines, como A.C, que per­tencia a uma gangue da Zona Leste:

o primeiro fanzine brasileira fai 0 "Fator Zero", depois a "M.D.", 0 "S.P. Punk". Eles come<;aram a se reproduzir por todos as lados e as pessoas passaram a ter preocupa<;aa de escrever. 0 movimento punk no sentido de ler, escrever anlgos, escreverem ingles para correspondencia, fa; mUl­to positivo. Eu, quando estava na 7' serie, escrevia em ingles Coo.). Nao sabia falar. So escrever. E, asslm, me correspondia. Aquele artigo da revista "Time", • As Tribos na Inglaterra', foi multo difundido na epoca C .. ). Nos traduzlamos, liamos e passiivamos para a frente . Eu ficava as vezes ate as 2 horas da manha escrevendo canas. Na epoca eu trabalhava e a gente batalhava para traduzir fanzines e as musicas que a gente cecebia de varias partes do mundo. A gente sentava com 0 pessoal, com 0 diciona­rio na mao, palavra por palavra e lraduzia. Os fanzines nao tinham uma preocupa<;ao sistematica em falar sobre polio tica Coo .). Tentavam passar concep<;6es sabre 0 anarquis­mo, mas nao avanc;:avam muito Coo). Na epoca, a todos os mavlmentos politicos os punks compareceram e isto nao apareceu nos fanzines. 0 movimento punk chegou ate urn ponto e nao avan.,ou mais C .. ). Tivemos a a.,ao da midia envolvendo 0 movlmento Coo.) . As bandas assinando con­trato com as gravadoras. Poucas pessoas que particlpavam

88

do movimento punk salram em posi<;ao de questionar a sociedade. E verdade que tambem surgiram duas em presas que distribulam fitas, fantines e comec;:aram a produzir bandas.O "Colera", porexemplo, tern urn ta-clube organi­zado, ate urn funcionario contratado Coo). Sao pessoas que, dentro do movimento punk, comec;:aram a cobrar para tocar, enquanto todo mundo tocava de grac;:a Coo.). Uma firma punk com funcionario punk. Nesta linha temos 0

"Olbo Seco", 0 " Ratosdo Porao", a "Colera". Ji 0 punk S., do outro lade da cidade, na Universidade

de Sao Paulo, relembrou: A gente estava no CRUSP (Conjunto Residendal da USP), em 1982, Coo.) resolvemos montar urn grupo Coo.), "Os Excomungados". A gente achou que este era 0 jogo, com­bater com palavras, combater com 0 cultural Coo.). A gente comec;:ou a editar fanzines Coo) de politica ate a revoluc;:ao do rock. Hoje. nosso material de organizac;:ao evoluiu muito com fanzines. que e uma rede de contatos. 0 Brasil e uma rede e Sao Paulo 0 centro disso, por ser 0 mais industrializado. Essa rede postal permitiu convocar atos unificados, como em 6 de agosto, (oo.) show antinuclear n a Pra"a da Republica com parcicipac;:ao de punks e "care­cas". Em 1982 tinlla tambem urn pesso.1 que trab.lll.va no restaurante da USP, de Carapicuiba, eram proletarios e resolveram tam bern fazer urn fanzine. Tanto para A.C. quanta para S. e clara a importancia

das bandas e dos fanzines. Estes tinham par objetivo criar e denunciar a realidade vivida nas cidades e periferias e montar uma "rede de cantata" atraves deles. No inicio, a maioria era feita poc integcantes de bandas. Apos 1983, com sua muItipIicat;:ao pela Grande Sao Paulo, alguns passaram a ser feitos poc outros jovens.

o ano de 1982 tambem foi importante, devido ao longo debate, atraves do jornal "0 Estado de S. Paulo", entre. 0 jornalista Luis Fernando Imediato e Clemente, da banda punk "Os Inocentes". 0 jornaIista tinha publicado uma materia sobre as punks de Sao Paulo, descrevendo­as como "violentos, que praticam furtos e se organizam em gangues ". Tambem denunciou que haviam se consti­tuido com atraso hist6rico na ZOna Leste de Sao PaUlo'.

89

Page 47: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Essa materia provocou uma resposta de Clemente', publicada em forma de carta peIo joma!. Na carta, de defende os punks e os define como membros de urn "movimento socio-cultural de revolta", integrado por jovens das classes sociais men os privilegiadas e transpor· tado para a ml\sica. Fanzines da epoca, principalmente 0

"S.P. Punk", que erafeito porumintegrante da banda "Os Inocentes", tambem entraram na polemica.

A carta de Clemente aflfmava: Gera~ao Abandonada Sf. Os meios de comunica~ao que ate hoje divulgaram 0

movimento Punk Rock no Brasil, em vez de se encontra­rem com bandas punks e procurarem saber qual a propos· ta ideologic a do movimento, se preocupam apenas em fantasiar e sensacionalizar pequenos atos de vandalismo que, feitos por uma pequena minoria, acabam por compro· meter todo 0 movimento punk no BrasiL o punk e um movimento socio·cultural, ele e a revolta dos jovens da c1asse menos privilegiada, transportada por meio da musica. Estes jovens ji organizaram virios shows pela periferia de Sao Paulo, com bandas como "Inocentes", "Desequilibrio", "Fogo Cruzado", "Lixomania", "Juizo Fi· nal", "Guerrilha Urbana", "Suburbanos", "Olho Seco", "C6· lera", "Setembro Negro", "Mack", "Estado de Coma" e muitas Olltras. Tres dessas bandas estao gravadas em urn mesmo disco, chamado "Grito Suburbano", As bandas sao "01110 Seco", "Inocentes" e "Calera", Portanto, os punks nao sao gangues de blusoes de couro que vivem a assai tar velhinhas em esta~oes de metro e, sim, urn movimento social que realmente nao sabe a diferen~a entre Deus e 0 Diabo, porque nunca foram a Igreja, mas que sabem muito bem a diferen~a entre Marx, Kennedye Hitler, e que acham que quem tem 0 costume de beber !eite com limao, realmente tern um gosto muito requinta· do, para poder dispensar uma cerveja bern gelada, E aproveito 0 momenta propieio para Ihes dizer que nao estamos atrasados e que surgimos quase ao mesmo tempo em que surgiu 0 movimento punk na Inglaterra, como tambe.n com punks de muitos lugares da Europa, como a Finlandia, Italia, Suecia, Alemanha, Espanha, Portugal e ate com os Estados Unidos, e 0 que morreu, realmente, foi a

90 I

tentativa de transformar 0 punk em mais urna moda passa­geira. E, como todo born amigo, deixo um conselho: antes de aprofundar mais, conhecer mais sobre 0 assunto, para qne este pais nao continue atrasado como sempre. Punk's de S.P. - Clemente Tadeu Nascimento, do Grupo "Inocentes". N. da R. - 0 missivista punk refere·se a uma das reporta­gens da serie "Gera~ao Abandonada", que esta sendo pu­blicada desde domingo pelo "0 Estado de S. Paulo". Junto com a carta, ele enviou urn convite para um espetiiculo de varios grupos punks, com a seguinte observac;ao, dirigida aos jovens convidados: "Nao destrua os onibus, eles serao uteis nos proximos encontros" (sic), Eo apelo: "Paz entre ospunks!" Essa carta de Clemente expressou a forma como urna,

parte dos punks queria ser identificada: como urn "mo­vimento socio-cultural de revolta de jovens das classes sociais menos priviJegiadas transportado para a musica" , longe da imagem de violencia.

Para definir quais os fanzines que poderiam ser con­siderados como" os primeiros fanzines paulistas", temos o relata de alguns de entrevistados e, tarnbern, publica­"Des que faziam referencia a eles. Entre estas, destaca-se a analise de Bivar, em artigo pubJicado na revista "Leia livros"', onde 0 autor aponta que os primeiros fanzines paulistas foram: "Fator Zero", editado por Strongus, ex­guitarrista do grupo "Anarcolatras"; 0 "Vix-Punk", feito por Redson, vocalista do "Calera" e 0 "S.P. Punk", por Callegari da banda "Inocentes". E, fmalmente, umfanzine feito, segundo Bivar, por urn casal de namorados, Mauri­cio e Dirce, e trazia as iniciais da dupla "M.D.", que alguns punks ehamavam pejorativamente "M.D.: Modas e Diver­soes."

No easo do fanzine "M.D." n" 1, de agosto de 1982, 0

editorial deixa claro que seu objetivo era "unir os jovens de Sao Paulo inicialmente atraves da musica, levando a proposta do pessoal do new wave paulista ao pessoal universitario das faculdades, 0 contato com os punks". Nessa epoca, 0 punk jii nao era algo proprio dos subur-

91

Page 48: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

bios e chegava, transformado, aos jovens universitarios paulistas atraves do new wave. E nao e de se estranhar que, devido a sua proposta new wave, esse fanzine fosse criticado pelos punks contrarios a esta tendencia.

Com exce~aodo "M.D.", que foi editado por "Dirce", estudante da Pontificia Universidade Catalica de Sao Pau­lo, os primeiros fanzines foram produzidos por integran­tes de bandas punks. Estes eram jovens de poucos recursos que, em sua grande maioria, tinham de trabalhar e estudar para completar 0 curso secundario. Alguns desses fanzines acabaram ocupando urn papel de desta· que no cenario da musicapunk. Alem disso, assumiram pllblicamente uma posi~ao para que 0 punk fosse visto como urn "movimento de revoltade jovens transposto para a musica". Este era 0 caso do "Vix-Punk" , editado na epoca por Redson, do "Calera", e do "S.P. Punk", editado por Callegari, dos "Inocentes".

Nesses primeiros fanzines punks, prodllzidos em 1982, percebemos c1aramente a preocupa~ao em cons­truir urn movirnento punk que estivesse longe das ima­gens negativas para a sOeledade. Tollos eles nos dao a oportllnidade de perceber a intensa rede de cornunica· ~ao que tecem a nivel nacional e internacional. Parte dos temas e questoes ai tratadas sao elaborados em res posta a materias pllblicadas em jornais, revistas e programasde televisao. Ou, entao, sao reprodu~oes de materias ou reportagens consideradas relevantes , nao se apontando, frequentemente, a data ou outeas referencias sobre 0

argilo de cojnunica~ao do qual a capia tinha sido retirada.

2. 1982 - Fanzines, questoes e contradili=0es

Nessa epoca, eram vadas as questoes e contradi~oes do movimento. Tal constata~ao e facilmente verificada no editorial intitulado "Pensando" , do fanzine "Fator Zero", n" 1, de 1982, ao lade do qual vemos a 'frase: "A

92

liberdade nao esta nas dragas, esra em voce mesmo!" 0 editorial afirma:

PENSANDO Tern uma eoisa que eu sempre quis falar: a suastiea e simbolo de uma das mais odientas coisas que ocorreram na historia da humanidade, 0 nazisrno, que pregava a superioridade de uma ra~a, a ra~a ariana. Pregar superiori­dade nao tern problema nenhum, mas querer provar esta falsa superioridade alraves da extin~ao de outros seres e realmente uma atitude de debeis memais. Mas pior atitude ainda e quem nao faz parte deste bando de lou cos e eultua o simbolo deles apenas por acharem-no bonito ou por achar que 0 punk tern algo a ver com /sso - e se tivesse? Sinceramente, se punk pregasse naz/smo, eu nunca seria punk, pois nao fa~o parte daquela racinha pura e mais inteligeme que as outras (. .. ). Neste editorial, encontramos a preocupa~ao de posi­

cionamento contea .o nazismo. Este mesmo tern or reapa­rece em outros textos do periodo. 0 fanzine "S.P. Punk", numero 0, de dezembro de 1982, condena 0 usa por parte de alguns punks de simbolos nazistas, como a suastica. Recomenda-se que, quando urn punk a usasse, deveria faze·lo com a palavra "destrua", a exemplo de Johnny Rotten, do "Sex Pistols".

Em 1982, os primeiros fanzines estavam preocupados em construir urn movimento com uma imagem diferen­e1ada da que havia sido divulgada ate entao, inclusive sem as Jiga<;oes com 0 nazismo e 0 fascismo. Todavia, em alguns deles encontramos textos sobre 0 "Oi!" e suas bandas, que estavam reiacionados, segundo os criticos, a essas concepc;:oes, juntamente com os skinheads. Pro­vavelmente, para os produtores dos fan zincs paulistas, em 1982, essas diferenciac;:oes em rela~ao as bandas "Oi! " nao estavam muito claras. Postulava-se que 0 objetivo do "Oi!" era unir no movimento os skinheads, punks e jovens desernpregados contra 0 sistema. Mas foi em fanzines sa posteriormente public ados que encontramos a preocupac;:ao expressa de definir a posic;:ao politica, as visoes de mundo dos grupos e das bandas. Quando isto

93

Page 49: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

eomet;:ou a oeorrer, os " eareeas" estavarn eonstituidos

enquamo urn grupo autonomo.

Diferenternente da grande imprensa, por exemplo, 0

fanzine "S.P. Punk", de agosto de 1982, trata do "Oi!" ,

enfatizando a ideia de que, na Inglaterra, eleeongregaria

skinheads, punkS e jovens desempregados que "nao tern

medo de lutar contra 0 desemprego e .outras injustit;:as".

Apesar disso , nuitas pessoas "inteqiretam os ideais do

movirnento como sendo poueo rnais que a propagac;:ao

da violeneia e da falta de juizo". Em seguida, p ostula que,

justarnente por essas lutas , eles sofreriam uma serie de

"perseguic;:6es". Naturalrnente, com isso, procurou·se

apresentar uma outra versao para os conflitos de 1981

em Southall , na Inglaterra , e para os propalados "racis·

m~" e "nazismo" da banda "Four Skins ", conforrne pode·

mos ver a seguir:

a movimento "Oil" se desenvolveu na Inglaterra paraIe!a·

mente ao ressurgimento do punk. Apesar de ter uma

orienta<;,:ao rna is ampla, a "Oi'" divide com a punk muitos

ideais e doutrinas. Amplamente divulgado como musica

skinhead, punks e a jllventude sem futuro . Seu fone apelo

it garotada de cua e 0 que mais preocupa a maioria das

pessoas, que illCerpretam os ideais do movimento como

sendo pouco mais que a propagaS-ao da violencia e da falta

de juizo. Mas 0 "Oil" sempre se definiu como uma garga·

Ihada com mensagem , ou um ponto de vista a nivel de uma

mllsica feita na fila de desemprego. As bandas que lideram 0 movimento nao tern medo de se

atirarem a frente da luta contra 0 desemprego e outras

injustis-as. a s "Four Skins" alacam, nas mensagens de sua

musica, a guerra, 0 governo de Margaret Thatcher e 0

sistema. a mesmo acontece com os grupos "Infa Riot",

"The Panisans" e outros ( ... ) . Stave Pear, guitarrista do "Four Skins", disse ao jornal

"Sounds" , a pub1ica~iio de musica que tem dado mais apoio

aos punks e ao movimento "Oi! ": a s "Four Skins" nao sao nem nunc a foram uma banda

racista; . Eu sou socialista. Acredito nos principios socialis·

tas - nao nos principios comunistas - e jamais apoiaria uma

banda que propagasse ideais racistas au nazistas. Urn go·

94

verno nazista acabaria com as punks do mesmo modo que

~m govemo comunista. Tudo que os "Four Skins" querem

e um pouco de diversao e a classe trabalhadora tendo urna

chance de manifestar seus pOntos de vista e opinioes.

Nenhum de nossos las negros foram agredidos em nossos shows( .. .). Depois do lragico mal·entendido de Southall (wn dos

suburbios pobres de Londres, onde a maioria da popular,;ao

consiste de asiliticos, indianos e paquistaneses), aconted.

do no verno do ano passado, 0 movimento 'Oi!" recebeu ataques de lodos os lados ( ... ). Em Southall aconteceu 0 seguinte: Micky French, 35 anos,

empresario do grupo "The Last Reson" e proprietano da

10ja do mesmo nome, especializada em venda de roupas

skinhead, fretou dois onibus para transponar skins ate 0

lugar do show, uma taberna chamada HambroughJ. as

dais onibus chegaram em Southall com skins enrolados em

bandeiras inglesas. ]a de cara foram arrepiando os asiati­

cos, habitantes do referido suburbio. Estes sentiram que 0

confiito racial estava para acontecer naquela noite. E aeon.

te~eu. Duzentas pessoas, entre skins, asiaticos e policiais,

satram fendas. Houve muitas prisoes e a tabema acabou Iiteralmente incendiada (. .. ). Mals de quarema bandas com escHos variados se aliaram

no movimento "Oi!". a "Oi!" e levado a serio e promoveu

muitos encontros para decidir 0 que era e para onde estava

indo. A primeira reuniiio foi numa taberna em Londres e ,

ali, ficou decidido que as bandas tocariam com forte tonica

na luta contra 0 desemprego, sempre que possive!. A

ultima e maior reunHio aconteceu uma semana antes de

Southall e dessa saiu 0 nome shunk rock - musica punk

para skins, punks e desempregados. Trata·se da mesma

ideia ' Oi!" , mas unindo skins epunks no titulo para evitar

confusao. Muitas bandas punks compareccram. Assim,

para lentar COnlornar as criticas de violencia e de raCismo

que 0 "Oil" vinha recebendo, a saida encontradafoi mudar o nome para shunk.

Mas se a imprensa nacional e internacional enderet;:a.

va severas criticas iis bandas "Oi!" e aos skinheads em

particular, em fanzines de sse periodo as mesmas sao

rebatidas em textos inspirados em dec1arac;:5es dos acu.

sados. Reafirma·se a preocupa.;ao de lutar contra a crise

95

Page 50: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

social e 0 desemprego causados pela recessao de Marga­reth Thatcher, alem do desejo de levar diversao para a classe traba!hadora. E que seria por causa dessas posic;:5es e ligac;:5es com os traba!hadores que sofriam as falsas acusac;:5es que !he eram enderec;:adas.

Nessa mesma linha, 0 fanzine "S.P. Punk" nfunero 2, de mar~o de 1983, publicou materias com diversas ban­das nacionais e estrangeiras, e, entre elas, a banda "The Exploited", que, em 1981, participou da retomada do punk. 0 interessante aqui sao as declara~5es do vocalista do grupo, de nome Watde, segundo as quais

( ... ) a suastica e uma cOisapunk. Pensando bern, foi 0 punk que ressuscitou 0 uso da suastica. E fez mUita gente pensar que 0 punk tinha alguma coisa a ver com 0 nazismo. Mas o uso da suastica seria para chocar ou ate mesmo ir contra o nazismo. Ainda neste mesmo texto, afltma-se que Em 1981 , quando a "The ExplOited" cntrou na primeira co!etanea "Oi!", muitos p,mks foram contra C .. ) porque muitos skins cram assumidamente nazistas e ate faziam parte do "National From" (partido Nazista da [nglaterra). Wattie , porem, justificou a inclusao da "The Exploi-

ted" na coletanea "Oil": Eu acredito na Iinha dura e s6lida do punk, com geme da cJasse trabaihadora, de gente explorada, que, unidas, te­nham uma oportunidade de protestar. N6s queremos que os punks e os skins se unam, se divirtam e que mantenham o punk vivo'. Em fillS de 1982, multipl1cou-se, nos muros dos su­

burbios e periferias, a inscri<;ao da palavra "Oi!", assumi­da peJos "carecas" para designar a si proprios e as bandas que gostavam de ouvir e para deixar claro os objetivos que defendiam. Nao e de estranhar que estes fanzines iniciais, ainda em nome da unidade e apesar da guerra entre 0 suburbio e a cidade, buscassem congregar os primeiros "careeas" dentro dos temas gerais do movi­mento punk que buseavam construir. So que, como

96

vimos no capitulo anterior, as diferencia<;oes ja estavam se processando.

Outra preocupac;:ao de varios fanzines e contra 0 uso de drogas . Esta e umadas tematicas comuns a q uase todos os fanzinespunks e "carecas": urn posicionamento radi­cal contra 0 uso das drogas. Todavia, este posicionamen­to deve ser visto com euidado, pOis, nas entrevistas, os punks freqiientemente admitiam 0 uso de dregas, eoisa que nao ocorreu com os "carecas do suburbio" . 0 maxi­mo que chegaram a afirmar e que existiam alguns (nunca a proprio entrevistado) que eventualmente consumiam drogas, mas aeusavam as punks, ou grande parte desles , de eonsurnirem drogas.

Alem do lemor de serern rotulados de drogados pe10 eonjunto da sociedade, a "pecha" de arruaceiros, violen­tos, era outro tema que estes fanzines tentavam exorci­zar.

o fanzine "Vic-Punk", feito por Redson , de maio cle 1982, por exemplo, deixa claras estas preoeupac;:oe s:

Punk em Sao Paulo - Brasil O pu71k no Brasil comc<;:ou quasc no mesmo tempo que na lnglaterra. S6 que aqui fo i no embalo (como sempre), pois o rock ja tinha acabado e a discoteque foi busear patetoes e patetinhas nas ruas das cidades para desfllar nas passare· las de sapatinho bieo fino e penteado de laque. Entao a solu,ao dos ultimos roqueiros foi opunk. Nao s6 por isso, mas porque 0 som e mais dentro cia realidade, sem son nos e ·frescuras. A diferen,a estava em que, em 77, 0 plink ingles era urn cara consciente de sua situac;ao na sociedade e opunk daqui era apenas urn consumidor inconformado. Mas 0 movimento foi crescendo hi e aqui. No cmamo, devido a falta de iniormac;iio de muitos, nosso lado nao cresceu muito. 56 evoluiu de 80 para cit e a mentalidade se fez muito forte. Hoje quase todos garotos punks tern mais conscieneia da realidade do que muitos desses garo· tos que vivem consumindo essas Inusicas enlatadas e pre­fabricadas. E tambem existcm os embalistas no punk , que estao come,ando hoje com os ideais de ontem: ainda pensamque estamos em 76 c mantem aqueJa cal,a rasgada e urn montao de alfinetes e simbolos nazistas numa jaqueta

97

Page 51: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

toda rasgada, sujos e propositalmente xaropes. Ha tambem os conservadores roqueiros que ainda idolatram idolos velhos, grupos ou pessoas que 0 comercio musical pos como rei e hoje nem existem mais como nunca existiram, estao mortos, tipo]anis]oplin,]immi Hendrix, Led Zeppe­lin etc. Ainda pode-se dizer que outros talvez podem ter marcado a juventude de sua epoea. · Nossa juventude de hoje deve ser marcada por eoisas novas e verdadeiras e nao por traidores merceniuios (. .. ). o punk hoje e um movimento que esta defasado em seus ideais. Ha diversas forma~oes ideologicas que estao em eonflito e que prejudicam 0 movimento. Nota-se um~ delinea~ao eonservadora e uma liberal. A conservadora e formada na maioria por jovens que come<;aram a participar mais tarde, clevido a pOllca informac;ao ou idade, scm saber ainda seu ideal. Essa turma lembra os tempos de agressao fisica de 77 e isso e porque des s6 conhecem hist6rias, nao viveram realmente essa fase quanclo existiu . ]a os liberais sao as que tem urn conhecimento mais profunda do que e ser punk, que a agressao deve ser visual, pode ser extravagante, assustadora, mas visual e nao sadico-rnaso­quista. Mais au men os num tipo de expressao, de trajes e de palavras punks que retletem a vida que vivemos. Em sintese, nesse texto, esta posta a questao da

divisao dentro do movimento punk com relac;ao a ques­tao da violencia. De urn lado, jii se professava entre os adeptos que a agressao deveria acontecer atraves do visual , da roupa etc. e se distinguiam dos que eram acusados de estarem partindo para a agressao fisica. Os considerados adeptos da agressao fisica cram tambem aqueles que roubavam, agrediam e que, principalmente, "deturpavam 0 movimento". Nesse caso, indiretamente, estavam enquadrados os que usavam simbolos nazistas, os conservadores, que "Iembravam os tempos de 1977". Nessa ocasHio, predominavam as posic,:6es niilistas, anar­quicas e violentas, justamente as que tinham atraido os jovens.

No editorial do fanzine "S.P. Punk" numero 0 , de junho de 1982, ja encontramos uma grande preocupac;:ao

98

I

I ,

com 0 fato de a imprensa ter construido uma imagem negativa dos punks:

S.P_ Punk Os jornais e revistas que divulgaram 0 movimento punk no Brasil, desde 0 come<;:o, distorceram as ideias propostas pelo movimento . Eles diziam que os punks de Londres eram muito vio\entos, que eles salam pelas cuas , brigando com todo mundo e que eles ate matavam, nao mostrando aos leitores brasileiros 0 que realmente era a movimento punk. E como Sao Paulo e uma cidade muito grande e exist em varios bairros e suburbios, foram se formando gangues, urna distante da outra, e estas gangues foram muito intluenciadas por esses jornais e revistas, pois era 0

tinico meiode informa<;:ao. Logo emseguida, estas gangues se tornaram violentas tambem. E, :l medida que 0 movi­mento punk foi crescendo em Sao Paulo, estas gangues foram se encontrando, sendo que algumas delas entraram em choque entre si e outras se aliaram para ficarem rna is fortes. Mas isto nao parou por ai. Por causa de alguns punks de Sao Paulo e do ABC, se criau u~a rixa entre est:,s cidades, uma rix. tao grande que eu nao sel como nao morceu ninguem ate hoje. AJguns caras, venda toda ,e~sa violencia , se infiltraram no movimento com 0 proposlto de roubar e bater nos outros. E isso atrapalha 0 movimento. A polida, os jornais, a sOci:dade etc., nao n~s :nc~ram como movirnento. 0 punk e violento, mas a vlOlencla do punk est. no visual, como roupas fora d,o c?mum, cabeJo~ coloridos moicanos e arcepiados_ A vioiencta do punk esta tam bern na musica, como aquelas que tern letras falando da verdade sem disfarces, acompanhadas de acordes agres­sivos. Esta e a violencia do punk. Nao e sair por a1 rnassa­crando todo mundo, sern ao menos ter urn motivo. A briga que existe entre os punks dificulta que se crie urn verdadeiro movimento punk aqui em Sao Paulo. o pessoal precisa ser mais unido. Nao quero dizer com isso que todos devam andar juntos e, sim" acabar :orn essas tretas (brigas,lutas, ser e impor-se atraves da vlOlenCla) que existem entre os punks_ A tonica do editorial e a suposta distorc;:ao que jomais

e revistas estariam fazendo ao divulgar 0 movimento punk no Brasil . Difundindo a violencia dos punks em

99

Page 52: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

j , Londres , a imprensa poderia acabar influenciando as gangues de Sao Paulo que tambem poderiam se tomar violentas. 0 perigoso disso seria que as brigas entre eles dificultariam a eria<;:ao de urn verdadeiro movimento e a sociedade nao os reconheeeria como tal.

Correlato a tudo isto esta 0 receio de que a soeiedade nao leve a serio a bandeira de anarquia do movimento punk.

o numero 2 do fanzine "Fator Zero" coloca claramen. te a preocupa<;:ao em separar "anarquia" de "violencia" , procurando deixar claro que anarquia nao e bagun<;:a.

A violencia do punk deve estar nas musicas, roupas e atitudes, sendo que esta e a agressao de pessoas civilizadas. Outra coisa a ser dita aqui e que ja se vi! pessoas confun. dindo anarquia com violencia. [sto e tao ridiculo quanto as mesmas pessoas confundirempunk com rock. A~ pessoas que vivem no meio punk sabem que a violencia nao leva a nada. No emanto, cominuam com a mesma memalidade. Voce fala em anarquia e os "nego" saem quebrando tudo. Punk nao e e nunca foi isso. Se tern de se brigar, e pra se brigar como uma coisa normal. Brigas a~olltecem em tadas as partes do mundo. Mas brigar ao cumulo de existir guerra entre uma cidade e outra e ridiculo. Punk e violento. Violemo nas letras das musicas no visual nas atilUdes. E agressiio inteligeme de pessoas~ivilizadas : que sa?em, com palavras, mostrar que nos 56 queremos sel" aceltos no mundo sem term os de compartilhar da ruina pessoal de gente da c1asse dominante. Esta se so se fode e depois nos poem na bunda. E, pam mostrarmos isso nao precisamos destruir ou nos autodestruiimos. Punk no Brasil ,so.depende dos proprios p unks pra ir em frente. 0 resto e so 0 tempo. Mas todos devem deixar uma marca de passagem, uma marca de luta, de razao, de protesto, e nao uma Inarca de sangue.

o numero 1 do "S.P. Punk", por exemplo, trouxe um texto sobre a anarquia, segundo 0 qual

A anarqula nao e bagun~a e multo menos ordem (. .. ). Quase wdos anarquistas procuram a revolu~ao. Alguns foram vlOlentos, outros apenas apoiaram a violencia. A

100 FACULDp DE DE EDUCAc;:AO. U8P

BIBL I OT ECA

11

'1

1

violencia e inevitavel na revolw;ao e esta , por sua vez, e inevitavel no progrcsso ( ... ). Os anarquistas nao aereditam que 0 homem seja born por natureza, mas acham que 0 seja por natureza social. Se 0 homem e por natureza capaz de viver em uma soeiedade livre, e evidente que aqueles que tentarem impor scjam os verdadeiros inimigos da sociedade. Nesse easo, 0 anarquista seria 0 contrarlo de urn destruidor. Seria urn regenerador que vai restabelecer o equilibrio necessario Ii sociedade. Quem fala em equili· brio nao pensa em caos. Fica clara, nesse texto , a preocupa<;:ao em se afinnar

que anarquia na~ e bagun<;:a e em afasUi·la da ideia de destrui<;:ao. 0 anarquista se opoe ao destruidoc, sendo, na verdade, urn regenerador que tern por objetivo esta· belecer 0 equilibrio e nunc a 0 caos. Tal sistematizac;:ao do conceito de anarquia se posiciona exatamente contra· ria a concep<;ao veieulada em nlvel mundial pela tetra da musica dos "Sex Pistols".

Outro manifesto , que circulou ainda nessa epoca, tentou definir 0 significacl~ -ip 'lnarquia para 0 movimen· to da seguinte mane ira:

Voce se diz punk e ainda nao sabe 0 que significa anarquia. Pois esta ai: anarquia quer dizer sem governo, sem ·auta ri· dade e lideres superiores. Onde todos podem trabalhar e ter uma vida mais justa e digna de urn ser humano. Sem sec explorado por patroes e governos que sao da mesma panelinha, s6 pensam em obter beneficios proprios, valo· rizando as pessoas apenas por sua fon;:a produtiva e nlio no sentido humano. Sobre a mesma questao , 0 manifesto intitulado

"Punks Anarquistas x Aldeia Global" aponta que o anarquismo e uma doutrina ultraliberal, is to e, favoriivel Ii liberdade completa do ser humano, Iiberdade esta com· preendida como 0 mais nobre valor etico que conduz a criatividade, ao respeiw ao semelhante e i natureza. o anarquismo nao e uma religHio e muito menos urn partido, nad possuindo, portanto, nem lideres nem profe· tas. Quamo Ii rela~ao entre punks e anarquia, surgiu provavel· mente a partir da musica "Anarchy in the UK" dos "Sex

101

Page 53: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Pistols" . Porem sao varias as ligar;:oes entre 0 pensamento punk propriamente dito e 0 pensamento anarquista mais antigo. Asslm como a anarquia nega totalmente a necessidade de chefes, chefetes e patroes, propondo que cada pessoa seja seu proprio Messias, no movimento punk nunca houve urn lider, isto e, uma ·autoridade que dissesse a outros punks o que fazer. o movimento punksurgiu naturalmente como uma forma de revolta da juventude proletaria diante da podridao da sociedade decadente, com seus burocratas envenenados e instituir;:oes castradoras. Seria chover no molhado dizer que os punks sao contra todas as formas de repressiio e propriedade. Portanto, apoiamos todas as invasoes de terra, todas as lutas por melhorias socia is, todas as lUlas por pequenas liberdades, mas nunca esquecendo que nosso objetivo e a LIBERDADE COMPLETA e 0 fim de todos os sistemas de explora<;ao e escravidao humana, Apos 1982, iniciou·se de forma mais sistematica, atra·

yeS de alguns fanzines, uma reflexao maior sobre aim· portancia da violencia vista como uma resposta direta, urna a<,Cao direta necessaria contra 0 sistema, scus repre· sentantes e os grupos ou serores da sociedade considera· dos alienados, embora se admitisse a violencia como forma de rea~ao a provocac;:ao,

Por exemplo, em urn fanzine do inicio do segundo semestre de 1982, manuscrito e sem nome, com indica· c;:6es de que foi feito na Zona Leste de Sao Paulo, e cheio de "A" (de Anarquia), apos a pubJicac;:ao de urn xerox de uma materia de jomal intitulada "Presenc;:a da PM tumul· tua 0 show punk", tern os a seguinte reflexao a respeito da viol en cia:

( .. .) Sera que estamos agindo certo? Sera que nao estamos sendo muito pacificos? Sera que 0 punk brasileiro teni medo de lutar contra a repressao? Apesar dos fanzines levantarem a bandeira da anar­

quia e de condenarem a violencia, no cotidiano as rela· c;:6cs entre punks e anarquistas foi contraditoria e, as vezes, dillci\.

102

Essa contradic;ao entre a que os fanzines defendiam e ° que realmente acontecia pode ser evidenciada atraves da aniilise da fala de alguns entrevistados, A.c., por exem­plo, afuma que

Na epoca eu tinha 14 anos e nao tinha urn .parato te6rico para analisar, porque eu nao gostava da igreja (. .. ), eu nao aceitava tambem a "instituir;:ao familia" C ... ) . OS punks, mesmo sem 0 conhecimento te6rico do anarquismo, ti· nham uma "forma de comportamento" extremamente anarquista ( .. ,), uma forma de se organizar, de se autoguiar, de se contrapor a autoridade. 0 pessoal nao se identificava muito com 0 PT por causa da rela~ao com a igreja, A idemifica~ao s6 se dava enquanto trabalhador. Os punks, sem uma refiexao teoriea, ja eram anarquistas a nivel do cotidiano, nas atitudes , pensamentos, Mas a rela~iio dos punks com os anarquistas nao se resolveu faci!. Quando houve 0 congresso anarcossindiealista em Sao Paulo, os anarquistas nao queriam deixar as punks entrar no teatro ( .. ,). Estavam com medo da gente quebrar 0 teatro, S., por sua vez, relatou 0 que considera importante

dentro do anarquismo: Na epoca, pra nos, 0 punk era uma ruptura com tudo que estava posto culturalmente. A gente conhecia 0 pessoal do PT e tinha vista que na e poca as pessoas vinham conversar com a gente pra "fazer a eabe~a" e entrar em uma organi· za~ao, PT, PC do B etc, ( .. ,). A gente observava as hierar· quias dentro das organizar;:oes, que eram antidemocri­tieas, Na epoea, para os partidos comunistas, "fumar rna· eonha" era urn horror, Dentro da Convergencia Socialista corria uma "repressao de costumes". Nos criticavamos os partidos politicos, (. .. ) nao concordiivamos com a visao que tinham da soded.de, Os comunisras com a "repres· sao" a liberdilde individual ( .. ,) e 0 punk colocava a "eria· ~ao individual" como coisa suprema ( .. ,), As organizar;:oes coloeavam voce como "um" dos militantes e nao valoriza· yam 0 individualismo, Os "operirios" sao muito "caretas", gente que lutava pelo dinheiro, pelo salario, Nao queriam saber de problemas culturais, individuais, discrimina~oes rna is profundas, A gente apoiava porque 0 movimento grevista era contra a ditadura, Eu me identifico com 0

anarquismo, com 0 desejo de liberdade e com a nor;:iio de

J03

Page 54: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

uma sociedade mais justa sobre urn outro Estado, urn outro sistema de governo. Jii os comunistas vao manipular a presen<;;a do grupo no poder. Acho importame 0 anarquis· mo pelo legado cultural, texros, ideias e os punks sao os anarquislas da atualidade. 0 mundo mudou desde Malates· la ( .. . ) , mas os punks e os anarquistas lem muita coisa em comum. Tern aquela critica it midia e a industria cultural, que os anarquistas sempre se opuseram e que os punks vieram a se opor tambem. Eu leio sobre 0 anarquismo. Atualmente estou lendo as cartas de Bakunim, mas ler nao e 0 determlnante. Jaopunk U. relatou que Teve uma epoca que "uns velhlnhos' do Bras, anarquistas, tentaram uma aproxima<;;ao. Mas e1es liveram que expulsa· los do Centro porque estavam preocupados com a questao da "agress~o fisica". Para os punks existe a anarquia, 0

anarquismo ( ... ), e isto chega como algo antipolitico, anti· estado, antlpolicia etc. ( ... ). Mas, na verdade, tenho certe· za, eles nao tin ham informa<;;iio politica e se diziam anarquistas como uma forma antipolltica e acabaram dan· do urn semido para a pal.vra que 0 proprio Estado dii. Para I. , A maioria dos punks, por causa das idCias anarquistas, sao ligados Ii Central 0 - COB. Os simpatizantes do PT sao minoria. No meio operario existem muitos punks (0 en· trevistado ~ operario ern urna industria que produz plasticos) e e1es sao simpatizantes da COB e dos anarquis· tas por causa d.s ideias do anarcossindicalismo. Na opiniao de P., Existem atritos entre punks e anarquistas. Na Bahia houve urn atrito entre e1es. Depois trouxeramesta questao pra ser discutida aqui, em urn congresso, pois os anarquistas acharam que os punks eram baderneiros. Parece que teve uma passeata anarquista em que nao foi permitido que os punks participassem. 0 anarquismo do punk e diferente do anarquismo tl"ddicional. 0 punk e mais agressivo, em· bora na historia do anarquismo ele foi tambem agressivo. Os punks ate que leem alguma coisa ( ... ), como Bakunim, Malatesta ( .. . ), mas sao fragmentos. Para os punks, 0 anar· quismo tern uma conota<;iio mais existencial, de vida prii· tica. Houve tentativas de aproxima<;6es entre punks,

104

"carecas" e anarquistas, Dentro do movimento "careca", que aqui no Brasil veio do punk, tinha gente que era anarquista tambem ( ... ), gente anarquista, socialista, uns que nao eram nada e tinha as nazistas. Agora 0 negocio ia para urn lado ou para 0 outro, au virava anarquista au virava nazista ( ... ), dependia de quem of ere cia mais infra· estrutura, informa<;ao etc., ou que "batia mais as ideias" tambem. Foi ai que se inflltraram mais no grupo de "care· cas" , que era 0 "mais nacionalista" . Os punkS nao sao tanto nacionalistas. Eles sao mais internacionals. Com relac;:ao as articulac;:oes e relac;:6es ideo16gisas e

partidarias, 0 punk A.C. relatou·me que Dentro do movimento punk, alern dos anarquistas, muita gente se aproximou da Libelu (Llberdade e Luta). Outros eram trotskistas ( ... ). Em Sao Mateus, 0 pessoal do PT tentou uma articulac;ao com os punks. N em todos os "carecas" nessa epoca eram ncofascistas. Eu conhecia dais "carecas" que eram do PCB e do PC do B ( ... ). Na epoca, estes dois "carecas" estavam defendendo a guerrilha, a movimento guerrilheiro ( ... ), mas em 1982 nos iamos fazer guerrilha com quem? }a 0 Sr. J, membra do Centro de Cultura Social

(centro anarquista, no Bras, Sao Paulo), estabeleceu dis· tinc;:6es entre as punks e "carecas" em relac;:ao a suas posic;:6es politicas:

Os punks sao mais internacionalistas e os "carecas" mais nacionalistas ( ... ). Uns parecem rnais nazistas , de direit •. Tudo parece urn grdnde quebra·cabec;a. Eu acho que tudo depende do grupo e da confusao que e1es fazem. Nao hii uma certa unldade em termos de ideologia, ou de pensa· mento, ou mesmo de visilode mundo. A (mica coisa que pode \lni·los em bloco, no caso dos punks, e a contestac;ao ao regime, ao status quo, ao capitalismo, ii sociedade como esta constituida C ... ). A outra coisa e 0 antimilitaris· rna radical, e mesmo as "carecas", que chegam a publicar nos fanzines palavraes contra os militares . Eu acho que uma das coisas que coloca as "carecas" em posi<;iio de hostilidade contra os punks e que alguns desles se proje· tam atraves da musica e acabam sendo cooptados pelo sistema (; .. ). Eles come<;am a dar shows, espetaculos e atrair publiCO. Uma gravadora vai la, oferece dinheiro e

105

Page 55: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

alguns acabaln se tornando profissionais, arrumam empre­

sacios. Os "carecas" nao aceitam isso. Consjderam uma

trai~ao a postura, a ideologia, a contesta~ao. 0 "Mambem·

be" fOi reeentemente depredado porque uma banda punk

estava tocando lao Ternaqui urn rapaz, que inclusive esocio

do Centro e jii foi punk, e metalurgico e estuda a noite.

