Os BRICS na construção de um mundo multipolar

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PORTO ALEGRE, v. 2, 2015 ripe 2015 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES “OS BRICS NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO MULTIPOLAR”

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PORTO ALEGRE, v. 2, 2015

ripe2015

RELAÇÕESINTERNACIONAIS PARA EDUCADORES“OS BRICS NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO MULTIPOLAR”

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RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

EDITOR Paulo Fagundes Visentini (UFRGS)

CONSELHO EDITORIAL Analúcia Danilevicz Pereira (UFRGS) André Luiz Reis da Silva (UFRGS) Anselmo Otávio (UFRGS) Gabriel Pessin Adam (ESPM-Sul / Unisinos) Luiz Dario Teixeira Ribeiro (UFRGS) Maíra Baé Baladão Vieira (IFRS/NERINT-UFRGS) Paulo Fagundes Visentini (UFRGS)

CONSELHO EXECUTIVO Alexandra de Borba Oppermann Katiele Rezer Menger Marcelo Scalabrin Müller

DIAGRAMAÇÃO Ítalo da Silva Alves

ARTE Tiago Oliveira Baldasso

SOBRE O RIPE O projeto Relações Internacionais para

Educadores - RIPE tem como objetivo auxiliar na capacitação de professores da rede pública de ensino básico para que possam abordar, dentro da sala de aula, temas relevantes da agenda internacional atual.

O RIPE nasceu entre os alunos do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 2010. O principal objetivo do projeto é compartilhar com a comunidade de educadores os conhecimentos obtido na universidade federal. Desde sua origem, o RIPE elabora uma publicação anual sobre temas pertinentes e atuais de relações internacionais. A partir de 2014, esta publicação tornou-se um periódico científico anual.

CONTATO Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Ciências Econômicas Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais Av. João Pessoa, 52, sala 33A - 3o andar CEP 90040-000 - Centro | Porto Alegre/RS - Brasil Telefone: +55 51 3308.3963 | Fax: +55 51 3308.3963 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

RIPE : Relações Internacionais para Educadores : os BRICS na construção

de um mundo multipolar / Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais. – Vol. 2 (2015). – Porto Alegre : UFRGS/FCE/PPGEEI, 2014 -

Anual. ISSN 2318-9398.

1. Relações exteriores : Política. 2. BRICS. 3. Multipolaridade. 4.

Países emergentes. 5. Integração regional. CDU 327

Responsável: Biblioteca Gládis Wiebbelling do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS

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SUMÁRIO

EDITORIAL ................................................................................................................... 5

ARTIGOS

A nova ordem mundial e os BRICS ............................................................................. 7 Alexandra de Borba Oppermann, Katiele Rezer Menger, Marcelo Scalabrin Müller

Das origens ao modelo atual: a ascensão da República Popular da China e seu papel nas Relações Internacionais ............................................. 33 Henrique Gomes Acosta, Júlia Oliveira Rosa, Karina Ruiz

Desafios e perspectivas da potência eurasiana dos BRICS: a Federação Russa ..................................................................................... 59 Livi Gerbase, Marina Schnor, Rodrigo Milagre

A Índia como potência: desafios e perspectivas .................................................. 85 Henrique Pigozzo da Silva, Josiane Simão Sarti, Luiza Bender Lopes

Brasil: inserção internacional sobre bases autônomas ................................. 105 Ana Carolina Melos, Letícia Tancredi, Pedro Alt

A construção da África do Sul contemporânea ................................................ 133 Ana Paula Calich, Jéssica Höring, Marília Closs

TEXTOS COMPLEMENTARES

Estrutura doméstica e política dos BRICS ........................................................... 157 Thaís Jesinski Batista

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

EDITOR Paulo Fagundes Visentini (UFRGS)

CONSELHO EDITORIAL Analúcia Danilevicz Pereira (UFRGS) André Luiz Reis da Silva (UFRGS) Anselmo Otávio (UFRGS) Gabriel Pessin Adam (ESPM-Sul / Unisinos) Luiz Dario Teixeira Ribeiro (UFRGS) Maíra Baé Baladão Vieira (IFRS/NERINT-UFRGS) Paulo Fagundes Visentini (UFRGS)

CONSELHO EXECUTIVO Alexandra de Borba Oppermann Katiele Rezer Menger Marcelo Scalabrin Müller

DIAGRAMAÇÃO Ítalo da Silva Alves

ARTE Tiago Oliveira Baldasso

SOBRE O RIPE O projeto Relações Internacionais para

Educadores - RIPE tem como objetivo auxiliar na capacitação de professores da rede pública de ensino básico para que possam abordar, dentro da sala de aula, temas relevantes da agenda internacional atual.

O RIPE nasceu entre os alunos do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 2010. O principal objetivo do projeto é compartilhar com a comunidade de educadores os conhecimentos obtido na universidade federal. Desde sua origem, o RIPE elabora uma publicação anual sobre temas pertinentes e atuais de relações internacionais. A partir de 2014, esta publicação tornou-se um periódico científico anual.

CONTATO Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Ciências Econômicas Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais Av. João Pessoa, 52, sala 33A - 3o andar CEP 90040-000 - Centro | Porto Alegre/RS - Brasil Telefone: +55 51 3308.3963 | Fax: +55 51 3308.3963 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

RIPE : Relações Internacionais para Educadores : os BRICS na construção

de um mundo multipolar / Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais. – Vol. 2 (2015). – Porto Alegre : UFRGS/FCE/PPGEEI, 2014 -

Anual. ISSN 2318-9398.

1. Relações exteriores : Política. 2. BRICS. 3. Multipolaridade. 4.

Países emergentes. 5. Integração regional. CDU 327

Responsável: Biblioteca Gládis Wiebbelling do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS

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RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

Comércio exterior dos BRICS .................................................................................. 171 Régis Zucheto Araujo

Segurança e defesa: os BRICS em perspectiva comparada .............................. 181 Guilherme Simionato

A estrutura energética dos BRICS ........................................................................... 195 Natasha Pereira Lubaszewski

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Comércio exterior dos BRICS .................................................................................. 171 Régis Zucheto Araujo

Segurança e defesa: os BRICS em perspectiva comparada .............................. 181 Guilherme Simionato

A estrutura energética dos BRICS ........................................................................... 195 Natasha Pereira Lubaszewski

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EDITORIAL

Os cinco Estados que integram o agrupamento BRICS têm sido identificados como as potências emergentes neste início de século XXI, ainda que muitos apontem as marcantes assimetrias existentes entre eles, particularmente após o ingresso da África do Sul. Afinal, qual é a razão de ser do BRICS, o que são potências, quais são emergentes e qual o significado de tais conceitos? O que esperar da nova situação em que alguns dos seus membros sofrem crises econômicas e políticas em 2015?

Os anos de 1990 foram os do triunfo da vertente neoliberal da globalização, o crescente poder das nações integrantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e das Organizações Internacionais sob seu controle. Todavia, muito mais intensa foi a liberalização financeira e comercial e o crescente poder das grandes corporações transnacionais, poderes menos visíveis do que os das políticas das “potências vencedoras”, a elas cada vez mais condicionadas. Nesta época, sob hegemonia do mercado, as grandes nações em desenvolvimento passaram a ser denominadas pelos consultores de investimentos (logo seguidos pela academia) como mercados emergentes. China, Rússia, Índia, Brasil, África do Sul, além de outros, receberam tal classificação, até que em 2001, Jim O’Neill, da Consultoria Goldman Sachs de Nova Iorque, criou o acrônimo BRIC e o subjacente conceito de potência emergente.

As mudanças no sistema mundial, com a instabilidade financeira atingindo alguns mercados do Sul, que “submergiram”, da redução do crescimento econômico na OCDE e do seu aumento crescente nas nações BRIC, embasavam a análise, que se baseava exclusivamente no mercado potencial e na produção. Tais países se tornariam potências econômicas com o volume do PIB ultrapassando os do Norte ainda na primeira metade do século XXI. E logo em seguida muitos analistas identificaram um virtual paralelo poder político-militar a se desenvolver. O acrônimo representou uma publicidade gratuita para os quatro membros do BRIC, mas ele só foi assumido por eles e ganhou dimensão política com o advento da crise mundial iniciada em 2008 e com o ingresso da África do Sul (com a mudança do acrônimo para BRICS).

As reuniões de Cúpula geraram uma agenda e um fato político, pois essas potências emergentes não desejavam ser tragadas pela crise originada nos Estados Unidos e propagada pela Europa. Os BRIC, quando significavam apenas um conceito abstrato, eram enfocados como elementos positivos do crescimento mundial. Todavia, quando a recessão atingiu as duas margens do

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Atlântico Norte e a sigla ganhou vida política, surgiram crescentes críticas ao grupo. As debilidades estruturais de alguns, as rivalidades intra-grupo, a falta de uma agenda definida e, enfim, a virtual inviabilidade do grupo foram ressaltadas pelos analistas do Norte. Esses, então, enfatizaram que os membros do BRIC deveriam atuar através do G-20 (financeiro), havendo aí o inevitável espaço e mecanismo de divisão e cooptação.

Os membros do BRICS são ou aspiram ser membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e, mais do que possuir determinado volume de território, população e PIB, possuem forte impacto regional e projeto nacional relativamente autônomo, o que não se pode dizer do México ou da Turquia, por exemplo, ligados ao NAFTA e à União Europeia, respectivamente. Apesar das pontuais diferenças materiais e de perspectivas, todos ocupam uma posição semelhante na ordem mundial em transição, e necessitam, para consolidar sua posição, que ela seja reformada rumo à multipolaridade e a uma forma multilateral de “governança”, através de uma ONU renovada.

Contudo, nesse momento, as potências do Atlântico Norte estão utilizando mecanismos financeiros, midiáticos, de inteligência e até militares (contra a Rússia) para reduzir a capacidade internacional dos BRICS. As reservas financeiras e mesmo o patrimônio adquirido (como empresas internacionalizadas) estão sob severa pressão. Assim, a publicação do RIPE 2015 é de grande atualidade e utilidade, com artigos e textos complementares, permitindo uma melhor compreensão dos problemas contemporâneos. Parabéns a todos os articulistas e organizadores do evento, pela qualidade, seriedade e comprometimento.