Elc, por exernplo, ·fez uma critiea Ii palestra do F. C .. . ),

dizendo que ele nao colacou 0 lado operiirio dos "carecas",

pOis estes, da faixa dos punks, sao os rna is pobres, sao do

suburbia , da periferia. Tern urn jornalzinho, chamado "Pie·

be Punk", em editorial mostra a luta que eles levam, as

dificuldades no trabalho, as dificuldades da vida na perife'

ria, as condi~oes de habita~ao etc. Mas hii tambem aqueles

de tendencia nazista. Eles p odem sec cooptados peia ex·

trema·direita facilrnente. Tern um fanzine aonde eles se

definem como nacionalistas e ai perdem a identidade

como libertarios. Mas, na maio ria dos punks, 0 discurso

deles e mais proximo do anarquismo C .. ). Eles reproduzem

textos do Malatesta, Proudhon etc., comb. tern 0 Estado de

maneira generalizada. Todos eles estao empenhados na

campanha do "voto nulo" nas proximas elei<;,:oes. Mas tern

a historia de urn rapaz que se propunha a fazer "guerrilha

urbana" (. .. ). Me disseram que ele deixou 0 movimento

punk e entrou na TFP (Tradi<;;ao, Familia e Propriedade). ]a 0 problema dos punks, e mesmo dos "careeas" , contra

a exercito e a lei pela qual as firmas tem de garantir a vaga

quando 0 rapaz fez a inscri<;,:ao para 0 servi<;,:o militar. A nao

ser que seja um superdotado, a empresa dispensa antes

C·· .). Nessa idade e comum vcr os rapazes desempregados,

ou tendo que se submetera um subemprego, trabalhar sem

registro profissional. Entao a policia para quando estio

sem registro na caneira profissional , leva para a delegacia, bate etc. (. .. ) e isto causa uma tremenda revolta.

Atrayes deste depoimento, percebe·se que, para 0 51'.

J., 0 discurso dos punks esta mais proximo dos anarquis·

las do que 0 dos "carecas" , os quais , mesmo nao se

definindo COIllO nazistas, perderam a "identidade de Ii·

bertarios " deYido ao nacionalismo assumido. E perce be·

se tambem, nesta e em outras entrevistas, criticas veladas

aos punks e mesmo aos "carecas", como a referencia a extrema fragmenta~ao e a falta de unidade em tennos de

106

pensamento, que poderiam gerar impreyistos e agres·

s6es gratuitas. Assim , apesar de, na pratica, os punks

buscarem uma unidade e uma coerencia exatamente

atraves da no~ao de movimento, eles nao eram vistas

dessa forma, ao menos pelos anarquistas. Apesar de

serem reconhecidos como os maisproximos dos anar·

quistas, considerava·se que eles podiam surpreender, ou

atraVes da depredac;ao de urn teatro onde iria ser realiza·

do urn encontro de anarquistas, ou, entao, porque, subi·

tamente, podiam partir para a agressao fisica contra

pessoas, "sem maiores motivac;:6es politicas".

Ainda que os primeiros fanzines procurassem afastar

o punk das conotac;:6es de Yiolencia e agressiio fisica,

tentando estabelecer uma aproximac;:ao com 0 anarquis·

mo e suas lutas, a verdade dessa identificac;:ao e aproxi·

mac;:iio revelou·se problematica. Freqiientemente, a

pratica, as a~oes e posturas dos diversos grupos egan·

gues contrastavam com 0 que era defendido pelos fanzi­

nes. De qualquer fonna, 0 que verificamos, em sintese, na

analise dos fanzines publicados em 1982, e que eles

tiveram uma nitida preocupa~a6 em construir urn moyi­

mento punk que pudesse ser visto pelo conjunto da

sociedade como algo serio, urn movimento de revolta de

jovens conscientes. Entretanto, apos 1982, apesar de

varios conteudos anteriormente defendidos continua·

rem presentes, notamos 0 aparecimento de temas novas

e reflex6es divergentes. Talvez possamos atribuir este

fato it multiplicac;:iio dos fanzines que comec;:aram a apa·

recer nos suburbios e em outras cidades do Brasil, refle·

tindo diferentes postmas.

3. A consolidac;:ao de uma rede

o ano de 1983 marca a proliferac;:ao dos fanzines, que

passam a ser produzidos nao apenas por elementos liga­

dos as diversas bandas, mas tambem por jovens espalha·

107

Page 56: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

I l

1

I

dos pelas periferias e em varias cidades do Brasil. Neles, alem de noacias das bandas do Brasil e do resto do mundo, temos artigos contra 0 usa de drogas, analisadas sempre de urn ponto de vista pejorativ~, sobre a guerra nuclear, a ecologia e a violencia policial. Entretanto, 0 que se destaca neles e a publicat;ao de textos, enviados por punks e skinheads do exterior, relatando a situa~ao e a rela~ao que esses gropos mantinham em diversos paises. Gradativamente, alguns fanzines constroem, no decorrer dos anos, urn quadro sobre os skinheads, enfa­tizando aspectos de violencia, de intolerancia e de radi­calidade.

o fanzine "S.P. Punk", numero 2, de mar\;o de 1983, por exemplo, trouxe urn texto sobre 0 movimentopunk e suas bandas na Finlandia. Ao relatar a situa\;ao em Helsinqui e Tampere, coloca que

( .. . ) infelizmente, alguns nazi-skins, que sao muito violen­tos, barem em punks e hippies. Nao e muito seguro andar pelas ruas de Tampere, especialmeme nos fins de semana ( ... ). A coisa mais tipica de tudo e a falta de coopera~ao entre os punks de Tampere e as de Helsinqui. Eles se odeiam mutuameme sem uma razao 6bvia ( ... ). Isto e muito triste. Se as punks finlandeses fossem unidos, 0 movimen­to punk seria mais duradouro. Mas se as coisas ficarem como estao, nao ha esperan~as (0 texto foi escrito por Voitto Vasko para 0 fanzine "Maximum Rock'n Roll", tra­du~iio do "S.P_ Punk"). Alem desse texto, 0 numero do fanzine "S.P. Punk"

trouxe outros que deixam clara a existencia dos ski­nheads nazistas e como estes travavam 'conflitos violen· tos com os punks.

1a 0 fanzine "Alerta Punk", numero 2, de julho/agosto de 1983, publica urn texto intitulado "Holanda Hardco­re", escrito por Tony Nitwit, cujo editorial relata que "os problemas e dificuldades dospunks de la sao os mesmos dos punks daqui":

108

Holanda Hardcore Escrito por Tony Nitwit 1980 Ano de confus5es, tiras e "ti)olos voando". A imprensa estava come,ando a pres tar muita aten,ao ao punk de novo. Parecia existir uma liga~ao entre squatters (jovens na Europa 'que invadem predios abandonados para morar) e punks, confusoes e tudo mais. E era verdade! Grande parte dos movimentos de jovens subversivos virava mais .au menos punk. Um punk e urn squatter e vice,versa. Jaquetas pretas, cabelo curto. 0 punk estava crescendo como 0 diabo! Por causa detudo iSso, as letras ficaram mais politicas tarnbem. Havia muitas gigs beneficentes: para armas it guerrilha de El Salvador, para squatters, para comites antifascistas, para festas de politica alternativa (grande divenimento). Po· rem, uma coisa ruim estava acontecendo: a violencia nas gigs crescia. As gangs eram: "Utrecht Punks Vber", "Rater· dam Rules", "Amsterdam Punks Kill" e outras. Como Ams­terdam tinha uma tradi<;;ao antinazista, nao havia muitos "nazi-skins" , mas 0 mesmo nao ocorria em outras cidades. As bandas e seus seguidores estavam ficando violentas tambem. 'Jesus And The Gospelfuckers" dificilmente po· dem fazer gigs porque eIe, sempre quebram a lugar, levam flis com eles que raubam, trapaceiam e agridem outros visitantes. E existem em abundancia outras bandas com este tipo de reputa~ao. Uma banda de skinheads com can~5es, como "Hotland White" (Holanda Branca), "Smash The Blacks" (Quebrern os Negros) etc., arrebentou corn "Skrewdriver" e 0 equipamento deles porque suas letras nao eram certas 0 bastante. Felizmente, islO era uma exce~ao. N6s chutamos esses merdas quando eles vern .qui. Nao se preocupem: com esses mesmos idiotas, a violencia e necessaria. Fodam·se nazistas! t!

Assim, esse texto relata as contradit;6es e brigas do movimento punk na Holanda e a existencia de skins nazistas com SUas respectivas bandas. Cita a banda "Skrewdriver", que, posteriormente, segundo informa· ~5es veiculadas em alguns fanzines, teria se hospedado com a Ku·Klux·Klan ao realizar urna excursiio nos EUA.

109

Page 57: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Dessa forma, os fanZines passam a ser urn elemento de informa<;ao sobre 0 movimento no exterior. Publicam trechos de livros sobre 0 movimento punk que, pelo menos ate aquele momento, eram ineditos no Brasil e divulgam letras de musicas e cartas de punks sobre 0

movimento. Assim, 0 fanzine "Alerta Punk", numero 3, de setem­

bro de 1983, dedica espa<;o para a publica<;ao de relatos sobre 0 movimento no resto do mundo. Destaca a publi­ca<;ao de uma carta , na qual se relata a situa<;ao dos punks na Iugosl:ivia. Termina fazendo 0 pedidopara que se escreva para Dario Cortese, desse pais:

( ... ) Eu preciso mencionar tambem a interpreta"ao do punk aqui. 0 quadro e feio. lnfe!izmente, existem alguns nazipunks de uns dois anos para d. Alguns desses punks estiipidos fazem manifestos I'2cistas e pro·nazismo. 0 qua­dro pintado dos punks e que eles sao racistas e totalitarios. Par causa desta generalizar;ao, as punks sao vistos como a "escoria da Terra". Hoje em dia a situar;ao e urn pouco mellior. Na minha opiniao, 0 gl'2nde problema e que os punks nao sao unidos e eu nao tenho noticias de muitas ideias construtivas entre as punks daqui. Quanto a polkia, eu nao tenho tido qualquer confrontar;ao com ela, e nao sei de qualquer punk que 0 tenha (a nao sec aqueles estupidos nazipunks ... ). Em 1984, a numel'o 4 do fanzine "Alerta Punk" tam­

bern segue com a preocupa<;ao de divuIgar 0 movimento existente no mundo, publicando textos sobre os punks no Mexico e na Wilia. No caso mexicano:

Tijucana. Esta e uma cidade relativamente pequena no Mexico, on de existe apenas uns 50 punks. Alguns sao esqueitistas, outros skinheads, mas isso nao e 0 problema, porque somos todos unidos par tres gran des razoes: ( ... ) anti-sistema ( .. .), antiguerra ( ... ), contra a discriminar;ao. Jii em relac;ao ao movimento na Italia, um jovem

chamado Marco Medici afirma, no mesmo fanzine: o movimento punk na !talia cresceu nos ultimos dois an os com problemas e lutas entre nOs. Hoje voce pode ver urn monte de skinheads que dizem: punks sao apenas lixo e

110

tentam ser violentos. Ou voce pode ve·los com suas roupas novas de Londres ( ... ). A maloria dos punks aqui vive em casa com os pais, porque e impossivel encontrar urn aloja­mento barato. A polleia e muito repressiva contra os squat­ters (pessoas que se alojam em casas abandonadas) e, entao, muitos punks se encontram nas ruas ou em pubs. A maloria dos punks segue as ideias anarqulstas, sendo a Organizar;ao Coletiva de Punks Anarquistas, de Milao, que fundou 0 "Virus", a primeira do genero. Atraves desse texto, percebemos, na Italia, a forma­

<;ao de "distribuidoras alternativas" com 0 objetivo de distribuir fitas de bandas e fanzines. Do mesmo modo, no Brasil, os fanzines tambem come<;am a trazer endere<;os de "distribuidoras punks", que comec;:am a tentar distri­buir fanzines, discos e fitas.

Assim, 0 comercio de artigos punks come<;ou a se desenvolver, inclusive utilizando-se de divuIga<;ao atra­yeS de fanzines. Inevitavelmente, com a pretensao de alternativo, formou-se urn comercio de artigos e musicas punk, com capacidade de atingir varios pontos do pais. Ao mesmo tempo, em lojas mais sofisticadas, a moda punk era vendida para suprir 05 desejos dos jovens de classe media. Afinal de contas, os conflitos entre 0 subur­bio e a cidade ja tinham sido contomados.

Alnda no mesmo numero do "Alerta Punk", encontra-mos 0 seguinte texto:

Eu nao fui a Europa, mas recebo material de l:i e sci que os punks de Berlim ocupam casas abandonadas. Tambem na Holanda isto acontece e, em menor grau, em Londres. AI; brigas com a polici. no continente europeu tambem sao grandes. Manifestar;oes publicas de desobediencia civil e protestos diversos, como jogar tinta em autorid.des, ma­nifesta<;oes de rua contra coroar;oes da nobreza europeia, jogar ovos em burgueses que saem da opera a noite ( ... ). E aqui no Brasil tanta gente sem casa, tanta casa do BNH vazia ... Nao era 0 caso de adotar a mesma forma de luta dos europeus? Voce fala que as protestos aqui nao existem. Existem, sim, so que tao pequenos e desarticuiados que nem saem nos jom.is - jomais que , por sinal, nem querem saber de divulga·los.

111

Page 58: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

I'

S6 esse relato ja nos aponta para ainfluencia das informa\;oes provindas do exterior. Entretanto, ao anali­sarmos as informa~oes que chegam desses palses e que sao publicadas nestes mesmM fanzines, podemos perce­ber que a situa\;ao relatada e bern problematica em varios casos. Observamos situa\;oes de brigas entre punks de cidades diferentes, divisoes internas, problemas com os skinheads, considerados violentos, Iigados as vezes a extrema-direita, e ate mesmo a confirma\;ao da existencia de punks nazistas e racistas. Ao mesmo tempo, entre os casos relatados, existem freqiientemente situa\;oes onde notamos que os punks tentavam se organizar, fundando bandas, cooperativas, construindo espa\;os pr6prios, or­ganizando-se em torno de determinadas bandeiras, como a luta contra a discrimina\;ao, e aproxirnando-se do anar­quismo e de suas lutas.

No Brasil, entre 1983 e 1986, os fanzines apresentam uma preocupa\;ao sistematica com as brigas e as desu­nioes internas. Estas seriam as causas principais da desu­niao e ate do flll1 do movimento punk no Brasil. As tentativas de uniao, entretanto, constitulam-se em urna tarefa dificil, pOis aqui e no resto do mundo a forma de organizac,;1io desses grupos apresenta extrema fragmen­tac,;1Io. Inumeras sao as facc,;oes, cada uma expressando valores e visoes de mundo muitas vezes opostos das demais. Refletindo essas divisoes, os fanzines, sem duvi­da nenhuma, sao, no fundo, uma grande fonte de infor­mac,;ao sobre as diversas facc,;oes existentes no mundo de punks e skinheads. Todos eies, porem,investindo na necessidade de urn movimento unido e fazendo critieas severas as brigas entre as diversas gangues.

Alem disso, se em 1982 uma das preoeupac,;oes era tentar separar a anarquia da violencia, nos anos posterio­res jii aparecem fanzines onde essa preocupac,;ao nao se manifesta. Ao contrario, eomec,;am a aparecer reflexoes sobre 0 papeI e irnportiincia da violencia, como eneon­tramos no fanzine "Anti-Sistema", numero 2, de outu­bro/novembro de 1984:

112

A violencia cega e pura ignorancia "A violencia cega e pura ignorancia" e uma frase dita por Genlvaldo, da banda "Pesadelo". Essa frase quer dizer que brigar s6 por brigar e Ignorancia. Nao s6 brigar, mas tambem outros tipos de vlolencia. C ... ) Nao estou pregando a passividade. Isto e apanbar sem revidar. Estou dizendo que temos de nos defender se formos provocados, mas nao ficar provocando para bater em tipos bunda-mole. Estamos vivendo hoje num mundo onde as mais fones e espertos pisam nos mais fracos. Usam a violencia, que e 0

jogo deles, urn jogo onde eles sao os melhores, os campe­oes. N6s s6 poderemos perder. Temos de usar nossa inteligencia e astucia que sao, sem duvida nenbuma, as maiores armas que pos5uimos. Juntando i5S0 a nossa for",a fislca e a nossa uniao, poderemos fazer muita coisa. Talvez nao derrubaremos esse sistema, mas, com toda certeza, vamos abalar eles urn pouco. E eles na~ vao nos chamar de marginais au jovens frustrados. Vao nos chamar de ho­mens conscientes. E iS50 que somos. A questao do valor da violencia tambem retoma em

urn outro manifesto. Segundo 0 mesmo, A vlolencia pre gada pelo Estado contra nos e a maior e a pior de todas C ... ). Para nos, a violencia e valida quando usada em legitima defe5a e contra 0 Estado C ... ), a violencia tam bern e valida ai, pais voce se defende, defende os outros. Nao e com socas, murros, chutes, facadas e tiros entre n6s que provamos uma for.;a C ... ). Ai vern 0 sistema e aplaude de novo, pais esta tudo como eles querem: se eles estao se medindo entre si, e porque eles nao tern essa for.;a C ... ). Par iS50, acho que ate a violencia, e talvez principalmente ela, tern que ser empregada no tempo, lugar e alvos certos. Nao desperdice suas for.;as. Gradativamente, urn cenario de violencias e brigas

tambem comec,;ou a ser relatado nos fanzines. Em 1985, o fanzine "Aborto Imediato" trouxe urn relata sobre 0

show "Dezembro Negro", realizado em Santos, Sao Pau­lo. Os "carecas do suburbio" sao materia desse texto, em virtude de uma briga com punks;

113

Page 59: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Ocorreram algumas tretas, mas tudo foi resolvido peIos proprios punks (. .. ). EJes nao colocaram urn leao de cha­cara para tomar conta do local e as tretas, com ou sem leao de chacara, iam acontecer mesmo. Ao contcirio do que muitos dizem, que foi culpa dos "carecas", eu discordo, pois os mesmos estavam desarmados e a fun de curtic, enquanto urn outro grupo de punks ilao. EIes estavam a flm de destruir rudo. A grande prova e que eles estavam armados e muito bemarmados, enquanto os "carecas' nao. Esse texto assinala que, a partir de 1985, comeo;:aram

a se multiplicar, nos [anzines, lextos e manifestos sobre a preseni;:a dos "carecas do suburbio", os quais, paulati­namente, ganhavam autonomia e come"avam a se posi­cionar enquanto membros de urn movimento diverse do dospunks.

Ao mesmo tempo, comeo;:aram a circular manifestos assinados por "carecas do suburbio", nos quais apare­dam criticas em relao;:ao aos punks, entre as quais, por exemplo, a de que teriam sido deturpados pela midia e pela moda e que estariarn se afastando de seus ideais de critica e contesta"ao.

o fanzlne "Aborto Imediato", numcro 2, de fevereiro de 1986, por exemplo, publicou 0 seguinte texto:

Da-Ules, "carecas" ( ... ) o espa,o punk se beneficia com a presen~a de uns cama­radas que, com sua excentricidade, alem de nao se corrom­perem peio sistema, demonstram sempre sua nega~ao perante ele. Sao os "carecas"_ o cenario punk tern sofrido muitos desgastes pelo proprio conflito interno, pois as tais "tretas" tern colaborado para a falta de urn "agrupamento" maior que resultaria numa luta unillcada contra 0 sistema que esta ai, ha muitos e muitos anos destruindo as pessoas por dentro. Esperamos que no avan,o da sodedade capitalist. (que cada vez rna is se beneficia) possamos tambem .van,ar em nossa luta contra eJa. Para tanto, necessiramos "resolver" nossos con· flitos internos e acabae de vez com as "quirelas" que atrasam nosso avan~o. Os "carecas" conquistaram seu espa\,o. Como eJes, outros "bandos" tam bern estao aruando, cada qual a sua maneira.

114

Se ha diferencia~6es, tudo bern. Porem, nao vamos deixar que elas prejudiquem novos eventos que possam pintar por ai. E vamos come,ae a "inventar" novas armas, mals eflcientes, contra esta coisa que nos corroi, que nos destroi Ientamente. Ao mesmo tempo, uma serie de manifestos produzi­

dos na Zona Leste e municipios vizlnhos, corpec;:aram a circular peIos suburblos e na Grande Sao Paulo, sendo alguns assinados genericamente como Movinlento "Ca­reCa do Suburbio". Em urn deles temos 0 seguJnte:

o movimento esta cada vez mais forte em Sao Paulo. Porque e urn movimento antica pitalista, antiimperialista e antimodista. E urn movirnento muito difarnado pela im­prensa, ja que a mesma jamais poderia comercializar 0

visual "careca". Por urn simples motivo: os fllliinhos de pa pai jamais se atreveri.m • se desfazet de suas belas cabeleiras, fazer tatuagens em suas delicadas cabecinhas ou vestir seus pezinhos de cristal com urn cotueno. E impassivel ser "careca" sem consciencia.

Temos ai a enfase no carater anticapitalista do movi­mento, assinl como na critica a todos os tipos de inlpe­rialismo, seja 0 dos EVA, 0 de Israel contra os palestinos, seja 0 da propria Uniao Sovietica. Alem disso, hfI uma posi<;ao antimodismo, 0 que significa que os "carecas" repeliam a utiliza"ao de urn determinado tipo de roupas au musica etc. , pela industria da moda e pelo propria mercado.

Os "carecas" procuraram se afIrmar como grupo, principalmente naquilo que uma parte dos jovens subue­banos questionava nos punks. Por outro lado, seu forta­lecinlento, alem de se dar apos 0 fun da "guerra" entre 0

suburbia e a cidade, contou com 0 auxilio de uma con­juntura em que varios punks criticaram seu rnovinlento e naquilo em que chamavam de "rumos do movinlento". Estes outros pontos, a seguir, sao demonstrados atraves de fanzines e manifestos.

115

. I

.1'

I , I

Page 60: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

4. Punks, skinheads e "carecas"

Enquanto a presenc;:a dos "carecas do subiirbio" se

fazia sentir cada vez mais, em contrapartida comec;:aram

a circular manifestos assinados por punks preocupados

com os "rumos do movimento". Houve, por exemplo, 0

"Carta aberta aos punks", produzido em 1986 por jovens

punks da Zona Leste da cidade de Sao Paulo.

Carta aberta aos punks o punk e 0 uoica movimento de contraeultura que pregou

a necessidade de destrui~ao da sociedade capitalista e a

cr/ac;ao de urna nova ordem social em seu lugar. Porem,

esse movimemo menosprezou uma filosofia tida como a

mais avancada dos ultimos tempos, para se colocar somen­te enquamo movimento musical e se desdobrando em urn

sentido que vai de encontro aquilo que sempre repudiou:

o movimento hipple, ou seja, negando a sociedade parem

nao a contestando, objetivando transforma-Ia de fato. E nesse sentido, que para restabelecer urn movimento tao

significativo e avanc;ar em seus objetivos, para urn estagio

posterior, se unificar com outros individuos que se eoeon­

tram em uma p osi"iio marginal dentro d. sociedade, mas

que, porem, estao isolados, sem terem uma perspectiva de uma a .. lio priitica. Assim sendo, achamas que a momento e dos mais ferteis

para se compor uma for .. a social, onde a identifica<;ao se

concretize como pessoas exploradas e oprimidas pela

soeiedade, e a partir dai, objetivarmos formas efetivas de

destruirmos urna ordem social que se alirnenta da miser/a

geral, consolidando urna nova relar,;ao entre os hornens,

fundamentadas na igualdade e na justic;a social. Local: Estar,;ao de Sao Caetano, ao lado do Jumbo Eletro.

Nesse manifesto, fica clara a preocupac;;ao com 0 fato

de 0 movimemo punk ter se colocado Uenquanto movi­

mento musical" e de ter menosprezado seu objetivo de

destruic;:ao da sociedade capitalista.

Em um outro manifesto, a mesma preocupa<;ao e eVidente:

116

Manifesto Punks ou nflO-punks, todos estamos venda 0 momento

pdo qual 0 movimento punk passa_ Nao e dos melhores,

pois nao tern os urn sallio, nem um ponto de encontro, nao

temos shows e, com iSso, poucas bandas e poucos zines.

o punk hoje deixou de ser um movimento de contestac;lio,

de protesto social, para ser um movimento musical. A

partir do momento que a musica punk emrJ para 0 mer­

cado fonogriifico (discos), deixa de representar urn perigo

para a sociedade e e, portamo, absorvido pelo sistema.

Outro motivo dessa rna fase e que 0 punk critica e fala

muito, mas na priitica nlio faz nada. Nos ainda estamos

naquela fase de falar e protestar contra a guerra nuclear.

Nao sou comra, pois todos estamos sujeitos a urna guerra

atomica e a seus efdtos. Mas n6s estamos esquecendo que

moramos no Brasil. Aqui as pessoas nao morrem de radia­

c;ao, mas, sirn , de forne e de doen<;as que s6 urn pais como

o nosso, subdesenvolvido e de um povo subnutrido, pode

ter. Ate quando isso vai durar? Ate quando vamos negar

uma reaJidade que estamos cansados de veri Ate quando vamos copiar os europeus? Nao sou naciona­

lista, mas estou cansado de ver a devastac;ao de nossas

florestas por empresas rnultinacionais. Estou cansado de

ver a Nova Republica que de "nova U so tern nome, das

mesmas mancadas do passado. Estou cansado de v~r 0 jii

tlio conhecido cacetete democriitico reprimir a classe tca·

balhadora. Voces jii pensaram que a Constituinte esta ai e

que ela vai ser feila par encomenda pelOS burgueses da

camara e do senado? Por isso, estamos chamando 0 pessoal a urna reuniao, para

sentatmos e conversarmos ever 0 que podemos fazer para,

juntO com todos os .setores marginalizados dessa socieda·

de, temar mudar esse maId ito sistema que tanto nos repri·

me e suga nossas vidas.

Nesse manifesto, alem do levantamento de questoes

politicas, hi a preocupac;:ao com 0 fa to de 0 movimento

estar cada vez mais articulado peIo mercado de discos.

Isto significa que varias bandas estariam preocupadas em

se enquadrar dentro do mercado. Na verdade, os temores

etens6es presentes nestes manifestos, e em outros que

circulavam principalmenteentre 1985 e 1986, indicam

117

Page 61: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

nao apenas a preocupac;:ao com os "rumos do movimen­to ", mas cambem sinalizam que algumas posic;:oes e criti­cas que tradicionalmente eram feitas por punks estavam sendo assumidas pelos "carecas". E, dai, a preocupa"ao em reafimlar que continuavam sendo urn movimento de jovens pobrcs, quc visavam com bater e ate destruir 0

capitalismo, que eram contra a articula"ao das bandas pela midia e pela moda, que estavam preocupados com a atua"ao das multinacionais etc.

As tensoes presentes no movimento punk cambem foram enfocadas pela grande imprensa nacional. Assim, "0 Globo"· publicou 0 artigo "Os punks dao a volta e voltam a ditar moda". Essa materia realizou urn balan"o dos dez anos do movimento punk em Sao Paulo, anali­sando suas diferencia"oes internas, divisoes e , principal­mente, apontando a existencia de skinheads em Santo Andre, cidade do ABC paulista, como aqueles que usam a violencia e sao "capazes de agredir pelas costas". Natu­ralmeme que os punks, atraves da reportagem que se baseou em relatos dos mesmos, foram enquadradas como sendo praticamente 0 OPOSIO daquilo que seriam "carecas" ou skinheads. Assinl, 0 texto relata que:

Vistos como mais uma pe~a curiosa do cenirio metropoli­tano da metade da decada de 70, perseguidos depois pela policia, repelidos pela sociedade , ospunksvoltaram com tudo. Os discos das bandas do genero vendem, hoje, mesmo sem um eficience sistema de divulga"iio, ate cinco vezes mais do que 0 ano passado. Surgem algumas grava­doras independentes, que man tern correspond en cia com seguidores em todo 0 Brasil. As multinacionais acenam ' com urn canto de sereia, tentando contra tar os principais grupos, na expectativa de continuar invest indo no filao do rock. Mas a atitude deles e urn misto de alegria e apreensao. 0 motivo e simples. 0 movimento - e eles detestam essa palavra - esta dividido. ( ... ) Hoje, segundo a maioria dos jovens entrevistados, a parte violenta concentra·se em Santo Andre . Sao os chama­dos skinheads, que sempre, segundo a mo"ada da cidade, silo capazes de agredir peJas costas. A maior parcela dos

113

pUT/ks da cidade, que sao minoria no panorama geral, e formada pelo hardcore. A lendencia deles e pacifista. Conslderam-se anarquistas e posicionam-se contra as guer­ras e armas nucleares. Nao se deve confundir seu estilo com 0 de seus antecessores hippies, que sonhavam com paz e am or. Se tiverem a guerra pela paz, os hardcore sao capazes de pegar em annas. Mas se os punks estavam preocupados com seu rno­

vinlento, em contra partida nao tardou que comec;:assern a aparecer criticas e analises sobre os skinheads nazistas em fanzines. Por exempIo, 0 fanzine punk "Woe. Zine", numero 2, de Sao Paulo, de oUlubro/novembro de 1986 pubJicou urn texlO sobre as diversas correntes exislente~ entre os skinheads estrangeiros. Afirma que, entre aque­Ies, existiriam os redskins, os skins nazistas e os skins/"Oi!" 0 aUlor, umpunk, posiciona-secontra os que eram nazistas e principalmente contra 0 fato de punks e "carecas" brasileiros usarem a suastica nazista. Argumen­taque

Se a pessoa e lalina ou brasileira ( ... ), esses animais nos consideram lixo por pertencermos a urn povo diferente do deles. E continua: Ap6s urn born tempo de correspondencia com urn skin alcmao, pude juntar material suficiente para escrever este arrigo. Espero que os curios os e interessados no assunto possam a proveitar algo, jii que, se dependermos de certos jomais e revistas, estamos fodidos, po is s6 escrevem merda e mentiras sobre coisas que nao entendem! Quando se ouve falar em skin por aqui, ja se associa isso a nazismo. Na verdade hi nazistas no movimento, mas is so nao significa que todos sigam esta linha de raciocinio. Hi divergencias ideologicas entre os skiT/heads, 0 que faz com que eles se dividam em tres grupos basicos: Redskins - Formam a ala comunista do skinhead. Nao sao a maioria, mas sao um grupo muito coeso e organizado. Quase todos militam em organiza~oes de esquerda de seus respectivos paises (principalmente as tendencias trotskis­tas. Aqui 0 endere~o· de uma fanzine red: Repressives Chaos - Frank Renken / Feldtor 9/2721 / Fintel / W.

119

Page 62: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

11 I

Gennany. A forte diferen~a ideol6gica faz com que detestem e sejam detestados pelaala direitista do skin (que vern abaixo). Isso foi 0 que eu pude peg.r de urn sklnzlne ("Pure Impact Skins") d. BeIgica, aonde a maioria das bandas sao de direita e algumas nazistas: • Do Editorial: "C ... ) e sobre os redsklns? 0 que fazem esses caras alem de arruinar nosso movimento? Por exemplo: em Paris M urn squat Ccomunidade altemativa feita em locals invadidos) aonde anarcopunk e redskins moram juntos. Urn dia alguns amigos pegaram aque!es merdas vennelhos e descobriram livros do Lenin, Marx, Mao. Que foda e essa? Eu pergunto a voces redsklns: skins? Claro que nao. Eles nao passam de relespunk. Esmaguem os comunas!" • Da Banda "Hope and Glory" (lralia): "N6s sempre toca· mas com bandas skin , mas, tempos atris, tocavamos com bandaspunk. Os shows foram urn. grande merda ( ... ). N6s nao gostamos de bandas como "Wretched", "Negazione" etc. Porque eles sao merd.s .ssim como sua musica." • Da Banda "Disterreicher" (Austria): "C ... ) nao hi condi· .;Cies de lan<;armos lim disco agora em virtllde de nossas !etras C ... ). A maioria de nossas letras e contra judeus, as quais sao nossos verdadeiros inimigos." • Da Banda "Riot Class" CBelgic.): "( ... ) 0 skin domina 0

poder Branco para a Europa! ( ... ) Se eu tivesse 0 poder n. Belgica, resolverla 0 problema dos imigrantes. Seria 0 presente mais bonito que receberia, mas isso e 56 urn sonho. Est. e a minha terra e eu vivo aqui, da tern que voltar a ser branca e limpa de novo." • Do Editor da Zine para a Banda" Alto Palo" (Fran.;a): "Eu concordo totalmente com 0 que voces dizem em sua musica 'Rien it Foutre de L'Ethiopie' ('Nao de uma foda para a Eti6pia '), mas voces estao prontos para ajudor pobres e infelizes de seu pais ou da Europa? ( ... ) M muitas almas carldosas que estao cuidando disso na Fran.;a. [sso nao me interessa! Se eu estivesse duro, gostaria que alguem me ajudasse, mas como nao estou C .. ). Para completar a Rafael me contou que urn cara escreveu para a banda "Four Skins" e que na resposta eles diziam odiar latino·americano e mandaram urn PAU desenhado (este caso fOI reiatado tambem por um dos "carecas" entrevistados). Ourras bandas que tem ideias fascistas sao "Skrewdrive" (lnglaterra), "The U.S. Chaos" (EUA), "White

120

Pride" (EUA), pra cirar somente algumas. Fanzines que publicam ideias como essas sao: "Pure Impact Skins·, "Bras·Tendu" (Fran.;a), "The Trut ar Last" . A revista "Revo· lUl;ao Branca" e como 0 editor a define: "Nosso objetivo e servir a juventude branca como um todo, unida atraves do Nacion.l Socialismo" (maneira covarde de dizer "nazis· moO); "New Dawn" (revista da juventude do Partido Nazis· ta Ingles). Agora quero fazer uma pergunta a voce que leu ate aqui: o que voce achou do lixo que esses caras tern no cerebro? Eu simplesmente digo: boicotem esses canalhas!!! Nao gas tern seu dinheiro para encher os balsas ou dar publici· dade a esses bastardos! Nao fa,a propaganda daqueles que te cospem na caNt! Voce e brasileiro, e latina e nao tern por que se envergonhar disso. Esses anima is nos conside· ram lixo par pertencermos a urn povo diferente do deles. Nao sei como e possive1 alguns punks e skins aqui do Brasil terem a coragem de usar suiisricas em suas roupas. Quando os tipos Iii fora olham iSso, na certa devem dar risada enos chamar de oriirios. TE L1GA, PORRA! Esses nazi·skins Europeus tern a coragem de se levantar contra os imigrantes de paises pobres que se dirigem para la em busca de trabalho. E, quanto aos banqueiros, e quanta iis multinacionais que sugam todo 0 dinheiro e riquezas do Terceiro Mundo? Os imigrantes estao cectos em ir pra Hi em busca de algum dinheiro! Latino·america' nos, aSiaticos, afrieanos, entupam a Europa!!! Por fim temos 0 Skin!"Oi!" Eles nao se envolvem com politica. Acham que 0 skinhead tern que continuar como urn movimento de classe operaria, fie! as suas raizes, sem se vender a partidos , sejam eles de direita, centro ou esquerda. Hi muitas bandas que lutampra manter a politica, princi· palmente a de direita, fOl"d do skinhead. Algumas delas sao "Nabal" (lralia), "Decibelius" (Espanha), "Combat 84" (In· glarerra). Se voce tern algum comemirio a fazer ou se quiser acres· centar alguma informa, ao extra, escreva. (Materia feita pot' Hudson) Esse texto, alem de relatar as divergencias entre os

movimentos no exterior, po de ser considerado tambem como um exemplo de como as informa<;Cies chegavam

12 1

Page 63: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

aos punks e "carecas" no Brasil. Assim, explica-se por que todos os entrevistados decJararam-se razoavelmente in­formados sobre as divisoes e conflitos existentes, em outras partes do mundo, entre punks e skinheads_ Os canais dessas informa.,:oes percorreram caminhos multi­plos, sendo os fanzines, a imprensa e a midia em geral, muito importantes para essa difusiio_ Alem deles, segun­do decJara.,:oes dos entrevistados, OUlros canais, como cartas, discos, fitas cassetes, fitas de video, mantinham os jovens desses grupos constantemente a par das varias tendencias vigentes no exterior.

Um "careca"apontou que, no ano de 1986, uma das reportagens produzidas pda imprensa estrangeira, a qual alguns grupos de "carecas" tiverain acesso, por exemplo, foi uma publicada pela revista francesa "Le Photo ,,7. Nes­sa reportagem, os skinheads foram denorninados pela revista de ·verdadeiros profissionais da guerrilha urbana" e foram fotografados com suas jaquetas , coturnos, cal.,:as militares ou jeans, com as cabe~as raspadas e com inu· meras tatuagens pelo corpo, entre elas, a suastica nazista. Urn dos varios dcstaques dessas fotografias sao grupos de skinheads "fazendo a saudac;iio nazista", com broches e bra.,:adeiras nazistas, alguns mascarados, armados com facas, rifles e porretes. Outra sequencia de fotografados revela skinheads em "sessoes de treinamento militar ", com adestramento de taticas de defesa e ataque e apren­dizado de lutas rnarciais. Segundo a materia, a regra dos skinheads franceses seria: "Violencia extrema pelo Fuh­rer!" Assim, a reportagern e a sequencia de fotografias apontam os skinheads como simpiiticos ao nazismo, como violent os, classificando-os como "profissionais da guerrilha urbana".

Outro texto produzido por punks do Recife , publica­do no fanzine "Revolta Proletaria", de julho de 1987, apresentou uma serie de questionamentos feitos pelos punks. Apontou 0 que considerava como distof(;:oes, contradi~oes e ambiguidades entre as posturas defendi­das a nivel de discurso pelos "carecas" e 0 comportamen­to que assumiam na pcitica, no cotidiano:

122

II Encontro Antinuclear Tudo come~ou quando Regina ("Prisao Perpetua") se en· trosou com Joe 90 evu-us 27") ao ponto dele se lnftltrar no pequeno grupo. Ai comec;:aram varias discussiies devi­do a divergencias de opiniiies. N6s somos a favor cia uniao de estilos, a favor do movimento punk e ele com urn falso radicalismo dizendo que 0 punk e ultrapassado e que anarquia nao tern futuro, e intuil. Comer;:amos a discordar porque nao somos nacionalistas, nem moralistas, muito menos a favor da tradir;:ao e costu­mes como os "carecas" sao. Joe falou que quando alguem se droga nos shows, e1es se juntam e dao urn pau na pessoa que esta se drogando. Aiirmou que a futica causa do terminG do show foi a maconha que estava rolando em todo 0 bar. Essa opiniao era unanime entre os ·carecas". S6 que em nenhum momento 0 dono do bar falou em maconha. AJegou apenas que jii era hora de parae devido ser tarde e estava incomodando a vizinhanr;:a. Sao contra bandas, como "Garotos Podres" , que se vendem e negam o passado. Pura hipocrisia deles, ja que lanc;:aram seus discos, "Virus 27" e "Tropa Suicida", s6 esperam agora toear no Chaerinha, Globo de Ouro e nas FM's da mQda de todo 0 pais. Mas como entender urn "eareca" antidroga se ele mesmo nos relatou suas experiencias com "fumo", "cola" e "pico''? Eque quando eStava s6 com Regina, pediu pra fumar a "baga" que sobrou do baseado que a gente deu uma "bola" scm ele participar? Ele falou que, quando estava na rodoviaria de Sao Paulo, deram um pau em duas minas que se beijavam em publico, alegando que aquele nao era lugar para aquilo. Mas como aceitar essa ideia se ele mesmo propos a Regina que todos daquele quarto fizessem sexo grupal (inclUSive que eu participasse). Logo dii pra concluir que esta porra de movimento "carecas do suburbio" nao tem nada aver com punk. Tanto que des afirmam que sao as unicos atuais (moda) e que 0 punk {: coisa do passado. Concluimos, entao, ja que nao que rem unHio, n6s tambem nao queremos uniao com eles. Se sao nacionalistas, logo aprovam a existencia de um exercito, aprovam 0 dominio pelo Estado. A Regina ja estava puta da vida. Nao 56 e1a, mas todos, de tanta babaquiee e falsidade. Numa das brigas, ele diseutia sobre homossexua· Iismo. Regina afirmou ser homossexual so mente para irri· tii-Io e fazer com que ele se toea sse da posir;:ao ridicula que

123

Page 64: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

assumiu, com opinioes que nada tern a ver com a reatidade. Ele, injuriado porter trepado com "sapatao" (segundo ele), disse para 0 resto do pessoal que eramos homossexuais. Quando nos encontramos com 0 pessoal, todos nos trata· ram na maior indiferen<;a. o texto acima deu lugar, no mesmo fanzine, a urn

manifesto contra os "carecas do suburbio", 0 qual circu­lou em varios fanzines de divers.s partes do Brasil:

Nasce urna nova consciencia: podemos chamar de "Movi· mento Anticarecas do Suburbio" Dentro das observa~oes que fizemos sobre os "carecas" que vieram para 0 II Encontro Antinuclear (. .. ), descobri­mos que eles nao querem uniiio com outros movimentos. Dizem que n6s punks temos letr-ds que baixam 0 pau no Brasil e que eles sao contra esse antipatriotismo, sao contra dragas, e, no entanto, encheram a cara de pinga. Nao usam palavras, como gig, que nao vem do porrugues. Mas 0

nome de um tider deles eJoe 90 e curtem bandas inglesas, alemas, italianas etc. Sao tantas as merdas que tern na cabe.;a que slmplesmente encerro os comentarios para chegar a urn. conclusao: sao nacionalistas, nazistas, racis­tas, tradicionalistas e machistas porque nao acreditam n. for~a das minas. Coisas que n6s punks nao somos. Eles poderiam mudar 0 nome do movimento para "TFP -Tradi~ao, Familia e Propriedade", porque acham que, com a for"a bruta, vao consertar 0 mundo. Nao entendo como eles nunca estao envolvidos em agressoes contra politicos, em protestos de interesse social. S6 estao em agress5es a outros movimentos e bandas , como "Ramones lf e "Siou· xie". Deve ser a inveja porque estas bandas estao no auge e e exatamente isso que querem: subir ao poder. Ser estrelas. Dizem que sao os unicos atuais. Punks tern urn. pro posta ultrapassada. Simplesmente querem ser moda. Eu os com­paro aos darks, s6 mudando 0 cenario e a forma. 0 cenario dos darks e a zona rica das cidades e 0 dos skins, 0

suburbio. A forma de visao dos dar'ks e 0 panico, refietir e expandir suas depress5es. E a forma dos skins sao os museu los: quanta mais gente eles baterem, mellior. Sinal de que sao fortes. Sera que os skins VaG tomar 0 lugar dos darks nas revistas da modal Nos especiais da TV Manche· tel Nas par-Adas das FM's?

124

\ '.

Nesse manifesto ficam claras algumas cnticas endere­"ad as aos "carecas", como ao machismo, a uma falsa posir;iio antidrogas, apenas oficialmente assumida, as posturas nacionalistas, nazistas e racistas, e que se ex­pressariam atraves da for"a, dos musculos e dos espanca­mentos. Apesar desse manifesto ter sido produzido dentro de urna situar;ao de confronto entre "carecas" com punks de Recife, ele e multo importante para a pesquisa. Alem de ter circulado em fanzines pelo Brasil, revela atraves de urn texto escrito urna serie de oposir;6es e contradir;iies que ja envolviam "carecas" e punks.

Naturalmente, esse manifesto e 0 texto publicado no fanzine de Recife geraram rear;iies entre os "carecas do suburbio". Em Sao Paulo, eles produziram textos onde foi reafirmado 0 carater de seriedade e fmneza dos prop6si­tos de seu movimento, mostrando·se solidarios entre si, diante da critic a feita pelos punks.

Alem disso, alguns dos "carecas" que estiveram dire­tamente envolvidos no episodio procuraram dar sua ver­sao a respeito dele. No fanzine "Brigada de Resgate", de Aracaju , numero 3, de novembro/ dezembro de 1987, hi uma entrevista com os membros da banda "Tropa Suici­da", na qual, aH:m de darem sua versao sobre 0 aconteci­do, eles afirmam que foram "covardemente apunhala­dos" pelas costas e que:

Defendemos a uniao entre movimentos verdadelros, de pessoas com urn objetivo real e verdadeiro. Nao queremos que modistas, embalistas, falsos punks que nao passam de hippies viciados, de pen dentes e vegetadores covardes e molengas , atr-Jpalhem 0 verdildeiro movimento e sujem 0 simbolo da anarquia . Acreditamos na uniao de "carecas" x punks x ecologist as x anarquistas x libertarios e outros movimentos conscientes. Temos que limpar 0 nos so mo· vimento (. .. ). A gentetoca Shunk, som para "carecas" (skins e punks). Nom do mais, 0 termo skinhead nao se encaixa com as ide;as e dire<;5es dos "carecas" do Brasil. E outra realidade, nada a ver com os curopeus e aSiaticos . "Carecas" e Brasil (. .. ).

125

Page 65: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

"

Assim, frente a uma situa<;ao de conflito, temos urna reaf1rl1la<;;ao, vinda de uma das bandas, defendendo os "carecas" como sendo um "movimento que quer a uniao de todos os jovens conscientes" e que sao contra os "falsos punks, hippies viciados e os embalistas". Em suma, uma reafinna<;;ao de serem membros de urn movi­mento e nao meros baderneiros.

Mas, ao se reafinnarem para 0 publico em geral como "carecas do suburbio" e nao como skinheads, a preocu­pa<;;ao principal deles era a de afastar as acusa<;;5es d~ violencia, racismo e nazismo. 0 problema, entretanto, e que esses mesmos questionamentos e acusa<;;5es apare· ciam internamente, refletindo ambigiiidades, tens6es e confiitos que ai existiam, e que tambem sofreram desdo­bramentos externos. E essa questao que examinaremos a seguir.

Notas

1. 0 Estado de S. Paulo, Abril de 19f12. 2. 0 Estado de S. Paulo, maio de 1932. 3. Revista Leia Uvros, dezembro de 1982. 4. Alguns fanzines punks publicados nos anaS seguintes passaram a

enquadrar os ~Four Skins" como uma banda ouvida por skinheads europeus de extrema direita.

5.0 fanzine "ESP\lfik", numero 12, de Salvador, em 1989, publicou uma entrevista com a banda "The Exploited". Em urn trecho da reportagem, 0

mesma Wattle, ao sec perguntado sabre as sua_s posiljoes po~ticas, af!rI?0u que "ha pessoas de quem eu nao gosto. Mas naD sou urn fasclsta. As UlllCas pessoas que real.mente eu odeio sao as paquistan.eses. Gosto,de pretos, ne~ros, entao nao odeio todas as pcssoas. Apena& paqulstaneses e arabes eu odelO. E nao hi uma maneira de mudar meu modo de pensar C··.)"·

6.0 Globo, fevereiro de 1986. 7. Revista Le Photo, janeiro de 1986.

126

IV. OS "CARECAS" POR ELES MESMOS

Os "carecas do suburbio" sao 0 centro deste capitulo. Para compreende·los, deve·se examinar, primeiramente, alguns dos valores fundamentais do movimento, procu­rando captar 0 sentido eo papel que eles assumem. Em seguida, destacar a violencia, nao apenas pelo seu papel instrumental de unifica<;ao dogrupo dos "carecas", mas, principalmente, pelo fato de que, atraves de seu exerd· cio, as idealiza<;;5es de for<;;a, potencia, heroismo, pude· ram se. concretizar. Em terceiro lugar, analisar 0 significa· do do racismo e do nazismo para 0 grupo. Finalmente, aprofundar a analise de algumas das contradi<;;oes e am· bigiiidades existentes no interior do movimento, procu· rando demonstrar 0 fato de que elas denunciam a existencia de diferencia<;5es, disputas e conflitos inter· nos que visam ao controle do movimento.

1. Representa<;oes e concep<;;oes

Vma das quest5es que 0 "careca" sempre procurou deixar claro e a preocupa<;;ao em manter a dignidade, a exigencia de respeito pelo fato de ele ser um trabalhador.

127

Page 66: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

~ I r

I I

(--' \ Segundo sua visao, 0 "carec~' 'trabalhi e se diferencia do bandido, do marginal, que sao_Q.eilnidos como aqueles que nao trabalham, roubam 0 pobre, vendem drogas para sobreviver etc_ E interessante observar que, para eles, apesar de assumirem a treta (briga, luta, ser e impor-se atraves da violencia), a violencia, isto nao significa que se considerem ban didos e que adotem 0 nao-trabalho como estrategia de sobrevivencia.

o "careca" E., de 18 anos, por exemplo, relatou que, em uma reportagem sobre os skinheads ingieses a que teve acesso, ficou espantado em saber da existencia de um skinhead, com 27 anos e desempregado, tinha namo­rada e dinheiro para sair com ela:

CoO.) 0 Brasil nao e a Inglaterra, onde existe urn seguro desemprego que di para sobreviver. Esse desabafo expressa a consciencia de que suas

necessidades deviam ser supridas atraves de um saHirio que the garantisse sobreviver, evitando ter problemas com a policia e, principalmente, nao ser confundido com os desocupados.

Alguns entrevistados apontavam ainda que, no Brasil, quem esta sem emprego e nao tem carteira assinada sofre uma serie de problemas, podendo ser preso durante qualquer batida policia!. Tal fato 1evou alguns "carecas' a perceberem que a situa~ao vivida por eJes era diferente da dos skinheads ingIeses. E que is to os obrigava a ter uma postura diferente em re1a~ao ao trabalho. Assim, a maio ria deles procurava deixar claro que 0 bandido, 0

marginal, de um modo geral , e aquele que, quando de­sempregado, nao fica preocupado em procurar empre­go.

Nota-se que a raiva e 0 desejo de destrui~ao, freqiien­temente endere~ados ao sistema e aos corruptos, nao significavam uma recusa total em participar desse mesmo sistema. Na medida em que havia a preocupac:;:ao com 0

respeito e a dignidade de um trabalhador e em assumir esses valores, isto implicava, de certa forma, assumir a

128

etica do trabalho, que e um dos elementos centrais de constitui~ao do modo de produ~ao capitalista.

o que se percebe e que os "carecas do suburbia" nao pretendiam assumir uma postura de marginalizados pelo sistema. Urn dos entrevlstados, por exemplo, mostrou orgulhosamente, em seu pequeno quarto no suburbio, a televisao, 0 aparelho de som, os discos e uma pequena dispensa, dizendo: "Tudo isso paguei com meu dinhei­.ro". Omros entrevistados posicionaram-se contra aqueles que andavam sujos, rasgados, como faziam , em sua opi­niiio, punks e hippies.

(oO.) adianta voce andar pela rua todo sujo, rasgado? C ... ) assim voce nao vai conseguir ser ouvido e nao pode difundir suas idbas. Omros ainda disseram que procuravam difundir,

principalmente para os mais novos, a ideia do escudo, do trabalho. Mas estava claro, para muitos, sua origem subal· terna, as dificuldades e as barreiras sociais existentes, 0

que praticamente impediria que pudessem "dar 0 saIto" , "cair fora" de sua posi~ao de classe.

Em muitos "carecas", corno}.C., 23 aflOS , derectamos a preocupa~ao de mostrar que 0 movimento "careca" era

.!!m " meiQ..<J.~ protesto", uma a~ao consciente, e nao coisa dt 5e5ado"'c-drogado:

( ... ) e urn meio de protesto, mas, ao mesmo tempo, uma busca de urn lugar.na sociedade, (oO.) a idda de vencer n. vida, estudar, nao tomar drogas, praticar "cultura fisica " etc. Fica claro, conforme as dec1ara<;6es de A., que eles

eram jovens decentes, aliados a urn movimento serio, de jovens pobres e trabalhadores dos suburbios.

Parece que foi exatameote devido a preocllpac;:ao de serem vistos dessa maneira, que houve tambem unanimi­dade em deixar claro que os "carecas do suburbio", diferentemente dos skinheads ingleses, nao estavam in­teressados, enquanto movimento, em promover distur­bios dente~ de estadios de futebol. Os conflitoS, as trems, segundo os entrevistados, ocorriam contra aque1es que

129

Page 67: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

eram considerados inimigos, como os hippies, roqueiros,

punks, boys, marginais etc. Estes formavam grupos para

disputar seu territ6rio e eram drogados , alienados, fracos

etc. Os entrevistados assumiram que, no cotidiano, per·

tenciam a detenninadas gangues. E todos eies se identifi­

cavamcomo pertencentes a urn movimento que, atraves

de urn conjunto de rtgras e normas, buscava pautar as

a~oes de seus membros. Mas a ado~ao de determinados

comportamentos e atitudes que agridem pelo menos· a

determinados setores da popula~ao, como a violencia ou

as declara~6es . d.t: simpatia pelo nazismo, fOi, em varios

casos, explicada atraves de uma serie de justificativas. No

caso da viol¢nda, foram constantes as declara~6es do

tipo o mundo ~ 'o sistema sao violentos e apenas mostramosa vioi(:ncia que jii. existe (. .. ).

Ou, entao, Hitler, na verdade, estava preocupado com os destinos do

trabalhador e acabou sendo vitima das persegui~oes do imperialismo.

Essas declara<;oes, no minimo, apontam para esque­

mas de amilise da realidade simplistas e maniqueistas. De

qualquer maneira , ao se montar em oposi~ao ao movi­

mento punk, ° movimento "careca do suburbio" tam·

bern buscou eta borar uma etica e uma moral proprias que

dessem significado e orientassem as a~6es e condutas de

seus membros.

Entre os vaJores que se desenvolveram no decorrer

dessa busca, esta a importancia do culto ao corpo. 0

"careca" concebe·se como urn homem forte , musculoso

e nao usuario de droga. Como diz urn fanzine "careca":

Temos que crescer enos fortalecer! Esportize·se. Afaste·se do vicio. Todo "careca" deve entrar numa academia e praticar uma luta, ginistica , correr etc. Temos que ficar

preparados para enfrentar 0 dia-a-dia na cidade, mas de

cabe~a erguida , ou seja, nao vamos deixar que 0 movimen­

to "careca" seja marginalizado.

130

Assim, 0 , C~t;pO devia sec sao, forte e preparado atra­

ves de lutas milrciais para enfrentar 0 dia-a-dia, concebido

como urna verdadeira guerra cotidiana. As roupas deviam

refletir este fato , como 0 coturno, as cal<;as militares ou

os jeans, os suspensorios, os cabelos cunos, as vezes

raspados. Este seria 0 visual ideal, cuja ostenta<;:ao, entre­

tanto, no cotidiano, os "carecas" atualmente evitam por

temerem ser reconhecidos como tais e, em conseqiien­

cia, serem demitidos de seus empregos e perseguidos

pela policia.

Para eles, urn corpo forte exige uma mente limpa, que

esteja afastada das drogas. A nivel de discurso, a maioria

dos entrevistados nega que as consuma ou ° fa~a de

forma sistematica. Mas existem testemunhos que apon,

tam que, na realidade, muitos deles as tomam, apesar de

o movimento ten tar caracterizar·se como contrado a elas.

Portanto, seria dever dos "carecas" afastarem-se do vido,

pOis 0 consumo de drogas e por eles concebido como

urna fonna de aliena<;ao, de valvula de escape que, na

verdade, serviria para nao .t' y.::rceber 0 mundo, a socie­

dade tal como ela e. Para eies, se 0 movimento e de jovens

conscientes, que estao dispostos a formar urn exercito

para salvar 0 Brasil, seria necessario que estivessem longe

das drogas. Essa ambiguidade com rela~ao ao uso de drogas entre

os punks e os "carecas" apareceu em dec1arar;:oes do

punkA.C.: o Claudinho era urn cara com quem eu sempre cheirei cola. De repente, ele entrou para os "carecas" e vern aquilo de "antidrogas" Coo.). Mas entre os "careeas" existem caras

que "fumavam" (00.), mas para 0 mundo exterior Coo.), nao! As a~oes deles ficavam muito dissimuladas Coo.). 56 depois

que eu vim a descobrir ate que ponto estavam envolvidos

em drogas. Que coerencia existe na eabe~a desses caras? Com relar;:ao as drogas, a gente, do movimento "punk", come~ou bebendo pinga. A gente tinha acesso, porque a

m.ioria de nossos pais bebiam durante 0 feriado Coo.). Da pinga todos passaram para os barbituricos. Depois passa·

ram para a cola e da cola para a maconha. E da cola, muita

131

Page 68: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

I ,

gente passou para 0 acido e ate drogas mais pesadas. Tern u,m amIgo rneu e urn outro que trabalhava em urn hospicio, al 0 tal do Tom tinha acesso as drogas ( ... ). E os dois tomaram, 0 meu amigo acabou ficando doidao. Dentro do movimento ''punk", quase todo mundo, de uma forma ou de outra, cunia drogas ( ... ). Mas ista era uma coisa de peciferia ( ... ) e nao precisava ser ''punk" para tomar droga.

~as tamb~~ existem decJarar;oes que apontam no senUdo contrano. Ao relatar·me parte de sua est6ria de vida, J.e. cont?U que, antes de sec "careca", ele foipunk e que, nessa epoca, fumava maconha e cheirava cola. Seg~mdo ele , era urn. momento de sua vida em que estava mUlto revoltado, pnncipalmente por causa das necessi. dade~ que todos passavam em casa. Nessa epoca, tudo estana ditlcll, pOlS seu pai tinha abandonado a familia. Mas seu irmao rnais velho era "careca" e procurava dar 0

exemplo para os irmaos mais novos procurando nao chegar bebado e nem drogado em ~asa. Urn dia, ele resolveu entrar para urn gropo de "carecas" e ai teve que parar de usar drogas para ser aceito.

Nos depoimentos sobre a questao do culto ao corpo, observa·se urn certo "hedonismo", urn certo orgulho frente ao corpo forte. Sao pobres, porem fortes. Em urn contexto onde 0 pobre e fraco, subnutrido humilde 0

:careca" pode ser pObre, mas e forte, orgulhoso e alti~o. E ainda interessante notar que 0 visual "careca" e consi. derado como 0 que nao e incorporado pela industria da mod~. c:omo aparece em varios fanzines, "urn filhinho de papal nao vai querer meter seus pezinhos em urn COtur. no",

o que re~ete esse culto ao corpo? Sabemos que esse corpo forte e valonzado e cultivado pela sociedade em geral, sendo urn verdadeiro objeto de desejo. Assim os "carecas:' possuiriamalgo que e valorizado e ate desej;dO pela socledade. 0 corpo constitui-se em uma forma de auto·afirmar;ao. E como se d}ssessem: "Somos pobres, mas fortes, e temos algo que e valorizado por esta socie. dade, mas , esta £or<;:a, este corpo, e para ser utilizado contra esta mesma sociedadc ". Portanto, 0 corpo nao e

132

exaltado como prova de virtude do capitalismo, mas sim para ser utilizado contra 0 proprio sistema.

Relacionado a isso, esta 0 fato de que 0 "carec~" se visualiza como urn heroi, urn guerreiro que , atraves da forr;a, da altivez, da niio·submissao, impoe-se socialrnen· te. E provavel que, por detras de tudo isso, escondam·se urn desejo de autonomia e liberdade impossiveis de se­rem realizados na pratica.

Relaclonado ao culto ao corpo, encontramos ainda 0

gosta dos "carecas" pelas tatuagens. As mais freqiientes sao a aranha em sua teia, a suastica, a caveira, 0 machado e a clava. 0 problema e que elas custavam caro c era preciso juntar dinheiro para faze·las. G. deciarou que nao fazia tatuagens por "falta de grana". 0 "careca" N., 26 anos, declarou que

Tern cara que se tatua no corpo inteiro. A pessoa gosta, para mostrar que e "careca". Eu nao tenho nenhuma tatua· gem, mas 0 pessoal tern C .. ), como a teia de aranha, punhal, suastita etc.

F., 19 anos, irma de N., disse que o Nando tinha uma tatuagem no brac;o, a su:istica C ... ), mas jogaram acido nde, na tatuagern, na delegacia, quandD foi preso. Meu irmao nao gosta de tatuagem. ~le d~z que suas tatuagens sao as "cicatrizes" . As pessoas tern vanas tatua· gens porque nao hi urn padrao. Tudo depende do gosto. Durante uma das entrevistas, alguns "carecas" (G., L. ,

M. etc.) apontaram urn "careca" que chegava e que ostentava 0 corpo cheio de tatuagens. Segundo deciara­<;:6es , e1e era considerado urn dos mais tatuados do rn~vi­mento. No entanto, ele se recusou afalar sobre elas. Alem das tatuagens, e tambern no corpo que as cicatrizes ganhas nas tretas aparecem, sendo e1as urn motivo de orgulho para [Odos as "carecas" e, de certa forma, urn simbolo da dignidade operaria reconquistada.

133

Page 69: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

2. A violencia

Outro aspecto que buscamos analisar equal 0 signi­ficado da violencia para 0 grupo e como trabaIbam com ela. Alguns dos punks entrevistados foram testemunhas da constitui<:;ao dos "carecas" atraves dos anos, como V., que esteve pr6ximo as gangues "carecas".

Eu sai do movimento punk por causa da violencia dessas gangues, principalmente a violencia dos "carecas" C ... ). Isto merece urn estudo C ... ). A caractenstica deles e a vioh~ncia, mas 56 que a violencia existe tanto entre as punks, quanta entre os "carecas" por causa da rivalidade entre os dois grupos. Voce viu 0 filme "As Cores da Violencia"? Essa manifesta~ao da violencia come<:;a a ocor­rer em Sao Paulo. 0 que nao se aproxima da realidade brasileira Co 0 lance do trafico. No maximo, e 0 assalto. Quando eu estava no movimento, era comum encontrar pessoas com armas brancas, estiletes, machados. Os "care­cas" andavam com machadinhas. Hoje em dia, eles andam com armas de fogo. 0 negocio esta ficando barra pesada. Eles sa em por ai atirando, matando. So que nao sai no joma!. Eu resolvi me afastar no dia em que urn amigo meu tomou 17 facadas. E isto ocorre porque voce e da gangue A, 0 outro da gangue B, e sem motiva~ao ideologica, ou algo mais concreto. Essas coisas de violencia acontecem muito na periferia e por causa disso eu acho dificil sair no jornal. Ou, as vezes, nao se caracteriza as mortes, as brigas, como ocorrendo por rivalidades entre os grupos C ... ). Muitos deles estao presos. A violencia dos "carecas" e engra<:;ada e talvez se explique pelo problema do grupo. 0 E. falou que, quando estava em grupo, se 0 pessoal resolvia dar porrada em alguem, mesma que ele nao tivesse com vontade, tinha que dar. E se nao der, voce toma C ... ). Os "carecas" sao complicados. Eles sao da periferia, da Zona Leste e do ABC. Eles cultuam 0 fisico, tomam leite, lutam algulna coisa. Fora isso, eles tern umas caracteristicas "de grupo fascista, nacionalista, bandeira do Brasil desenhada. Tern uniforme que e 0 suspensorio, a cabec;:a pelada, tatuagem. Uma amiga minha, que conhece os "carecas" e chegou a fazer um trabalho sobre eles, falou que 0 racismo atribuido a eles e besteira. Eu nao sei dizer. Mas nao duvido que possa ter algo contra negros, nordestinos C ... ). 0

134

pessoal dai de Pinheiros tem "carecas' tambem. Tinha uma epoca que eu andei com eles C ... ). So tinha urn deles que era negro.

Outto punk, A.C., cuja gangue teve reIac;;oes estreitas com os "carecas do suburbio'. lembrou 0 momento em que ele e seus amigos punks come~aram a questionar os "carecas":

Ate aquele momento a gente se identificava mais com os "skinheads". Mas nos comes:amos a questionar a "vioH:n­cia pela vioJ(,ncia", bater so por bater C ... ). Eu acho que os "skinheads" ate dormiam armados. Eles eomec;;aram a pe­gar heavy metals, um pessoal que curtia rock e, para mim, isto era urn absurdo. Era um operarlo, um trabalhador, sujo como eu, e eu vou ficar pegando 0 eara? E as "carecas\ desde 0 inicio, queriam se impor, direcionaro movimento. Eles vinham no salao com um porrete nas maos e, se encontrassem alguma pessoa no saHio que criava proble­mas C ... ). Eu acho que 0 movimento "punk" deu um saIto quando questionou a violencia pela violencia, a violencia dessa forma. Se e para bater, vamos bater em quem da motivo. Vamos bater na policia, capotar a Rota. Ainda sobre 0 tema da vioIencia dos "carecas", 0

punk P. expressou a seguinte opiniao: Eu ja perguntei a um "careca" 0 porque da violencia. A resposta foi de que "0 mundo e violento". Eles usam a violencia para se auto-afirmarem como grupo C ... ). Usam a violencia para se defenderem da violencia C ... ) e tambem pra manterem urn nome C ... ). Existe urn nome para se manter, 0 dos "carecas do suburbio". "Vamos nos organi­zar!" "Vamos nos defender" e a resposta que eles encon· tram para um mundo que e violento. Eles vivem em trens. Em um trem voce pode ser assaltado pela policia, por marginais C ... ). Se eles estiverem organizados, com armas tambem, eles tem mais chances de sobreviver. Os "care­cas" sao mais organizados. Ai muito punk deixou de ser punk e ia ser "careca" porque era mais organizado C ... ). De certa forma, tinham mais prote<;:ao. Os "careeas" tambem usam tatuagem como a teia de aranha, a aranha, a macha­dinha etc. Usam isto para se distinguir. Assim com a cabe<;:a raspada e uma forma de se distinguir.

135

Page 70: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Analisando esses relatos de punks, percebemos uma convergencia na afmna<;ao da violencia como sendo uma das caracteristicas dos "carecas do subUrbio·, como algo que os unlfica e os constitul. Mas surge a pergunta: como a violencia seria vivida e percebida pelos "carecas do suburbio"?

Ao examinarmos, por exemplo, os relatos de N., 26 anos, sobre as rela<;5es de seu grupo com a policia, vemos que eles apontam urn cotidiano de brigas e mortes, mas tambem de certo respeito entre 0 "careca" e a policia:

A policia ate que gosta quando a gente pega os bandidos. Mas quando a gente quebra alguma coisa (. .. ), eles vern em cima e dao 0 maior pau na gente, mas depois nos soltam. Os bandidos tern me do de nos. Eles sabem que a gente e da pesada, nao estamos nem a1. Eles que fa<,;am 0 que dizem, desde que nao venham se meter com a gente. Se se meter com a gente, morre! c. .. ) mesmo na cadeia. La em Santos mesmo, teve urn som (Dezembro Negro). Os mala· cas nos viram e [alaram: "Vamos acabar com estes punks". No fim do som, estavamos indo embora e veio estes caras da favela. Nos quebramos eles (. .. ). Eles nao sabiam quem nos eramos e quiseram meter bala. A policia nos pegou nesse dia e falaram que n6s quebramos 0 6nibus. E verdade que nos quebramos 0 6nibus ( ... ), mas nao como fOi pubJicado na reportagem ( .. .) que disse que quebramos 0

6nibus e espancamos todo mundo 101 dentro. Isso e menti· ra! Foi por causa disso que fomos presos. Nilo fOi por causa que 065 batemos e esfaqueamos os caras da favela c. .. ). Os caras eram baodidos e estavam sendo procurados. A polio cia falou que oem ela entrava na favela . Nos entramos correndo atras deles, arrombando as portas. Ai 0 sargento chegou pra oos, (. .. ) estava todo mundo preso com a mao na cabe<,;a e disse: "E preciso colo car urn uniforme nesses caras aqui para ir na favela e dar cabo desses bandidos" (. .. ). Ai [alavam: c. .. ) "Morreram uns caras a1. Voces vao se ferrar com estes caras mortos". Ai viram que os caras mortos era tudo ban dido c. . .). Ligaram para Sao Paulo e as caras deram inforrna<;6es nossas C. .. ). Soltaram a gente ( ... ) , nao estavam nem at!

136

As violentas aventuras de N. pelas noites da cidade foram escritas e circularam em pequenos textos mimeo­grafados entre os "carecas" que 0 eonheciam.

Em algumas delas temos 0 seguinte: Quando N. nlio tinha 0 que fazer, ia para city catar heavys para rasgar todo 0 visual no proprio eorpo dos heavys a pancadas e chutes. Quando perguntado sobre qual a taZaO dessa raiva entre "carecas" e heavys, ele respondeu: "Ba· temos nos heavys porque usam visual semelhaote ao dos punks, seodo assim confundidos", 0 que tem aver isso? "Muita coisa. Exemplo: passa urn idiota desses numa fave­la os malacas nao sabendo distinguit punks e heavys, ti.:am urn barato, batem e roubam, pensando assim que fizeram isso eompunks. E quando passapunk, os malaeas pensam que sao os mesmos idiotas, so. pelo visual pareci· do, vao levar uma tam bern. 0 punk , ao contririo dos heavys, em vez de apanhar e ficar quieto, d~via reagir e morrer lutando. Isso tudo por causa de urn Visual de uns covardes". Uma vez N. estava indo para 0 Tatuape se encohtrar com os "carecas". Teve, entao , a IdHa de it ate Santana arrepiar algum pzmk da city antes de ir ao Tatuape. Chegaodo la, avistou urn punk. Quando esse punk viu N. se aproximar dele, logo viu que se tratava do nazista, pela bam beta preta com roupas pretas e cruz de malta brilhante no pescoc;o. Essepunk eome~ou a tremer e gaguejar. Ai estendeu a mao para eumprimentar 0 N., dizendo que 0 conheci~ pelo nome. Foi ai que N. deu·the urn chute e urn soco dlzendo que era "careca do suburbio" e que ele defendesse seu territorio. Mas tamanha foi a covardia do punk da city, que saiu correndo sem ao menos reagir. Vendo i5so, N. soltou uma gargalhada e foi ate 0 Tatuape se eneontrar com 0

pessoal. Foram todos os "careeas" num som em Utinga. Chegando Ii, dominaram 0 territorio. De repente, estava tendo uma treta. Foram chamar N., pais onde tioha treta, tinha que ter ele. Chegando l';os boys estavam correndo atcis do Claudinho e de Charles Braw. Nlsso um boy derrubou T. Chegando, N. interveio espancando 0 boy. Nisso, vendo que os boys e os heavys se uniram e vieram para eima de T. eN., pegou um peda<;o de pau e os fez reeuar. Foi quando gritaram para N. que C.L e C.B. estavam correndo

137

Page 71: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

perigo de morte por estarem encurralados numa rua sem saida de Utinga. Nisso, N. reuniu alguns ' carecas" e foram ao encontro do perigo, providos de pesados pedac,;os de paus. N. comandou urn massacre contra os idiotas. Nesse contra-ataque teve uma baixa para os boys. Ao verem iSso, se dispersaram desesperadamente. Os que se retiraram, chama ram a policia. Jii nao era s6 boy e heavy, mas tambem polieia. Os que seguiram N. conseguiram escapar pelo brejo, enquanto os que foram pelo outto lado roda­ram.

o "careca" N., que, grac;:as a estes textos, praticamen­te trailsformou-se em uma mistura de her6i de est6rias em quadrinhos com personagem de cronica pOlicial, e bern claro ao definir 0 significado da violencia para 0

grupo: Aqui no Brasil precisa ter violencia. 0 pessoal e muito folgado. Todo mundo e violento ( ... ), s6 que a gente mostra essa violencia para os outros. Urn dia encontrei urn cara que saiu do movimento par causa das tretas. Ai eu falei que a ideologia do movimento e a treta, nao s6 por causa do nome.

Ser "careca do suburbio " e, portanto, colocar-se pela violencia , uma violencia que e vivida como aquilo que faz com que sejam respeitados e temidos pelos outros . Alem disso, e por seu intermedio que 0 "careca" age e relacio­na-se com os outros grupos , criando uma ilusao de poder, forc;:a e potencia.

o "careca" E. , urn jovem branco, de 18 anos, desem­pregado na epoca da entrevista, deu sua opinHio sobre a violencia:

Eu ja vi varias entrevistas , pesquisas, que falam que alguem e assim porque mora no subUrbio, falta de dinheiro, a luta do dia-a·dia, porque e metalurgico etc. Mas nao e bern verdade, porqlle tern "careca" ou punk que e rico, tern grana e e classe media. Eu nunca fui proletario, nunca morei em suburbia , nunca fui tao pobre assim e fui punk , "careca", skin. Ell comecei por curtic,;ao. Achava que era legal, a violencia me atraia. Na epoca eu era bastante radical. Queria extravasar basta Ole a violencia . Mas eu sempre me dei bern com meus pais, nunca usei drogas,

138

nunca tive algo que me deixasse tao rebelde assim. Eu acho que fOi por conta propria, alguma coisa de dentto que a gente nao conhece, uma outra face da gente C".). E, entao, em uma curtic;ao, em urn grupo, em uma musica que a gente gosta, em uma ideologia que a gente adota, a gente libera esta outra nossa face. As vezes, eu me acho como urn conservador, outras vezes como urn anarquista, como urn rebeJde. Acho legallibenar esta outra face que eu nao conheo;:o. Eu nao entendb muito 0 anarquismo (. .. ), ell nao me interesso muito, porque meu outro lado nao me deixa chegar a tanto. Muita coisa que eu curtia na gangue era mais por embalo. Muita coisa eu nao concordava, mas, as vezes, eu tinha que concordar para estar junto deles. 0 nazismo, eu acho que nao tinha nada a ver com eles, mas eu dizia que curtia, era urn embalo mesmo. Mas 0 que eu procurava era urn pouco mais de rebeldia, violencia. Eu tinha receio pela minha familia. Como eu me dou bern com eles ( ... ) , eu nunca quis deixar eles numa situao;:ao de desespero. E a gente saia para catarpunks, heavy, destruir shows. Eu tratava de me preservar, para meu pai nao ter que me tirar da delegacia. Eu tinha tambem que preservar meu lade profissional, porque, nessa epoca, eu estava trabalhando e precisava da grana. Nao podia vicar mendigo C ... ). Pra vuce se entregar a umestilo de vida suburbano, voce nao po de estudar, trabalhar ( .. . ). Voce tern que virar urn mendigo. Eu tinha medo de que aquelas gangues com quem a gente brigava fossem na minha casa, na escola, em meu emprego, atrapalhar meu outro lade C .. . ), 0 lado familia.

Assim, conforme declarac;:oes de E. , a atrac;:ao pela violencia, 0 desejo de liberar sua face violenta, foi 0 fator preponderante para se tornar "careea". Mas sec violento era apenas urn dos momentos, ou urn dos lados de sua vida. 0 entcevistado trabalhava, estudava e procurava se dar bern com a familia. A vioiencia era vivida e assumida apenas nos momentos em que eStaVll dentro de seu

, grupo, com seus companheiros. Esta separa<;:iio apareceu em todos os entrevistados. Eles se definem como aquele 9ue, t.rabalha, estuda, tern moradia e vida familiar. Em s~p1a, .nao se definem como marginal nem bandido.

139

Page 72: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Assumir a treta, a violencia, significa tambem que se busca preservar os outros momentos de sua vida.

Outro entrevistado, ° "careca" M., 25 anos, ao dar os moti,::os por que nao gosta dos hippies, foi claro em rela<;ao ao significado que atribui it violencia:

Voce tern que ser de acordo com 0 mundo. Se 0 mundo e violento, voce tern que ser violento com 0 mundo. Paz e amor nao existe, nao existe paz. E 1989 ( ... ), seculo XX. Se voci: nao matar ( ... ), voce nao vive. Os caras, os hippies, estao parados no tempo, eles pararam. Voce ve esses caras so droga, so draga ( ... ). Nao tern urn deste que trabalh~ ( ... ). Eles ficam parados Iii com aquelas pulseirinhas. Voce passa e ele diz: "Oh! me dii urn cigarro ail" Ai voce respon. de: "Oh! meu ( ... ), vamos dar urn trampo ai, vamos traba. !har ( ... ). Aquele tempo jii passou". ( ... ) quando 0 policial mata, sai uma materia pequena ( ... ). Mas quando e urn punk, a imprensa faz grande estardalha. ~o. Voce viu 0 estardalha"o, em Santo Andre, quando urn punk matou um heavy? Veja 0 caso do cara que matou urn cobrador da CMTC ( ... ): ele andava com a gente, aquilo ali f01 urn caso que aconteceu por acontecer. Ele estava no 6nibus com a menina dele gravida e com outros punks que come<;aram a ?escer pela porta de tras ( ... ). E ele passou pela roleta e al 0 cobrador falou: "Voce vai pagar a passa. gem de todos". Ai 0 motorista parou 0 6nibus ao lado do Mappin ( ... ), a1 a menina dele come"ou a gritar e 0 cobra. dor do onibus juntou a menina dele gravida. Ai ele falou para a menina: "Da 0 estilete" e ela deu. Ai ele disse que nunca pensou que ia matar ( ... ). Era s6 para assustar ( ... ). D,eu um t~quinho assim e pegou em uma parte vital. Voce ve como e. Eu conhe<;o cara que tomou tres tiros e nao morreu. E 0 caso da morte do punk Iii em Osasco: ( ... ) dettveram os punks (. .. ), ai 0 policial enfiou uma metralha. d?ra n,a boca do cara ( ... ), houve um dispam ( ... ) e ate hoje n~ng~em sab; 0 ,:/ue aconteceu. Provave!mente foi promo. VIda. Se voce ~~1 na rua de cabe"a raspada, suspensorio, coturno, a pollCla prende. Se 0 punk usa moicano ( ... ). Iii para 0 "careca" L, 24 anos,

Nos jornais, 0 governo e os inte!ectuais nos atacam ( ... ). Falam que 0 punk ou 0 skin sao violentos sao baderneiros ne? Agora vI' se a gente e culpado por u~ monte de gent~

140

que vive debaixo da ponte ( ... ). Se a gente e responsave! por uma divida externa que eles fizeram ( ... ). Se a gente e responsivel pelas guerras ( ... ). Eles culpam a gente de tanta coisa! Eu traba!ho como porteiro. Poucos ganham muito e muitos ganham pouco ( .. ). Esses tiraram de quem nao tern. Se eu passo ali e urn sujeito me provoca - 56 que ninguem viu me provocar - eu pego urn pedac;;o de pau e estouro 0

cranio dele ( ... ). Eo pessoal fala: "Aquele cara e violento" ( ... ). Mas ninguem viu que e!e me provocou, me agrediu moralmente, fisicamente. E que eu tive sorte e dei no cranio dele, porque senao de me atacava ( .. .). Voce se of en de quando alguem olha para a tua cara e debocha!

Outro "careca", 0.,25 anos, aponta que A violencia e comum na periferia e voce aprende a ser violento, porque e uma queslao de sobrevivencia.