PAULO FAGUNDES VISENTINI

Prof. Titular de RI/UFRGS Coord. do NERINT/FCE

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE) ISSN: 2318-9390 | V. 2, 2015 | P. 7–31

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A NOVA ORDEM MUNDIAL E OS BRICS

THE NEW WORLD ORDER AND THE BRICS

Alexandra de Borba Oppermann1 Katiele Rezer Menger1

Marcelo Scalabrin Müller1

RESUMO Este trabalho busca analisar o desenvolvimento histórico que permitiu a ascensão dos cinco países emergentes membros do BRICS: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Para tanto, realiza uma análise histórica dos principais movimentos recentes de transformação do sistema internacional, quais sejam o fim do mundo bipolar da Guerra Fria, o momento unipolar dos Estados Unidos nos anos 1990 e a emergência de um mundo multipolar na década de 2000. Os principais desenvolvimentos econômicos e políticos do período são levados em consideração como fatores importantes para o surgimento dos BRICS. Debate-se a importância dos BRICS na construção de um mundo multipolar com novas instituições de governança global, nas quais deverão ser protagonistas.

Palavras-chave: BRICS; sistema internacional; multipolaridade; emergentes.

1 INTRODUÇÃO Desde meados da primeira década do novo milênio, o BRICS surpreende por ser um grupo de países que se articulou sem que, à primeira vista, esteja claro o que têm em comum. O que leva Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países que possuem histórias tão díspares, localizados em regiões relativamente esparsas do planeta, a sentarem em uma mesa de negociação e a atuarem como um bloco coeso? Se trata de um movimento de países que emergem economicamente num sistema internacional até então dominado por centros muito tradicionais: Europa ocidental e América do Norte. Agora, esses novos atores querem somar forças para garantir seu protagonismo nas relações internacionais. Esse movimento de ascensão e reivindicação leva a

1 Graduandos em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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pergunta: que condições houve na política e economia globais que permitiram o surgimento desses novos atores?

O objetivo deste trabalho é analisar o desenvolvimento histórico do sistema internacional de um ponto de vista amplo num período que consideramos fundamental para a compreensão dos BRICS. A primeira vez que estes países foram tratados como grupo data de 2001 (O’NEILL, 2001), mas, para interpretar o sistema internacional em que surgem, consideramos como momento histórico relevante o fim da Guerra Fria. A queda da União Soviética inicia um novo momento nas relações internacionais, de preponderância dos Estados Unidos. É esse sistema internacional que permite a ascensão dos emergentes na construção de um mundo multipolar. Nas seções que se seguem, nos dedicaremos à análise do período que se seguiu à queda da União Soviética e que viu o surgimento do BRICS como protagonista das relações internacionais contemporâneas.

2 O DECLÍNIO DA VELHA ORDEM Quando a guerra fria atinge seu ápice, ainda na década de setenta, já começa o seu declínio. Os acordos entre EUA e URSS sobre não proliferação de armas nucleares, firmados entre 60 e 70, e as perspectivas comerciais entre ambos os países pareciam anunciar a continuidade da distensão. Todavia, nos anos 80, há uma retomada das hostilidades entre EUA e URSS, culminando num período de crise cujos acontecimentos levarão ao fim da Guerra Fria e à emergência de outros desafios à nova ordem estabelecida (HOBSBAWM, 1995).

O capitalismo como era estruturado à época, um modelo fordista-keynesiano baseado na produção em grande escala, linhas de montagem, intervenção estatal na economia e questões como a distribuição de renda e aumentos salariais contínuos, passa a corresponder cada vez menos ao que se propunha, pois, depois de 30 anos de crescimento, as economias europeia e estadunidense entram num período de estagnação. Ficou cada vez mais claro que a divisão internacional do trabalho não correspondia mais às demandas do padrão de consumo e de produção, chegando a um ponto em que a rigidez do modelo não permitiu que se seguisse com taxas crescentes de lucro e de crescimento, as quais começaram a declinar (VIZENTINI, 2007).

Em 1971, dada a grande demanda mundial por ouro, é declarado pelo presidente Nixon o fim do acordo de Bretton Woods, que obrigava cada país a manter a taxa de câmbio congelada ao dólar, que estava fixado ao valor do ouro. Com o fim da conversibilidade dólar-ouro, cada vez mais a moeda dos Estados Unidos torna-se o dinheiro hegemônico nas reservas mundiais e a referência de todo o sistema financeiro mundial (BARRETO, 2009).

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pergunta: que condições houve na política e economia globais que permitiram o surgimento desses novos atores?

O objetivo deste trabalho é analisar o desenvolvimento histórico do sistema internacional de um ponto de vista amplo num período que consideramos fundamental para a compreensão dos BRICS. A primeira vez que estes países foram tratados como grupo data de 2001 (O’NEILL, 2001), mas, para interpretar o sistema internacional em que surgem, consideramos como momento histórico relevante o fim da Guerra Fria. A queda da União Soviética inicia um novo momento nas relações internacionais, de preponderância dos Estados Unidos. É esse sistema internacional que permite a ascensão dos emergentes na construção de um mundo multipolar. Nas seções que se seguem, nos dedicaremos à análise do período que se seguiu à queda da União Soviética e que viu o surgimento do BRICS como protagonista das relações internacionais contemporâneas.

2 O DECLÍNIO DA VELHA ORDEM Quando a guerra fria atinge seu ápice, ainda na década de setenta, já começa o seu declínio. Os acordos entre EUA e URSS sobre não proliferação de armas nucleares, firmados entre 60 e 70, e as perspectivas comerciais entre ambos os países pareciam anunciar a continuidade da distensão. Todavia, nos anos 80, há uma retomada das hostilidades entre EUA e URSS, culminando num período de crise cujos acontecimentos levarão ao fim da Guerra Fria e à emergência de outros desafios à nova ordem estabelecida (HOBSBAWM, 1995).

O capitalismo como era estruturado à época, um modelo fordista-keynesiano baseado na produção em grande escala, linhas de montagem, intervenção estatal na economia e questões como a distribuição de renda e aumentos salariais contínuos, passa a corresponder cada vez menos ao que se propunha, pois, depois de 30 anos de crescimento, as economias europeia e estadunidense entram num período de estagnação. Ficou cada vez mais claro que a divisão internacional do trabalho não correspondia mais às demandas do padrão de consumo e de produção, chegando a um ponto em que a rigidez do modelo não permitiu que se seguisse com taxas crescentes de lucro e de crescimento, as quais começaram a declinar (VIZENTINI, 2007).

Em 1971, dada a grande demanda mundial por ouro, é declarado pelo presidente Nixon o fim do acordo de Bretton Woods, que obrigava cada país a manter a taxa de câmbio congelada ao dólar, que estava fixado ao valor do ouro. Com o fim da conversibilidade dólar-ouro, cada vez mais a moeda dos Estados Unidos torna-se o dinheiro hegemônico nas reservas mundiais e a referência de todo o sistema financeiro mundial (BARRETO, 2009).

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Ao mesmo tempo em que o capitalismo começa a apresentar tais dificuldades estruturais, inicia-se uma política de aumentos do preço do petróleo anunciada pelo Xá do Irã, íntimo aliado dos Estados Unidos. A situação piorou em 1973, durante a guerra do Yom Kippur, quando os países árabes aumentaram o preço do petróleo em 4 vezes e ainda declararam embargo aos países que apoiavam Israel. Os efeitos da chamada crise do petróleo foram múltiplos, mas pode-se dizer que os EUA saíram beneficiados da situação, dado que o país importava menos de 10% do petróleo do Oriente Médio e tinha influência sobre as empresas do setor. Europa e Japão, que no início da década haviam ultrapassado os EUA em vários aspectos econômicos, saem prejudicados, pois eram extremamente dependentes da importação de petróleo (VIZENTINI; PEREIRA, 2012). A URSS sai, por um lado, fortalecida da crise, dado que esta a estimulou a vender petróleo no mercado mundial. Mas, por outro lado, sua gradual abertura ao mercado mundial a aproximou da economia capitalista bem no momento em que esta passava por um período instável.

Os EUA passam a buscar uma proximidade com a China, visando a reforçar a contenção da URSS, que começa a ter paridade estratégica com os EUA. Como resposta à aliança sino-americana, a URSS vai intensificar seu apoio às revoluções no terceiro mundo, para estabelecer pontos de apoio com os novos regimes (VIZENTINI; PEREIRA, 2012).

Na década de 70 aconteceram várias revoluções socialistas, sendo uma das mais centrais para os encaminhamentos da Guerra Fria a Guerra do Vietnã.2 Segundo Vizentini (2007), esta guerra significou não apenas um conflito militar entre exércitos nacionais, mas uma revolução social. A derrota estadunidense, maior potência militar da época, para um país agrícola e periférico evidenciava o desgaste do país e o amplo potencial das alianças entre as revoluções socialistas e os Estados socialistas em vias de

2 A Guerra do Vietnã foi um conflito ocorrido no sudeste asiático, que se acirrou entre 1965 e

1975. O conflito se inicia quando os EUA enviam tropas para apoiar o governo do Vietnã do Sul, que tinha dificuldades de conter a insurgência de um movimento comunista nacionalista, unificado na Frente Nacional para a Libertação do Vietnã (FNL). O conflito armado foi travado entre a frente formada por EUA e o Vietnã do Sul (que tiveram apoio da Coreia do Sul, Australia e Nova Zelândia) e o Vietnã do Norte (que teve apoio da União Soviética, China e Coreia do Norte, sendo que a China foi aos poucos diminuindo o apoio). Enquanto os EUA e o Vientnã do Sul se utilizavam de artilharia pesada e agentes químicos nos combates, as tropas do Vietnã do Norte travaram uma guerra de guerrilha, utilizando armadilhas e se valendo da formação geográfica local para cercar o inimigo. Apesar da disparidade tecnológica entre os combatentes, e mesmo com o discrepante número de baixas (morreram aproximadamente 58 mil norte americanos, 250 mil sul vietnamitas e 1,1 milhão de norte vietnamitas), a guerra termina com a retirada das tropas estadunidenses em 1973, e com a unificação do Vietnã em 1975, sob regime comunista (CANTU,1968).

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industrialização. A chamada “síndrome do Vietnã” levou a um parcial refreamento dos EUA na política internacional, reforçado pela opinião pública que começava a condenar a interferência direta em crises do terceiro mundo.

A Indochina seguiria ainda desestabilizada mesmo após o fim da Guerra do Vietnã, dado que a China, atuando cada vez mais em prol dos EUA, iniciaria uma política de contenção das revoluções socialistas que aconteceriam na região. Também na América Latina os anos 70 foram um período conturbado, com revoluções socialistas tomando conta de países da América Central que outrora eram governados por oligarquias atreladas aos interesses dos EUA. Na América do Sul, por outro lado, quase todos os países viviam sob regimes ditatoriais cuja implantação teve grande apoio estadunidense.