Para G., a violencia e algo gerado pelo sistema. Ele forneceu urn texto publicado no fanzine "For<;a e Uniao", de julho de 1987, do "Niideo de Consciencia Punk", que aborda a questao da violencia, sob urn enfoque com 0

qual G. concorda: Violencia as meios de comunicac;ao capitalista, como "Globo", "Fo· Iha de S. Paulo" e similares, vivem acusando os punks, "carecas" e libertarios em geral de praticarmos vioIencia atras de violencia, sem termos justa causa. Mas, na verda­de, 0 que a midia quer e colocar toda culpa em cima das pessoas conscientizadas e ativas que querem mudar essa podridao que assola 0 pais. Urn exemplo e este comercial que mostra urn pseudo punk, que, sem razio alguma, comec;a a espancar urn cara que estava com a namorada e depois sai correndo deixando 0 rapaz inconsciente e toelo ensangiientado, terminando com a frase: "Vamos viver sem violencia". lsso mostra claramente 0 que 0 sistema pretende. Ele quer que a populac;ao nao·consciente, ja condicionada a pensar tudo que os poderosos desejam, a pensar que nos somos 0 retrato da violencia. Mas, na realidade, e completamente 0 contrario. A violencia e gerada pe!o proprio sistema capitalista, que leva 0 homem a ser a causa ou 0 efeito da violencia. Um exemplo disto e o dinheiro que 0 estado arranca do trabalhador atraves de impostos mil. Em vez de beneficiar 0 povo atraves de uma

141

Page 73: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

I

irriga,,'o do nordeste , de uma reforma agraria, sao desvia· dos' para 0 bolso do poder. Consequentemente, havera assaltos, prostitui"ao, subnutri<;ao, miseria total. Mas e s6 isso a violencia? Diariamente no mundo morrem ate 100

mil pessoas de fome e doen<;as geradas pela desnutri<;ao, quando ainda se estraga alimentos em quanti dade suficien· te para impedir esse crime, essa calamidade diaria! Violen· cia e transformara terra em na\-oes pobres e ficas e a

humanidade num aglomerado de exploradores e explora·

dos! Este fanzine nao e feito para agradar alguem e, sim , para estimular a revolta e 0 raciocinio contra 0 sistema. E para voce, que insisle em vegetar sem lutar por nada. nosso recado: e melhor morrer de pe que viver ajoelhado (isto

vale para 0 Brasil tambem).

De tudo que ja vimos ate aqui, podemos coneluir que

a questao da vioJencia se coloca de forma complexa.

Temos inicialmeme a constatac;:ao, por parte dos entre·

vistados, de que a sociedade produz desigualdades , con·

flitos, contradi<;oes e mise ria e que, enfun, ela gera

violeneia, que, no fundo, circula demro da sociedade. Os

grupos dominantes, os privilegiados, posslIiriam meca·

nismos de poder, riqueza etc. para se defender dela e

tambem para utiliza·la em beneficio proprio, para manter

seus privilegios. A nivel do cotidiano, do universe social·

mente vivido, 0 uso da violencia e tambem uma forma de

se defender e de entrar para urn grupo, por exemplo,

para uma gangue. Alem dessas concepc;:oes sobre a violencia elaboradas

pelos "carecas", hft ainda • idei. de que a possibilidade

de transformac;:ao social passa por ela. Eneontramos essa

postular,:ao em varios fanzines , que serao vistos especial·

mente no capitulo V e que apontam para a eoneepc;:ao de

violeneia enquanto urn meio de libera<;ao do dominado.

Assim, para e1es, e .traves dela que 0 sistema pode ser

derrubado: os corruptos, punidos, e a explorac;:ao ter um

basta. A humanidade plena, .ssim, seria resgatada atraves

de sua utilizac;:ao.

142

Contudo, tornar·se violento e urna questilo de sobre­

vivencia e ate de reconbecimento (os "outros passam a

te respeitar"). Entretanto, isto nao e tudo. A propria

gangue e 0 movimento violento possibilitam a abertura

de urn canal, de urn espac;:o, para a liberac;:ao de "urna

outra face " ( ... ). Uma face que nao e aque1a que se

apresenta em familia, na escola, no trabalho etc. Como

colocou N., "a ideologia do movimento e a treta", a luta,

a briga, a disputa, 0 que talvez seja uma forma dos jovens

machos competirem entre si. Assim, ha uma especie de

fascinac;:ao pela violencia. a violencia triunfante, a ¥iolen·

cia que da sensac;:ao de poder, de potencia. ii atraves dela

que 0 "careca", que idealmente se concebe como 0

guerreiro, 0 heroi que circula pelas noites da cidade,

encontra imaginariamente sua realizac;:ao. Contudo, esse

heroi, esse guerreiro, possui alguns inimigos preferen·

ciais. De onde vem essa preferencia?

ii 0 carater de seriedade, de pureza e de f1rmeafirma·

~ao de seus valores que faz com que os "careeas" consi­

derem como inimigos todos aqueles que nao sao como

eles. E e contra os outros, os diferentes. que, com fre·

qiiencia, ocorrem as violencias, as tretas. Os punks, por

exemplo, sao odiados por terem traido as caracteristicas

e posturas que eles consideram como fundamentais; os

hippies, por serem drogados, pacillstas e nao trabalha·

rem no pesado; os roqueiros, por terem aderido a urn tipo

de eomportamento e de musica alienada; os boys, por

serem ricos, viverem de mesada e pOl' provocarem e

esnobarem os pobres etc. Dessa forma, eles projetavam

nesses grupos os pecados e os vicios que alegavam nao

ter. A "rejei~ao do outro enquanto outro", a "exciusao da

alteridade", 0 "odio do outro enquanto outro", foram

temas analisados por Castoriadis'. Preocupado, entre ou·

tras coisas, em analisar as injuno;oes desses temas no

psiquismo ele aponta que "uma face do odio do outro ao

outro enquamo outro e imediatameme compreenslvel:

da e , pode·se dizer, 0 simples avesso do amor de si, do

143

Page 74: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

/i ~ 1

:~

"

~I ]

i

i 'I

ij

investimento de 5i C .. ). Mas uma outra face do adio de 5i i:. mai5 interessante e menos evocada costumeiramente: o adio do outro como outra face do adio de si inconseien­te,,2; 0 sujeito nao quer "se deseobrir no objeto,,3 e ' proJeta no outro a que ele teme ou odeia em 5i mesmo.

Assim, podemos afmnar que, ainda que em parte, essa raiva, esse adio endere~ado aos outros que eram eulpabllizados por serem 0 que os "careeas" nao seriam, podem nos revelar aspectos, dimensoes deles mesmos, que procuravam idealmente negar.

3. 0 raeismo e 0 nazismo

Em oposi~ao aos punks, as "carecas do suburbia" come~aram ·a construir seu proprio movimento. Nessa linha de abordagem, podemos considerar que, inicial. mente, isso ocorreu atraves de uma complexa elabora~ao e re~laborac;ao de sign as, mensagens e informac;oes pro­duzldas e captadas de diversos modos. 0 movimento nasceu com base na realidade vivida, em seus problemas e na busca de soluc;oes para algumas de suas contradi. ~oes.

Mas, ao mesmo tempo, a processo de sua elaborac;ao acab_ou imp_kando na aproximac;ao com partidos e asso­cla~?es yohticas, com os meios de comunicac;ilo e. com a propr:a socleda<!.e em geral. E iSlO Ievou, por sua vez, a produ~ao de tensoes, de diferenciac;oes, de disputas in. ternas e de transforma~oes.

Apesar dos entrevistados "carecas" deixarem claro qu.e, no miciO, nao foram muitas as informac;5es disponi. vels sobre os skinheads, 0 "careca" A. sintetizou de forma clara a sua Jigac;:ao inicial com esse grupo britanico:

!'I6s vimos que tinha os skinheads na Europa, atraves de Jornal, recorte de jornal, revista, [anzine, e atraves de quem era .mais informado. Achamos e1es mais legal (sic) ( ... ), 0

naclOnalismo, 0 COrte "careca" (. . .). E 0 pessoaJ resolveu adaptar 0 estilo.

144

)

A busca de adaptac;ao deste estilo parece ter sido motivada pela percepc;ao de que existiam diferenciac;5es entre 0 Brasil e 0 cotidiano em que viviam, de urn Iado, e, de outro, os demais paises e suas fonnas de vida particulares.

Mas quais seriam essas diferen~as percebidas? Urn dos entrevistados que as apontou foi 0 "careca" 0 ., branco, membro do Partido Nacionalista Socialista Brasi­leiro (PNSB), que, na epoca da entrevista, se declarou urn jovem neonazista, nacionalista, de direita, mas contra todos os lmperialismos, seja 0 "americano, seja 0 da antiga URSS". Em sua opiniao, a ideologia skin naciona­lista sofre adapta~5es, conforme 0 pais. No Br-.tsil, por exemplo, nao daria para ser racista. Aqui,

Como ser racista com negros, nordestinos, se eles vivem ao teu lado? E como e passivel, depois de voce crescer, falar: 'porque voce I' negro, eu nao gosto de voce? Isso s6 e passive! Hi fora, aonde existem 'comunidades separadas', onde a gente vi': urn negro depois de grande. o entrevistado declarou, entre tanto, n ao gostar de

judells e homossexuais, considerando os primeiros impe­rialistas e controladores da sociedade, principalmc;nte da imprensa. Ele tambem nao acreditava no massacre de judeus durante a II Guerra Mundial, pais os dados "teriam sido forjados pelo imperialismo" . Apesar de nilo gostar de judeus em geral, disse que, por acaso, conhecia duas judias (mae e filha) e que "elas sao diferentes", que afilha nem parece "judia"!

Outros entrevistados "carecas" tambem apontarn que o skinhead e urn estilo e urn visual. Referem-se a urn modo de ser operario. Ou melhor, a urn nacionalismo, a urn modo de ser de jovens conscientes que buseam se impor contra a soeiedade em que vivem.

Esse nacionalismo estaria relacionado, em primeiro lugar, com a desejo de defender a nac;:ao contra os poli­ticos corruptos e os exploradores e, em segundo lugar, com a ideia de que, apesar dos trabalhadores serem aqueles que produzem a riqueza, eies sao roubados pelos

145

Page 75: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

F;;; -"" .... -;;.-""'~~ :

capitatistas , que s6 querem enriquecer e dilapidar ana­<;:ao. Estabelecendo essa rela~ao, e1es afirmavam que 0 nacionalismo os levaria a serem anticapitalistas e antHrn­perialistas, ou rnelhor, a serem contra todos os impecios (seja 0 americana ou 0 antigo sovietico), que so querem subordinar a na<;:ao e 0 povo.

Mas esse estilo tambem se carac.teriza pOl' urn visual, que e basicamente urn modo de se vestir, tipico do jovem trabalhador, sem os modismos da juventude endinheira­da. E pOl' urn gosto a determinados divertimentos e pOl' urn tipo de miisica que se refira a seus problemas, que tenha sentido para eles e. que nao esteja preocupada em fazer concess6es para as gravadol'as e a midia em geral.

o "careca" L., urn jovem mulato escuro, porteiro de urn edificio, produtor do fanzine "Protesto Oi", e 0 "ca­reca" negro T. tam bern sao da mesma opiniao:

L. - Skinhead e urn visual ( .. ,). 0 visual e 0 mesmo do "cafeca". Somos nacionalistas ( ... ). A diferen<;a e que la e a Inglaterfa ( .. .) e n6s estamos aqui no Brasil. '1'. - (completando a resposta) L3 eles sao racistas ( ... ) e n6s aqui como vamos :ser racistas? ~ . L. - Como voce vai ser racista aqui? A nossa fa<;a e m,stu­rada. Neste fanzine que eu estou fazendo aqui, tern uma materia que fala do skinhead americano. Ui nos Estados Vnidos tern mais skinhead racista que nao racista. 56 que se for analisar a skinhead que surgiu , no comec;:o nao era racista. Era a c1asse opetiria em geral, tanto preto e branco, como amarelo. Agora, tern Dutro detalhe: 0 que e racismo e a que nao e? Tern os skinheads que sao nazistas, tern os que nao sao. Mesma aqui no Brasil, tern "careeas" que sao nazistas e os que nao sao. S6 que muitos falam que 0

nazismo tam bern e racismo, mas nao e! Todo mundo aprendeu na escola que 0 nazismo e racismo, mas agora estil surgindo uma revolu<;:ao. Surgiu urn livro ai'. Estamos pesquisando 0 porque de tudo sobre a II Guerra Mundial e 0 Hitler nao era racista ( .. . ). Simplesmente foi uma manipula<;ao da imprensa. Pecguntando. ao entrevistado como ele tinha tido

acesso ou se informado da existencia do Hvro "Holocaus­to Judeu ou Alemao - Nos Bastidores da Mentira do

146

Seculo", disse que 0 livro estava na casa de wn ·careca" que !he emprestou_ Confonne ficou constatado mals tarde, alguns fanzines divulgaram esse Uvro, como, por exemplo, 0 niimer04, de setembro de 1987, do ·Coletivo do Cinedube Caos", editado em Cucitiba, todo ele dedi­cado a amilise do livro de amoria do gaucho S.E. Castan:

A versao da hist6ria e sempre a versiia dos vencedores. Mas ainda que tardia, a verdade resiste e urn dia aparece ( .. . ). Quem nunca desejou ler algurn diano secreto, algum Iivro perdido em algum sebo, mostrando a outra versao sobre a A1emanha Nazista? Ferozes defensores da subserviencia ao sionismo diriio: loucura! E os mais corajosos, aqueles que se aventurarem par esse carninho, receberao, de inicio, os rotulos de '"nazista" ou "neonazista". Coragem, leitor, afi­nal de contas fOi preciso coragem para descobrirmos, urn dia, que as none·americanos estavam fazendo outras coi­sas no Vietnii que defendendo a liberdade. Foi preciso cora gem para deseobrirmos que os verdadeiras terroristas da humanidade nao sao estes au aqueles grupos ou movi­mentos de libena<;ao, mas os governantes de paises como EVA, Israel, Africa do Sui, Fran<;a, Inglaterra e outros. Estes promovem massacres brutais contra poucos indefesos, na defesa de seus interesses cconomicos, enquanto que as ageneias internacionais de noticias apresentam as fatos da forma que melbor convem aos governantes desses paises ( ... ). Demorou, mas apareceu finalmente urn pesquisador com coragem e capacidade para apresentarum Iivro serio, baseado em fatos reais, documentos autenticos, mastran­do que a famoso Holocausto nao passa de uma grande mentira, a "mentira do seculo", cujos objetivos vao desde o fonalecimento do poder internacional sionista ate a necessidade de esconderem os terriveis ataques terroristas contra a populacrao alema. De acordo com 0 texto, 0 poder do imperiaJismo seria

responsavel por uma serie de diston;:6es historicas, como, por exemplo, a teotativa de tcansfonnar os judeus em vitimas, e dai a "emo~ao do Holocausto". Segundo 0 autor, a inten<;ao seria fortalecer 0 poder internacional do sionismo. Assim, todos aqueJes que tentassem "des­mascarar esta farsa" seriam taxados de nazistas ou neona­zistas. Mas 0 poder imperialista tambem seria responsa-

147

Page 76: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

vel por ter criado a "farsa" de que Hitler teria preconceito contra negros. Assim, e facil entender porque 0 Iivro de S.E. Castan e considerado importante pelos "carecas". Vma das partes desse livro, que desmascararia essa "far­sa", segundo urn dos entrevistados, e a reconstituic;ao da Olimpiada de 1936, em Berlim, onde se desenvolveu 0

episodio do atleta negro "Jesse Owens", narrado da se­guinte forma:

A imprensa "internacional" ha varios anos vern noticiando que 0 excepcional atletaJesse Owens, conquistando qua­tro medalhas de ouro nas Olimpiadas de 1936, em Berlim, que teriam sido organizadas para mostrar ao mundo a superioridade da ra<;a ariana, teria desmoralizado essa ra.;:a; que Hitler nao 0 teria cumprimentado, par ser ele negro e teria ficado tao irritado com as vitorias do mesmo que abandonou 0 estadio olimpico ( ... ). o "Correia do Povo", jomal de PonOAlegre, em 5/8/1936, publicou 0 seguinte sobre os acontecimentos verificados em Beriim no dia 2/8/1936, primeiro das competil;i'ies: "Apos esses cumprimentos e antes de se retirar do estadio, conforme informa.;:ao dada pelo Sr. K.C. Duncan, secreta­rio·geral da Associa.;:ao Olimpica Britanica, membros do COl CComile Olimpico Internacional) solicitaram a Hitler que nao mais cumprimentasse publicamente os vencedo. res de qualquercompeti.;:ao. Tal fato Ocorreu no momenta em que Cornelius Johnson (nao Jesse Owens), atleta dos Estados Unidos, estava sendo laureado com medalha de Oura pelo saito em altura". Naturalmente, apos 0 pedido do COl nao mais houve cumprimentos do Fiihrer, em publico, durante 0 resto da Olimpiada, nem para as "negros", nem para os proprios "arianos" C ... ). Logo apos a triunfo nos 100 metros,Jesse Owens dedarou aos representames d. imprensa: "E dificil imaginar como me sinto feliz. Pareceu·me, de urn momento para 0 outro, que quando corria eu possuia asas. Todo 0 estiidio apre­sentava urn aspeeto tao festivo que me contagiou e fOi com mais alegria que eu corri, parecendo que havia perdido a peso do corpo. 0 entusiasmo esponivo dos espectadores a!emaes me causou profunda impressao, especialmente a atitude cavalheiresca da assistencia. Podem dizer a todos

148

que agradecemos a hospitalidade germanica". ( ... ) Jesse Owens, no hospital de cii~cer, antes .de fal~cer, deu as seguintes informa.;:5es ao Tampa Tnbune , de 1·/4/80: _ "Que Hitler nao eumprimentou mais atleta aJgum, apos a sOlicita.;:ao feita pelo presidente do COr. Qu;, ehegan~o de volta aos EUA como grande campeao olimplco, nao recebeu quaJquer apeno de mao de seu Presidente Roose­velt. Ao contcirio do que ocorrera na Alemanha, em sua propria patria nao !he pennitiam sequer. sentar·~e nos ban cos da frente dos veiculos coletivos - tinha de If. p~ra a parte traseira, destinada aos negros. Nas re~artl<;o~s publicas, tinha de usar a porta dos fundos e na~ p~dla morar onde gostaria. Joe Louis e ele f0r:tm as pnmerros atletas negros de fama mundial. Mas nao podlam fazer propaganda de artigos esportivos nos E?A,_ pOI~ ~s estados sulinos boicotariam esses pradutos. Nos vlvamos na America sob essa discrimina.;:ao", asseverau de . Assim na versao de Castan, ao inves de Hitler e da

Alemanh; Nazista, os verdadeiros racistas seriam?s Esta­dos Vnidos. 0 que teriamos para? aut?r,. sena um~ manipuJa<;ao da verdade, atraves do Impertal~srno arnert­cano pois todos aqueles que se revoltam senam desmo­raliz~dos e atacados. Esta argurnentac;ao montada por Castan transforma 0 mundo e a complexidade de suas rela<;6es as diferen<;as entre os Estados e os regimes politiCO;, em urn grande compl6 internaciona~. "

Dentro dessa mesma linha de argumenta<;ao, os ca-recas" T. e 1. dizem:

Born, falando a verdade, houve deturpac;;ao tambem peJos judeus e pela imprensa. Esta era toda de judeus. Ja ttve informac;;5es que, na epoea, na Alemanila, C ... ) era IguaJ a isso que 0 Brasil esta passando agora. O~ ca.;as andand,? todos com "carrinho bonitinho", e osalemaes malhando., nao tendo nada C ... ). De repente, Hitler come<;ou a reumr urn pessoal no "Partido dos Trabalhadores". Ate hoje os judeus tentam deturpar essa imagem. ~alaram que existia a dimara de gas, cren.'.atorio. S6 que esta sendo provado par utn cara, Urn cidadao que fOl pesqUlsar, que naoera verdade. 0 pessoal aprendeu na escola que 0

alemao era urn monstra. Quanto ao Hitler, os negros

149

Page 77: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

tambem 0 aprovaram. Racismo s6 tinha contra 0 judeu, sabe, era 56 e1es. _ C ... ) Agora eu vou falar sinceramente C ... ): hoje eu nao posso sair por ai C ... ), falar que eu sou nazista C .. ·)· Mas urn dia eu vou falar, eu te garanto. Diante da questao do racismo, verificamos que a

maioria dos "carecas" alega que , no Brasil, existe uma "ra<;a misturada" e que aqui, ao contcirio da Inglaterra e dos Estados Unidos, todos crescem juntos. Sendo assim , seria dificil assumir exp!icitamente 0 racismo contra ne­gros. A principio, eles admitem que 0 racismo contra negros so e possivel em paises onde exista uma "ra<;a pura" , onde as diferen<;as sejam claras. Apesar disso, os entrevistados argumentaram que, mesmo na Inglaterra, os skinheads, em seu inicio, nao eram racistas , existindo ate alguns que eram negros. Como e1es trabalt:avam com a concep<;ao de que 0 skinhead sofre adapta<;oes confor­me 0 pais, a na<;ao, admitia:se que e possivel ser "careca do suburbio" negro ou mulato.

. Apesar dessas declara<;oes contra 0 racismo e;n .rela,­<;ao aDs negros, e um fato que a sociedade braslle~ra e racista. Ora, vivendo os "carecas" dentro dessa socteda­de e1e deve existir de alguma forma entre e1es. Mas pa~ece que assumHo explicitamente significa romper ideologicamente com a unidade de urn movimento que originalmente foi construido como sendo de jove~s po­bres do suburbio, trabalhadores total mente sohdanos, que estao dispostos a ~viver urn pelo outro" . . Em sua origem, 0 movimento n!l0 se construm diferenclan.do-se os brancos dos negros. E claro que as diferen<;as eXlstem e elas, apesar de com freqi.iencia nao serem claramente assumidas, aparecem em alguns contextos e em algumas declara<;oes.

Negando-se racistas, aparece ainda a preocu~a<;ao_de alguns entrevistados em tentar afastar as aproxlma<;oes entre nazismo e racismo contra 0 negro, acredltando-se que 0 racismo nazista seria "apenas" contra os judeus. Ou melhor, 0 odio nazista seria endere<;ado apenas contra

150

aqueles que sao enquadrados pelos "carecas do subUr­bio' como os "outros" que tern 0 "poder', que controlam a imprensa e que tentam "manipular a sociedade de acordo com seus interesses". Assim, os judeus, os capita­!istas, os imperialistas, os poderosos, os politicos corrup­tos etc. faziam parte desse grupo ao qual os "carecas" endere<;avam sua raiva, seu odio.

Entretanto, sabemos que os nazistas sao extremamen­te malvistos pela sociedade, tanto que, quando alguem se decIara como tal, e violentamente criticado. Nessa imagem rejeitada que a sociedade e a imprensa projetam, reside urn dos motivos da identifica<;ao de varios "care­cas". Ser nazista significa ficar visto como "mau', "des­truidor", "impiedoso", nao respeitador das leis, dos valores democciticos , da paz etc. Em suma, nazista e aquele que todos temem, exatamente aquilo que os "ca­recas", ou a maioria deles, deseja. Provavelmente, eles, ou pelo menos varios deles , identificam-se com a imagem dos nazistas. Veem nela a emana<;ao de urn "poder", uma "for<;a" que tanto almejam e que dificilmente alcan<;arao na pratica.

Para 0 negro A., Depois que eu andei me informando C ... ), eu aeho que 0

nazisrno e urna boa C ... ). Eu aeho que nao eabe 0 preeon­ceito racial em nosso meio, principalmente em nossa turma. Em rnuitos fanzines tern gente que escreve sobre isso. E tarnbem eu converso com 0 G. sobre isso. Na minha opiniao, 0 raeisrno e uma doen<;a muito seria C ... ) e 0 Brasil e urn pais de "ra,a misturada" C ... ). A grande parte e negra. Meu avo era africano, eu sou descendente de aflieano, minha av6 por parte de mae era india. No meio da gente, da nossa reuniao, tern gente de todo tipo, tudo misturado, toda ra,a. Ii fora os skins sao racistas C ... ). S6 se 0 Brasil fosse "puro saogue", uma ra,a branca s6, uma ra,a negra s6 C ... ), podia caber, mas nao e. Quanto ao judeu ( ... ), eu nao teoho oada contra. Eu ate os ignoro. Encontramos ainda alguns "carecas" que se dizem

distantes tanto das posi<;6es racistas como dos nazistas. Esse e 0 caso de ].e., urn "careca" moreno claro, que

151

Page 78: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

tl

trabalhava como auxiliar-geral no escrit6rio de uma em­presa de engenharia em Sao Paulo. Seu emprego anterior era de ajudante de cozinha em urn hotel cinco estrelas em Sao Paulo, do qual foi demitido depois que urna revista publicou foto sua numa reportagem, apontando-o como "cafeca do suburbio·. Por causa disso , ele procu­rava "andar bern vestido" no novo emprego e, principal­mente, nao usar mais a cabec;:a raspada. Tinha 0 costume de assistir palestras no Centro de Cultura Social e consi­derava-se como "careca" que nao era racista nem nazista. Procurava sempre defender sua posic;:ao entre seus ami­gos, nos debates em que participava e , principalmente, nas cartas enos lextos que escrevia. J .C. relatou que sua grande satisfac;ao era quando chegava em casa, na Zona Leste, onde morava com a mae, costureira, e com seus innaos, e encontrava cartas e fanzines de varias partes do Brasil. Ao ser perguntado sobre 0 racismo, respondeu:

Como eu vou ser racista, ter preconceito contra negro , se eu tenho urn irmao rnais escuro que eu? E entao eu nao vou falar com meu proprio irmao? 0 Brasil , dentro de cern anos, vai ter uma cor so c. .. ), a cor morena. Apesar de nao se declarar racista em relat;:ao aos

negros, ele nao gosta dos mlgrantes nordestinos que afluem para Sao Paulo, apesar de sua mae ser nordestina. Para].c.:

o problema e que eles aceitam ganhar qualquer coisa e ai as salarios caem. A melhor coisa era desenvolver estas regioes para que eles ficassem la. Eu sou urna pessoa que me esforc;o e devia ganhar mais ( ... ). Nao quero ser visto como marginal. Essa posic;:ao contra os migrantes nordestinos parece

nao ser tao particular assim, ja que ela chega a transpare­cer ate em letras de musica. Entretanto, notamos que as posic;:6es sao conilitantes a respeito dessa questao. Exem­pia disso e 0 nllinero 12, de 1989, do fanzine punk "Espunk", de Salvador, que publicou uma critic a a banda paulista "W .C.H.C". A letra de uma musica do grupo manifestava uma posic;:ao contra oimigrante nordestino, nestes termos:

152

1

Migrante, Voce que vern pra cii Buscar a que nao tern ta, Maldito migrante, desista Sao Paulo nao Ie aglienta. Voce so suga a sangue paulista! Apenas mais um na concorrencia. Empregos, mulheres, terras, Tudo isso voce vai roubar. Volte pra sua terra, migrante Filho da puta! a protesto, feito pelos punks de Salvador, foi contun-

dente: E1es estao brincando de fazer proteslOs, esses embalislas + fascistas - nazistas. Fizeram urna letra com 0 titulo "Migran­te" dedicada exclusivamente aos nordestinos ( ... ). Nordes­tinos e brasileiros, vamos boicotar esses fascistas ( ... ). Esse sentimento antimigrante, detectado tanto nas

entrevistas como na letra da musica, e justificado pelos "carecas· pelo fato de que eles aceitariam trabalhos por qualquer saHirio. Surge al a percep~ao de que a pr~senc;:a do migrante aeaba ocasionando urna concorrenc.a para o trabalho.

Outras posic;:6es igualmente marc antes puderam ser detectadas nas entrevistas. Assim, por exemplo, N. orgu­!ha-se de ter introduzido, segundo ele, a "ideologia nazis­ta· entre os "carecas" que andavam com ele. Segundo seu relato vestia-se todo de negro, igual aos oficiais nazistas que t~ha visto em filmes e revistas. Por causa disso e d~ seu comportamento assumidamente agress!vo , era tem!­do pelos punks. Para eie ,

A minha ideologia era a nazista ( ... ). A ideologia nazista e a coragem. Eu acho que e preciso ter coragem. Para mim nao inleressa se 0 cara e preto , amarelo. Ele tem que ter coragem. A minha ideia foi introduzir no movimento a coragem dos 55. Isto ai eu vi em documentarios, mmes, revistas, Ii em livros ( ... ). Aquilo me fasdnou , aquela cora­gem de morrer par urn ideal. Esse e 0 ideal dos SS: "fideli­dade com 0 outro e a coragem de morrer lutando, nunca dar as costas para a inimigo". Isto tinha que ser introduzido

153

Page 79: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

no melo dos "careeas" para dar "mals for~a ainda". Hitler queria uma ra~a ariana C ... ), mas uma ra~a ariana no pais dele. Lii tern eondlc;6es de fner isto, mas aqui nao. 0 que eu gosto do nazlsmo e a ideologia dos SS, da coragem. E como urn espartano da Greel. antiga. Os 5S sao os guerrei· ros do seculo xx. E esta a Ideologla, e nao a ideologia do porque 0 cara e preto vamos espancar ele. Na hora da treta, o importante e nao salr correndo. 0 que adianta 0 cara ser branco, de olho azul e salr correndo. Fui eu que eheguel com um visual nazista. Entrei Ii no meio e coloque! minha idela. Ai eomecei a distribuir livro de nazlsta para os caras verem. Era livro sobre a SS, Gestapo C ... ). E 0 pessoal foi lendo e gostando. No inicio, os "care· cas" nao gostavam dos nazistas, pols eram militares. E os "carecas" nao gostam dos militares. Eles escreviam na suastica "morte aos nazistas! " Mas depols eles gostaram. Pois a Ideologia batla com a nossa C ... ), ser fiel a um e a outro e s6 pensar em nos. 0 resto nilo existla. Sem coragem a gente podia ser massaerado em uma cidade. Como aeon­teceu em Utlnga (. .. ). Se a gente nao tlvesse coragem, tlnha sldo massacrado peios boys, tlnha as punks dali, os meta­!eiros. Voce viu urn documenti rio quando os SS chegavam e tomavam conta? A gente cl1egava e tomava conta. E os caras nilo gostavam C ... ). Quem gosta de ser bagunc;ado pelo invasor? Ospunks silo vlciados, drogados. Pra eles terem coragem, precisam se dopar, fumar C .. . ). Se drogar pode acabar com o corpo. Eu entrei nos "careeas" aos 21 anos. Antes eu era punk. Eu entre I para os "careeas" porque, dentro do movimento punk , eies eram os mais temidos. A gente faz modelagem fislca, lutas pra se proteger, nao beber, nao fumar. Pois , se a gente faz alguma treta, toma alguma atiLUde, e so porque tern coragem em nos. Todas as tretas que tern nos fanzines, jomais, foi tudo de cabec;:a, sabendo e pensando 0 que a gente estava fazendo. Quem bebe, se draga, fica urn lixo. Por iSso , entrei para os "carecas". Os "careeas" nilo fazem nada disso. A minha ideologia sempre foi a nazista , firme, de purcza, de preservar 0 corpo. Os punks se drogavam 0 dia intciro. Aqueie filme do Sid Vicius, "Sid and Nancy", nao tern nada a ver corn os "carecas" .

154

N. ainda me rdatou que ele levou alguns "carecas" para verem 0 filme "Sid and Nancy" , num cinema da Rua Augusta, e que e1es aproveitaram para provocar alguns punks que tambem tinham ido ver 0 filme. Foi atraves de um material produzido pela cultura de massas que 0

entrevistado teve acesso as "aventuras" e as informac;:6es sobre 0 nazismo e suas temidas tropas de elite, as 55, ficando fascinado pela aurea de coragem e de fidelidade interna que emanavam das mesmas. A identificac;:ao foi tanta que de comec,;ou a vestir-se de negro, como urn nazista da 55, e cireulava, junto com outros "careeas", pelas noites da cidade, entrando em combate com aque­les que considerava inimigos. Parece-me que assumir-se como SS, como nazista, proporeionava urn profundo sentimento de onipo tencia, ainda que momentaneo, para esses jovens. Sentimento este que se desvanece, no dia seguinte , quando assumem a realidade de trabalbo, dos saliirios baixos, das necessidades nunca supridas na vida cotidiana.

Todavia, muitas vezes, entre 0 discurso e a pratica existem discrepancias. Apesar de N. declarar que, para de, a coragem era 0 elemento fundamental na constitui­c;:ao do grupo e nao a cor oua origem de seus companhei­ros, esta nao era a opiniiio de F. Jovem "careca", branca, inna de N., participou por algum tempo de sua gangue. Segundo a entrevistada, na gangue de seu innao, na verdade , nao existiam negros e nordestinos:

Aqui no Brasil estft muito misturado, mas pelo menos se desse pra sobrar uma parte C ... ) e se uma parte aderisse i ideologia e seguisse ern frente . 0 interessante de Hitler era a ideologia que eie pregava. s6 que ele fez do jeito dele, do modo del.e. E s6 foi 0 modo de fazer, porque a ideologia estava certa. No grupo de "carecas" que eu andava nao tinha preto C ... ). Tinha urn mulato que depois saiu pra brig • . 0 pessoal do Nordeste esti invadindo Sao Paulo. Cada urn tinha que ficar em sua terra. Que eu saiba, em nosso grupo nao tinha nordestino, pOis as ideias deles eram bern diferentes. Aqui deviam ficar mais os paulistas. Tern muita gente em Sao Paulo. Metr6pole que tern muita

155

Page 80: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

genre e isto que acontece: falta de emprego, tudo com fome, corti<;o, tudo amontoado. Sao Paulo e urn amontoa­do, sem ra<;a, tudo misturado, avacalhado. 0 Brasil nao tem ra"a. Fala que e brasileiro, mas vai ver tern sangue portu­gues e nem sei mais 0 que. Aqui nao tern ra<;a brasileira mesmo. 0 Brasil e uma mistura e um pais sem nacionalida­de. 0 Brasil nao e nacionalista. A presen~a de uma mulher, no movimento, nao e fato

corriqueiro. Na verdade, as mulheres nao sao muitas. Segundo A.,

As mo"as sao poucas. Quando aparece uma nova, princi­palmenre se e uma expunk, e os rapazes come"am dar aten<;iio, as outras meninas ficam com ciume. E, dal, a menina nova tern que marcar uma posi"iio" Cisto e, brigar para ficar demro do grupo). Portanto, a grande disputa existente entre elas e dada

como justillcativa para 0 fato de nao serem muitas. Uma delas apenas justificou que

As minas sao minas, ne? Nao tern tantas meninas C ... ). A maioria e caso dos rapazes. Eu casei e meu marido nao era do movimento C ... ). Mas as ideias batiam com as minhas . Meu marido e motoqueiro e tenho urn filho de urn ano e meio.

As rela~6es e opini6es complexas e eonstantemente ambiguas dos "eareeas" com 0 nazismo foram tambem question ad as por punks que, durante anos, com eles conviveram. Para P.,

Eu comecei a pesquisar fanzines que falavam do naciona­Iismo e que tinham criticas aos judeus, contra 0 Estado de Israel, pro-palestinos. Existe urn nacionalismo na juventu­de em vinude da miseria do pais C .. .). A situac;:ao do pais reflete nos jovens da periferia que nao tern muita informa­"ao C ... ). Eles procuram uma solu"iio para melhorar a vida deles mesmos C ... ). E, entao, e preciso melhorar a Vida do Brasil de certa forma ( ... ). Dentro do "Oi!" tern a valoriza­"ao do naciona!. 0 anri·sionismo contra 0 Estado de Israel e difundido entre os panidos de esquerda e no movimento punk e "careca" ta11'\bem, por causa do massacre dos palestinos, dos campos de refugiados. Agora existe tam­bern 0 anti-semitismo C .. .) do nazismo C ... ) e estas duas

156

I

posi~6es as vezes se misturam. Mas tambem, as vezes, 0

proprio Nacional$ocialismo fala que nao e anti-semita, que e anti-sionista. Atualmente eles falam isto. Aqui no Brasil agora estao surgindo grupos de nacionalistas skinheads nazistas C ... ), alem da coopta.;;ao de panidos, como, por exemplo, 0 Panido Nacional Socialista do Rio de Janeiro ( ... ), que manda cartas para todos os grupos dizendo: "Voces sao nacionalistas, nos tambem somos! " Este e 0 gancho para se cooptar pessoas C .. .): urn jovem esta desempregado, sem dinheiro, sem nada C .. . ), tern familia para sustentar, mhos, eles of ere cern emprego para voce difundir 0 "Nacional SociaJismo" ou 0 "Integralismo". o nacionalismo tern tanto de esquerda quanto de direita. Tern comunistas que falamda "luta de libenac;:ao nacional", tern a direita falando da "explora<;:ao das multinacionais no Brasil" C ... ). Isto e uma forma que a pessoa encontra de protestar. A situa<;ao do Brasil esta ruim. Entao pensamos mudar 0 Brasil para me/horar nossa situa"ao. No programa do "Nacional Socialismo", eles falam que sao contra a direita e a esquerda. Elestem tambem urn "program a ecologico" ( ... ), sao contra usina nuclear, devasta.;;iio da Amazonia. Ospunks e os "carecas" acabam fa zendo varias coisas em comum, como 0 movimento antinuclear, contr-d o servi"o militar. 1l interessante que 0 pessoal dos "carecas" sao coiltra os militares C ... ), mas a forma de luta e de "formar urn exercito para libertar 0 Brasil" C ... ), urn exercito popular de "care­cas". A ideia e essa e e tambem do "Partido Nacional Socialista". Tern muito "careca" que e vigilante, seguran.;;a e coisas assim. Eles querem "ganhar" esse pessoal que ja e treinado. A gente vive em uma sociedade que tudo pode virar moda. 0 anarquismo tambem virou moda C .. '), 0

nacionalismo e uma moda C ... ), 0 nazismo e uma moda. Mas agora as coisas estiio confusas. Eu vi urn fanzine em que estava escrito: "Nos 'carecas' anarquistas e nazistas de direita, somos contra a atual sicua<,;iio que esta ai, por isto protestamos". Entao veem 0 nazismo como uma forma de protesto contra a atual sociedade. o entrevistado denuneia quest6es importantes como

a a~ao da extrema-direita, tentando eooptar as "earecas" . Urn dos modos dela atuar e atraves de urna posmra nacionalista que, inclUSive em sua opiniao, confunde-se

157

Page 81: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

com algumas bandeiras defendidas p~la ~squerda. A vida de privac;6es em que se encontram e dlretamente asso­ciada a situac;ao em que, segundo e1es, se encontra a naC;ao. Concebem-na como estando ~ubmetida ~?s explo­radores, imperialistas de todos os ~lpOS. e poiItlcos cor­ruptos. Identificam no discurso naclOnaiIsta enos grupos que afirmam defende-Io como aquele capaz de soluclOnar seus problemas. AIem do mais, esta crenc;a ~e que 0 BrasIl esti subjugado e precis a ser libertado, denva, em parte, do desejo dos "carecas" de salva-Io atraves da ac;ao de urn grupo de eieitos, coeso, exatamente da fo~a como e1es imaginam que sao. Naturalmente esta auto-Imagem Oill­

potente, narcisica, encontra semelhan5a com l?ropostas politicas extremistas, em que 0 Estado e concebldo como possivel de ser capturado atraves de uma aC;ao violenta, mediante 0 auxilio de grupos que se concebem como 0

fazem os "care cas". , Contudo, existem grupos de "carecas" que, apesar

das ambiguidades existentes en: seu interior, procuraram nao se vincular diretamente a extrema-dlrelta. A1gu~s deles foram tambem acompanhados pOl' outro entrevIs­tados, A.C., que fez 0 seguinte depoimento; apontando algumas diferenc;as e desdobramentos Ideologlcos: .

Os "carecas" que mais se destacavam dentro do movlI,nen· to punk, como 0 Toninho, Pampu~a, Covelro, Cla~dmho etc. andavam armadas e eram os caras que mats twham essa cois. de violencia, de cultura fisica. Os punks da cidade come~aram a questionar 0 nazismo, 0 uso <!;a su~s­tica.)a existia 0 fanzine "S.P. Punk" e na galena da SaoJoao descobriram urn cara que estava com uma camlseta CO~ a suastica e penduraram ele de cabe~a para b.aixo. Na reglao de Sapopemba surgiu uma banda com ~~ m~s~ca~ que era~ o "Verde Amarelismo" a "For~a Verde, a Patna Amada , e isto em 1985, 1986,' antes de come~ar todo este "auI''' com rela<;ao ao neofascismo ( ... ). Mais ou menos em }985, 1986, eu estava com 0 Claudinho e ele m.e falou: "Est~ para surgir um partido ai, vieram uns v~lhos al do Urugual ( ... ). Ai todo mundo come<;ou a rir, pOlS 0 Claudmho e filho de nordestinos. Ele e quase negro ( ... ). Ai, sera que preto e nordestino pode ser nazista? Urn outro "careca" 1 natural

158

do Nordeste, falava que nordestino devia voltar de Sao Paulo, tinha que fechar a porta da Bahia. Na epoca, em algumas reuni6es que a gente fazia para acabar com a richa entre Sao Paulo e ABC, se questionava como um nordesti­no e neofascista, como urn nordestino defende a ra~a ariana. Algumas pessoas que se identificavam com 0 nazis­rno diziam que os nazistas eram fortes, que eles quase acabaram com 0 mundo. Nao sao todos os "carecas do suburbio" que sao neonazistas ( ... ). Atualmente, punks e "carecas" estao se organizando para nao deixarem os ski­nheads neonazistas dominarem. Dentro desta Iinha de argumenta<;ao, 0 punk l. afir-

mouque Eu ja vi negros "carecas" fazendo a sauda~ao nazista. Acredito que isso e pra marcar posi"ao ( ... ). Dizem que e forte, mim, mau C ... ) como os nazistas.

Outro entrevistado, G., urn "careca do suburbio", que em seus fanzines sempre procurou deixar 0 movimento longe dos partidos de extrema-direta, argumenta que:

Os "carecas do suburbio" brasileiros aderiram it suastica, it sauda~ao nazista e a algumas postula~6es vindas do punk ( ... ) e foram usadas como uma forma de agressao e auto­afirma~ao. Quando se dizia que eramos nazistas, todo mundo tinha medo e nem a direita gostava. Mas tambem dentro do movimento imperava a idda de for~a, potencia ( ... ),0 "careca" enquanto expressao defor"a ( ... ). Esta idda de for~a era para ser usada contra a burguesia. 56 que foi uma especie de gancho que a extrema·direita utiIizou para tentar atrair a gente. Assim, foi grac;as a imagem do "careca" como urn

jovem forte, potente, que nao se droga, urn guerreiro moralista disposto a defender sua na<;:iio de inimigos, que alguns partidos procuraram coopta-los para seus qua­dros. Tentaram transforma-Ios, segundo urn dirigente integralista, em tropa de choque contra as esquerdas. Essa inten<;ao, entretanto, esbarrou, de urn lado, na atua­<;iio de alguns "carecas" e, de outro, em dificuldades proprias a natureza de urn movimento que, em grande parte, se concebia contra 0 Estado e contra os partidos de urn modo geral. Isto, naturalmente, implicava numa

159

Page 82: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

serie de contradir;oes e disputas no interior do movimen­t?, as quais analisaremos em maior profundidade poste­flOrtnente_

Ainda sobre as relar;oes com os partidos, G. relata que No come<;o do PT, os punks participaram do partido. Teve urn pessoal que era punk e virou "careca" e que tambem participou com os anarquistas ( ... ). Mas este pessoal se desiludiu com os anarquistas. Urn dos motivos e que, quando urn "careca" fala que I' nacionalista, que defende o nacionalismo, e1es dizem que isso e idCia curta. Uma parte come<;:ou a se identificar com 0 nazismo. 0 pessoal dizia que, pelo menos, e1es "arrebentavam com tudo". Eu nao sei como os "careeas" entraram em cantato com os Integralistas. Hoje em dia este contato nao e bem-vindo, embora existam alguns "carecas" que se identificam com estas ideIas. 0 grande problema com os Integralistas foi no I" de maio de 1988 ( ... ). Os "carecas" quiseram fazer uma passeata independente, mas na hora foram conduzidos pelos Integralistas para 0 mdo do pessoal do PT, CUT etc. naPra"a da Se. 0 pessoal tern consciencia que foi manipu­lado. Existe no Rio de Janeiro 0 Partido Nacionalista Brasi­ldro e parece que e1es tern a adesao de alguns "care cas" do Rio de Janeiro. Eu nao sei se este partido tern alian,a com os Integralistas de Sao Paulo. Tem alguns "carecas" de Santos que participam deste Partido Nacionalista mas estes nao gostam dos Integralistas. Lii do Rio deJanei;o eles mandaram um manifesto para a gente com uma ideologia nacionalista voltada mais para 0 Hitler, e isto confundiu a gente. Eles confundiram porque eu acho que 0 nacionalis­mo seria urna ideologia boa C ... ). A gente poderia se conhe­cer, conhecer a cultura da gente, ser antiimperialista. Mas eles come"ararn a falar em "juventude alema", "hitlerismo" e iss~o vai gerando preconceito contra mestic;o, preto, um negocio que a gente nao tern nada a ver. No nosso meio, o~ Integralistas foram eliminados. Se tiver alguma articula­<;:ao dos "carecas" sera com a Frente Nacionalista Brasileira' ( ... ). Quem compiie esta frente e 0 pessoal do Rio de Janeiro e alguns "carecas" de Sao Paulo e de Santos. Conf'lnnando algumas dessas dec1arar;oes, verifica-

mos que panf1etos de extrema-direita, enderer;ados aos "carecas", circularam pelos suburbios sob 0 rotulo de

160

, " I I

"boletim". 0 Boletim da "Frente Jovem", em seu numero 3, sem data, traz uma noticia sabre 0 ressurgimento do nazismo em Curitiba, com a publicar;ao da revista "Patria Livre". Urn outro texto, com 0 titulo "A Unii'io faz a Forr;a", assinado por Roberto S., analisa 0 que vern a sec o nacionalisrno. Segundo 0 texto,

( ... ) 0 nacionalismo e tao anticapitalista quanta anticomu­nista e, no Brasil de hoje, infelizmente, nao existem forc;;as politicas organizadas que sejam ao mesmo tempo antiea­pitalistas e anticomunistas. Todos os partidos, sem exee­<;:ao, de uma maneira ou de outra estao compromet~dos com estas for<;:as do imperialismo ( ... ). 0 momenta e de articulat;:ao, de fortalecimento de nossos ideais, de cons­tru<;:ao de nossos instrumentos de representat;:ao. Deve­mos come"ar a pensar seriamente na fonna<;ao de nossas entidades, de nossos gremios, de nossas frentes de traha­Ihadores, de nossas uniiies estudantis, de nossas ordens artisticas e culturais, de nosso partido politico. Nao havera democracia no Brasil enquanto nos, os nacionalistas, nao estivermos representados por nossas iegitimas Iidel'an,as, porta-vozes de nosso trabalho civico. Nesse boletirn, temos, alem de urn desenho da ban­

deira do Brasil com a inscrir;ao "carecas do suburbio" no lugar de "Ordem e Progresso", uma serie de slogans, como: "carecas do suburbio e 0 poder!", "A politica so divide. 'Careca' e Uniao!", "Atenr;ao! Cornunismo nao e atitude de 'careea'!", '''Careca', cuidado para nao deixar a TV fazer sua cabe~a!"

Outro boletirn com alusoes aos "careeas" foi 0 "Mani­festo Frente ]overn", nllrnero 6, de julho de 1988, que pubJicou uma serie de dec1ara~6es de Hitler, ao lade de agressoes contra os jude us. Oeupando urna posiC;;ao de destaque, ao lade da suastica nazista, temos novamente a bandeira do Brasil com a inseri~ao "carecas do suhm­bio".

Assim, entre os "carecas", encontrarnos valores como for~a, potencia, uniao, solidariedade e fraternidade. 0 grupo se opoe ao rnundo exterior, visto de fonna mani­queista, como 0 locus das forr,;as do mal, constituidas

161

Page 83: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

pelos corruptos, imperialistas, poderosos e exploradores da nat;ao e do povo em particular. Os "catecas" se con­cebem, imaginariamente, como aqueles que podem sal· var a nat;ao, 0 povo, do destine a que estao relegados. Observamos entao que esses valores funcionam como urn con junto ideal de fort;as motrizes que os incitam para a at;ao. Esse parece ser, peIo menos em parte, a caminho pelo qual partidos e associac;:6es, como os de extrema·di· reita, tentaram coopta·los.

4. 0 movimento: unidade ou contradit;ao?

Como vimos, entre os "carecas", os valores de uniao, fratetnidade, solidariedade, fort;a e potencia sao essen· ciais. Todavia, existem internamente divergencias e duo vidas relativas a possibilidade de se estabelecer ounao relat;6es com algunS partidos e associat;6es politic as cu· jas propostas, temas e val ores encontrem eco entre os mesmos.

Varios dos "carecas" que entrevistados se mostraram altamente criticos em relac;:iio aos politicos e desconfia· dos frente a aproximat;ao e ao assedio que os partidos politiCoS lhes faziam, seja os de esquerda, seja os de extrema·direita. Urn exemplo e 0 depoimento do "care· can M., que relata:

o movimento dos "carecas" tern muito mais forc;:a do que o dos punks (. .. ), tanto que os Integralistas procuraram a gente. E tambem foi em 1984 ou 1985 que os comunistas procuraram a gente. Mas a gente nao gosta muito de comunista c. .. ). A gente nao gosta porque eles querem tambem dominar ( ... ), Para fazer parte deles, voce tern que se vestir de uma determinada maneira. Vamos falar a verdade: eles sao mais fascistas que a gente! (risos). ]a outros "carecas" passaram a manter ligac;:6es mais

profundas com a extrema·direita. 0 ., por exemplo, em 1989, ocupava uma posit;ao dentro da estrutura do PNSB. Em sua opiniao, no Brasil, os "carecas" surgiram dos punks, que se colocaram, desde 0 inicio, como sujos,

162

casgados, drogados. Atacavam a sociedade, criticavam os partidos politicos $! colocavam·se como anarquistas e contra 0 Estado, mas sem urna direc;:ao. Nao acreditando na validade deste tipo de posit;ao, O. perguntou:

o que estes caras pretendem com isto? Voltar para as cavernas? Qual a valida de deste tipo de critical Segundo 0 entrevistado, devido a essa origem e que

existia um grupo de " carecas " , "os mais velhos", que tinha ideias anarquistas e era contra a atuat;ao de partidos politicos. Assim, ele acreditava que os punks, de urn lado, haviam sido "deturpados" pela midia e, de Dutro, tinham sido assediados por partidos politicos como 0 PT, 0 PCB etc. Ele acreditava ainda que, no Brasil, os skinheads se constituiram como uma divisao dos "carecas do sublir· bio", que seriam, segundo suas palavras, 0 pessoal "mais velho". Para ele, este grupo nao aceitava 0 Partido Nacio· nalista , que tentava "unir os 'carecas'·. Oeste pessoal "mais velho", ele respeitava 0 T. e 0 1. (editor do fanzine "Protesto Oi"), devido as declarat;:oes de simpatia a Hitler. Estes dois declararam·se claramente contrarios aos parti· dosem geral e a qualquer tentativa de cooptat;:ao partida· ria. Acreditavam que 0 movimento nao podia perder sua autanomia e ficar subordinado a partidas e aa proprio Estado. O. acreditava que os skinheads eram 0 grupo que aceitava as ideias dos skins de fora e tinham auxilio de "partido politico". Ele aflflllou possuir uma serle de con· tatos e informat;5es desses skins e que quem os via, em fotografias, todos vestidos, arrumados, dizia: "Eles sao mani pulados por partidos politicos de direita, mas - no limite - quem nao e manipulador Portanto, ele aceitava essa vinculat;ao ao partido de extrema-direita sc;m se preocupar corn a possivel manipulat;:ao. Mas essa nao e bern a posi«;:ao da "careca" N.:

A gente, eu e a Nanda, tentamos organizar urn "partido nazista". Este partido nazista era 0 nasso e nao esse que anda por ai do O. Eu nao tenho simpatias por nenhum desses, panidos que vao disputar a elei~ao ( ... ). Eu nao vou vOlar em ninguem ( ... ). Eu tenho caisa mais impartante do que ficar pensando nestes caras. Na hora eu vou riscar

163

Page 84: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

qualquer coisa e jogar Hi. E a mesma coisa que eu fiz pra prefeito. Os partidos procuram a gente, par exemplo, este partido que falam que e nazista C .. ), este procurou. Tern urn outro que procurou e que foram os integralistas. No partido nazista uns "carecas· foram e me chamaram. Mas eu nao pretendo ir. Estes caras estao a fim de se levantar as eustas da gente e 0 pessoal e tao bobo que eStao indo na deles. Nazista mesmo e tudo mau. Estes caras que estao dando apoio pra eles VaG tudo se foder. Quando eles estiverem no poder, vao tomar na cabe~a. Estao entrando num lugar que eles nilo sabem qual e a dos caras. Ji entre nos tern uniao. o temor do entrevistado, aparentemente, nao era tanto em rela"ao ao partido em si, mas com a preocupa· "ao da perda de controle e da possibilidade de manipula· <;3.0. Para ele, os partidos existentes, inclusive os de extrema·direita, possuem seus interesses e objetivos e so queriam "usar os 'carecas'''. Por causa disso, ele conside· rava necessaria a funda .. ao de seu proprio partido nazista, posic;:ao essa que se diferenciava da de outros "carecas" que nao queriam qualquer vinculac;:ao partidaria, nem que 0 gropo constituisse urn partido. Essa era a posi<;iio de A., para 0 qual

A ideia do movimento e ser anti politico diante de qualquer coisa que represente politica pra nos. Pelo menos pra mim, ela e uma eoisa suja. A politica e uma coisa desacreditada aqui no Brasil. Os politicos nao passam de uma cIasse parasitaria C .. ). 0 Brasil do jeito que esta, nas maos desses Iideres C ... ), vai pra frente, simi Criso) A gente deve preser­var 0 que e nosso. Vamos ser nacionalistas II moda brasilei­ra (. oo). Se interessar rna is pela cultura nacional C ... ). E um pais rico e urn pessoal desinformado. A opinHio de A. e bern clara ao afirmar, taxativamente, que 0 movimento deve se posieionar contra 0 que chama de politica tradicional e contra todos os politicos de qualquer partido. Varios outros "carecas" entrevistados deixaram claro sua posi"iio contriTia em relac;:ao aos partidos de urn modo gera!. Com rela<;ao as aproxima"oes com partidos de extrema·direita, procuravam deixar claro que as filla·

164

"oes eram individuais e nao do movimento. Natu~almen. te essa posi<;:iio nao e a (mica, pois 0 careca O. dlscorc\a d~la. Segundo 0 que declarou, da procura aproximar os "carecas" de seu grupo ao partido a que pertence. Urn dirigente integralista, 0 !>r. L., ~escreveu uma reuniao para a qual os integrallstas tena,? convldado grupos de "carecas do suburbio" para partlcIP:rem. T~; davia meio desapontado, ele afirmou que os ::arecas . compareceram, beberam guarana, comeram e nao qUlse· ram saber de nada. Se existem membros do grupo que ~enta~ aproximar o movimento da extrema·dire/ta, tambem eXI~tem outros que altm de serem contra qualquer menc;:ao a Hitler, ro~uram afastar qualquer vincula"ao dessa natureza, tste e, por exemplo, 0 caso de G.: . ' . Tern "careea" inclusive de classe A, ri~a! Mas ISto al e um outro problema. Em parte eles se identtfieam com, a gente , mas nao totalmente. 0 motivo e de que eles nao foram educados no suburbio. Nao tern 0 mesmo co~portamen. to nao tern 0 mesmo p,,";~,,:ento (. oo). Eles tern a pensa· , k' ,',ead mais fascista racista. EXlste 0 pessoal mento S IT,

I • mais velho , mais Iigado as ~rige~s do m?Vlmento, e ~ pessoal mais novo, que se Identifica mals "corn as Ski' nheads europeus. No mov/mento ' careea ha negros, mesti<;os nisseis etc. Esse neg6cio de ariano eomec;ou b~m depois. Realmente tem alguns "careeas" com pr~e_oncelto de nordestino. 0 problema reveste·se na eompeuc;a_o pelos empregos. Mas as "carecas" novos tern assoCla~ao com skinhead da Inglaterra, que nao era eonheclda pelo pes: soal no comec,:o do movimento. Esse p.essoal rna IS novo Ie no jornal que o skinhead na Inglaterra e contra 0 Imlgrante Coo .). E contraditorio, pois grande parte sao deseendentes de migrantes. A imprensa, ao cobrir 0 movlmento, deturpa muito. Mas ela, as vezes, aeaba ajuda~do a _cnar um~ determinada imagem.O adolescente aqUi em Sao Paulo )a cresee em urn dima de violencia ( .. :> e s~ ele encont.:" alguma coisa pra se identifiear, ele se Idenl1fica (..). Entao o pessoal mais novo i: tudo skinhead. Os anugos sao todos "carecas";

165

Page 85: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

o "careca"}.c. tambem compartilha, em parte, desta opiniao. Aos 13 anos de idade, foipunk e, posteriormen­te, "careca do suburbio". Apesar de nao ter feito uma distin<;ao entre mais velhos e mais novos, porem entre "carecas" e skinheads, ele declarou que

Existem os skinheads que seliam mais racistas e nazistas C ... ), embora existam skinheads negros com ideias nazis­tas. 0 Partido Nacional Socialista Brasileiro tem oferecido, para alguns skins daqui, dinheiro, posi<;ao, valias coisas. Ja as "carecas" propriamente ditos estao fora disto tudo. Nao sao racistas Co entrevistado declarou-se "careca do suburbio 'J. Eu sei que existem grupos mais racistas ainda de classe media, que possuem fitas de video com banda~ que prop oem a agressao racial C ... ). Tern ate uns que ja entraram em contato com a K.K.K. americana, com gente do movimento nazista de lao Entre estes mais racistas, tem os "White Power" (poder Branco). Sao mais ou menos uns vinte e cinco. EIes dizem que todos tern descendencia europeia, estao preocu pados com a pureza da ra<;oa e acham a "mistura racial" algo ruim C ... ). Esse pessoal gosta de ouvir bandas como "White Pride" e "Skrewdriver" C ... ). OS skinheads que eu conhe<;o nao sao tao racistas como estes outros grupos. Para 0 "careca" M., Esses riquinhos sao todos nazis! A ideia dos "carecas" e 0

naci0t?-ali~mo. Tern uns ai que entram na ideia naZi, mas pra mlm e pura babaquice deles. Sao uns caras que tem um ou do is anos de movimento. Nao sabem a imagem da gente que somos D)ais velhos do que eles e somos do suburbio mesmo C ... ). E igual 0 que aconteceu na Pra<;a da Se. Muitos deles se uniram com aqueles caras e 0 pau comeu. Existem os endinheirados que saa nazi, mas hi tambem alguns que sao igual a gente do suburbio e tem tambem essas ideias. POl'que Ii fora os skins tem estas idelas bern fascistas mesma. Entao muitos deles querem imitar. E preciso ver que aqui e Brasil C ... ), que e uma ra<;a, aqui e tudo mesti<;o, misturada, nao tem jeito de ter ariana C ... ). Voce pode ver que tem branquinho de olho azul, descendente de aIemao e tal, que anda com a genre. E tem uns sem essas ideias e tem outros que sao mais fascistas.

166

As distin<;6es feitas por alguns entrevistados entre mais velhos e mais novos, ou entre "carecas" e ski­nheads, assim como os conteudos que lhes servem de lastro, sao bastante problematicos. Ern grande parte, atraves destas distin<;6es, vemos a preocupa<;ao de repre­sentar os "outros" (os mais novos, os riquinhos, os ski­nheads etc.), como nazistas, racistas, como membros de organiza<;ao de extrema-direita. Poi apenas em certos momentos que chegaram a admitir que tambem existem "carecas" pobres, que moram no suburbio e possuem as mesmas ideias desses "outros" "carecas".

No decorrer de algumas entrevistas, notamos uma preocupa<;ao constante em afirmarem que 0 verdadeiro movimento era de uma determinada forma, que os "des­vios" eram responsabilidade dos outros, dos riquinhos, dos nao moradores do suburbio, dos skinheads. E urn fato de que 0 fortalecimento dos "carecas do suburbio" come<;ou a atrair uma parcela crescente de jovens para o movimento. No decorrer da segunda metade da decada de 80, come<;aram a se multiplicar nucleos de "carecas" para alem dos suburbios paulistanos. E nao apenas em areas centrais da cidade de Sao Paulo, mas tambem no interior do Estado e em outras unidades da federa<;ao. Estes "carecas" nao provinham necessariamente do mes­mo extrato social. Muito menos partilhavam obrigatoria­mente as mesmas origens e experiencias daqueles que compuseram as primeiras gangues do ABC e da Zona Leste de Sao Paulo. Dessa forma e possivel admitir que as contradi<;6es apontadas pelos entrevistados estejam, em parte, relacionadas com as mudan<;as e transforma<;6es surgidas no decorrer dos anos.

Todavia, essas contradi<;6es tambem podem estar relacionadas ao fato de expressarem, de urn lado, dificul­dades por parte desses "carecas" em assumir claramente, para urn publico externo, as ambigiiidlldes existentes entre eles. E, de outro, tudo isso pode envolver determi­nadas divergencias, conflitos, disputas de lideran<;as en­tre, por exemplo, aqueles que foram ou nao cooptados

167

Page 86: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

por partidos politicos. Contudo, quando questionados com maior profundidade, alguns desses mesmos "care. cas" acabaram admitindo simpatias a Hitler tendo deter. minadas atitudes que seriam mais adequada~ nos "outros" "carecas" e nao "neles".

o caso de G. e bern ilustrativo. Em fanzines e mani. festos, ele defendeu a articulac;:iio entre 0 nacionalismo e a anar'!-uia. Mas, em entrevistas posteriores, criticou a anarqwa e algumas concepr,;6es dos anarquistas. Prova. velmente, a atitude que assumia em entrevistas visava estrategicamente, desviar a atenc;:iio externa de determi: nadas P?sic;:6es internas, prlncipalmente das vinculac;:6es do mo.vunento com. a ~xtrema·direita. Em sua opiniao, a bandelfa da anarqwa tmha uma conotar,;ao de oposic;:ao contra 0 Estado, as autoridades e os partidos politicos. Dessa forma, a intenc;:iio era a de deixar 0 movimento bern longe dos partidos politicos. Para ele, as concepc;:6es de forc;:a presentes entre os "carecas do suburbio" foram urn ~os ganchos que as organizac;:6es de extrema·direita uti. hzaram para tentar COoptar partidariamente os "carecas" ou 0 proprio movimento. Outros entrevistados procura. ram deixar claro que hi membros do grupo indiVidual. mente filiados a organizar,;6es de extrema·direita mas que 0 movimento nao teria "nada a ver" com isto TOda. via, exlste uma realidade inegivel: a tentativa, co~ exito em alguns casos, da extrema·direita levar para seus qua. ~os .alguns deles, 0 que naturalmente gerou uma "ten. sao" Ifltema.

Essa Oposir,;ao entre "mais velhos" e "mais novos" verbalizada por alguns, esta presente no livro de Nick Knight, "Skinhead", 0 qual, segundo informac;:6es, citcu. I~u. e_ntre os ':carecas" brasileiros. Ou seja, essa mesma ~hvlsao tambem existe na Inglaterra. Alguns fanzines Igualmente apontavam a diferenc;:a existente na Europa e~tr: os skin~ n~Zistas, os de esquerda e os "Oi!" ("W.e. Z11le \ ~s~es u!tunos, se,gundo os fanzines, pretenderiam It.car.ti.els as ralZes operarias do movimento, serb. interfe. renCla de partidos politicos.

168

I r

I i I ;'

Entretanto, apesar das divergencias sobre a relar,;ao e a vinculac;:ao do movimento com os partidos, quase todos eles procuram deixar clara sua participac;:iio em manifes­tar;6es e atos de protesto. Assim, tanto punkS como grupos de "carecas", no periodo estudado, palticiparam em conjunto de atos e manifestar,;6es, como, por exem­plo, os da "luta pelo voto nulo", de defesa da Amazonia contra a devastac;:ao, contra 0 servir,;o militar, contra a guerra nuclear etc. Por exemplo, no dia 7 de setembro de 1987 assim como no de 1988, ocorreram manifesta­r,;6es co~tra 0 "desfile militar" em alguns Estados brasilei­ros, que contaram com a promor,;iio eiou participac;:ao tanto de anarquistas como de punks e "carecas". A gran: de imprensa nao deu 0 devido destaque ao fato, 0 que fOI

denunciado por virios fanzines.}a no jornal "0 Inimigo do Rei"', de tendencia anarquista, encontramos uma reportagem sobre esses protestos, especificamente os de Brasilia. A materia relata que os tres grupos se reuniram para protestar durante 0 desfile milit~r, ergu~nd~ uma faixa com os dizeres: "Mais armas, malS forne , alem de varias bandeiras anarquistas.

o fanzine "Falange Anarquista", de setembro de 1987 do "Nucleo de Consciencia Punk", fez uma especie de in'ventario da presenr,;a dos punks e "carecas" em diversas manifestar,;6es, comicios e shows, em diversas partes do pais. Assinado por G., 0 texto afirma:

Neste ana de 1987 aconteceram varios eventos que foram o inicio de uma forte consciencia de luta no Movimento Punk: a passeata do dia 12 de maio, 0 comicio anti-sistema na Pra~a da Se no dia 12 de julho, 0 dia de luta antimilita­rista em 6 de agosto, e mais recentemente 0 desfile de 7 de setembro em Brasilia, onde diversos punks abriram uma faixa antimilitarist a com as dizeres "Mais armas, mais fome". A mo~ada come~ou a ver que verdadeiramente 0

Movimento nao e s6 som e visual. Isto falando apenas de Sao Paulo e Brasilia, porque tem acontecido muito evento de protesto pelo Brasil afora, sempre com participa<,;ao de punks, como, por exemp!o, 0 I e II Encontros Antinuclear, em Recife, que uniu bandas do Nordeste e do Sudeste.

169

Page 87: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

r Destaque para a banda "Kame Krua", de Aracaju, que chegou a fazer dois sons de protesto em frente ao Palacio do Govemo podre de Sergipe. Justamente urn ponto fraco dentro do Movimento e que nao havia protesto, mas pare· ce que isto esti sendo supcrado agora. E cada punk tern que lutar para que estes protestos aumentem a cada dia. E a unica maneira' de nao deixaC 0 movimento virar mais moda do que jii e. Para isto e preciso haver cada dia mais fanzines, distribuidos para 't'oda a populaC;ao, e tambem mais bandas to cando em suas areas. Tern que haver. parti· cipac;ao em todos as movimentos de protesto, mas sem ligac;ao.com igrejas nem partidos politicos, que so querem controlar a juventude e tiram toda nossa independencia. Unidos e fortes venceremoS! CG. - N.C.P.) o "FalangeAnarquista",dejaneiro/fevereiro de 1988,

niimero 8, tambem trouxe sua posi<;;ao sobre 0 12 de maio de 1987:

86 terminou com urna intensa repressao ao movimento de revolta dos jovens suburbanos e anarquistas no Brasil. Apesar disso, junto com os que se dispuseram a agir, c nao apenas a ficar no blablabli, nos do CL saimos a rna pela revoluc;ao socialista, libertiria. No lOde maio , uma passea· ta Ccom mais de 600 pessoas) alr.vessou 0 centro da cidade, gritando palavras anti·sistema e chamando 0 traba· Ihador para protestar. A passeata foi iniciativa dos "carecas do suburbio" e teve importante apoio de nos do CL e do pessoal da "Massacre Punk". Apesar do texto de G., publicado no "Falange Anar·

quista" de setembro de 1987, relacionar uma serie de eventos com a participac;ao de punks e "carecas", fre· qiientemente muitos deles acabaram em brigas e diver· gencias. Este foi 0 caso, em Recife , do II Encontro Antinuclear ocorrido em 1987, 0 qual, como virnos no capitulo anterior, acabou gerando urn manife'sto "antica· recas do suburbio" produzido por punks. Outro exemplo foi 0 comicio na Pra<;;a da Se, de 12 de julho de 1987, que o fanzine "Nascido para Matar" , do "Niicleo de Conscien· cia Punk", de agosto de 1987, noticiou, publicando em xerox uma serie de artigos de jomais sobre urn conflito que eclodiu entre membros do PT, "carecas" e punks. Ao

170

! t i t

I I

I

lado desses artigos xerografados , tambern foi publicado urn texto manuscrito, que diz 0 seguinte:

Apcsar das divisoes e das treta~c 0 movi~ento de"Protesto conti.nua aumentando com un130 entre carecas ,pu,:':s, HCs e outros jovens igualmente revoltados com a podndao deste sistema explorador e repressor. A malS recente pa;· ticipac;ao foi no Comicio de 12 de julho na Pca"a da Se. Queremos deiXar claro que la estivemos nao para apOlar algum partido, mas, sim, para protestar just~mente contra os politicos parasitas que ganham altos salanos sem pro· duzirem nada, sejam de que partido forem. M~rte aoS politicos que so desejam fazer demagogi' e malllpular • mente da juvenrude e do povo. Lute pel. sua hberd.de ou morra vegetando! As passeatas antimilitaristas, promovidas durante 0 7

de setembro de 1988, tambem foram materia de divers os panfletos, manifestos e fanzine~, q~e d~n.u~C1a:am 0 ocorrido. Por exemplo, 0 ' Coleuvo Llbertano , numero 22, de outubro/ novembro de 1988, inform a que

Centenas de jovens, indignados c?m este desfile, manifes· taram.se contra tamanha aberraC;ao! A PM prendeu deze· nas de pessoas, tentando salvar 0 Estado da d~sordem . Ainda .ssim foi realizada a passe.t. na Pcac;a da Se, vlOlen' t.mente reprimida com centenas de prisOes. Nas delega· cias houve espanc.mentos, torturas e ,humilha"oe~ ( ... ). Pessoas tiveram seus cabelos cort.dos a forC;a e obng.das a come·los. U.mpunk ficou detido portres di.s sem .cusa· "ao formada. Outros nao tiveram seus. document,,-s devol· vidos ( .. .). A imprensa e as entidades dltas ~emocratlcas ~e omitiram. So ha miseria, fome e repress.o. DemocraCI. porra nenhuma! o "careca" M. relatou que o G. participou ( ... ) e a borracha ,c0n:'<:'u (. .. ). Eles ~egaram os punks (. .. ). Aquilo pra mim e pnsao de guemlha (.). Amacraram os meninos com a corda ?o pesco"o, u~ atras do outro ( ... ) e isso no Viaduro do eha C ... ). Agora, nao teve urn reporter que documentasse, mas tinha, ge?te com miquina fotografica (. .. ) e eles tomaram as maqumas. A participa<;;ao de grup0..s de ".ca:~c~" nessas mani·

festa<;;oes teve uma conotac;ao anuffilhtansta e antlarma·

171

Page 88: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

I'

mentista. Mas sua participar;:ao nao parou al e e1es come­r;:aram a se manifestar tambem durante 0 1" de maio. Inicialmente, 0 objetivo era protestar COntra a miseria e a agressao sofrida pelos operarios, mas algumas organi­zar;:oes de extrema-direita tentaram se aproximar dos "carecas", 0 que gerou conflitos com partidos de esquer­da.

Amanifestar;:ao do I' de maio de 1988, por exemplo, mereceu no dia seguinte, no caderno de Economia da "Folha de S. Paulo"', uma materia sobre os cont]itos Ocorridos na Prar;:a da Se entre CUT, integralistas e "care­cas do subUrbio", com 0 titulo "Em Sao Paulo, integralis­tas sao detidos durante tumulto·. Nessa reportagem, se relata, de forma Sucinta, que

Durante a coneentra<;ao da CUT na Pra<;a da st, minutos antes do discurso de Luiz Carlos Prestes, integralistas e integrantes de organiza<;oes de extrema-direita marcharam em dire<;ao a manifesta<;ao da CUT. 0 saldo foi a eclosao de Urn conflito, que resultou em pessoas feridas e que teve a interven,ao da policia C .. .).

A materia relata ainda que estiveram presentes as seguintes organizar;:oes: Ar;:ao lntegralista Brasileira (AlB), Pattia e Liberdade do ABC Paulista, Patria Livre de CUritiba, "earecas do suburbio ", organizac;ao de jovens skinheads de periferia.

Os "careeas", em sua maioria, nao gostaram do epis6-dio e passaram a divulgar a versao de que teriam sido manipulados pe10s integralistas. A respeito disso, lim dirigente integralista relatou:

No l ' de maio de 1988, supondo que os "careeas" fossem nacionalistas e COntra 0 comunismo (. .. ), Conforme eles mesmos di2em C· .. ), nos os convidamos para uma reuniao na Pra,a da St. Ate por volta das 12:00 horas deram a impressao de serem amigos. Nisso, cento e cinqiienta mo,as de urn /l.iIIpo religioso anticomunista reuniram-se ao grupo ao ladB da Ordem Terceira do Carmo. Na Se estava havendo urn comicio da CUT e Luiz Carlos Prestes estava discursando.}unto conosco estavam mais ou menos duzentos ' carecas ", com rapazes emo,as. Ai resolvemos

172

, , I i 1 l , !

fazer uma eaminhada. Na SI!, nos, integralistas, perc~~;~ -0 tinha bandeira brasileira entre os mem

:,o~fu ~~tao 0 Sr. Meireles resolveu canta~ 0 !~~ NaCionai e levar a bandeira. Pensamos que o~ Ct) Os iam nos proteger contra 0 ~taque das, escqu)er m'::s fi~a~am "carecas" nao de ram protel,ao as mo<;as ,-'a'ra' ~ e arrebata-

- d as Ai os esquerdlstas avan.,. _ atras a~n~~~ imegralista. Na verdade, os "careeas» ~ao ~~~a~:m posi<;ao pOlidtica, s~~~pell~~q~~~~~ ~~n~~ad~~~~~ Os dais Iideres, Evan ro e '. membros de grupos nacionalistas C ... ), inclusive agr~dl~t~as de cor es-ru os nacionalistas C ... ). Quatro naClOna s .

g p . d Rio de Janeiro, ao chegarem tenam cura que vleram 0 II )! 0 "carecas" beij;do 0 rosto das namoradas dos careCca~. N: hora nao acharom que 0 beijo era urna afroma .... foram falaram nada, mas depois pegaram os quatro, que parar no hospital. . Conforme declarar;:iio do entrevistado, ele al?da_ p~e-

feria que os "carecas» fossem "nacionalistas, ao l11ves e comunistas" . _

» • -0 dos "carecas" com rela~ao ao Quanto a posl~a '_ P epis6dio, eia fica bem clara em algumas declarac;oes. ara A. , por exemplo, . os

Nos articipamos da passeata do I" de maIO C ... ), tn~s inteiralistas entraram querendo se ahar a nos C .. .). Nos as pusemos pra correr.

Para T. , I ' " ecas» para evanta r a Os integralistas quiseram usar?s car . f' Existe

bandeira deles na Pra,a da Se C .. ·)· Fo. umt n\ i . 0 "careca" andando a parte com os !ntegra Istas .... movimento nao tern nada a,ver com IS50 . .

o punk P., que acompanhou 0 conilito ocorndo na Prac;a da Se, re1atou que

emplo como os integralistas, que E interessante, par ~x. F ' ' I' " conseguiram se apro. » 0 !ema "Deus Patna e afill la , , ~~~ar dos "carec~s". Tal;,ez seja porqu~ os i~t~~~~:.~~ nao fa!em tudo C ... ). Voce VIU aquele pa eta I . no I· de maio?Lli etes puseram apenas as eOlsas do nac;.~.

. rialismo americana e 0 lmpena 1 . nalism~,. ~ontcra) 0 ::~" de maio; os grupos nacionalistas rno SOvletlco ... .

173

Page 89: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

fizeram uma grande panfletagem uma semana antes C .. '). Eles soltaram urn texto que qualquer urn concorda (. . .): "Queremos 0 Brasil livre. Somos contra a explora~ao da ciasse trabalhadora por Moscou e pelos Estados Unidos. Queremos uma sociedade melhor C ... )." Voce nao concor­da com isto' Mas por detms existe urn mundo de coisas (. .. ). Ai · juntou os integralistas que ja tinham cooptado alguns "carecas" C ... ) e resolve ram passar no meio da manifestac;ao. Elepois disso, oS integralistas ficaram mal­vistos no meio "careca". Tern urn pessoal de "carecas" que nao gosta disso, de ser manobrado. Em abril de 1989, eciodem comemora~6es, em varias

partes do mundo, referentes aos 100 anos de nascimento de Hitler, as quais os skinheads nao ficaram indiferentes. No Brasil, alguns "carecas do suburbia" paniciparam das comemora<;:i5es, em conjunto com elementos de agrega­~6es de extrema-direita. Esses acontecimentos e, poste­riormente, os de maio de 1989 foram bern complexos. Segundo relata do punk P., que acompanhou de peno todos estes epis6dios,

o 19 de maio de 89 juntou com a manifestac;ao dos cern anos do nascimento de Hitler (. .. ) e isto tambem agitou os punks antinazistas C ... ). Eles se organizaram e foram pegar os "careeas" que falavam que eram nazistas. Ai 0 "ralo" foi na Pra<;;a d. Sf:, entre punks antinazistas e "carecas" c. .. ). Coisa que aconteceu urn monte de vezes na Europa. Teve a greve dos bancarios e no mesmo dia uma manifesta<;;ao dos "carecas". Foi uma semana depois disso j no }2 de maiO, que aconteeeram os atritos n. Pra~a da 51:. Existe mesmo uma rixa entre "carecas" e determinadas facc;oes punks C •.. ) . Esta hostilidade entre punks e "carecas" vern da origem do movimento, coisa antiga, desde que alguns punks resolveram virar "carecas" C .. ) e a imprensa ajuda muito na generaliza .. ao desta briga ( .. .).Nao e verdade que os "careeas" ,ejam contra todos os punks. Ainda em rela~ao aos acontecimentos de abril de

1989, a "Folha de S. Paulo'" anunciava que "Extremistas brasileiros fazem ato com muito barulho e pouca gente".

Tambem 0 "Jornal da Tarde"'o do mesmo dia trazia uma reportagem sobre a homenagem a Hitler. Sao entre-

174

vistados "carecas do suburbio", 'que sao denominados como "0 bra~o mais violento dos nazi-fascistas C·'), uma versao brasileira dos skinheads europeus, famosos pela decisao com que costumam enfrentar os adversarios".

No mesmo dia, 0 jornal "0 Estado de S. Paulo"" apresentava urna outra materia intitulada "Gangues ape­lam para violencia": "C ... ) cabe~as raspadas, cal~a e caml­sa justas, coturnos militares nos pes, os 'care~as do suburbio' constituem 0 brac;o armado do mOVlmento nazista brasileiro".

Em 19 de abril de 1989, 0 "Jornal da Tarde"" trouxe tambem a reportagem "A suastica volta as nossas ruas", destacando-se uma fotografia de varios "careeas" fazendo a saudac;ao nazista e, entre eles, nossoS entrevistados G. eO.

Ap6s estes aconteeimentos envolvend? as comemo­ra~6es do centenario do nascimento de Hitler, eciodem novos conflitos decorrentes das comemora~6es do 1 Q de maiO de 1989 novamente na Pra~a da st. Os jomais noticiaram qu~ 0 "pessoal da CUT e do PT" foi envolvido em urn confronto que, "segundo os promotores d~ even­to, teria sido iniciado entre punks e urn grupo de ,oven~ de cabe~a raspada aeusados pela CUT de penencer a Juventude Integralista. A CUT considerou esta prese~~a uma provoca~ao. Militantes da CUT armados de bastoes de madeira formaram uma seguran~a para enfrentar os nazistas que nao retornaram mais a pra~a".