Todavia, o espaço do globo que mais tinha a atenção dos EUA era o chamado “Arco das Crises”. Se estendendo do Chifre da África até o Paquistão, próximo do Golfo Pérsico (região rica em petróleo), da URSS e do Oceano Índico, a região é considerada um espaço vital para a geopolítica mundial (VIZENTINI, 2007). E é nessa região que aconteceu a Revolução Iraniana (revolução que alterou o regime do Irã, que passou de uma monarquia pró-ocidente para uma república islâmica comandada por Aiatolás, líderes religiosos), a qual impulsionou, primeiramente, a intervenção soviética no Afeganistão e, depois, serviu de pretexto para uma grande mudança na diplomacia estadunidense, encerrando o período conhecido como Détente, ou Coexistência Pacífica.

Tais acontecimentos, cujo ápice foi o ano de 1979, são centrais para se entender a continuação das crises do Oriente Médio. Mas, acima de tudo, eles representam um ponto de inflexão na atuação estadunidense no sistema internacional, que vai passar de uma presença indireta por meio de aliados confiáveis, para uma presença mais direta e ofensiva (JUNIOR, 2013).

A década de 80 se inicia com uma recuperação dos ideais políticos e econômicos da direita, a qual é representada por Ronald Reagan nos EUA e Margaret Tatcher na Grã-Bretanha. Essa recuperação é evidenciada pelos movimentos de contra-revolução que vão começar a ser movidos pela Casa Branca em conjunto com seus aliados, Europa Ocidental e Japão, e pela retomada do modelo liberal para a economia (VIZENTINI; PEREIRA, 2012).

As movimentações dos EUA para a contenção dos governos socialistas que haviam se instalado na década anterior na África, América Central, Indochina e Oriente Médio, iniciam uma nova corrida armamentista em que os EUA saem à frente da URSS, que começa a ter dificuldades de manter o apoio aos regimes revolucionários do terceiro mundo (HOBSBAWM, 1995). O

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industrialização. A chamada “síndrome do Vietnã” levou a um parcial refreamento dos EUA na política internacional, reforçado pela opinião pública que começava a condenar a interferência direta em crises do terceiro mundo.

A Indochina seguiria ainda desestabilizada mesmo após o fim da Guerra do Vietnã, dado que a China, atuando cada vez mais em prol dos EUA, iniciaria uma política de contenção das revoluções socialistas que aconteceriam na região. Também na América Latina os anos 70 foram um período conturbado, com revoluções socialistas tomando conta de países da América Central que outrora eram governados por oligarquias atreladas aos interesses dos EUA. Na América do Sul, por outro lado, quase todos os países viviam sob regimes ditatoriais cuja implantação teve grande apoio estadunidense.

Todavia, o espaço do globo que mais tinha a atenção dos EUA era o chamado “Arco das Crises”. Se estendendo do Chifre da África até o Paquistão, próximo do Golfo Pérsico (região rica em petróleo), da URSS e do Oceano Índico, a região é considerada um espaço vital para a geopolítica mundial (VIZENTINI, 2007). E é nessa região que aconteceu a Revolução Iraniana (revolução que alterou o regime do Irã, que passou de uma monarquia pró-ocidente para uma república islâmica comandada por Aiatolás, líderes religiosos), a qual impulsionou, primeiramente, a intervenção soviética no Afeganistão e, depois, serviu de pretexto para uma grande mudança na diplomacia estadunidense, encerrando o período conhecido como Détente, ou Coexistência Pacífica.

Tais acontecimentos, cujo ápice foi o ano de 1979, são centrais para se entender a continuação das crises do Oriente Médio. Mas, acima de tudo, eles representam um ponto de inflexão na atuação estadunidense no sistema internacional, que vai passar de uma presença indireta por meio de aliados confiáveis, para uma presença mais direta e ofensiva (JUNIOR, 2013).

A década de 80 se inicia com uma recuperação dos ideais políticos e econômicos da direita, a qual é representada por Ronald Reagan nos EUA e Margaret Tatcher na Grã-Bretanha. Essa recuperação é evidenciada pelos movimentos de contra-revolução que vão começar a ser movidos pela Casa Branca em conjunto com seus aliados, Europa Ocidental e Japão, e pela retomada do modelo liberal para a economia (VIZENTINI; PEREIRA, 2012).

As movimentações dos EUA para a contenção dos governos socialistas que haviam se instalado na década anterior na África, América Central, Indochina e Oriente Médio, iniciam uma nova corrida armamentista em que os EUA saem à frente da URSS, que começa a ter dificuldades de manter o apoio aos regimes revolucionários do terceiro mundo (HOBSBAWM, 1995). O

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investimento estadunidense nesta ofensiva fica evidente quando o país não ratifica os acordos SALT II (sobre limitação de armas nucleares), investe na reequipagem da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e prossegue com a instalação de mísseis em locais estratégicos da Europa.

Um dos conflitos mais centrais desse período de ofensiva estadunidense é a Guerra Irã-Iraque. Segundo Vizentini (2007), o Iraque iniciou, com o apoio dos EUA, a ofensiva ao Irã porque buscava ser potência regional e, ao mesmo tempo, garantir algumas vantagens territoriais na região rica em petróleo. Os EUA, por sua vez, teriam vantagem em apoiar o Iraque pois, ao promover a guerra, conteriam a Revolução Antiimperialista que ocorria no Irã e ainda enfraqueceriam o Oriente Médio ao mudar as coalizões de força da região.

O conflito, que se estendeu até 1988, envolveu diversos interesses na política petrolífera e causou uma instabilidade que favoreceu cada vez mais a presença estadunidense na região, sob o pretexto de tentar restabelecer a paz.

Durante a década 1980, pode-se dizer que muitos países periféricos passaram por uma progressiva decomposição de suas estruturas sociais (VIZENTINI, 2007). Em vários países do terceiro mundo, uma onda democratizante contrastou com o aprofundamento da crise econômica. Houve o desgaste dos regimes de segurança nacional, que estavam cada vez mais frágeis devido à estagnação econômica, endividamento externo e erosão das bases de sustentação política (VIZENTINI; PEREIRA, 2012). Além disso, crescia o desemprego estrutural promovido pelo desenvolvimento de novas tecnologias. Em meio à crise, os governos neoliberais culpavam os investimentos em políticas sociais, que foram reduzidos e assim só agravaram os efeitos da crise.

Os EUA, como parte da estratégia do governo Reagan de ruptura da coexistência pacífica, deram novo fôlego à corrida armamentista, promovendo a digitalização da guerra e um aumento significativo de gastos militares. A URSS começa então a tentar se equiparar, mas percebe que, para produzir equipamentos sofisticados tecnologicamente como os dos EUA em escala industrial, seria necessário reformular toda a sua indústria, o que consequentemente significaria alterar o seu modo de produção (FRIEDMAN, 2000). Apesar disso, ela segue buscando a equiparação, o que, somado aos embargos econômicos e às guerrilhas que por um tempo ainda sustentou, corroborou para um desgaste cada vez maior de sua economia.

Em 1985, Gorbatchev assumiu como Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética e tentou implantar algumas mudanças no regime. Ele aplica dois planos de reforma: a Glasnost e a Perestroika. A primeira visava uma reforma econômica, e a segunda uma liberalização da

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mídia e uma maior transparência do governo. Todavia, as reformas acabaram por fragilizar a URSS. As tentativas de mudança na economia e a abertura da imprensa aumentaram a pressão popular pela liberalização do regime, e o partido começa a perder poder. Além do mais, não houve um planejamento do que se seguiria depois das reformas, e seus efeitos foram cada vez mais incontroláveis.

Essa liberalização se estende aos países da URSS, onde afloram os movimentos nacionalistas. A Polônia conseguiu negociar eleições livres, e logo depois a Hungria. Na Tchecoslováquia, Bulgária, Romênia e Alemanha Oriental ganham força as movimentações pelo fim do regime socialista. Em 1989 é anunciado que os cidadãos da República Democrática Alemã podem visitar a Alemanha Ocidental, movimentação que levou à queda do muro de Berlim, um marco do fim da guerra fria. Ainda em 1991 há uma tentativa frustrada de golpe contra Gorbatchev por alguns conservadores do partido, mas mesmo com ele conseguindo permanecer no poder sabia-se que o fim da URSS era só uma questão de tempo. É então que, em dezembro de 1991, depois de os países bálticos e a Ucrânia declararem a independência, Gorbatchev anuncia o fim da URSS e renuncia ao cargo de secretário geral do Partido Comunista Soviético.

Segundo Halliday (1999), as conquistas do modelo soviético ainda eram superficiais e o fracasso socioeconômico acabou por acelerar a transição de um modo de produção para outro, dado que o sistema já não podia permanecer como estava, e as reformas não foram capaz de preservá-lo. Além disso, a questão cultural também foi central para o fim do regime, dado que a abertura à imprensa ocidental foi um grande promotor do descontentamento das massas com as questões socioeconômicas. Também, o partido foi incapaz de manter espaços a críticas ou laços com sindicatos, o que enfraqueceu a ação coletiva (KEERAN; KENY 2008). Para Vizentini (2007), o próprio capitalismo, com uma grande capacidade de reciclagem econômica e tecnológica, elaborou mecanismos de propaganda e legitimação social, erodindo os valores socialistas e conseguindo, ao fim, consagrar no poder uma elite não socialista que reimplanta a propriedade privada dos meios de produção.

3 A ÚLTIMA DÉCADA DO SÉCULO XX A década de noventa foi caracterizada por uma intensa reformulação do sistema de alianças militares, políticas e econômicas ao redor do mundo, além de modificar profundamente as relações sociais existentes. Para compreender todas as transformações vivenciadas nos últimos dez anos do século XX, se faz necessário analisar (i) as realidades econômicas e sociais dos países ao redor

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mídia e uma maior transparência do governo. Todavia, as reformas acabaram por fragilizar a URSS. As tentativas de mudança na economia e a abertura da imprensa aumentaram a pressão popular pela liberalização do regime, e o partido começa a perder poder. Além do mais, não houve um planejamento do que se seguiria depois das reformas, e seus efeitos foram cada vez mais incontroláveis.