Tambem "0 Diario popular"" deu como destaque urn confronto durante 0 I" de maio, na PraC;a da Se, entre punks e urn suposto membro do grupo neonazista "care­cas do suburbio" .

Em relac;ao a todos esses acontecimentos, particular­mente aqueles relativos a participa~ao dos "carecas" brasileiros em comemora~6es pr6-Hitler, G., segundo suas declarac;6es, tentou publicae em varios jornais u~a carta desmentindo a panicipa~ao dos "earecas do subur­bio" no movimento neonazista. Mas nao teve sucesso, a

175 I I L

Page 90: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

..

nao ser corn a revista em quadrinhos "underground" "Animal"", que a pubUcou em seu numero 7, de junho de 1989:

Copia da carta enviada ao "Jomal da Tarde" no dia 2 de maio e nao publicada: A respeito da materia contida no "Jamal da Tarde" do dia 19.4.89, sob a titulo "A Suiistica volta as nossas ruas" temos alguns esclarecimentos a fazer a opiniao publica: ' a) 0 movimento "carecas do suburbio" nao tern nenhuma Iiga~ao com a nazismo e muito menos com qualquer das outras organiza<;;oes e partidos citados na reportagem. Somas urn movimento independente que tern como maior objetivo a meihoria de vida nos suburbios. ~) 0 movimento "carecas do suburbio" nao se responsabi. llza pelas opini6es emitidas par pessoas que se dizem "careeas do suburbio", mas nao refletem 0 autentico pen. samento deste movimento, que e voltado para a evolu<;;ao da classe trabalhadora e do Brasil. e) 0 movi~ent~ "car~cas do suburbia" nao e 0 bra~o armado de omguem. Nao recebemos nem .ceitamos a poio de nenhuma das organiza<;;6es citadas na reportagem. Nos. sa musica nao e "heil", e sim "Oi! " que , no Brasil, reflete a realidade d. c1asse trabalhadora e do povo suburb,lOO. d) S.bemos perfeitamente que. dura re.lidade dos subur. bios brasileiros nao vai meihorar com pessoas fazendo sauda<;;oes e comemorando aniversiirios de Hitler au qual. quer outro defunto. Esperamos que os leitores deste jornal sejam melhar informados sabre os "carecas do suburbio" que, como milh6es de brasileiros, Imam simplesmente por uma vida mais decente. G.C.S.

Ainda em relar;:ao a reportagem do "Jornal da Tarde" , G. afirmou que teria sido "atraldo" por 0. 15 e "enganado" pelo fot6grafo e pelo rep6rter, que os tinham convidado apenas para tirar umas fotograflas e Ihes pedido para fazer a saudar;:ao nazist •.

S6 que eles normalmente f.zem a sauda<;;ao nazisra como uma forma de "deboche", "agressiio" e, ao inves de grita. rem "Heil Hitler", griram "Oh! Xente!" E1e ainda afirmou perceber que as fotos . iam ser

publicadas de forma "distorcida" e que estavam sendo

176

"manipulados". Quando a materia foi publicada, um de seus irmiios pegou 0 jomal, rasgou e disse: "Como e possive!! Logo voce que teve 0 pai preso e to~urado pOI motivos politicos!" Segundo 0 relato do entrevistado, seu pai esteve no exercito, chegou ao posto de sargento,. fOI preso e cassado pelo golpe militar de 1964. Postenor· mente, ele "ergueu" uma Igreja, dissidente da "Igreja Brasileira". Por press6es dos "carecas" e de outr~, p~s, soas G. tentou desmentir 0 ocorrido. Mas esse eplsodlO, no ~inimo, mostra as ambigiiidades e contradic;:5es exis· tentes dentro do movimento .

Em suma, apesar dos posicionamentos pro e contra a vincular;:ao aos partidos politicos , verific~mos que ~ou. ve no movimento dos "carecas", um desejo de partlClpa· c;:a~ que os levou a estar presentes em manifestar;:5es e atos publicos. Essa presenr;:a_acabou,abrindo espar;:o para que ocorressem aproximac;:oes : ate te~tatlvas de coop· tar;:iio, articuladas por agremia<;oes politlcas, 0 que. C~lll' tribuiu para desnudar as ambigiiidades e contradlr;:oes existentes entre eles.

Notas

1. CASTORlADlS, Cornelius. Anma¢es sobre 0 racismo In Pflosojla poiftica 5. Porto Alegre, L & PM EditOres, 1989.

2. CASTORlADIS, Cornellus. Op. Cit ., p . 65. 3. CASTORIADIS, Cornelius, Op. cit., p. 66. . 4. CASTAN, S.E. Holoenuslo judell au alemilo - Nos bastu/ores do

mentfra do s~cu/o. Porto Alegre, ·Revisao. 1987 . 5. CASTAN, S.E. Op. cit .. p. 15. 16, 17,20,21. _ 6. 0 entrevistado declarou·se favoravel a possibilidade de artiCll~a~ao dos "carecas M com a Frcnce Nacion::liista BrasUeira (FNB). Contudo, manifestos da FNB vinham assinados pelo Partido Nadona\ SOcialista Brasileiro. 7. Jornal 0 inimfgo do Rei. outubro/novembro de 1987. 8. Fotha de S. Paulo, maio de 1988. 9. Folha de S. Paulo, abril de 1989. lO.]oma/ da Tarde , abriI de 1989. 11. 0 Eslado deS. Paulo, abril de 1989. 12.jornal da Tarde, abriI de 1989. 13. DiArio Popular, maio de 1989. 14. Revista Animal, junho de 1989. Mesmo tendo sid~ a un~ca re~ista a publicar a carta de G., em alguns de seus numeros , a rc:ytsta nao detxa de

177

Page 91: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

/!

!

I

I i .~:

I;:

divulgar uma image m bastante problematica de punks e skinheads. Urn exemplo significativo disso podemos encontrar em seu numero 9, no qual foi publicada uma est6ria em quadrlnhos de urn personagem intitulado "Peter Pank", na q ual se parodia a esroria de Peter Pan e os outros persona gens que o acompanham. Na vcrsao da revista, Peter P2nk i: umputlk "muito doido" .e a fada "sininho~, que e apresentada em urn visualpunk, ao perceber 0 interesse de Peter Pank por "Ana", fica mo rrendo de dumes. Para se vingar, entrega·a aos amigos de Peter Pank, para que seja "estuprada". Mas isto nao ocorre, porque elc chega para salva-Ia. 05 amigos de Peter Pank sao retratados como sendo urn;;!. mistura de punks com skinheads, que vivem rnetJdos em brigas violentas, tamanda drogas e cuJa diversaa, aiem do estupro, e a persegu i~aa aDs hippies. Do Dutro lado, como irJ.imigos, aparece a Capltao Topete e seus roqueiros.

15 . 0. , quando soube dessa versao de G. , qualificou·o simplesmente de "aquele punk"! ( ... ).

178

! I

v. OS FANZINES DOS "CARECAS"

Os fanzines editados por "careeas do subUrbio" for­neceram infonna<;:5es sobre algumas de suas opini5es e vincula<;:5es. A inten<;:iio, ao estudannos esses fanzines , nao foi apenas de perceber as infonnac;iies que eram veiculadas, mas tambem de apreender posi<;5es, conver­gencias e divergencias existentes no movimento. Tanto que foi importante comparar os fanzines e a posi<;ao de seus produtores em declara<;iies de entrevistas ou cartas.

Assim, neste capitulo, urn dos focos sera analisar estas declarac;5es, possiveis contradi<;:iies, e confronta-las com fanzines por eies produzidos.

Simultaneamente, atraves de pesquisa feita em mani­festos nacionalistas que circularam entre os "carecas" e que tiveram inclusive 0 apoio de alguns dos entrevistados em pauta, veremos convergencias, freqiientemente nao claramente assumidas em detenninados fanzines consi­derados, com posi<;iies extremistas.

o primeiroaspecto que nos chama a aten<;ao e 0

importante papel exercido por aqueJes que eram deno­minados os "mais bern infonnados" ou os que "dao dire­<;:ao ao movimento". Destacam-se peia lideran<;a exerci­da, produzindo fanzines e estabelecendo contatos com a

179

Page 92: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

" :.1

imprensa e c~m a sociedade em gef"JI, ou se articulando com a.~soclac;oes e partidos politicos, pelos quais alguns deles Ja tmham sido cooptados.

A _maiOria d~s entrevistados reconhecia 0 papel e a atuac;ao desses lideres, como foi 0 caso de E.:

Dentro. do moviment? existem as "carequinhas" que vi, vern bngand~ entre ~1. Mas tambem existem aqueles que sabem das COlsas e nao passam de uns cinquenta. E, alem desses, t~m uns vinte que dao direc;aoao movimento. Eles fazem alian~as, escrevern coisas. Enquanto isso as "care. quinhas" ficam brigando. se matando. '

Para analisar 0 papel desses lideres, inicialmeme, sao destacados G. e os fanZines do "Nucleo da Consciencia Punk". A posiC;1io que explicitameme assumia dentro e fora d? movim.emo apareceu, por exemplo, em urna en~rc:vJSta que clrculou em varios fanzines, onde defendia as Idelas do que chamou de "OH" Ipunk:

P - Fa~a urn breve resumo dos objetivos da anarquia para urn esclarecimento aos leicores. G - Anarquia visa basicamente a livre organizac;:ao dos produ~ores sem interferencia do Estado. Isto significa que as flibncas, transportes, ensino, saude e tudo a mais sefiam controlados pelos trabalhadores destes setores. Deixariam de ser assalariados para serem participantes Iivres. Neste caso, ficariam extlntas figuras parasitarias, como patroes, eXeCutlvoS, chefes e capitaes. P - Quais sao os metodos de luta do movimento "Oi!"/punk? G - Propaganda e ac;:ao direta. ( .. .) P - Qual ~ sua PO~i~ao e"2 rela~ao a panidos politicos? G - Panldos polItICOS sao "cabides de emprego" para pessoas que querem melhorar de vida i1udindo e "manipu­lando as pessoas ingenuas. Todos as politicos tern as mesmas mord0"2ias e sala:ios milionarios, independente de qual pamdo sao. Par que? Porque sao todos "farinha do mesmo saco». P - E~ste uma liga<;:iio entre anarquia e nacionalismo? G - Sim. Qualquer pessoa que deseje melhorar 0 mund'o deve enfrentar as luras a panir de seu proprio pais.

lBO

.... Jo._ .... __ ._

I

\

\

(. .. ) P - E para as que fazern da anarquia uma modal G - A moda e uma merda e os modistas se afogam nela. Nessa entrevista (assim como em outros fanzines), G.

defende a articulac;iio entre anarquia e nacionalismo (ape­sar de renegar a todos aqueles que fazem da "anarquia uma moda"). Todavia, na entrevista que G. concedeu em 1989, ele afinmou que

Atualmente nao estamos pr6ximos dos anarquistas. mas nao rompemos com eles. Eles tern esse preconceito ( ... ). o "careca" diz que e nacionalista e eles falam que e "cabe",a curta", "mente estreita" C ... ). Se a gente esta no Brasil e vai entao lurar peJa independencia da Nigeria. da Nicaragua? A gente simpatiza. mas e com genre daqui! Por essas declarac;6es, podemos observar a diferen~a

entre a posiC;ao defendida nos fanzines por G. e sua percepo;;1io, por exemplo, de que 0 nacionalismo e Slla

defesa significavam uma ruptura com os anarquistas. Outros "carecas", entretanto. como , por exemplo.

0., que era membro do Partido Nacional SOcialista Brasi­leiro, nao aceitavam a articulac;ao entre 0 nacionalismo e a anarquia, defendida por G. nos fanzines.

A nao;;iio, a defesa de seus interesses e a luta contra os corruptos e exploradores sao urn valor supremo. Na verdade. para os "carecas", defender a nac;ao e defender opovo, tide como pobre, explorado e enganado pel os poderosos. Mas 0 que G. nao conseguiu responder de forma clara e ate que ponto seu ideal de naC;;ao. de nacionalidade, no fundo nlio pressup6e uma forma de Estado que lhes de suporte. 0 que acaba entrando em contradic;ao com sua postura a favor da anarquia.

Contudo, apesar das posic;6es de O. e G. serem ver­balmente opostas, is so nao impediu que os dois fossem fotografados, juntos, fazendo a "saudac;ao nazista". Pos­teribnmente, conforme virnos no capitulo anterior, G. tentou publicar urn texto na irnprensa desmentindo qual­quer vinculac;ao dos "carecas" a extrema-direita. Na rea­lidade, alem da fotografia simbolizar 0 que G. negara

1B1

Page 93: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

:r ,

publicamente, ele sofreu pressoes da familia , de "care­cas" e ate de anarquistas.

Em outros fanzines do "Niic1eo da Consciencia Punk", encontramos uma especie de sintese do que significava a anarquia para esse Nuc!eo. Existia al uma certa convergencia com a concep<;ao dos punks, presen· te em fanzines e manifestos (cf. Capitulo no. No fanzine "Revolta Suburbana", de outubro de 1986, por exemplo, do "Nuc!eo da Conscienciapunk", encontramos a seguin· te sintese:

Anarquia: - Estado - Salariato + Organiza<;ao Livre + Autogestao -Autoridade - Concorrencia + Livre Acordo + Apoio Mutuo - Coa<;iio + Centralismo + Liberdade - Dogmatismo -Propriedade Privada + Exame Livre + Socializa<;iio dos Bens - Anarquia A anarquia, assim, significaria Jiberdade, socializa<;ao

dos bens, ausencia de qualquer poder e autoridade, estes entendidos sempre como desp6ticos, cuja logica contra· ria 0 pleno desenvolvimento do individuo e de suas potencialidades.]a 0 naciona!ismo significaria a defesa da na<;30, de suas riquezas, cultura e especificidades, contra a a<;ao das multinacionais, a explora<;ao dos ricos e pode· rosos e dos politicos corruptos. Em !inhas gerais, esses seriam alguns dos pontos do "OW/punk defendidos por alguns "carecas". 0 repudio ao Estado e aos partidos politicos aparece de forma clara. Pretendia-se, assim, que o movimento nao tivesse nenhuma vincula<;ao com par· tidos, de urn modo geral, principalmente com os de direita, ou que fosse visto como racista e nazista. Pode· mos dizer que 0 recurso a bandeira da anarquia,1evantada par esses fanzines, tinha, alem do objetivo de congregar ao seu redor uma parcela dospunks, a inten<;ao de deixar publicamente clara a posi<;ao contra a extrema·direita e de reafirmar a autonomia do movimento "carecas do suburbio".

Nos fanzines do "Nucleo da Consciencia Punk" en· contramos ainda varios textos reafirmando que, no exte·

182

rior, os skinheads nao tinham nada a ver com os partidos de extrema·direita. Por exemplo, 0 fanzine "Revolta Suo burbana", de Sao Paulo, de outubro de 1986, chegou a publicae, com grande destaque, uma reportagem, pela revista "Yeah"', da Editora Abril, direcionada ao publico jovem. A materia os skinheads do exterior, argumentan· do serem jovens de origem trabalhadora, nao terem conota<;oes racistas e nazistas, nem serem adeptos da baderna e da violencia au de esquerda, de direita ou de centro. Sob 0 titulo de "Comportamento Skinhead/ 'Oil'", 0 artigo diz que

C .. . ) depois de muitos altos e baixos, eles resolveram voltar, em fins de 77, quando punk ja tinha perdido 0 fio da.meada (pelo menos em seu ber<;o) . 0 exercito de preto/alfine· tes/ rebites jii contava com cenrenas de sargentos de classe media, tenentes "rebeldes de fim de semana" e , 0 que e pior, usavam muni<;iio proveniente do arsenal da moda. Mas as verdadeiros punks, os garoros do heco, da rua, do gueto, nao sao iludidos tao facilmente. e sao unidos por algo muito mais forte e sangiiineo que caras feias e pala· vroes: sobrevivencia. ' (. .. ) Era comum ver adolescentes londrinos, crentes que estavam agredlndo e chocando 0 sistema, consumir tudo o que seu alvo lhe enfiava pela garganta. No fundo, esta tal corja s6 podia se revoltar contra a mesada, 0 pre<;o da gasolina e a tradi<;:ao da trilogia "famila/igreja/ realeza" bri· tanica. Mas os punks reais de corpoe "alma" nunca foram imbecis e, quando viram sua briga ser embalada em celo· fane para presente, juntaram·se aos demais rebeldes com causa, entre estes skins, ex·mods, antigos rude·boys e todos os que estavam dispostos a lutar e readquirir 0

orgulho das origens. Surge 0 pao (que nem 0 diabo conse· guiu amassar): "Oil" (. . .) Come<;ou·se a divulgar que os adeptos do skin e do "Oil" eram racistas de extrema·direita, justamente quando a popula"iio estava contaminad. pdo espirito "humanita· rio". Resultado: todo mundo odiava aquele bando de suo postos reaeionarios nazistas enquanto os espertos exploravam 0 ideal (sem erer nele)e vendiam milhares de objetos que pregavam a irmandade entre ra,as, aos burros que costumam acreditar e comprar tudo 0 que a imprensa

183 I I ,

Ii t;

Page 94: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

cospe. Nenhum espar;o fol dado as vitimas difamadas para desmentir as acusar;i'ies. Mas as provas estao al para quem quiser (ou ousar) julgar por si s6, sem dar valor ao ponto de vista imPOSto. Para come<;ar, os ingredientes de grupos como "The Specials· e "The Beat" incluem negros e bran­cos, bern como os rebeldes de Brixton e liverpool, que lutam lado a lado contra os fantasmas que assombram ambos: policia, governo e 0 velho (esclerosado) sistema. Entre os "Oil", voce pode achar desde judeus e paquista­neses, ate latinos, negros e (por que nao?) braneos. Ope­rarios e imigrantes divldem tudo: casa, comida, emprego, musica e a certeza de serem injustir;ados. Em outros fanzines do "Nucleo de Consciencia Punk" fica clara a posiC;iio contra qualquer aproximac;iio dos skinheads e/ou "carecas do subUrbio" ao nazismo, fascis­mo e racismo. Reafirrna-se a posiC;iio contra os partidos politicos e a favor do "voto nulo" nas eleic;:oes de 15 de novembro de 1988 (naquele ano, os anarquistas de Sao Paulo defendiam 0 "voto nulo"), assim como a articulac;:ao entre 0 anarquismo e 0 nacionalismo. 0 fanzine "Protesto Suburbano", de outubro/novembro de 1988, tambem assume a defesa de posic;:oes anti-racistas. Na primeira pagina, a bandcird do Brasil e, no centro, a inseric;ao "Oil" Logo abaixo, as seguintes palavras de ordem: "Antimili­tar, anti-racismo, antifascisrno, lute por voce e pela liber­dade e melhoria dos subllrbios". Neste fanzine tambem encontramos urn texto onde esta a preocupac;iio de se afastar 0 movirnento skinhead de aproximac;oes com 0 fasclsmo e 0 "arianismo" . Ressaltando que "os "carecas" originais eram operflrios e amigos de favelados de peie escura e vida dificil". Segundo 0 texto,

Esta materia e dedicada a voce que pensa que skinhead e urn movimento racista e aria no. 5alba voce que os verda­deiros "careeas", originais fundadores do movimento, eram operarios e camaradas dos rude-boys, que eram jovens favelados de pele eseura e vida dificil. Ii multo facll apoiar 0 governo, seus estupidos gestos autoritllrios e seus desperdiclos militaristas. Queira ou nao, voce e brasileiro. E 0 lugar que voce vive e este. Nossos problemas jamais serao solucionados atraves do fascismo ou do arianismo. A

IB4

grandeza dos homens sempre foi estar contra os P?derOsos e nunea a favor deles. Conhe~a sua vida e seu pais e tente melhorn·los. Por sua vez 0 fanzine 'Protesto Suburbano·, numero 10, tambem d~ "Nucleo de Consciencia P~k·, de" no­vembro de 1988, trouxe em sua capa urn careca de costas cabe<;:a raspada, sem camisa, usando calc;a com sus e~sorios. Nas costas, um grande machado_at;ravess~­d ~ a inscri<;:iio: "78-89: dez anos de lutas anti-sistema . E~baixo da figura aparece a palavra "Oil" publica tam-bem 0 seguinte texto: . Nos suburbios do Terceiro Mundo ainda resist~ ~ma tnbo guerreira que nunca se dobrara diante das ca.lun.a~ e dif~­roa~i'ies do sistema C •.. ). Explorados na Jamaica, d.scrum­nados na Africa na A1emanha, sem nunca serem cons~l­tados em mom~nto algum, e1es es~ao ~ria?do com mUl~~ dificuldade, mas tambem com mUlta d.gUldade seus pro prios poderes de ataque e defesa c. .. ). . ' Quanto a posic;ao a favor do voto nulo, 0 fanzme aSSlm

se manifesta: . Infelizmente, grande numero de brasllciros ainda acred.t3 ue outras pessoas iriam decidir por eles como melhorar :: vida neste pals. Se voce nao esta d,o.rmindo neste &r<;o esplendido, ja deseobriu que os politiCOS que pe~em s~u voto hoje sao os rnesrnos que 0 espancarn amar:.J'a. A m~o ue the afagou pedindo volo, sera a mesma mao que I ~ ~aixara 0 porrete quando voce reivindi:ar ~elhor cond~ ao de vida. Ii 16gieo que, nesta hora, vao dlzer que voce; ~Stii sendo usado pela direita, porque, ant1~~mente, voc~ era manipulado pela esquerda. Para as polttleos que dIYI­dem opoder e impossivel urn trabalhador, u~a pessoa

comum, decidir alguma coisa sozinho. Ou esta do ~do deles, ou dos adversarios deies. Mas, na verd~de, ~ao a mesma coisa. 56 muda a posi~ao na mesa. Por.lss.o e que todos os partidos se uniram aos governos atuals,)ogando suas for~as numa batalha contra 0 Voto Nulo. Esta~ sabe?­do que se 0 voto nao fosse obrigatorio, a abstenc;:a? sena muito grande. Como aprenderam a desrespeltar a liberda­de humana, unirarn-se para obrigar 0 brasileiro a .votar. E como ,linda ·assirn tinham rnedo do sarcasrno ele.toral d:, popula<;ao, come~aram a usar todos os mClOS de comuUl-

IBS

Page 95: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

~ . , ,1 ii' I'

ca<;ao em seu poder para, mais uma vez, emba"ar as mentes e iludir a popula<;;ao, fazendo os boboes acredita· rem que votar em alguem seria a salva"ao. No entanto, 0

grande numero de absten<;oes e votos nulos mostra que 0

povo brasileiro continua evoluindo, cada vez acreditando menos nas demagogias daqueles que tudo decidem. Ano que vern temos certeza de que 0 numero de nulos aumen· tara ainda mais. E aos que ajudaram a eleger esses demago· gos, desejamos 0 mesmo de sempre: quem por as maos sobre mirn para governar e urn tirano. Eu 0 dedaro meu inirnigo. "Oil" Mas alguns fanzines de "carecas" assumiram outras

posi<;:6es. Este fOi, por exemplo, 0 caso do fanzine· "Lute ou Vegete", produzido em Santos, Sao Paulo. Seu produ· tor, 0 "careca" Go., era urn dos membros da Frente Nacionalista Brasileira (FNB), formada em fins de 1987. E importante observar que a caixa postal do fanzine fOi, inicialmente, a mesma da "Frente" e que os manifestos desta tinham 0 apoio do Partido Nacional Socialista Bra· sileiro e da }uventude Nacional Socialista.

Tentando obter mais informac;:6es sobre as posic;:6es da "Ffente", atraves de carta, recebemos, em 15/3/89, os dados abaixo, enviados por Go., que sao bern elucidati· vos:

A FNB era uma sigla usada para representar a uniao dos grupos "careeas" no territ6rio naciona!. Abolimos tal sigla em meados de julho/88 e denominamos esta uniao de "'Careeas' do Brasil", po is destinava·se s6 a "eareeas". Con· tinuamos com este trabalho de eonscientizac;:ao e doutri· nac;:ao do Nacional Socialismo entre os "earecas" e traba· lhadores em gera!. Sou "careca" aqui da Baixada Santista, vocal do grupo "Orgulho Nacional" e dirigente paulista da Juventude Nacional Socialista Brasileira ONSB), ligada ao partido do mesmo nome. Somos uma organizac;:ao a fim de mudar a cabec;:a do povo brasileiro (inclusive os "carecas") em relac;:ao ao Nacional Socialisrno que visa devolver 0

Brasil aos brasileiros. Nessa carta, Go. admite explicitamente a sua adesao

ao Partido Nacional Socialista Brasileiro, entretanto essa posic;:ao nao fica clara nos numeros do "Lute ou Vegete".

186

o numero 5, de 1986, por exemplo, trouxe urn editorial onde se afmna uma posic;:ao de independencia e 0 obje· tivo de "unir jovens conscientes de todas as tendencias", akm da defesa da seguinte posic;:ao:

Anarquia e isto: vamos combater juntos este sistema cor­rupto, esta sociedade burguesa, esse capitalismo nojento. Vamos as ruas lutar por nossos direitos C ... ). A violencia contra 0 sistema. pode nao ser a soluc;:ao de todos os problemas, mas e uma grande arma que pode abalar seu alicerce C ... ). Pacifismo no Brasil e inuti! e nao trara resul· tados. Faz parte do jogo do sistema. Nao seja urn pacifista, mas urn ativista. Prepare·se elute por sua ideologia. Assim, 0 autor conclama que se lute pela anarquia e,

ao mesmo tempo, aponta que, no Brasil, 0 pacifismo e inutil e a violencia e a arma para abalar os alicerces do sistema. Nao s6 nesse numero como em outros, 0 fanzine "Lute ou Vegete" sempre assumiu explicitamente a vio· lencia como uma arma necessaria para a destruic;:ao do sistema. Essa posic;:iio fica clara tambem no relato, pubIi· cado no mesmo numero, sobre os conflitos ocorridos durante 0 festival "Dezembro Negro", de 1985, em San· tos:

Quero ressaltar que nao estamos nos desculpando nem culpando terceiros pelos tumultos ocorridos naquela gig. Consideramos os acontecimentos como "normais" em se tratando que haviam varios grupos de varias tendencias, infelizmente opostas c. . .). Quanto ao tumulto, seguido de cadeiradas e tiros dentro do salao, entre "anjos" e "care· cas", nao temos realmente "nada a ver com isso". Nao nos envolvemos em tretas Ce lament"vel admitir que ainda existam) de gangs, sejam elas de onde forem. Quanto a treta ocorrida do lado de fora entre punks x "malacas" Cdo morro), realmente aqueles putos precisavam de uma lic;:ao. Embora eu saiba que alguns punks tenham se machucado tambem, alegro·me em saber que a saldo foi positivo com varios malacas de crania e costelas rachados, alem do internamento de emergencia de tres deles Cesfaqueados). Eles aprenderam a lic;:ao e se arrependeram de "arrumar" com todos aqueles punks. Fodam·se os malacas e idiotas

187

Page 96: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

'1:

"

Ii ,

do sistema (0 "careca" nazista estevepresente aos conflJ· tos que ocorreram nesse "Dezembro Negro"). Esse texto i1ustra bern as brigas ocorridas durante 0

show "Dezembro Negro", de 1985, lamentando as brigas entre os "anjos" e "carecas". Mas, ao mesmo tempo, aprovando os tumultos vioientos ocorridos entre punks e elementos do morro, denominados como "malacas".

, Em 1987, tambem 0 numero 7 do fanzine publicou relatos sobre 0 show "Dezembro Negro", de 1986, para cuja realiza~ao a banda "Tropa Suicida", da qual Go. partie ipava, teve urn papeJ ativo. Segue abaixo urn desses relatos:

Dezembro Negro / 86 Pelo terceiro ano consecutivo foi realizado, na Baixada Santista, 0 encontro anual de punks e skins "Dezembro Negro". Nos anos de 84 e 85 eles foram realizados em Santos pela banda PESADELO. Com a extin<;ao desta ban· da, em janeiroj86, 0 gig ficou amea<;ado de nao se realizar. Porem, formada a banda "Tropa Suicida", ern mar<;0/86, esta comprometeu·se a dar continuidade ao aconteeimen· to, que ja se tornou hist6rico na baixada, e, por que nao dizer, tornou·se parte atuante do movimento nacional <- .. ). o (mico incidence oeorreu quando urn "careca" , empolga· do com a apresenta<;ao do "Histeria", subiu ao palco e, depois de fazer urn "back·vocal", atirou·se do palco, caindo em cima da filmadora que se colocara, indevidamente, em frente ao palco. Temos eerteza de que fol urn acidente totalmente lnvoluntario, urn incidente. Mas a verdade e que, a partir dai, parte da .organiza<;ao foi interrompida, pois pretendia·se fazerum video do "Dczembro Negro"/86 com todas as bandas e que todos os interessados pudessem ver e registra·lo. Urn documento real do movimenlO do Brasil, urn registro de punks para punks e skins para skins, sem intermediarios nem "senhores de neg6cio" <- .. ). De· pois disto, varios grupos dispersos sairam em marcha por Sao Vicente. Nao e necessario dizer aqui 0 que oeorreu naquela madrugada, pOis muitos de nos viveram e presen· ciaram aqueles momentos de persegui<;ao policial, seguida de prisiies, hmnilha<;iies e espancamentos e todas aquelas taticas que os policiais estao acostumados a usar. Born, apesar da Baixada Santista estar "marcada" na agenda

188

policial, nao desistimos. Estarnos cientes dos nossos obje· tivos. Podemos ver claramente nossos alvos e, portanto, continuarernos nOS organizando p ara crescer, conseguir alcan~ar e destruir nosso inimigo. Informa<;;oes sobre os diferentes gropos, assin; como

as entrevistas com as bandas, encontram·se nos numeros 6 7 e 8 do mesmo fanzine. No nUmero 6, por exemplo, s~u editor responde aos que relacionavam a publica<;;ao aos skins,procurando reafirmar urna posi~ao de "inde· pendencia" e, no numero 7, publicado em 1987, declara:

Recebi algumas cartas citando 0 "Lute ou Vegete" como sendo urn skinztne e tambem algumas criticas par isto. "Lute ou Vegete" e um zine feito com a intenc;ao de divulgar, informar, entrosar e ate unir as pessoas ligadas ao "movimento" em geral, independente do estilo de som que gostem ou toquem ( ... ). Punks modistas: eaiam fo~a do movimento! ( ... ) Nilo queremos moleques nem .mbec.s em noSSO meio! C •.• ) Gangs punks e "earecas" conscientes: procurem dialogar antes de emrar em cOnilit? ~ ... ). Tretas e rixas so nos enfraquecem a cada d.a. E e .sso que 0 sistema e 0 Estado desejam: nossa aniquila<;ao, desuniao e autodes[rui~ao, antes que possamos nOs unie e comb3te· los de frente. Assim observarnos, nos editoriais do "Lute ou Vege·

te", pelo ~enosentre 1986e 1988, a preocupa<;;ao denao se deixar rotular como skinzine. Ou melhor, apesar de seu editor ser membro da Frente Nacionalista e assumir sua vincula<;;ao ao Partido Social Nacionalista Brasi\eiro, em carta de 1989, a preocupa<;;ao e de nao assumir explicitamente uma posi<;;ao partidaria. Procm·a, pelo menos aparentemente , assumir uma posic;ao de urn fan· zine que congrega lodos, desde que sejam "jovens COilS· cientes". Todavia, como vimos no capitulo anterior, alguns entrevistados reconheciam claramente que Go. tinha vinculac;ao partidaria.

Nos numeros 6, 7 e 9 deste fanzine, pela analise das entrevistas com bandas skinheads, podemos apreender posic;6es defendidas pelos skins na Europa, como eo

189

Page 97: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

,~

caso da banda italiana "Hope and Glory", cuja entrevista esta reproduzida abaixo:

"Hope and Glory" e de Treviso, Wilia, e fOi formada em 1983. Nossa gloria e a mesma daqueles skinheads, desde 67 ate hoje. A gloria dos skinheads e sempre estar pronto pra lutar nas ruas. Elas sao nossas. Na Wilia nao existe muita uniao entre punks e skins, porque muitos punks pacifistas pensam que todo skin e nazista. Nossas bandas favontas , sao "Skrewdriver", "Sham 69", "Red Alert", "Last Resort", "Four Skins" e "Cockney Re· jects", e tambem skas como "Specials" e "Judge Dread". Gostamos de tocar, de cervcja, sexo e brigas. Somas nacio· nalistas e adoramos nosso pais. Deve-se salientar aqui que fanzines punks considera­

yam a "Hope and Glory" uma banda de direita ouvida par skins.

Outra entrevista, publicada tambem no "Lute ou Ye­gete", e da banda espanhola "Decibelius", considerada como skin/ "Oi!":

Come\aranl a se fOrIllar grupos l·k(n~· pnt agitar com "De­cibelius". Em Barcelona, punks e skins vao juntos pras gigs. La os skins nao sao nazistas nem racistas. Em Madri existem skins diferentes que acreditam que tem de lutar contra punks pra serem verdadeiros skins. Numa de suas ultimas gigs, Fray, vocal do "Decibelius" , rnostrou que temos que estar juntos, pra que, unidos , possamos ir contra a sociedade. Mas sem ado tar atitudes cstupidas como ados adeptos do "National Front" ingles. Numa entrevista, e1e disse: "Nos nao temos nem uma relac;ao com as skins ingleses . Na lnglaterra existe urn movimento e aqui existe outro completamente diferente . Nos somas skins e podemos fazer nos so proprio caminho. Na Ingla­terra , aS skins se destroem, mas nos nao somas como e1es. Temos nossa propria musica e nosso proprio movimento. Nao somas fascistas. Somas beberriies, nao fascistas". Como voce pode ver, a movimento skins na Espanha tem crescido muito. E, sem brigas, continuaci mais e mais forte a cada dia. A frase "World 'OJ! '" ("Mundo 'Oil '") tem sido pixada em todos as muros e existem pubs onde skins e

"

190

-~~-------~ . . --.

punks podcm, juntos, escutar seus sons e beberem juntos tambem. OJ! OIl OJ! .

Este fanzine informou ainda que A r~p?n.gem sabre a movimento skin na Espanha e a matena felta com a banda "Decibelius" foi retirada do zine "Unite & Win", da Belgica. 0 zinc "Unite & Win" era feito com divulgaC;ao e informa~iies de bandas tanto skins como punks (hardcore, trash etc.). Hoje, seu editor substitui esse zine par outro ehamado "Pure Impact"'. No "Lute ou Vegete ", temos ainda uma entrevista

com a banda italiana "Nabat", que era skin/ "Oi! " , segun­do inforrnac;:5es veiculadas em fanzines:

N - Fazia mais au menos urn ano que eu nao via tantos skins epunks divertindo~se juntos sem problemas. Este foi realmente urn dima de festa. P - Mas e as brigas? N - Eu pessoalmente acho que nao hi motivo para que se demonstre for<;a e violencia entre nos. Estou convicto que, se tudo oeorresse como hoje, a problema seria facil de resolver. Precisamos criaruma mentalidade nossa 1 italiana, P - E por que a desuniao ainda persiste? N - Penso que e porque .qui tern scJormado um. cultura skin, que se dest.ca complet.mente dapunk. A ItaUa tem sua propria realidade skin e uma cultura nacionaUsta eis a diferen~a. ' P - E, politicamente 1 como voces se colocam? N - Nao queremos nos colocar numa posi~ao politica. P - E quanta ao "Screwdriver"? Eles tem uma posi<;ao d~ramente nazista e se diz que, na America, eles foram hospedes da KKK. 0 que voce acha disto? N - Bern, e tudo verdade. Nao somas como eles. Somas "Nabat", somas italianos. E a nome "Nabat" se derivou de um livro que Ii chamado "Anarchia e Stato". Par causa deles, existe a versao londrina: skins = nazi. E isto nao e verdade para nos. Ern musicas como "No Politica" e "Scen~ ~eremo NeUe Strade", eu penso que nossa posic;:iio e cla~ nSSlma. ( .. . ) P - Como voce vi' as brigas causadas par alguns "Dick­heads" (grupos fascistas) em suas gigs? N - Nao somas cornunistas nem fascistas. Nao tocamos

191

i

Page 98: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

somente para skinheads, mas tambem parapunks, desem· pregados, squaters, explorados e outras pessoas de ma posir;:ao social que gas tam de freqiientar nossasgigs. Acho que isto as incomoda.

o fanzine "Lute au Vegete" tambem apresentou uma entrevista com a banda francesa "Skin Korps"', que se defmia como nacionalista. Naentrevista, encontramos 0 seguinte:

P - 0 seu publico e essencialmente de skins? SK - Nao, nosso publico e variado, mas sobretudo e de skins.

. P - Voces gostam de ritmos como reggae e ska? SK - Sim. Gostamos de bandas como "Madness" "Spe. cials", "Judge Dread". ' P - 0 que pensa de bandascomo "Opressed", "Four Skins", "last Resort", "Snix", "Screwdriver"? SK - Sao todas otimas bandas. P - 0 que voce pensa dos punks franceses? Existem muitos? SK - Os punks franceses sao uma merda. Nao sei se existem muitos deles. P - 0 que voce pensa da situar;:ao politica na Fran.,a? SK - Nao pcnso em politica. Ii pouco seria. Nossa banda e mais importante. P - 0 que significa para voce ser nacionalista? SK - Para nos, ser nacionalista e ser fiel a nosso pais e sobretudo, respeiti·lo. ' P - 0 que voce pensa sobre 0 "apartheid"? SK - Nao e ~m problema que nos diz respeito. E um problema da Africa do Sui. P - 0 que voce pensa da cor da pele? SK - Eu penso que a corda pele europeia e branca. E penso que os europeus nao deveriam colonizar outros continen. tes. Ora, essa e uma atitude de tribo e, por isso, se faz a guerra constantemente.

E.ntretanto, nao foi apenas a "Lute au Vegete" que publicou textos corn bandas skinheads que assumiarn posi<;c3es nacionalistas. Outros fanzines tambern publica· ram entrevistas dessa natureza , das quais destacarnos a da banda "Plastic Surgery", que circulou em alguns deles e que trazia 0 seguinte:

192

P _ Hi muitas gangs skins na ltalia e quais sao as politic:!s de todos? . PS _ Em MiHio, Verona, Vicenza , Padova, Zona N~rte , nos somos todos nacionalistas skinheads e hit tambem nazl­skins em Roma, Bolonha e outras grandes cida~es. Em Bolonha, Genova, Torino, Roma, com as exce~oes nor· mais, hi redskins. Nos temos brigas insignificantes contra os punk·comunistas, e entre nazi-skins e redskins. Em Bolonha, os skins sao todos amigos e gostam da mesma banda, 0 "Nabat", e nao existem brigas. P _ Vocl!s possuem atividades poi1ticas? , PS _ Na divisao cliissica do certo e ercado, nao! E claro! Nenhum partido e taO revolucionario au tem urn otimo chefe para noS atrair. , . P _ Qual 0 aspecto geral de todos os skins na Italta? PS _ Assim como todo 0 resto da Europa: cabelo cortado, jaqueta, botas e suspens6rios. P _ 0 que voces acham sobre 0 "National Front" eo "PBD"? PS _ Nos so sabemos do nome do "Punishment Block Organizatione". Sobre 0 "National Front", nos so~os ita­lianos, eles sao ingleses. Nao temos problemas raCIaIS, eles tern. Entretanto, italianos, alemaes, espanh6is, franceses etc. todos nos somos europeus e temos inimigos comuns: o c~pitalismo . 0 comunismo, a ma~onaria e a ini1uencia judaic. do governo, a seguran.,a do modo de vida . dos burgueses. Todos estes skinheadS querem ullldade para a Europa, porque nos .mamos nossas tradic;:oes. Queremos vee a Europa livre do exercito sovietico e nao ser mais uma colOnia dos EUA. P _ Voces estilo positivoS ou negativos sobre "Oil" na ltiilia? PS _ Anos atdis, nos eramos uma porc;:ao de garalos e a "Oi!" tinha 0 significado da unidade para punks e skins , para todos os caras lutarem cont~ 0 sistema. Nao havia politica. Todas as novaS alternatlv.s eram unldas. Mas, entaO, os reds chcgaram, as excentricidades tambem, e foi uma coisa normal para muita gente na !talia e no resto da Europa vestir simbolos anarquistas ~ conversar cOin os comunistas e os anarquistas sobre proJetos comuns. Assllu, haviam anarquistas punks, comunistas punks e redskins, de um lado, e urn numero pequeno de anticomunis!as punks, nenhum punk politicO enacionalista ou ski1lheads do outro lado. 0 espirito inicial do punk foi assassmado pelas maos dos reds na musica alternativa. AJguns redskins

193

Page 99: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

estao agora tentando fazer a mesma coisa com a imagem skin, mudando aos poucos a maneira de vida dos ski­nheads. De qualquer modo, as bons skinheads sao fortes agora, possuem mais ideias e estao prontos para acabar com aqueles bastardos. P - Qual a ideologia da banda? PS - Acreditamos no espirito guerreiro. Nos vemos num futuro proximo que chega ate nos. 56 caras prontos no fisico e no espirito, no tempo certo se salvacio a sl mesmos e sua comunidade. Ideal e a ajuda para estabelecer uma nova ordem. Nos odiamos a materia e estamos do lado do espirito. Somos pela revolta geral contra os governos cor­ruptos e nao queremos nos tornar escravos do exercito sovietico au bonecos numa sociedade tecnologica indus· triaL

Atraves da ieitura dessa reportagem, percebemos que os integrantes da banda rejeitam a proximac;5es com 0

"National Front" ingles. Contudci, defend em daramente determinadas posic;5es, como 0 nacionalismo, a seguran­c;a do modo de vida burgues, a reafirmac;ao do "espirito do guerreiro", a necessidade de se "preparar no fisico e no espirito" com 0 intuito de se salvar a "si proprio e sua comunidade" , 0 odio contra os governos corruptos, a necessidade de se revoltar contra a sociedade tecnologi­co-industrial e contra a possibilidade de se tornar escravo do exercito sovietico. Defendem tam bern a unidade eu­rapda contra os inimigos comuns, que seriam 0 capita­lismo, 0 comunismo, a mac;onaria e a influencia judaica no governo. Ao mesmo tempo, expressa·se uma oposi­<;ao existente no cenario europeu entre, de urn lado, as anarquistas punks, comunistas punks e redskins e, de outro, os punks anticomunistas, punks nao politicos e nacionalistas skinheads. E, para a banda "Plastic Surge­ry", as "bons" skinheads sao exatamente estes ultimos.

o fanzine "Lute ou Vegete" tambem procurava publi­car manifestos contra 0 governo e comunicados assina­dos pelos "carecas do suburbio", urn dos quais argumen­tava:

194 I

Quero que as pacifistas vao se fader. Quero, com a uniao de todos os punks conscientes do movimento, virar 0

mundo de cabe<;:a pra baixo, pra ver a que cai. Sou contra a violencia. Treino carate pra nao brigaf. Mas se for inevi· tavel, sou como uma ogiva nuclear. Nao existe muita uniao entre punks/skins por aqui, mas tern alguns Hes conoseo. Nao somos nazistas nem gostamos disso. Somos naciona­listas. ereio que nossa uniao possa ser a porrada fatal no sistema de exploradores. Realmente acreditamos nisso. o "Lute ou Vegete", em seu numero 7, alem de

publicar referencias sabre os skinheads, tambem divulga informa<;5es sobre conflitos e lutas em que as punks estavam presentes, como 0 informe, enviado da Grecia, sabre os eonflitos ocorridos entre eles e a policia:

Amigos, a situa<;:ao aqui na Grecia e especialmente em Atenas esta f!Jdida C .. .). Em todas as noites de inverno voce podera ver fogueiras e luzes nos becos tal como nas ruas iluminadas de Brixton, Bronx, Berlin. ( .. .) Depois das marchas de protesto e quebra·quebras na eida· de, fie amos encurralados. Urn dos polidais feridos no manifesto morreu mais tarde. A droga e que depois da mudan<;a do chefe de polida ludo piorou muito: Os M.A.T. (poreos de capacete, armas e longos eacetetes) podem ser vistos todos os dias, todas as horas e em todos as lugares marehando e reprimindo. Mas, apesar da grande repres­sao, nos nao desistimos. N6s incendiamos cinco bancos com "molotov's" em uma semana. E continuamos a fazer ataques terroristas (ineendiar bancos, carras de polida e ocupar casas). Finalmente, 0 numero 8 do fanzine "Lute ou Vegete",

publicado em 1988, traz urn editorial onde posi<;5es naeionalistas fie am daras:

Nestes ultimos meses oeorreu urn grande impulso no movimento nacional, urn engrandeeimento de grupos in· teressados em levar a frente esta "a"ao nadonal". Passea· tas, protestos, batalhas frontais contra grupos poderosos Coo.). Somos urn pais grande, forte e praticamente auto·su· ficiente. Nao queremos 0 Brasil nas maos desses falsos demoeratas. Nao queremos ser governados par estes in·

195

Page 100: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

competentes .. Exil}imos nossa real independencia, cresci· mento e valonza~ao de nossa terra e de nossa gente.

. Po?e-se aflnnar que esse editorial estava em relativa SUltorua com posi<;5es defendidas em panfletos e manl­fe~tos divulgados ~ela Frente Nacionalista Brasileira, que, alem de ~erem asstnados par eIa, tambem sao assinados pelo Pa.rtldo Nacional Socialista BrasiIeiro e pelaJuventu­de Naclonal Socialista Brasileira, remetendo a urna caixa pos~1 comum a ambos, situada na cidade do Rio de Jane!!o. Essas liga<;oes mostram a carater da Frente.

Quanta a seu papel em rela<;ao ao movimento "care­cas d~ su~urbio" , verificamos que ela procurou ativar a org.al11za<;ao e presen<;a deles e de outros grupos nacio­nalistas em atos e manifesta<;5es. Este foi 0 caso do 12 de malO de 88, ond~ a Frente"Nacionalista BrasiIeira lan<;ou um panileto pedmd? que todos se reunam para partici­par da Mar~,ha Pamollca.?e 12 de maio, na Pra<;a da Se, as 10 h?ras . Confonne Ja relatamos, foi ai que ocorreu ? confli~o entre a CUT e organiza<;oes · de esquerda e os u:tc:grahstas e "carecas do subUrbia". Posterionnente vanos grupos "carecas" divulgaram a versao de que ~ pre~~n<;a de:es nesse conilito foi fruto de manipula<;ao polit1~a dos tntegralis,tas: ~~te panileto foi assinado pela FNB" c~re~as do suburblO ,Movimento Parria e Liberda­d.e, .Pama Livre, A<;ao Nacionalista, A<;ao Integralista Bra­siIetra, Estudantes Nacionalistas do ABC, Patria Livre/ Osasco, ]uventude Patriotica da Zona Leste. Segundo 0

panileto, ( ... ) a grande for~a que move a na~ao sai das maos da c1asse trabalhadora. Mas ela esti sendo esmagada pelas multina­ClonalS das alias pra~as e pelas multinaclonais das ideolo­glas a?Ubr-dsllelras. Reagan e Gorbachov jii assinaram urn ~ovo Tratado de Tordesilhas" , dividindo nosso pais entre Sl para ,;xplorar e dominar todos os brasileiros. A nossa marcha e contra essa eseravidao c. .. ) Em outro texto, intitulado "Manifesto Nacionalista

Bras!le!ro", apoiado tambem pela Frente Nacionalista BrasiIe!!a (com endere<;o em Santos, Estado de Sao Pau­lo), pelo Partido Nacional Socialista Brasileiro (PNSB) e

196

pela]uventude Nacional Socialista, temos a apresenta<;ao de argumentos para a tese naciooalista:

Manifesto Nacionalista Brasileiro Por que Nacionalista? Porque precisamos defender 0 que e nosso, nossa gent~, o que nos pertenee e deve continuar pertencendo as nossas futuras gera<;iies. Porque acreditamos no potencial eeonomieo e cultural do Brasil. Porque somos 0 pais mais rico do mundo em minerios, grande produtor de generos alimenticios, de dima e geografia privilegiados e com extenso e rico territorio , que pode e deve gerar 0 engran­declmento dos povos desta Na<;ao. Naeionalistas, sim, porque nao queremos continuar sendo explorados por multinaclonais, pelo imperlalismo do eapi· tal estrangeiro que nos torna a cada dia mais dependente, economica e politicamente, nos deixando a merce de aproveitadores que vern e vao a cada instante, levando as riquezas de nossa terra, levando assim as esperan<;as de nosso povo por uma vida melhor e mais digna. Nacionalistas, sim, porque acreditamos num Brasil forte, grande, independente, auto-Suficiente e senhor de suas decisiies. Se 0 pais ereseer, voce crescerii junto com ele. Nao basta ficar so criticando a situa<;iio eeonomica e aeu­sando 0 pais de sua miseria. 0 descmprego, a falta, ~e moradias, a inflac;ao, 0 alto custo de vida e coda essa mlsena favelada do Brasil, foi eriada pelos que aqui govemaram e pessimamente administraram as riquezas da Na~ao abrin­do as pernas para os estrangeiros e abrindo as maos par-a que levassem de nos os valores e a cultura do povo brasi-leiro. ( ... ) Queremos que 0 Brasil se desenvolva por si proprio e temos certeza que isto e possive! , que e plena mente viiivei. Por isso, queremos anular a ·divida externa em favor do nosso desenvolvimento. 56 assim creseeremos! Queremos a nacionaliza<;ao da explora.,ao e distribui<;ao do petr6leo brasileiro, a nacionalizac;ao das multinacio­nais, a estatiza<;ao dos bancos, reforma agriria imediata para urn progresso ordenado e bern distribuido no territo­rio nacional. Queremos assistencla medica digna gratuita. Educac;ao gratuit. em todos os niveis escolares e transpor­tes dignos e gratuitoS para 0 trabalhador brasileira. Porque estas sao as condi<;iies minimas para 0 crescimento e

197

Page 101: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

desenvolvimento saudaveis do povo desta na<;;ao. Sao os difei<os magnos do povo e do trabalhadof. c. .. ) Ofgulhe-se de seu pais, de sua gente e de voce mesmo! Lute para melhoraf. Nao se deixe levar por esta "onda internacionalista", tao divulgada nos meios de comunica­<;;ao , sob 0 controle de sionistas e de interesses internaeio­nais. Nao se deixe abater pelo pessimismo gerado pela grave situa<;;ao economica que hoje enfrentamos_ Nao es­conda seu valof nem seu am or pelo Brasil. Esta terra tudo tem para nos dar. Basta que dela cuidemos e expulsemos daqui os cxploradol~es, os corruptos, os aproveitadores e todos que quefem aumentaf nossa dependencia, tornan­do-nos eternos escravos. o Nacionalismoe 0 linieo eapaz de tornar independentes os paises que vivem soba jugo internadonalista. E e por isso que a imprensa naeional e milndial eombate 0 naeio­nalismo. Porque ele nao interessa as empresas multinaeio­nais que sao os glandes anunciantes desta imprensa. Esta sendo aplieada uma verdadeicalavagem cerebral em nosso povo, visando denegrif a imagem do nacionalismo, permi­tindo 0 enfraqueeimento das na<;;oes frente a domina<;;ao estrangeira, as multinacionais, ao sionismo, ao PMI e ou­tros grupos exploradores dos paises subdesenvolvidos. c. .. ) Aereditamos nos verdadeiros valores humanos como: Hon­fa, Dignidade, Lealdade, Amor, Bravura e Respeito com nosso semeIhante. Repudiamos 0 materialismo, a ganan­cia, 0 egoismo e a mentira.

Pelo que vim os, podemos dizer que os manifestos da FNB operam atraves da oposic;:ao nacional versus interna­cional. De urn lado, teriamos a Na~ao, os trabalhadores, o povo em geral e , de outro, as multinacionais, os ban­queiros, os politicos corruptos, a imprensa controlada pelos sionistas, os militares internacionalistas, enfim, to­dos aqueles que, sob 0 disfarce da defesa do internacio­nalismo, na verdade, pretendern subjugar 0 Brasil , destruir suas especificidades, sugar suas riquezas, domi­nar e explorar seu povo. Alem disso, varios dos valores presentes no Manifesto Nacionalista, como a dignidade, lealdade, honea e bravura, sao noc;:6es presentes no rna-

198

virnento "careca". E nao e a-toa a repercussao de mani­festos desta natureza entre os mesrnos.

A Frente Nacionalista Brasile;rn tatnbem dedicou ma­nifestos especificos aos "carecas do suburbio". Em urn deles, tern os:

Comunicado de ambito nacionaJ aos "carecas" do Brasil A Frente Nacionalista Brasileira fOi fundada, em fins de 87, com 0 objetivo de unificar 0 movimento "careca" em torno de uma liniea sigla, de representativid.de nacionai. Nao se trata de mais um partido politico ou chapa eieitoreira Ii procura de VOIOS c.._). Sabemos que 0 "movimento careca" sempre foi urn forte representante dos ideais nacionalistas, que sempre fizeram parte de cadaum de n6s. E que esta organiza<;;ao, atraves de uma (mica legenda, e de suma importancia para 0

ereseimento e 0 fortalecimento, em ambilO nacional, do "movinlento dos carecas". o momenta e de lIniao. E a uniao nao pode ser feita com nossos inimigos ou com aproveitadores. A uniao tern de sec nossa, creseer de nosso meio e se firmar entre n6s. Niio queremos eriar eoncorrencias ou disputas/rixas entre os "careeas do Brasil". A FNB, de cunho e objetivo nacio­nalista, acredita que 0 linieo meio de se conquistar urn ideal e atraves da eonscientiza,iio e uniao de todos os "carceas" que realmente acreditam nos ideais nacionalistas e nao estao aqui so pOf embalo ou diversiio. o Brasil clama nossa uniao. Enos acreditamos que este seja o momenta para se unificar for,as e objetivos: organizar para veneer. uCareca" e faccra, "careca" e pader, "movimento careca" nunca ira morrer.

Urn outro panfleto convocava para a segunda Marcha Nacionalista, que se realizaria no dia l ' de maio de 1988, na Prac;:a da Se, Sao Paulo, as 9 horas. Segundo 0 panfieto, a marcha contava com 0 apoio da FNB e a organizar;:ao dos "carecas do subUrbio". Ao lado desta convocac;:ao, trouxe urn pequeno texto:

Convoeamos todos os brasileiros que realmente amam seu pais e que realmente desejam coma-Io 0 mais prospero, forte e independente do juga intern.donalista. Compare-

199

Page 102: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

"am todos aqueles que sinceramente aspiram por ver nossa Na"ao forte e soberana. Venham marchar conosco. Tragam suas bandeiras e vamos juntos lutar por urn Brasil melhor para rodos. Notamos ai a preocupa<;ao da FNB em nao apresentar

os "carecas do suburbio" como urn partido politico, mas, sim, como urna frente de luta nacionalista. Devido a isso, segundo informa<;oes, a sigla FNB foi abolida em proveito de outra, intitulada "carecas do Brasil" .

Outra tendencia dentro do movimento se manifesta atraves do fanzine "Brasil Oil", editado no Rio de Janeiro , pelo "careca" R.A., que nao foi entrevistado pessoalmen· te, mas que respondeu algumas perguntas atraves de cartas. Declarando·se "urn jovem nacional·socialista con· victo", essa posi<;ao nao aparece numa entrevista sua, de 1986, que circulou no Brasil atraves de varios fanzines, com 0 titulo "Os 'carecas' dominam a periferia" . Nela temos uma analise sobre a formar;:ao dos "carecas do suburbio" no Rio de Janeiro. Segundo a entrevista, R.A., urn expunk, comer;:ou a identificar·se com os "carecas" quando realizou urna viagem para Sao Paulo e conheceu os "carecas" do ABC. Ainda conforme a materia, "0 movimento punk ja fOi rnassificado C .. ). Essa hist6rla de falar em anarquia, em paz, nao dii em nada". A materia aponta ainda a preocupar;:ao dos "carecas" em foemarem o movimento no Rio de Janeiro, afIrmando que "0 nosso movimento nao e urna simples tradur;:ao dos skins. Nao temos as mesmas ideias politicas deles - eles sao racistas e fascistas. S6 tiramos deles 0 visual, a maneira de se vestlr e a musica que eles curtem - 0 som "Oi!" Todavia, apesar da preocupar;:ao em impor urna diferenr;:a com os ski· nheads, a reportagern aponta que algumas pessoas en· contram pontos em comum entre e1es e os "carecas":

C .. ) Uma menina que andou com urn grupo "careca" durante algum tempo acabou se afastando e explica a razao: "Eles pessoalmente eram legais, mas come<;aram a se interessar demais por tudo que dizia respeito a nazismo (oo.). Nao gostei disso e sai fora". Os nomes das bandas admiradas pelos "carecas" ram bern sao sugestivos: "Solu·

200

~iio Final" e" Auschwitz" - que ago:" mudou de n~me para "Catedral da Desordem". Mas eles mSlstem em nao quere· rem se definir politicarnenre como anarq\}istas, na~stas , socialistas .ou qualquer outra coisa (oo.). Ja a respelto da violencia outra caracterisrica dos skins, eles se mostram mais ambiguos: "Violencia? A gente nao evita, nem procu· ra. Mas se pintar, estamos ai para 0 que der e vier". Atraves de uma carta enviada em mar<;o de 1989, R.A.

declarou ser editor do fanzine "Brasil Oil" desde 1986 e relatou que estava com 24 anos de !da~e, trabalhava como vigilante e tinha sido ' urn dos pr~elfos ~ I.evantar urn movimento "careca" no Rio de Janeiro. Politlcarnen· te disse ser "Coo.) nacional·socialista convicto, porque a~o 0 meu p ais e me orgulho muito de se~ um 'c:reca' da Baixada" . AJern dessa carta, enviou tambem 0 nume~o 3 do referido fanzine, de julho/ agosto de 1988, cUlo editorial afIrma:

Estamos ai com 0 3· numero do jornalzinho feit? em fotoc6pia: "Brasil ~i!" (oo.). E~te e 0 verdadeir? " movll~en. to", porque nao e pra utoplstas e slm pra carecas de verdade, e pra voce que quer entrar na escola de formar homens ("Movimento careca"). Antes de tudo, 0 Movimento "careca" e nacionalista. Mas em cada Estado 0 movimenro tern que se desenvolver e,? iugares perifericos, au seja, nO sub~rbio e B~ixada Fluml' nense , enfim, interior; POlS, nas capItalS, a cOlsa tern ~9 ,9% de chance de cair fla massifica~:io. Depois, rambem, a revolta vern do suburbio! Mesmo que voce resida na capi· tai, freqiiente 0 suburbio e a Baixada Fiuminense, .com a "careca", que. seras tao "careca" quanto quem reSIde no subUrbio. . Pois bern, "carecada", nos ("carecas") temos que aglr ,com cautela, enquanto 0 exercito de "carec,~s" ain~~ esta em fase de crescimento em nossO Esrado. Careca deve ser diferente, superior, ou seja, urn "careca" nunca de~e ser preso pela policia. Portanto, nnda de usar qualquer ttpo de drogas, roubos ou armas, para.nlio dar ponto para os falsos patriotas (governantes e pollcia desgra~ada) (oo.). Se so· mos de certa fo rma, uma minoria e por sermos mmon. som~s (urn tanto) fracos peranre as "ganguezinhas" que

201

Page 103: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

existem por ai, entao temos que crescer enos fortalecer! "Esportize:se. Afaste-se do vicio" . Todo "careca" deve entrar numa academia e praticar urn ou mais dos seguintes exercicios: halterofilismo, boxe, defesa pessoal, ginastica, correr etc. Temos que ficar pre­parados para enfrentar 0 dia-a-dia da cidade, mas de cabe,a erguida, ou seja, nao vamos deixar que 0 "movimento careca" seja marginalizado. Outro item principal: os "carecas" devem see tao unidos quanto irmaos ese possivel); 0 que nao deve existir e trai<;ao entre "carecas". Brasil! Assim, 0 fanzine "Brasil Oi!" retrata 0 "careca" como

aquele que "anda de cabec;:a erguida", pOis nao da ne­nhum motivo para ser pi-eso pela policia , 0 que nao se droga, nao se mete em roubos ou armas , e 0 que pratica uma serie de exercicios fisicos para estar preparado para enfrentar 0 "dia-a-dia" da cidade. A uniao entre eles e vista como fundamental e 0 carater nacionalista e patriota e reaftrmado. A existencia de urn lider de moral imaculada, que consiga levar 0 Brasil a grandeza, e colocada como necessidade, 0 que distingue esse fanzine dos do "Nucleo de Consciencia Punk". Essas posi,,6es aparecem em va­rias materias, como na que se segue:

A independencia do Brasil Na escola aprendemos que a independencia do Brasil se deu no dia 7 de setembro de 1822. Mas nao e isso que vemos e vivemos. a antigo aparelho administrativo colo­nial passou a constituir·se no "novo estado independente". A cupula dirigente continua. Atravessa ilesa a linha que separa as eta pas historicas. as donos do poder politico coorinuam os mesmos, ainda que, as vezes, "mudem de caras" (. .. ). 0 patriotismo fOi extinto do cora<;ao do povo brasileiro. Precisamos acabar com isso , precisarnos fazer com que 0 povo brasileiro se sinta disposto a lutar por sua patria. Para isso e preciso urn Iider, urn homem integro; com moral imaculada, que seja capaz de administrar este pais com dedica<;ao e leve nosso pais a grandeza. Mas este Iidee ainda nao existe. Este lider deve suegir para unificar este pais imenso. Por este objetivo devemos lutar com for<;a e coragem. Precisamos ser disciplinados e dedicados

202

it nossa causa, para que sejamos respeitados e acreditados por qualquer cidadao brasileiro, seja qual for sua idade. Devemos incentivar 0 patriotismo ao povo brasileiro. Para isso e preciso participa<;:ao e seriedade. Este tallider deve ser urn patriota a proclamar a independencia do Brasil (realmente). Vamos expulsar todos estes malditos gringos que invadiram e invadem nosso pais, que tlrarn lucros e depois riem de nos. Em outro texto, no mesmo fanzine., . vemos clara a

posic;:ao contra 0 usa de drogas: Mesmo aqueles que se drogam com 0 intuito de ter mais consciencia, para poder lutar contra 0 sistema, deveriam perceber que, agindo assim, estao dando dinheiro para os capitalistas,alem de estarem acabando com 0 corpo e a mente C .. ). A luta contra as drogas deve ser "inteligente" , conscientizando·se as pessoas de que a luta deve ser diri­gida contra os "grandes capilalistas que dominam 0 Impe­rio das drogas , contra os policiais aproveitadores_ e chantagistas e contra os imbecis que, chapados ou nao, mancham 0 movimento, com sua incapacidade de agir frontal mente contra este ~;~:e~a dominado pelos sionis­tas",

Mas nao 56 para esses se dirige a raiva dos "carecas" , como tambem contra as elites intelectualizadas, que sao vistas como um banda de privllegiados que vivem em debates interminaveis. Esta opiniao do "Brasil Oi!" e apresentada a seguir:

Elitezinhas: "Ismos & !stazinhos" Quando se fala em defini<;ao politica, sao varios os "ismos": comunismo t fascisn10 1 anarquismo. siorusmo e outros C.,), As pessoas (?) adoram disCUlir sobre isso e perdern seu tempo se dizendo "istazinhos" e elc. .. . . A que isso vai levar? De que adianta dlscu,,'!r se ~ rn~lona destes "istazinhos" que discutem esses Ismos sao na verdade uma elitezinha que nao precisa trabalhar para sobreviver? Ou, entao, fudidos metidos a bern informados, que tern pregui<;:a de levar 0 corpo e e.ncara: 0 t?balh~ n,a integra e tern tempo pra leituras e dlscussoes llltermma­veis? Para quem nao gosta e para quem nao precisa trabalhar, deve ser facil ser "istazinho" de barriga cheia e de cabe"a

203

,.

t r

I ,

Page 104: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

r ! fresca, ficar tocando punheta ideologica. Enquanto iSso, 0

proletariado se mata de trabalhar e, quando chega em casa, so quer sexo, se alimentar Cquando tern com 0 que), dormir pra acordar dali a POliCO pea de novo ir teabalhar. Quem constroi 0 pais nao esta interessado no que estas elitezinhas pensam, porque, mesmo sem nenhum acesso a informa~ao, sabem que toda essa discussao eva. Nao vai haver Csem uma certa conscientiza,ao de massa) mudanc;a alguma. Quem constroi 0 pais tern a certeza que discussoes nao irao encher as barrigas de seus filhos. o que 0 proletariado deve, sim, e reivindicar seus direitos, sem jamais acreditar nestas elitezinhas que dizem ter a solu,ao para os problemas. Os explorados, que ainda sonham com certos "ismozi· nhos", devem se tocar de que enquanto sonham e brigam por pouco, esse sistema que esta ai age. Tern que lutar pela sua necessidade sem sonhar muito! Niio acreditamos em soluc;oezinhas nem em "i1uminadozi· nhos" com soluC;6es. "Unlao, inteligencia e forr;a de vencer". Assim, para 0 fauzine "Brasil Oi!", s6 no "peito e na

ra~a" se pode mudar a situa~ao em qne se vive. Por iSso, c. .. ) nao aguentamos mais a corda que esta em nossos peseor;os. Ela pratieamente jii nos enforcou. 0 sistema nos forr;a a ser radicais. Queremos mudanr;as de imediato C .. ). Nilo existira uma verdadeira democracia se nao houver dereamamento de sangue C ... ). o Sistema, a cuja destruic;:ao os "carecas" do "Brasil

OW' visam, e retratado da seguinte forma em uma de suas materias:

Resistencia a esse sistema Mas 0 que e, afinal, esse tal "sistema" , que s6 uma minoria tern 0 ideal de de'truir? o sistema e a coisa mais poderosa que existe e age de forma tal que quase passa desapercebido, pOis esti presente nas minimas coisas, 110 men or gesto do aHenado. E a maioria da popula<;:ao nao percebe que e urn jogo nas maos dos podcrosos C ... ). E ptincipalmente contra todo esse sistema fudido que temos de usar a violencia , porque ele nos explora c violen­ta, tentando a todo custo nos corromper e alienar.

204

I.

Temos que, cada vez mais, canalizar nosso odio e lutar com todas as nossas fon;as para que a verdade saia de nossas mentes e passe a ser a verdade de todos os explorados que realmente queiram lutar, destruir tudo 0 que represent. este sistema morto, corrompido e corruptor c. .. ). Somos "carecas". "Careca" e odio e atitude contra tudo 0

que nos optime e nos impede de viver decentemente como gente. Nilo vamos deixar que nos transformem em mais uma moda C ... ). Somos fortes e vamos mostrar que os revolt.dos nao se cal.m. Conosco nao ira acontecer 0

mesmo que aconteceu a certos fulanos que desistiram antes de lutar. Alem dos artigos a que iii nos referimos, esse fanzine ,

"Brasil Oi!", na sessilo "agradecimentos finais ", faz m en· C;iio ao "movimento negro", aU:m de tambem agradecer a Frente Nacionalista Brasileira, ao Partido Nacional Bra­sileiro e a Revista Pateia Livre, de Curitiba. Em uma de suas paginas, publicam tambem alguns trechos de bandas "Oi!" do Brasil e, entre e!es, parte de uma letra da banda "Tropa SUicida":

N. rua que pisa 0 homem negro Pis. 0 homem beanco Somos a me sma merd. Comemos a mesma comida Vivemos a mesrna vida Foda-se a repressao racism Negro e branco ea<;:a mista. Assim, esta letra preoeupa·se em deixar claro 0 que

ja tinhamos apreendido nas emrevistas feitas com "care­cas", nas quais varios deles deixaram claro que, no Brasil, nao era possive! ter preconceitos contra negros, pOis somos uma rac;:a misturada, nao podendo e1es, portanro, ser racistas como os skinheads, pois nos sa realidade e outra.

Ainda nesse fanzine "Brasil Ot!", foi publicado 0 Ma· nifesto da Freme Nacionalista Brasileira, dirigido aos "carecas do Brasil", albn da relac;:ao dos grupos que compunham a Frente e da reprodw;:ao de parte do pan· fiero, ia anaHsado neste rrabalho, divulgado por ocasHio

205

Page 105: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

do 1 Q de maio de 1988, em Sao Paulo (Frente Nacionalis­ta, "carecas do subUrbio", Movimento Patria e Liberdade, Patria Livre, A"ao Nacionalista, Estudantes Nacionalistas do ABC, Patria Livre/Osasco, Juventude Patriotica da Zona Leste). No fmal do fanzine, foram publicados tre­chos de urn suposto "Testamento Politico de Hitler", baseado no Iivro de S.E. Castan, jii citado.

Esse fanzine, apesar de ser feito na Pavuna, Rio de Janeiro, recebeu contribuic;5es de varios nudeos de "ca­recas do Brasil", como por exemplo de Curitiba, Mato Grosso, Rio Grande do Sui, da Baixada Fluminense e do interior do Estado do Rio de Janeiro.

Outro fanzine "careca" que analisamos foi 0 numero 2, de 1989, do "Protesto Oi!", de Sao Paulo, editado por L., que nao pertencia a nenhuma organizaC;ao potitica. Nesse fanzine, foi publica do urn texto sobre 0 "Voto nao organiza a luta". Segundo 0 texto,

E necessario colo car os pingos nos is. Elei<;;6es criam ilus6es e desviam a aten~ao da luta direta contra 0 Estado e.o Capital, deixando desarmados os trabalhadores c. . .). Nao sera elegendo urn operario, urn democrata, urn socia­lista, que sairemos desse pesadelo. Entretanto, apesar de ser contra 0 voto e contra os

partidos politicos de modo geral, L. reproduziu um texto exaltando Adolf Hitler, suas concepc;5es e doutrina, que deveria ter uma continuaC;ao no prOximo numero. Segun­do 0 texto,

Permanece viva a ideologia criada por urn homem que acreditou ate 0 fim que a 'Jl1ica solw,ao para os conflitos e problemas nacionais e internacionais so poderiam ser re­solvidos por uma politica que valorizasse seu povo e sua na~ao. Ele e Adolf Hitler, que, com toda certeza, possuia uma alta considera~ao e respeito nao so por si mesmo, mas principalmente pelo seu povo, a quem tanto lutou e deu a propria vida. Criou na Alemanha 0 nacionalismo ( ... ). 0 sistema politiCO que existia antes de Hitler chegar ao poder se denominava parlamentar, au democratico, e levou a Alemanha a beira da [alencia, Emao, 0 povo, cansado de tanto ser enganado, abandonou a democracia e expressou

206

o seu desejo de entre gar 0 destine do pais a lideran.;:a do Maior e Verdadeiro Movimento que poderia exlstir na historia da Humanidade ( ... ): 0 Nacional-socialismo ( ... ). A politica democratica se uniu e incentivou 0 inicio da II Guerra Mundial, em parte devido aos esperados lucros. Mas esta uniao visava unicamente a destrui.;:iio do Nacio­nal·socialismo de Hitler, atraves da guerra e da propaganda efetuada pelo judaismo internacional. Nao e verdade que Hitler tenha desejado na Alemanha a guerra. Ela so foi desejada e provocada por aqueles estadistas intemacianais que, ou eram de origem judia, au trabalharam em prol de interesses judaicos. 0 povo, que em ultima instancia e 0

culpado de tudo, sao os judeus intemacionais e seus cola­boradores. Nesse mesmo fanzine, "Protesto Oi!", encontramos

urna serie de inscri,,6es apoiando a uniao de punks, "carecas" e skinheads, alem de simbolos anarquistas, simbolos dos "carecas" e palavras de ordem, como ''Punks e skins canscientes sao: anti-sistema, antigover­no, antiburgues, antidrogas, antinuclear". Em seguida, ha urna declara"ao sobre a natureza e os objetivos dos "carecas do suburbio":

Nascemos num bairro do suburbio, sem ter chances de veneer, marginalizados pelo Estado, nao temos muito a perder ( ... ). No trabalho somos explorados e nao sobra grana para estudar, A policia segue nossos passos esperando a chance de nos matar ( ... ). Somos filhos da desordem, um exercito sem leis, estamos Ullindo nossas for~as ( ... ). Nao queremas 0 Brasil entregue aas banqueiros internacionais. Somos urn exercita de exploradas, viver na desordem nunea mais.

Mais uma vez, encontramos expressa, tambem, nesse fanzine, a necessidade da existencia de urn "tider" que pudesse conduzir e resolver seus conflitos. Assim, a

207

Page 106: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

posic;ao contra 0 "voto", contra os "politicos" , na verda· de, revel a uma posic;ao autoritaria. No "Protesto OJ!'', ~ posic;ao contcaria Ii democracia e Ii ac;ao dos politicoS e clara:

Democracia C ... ), porra nenhuma! C ... ) Nos, skinheads, nao gostamos dos politicoS antipovo C ... ). Nacionalismo, sim, regionalismo nao. Nacional·socialismo: 0 unico caminho! Tambem foram publica dos, nesse fanzine, alguns xe·

rox de materias publicadas em jornais. Em uma delas, do "Jornal da Tarde"', com 0 titulo de "Meninos de Rua, Urn Universo Perigoso", analisa·se 0 consumo de drogas entre essas crianc;as. Ao lado de sse xerox, a seguinte inscric;ao: "'carecas do suburbio' - antidrogas".

Urn segundo xerox descrevia as principais caracteris· ticas do gmpo "Sendero Luminoso" do Pem. Urn outro reproduzia uma materia de "0 Estado de S. Paulo '" sobre a ac;ao do gmpo terrorista que invadiu 0 quartet militar de "La Tablada", em Buenos Aires. Finalmente, urn quarto xerox, no qual se dt:screviam as principais caracteristicas do gmpo "Fon;:as Armadas Revolucioniirias" (FARE) e do "Exercito de Liberta~ao Nacional" (ELN), ambos opcran· do na Colombia.

Atraves da leitura desses fanzines, notamos expressos os valores e concepc;6es assumidos pelos "carecas" e que foram analisados no capitulo anterior. Eles concebiam·se como sendo jovens trabalhadores, independentes e nao· alienados, honestos , puros de mente e fortes de corpo, violentos quando agredidos, e dispostos a salvar 0 Brasil dos males e perigos que 0 cercam. Alem disso , notam.se ambigiiidades relativas a forma como encaravam a socie· dade, como se posicionavam frente ao Estado, a autori. dade, ao poder politico e a vinculac;ao partidaria e doutriniiria.

Podemos perceber, por exemplo, que 0 desejo de autonomia, de Iiberdade , freqiientemente confundia.se e, as vezes, contrapunha·se a urn ideal de uma autoridade superior, uma lideranc;a que personificasse os valores e concepc;6es por eles defendidas e, inclusive, de urn Esta·

208

do que materializasse os interesses da NaC;ao. Ao mesmo tempo, essa contradic;ao reaparece perante as coopta­c;6es e vinculac;6es partldiirias, que podem se tornar efetivas, porque hii, no interior do movimento, urn terre· no em que podem se alicen;:ar. Entretant~, ao I~rmos os fanzines, freqiientemente essas vinculac;oes nao se ex· pressam c1aramente. Alem de prosseguir na busca pela unidade, nota·se 0 temor de que 0 movimento se trans· fortlle a ponto de nao corresponder mais aos valores e concepc;6es que lhes sao comuns. Mesmo aqueles que lutam pelo controle do movimento, constantemente apresentam suas propostas em nome de uma. unidade e especificidade, pro~urando, em al?uns casos, esc0l!der, ou nao deixar exphcitas, nos fanzmes, as vmcula~oes e cooptac;6es partidiirias, 0 que nao ocoere na ac;ao e dis­putas que "travam entre si" .

Notas

1. Revista Yeah, agosto de 1986. 2.0 fanzine numeco 2 do ~w.c. Punk", de outubro/novembro de 1986,

conslderou 0 fanzine ~Pure Impact" como "c::uropeu 6 e dlvuIgador de c~ncep· c;oes e bandas llgadas a diceita. , ,

3. A ~Skin Korps" foi cicada em anigo eSCrit.,? por Pie~e-Andre Ta~U1eff (c/. Cap. n pela fato de tee particlpado na elaborac;ao de urn dlSCO, em conJunt? com as bandas WBunker 84" e ~Legion 88", cuja intuito era politizar 0 mov" mento skinhead europeu na dire~ao do N:ldonal,soci~lismo e levar ~a luta "contra a decadencia da juvencude atual, as drogas e a mtstura de r.u;:as .

4.]ornal da Tarde, setembro de 1988. 5.0 Estado de S. Paulo, janeiro de 1989.

209

Page 107: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

VI. ESBOC;:O DE UMA TRANSPOLITICA "CARECA DO SUBiJRBIO"

Skinheads,punks ... "cacecas do subUrbia"! Mmal de contas, que sociedade e esta em que jovens de suburbio, provenientes das camadassubalternas da popula\=ao, identificaram-se com os skinheads e assumiram a deno­mina\=ao de "carecas do suburbio"?

Felix Guattari', ao refletir sobre as 'cacacteristicas do capitalismo contemporineo, ao final do seculo XX, apon­ta que este

C .. .) e mundial e integrado porque pOlencialmente coloni· zou 0 conjunto do planeta C ... ) e porque tende a fazer com que nenhuma atividade humana. nenbum setor de pradu­~ao fique fora de seu contrale. Este ;lUPIo~~vimento de extensao geografica, que se def.6nta com impasse, e de expansao sobre si proprio,

\co#stitUi 0 que enominarei urn processo geral de dester· ljrorializa<;:ao. .. capitalismo mundial integrado nao respei­d·~ais os .. m6dos de vida tradicional do que as modos de organ17;a~ao social dos conjuntos nacionais que parecem

, estar melhor estabelecidos. Recompoe a prodw;ao e a vida social a partir de sua propria axiomatic. C ... ). 0 que me parece importante destacar a respeito dessa desterritoria­Iiza<;:ao. dessa recomposi<;ao permanente e dessa integra·

-", "' ''''' . .. ,J'

211

Page 108: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

,.ao e que elas dizem respeito a urn so tempo as estruturas de prodU/;ao e as forma,.oes de poderC,.). Esta redefml,.ao pennanente dos segmentos sociais, repito, nao se refere unicamente a questoes economicas. Interfere constante­mente nas areas mais individuais e mais inconsclentes da vida social, sem que seja possivel estabelecer ordem de causalidade univoca entre os niveis planet:irios e os niveis moleculares'. Assim, segundo Guattari, a mundializa\;ao das estru­

turas de produ\;ao e de poderes doravante se encontram descentralizadas, gra<;as aos mecanismos de desterrita­rializa\;ao. Todavia, estas estruturas nao sao ainda sinonl­mas de homogeneiza<;ao plena e nem significam 0 fun das diversidades e tensoes existentes dentro das socieda­des contemporiineas.

Octavio Ianni, ao ponderar sobre estas mesmas carac-terlsticas e questoes, aponta que

? individuo e a sociedade, ja nao se situam apenas no ambito da na~ao e sua"histotia. A biografia nem express a a autonomia ou idehtida4~do individuo, nem se explica suficlentemente no llm~io do grupo, classe ou sociedade nacional. A cultura, alem de suas formas reconhecidas como expressao e condi .. ao de grupos, classes, etnias minorias, sociedades, esta impregnada de padroes e valo: res,. ideia~ e i~aginariOs, provenientes de grupos, classes, etnlas, mmonas e sociedades situadas alem ( .. .). A despeito das marcas o~ginais , da i1usao da origem, tudo tende a deslocar·se alem das fronteiras, Iinguas nacionais, hin~s , bandeiras, tradi<;ooes, herois, santos, monumentos, ruinas.

",

,\ ,1'1' A~s poucos predomina 0 espa<;oo global em tempos predo· mmantemente presentes3.