Essa liberalização se estende aos países da URSS, onde afloram os movimentos nacionalistas. A Polônia conseguiu negociar eleições livres, e logo depois a Hungria. Na Tchecoslováquia, Bulgária, Romênia e Alemanha Oriental ganham força as movimentações pelo fim do regime socialista. Em 1989 é anunciado que os cidadãos da República Democrática Alemã podem visitar a Alemanha Ocidental, movimentação que levou à queda do muro de Berlim, um marco do fim da guerra fria. Ainda em 1991 há uma tentativa frustrada de golpe contra Gorbatchev por alguns conservadores do partido, mas mesmo com ele conseguindo permanecer no poder sabia-se que o fim da URSS era só uma questão de tempo. É então que, em dezembro de 1991, depois de os países bálticos e a Ucrânia declararem a independência, Gorbatchev anuncia o fim da URSS e renuncia ao cargo de secretário geral do Partido Comunista Soviético.

Segundo Halliday (1999), as conquistas do modelo soviético ainda eram superficiais e o fracasso socioeconômico acabou por acelerar a transição de um modo de produção para outro, dado que o sistema já não podia permanecer como estava, e as reformas não foram capaz de preservá-lo. Além disso, a questão cultural também foi central para o fim do regime, dado que a abertura à imprensa ocidental foi um grande promotor do descontentamento das massas com as questões socioeconômicas. Também, o partido foi incapaz de manter espaços a críticas ou laços com sindicatos, o que enfraqueceu a ação coletiva (KEERAN; KENY 2008). Para Vizentini (2007), o próprio capitalismo, com uma grande capacidade de reciclagem econômica e tecnológica, elaborou mecanismos de propaganda e legitimação social, erodindo os valores socialistas e conseguindo, ao fim, consagrar no poder uma elite não socialista que reimplanta a propriedade privada dos meios de produção.

3 A ÚLTIMA DÉCADA DO SÉCULO XX A década de noventa foi caracterizada por uma intensa reformulação do sistema de alianças militares, políticas e econômicas ao redor do mundo, além de modificar profundamente as relações sociais existentes. Para compreender todas as transformações vivenciadas nos últimos dez anos do século XX, se faz necessário analisar (i) as realidades econômicas e sociais dos países ao redor

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do mundo naquele início de década; (ii) a interferência do fenômeno da globalização na dinâmica capitalista; (iii) a consolidação de blocos regionais; (iv) as ameaças e medidas adotadas pelos Estados Unidos da América para manter seu unilateralismo e; (v) o que os anos noventa reservaram para o novo milênio.

3.1 O CAMINHO ATÉ A NOVA ORDEM MUNDIAL Para Hobsbawm (1995), os vinte anos que sucederam à crise de 1973 foram aqueles em que o mundo mergulhou em instabilidade e em crise. Apesar do evidente aumento da produtividade em países do mundo capitalista e de a economia global estar cada vez mais dinâmica, problemas antigos, como a pobreza, o desemprego em massa, a miséria e a instabilidade voltaram a assombrar muitos Estados mais ricos e mais desenvolvidos—estes problemas eram, antes da Segunda Guerra Mundial, relacionados ao capitalismo, e foram em grande parte eliminados devido às políticas econômicas adotadas desde 1945 até o início da década de setenta.

Se as economias capitalistas desenvolvidas enfrentavam desafios relacionados à propagação de problemas sociais, a África, a Ásia ocidental e a América Latina sofriam ainda mais. Como já visto, a década de oitenta marcou a desaceleração no crescimento do PIB dos países do Terceiro Mundo, onde as desigualdades econômicas e sociais aumentavam gradativamente e faziam de algumas nações periféricas verdadeiros centros de miséria. Para se ter uma ideia, o Brasil dos anos oitenta podia ser considerado o campeão mundial em desigualdade econômica, tendo em vista sua injusta distribuição de renda, beneficiária dos ricos e quase mortal para a população pobre (HOBSBAWM, 1995).

Concomitantemente, algumas das economias pertencentes à zona do chamado “socialismo real” também enfrentaram períodos de desestabilização, principalmente após 1989. Como atesta Hobsbawm (1995), o PIB da Rússia, por exemplo, sofreu variações negativas ao longo dos períodos de 1990-91, de 1991-92 e de 1992-93,3 fato que coincide com o colapso e com o desmembramento da URSS. No entanto, enquanto principalmente os Estados soviéticos enfrentavam as consequências de seu processo de desintegração, as economias de grande parte do sul e do sudeste asiático honravam seu título de “região mais dinâmica da economia mundial”, lograda ao final da década de 70, tendo desenvolvido suas economias a níveis crescentes. A China, em especial, tornou-se objeto de estudos e de olhos atentos por parte do ocidente: no início dos anos 90, passou a ser considerada a economia mais dinâmica e

3 -17%, 19% e -11%, respectivamente.

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de maior crescimento do mundo, ameaçando o modelo neoliberal, já desgastado na maioria dos países que o adotaram—excetuando-se, possivelmente, os Estados Unidos e sua vasta economia—em função da globalização da economia e da consequente criação de um mercado mundial (HOBSBAWM, 1995).

Essa globalização, segundo Vizentini (2007, p.198), exerceu papel relevante na história global ao longo da década de noventa. A economia mundial teve seu sistema de produção modificado à medida que as transformações originadas da revolução científico-tecnológica—principalmente aquelas ligadas ao desenvolvimento de equipamentos de informática, como chips, computadores e a internet—possibilitaram aos Estados-nação novos tipos de interação, integrando-os e tornando-os interdependentes (HOBSBAWM, 1995). Assim, investimentos em pesquisas científicas e na constante evolução das máquinas permitiram a transnacionalização da produção, “em uma extensão extraordinária e com consequências impressionantes” (HOBSBAWM, 1995). Porém, a globalização e a revolução tecnológica tiveram seu viés negativo e contribuíram de forma relevante para o agravamento das condições sociais em muitos países: a tendência da industrialização e do aprimoramento da maquinaria foi substituir a mão-de-obra humana pelo trabalho das máquinas, provocando desempregos. Com isso, o número de desempregados aumentou significativa e rapidamente: não era apenas um desemprego cíclico, mas sim estrutural4— “os empregos perdidos nos maus tempos não retornariam quando os tempos melhoravam: não voltariam jamais” (HOBSBAWM, 1995).

Somado a esses fatores, a divisão internacional do trabalho também passou por modificações que afetaram a vida e o bem-estar de cidadãos pelo globo, especialmente aqueles que habitavam países do Terceiro Mundo. A transferência de indústrias de velhos países regionais para novos, segundo Hobsbawm (1995), marcou o nascimento de muitos novos países industriais, principalmente periféricos. O motivo era simples: a mão-de-obra mais barata das nações subdesenvolvidas atraía as grandes empresas. O problema real residia no fato de que o aperfeiçoamento deveria ser destinado, de tempos em tempos, não somente à maquinaria das indústrias, mas também aos cérebros daqueles que as operavam, e isso custava caro. Além disso, os trabalhadores do campo, substituídos pelas máquinas agrícolas nascidas da revolução tecnológica, não encontravam ocupação para seus serviços, pois sua mão-de-

4 O desemprego estrutural ocorre quando há mudanças estruturais na economia que resultam em

desajustes no emprego da mão-de-obra. Ele é mais comum naqueles Estados em que há grande mecanização das indústrias, que substitui o serviço braçal pelo da máquina.

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de maior crescimento do mundo, ameaçando o modelo neoliberal, já desgastado na maioria dos países que o adotaram—excetuando-se, possivelmente, os Estados Unidos e sua vasta economia—em função da globalização da economia e da consequente criação de um mercado mundial (HOBSBAWM, 1995).

Essa globalização, segundo Vizentini (2007, p.198), exerceu papel relevante na história global ao longo da década de noventa. A economia mundial teve seu sistema de produção modificado à medida que as transformações originadas da revolução científico-tecnológica—principalmente aquelas ligadas ao desenvolvimento de equipamentos de informática, como chips, computadores e a internet—possibilitaram aos Estados-nação novos tipos de interação, integrando-os e tornando-os interdependentes (HOBSBAWM, 1995). Assim, investimentos em pesquisas científicas e na constante evolução das máquinas permitiram a transnacionalização da produção, “em uma extensão extraordinária e com consequências impressionantes” (HOBSBAWM, 1995). Porém, a globalização e a revolução tecnológica tiveram seu viés negativo e contribuíram de forma relevante para o agravamento das condições sociais em muitos países: a tendência da industrialização e do aprimoramento da maquinaria foi substituir a mão-de-obra humana pelo trabalho das máquinas, provocando desempregos. Com isso, o número de desempregados aumentou significativa e rapidamente: não era apenas um desemprego cíclico, mas sim estrutural4— “os empregos perdidos nos maus tempos não retornariam quando os tempos melhoravam: não voltariam jamais” (HOBSBAWM, 1995).

Somado a esses fatores, a divisão internacional do trabalho também passou por modificações que afetaram a vida e o bem-estar de cidadãos pelo globo, especialmente aqueles que habitavam países do Terceiro Mundo. A transferência de indústrias de velhos países regionais para novos, segundo Hobsbawm (1995), marcou o nascimento de muitos novos países industriais, principalmente periféricos. O motivo era simples: a mão-de-obra mais barata das nações subdesenvolvidas atraía as grandes empresas. O problema real residia no fato de que o aperfeiçoamento deveria ser destinado, de tempos em tempos, não somente à maquinaria das indústrias, mas também aos cérebros daqueles que as operavam, e isso custava caro. Além disso, os trabalhadores do campo, substituídos pelas máquinas agrícolas nascidas da revolução tecnológica, não encontravam ocupação para seus serviços, pois sua mão-de-

4 O desemprego estrutural ocorre quando há mudanças estruturais na economia que resultam em

desajustes no emprego da mão-de-obra. Ele é mais comum naqueles Estados em que há grande mecanização das indústrias, que substitui o serviço braçal pelo da máquina.

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obra já não era mais absorvida pelo mercado. Em suma, não havia empregos que atendessem a todas as mãos disponíveis para o trabalho:

[...] mesmo que alguns trabalhadores pudessem ser retreinados para os empregos de alta qualificação da era da informação, que continuava a expandir-se (a maioria dos quais exigia cada vez mais educação superior) (HOBSBAWM, 1995).

Dessa forma, percebeu-se com a mundialização do capital, com o conhecimento utilizado como arma para se chegar ao desenvolvimento, com a substituição do homem pela máquina e a consequente crescente exigência por qualificação, a exclusão de muitos dentro de um sistema dito integracionista. Como afirma Vizentini, (2007, p. 178 e 202):

A globalização é seletiva, pois visa a determinadas regiões, atividades e segmentos sociais a serem integrados mundialmente. Desta forma, enquanto certas áreas e grupos são integrados globalmente, outros são excluídos desta gigantesca transformação, conduzindo a uma diversificação cada vez maior do espaço mundial e agravando ainda mais a concentração de riqueza em termos nacionais e sociais;

Assim, um clima de insegurança e de medo assolou os trabalhadores, mesmo em nações desenvolvidas: o destino era incerto para muitos. Isso fez com que partidos trabalhistas perdessem força, já que seu principal instrumento, a ação econômica e social de governos nacionais, não parecia possível diante da predominância do modelo neoliberal. Assim sendo, o início da década de noventa foi caracterizado pela quase inexistência de governos trabalhistas e social-democratas e, mesmo quando existiam administrações socialistas, estas deixavam de lado suas políticas mais tradicionais para adaptar-se à realidade mundial (HOBSBAWM, 1995).

Nesse contexto, opositores aos altos custos sociais pagos pela implementação do neoliberalismo procuraram desgastar o modelo gradativamente através da tentativa de um resgate da unidade social (VIZENTINI, 2007, p. 204-206). Sendo assim, novas forças políticas surgiram sob a forma de um grupo marcadamente heterogêneo, que passou a tentar preencher o vazio deixado pela esquerda tradicional: o conservadorismo xenófobo e racista, os defensores dos regionalismos separatistas e os “verdes” e pertencentes a “novos movimentos sociais” como aspirantes a um lugar na esquerda (HOBSBAWM, 1995).

À medida que a globalização acelerava no pós Guerra Fria, aceleravam-se também os processos de consolidação ou de criação das integrações regionais, um dos marcos da política internacional da década de noventa. A partir de interesses comuns, principalmente econômicos e políticos, diversas nações de uma mesma região passaram a discutir a necessidade de afirmarem-se como grupos (ou blocos) a fim de terem maior participação na dinâmica global.

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Dessa forma, de processos anteriores nasceram a União Europeia (1991), o Mercosul (1991) e o NAFTA (1992), por exemplo; a Comunidade dos Estados Independentes, ou CEI, (1991), surgiu a partir de interesses comuns das antigas repúblicas socialistas soviéticas e assinalou o fim da URSS. Porém, Vizentini (2007, p.181), salienta a dificuldade de negociações comerciais entre as diferentes nações à época, pertencentes então a blocos e/ou megablocos, devido à economia internacional cada vez mais competitiva. Assim, assinala que

[...] a estruturação dos megablocos, isto é, dos processos de integração econômica supranacional em escala regional, longe de significar uma harmonização de interesses dentro de mercados abertos no plano mundial, representa em larga medida o contrário: a liberalização comercial entre os países integrantes de cada bloco é acompanhada pelo estabelecimento de um protecionismo ainda maior em relação ao resto do mundo. As consequências só não foram mais graves até agora porque as rivalidades ocorrem dentro de um sistema fortemente interdependente.

Foi nesse contexto de integração regional que, em 1991, o Tratado de Maastricht marcou a criação da União Europeia como a conhecemos atualmente. Os doze países-membros precursores do bloco,5 após décadas de acordos e de negociações, uniram-se sob os ideais de livre circulação de mercadorias e de pessoas, sendo esta última alcançada através do direito à cidadania europeia; de voto a nível europeu e municipal; e da moeda única, o Euro, a ser concretizada em 2002, dois anos após a criação do Banco Central Europeu (BECKER, 2002, p.20). Atualmente, a UE é composta por vinte e oito países-membros,6 tendo ampliado seu número gradativamente ao longo da década de noventa e na primeira década dos anos 2000. Ademais, a União Europeia se consolidou na década de 90 como o bloco de maior autonomia econômica, além de manter parcerias estratégicas com regiões e com outros blocos significativos, tais quais África-Caribe-Pacífico e o Mercosul, em 1995, através do Acordo Marco de Cooperação (VIZENTINI, 2007, p. 186).7

O ano de 1991 seria, também, aquele que levaria Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai a assinarem o Tratado de Assunção, que estabeleceu a

5 Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países

Baixos, Portugal e Reino Unido. 6 Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia,

Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, República Checa, Romênia, Suécia e Reino Unido.

7 Este acordo dá-se com “os objetivos de fortalecer as relações recíprocas e preparar as condições para a criação de uma associação inter-regional de cunho político e econômico. Estabelece ainda um quadro institucional para um diálogo regular e sistemático, composto de um Conselho de Cooperação, formado por ministros; uma Comissão Mista de Cooperação (grupo técnico responsável pela formulação de propostas), e uma Sub-comissão Comercial” (SAVINI, 2001).

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Dessa forma, de processos anteriores nasceram a União Europeia (1991), o Mercosul (1991) e o NAFTA (1992), por exemplo; a Comunidade dos Estados Independentes, ou CEI, (1991), surgiu a partir de interesses comuns das antigas repúblicas socialistas soviéticas e assinalou o fim da URSS. Porém, Vizentini (2007, p.181), salienta a dificuldade de negociações comerciais entre as diferentes nações à época, pertencentes então a blocos e/ou megablocos, devido à economia internacional cada vez mais competitiva. Assim, assinala que

[...] a estruturação dos megablocos, isto é, dos processos de integração econômica supranacional em escala regional, longe de significar uma harmonização de interesses dentro de mercados abertos no plano mundial, representa em larga medida o contrário: a liberalização comercial entre os países integrantes de cada bloco é acompanhada pelo estabelecimento de um protecionismo ainda maior em relação ao resto do mundo. As consequências só não foram mais graves até agora porque as rivalidades ocorrem dentro de um sistema fortemente interdependente.

Foi nesse contexto de integração regional que, em 1991, o Tratado de Maastricht marcou a criação da União Europeia como a conhecemos atualmente. Os doze países-membros precursores do bloco,5 após décadas de acordos e de negociações, uniram-se sob os ideais de livre circulação de mercadorias e de pessoas, sendo esta última alcançada através do direito à cidadania europeia; de voto a nível europeu e municipal; e da moeda única, o Euro, a ser concretizada em 2002, dois anos após a criação do Banco Central Europeu (BECKER, 2002, p.20). Atualmente, a UE é composta por vinte e oito países-membros,6 tendo ampliado seu número gradativamente ao longo da década de noventa e na primeira década dos anos 2000. Ademais, a União Europeia se consolidou na década de 90 como o bloco de maior autonomia econômica, além de manter parcerias estratégicas com regiões e com outros blocos significativos, tais quais África-Caribe-Pacífico e o Mercosul, em 1995, através do Acordo Marco de Cooperação (VIZENTINI, 2007, p. 186).7

O ano de 1991 seria, também, aquele que levaria Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai a assinarem o Tratado de Assunção, que estabeleceu a

5 Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países

Baixos, Portugal e Reino Unido. 6 Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia,

Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, República Checa, Romênia, Suécia e Reino Unido.

7 Este acordo dá-se com “os objetivos de fortalecer as relações recíprocas e preparar as condições para a criação de uma associação inter-regional de cunho político e econômico. Estabelece ainda um quadro institucional para um diálogo regular e sistemático, composto de um Conselho de Cooperação, formado por ministros; uma Comissão Mista de Cooperação (grupo técnico responsável pela formulação de propostas), e uma Sub-comissão Comercial” (SAVINI, 2001).

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criação do Mercado Comum do Sul, o Mercosul. Segundo Faria & Fiori (2011, p. 3), os objetivos do Mercosul eram:

Fazer com que os Países-membros do Bloco coordenem gradualmente suas políticas macroeconômicas, bem como a implementação de uma tarifa externa comum (a TEC, a ser criada em 1995) e a adoção de acordos setoriais, visando a facilitar a utilização e a mobilidade dos fatores de produção e alcançar escalas de produção eficientes.

Para Vizentini (2007, p. 185-186), o Brasil idealizou para o processo de integração regional sonhos mais altos: desejoso por converter o Mercosul em uma área de iniciativa própria, por manter a política argentina afastada das influências estadunidenses e por buscar a criação de uma Área de Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA), o país vislumbrava uma tentativa de negociar a inserção regional em uma ordem mundial predominantemente ocupada pelos megablocos do Norte desenvolvido. O projeto brasileiro de maior autonomia e espaço mundial à América do Sul ampliou-se com a aproximação gradual com os países andinos e com uma maior interação com a África do Sul.

Em resposta, os Estados Unidos lançaram mão do projeto integracionista hemisférico sob os moldes do capitalismo liberal. Assim, em dezembro de 1994, durante a Cúpula das Américas, o então presidente Bill Clinton propôs a criação do Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA) aos 34 países que compõem o continente, à exceção de Cuba. No entanto, os países sul-americanos não receberam bem a proposta, pois perderiam a grande maioria de seus vínculos com outras áreas do mundo. O Mercosul passou, então, a sofrer pressões externas e tentativas de divisão, como a aproximação dos Estados Unidos da Argentina—convidando o país portenho a entrar na OTAN, por exemplo—e o Brasil se viu incapaz de candidatar-se a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (VIZENTINI, 2007, p. 186).

A partir desses eventos, o processo de integração do Mercosul buscaria condições graduais de incitar o desenvolvimento socioeconômico de seus membros de uma forma compartilhada, e não mais isolada como ocorreu ao longo de todo o século XX (FARIA; FIORI, 2011, p.3). Conforme atestam Assis, Patacho, Barboza & Costa (2011, p. 2):

Em dez anos de existência o comércio regional entre os países integrantes do Mercosul se multiplicou. Neste sentido, o Mercosul se configurou como um projeto que ultrapassou os marcos limitados de uma integração econômica, colocando a urgência de um projeto de integração econômica, político, social e cultural para a América Latina, nas possibilidades de construir um projeto histórico comprometido com os interesses latino-americanos.

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Em 1994, foi assinado o Protocolo de Ouro Preto, que consolidava o bloco como autoridade jurídica, com órgãos administrativos e que estabelecia parcialmente uma zona de livre-comércio e uma limitada união aduaneira. Isso significava que, a partir do momento de ratificação do Protocolo, o Conselho do Mercado Comum poderia assinar acordos com outros países ou polos de integração regional, importante passo para a consolidação do bloco (ASSIS; PATACHO; BARBOZA; COSTA, 2011, p. 7). Em 1995, o Brasil investiu em projetos de negociação com a União Europeia. Assim, em dezembro daquele ano, foi assinado o primeiro acordo inter-blocos, conhecido como o Acordo Marco Inter-Regional de Cooperação União Europeia-Mercosul (VIZENTINI, 2007, p. 194), já citado anteriormente.