Refletindo sobre as considera<;oes de Ianni, observa· mos que 0 individuo, a idemidade, a historia e a cultura nao se situam apenas a nivel do grupo, dadasse, da na<;ao e, apesar de nao perderem a fisionomia original, eles ulrrapassam fronteiras e situam-se alem de sua "terra natal". 0 que predomina e essa sociedade mundializada globalizada, na qual todas as marcas, particularidades: segmentos e singularidades possuem tra<;os e determina-

212

\;oes conferidos pelo movimento geral desse capitalismo mundial, integrado,

E tanto os punks quanta os '; carecas" ilustrariam este processo geral conferido pela modernidade atua!. Dessa forma, para os "carecas do suburbio", apesar da reafirrna· <;ao ao nacional e da ilusao de que dessa forma se opo­riam, por exemplo, aos punks - que eram taxados por eles como urn grupo preocupado com questoes distantes it realidade brasileira - , buscaram padr5es e caracteristi­ca~dentidade produzidas "alem de sua tetra natal" .

'Esta identifica<;ao permitiu aos jovens "care cas" a elabo­rac;ao de uma auto·imagem onipotente e que, ao mesmo tempo, pudesse garantir urn canal de expressao para seus sonhos, seus desejos. Mas sera que este feroz processo de desterritorializa<;ao, analisaclo pOl' Guattari, permite que ainda possam existir "fisionomias originais" , "mar­cas", "particularidades", ou sera que, no limite, qualquer uma dessas possibilidades ja nao estariam a caminho de I se perder? Apesat' de Guatta~i ·cbnsi~erar que 0 homem !

moderno e basicamente ~esterritorializado e que isto leva a perda de seus la\;os ~pecifi<;p( notamos que urna J resposta definitiva e problematrCa'. '

Vivemos em urn mundo que e desenraizaclo, cosmo­polita, desterritorializado, num processo que nao nos faz apenas meros portadol'es de "alguns nllmeros informati­zados"', mas nos faz, primordialrnente, cidadaos do mun­do. A cultura de massas, enquanto uma das facetas desse cosmopolitismo, afirmaria os valores dessa sociedade . Nesse mundo moderno, onde tudo circula, a cultura e urn dos locus em que, segundo Morin, a

( .. ,) cultura de massa nos introduz numa rela<;oao clesenrai· zada, movel, errante , no toeante ao tempo e ao espa<;:o C .. ), Na cultura de massa, a uniao entre 0 imaginario e 0 real e muito mais intima do que nos mitos religiosos ou feerieos . o imaginario nao se projeta no ceu, fixa-se na terra. Os deuses-estrelas, entre n6s, sao de nossa origem, sao mor· taiS como nos ( ... ), Ela lOrna fieticia uma parte da vida de seus eonsumidores. Ela "fantasmaliza" 0 espeetador, pro· jeta seus espiritos na pluralidade dos universos figurados

213

Page 109: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

ou imaginarios, faz sua alma ernigrar para os infuneros sasias que vivem para ele. Assim sendo, a cultura de massa trabalha em duas dire~iies inversas. De urn lado, esses sasias vivem ern nosso lugar, livres, soberanos ( ... ). De outro, incita·nos it imita<;:ao, dao exemplo de busca da felicidade ( ... ). Por outro lado, e preciso conceber que possa haver inversao perturbadora dos processos de pro· je~ao e de identifica~ao, principalmente junto a esses adolescentes que querem viver a vida de gangue e despre. zam as felicidades do happy end. Nesse sentido, a cultura de mass. se torna nao mais agente de adapta<;:ao, mas fermento de inadaptac;ao, 0 duro, 0 viril, 0 arrojado, 0

fora·da·lei tornam·se os "modelos"' . Alias, essa questao ja fOi, em parte, desenvolvida no

Capitulo I, quando trabalhamos com a analise de Morin sobre 0 fato de a cultura adolescente·juvenil ter nascido e se formado no interior da cultura de massas , 0 que , naturalmente, Ihe conferiu uma dinamica contradit6ria e conflitiva e urna estrutura ambivalente. No caso dos "carecas", como vimos com mais detalhes em capitulos

I antetiores, parte da imagem que eleslaziam de si mesmos Ufoi e1aborada atraves da apropria<;ao e)reelabora<;ao de ; material produzido pela cultura de ~assas.

Mas, para Jean Baudriliard, emflns do seculo XX, a realidade descrita por Morin, atraves de sua analise da cultura de mass as e, indiretamente, das contradi<;oes e ambiva](~ncias presentes na cultura adolescente-juvenil, ja teria se transformado. Assim, questoes Jigadas a elas .. que, entre outras, referem-se a problematica da imita<;ao, c, •

adapta<;ao, massifica<;ao ou a inadapta<;ao, revolta, possi­vel uniao entre 0 imaginario e 0 real, processos de proje­<;oes ou identifica<;oes, colocar-se-iam a partir de outro referencial ou pelo menos nos obrigariam a pensa-Ias sob urn outro angulo. Em sua opiniao, nos dias de hoje,

Oreal e produzido a partir de celulas miniaturizadas, de . matrizes e de memorias, de modelos de comando - e ele pode ser reproduzido um niimero infinito de vezes a partir disto ( ... ) , De fato , nao existe mais real, porque nenhum imaginario 0 envolve mais. Existe urn hiper·real, produto de sintese irradiante de modelos combinados em urn hi-

214

perespa<;o sem atmosfera C .. ), Nao se trata mais de imita­~ao, nem de reiterac;ao, inclusive nem de parodia, mas de urn suplantar do real pelos signos do real, isto e, de uma opera<;ao de dissuasao de todo processo real pelo seu simulacro operacional, maquina de indole reprodutiva, programatica, impecavel, que oferece todos os spos do real e, em curto-circuito, todas as suas peripecias , Neste mundo descrito por Baudrillard, onde os ho­

mens sentem prazer atraves das maquinaS', em que estao mais interessados com 0 espetaculo de ideias produzidas pelas maquinas do que com as ideias em si, nao e, com certeza, a epoca em que

C .. ) viviamos no imaginario do espeJho, do deslumbramen­to e do teatro e da alteridade e da aliena<;:ao ( ... ). ]i nao temos a distancia do espectador em rela~aa ao palco, ji nao ha conven<;ao cenica C .. . ) , Hoje vivemos no da tela, da interface e do redobramento, da comigiiidade e da rede. Todas as nossas maquinas sao telas, e a interatividade dos hom ens transformou-se na das telas. Nada do que se ins­creve nas telas e feito para ser decifrado em profundidade, mas sim para ser explorado instantaneamente, numa ab­rea~ao imediata ao sentido, num curto·circuito dos polos de representa<;:ao'. Vivemos encerrados nos Iimites do "inferno do mes­

rna", multiplica~ao infinita de "clones", ultrapassando 0

referendal identitirioda"iiiierldacfe'! ( .. .. ) A. clonagem lambent nao rettm n.da, pelo mesmo motivo, do sonho imemoriil e narclsico de proje~ao do sujeita em seu alter-ego ideal, pOis essa projeo;:ao ainda pass a por uma imagem: aquela, no espeJho, em que 0

sujeito se aliena para se encontrar ou aquela, sedutora e mortal, em que 0 sujeito se ve para nela marrero Nao ha nada disso na clonagem. Nao ha medium, ja nao hi imagem - tanto quanto 0 objeto industrial nao e 0 espelho daquele identico, que Ihe nasce na series. Assim, 0 homem contemporaneo nao e apenas des­

territoriaJizado, globalizado. 0 paradigma de BaudriIlard, em seu extremo, aponta para 0 limite em que 0 corpo e :.' concebido como mensagem, comosubstiincia informati-ca, em uma reproduc;:ao de seres identicos, sem que se

215

i

Ii I

f

f:

I

Page 110: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

possa retoenar ao original, onde "pode-se enfnn isolar a matriz genetica da identidade, e sera possive! eliminar todas as peripecias diferenciais que constituiam 0 char­me aleat6rio dos individuos"'_ Seria 0 dominio do "infer­no do mesmo", do "terror do mesmo" em que skinheads, punks ou "carecas do suburbio", alern de todas as teori­zar;6es propostas nos capitulos anteriores, poderiam ser­vir como uma especie de antevisao tragica desse nomadismo selvagem produzido pela desterritorializa­~ao_- -- '

Mas sera que , alem disso, e!es nao testemunhariarn a politica de dissocializar,;ao posta em pratica pelos estados atuais? Urn exemplo interessante n os e fornecido por Baudrillard, atraves da analise que fez sobre 0 epis6dio de HeyseJ lO

, acreditando que, nele, os hooligans teriam levado ao extrema a realidade transpolitica , urn dos paradigrnas dessa modernidade. Apesar de Baudrillard refedr-se aos hooligans ou, indiretamente, a pr6pria ar;ao terrorista, observamos que essa analise pode servir como referencial para quest6es subjacentes aos skinheads e mesmo aos "carecas do SUbllfbio".

Em sua analise, eJe afirrna que atras da c. .. ) tragedia de Heysel hii uma forma de terrorismo de Estado ( .. .). Ha urn modo de realizac uma politica do pior, policica de provoca,ao para com os proprios cidadiios, urn modo de desesperar cacegorias inteiras d. popular,;ao, ate leva-las a uma situa,ao quase suicida, que faz parte da politica de certos estados modernos C .. ). Ja nao se trata entao do povo representado nem do soberano legitimo. Essa configura,iio politica permite urn duelo em que ja na,o

, .. ; ',. e questao de contra to social, duelo transpolitico entre uma '\ instancia que visa a auto·referencia totalitaria e uma mass.

\ ironica ou refratiria , agnostica e infantil (ela ja nao fala, mas bate papo) (...). Na ausencia de uma estrategia politica original (que talvez jii nao seja mais possivel), na tmpossi­bilidade de uma gestao racional do social, 0 Estado disso­ciaHz. C ••• ). OS hOOligans Ievam ao extremo essa situar,;ao transpolitica: levam a participa"ao ate 0 limite tragico e exercem, ao mesmo tempo, uma chantagem da violencia e da liquida<;ao. Os terroristas fazem 0 mesmo .. 0 que nos

216

fascina nessa opera,ao, apesar de toda a rear,;ao moral, e a atualidade paroxistica do modelo, e 0 fato de que esses acontecimentos sao 0 espelho de nosso proprio desapare­cimento como sociedade politiCa ". A violencia dos hooligans nao e real, pais surge das

telas. Ela e wna violencta-simuJacro, que e identica as imagens e revela enquanto urna imediata cristaliza<;ao de urna violencia que se encontra em suspenso, indiferente. Mas esta violencia dos hooligans tam bern

C •.• ) decorre ainda de outra logica, que e da iniciativa da inversao dos papeis: espectadores (os torcedores ingleses) tomaram·se atores. Substituem os protagonistas (as joga­doces) e, sob 0 olho da midia, inventam seu proprio espetiiculo (que, convem confessar, e bern mais fascinante que 0 outro). Ora, nao e isso que se exige do espectador moderno? Nao e 0 leitmotiv de toda a cultura da participa­r,;ao?12 Isto tudo nos induz a pensar em ate que ponto as

"careeas do suburbio" nao participariam desse mesmo processo e seriam a expressao do desejo de tambem participar do espetaculo? Mas, como pano de fundo, existe urn Estado com uma politica terrorista, frrmemen­te colocado como uma instancia que visa uma auto-refe­rencia totalitaria. Nesse contexto, os "carecas do suburbio", assim como a maioria de seus irmaos ski­nheads, alem de levarem ao extrema esse modelo , atna­Iizam-se, como 0 Estado, em terrnos totalicarios e auto-references. E nao e a-toa que 0 fantasma do lider forte, carismatico e autorWirio, que, atraves de sua po­tencia, forr;a, po de salvar a Nar,;ao, ronda os sonhos de varios deles. .

Por outro lado, como bern assinala Baudrillard, a concepr;ao Iluminista do "Contrato Social", pacto hipo­teticD firmado entre particulares e 0 Estado, pelo qual este ultimo, atraves de urn acordo, passa a deter 0 mono­p6lio da violencia legitima, teria sido ultra pass ado pela realidade transpolitica. Em wn "social" profundamente dissocializado, grar,;as, entre outros fatores, a pr6pria ac,;ao contemporanea do Estado, skinkeads e "careeas"

217

Page 111: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

tambem evocam 0 direito de exercer a violencia a seu bel-prazer, como expressao imaginaria de uma vontade totalitaria.

Para Baudrillard, os hooligans e, principalmente, os terroristas, levam ao extrema 0 paradoxo da transpoliti­ca. No caso especifico dos terroristas, eJe acredita que, sob todas as suas formas, sejam 0 "espelho trans politico do mal". Podemos estender a mesma ponderac;:ao para hooligans, skinheads e "carecas do suburbio". Baudril­lard pondera que, em nossa sociedade, sao inflnitas as metamorfoses contemporaneas do mal e que

c. .. ) a energia da pane maldita, a violeneia da pane maldita e a do principio do mal (. :.). Negar 0 eonsenso universal sobre todas as coisas boas lhe confere a energia do mal, a energia satanic. do reprovado , 0 fulgor d. parte maldita. 56 de detem a palavra, porque s6 ele assume contra todos a posic;:iio maniqueista do principio do mal, 56 de assume pronunciar 0 mal e exoreiz3-io, 56 ele aceita enearnil·lo pelo terror. 0 que os leva a isso e para n6s ininteligivel13

No fundo , 0 que nos fascina , nos horroriza no caso dos "carecas" (como vimos no Capitulo lV), e que eles desejam, mais do que se identificar, encarnar 0 mal. Eles sabem que, em nossa sociedade, 0 mal e fonte de realiza­c;:6es, de energia, de poder. Portanto, nao e a-to a 0 fasci­nio pelo nazismo, pela 55, por Hitler. E nao e a toda nega\;ao de vaJores como a nao-violencia, a tolerancia, a piedade, a bondade, 0 arrependimento. Baudrillard nos diz que a "violencia da parte maldita e a do principio do mal", 0 que nos abre a possibilidade de indagarmos as possiveis rela<;oes entre 0 "mal e a violencia".

Naturalmente que aprofundar essa questao transcen­de os limites do trabalho que realizamos. Contudo, e possivel buscar algum caminho. Para Paul Ricoeur", 0

mal pode ser considerado como sinonimo de violencia. No plano pratico, "toda a a<;ao etica e politica, que diminui a quantidade de violencia exercida pelos homens uns contra os outros , diminui a taxa de sofrimento no mundo"". Mas isso significaria 0 necessario resgate da

218

etica e da politica num universo transpolitico. 1sso ainda e possive!? Observamos que, provavelmente, para os skinheads e, principalmente, para os "carecas do subur­biD", elas ja estavam perdidas. Dai 0 papel fundamental da violencia para a unifica<;ao do grupo e 0 fascinio totalitario, a atra"ao por tudo que muitos sentem por aquilo que nao e socialmente bern visto e que agride os va!ores da democracia e da to\erancia.

Mas sera que ja chegamos a tanto? Ou as colocac;5es de Baudrillard vislumbram urn universo de possibilidades realizaveis, ou, pelo contrario, elas estao imersas no terreno da fico;:ao ou da utopia? Naturalmente que respos­tas definitivas sao problemiiticas . Mas a riqueza dessas proposic;:oes reside justamente no [ato de que , alem de nos auxiliarem a compreender a partir de um outro patamar a sociedade em que vivemos, elas tam bern ser­vern para idealizar um futuro (mesmo que imediato) que talvez nunca se realize.

Entretanto, se as pondera<;5es de Baudrillard nos perrnitem refletir sobre os skinheads, os "care cas do suburbio" e, principalmente, apreender a sociedade e a cultura em que vivemos atraves de um outro angulo, exist em ainda outros prismas, outras possibilidades. Este e 0 caso de uma pista pro posta por Guattari , quando, devido a extensao do processo mundial de desterritoria­liza<;ao, reflete sobre a impossibilidade dos hom ens res­tabelecerem relac;oes efetivas com suas "terras natais". Apesar de reconhecer que, na atualidade, a "subjetivida­de entrou no reino de urn noniadisrno generalizado"", 0

autor considera que 0 maximo que os hornens "podern esperar e reconstituir uma rela<;ao particular com 0 cos­mos e com a vida, e se "recompor" em sua singularidade individual e coletiva" 17 e, dessa forma, tentar reengendrar e resgatar sua subjetividade. Assim, por que nao pensar que, por exemplo, a tentativa dos "carecas do suburbio" de se colocarem como membros de urn movimento nao poderia vir a refletir uma tentativa (talvez desesperada) de uma recomposir;:ao de sua singuJaridade individual e

219

Page 112: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

coletiva? Todavia, a busca deste resgate ou mesmo os processos de produ~ao de subjetividades, na opinHio de Guattari , nao tendem necessariamente para urn sentido emancipador. A produ~ao de subjetividade "( ... ) pode

lh . "18 N trabalhar tanto para 0 me or como para 0 plor . 0

caso dos "carecas", estas tentativas acabaram oscilando entre urn conservadorismo violento, uma auto-referencia narcisiea, onipotente, urn microfaseismo cotidiano as tentativas de organiza~ao e afrrmac;ao enquanto grupo perante a sociedade.

Como vimos nos capitulos anteriores, em oposic;ao aospunks, os "carecas do suburbio" comec;aram a cons­truir sell proprio movimento. Portanto, por que nao retomar a dire~ao do que foi anteriormente proposto? Ou seja, de . que, atravcs de uma complexa e1aborac;iio e reelaborac;aode signos, mensagens e informac;iies, pro­duzidas e captadas de diversos modos, nurna operac;ao que 1embra a noC;ao de "bricolage"19, os "earecas do suburbio" visaram a se constituir enquanto urn grupo, I'eengendrar uma subjetividade e se recompor enquanto singularidade? Esse movimento, visto desse prisma, desse angulo, expressaria a tentativa de articulac;ao de urn eonjunto significante de temas, valores, imagens, simbo­los e signos. Os "careeas do suburbio" buscaram a pro­du~ao de uma imagem tida como valida mas que, ao mesmo tempo, pudesse garantir a caracterizac;ao de seus objetivos, desejos, sonhos. Entretanto, existe uma duvida presente, que reside na questap posta por Baudrillard quando ele se interroga a respeito dos novos parametros que despontam (ou talvez nao, ou ainda nao?) na moder­nidade por ele visualizada. Nessa, a reproduc;ao industrial de seres identic os prescinde de uma imagem ou de um espelho (mesmo da noC;ao de movimentos), onde esses jovens possam se mirar. E, na verda de, 0 que existiria seria a multiplicac;ao infmiCa de clones. As pondera~iies de Braudrillard sao instigantes. Mas, em nome desse movimento, lutas, ambigiiidades e disputas foram trava­das entre os "carecas", fanzines foram reproduzidos e

220

aproximac;iies e eoopta~6es politicas tentaram ser feitas ou entao se efetivaram.

A este respeito sao feeundas as coloea~iies de Raoul Girardet'°, referentes ao "imaginario politico". Sua preo­cupac;iio e com 0 que denomina de "imaginario politico", os "mit os politicos" proprios das sociedades con tempo­raneas, os quaiS foram

C .. .) muitas vezes definidos como "leituras imaginarias de urn momento hist6rico"C ... ). A "leitura imaginiiria" que cada uma delas implica permite, com efeito, devolver a hist6ria presente sua inteligibilidade perdida. Grac;as a ela, o obscuro caos dos acontecimentos reencontra-se subme­tido a visao de ullla ordem imanente C ... ). Testemunho de uma crise que afeta 0 grupo inteiro, ao mesmo tempo que cada um dos individuos que 0 comp6em, enos dois pIanos, o da reinser,ao social do individuo "anomizado· e 0 da reestruturac;ao do grupo, que tende a trazer-lhe urn cerro tipo de resposta21

Mas, como, para Gjrardet, podemos compreender,os mitos? A narrativa legendaria, e verdade , exerce tambem uma func;ao explicativa, fornecendo certo numero de chaves para a compreensao do presente, eonstituindo uma criptografia atraves da qual po de pareeer ordenar-s~ o caos deseoncertante dos fatos e dos aeontecimentos. E verdade ainda que esse papel de explicac;ao se des dobra em urn papel de mobilizac;ao: par tudo 0 que veicula de dinamjsmo profetico, 0 mito ocupa urn lugar muito jm-

d I - . 22 portante nas origens das cruzadas e as revo uc;oes . Com rela~ao a esse ultimo aspeeco do mito, 0 autor lembra as contribuic;6es de Georges Sorel em seu livr~ "Reflexion sur la Violence""-

Para esse (tltimo, 0 mito e entendido enquanto uma reconstruc;ao de urn "sistema de imagens", "imagens motrizes ", que ineitam para a ac;ao. Os homens que participam dos grandes movimentos sociais representam suas ac;iies pr6ximas sob a forma cle imagens de batalhas que asseguram 0 triunfo de suas causas.

221

Page 113: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

Essas colocac;:6es de Sorel nos perrnitem pensar a forrnac;:ao de todo urn sistema de imagens que atuam como urn verdadeiro sustentaculo para as ac;:6es dos homens em suas lucas, conflitos e movimentos. Como exemplo, 0 autor cita 0 caso da Igreja CatoUca, que, durante seculos, elaborou uma serie de imagens em que as lutas e conflitos travados eram, na verdade, capitulos de uma luta maior entre 0 Diabo e Cristo, 0 que, sem duvida, abre caminho para analises maniqueistas e perse­cut6rias da realidade e ate para a crenc;:a da existencia de compli'>s esquematizados pelos inimigos.

De forma semelhante, 0 mito da "greve geral" e da "revoluc;:ao marxista" ioscrevem-se dentro do mesmo esquema de analise. Os inimigos sempre sao concebidos como aqueles que querem dominar 0 mundo e, para tal, utilizarao de todos os meios possiveis. Raoul Girardet, em seu livr~ , trabalha com a tematica da "conspirac;:ao", com o "mito do complo", em sua acepc;:ao soreliana, que ocuparia 0 cenario de varias confrontac;:6es politicas vivi­das por sociedades no Ocidente. Esquematicamente, por detras dessa mitologia, existe a figura da temida "organi­zac;:ao ", que quer dominar 0 mundo e que poe em perigo a "seguranc;:a e a independencia da patria". Mas, por detras disso, ainda existe a terrivel solidao do individuo na sociedade modern a e "a necessidade desesperada de agarrar-se a urn grupo, a uma coletividade estreitamente unida e conduzida por urn ideal, sim, a sua Igreja ( ... ). 0 postulado inicial e simples: 0 unico meio de combater 0

mal e voltar contra ele as proprias arrnas de que se serve ( ... ). A ordem que 0 Outro e acusado de querer instaurar nao pode ser considerada como 0 equivalente antitetico daquela que se deseja por si proprio estabelecer? 0 poder que se atribui ao inimigo nao e da mesma natureza daquele que se sonha possuir?,,24 E, pordetras de urn Bern que se coloca de forma absoluta, nao se esconde 0 Mal, enquanto a outra face do Bern?

Ao retomarmos a problematica "careca", verificamos que a visao que apresentam sobre a realidade segue mais

222 t

! t··

ou menos a mesma direc;:ao daquela do compli'>. Cria-se a imagem do "careca" forte, puro, lutador, pronto a revidar ou denunciar as agressoes. Postula-se, inclusive, a posi­c;:ao de urn exercito de "carecas" para libertar 0 Brasil e concebe-se como prontos para revidar as agressoes, pre­paradas freqiientemente na surdina, por meios sujos, pelos poderosos, a fim de dominar e explorar 0 pobre, 0

trabalhador e a nac;:ao de urn modo geral. A vioJencia e a alma desse guerreiro, desse her6i, para fazer valer seus ideais, a mesma violencia que e utilizada pelos podero­sos, pelos corruptos, imperialistas, capitalistas, em suma, pelo mal e que faz sofrer os pobres, os desprotegidos, a nac;:ao. E por causa disso que ela e apropriada pelos "carecas" para ser utilizada contra os poderosos. Entre­tanto, 0 poder e a forc;:a que os poderosos possuem nao e a forc;:a, potencia, pureza, poder, que os "carecas" almejam? E nao e no espelho da violencia, da for,.a, potencia, pureza, que eles se miram e socialmente pro­jetam essa imagem? E 0 alter-ego dos "carecas" nao e 0 mal?

Baudrillard e Paul Ricoeur apontam direc;:6es para que reflitamos sobre a relac;:ao entre 0 mal e a violencia, 0 mal enquanto sinonimo da violencia, aquilo que faz os outros sofrerem. Nao e exatamente isso que os "carecas" fazem quando circulam peJas noites e se defrontam com todos aque1es outros que nao sao como eles? Mas, no fundo, ao perseguirem esses outros (hippies, drogados, boys, punks), nao temem descobrir no outro 0 que eles temem ou odeiam em si? Afinal de contas, isso nao e necessario? Na realidade, a afirrnac;:ao do desejo onipotente nao e 0

de ser como sao os pod eros os? Aiem do mais, como indicamos no Capitulo N, a vioJencia nao unifica apenas o grupo, mas, atraves dela, tambem as idealizac;:6es de for<;a, potencia e heroismo podem se concretizar. E, nao e a-toa que, a partir dai, as articulac;:6es com a extrema direita encontram urn terreno propicio.

Essas sao quest6es postas nesse ultimo capitulo com o intuito de, pelo menos, pensar os "carecas do suburbio"

223

Page 114: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

nos limites de urn mundo em que, momentaneamente, a inteligibilidade plena foi perdida. Portanto, e problema­tieD fazer, nesse momento, proposic;6es conclusivas. As respostas ainda estiio emaberto. 0 que se tentou fazer foi apenas encaminhar algumas quest6es e sugerir. com dUvidas. algumas respostas.

Notas

1. GUAITARI, Felix. Revolu~ilo molecular: Pulsa~~es polft/cas do de,e­to. Sao PauIo, BraSiliense. 1981.

2.1d. Ibid ., p . 211 e 216. 3. IANNI, Octavia. A socledade global. Rio de Janeiro, Civlliza.;~o Bras!·

leila, 1992, p. 165 e 93. 4. A (SiC respeito. ver GUA"IT ARI, Fel~. A resraurat;:ao cia cidade subjetiva

in Caosmose - Urn novo paradlgma est6tico. 'Rio dejaneiro, Editora 34, 1992. 5. MORIN. Edgard. Cultura de massas no s6culo XX (2 vols;): 0 espfrlto

do tempo - 1. ruo deJaneiro, Forense Unlversiraria, 1987, p. 168, 169, 170 e 179.

6. BAUDRIllARD.]ean. SImulacres et Simulation. GaW~e. 1981 . p . 11 . 7. Id. A xerOx e 0 infinite in A transparbncta. do mal- Bnsaio sobre os

fe1l6menos extremos. Campinas. Papirus, 1990, p. 62 e 63. 8. ld. 0 inferno do mesmo In A transparmcia do mal, op. cit .• p . 123. 9. 1d.lbld., p . 127. . 10. ,Em 1985. em Heysel, Bruxelas, durante urna panlda de futebol, as

hooligans m~acraram deu:lUls de torcedores itaUanos. 11. BAUDRlLlARD, Jean. Espelho do terrorismo in A transparlncia do

mal, op. Cit., p . 87. 12.ld. ibid., p . 85 . 13. Id. Mas para oode {oi 0 mal e 0 teorema da parte maldita In A

transparbncla do mal, op . cit., p . 90 e 114. 14. RICOEUR. Paul. 0 mal - Urn desaflo a ftlosofla e a teologla.

Campinas, Papirus, 1988. 15. Id. ibid., p . 48. 16. GUAITARI, Felix. A restaurac;ao da cidade subjetiva In Caosmose­

Um novo paracllgma estel/CO. Op. cit. , p. 169. 17. Id. ibid., p. 170. 18. Id . Heterogenese in Caosmose - Um novo paradlgma est~tfco. Op.

cit., p. 12 e 15. 19. Claude Uvi·Strauss desenvolve a nOfdo de brlcoleur. bricolage, em

seu Hvco "0 pensamento selvagem". Para Levi·Strauss "0. bricoleur e aquele que tcabaLha com suas maos, utllizando meios indiretos sc comparados com 0.5 do. artista ( ... ) . 0 brlcoleur se volta para uma colec;ao de residuos de obras humanas, ou seja, para um subconjunlo da cUltura". A Cicuda do. Concreto. In Opensamenlo se/vagem .' Campin:is . Papiros; 1989, p . 32, 33 e 35.

224

20. GIRARDET, RaOlI!. MUos e mit%gtas politicas. Sao Paulo. Campa· nhla das Letras, 1987.

21. Id. Ibid., p . 182, 183 e 184. 22.ld. ibid., p . 13. 23. SOREL, Georges. Reflex/on sur la Violence. Paris, Marcel Reviere ,

1921. 24. GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 59, 61 e 62:

225

Page 115: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

BIBLIOGRAFIA

ARENDT, Hannah. Da vio/encia. Brasilia, Editora Universida· de de Brasilia, 1985.

BAUDRILLARD,]ean. Simulacres et Simulation . Paris, Galilee , 1981.

- A transparencia do mal - Ensaio sobre os fenomenos extremos. Campinas , Papirus , 1990.

BIRNBAUM, Pierre . Citoyennete et Particularisme - L'exemple des Juifs de France in Face du Racisme. Paris, La Decou· verte, 1991.

BIV AR , Antonio. 0 que e punk. Sao Paulo , Brasiliense, 1982. CAlAFA, Janice. Movimento punk na eidade. A invasiio dos

bandos sUb. Rio de Janeiro, Zahar, 1985. CASTAN, S.E. Holacausto judeu au alemao. Nos bast/dores

da mentira do sBeula. Porto Alegre, Revisao, 1989. CASTORIADIS, Cornelius. Anotac;oessobre 0 racismo in Revis·

ta Filosa/ia e Politiea 5. Porto Alegre, L&PM Editores, 1989.

COBLENCE, Fran~oise. Dictadure de la Raison in La Taliiran· ceo Paris , Autrement, n. 5, 199 1.

COHEN, A.K. A delinquencia como subcultura in Sociologia dajuventude III. Sulamita de Brito (org.). Rio de Janeiro, Zahar, 1986, 4 vols.

227

Page 116: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

COON, Caroline. The New Wave Punk Rock Explosion. Lon· don/New York, Omnibus Press, 1977.

COSTA, Jurandir Freire. Vlollincia e pslcanaltse. Rio de Janei· ro, Graal, 1986.

- 0 inconsciente sexual nao e uma essencia in Folha de S. Paulo, 23/ 09/89, Letras, G. 9.

DUNNlNG, E., MURPHY, P. e WILLIANS, J. The Roots of Football Hooliganism. London/New York, Routledge & Regan, 1989.

EISENSTADT, S.N. Grupos informais e organizac;iies juvenis nas sociedades modernas In Soclologla da juventude w.. Sulamita de Brito (org.). Rio deJaneiro, Zahar, 1986,4 vols.

ENRIQUEZ, Eugene. Da horda ao estado - Pslcana/tse do vinculo moral. Rio de Janeiro, Zahar, 1990.

FREUD, S. PSicologia de grupo e analise do ego In Edlfilo standard brasileira das Obras Completas de S. Freud. Rio de Janeiro, Imago, 1976.

- 0 Mal·estar na civiliza~ao in Os Pensadores. Sao Paulo, Abril Cultural, 1978.

- 0 futuro de uma i1usiio in Os Pensadores. Sao Paulo, Abril Cultural, 1978.

GABRIEL, Yannis. Freud e a socledade. Rio de Janeiro, Imago, 1988.

GAMBLE, Andrew. La Politica de Mme. Thatcher In Temps Modernes. Paris, Juillet·Aoiit, 1991, n . 54().541.

GILROY, Paul. Le Fin de L'Antiracisme In Temps Modernes. Paris, Juillet·Aoiit, 1991, n. 540·541.

GIRARD, Rene. A viollincia e 0 sagrado. Sao Paulo, Paz e Ten-a/Unesp, 1990.

GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologlas poUt/cas. Sao Paulo, Comp.nhia das Letras, 1987.

GOOFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulartlo da Ident/dade deter/orada. Rio de Janeiro, Guan.bara, 1988.

GUA IT ARl, Felix. Caosmose - Um novo paradfgma estet/co. Rio de Janeiro , Editora 34,1992.

- Revolurao molecular: Pulsa,15es politicas do desejo. Sao Paulo, Brasiliense, 1981.

HEDDGE, Dik. Subculture: The Meaning of SIyle. Lon· don/New York, Methuen, 1988.

228

IANNI, Octavio.A socledade global. Rio deJaneiro, Civiliza9ao Brasilelra, 1992.

KNIGHT, Nick. Skinhead. londOn/New York, Omnibus Press, 1982.

LAGRim, Jean·Charles. Y a·t·il une culture jeune? In Jeunes d'aujourd'hui. Paris, La Documentation Franc;ruse, 1987.

LAPASSADE, George. Rebeldes sem Causa In Sociologla da Juventude III. Sulamita de Brito (org.). Rio de Janeiro, Zahar, 1986, 4 vols.

LAPEYRONNIE, Didier. La France et la Grande·Bretagne et leurs Minorites Immigrees In Les Temps Modemes. Paris, Juillet·Aoiit, 1991, n. 540·541.

LEVI·STRAUSS, Claude. 0 pensamento selvagem. Campinas, Paplrus, 1989.

MAFFESOU, Michel. Dinitmica da vio/encla. Sao Paulo, Vee· tice, 1987.

- 0 conhecimento comum. Sao Paulo, Brasiliense, 1988. o tempo das tribas: 0 declinio do indlvidualismo tlas

sociedades de massa. Rio de Janeiro, Forense Universitii· ria, 1989.

MARX, Karl. 0 capital. Rio de Janeiro, CivilizaC;ao Brasileira, 1971.

MICHAUD, Yves. A violeneia. Sao Paulo, Atica, 1989. - Violence et Polit/que. Paris, Gallimard, 1978. MORIN, Edgard. Cullum de massas no seculo XX (2 vols.).

Rio de Janeiro, Forense Universitaria, 1986. - Para sair do seculo Xx. Rio de Janeiro, Nova Fronteira ,

1986. PEDROSO, Helenrose A. d. Silva e SOUZA, Heder C.A. de.

Absurdo da real/dade: Movimento punk. Campinas, Uni· camp, xerografado, 1983.

PERROT, Michelle. Na Fran"a d. "Belle Epoque" - Os U Apa· ches": primeiros band as de jovens in Os Excluidos da Hist6rla. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. .

RlCOEUR, Paul. 0 mal- Um desaflo afl/oso/la e a leologla. Campinas, Papirus, 1988.

ROVERSI, Antonio. Calclo e Vlolenza in Europa. Bologna, II Mulino/Contemporanea, 1990.

229

Page 117: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

SENNET, Richard. 0 dect{nio do homem pabllco; As tlranias da int/midade. Sao Paulo, Companhia das Letras, 1988.

SOLOMOS, John. Les Formes Contemporaines de J'Icteologie raciale dans la Societe Britannique in Temps Modernes. Paris, Julliet·Aoilt, 1991, n. 540·541.

SOREL, Georges. Reflexion sur fa Violence. Paris, M. Riviere, 1921.

TAGUIEFF, Pierre·Andre. Les Metamorphoses Ideologique du Racisme et la Crise de l'Antiracisme In Face du Racisme. Paris, La Decouverte, 1991.

- La Nouvelle Judeophobie - Antisionisme, Antiracisme, An· timperialisme in Les Temps Modernes. Paris, Novembre, 1989, n. 520.

VIDAL·NAQUET, Pierre. Les Assassins de la Memoire. Paris, La Decouverte, 1987.

WIEVIORKA, Michel. L'Expansion du Racisme Populaire in Face du Racisme. Paris, La Decouverte, 1991.

Revistas nacianais pesquisadas

Veja . IstoE/Senhor Visao Penthouse Fatos Manchete Porrada (Quadrinhos) Animal (Quadrinhos) Yeah Pipoca Moderna Pop

Revistas estrangeiras pesquisadas

Time Le Nouvel Observateur Paris Match Epoca Photo Rolling Stones

230

~ I

I

Jornais pesqutsados

Follia de S. Paulo Follia da Tarde o Estado de S. Paulo Jomal da Tarde o Globo Jomal do Brasil Metro News o Nacional Jomal Rudge Ramos Diario Popular La Settimana del Fanfula (Ed. do Brasil)

Fanzines pesquisados

Fator Zero, n. 1 S.P. Punk, n. 0, 1,2 e 3 Vix·Punk, s.n. M.D., n. 1 e 5 A Anarquia, s.n. Alerta Punk, n. I, 2, 3, 4 e 5 Aborto Imediato para 0 Renascer de Urn Novo Espermatozoi.

de, n. 1 e 2 Uniao e COl1scientiza~ao, n. I Espunk, n. 12 Consciencia Nacional, n. 1 Protesto Oil, n. 2 Tedio Mortal, n. 2 Psycose, n. 1 Revolta Suburbana, s.n. Panico, s.n. WCZine, n. 2 Formol, n. 4 Absurdo, n. 2 Lute ou Vegete, n. 5,6, 7 e 8 Boletirn do Cine Clube Caos, n. 1 Inquerito, n. I Coletivo Libertario, n. 4, 8, 9, 17 e 22 RaioX, n. 2 Violencia Gratuita, n. 1 Atitude Anarquista, n. I, 2 Vitoria Punk, n. 1

231

,. F' I

Page 118: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa

· 1

Brasil Oi!, n. 3 Boletim Pensamento Livre, n. Protesto Suburbano, s.n. Forc;a e UnHio, s.n. Latrina, s.n. Naseido para Matar, s.n. Falange Anarquista, S.n. Revolta Pro!etaria, s.n. Punhalada Fatal, S.n. Brigada de Resgate, S.n.

Manij(!stos pesquisados Manifesto Punk/' Careca" (contra a repressiio policial em Sao

Vicente, SP) Manifesto Anticarecas do Suburbio Os "Carecas" Dominam a Periferia (analise do movimento

"careea do suburbio" no Rio de Janeiro) Punks Anarquistasx Aldeia Global o que e Movimento Punk Hardcore Movimento Punk em Pernambuco Carta Aberta aos Punks '. . '. r Por urn Movimento Punk·Anarquista Manifesto Punk Brasil/Punk/Skin/ Hardcore Da·lhes "Careeas"! ' . SomosPunks

. Por urn Novo Movimento Punk Manifesto dos "Careeas do Suburbio" "Careeas do Subiirbio" - SP Manifestos da Banda "Os Excomungados" Manifestos da Frente Nacionalista Brasileira "Marcha Patrioti­

ca" Manifesto Nacionalista Brasileiro - Comunica<;:iio de Ambito

Naeional aos "Carecas do Brasil" - F.N.B. Manifestos da Frente Jovem, n. 3 e 6

232

301.43(1 e837c !

Autof

Titulo? bie".

tanto por "care cas do subur­bio" quanto pelos skinheads. Foi assim que. com 0 auxfiio de autores como Felix Guatta­ri, Edgard Morin, Jean Baudril­lard e Raoul Girardet, entre oulros, procura estabelecer nao apenas alguns parame­tros e cont radic;:oes dessa so­ciedade moderna, desterrito­rializada e cosmopol ita em que vivemos, mas, principal­mente, apreender os "carecas do suburbio " enqu anto a cons­tituic;:ao de uma determinada subjetividade e singularidade.

A AUTORA

Marcia Regina da Costa e doutora em Ciencias Sociais pel a Pontificia Universidade Catalica de Sao PaulO e, des­de 1978, professora do Depar­tamento de Antropologia da mesma Universidade. E auto­ra do Iivro "As viti mas do capi­tal -- Os acidentados do traba­Iho", publicado pela Edilora Achiame , Ri o de Janeiro, 1981. Alem dis so, participou da organiza(:ao das Coleta­neas "Identidade: Teoria e pesquisa" e "Religiao, politica e identidade ", publicadas pela Educ (Editora da PUC/SP), na serie "Cadernos PUC/SP", respectivamente em 1985 e 1988. Durante 0 bienia 1988-1990, fai membro da Diretoria da Associagao Brasileira de Antropologia (ABA).

Page 119: Os carecas do subúrbio caminhos de um nomadismo moderno - Márcia Regina Costa