Além do surgimento dos blocos supranacionais, verificou-se, ao longo da década de noventa, a implosão de violentos conflitos regionais em zonas estratégicas às nações ocidentais, como no continente africano e no Oriente Médio. Por conseguinte, as intervenções militares ou diplomáticas—através do Conselho de Segurança da ONU, das Missões de Paz da ONU, da OTAN ou de ações diretas dos EUA e dos seus aliados—foram notáveis e acarretaram em diferentes consequências aos envolvidos. Como exemplos africanos podemos citar os casos (i) do massacre de Ruanda (1990-1994), que contou com intervenção da França; (ii) da Missão de Paz da ONU na Somália (1989-2001), liderada por norte-americanos; (iii) e da guerra civil do Sudão (1989-2001), que provocou a mobilização de forças das Nações Unidas com apoio internacional. No Oriente Médio, a intervenção estadunidense ao Iraque, com o apoio do Conselho de Segurança das Nações Unidas e de seus aliados, ocidentais e árabes, deu início à Primeira Guerra do Golfo (1990-1991).8

Nações ocidentais, por sua vez, também se envolveram em conflitos internos do próprio ocidente, como nas antigas repúblicas socialistas soviéticas, que enfrentaram duros processos de fragmentação com o fim do bloco socialista (VIZENTINI, 2007, p. 196). Os Estados Unidos, principalmente, passaram a intervir no continente europeu de modo a solucionar problemas regionais, a afirmar o momento unipolar que viviam e a afetar a influência da União Europeia e de outras nações—como a Rússia—sobre a região. Assim, teve participação em conflitos como o da Bósnia, que contou também com a intervenção da ONU, e como o do Kosovo, no qual as forças da OTAN unilateralmente atuaram. Esse tipo de estratégia, segundo Korybko (2014), tinha como objetivo, na realidade, desestabilizar todo o continente europeu, a fim de, no futuro, afetar de forma semelhante a China, o Irã e a Rússia, vistos 8 A Primeira Guerra do Golfo foi uma resposta dos Estados Unidos e de seus aliados à invasão ao

Kuwait promovida pelo Iraque. A guerra contou com a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas e com o patrocínio das Nações Unidas.

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Em 1994, foi assinado o Protocolo de Ouro Preto, que consolidava o bloco como autoridade jurídica, com órgãos administrativos e que estabelecia parcialmente uma zona de livre-comércio e uma limitada união aduaneira. Isso significava que, a partir do momento de ratificação do Protocolo, o Conselho do Mercado Comum poderia assinar acordos com outros países ou polos de integração regional, importante passo para a consolidação do bloco (ASSIS; PATACHO; BARBOZA; COSTA, 2011, p. 7). Em 1995, o Brasil investiu em projetos de negociação com a União Europeia. Assim, em dezembro daquele ano, foi assinado o primeiro acordo inter-blocos, conhecido como o Acordo Marco Inter-Regional de Cooperação União Europeia-Mercosul (VIZENTINI, 2007, p. 194), já citado anteriormente.

Além do surgimento dos blocos supranacionais, verificou-se, ao longo da década de noventa, a implosão de violentos conflitos regionais em zonas estratégicas às nações ocidentais, como no continente africano e no Oriente Médio. Por conseguinte, as intervenções militares ou diplomáticas—através do Conselho de Segurança da ONU, das Missões de Paz da ONU, da OTAN ou de ações diretas dos EUA e dos seus aliados—foram notáveis e acarretaram em diferentes consequências aos envolvidos. Como exemplos africanos podemos citar os casos (i) do massacre de Ruanda (1990-1994), que contou com intervenção da França; (ii) da Missão de Paz da ONU na Somália (1989-2001), liderada por norte-americanos; (iii) e da guerra civil do Sudão (1989-2001), que provocou a mobilização de forças das Nações Unidas com apoio internacional. No Oriente Médio, a intervenção estadunidense ao Iraque, com o apoio do Conselho de Segurança das Nações Unidas e de seus aliados, ocidentais e árabes, deu início à Primeira Guerra do Golfo (1990-1991).8

Nações ocidentais, por sua vez, também se envolveram em conflitos internos do próprio ocidente, como nas antigas repúblicas socialistas soviéticas, que enfrentaram duros processos de fragmentação com o fim do bloco socialista (VIZENTINI, 2007, p. 196). Os Estados Unidos, principalmente, passaram a intervir no continente europeu de modo a solucionar problemas regionais, a afirmar o momento unipolar que viviam e a afetar a influência da União Europeia e de outras nações—como a Rússia—sobre a região. Assim, teve participação em conflitos como o da Bósnia, que contou também com a intervenção da ONU, e como o do Kosovo, no qual as forças da OTAN unilateralmente atuaram. Esse tipo de estratégia, segundo Korybko (2014), tinha como objetivo, na realidade, desestabilizar todo o continente europeu, a fim de, no futuro, afetar de forma semelhante a China, o Irã e a Rússia, vistos 8 A Primeira Guerra do Golfo foi uma resposta dos Estados Unidos e de seus aliados à invasão ao

Kuwait promovida pelo Iraque. A guerra contou com a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas e com o patrocínio das Nações Unidas.

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como os três poderes capazes de contrabalancearem a hegemonia estadunidense. Para isso, os Estados Unidos aproveitavam-se de algumas deficiências de seus aliados-rivais e afirmavam uma vantagem significativa sobre estes. Para tanto, contavam com seus grandes investimentos em poder bélico e com o controle que exerciam sob importantes organizações internacionais (VIZENTINI, 2007, p. 195).

3.2 A NOVA ORDEM MUNDIAL E O MUNDO PRÉ-ANOS 2000 Como percebemos, os Estados Unidos emergiram como o grande vitorioso da Guerra Fria, mais forte em relação aos outros países tanto no plano econômico quanto no militar. No entanto, sua hegemonia, confirmada no momento unipolar, imediatamente passou a ruir, pois muitos desafios a ela amadureceram: (i) a Ásia vivenciava um desenvolvimento econômico crescente liderado pela China (VIZENTINI, 2007, p. 177); (ii) a Europa ocidental contava com um processo de integração cada vez mais articulado (VIZENTINI, 2007, p. 187) e direcionado à criação de uma estrutura própria de segurança (TOADER, 2013); (iii) quinze novos Estados europeus nasciam ao leste,9 frutos do desmembramento da URSS, entre eles a Rússia, que não tardaria em afirmar-se como grande potência (SLOAN, 2011); e (iv) o fundamentalismo religioso acentuava-se em algumas regiões do mundo, resultado direto dos processos de inovação advindos da globalização (TEIXEIRA, 2002, p. 5),10 tornando-se um desafio à segurança. Tais fenômenos exigiram dos EUA medidas que protegessem seu status quo e priorizassem seus interesses. Para tanto, entre outros, lançaram mão da redefinição do papel exercido pela OTAN e do uso da diplomacia (TOADER, 2013).

Para Vizentini (2007, p. 189), a nova ordem mundial foi caracterizada, por pelo menos um determinado período de tempo, nos planos militar, estratégico e diplomático, como uma ordem unipolar, tendo os Estados Unidos de fato conservado uma posição dominante, especialmente diante da ausência de um adversário à altura. Assim, eliminado o perigo socialista, aumentaram as rivalidades entre os países capitalistas, e a Casa Branca não poupou esforços para se sobressair em relação aos demais Estados: evitou a

9 Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Estônia, Geórgia, Letônia, Lituânia, Moldávia,

Quirguistão, Rússia, Tajiquistão, Turcoemenistão, Ucrânia e Uzbequistão 10 Para Teixeira (2002, p.5-6), o fato de a globalização ter gerado novas formas de interação e de

aproximação entre as diferentes regiões condicionou a necessidade de algumas religiões afirmarem suas tradições e crenças. Isso se deu, principalmente, pelo medo e pela insegurança de esses valores tradicionais se perderem diante de um mundo em transformação sob as influências ocidentais. O fundamentalismo nasce desses sentimentos. Como atesta Hobsbawm (1995, p. 540), “[a] ascensão do fundamentalismo islâmico foi visivelmente um movimento não apenas contra a ideologia de modernização pela ocidentalização, mas contra o próprio Ocidente”.

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proliferação nuclear e buscou a redução dos exércitos convencionais por todo o globo, ao mesmo tempo em que ela própria mantinha vantagens estratégicas e investiu em intervenções rápidas e eficientes (VIZENTINI, 2007, p. 190).

No entanto, é importante ressaltar que, quando consideradas as tendências de países emergentes ascenderem gradativamente e o progressivo avanço econômico-tecnológico, o cenário internacional vislumbra traços de multipolaridade, que podem, se não acabar, conter os avanços norte-americanos. Em realidade, muitos autores acreditam no fim ou na decadência da Pax Americana—era iniciada em 1945 que caracteriza a ascensão norte-americana em políticas internacionais. Como evidência, atestam o recuo dos Estados Unidos em investir mais diretamente em conflitos internacionais, como faziam ao final da Guerra Fria e ao longo de boa parte da década de noventa. Para Korybko (2014), fatos como o pedido aos aliados da OTAN durante a Guerra da Líbia para fazerem mais pela resolução das questões globais—e deixar de lado a política de “fazer sozinho, sem ajuda”—e as palavras do presidente Barack Obama que reiteram a necessidade de que outras forças, além das norte-americanas, assumam conjuntamente a liderança em conflitos, marcam o ano de 2011 como aquele que deu fim à ordem unipolar estadunidense. A partir de então, iniciou-se, para os Estados Unidos, a era “Lead from Behind”, ou “Liderança por Detrás”, o que significa a adaptação das forças e das investidas militares norte-americanas a um mundo multipolar.

4 O NOVO MILÊNIO O sistema internacional que se matura no novo milênio dá cada vez mais espaço aos países emergentes. Assim, para entender o surgimento do grupo BRICS, é preciso compreender que ordem é essa, que simultaneamente é dominada pelos Estados Unidos e dá margens para uma semiperiferia ascendente e desafiadora. É nesse contexto que os países do BRICS veem interesses comuns que justificam sua constituição como fórum de diálogo.

4.1 A ORDEM MUNDIAL DO NOVO MILÊNIO Se os anos noventa foram marcados no plano geopolítico pela crença na unipolaridade dos Estados Unidos e pela hegemonia neoliberal no plano econômico, nos anos 2000 houve a crise dessas duas visões de mundo. Uma crise não significa que tais opiniões tenham sido completamente derrotadas pelos fatos e apagadas das mentes das pessoas. Pelo contrário: a crise é o momento de discussão e de confronto de ideias. O que há é um rompimento com o pensamento único e um retorno do questionamento e da desconfiança

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proliferação nuclear e buscou a redução dos exércitos convencionais por todo o globo, ao mesmo tempo em que ela própria mantinha vantagens estratégicas e investiu em intervenções rápidas e eficientes (VIZENTINI, 2007, p. 190).

No entanto, é importante ressaltar que, quando consideradas as tendências de países emergentes ascenderem gradativamente e o progressivo avanço econômico-tecnológico, o cenário internacional vislumbra traços de multipolaridade, que podem, se não acabar, conter os avanços norte-americanos. Em realidade, muitos autores acreditam no fim ou na decadência da Pax Americana—era iniciada em 1945 que caracteriza a ascensão norte-americana em políticas internacionais. Como evidência, atestam o recuo dos Estados Unidos em investir mais diretamente em conflitos internacionais, como faziam ao final da Guerra Fria e ao longo de boa parte da década de noventa. Para Korybko (2014), fatos como o pedido aos aliados da OTAN durante a Guerra da Líbia para fazerem mais pela resolução das questões globais—e deixar de lado a política de “fazer sozinho, sem ajuda”—e as palavras do presidente Barack Obama que reiteram a necessidade de que outras forças, além das norte-americanas, assumam conjuntamente a liderança em conflitos, marcam o ano de 2011 como aquele que deu fim à ordem unipolar estadunidense. A partir de então, iniciou-se, para os Estados Unidos, a era “Lead from Behind”, ou “Liderança por Detrás”, o que significa a adaptação das forças e das investidas militares norte-americanas a um mundo multipolar.

4 O NOVO MILÊNIO O sistema internacional que se matura no novo milênio dá cada vez mais espaço aos países emergentes. Assim, para entender o surgimento do grupo BRICS, é preciso compreender que ordem é essa, que simultaneamente é dominada pelos Estados Unidos e dá margens para uma semiperiferia ascendente e desafiadora. É nesse contexto que os países do BRICS veem interesses comuns que justificam sua constituição como fórum de diálogo.

4.1 A ORDEM MUNDIAL DO NOVO MILÊNIO Se os anos noventa foram marcados no plano geopolítico pela crença na unipolaridade dos Estados Unidos e pela hegemonia neoliberal no plano econômico, nos anos 2000 houve a crise dessas duas visões de mundo. Uma crise não significa que tais opiniões tenham sido completamente derrotadas pelos fatos e apagadas das mentes das pessoas. Pelo contrário: a crise é o momento de discussão e de confronto de ideias. O que há é um rompimento com o pensamento único e um retorno do questionamento e da desconfiança

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daquilo que, nos anos noventa, era encarado como “verdade absoluta” (CHAUÍ, 2010, p. 19; RUVALCABA, 2013, p. 157).

O ano de 2001 foi muito importante na aceleração dessa crise. Em janeiro, reuniram-se em Porto Alegre milhares de intelectuais e militantes de esquerda para reacender a ideia de que “um outro mundo é possível” no primeiro Fórum Social Mundial. Além disso, os atentados terroristas 11 de setembro de 2001 foram o primeiro ataque da história no território continental estadunidense desde sua ascensão como grande potência, marcando o início de uma nova fase das relações internacionais (VIZENTINI, 2004, p. 18, 121, 126).

O terrorismo passa a ser o principal assunto da agenda de segurança internacional, diferentemente do período da Guerra Fria, em que a principal preocupação era uma possível guerra entre as superpotências. Assim, o próprio conceito de segurança sofre uma expansão de seu significado original centrado no Estado-nação, abarcando temas como o tráfico de drogas, o meio ambiente e o crime organizado. Esses temas ampararam o início, nos Estados Unidos, da política de “guerra ao terror”, que teve como uma de suas consequências a invasão do Afeganistão (CEPIK, 2013, p. 307-308).

Uma particularidade da guerra ao terror é sua instrumentalização como guerra ao mundo árabe e islâmico, inviabilizando inclusive processos de paz como o da Palestina. Isso porque ela deu início a uma “onda anti-islâmica”, no contexto em que as ideias do teórico estadunidense Samuel Huntington ganharam força. Esse autor criou o conceito de “choque de civilizações”, de que os conflitos de nosso tempo não teriam motivações econômicas ou ideológicas, mas sim culturais. Grupos com identidades bem definidas, como os WASP11 nos Estados Unidos, possuem um “temor instintivo diante das demais civilizações” (VIZENTINI, 2004, p. 71). Essa visão de mundo implica que os principais inimigos da civilização ocidental (encabeçada pelos Estados Unidos) seriam outras civilizações como a chinesa e a muçulmana. Os imigrantes seriam um risco, pois membros de uma civilização “inimiga”, devendo ser vigiados por serem potenciais terroristas, principalmente os muçulmanos. Assim, a guerra ao terror teve como principais consequências o “cerceamento das liberdades civis” nos países do centro, justificado pelas

11 WASP é a sigla, em inglês, para “branco anglo-saxão protestante”, características que definem o

grupo fundador e dominante na colonização dos Estados Unidos. Todos os grupos que aí estavam, como os povos indígenas norte-americanos, e os que chegaram posteriormente sofrem algum tipo de preconceito, como católicos italianos e irlandeses, judeus, cristão ortodoxos gregos, árabes muçulmanos, principalmente os afro-americanos e mais recentemente latino-americanos.

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necessidades da segurança nacional, “e um reforço das atitudes belicistas e unilateralistas” sobre os países da periferia (VIZENTINI, 2004, p. 128).

A retórica da guerra ao terror, geralmente moralizante e maniqueísta, conseguiu comover a opinião pública estadunidense. O governo de George W. Bush (2001-2008) rotulou seus inimigos de “eixo do mal”, que incluía Coreia do Norte, Irã, Iraque, Líbia e Síria. Assim, legitimou as invasões do Afeganistão (2001-2014) e do Iraque (2003-2011). Nesta última, os Estados Unidos contornaram a autoridade do Conselho de Segurança da ONU, dando exemplo de unilateralismo. Isso revela um novo dualismo da política externa estadunidense: o unilateralismo versus multilateralismo (VIZENTINI, 2004).

A política externa do governo Bush encarna essa postura unilateral que visa a garantir a posição vantajosa de “vencedor da Guerra Fria” dos Estados Unidos ao manter sua vantagem em poderio militar (POSEN, 2003, p. 6). Ver esse posicionamento dos Estados Unidos como estratégia significa aceitar que o resultado final pode ser negativo para o país. Uma estratégia é um plano que se decide seguir, podendo não se provar frutífero pois tem caráter de aposta. Há teóricos, como Barry Posen, que creem que Bush fez a aposta errada: a manutenção do poder estadunidense seria melhor garantida através de um “engajamento seletivo”, e não pelo unilateralismo (POSEN, 2003, p. 7). Mas até que ponto os Estados Unidos já dominam militarmente o sistema internacional? É inquestionável que esta superpotência exerce grande poder militar. Em 2013, os EUA gastaram mais com defesa que os próximos onze países somados, sem ignorar que sete destes onze são aliados estadunidenses. De maneira mais precisa: 38,4% do gasto militar de todo o mundo, no ano de 2013, foi feito pelos EUA (IISS, 2014, p. 23). Apesar disso, há limites do uso possível dessa força militar e da eficiência estratégica desse volume de recursos.

Barry Posen afirma que a primazia militar dos Estados Unidos no sistema internacional se dá através do “comando dos comuns”. Os EUA têm controle sobre todas as “áreas comuns” do globo, quais sejam: o mar, o espaço e o ar. Essas áreas não estão sob a soberania de nenhum país e dão acesso às outras regiões do globo, são as rotas que conectam distintos países e regiões. Comando não significa que os outros países não possam usar estas vias comuns, mas que só os EUA têm poder para negar acesso a outros países. Além disso, se algum país tentasse negar o acesso aos EUA, provavelmente sairia derrotado. Os Estados Unidos garantem essa posição privilegiada principalmente de duas maneiras. Em primeiro lugar, possuem as melhores, mais rápidas e mais avançadas armas em quantidade muito superior a seus adversários: submarinos nucleares, porta-aviões nucleares, satélites e caças de última geração. Em segundo lugar, os Estados Unidos herdaram da Guerra

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necessidades da segurança nacional, “e um reforço das atitudes belicistas e unilateralistas” sobre os países da periferia (VIZENTINI, 2004, p. 128).

A retórica da guerra ao terror, geralmente moralizante e maniqueísta, conseguiu comover a opinião pública estadunidense. O governo de George W. Bush (2001-2008) rotulou seus inimigos de “eixo do mal”, que incluía Coreia do Norte, Irã, Iraque, Líbia e Síria. Assim, legitimou as invasões do Afeganistão (2001-2014) e do Iraque (2003-2011). Nesta última, os Estados Unidos contornaram a autoridade do Conselho de Segurança da ONU, dando exemplo de unilateralismo. Isso revela um novo dualismo da política externa estadunidense: o unilateralismo versus multilateralismo (VIZENTINI, 2004).

A política externa do governo Bush encarna essa postura unilateral que visa a garantir a posição vantajosa de “vencedor da Guerra Fria” dos Estados Unidos ao manter sua vantagem em poderio militar (POSEN, 2003, p. 6). Ver esse posicionamento dos Estados Unidos como estratégia significa aceitar que o resultado final pode ser negativo para o país. Uma estratégia é um plano que se decide seguir, podendo não se provar frutífero pois tem caráter de aposta. Há teóricos, como Barry Posen, que creem que Bush fez a aposta errada: a manutenção do poder estadunidense seria melhor garantida através de um “engajamento seletivo”, e não pelo unilateralismo (POSEN, 2003, p. 7). Mas até que ponto os Estados Unidos já dominam militarmente o sistema internacional? É inquestionável que esta superpotência exerce grande poder militar. Em 2013, os EUA gastaram mais com defesa que os próximos onze países somados, sem ignorar que sete destes onze são aliados estadunidenses. De maneira mais precisa: 38,4% do gasto militar de todo o mundo, no ano de 2013, foi feito pelos EUA (IISS, 2014, p. 23). Apesar disso, há limites do uso possível dessa força militar e da eficiência estratégica desse volume de recursos.

Barry Posen afirma que a primazia militar dos Estados Unidos no sistema internacional se dá através do “comando dos comuns”. Os EUA têm controle sobre todas as “áreas comuns” do globo, quais sejam: o mar, o espaço e o ar. Essas áreas não estão sob a soberania de nenhum país e dão acesso às outras regiões do globo, são as rotas que conectam distintos países e regiões. Comando não significa que os outros países não possam usar estas vias comuns, mas que só os EUA têm poder para negar acesso a outros países. Além disso, se algum país tentasse negar o acesso aos EUA, provavelmente sairia derrotado. Os Estados Unidos garantem essa posição privilegiada principalmente de duas maneiras. Em primeiro lugar, possuem as melhores, mais rápidas e mais avançadas armas em quantidade muito superior a seus adversários: submarinos nucleares, porta-aviões nucleares, satélites e caças de última geração. Em segundo lugar, os Estados Unidos herdaram da Guerra

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Fria uma quantidade enorme de bases militares espalhadas no globo que dão suporte para suas ações bem longe de suas fronteiras (POSEN, 2003, p. 7-8, 11, 15-17). Apesar de seu território estar longe de zonas de tensão, como o Golfo Pérsico, suas bases na região servem como extensões estratégicas de seus domínios. A quantidade de recursos que um país tem de empregar para ter tal estrutura é tão grande que praticamente não existem competidores reais aos Estados Unidos (POSEN, 2003, p. 10).

Essa assimetria brutal entre as capacidades estadunidenses e de seus potenciais desafiadores é a principal característica do “momento unipolar” que viveu o país. A consequência principal foi um aumento do intervencionismo do país, que estava, segundo Andrew Korybko (2014), percebendo-se poderoso demais ao emergir vitorioso da Guerra Fria.. O clímax desse período, para o autor, foi a invasão do Iraque em 2003, em que a intensidade dos bombardeios e o desrespeito às instituições multilaterais atingiram patamares sem precedentes.

4.2 OS DESAFIOS À NOVA ORDEM Os gastos militares exacerbados da invasão do Iraque deram margem para que outras potências ganhassem oportunidade para emergir, comprovando a hipótese de que uma hiperatividade estadunidense pudesse principiar sua própria derrocada (KORYBKO, 2014; POSEN, 2003, p. 6).

O primeiro grande desafio ao poder estadunidense é o regionalismo, que continuou ganhando força na nova década. Em 1° de janeiro de 2002, a integração europeia deu mais um passo com o início da utilização do euro, moeda única válida em doze países, “exercendo um impacto positivo para aprofundar a UE e consolidar um grande bloco econômico-comercial” (VIZENTINI, 2004, p. 80, 81). O equilíbrio entre blocos econômicos regionais que estão evoluindo e se tornando blocos políticos contribui para o multilateralismo das relações internacionais. O unilateralismo estadunidense pode ser visto como uma reação ao surgimento desses novos centros de poder no sistema internacional, que poderiam “escantear” os Estados Unidos para a periferia do sistema (VIZENTINI, 2004, p. 139).

É também com o atoleiro do Iraque que China e Rússia concretizam suas capacidades de grande potências, únicas capazes de desafiar os Estados Unidos. Se estes países não podem impor uma ordem ao resto do mundo, ao menos detêm capacidades suficientes para garantir que nenhuma potência estrangeira possa lhes impor uma. China e Rússia possuem as três capacidades militares que Cepik (2013, p. 309-313) considera essenciais para que um país seja caracterizado como grande potência. Em primeiro lugar, possuem capacidade nuclear de segundo ataque: se fossem atacados por bombas

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nucleares, seu contra-ataque nuclear seria tão destrutivo que provavelmente ninguém ousaria atacá-los. Essa foi a base da estabilidade da Guerra Fria, conhecida pela ideia da MAD, sigla em inglês para destruição mútua assegurada. Em segundo lugar, ambos são capazes de controlar o espaço, ou seja, possuem satélites e sistemas de comunicação indispensáveis na era digital para tempos de paz e de guerra. Em terceiro lugar, são inexpugnáveis, ou seja, uma invasão a esses países com forças convencionais é insustentável dadas suas capacidades defensivas. Além disso, seu poderio possui legitimidade política, já que estão representados no Conselho de Segurança da ONU como membros permanentes.

Para dificultar o desafio estratégico, o poderio econômico ocidental vem sendo erodido com os países emergentes puxando o crescimento econômico mundial. A crise de 2008 contribuiu ao mergulhar os países ricos na recessão e, assim, acelerar a transição de uma unipolaridade questionável dos Estados Unidos para um mundo multipolar. Momentos de recessão econômica são bastante propícios para mudanças na hierarquia de poder mundial (RUVALCABA, 2013, p. 162).

A crise de 2008 e a Grande Recessão que a seguiu foram as mais intensas desde a de 1929, a maior da sequência de crises que começou nos anos 1970. Tendo ocorrido na economia mais importante do planeta, alastrou seus efeitos para todo o mundo. Nos países ricos, a crise significou diminuição do crescimento, um brutal desemprego — principalmente no sul da Europa —, aumento do endividamento (de Estados, empresas e famílias) e da desigualdade de renda. Até que ponto estas sociedades terão estabilidade política nessa situação? Ou seja, essa foi uma crise pontual ou tem um significado maior sobre o modelo de sociedade em que vivemos? Haverá outro colapso no futuro próximo que agrave essa situação? Na saída da crise de 2008, muitas foram as propostas de reforma para prevenir uma nova recaída, muitas envolvendo algum tipo de regulação para o sistema financeiro. Seis anos depois, quase nada foi feito. Os governos permanecem reféns do capital financeiro, deixando o mundo na situação pré-crise: vulnerável a um novo colapso (STREECK, 2014).

Enquanto isso, as variáveis econômicas das regiões periféricas vêm sendo muito mais saudáveis. O dinamismo asiático e africano tem puxado o crescimento econômico global nos últimos anos. A multipolaridade econômica precedeu uma multipolaridade política. O problema é que esse desenvolvimento econômico da semiperiferia está assentado em regras e práticas criados e difundidos pelo centro, que agora está em dificuldades. A crise põe em dúvida o sistema econômico global, que requer novas regras e práticas para a economia do futuro. Ao ascender, as potências definem regras e

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nucleares, seu contra-ataque nuclear seria tão destrutivo que provavelmente ninguém ousaria atacá-los. Essa foi a base da estabilidade da Guerra Fria, conhecida pela ideia da MAD, sigla em inglês para destruição mútua assegurada. Em segundo lugar, ambos são capazes de controlar o espaço, ou seja, possuem satélites e sistemas de comunicação indispensáveis na era digital para tempos de paz e de guerra. Em terceiro lugar, são inexpugnáveis, ou seja, uma invasão a esses países com forças convencionais é insustentável dadas suas capacidades defensivas. Além disso, seu poderio possui legitimidade política, já que estão representados no Conselho de Segurança da ONU como membros permanentes.

Para dificultar o desafio estratégico, o poderio econômico ocidental vem sendo erodido com os países emergentes puxando o crescimento econômico mundial. A crise de 2008 contribuiu ao mergulhar os países ricos na recessão e, assim, acelerar a transição de uma unipolaridade questionável dos Estados Unidos para um mundo multipolar. Momentos de recessão econômica são bastante propícios para mudanças na hierarquia de poder mundial (RUVALCABA, 2013, p. 162).

A crise de 2008 e a Grande Recessão que a seguiu foram as mais intensas desde a de 1929, a maior da sequência de crises que começou nos anos 1970. Tendo ocorrido na economia mais importante do planeta, alastrou seus efeitos para todo o mundo. Nos países ricos, a crise significou diminuição do crescimento, um brutal desemprego — principalmente no sul da Europa —, aumento do endividamento (de Estados, empresas e famílias) e da desigualdade de renda. Até que ponto estas sociedades terão estabilidade política nessa situação? Ou seja, essa foi uma crise pontual ou tem um significado maior sobre o modelo de sociedade em que vivemos? Haverá outro colapso no futuro próximo que agrave essa situação? Na saída da crise de 2008, muitas foram as propostas de reforma para prevenir uma nova recaída, muitas envolvendo algum tipo de regulação para o sistema financeiro. Seis anos depois, quase nada foi feito. Os governos permanecem reféns do capital financeiro, deixando o mundo na situação pré-crise: vulnerável a um novo colapso (STREECK, 2014).

Enquanto isso, as variáveis econômicas das regiões periféricas vêm sendo muito mais saudáveis. O dinamismo asiático e africano tem puxado o crescimento econômico global nos últimos anos. A multipolaridade econômica precedeu uma multipolaridade política. O problema é que esse desenvolvimento econômico da semiperiferia está assentado em regras e práticas criados e difundidos pelo centro, que agora está em dificuldades. A crise põe em dúvida o sistema econômico global, que requer novas regras e práticas para a economia do futuro. Ao ascender, as potências definem regras e

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práticas que lhe sejam favoráveis e que lhes garantam uma posição privilegiada na ordem internacional. Uma dessas práticas é o uso, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, do dólar como moeda do comércio e reserva mundiais. Isso gera uma série de assimetrias, de privilégios de que gozam os Estados Unidos e que podem não ser compatíveis com uma economia global saudável em um ambiente multipolar (STREECK, 2014).

A soma desses desafios ao “momento unipolar” estadunidense comprovou que:

[A] construção de uma nova hegemonia americana, nos marcos da globalização, revelou-se um processo cheio de contradições entre fins e meios, entre objetivos de curto e longo prazo. Nesse contexto, o protetorado europeu passou a buscar gradativamente sua autonomia, pois, afinal, o principal resultado da globalização foi a construção de blocos regionais e a emergência de interesses diferenciados. Do outro lado da Ásia, a China passou a liderar o desenvolvimento da região (e do mundo) e aprofundou um modelo heterodoxo, ambos percebidos como uma “ameaça” ao Ocidente, que com eles se relaciona de forma conflitiva e, ao mesmo tempo, simbiótica. Já a América Latina se vê diante de três possibilidades, todas ainda possíveis: a integração regional, a desintegração ou a absorção hemisférica. Finalmente, os grandes países da periferia, como Rússia, Índia e África do Sul, iniciam um movimento de reafirmação e ação convergente com vistas a estruturar um sistema mundial multipolar. (VIZENTINI, 2004, p. 158)

4.3 BRICS: DA SEMIPERIFERIA AO PROTAGONISMO A origem do BRICS foi contemporânea ao clímax do “momento unipolar”. Foi em 2001 que se criou o acrônimo BRIC — ainda sem a África do Sul —, num relatório do banco estadunidense Goldman Sachs. A intenção do texto era debater Brasil, Rússia, Índia e China de uma perspectiva econômica, como mercados emergentes que impulsionariam o crescimento econômico mundial na década que se seguiria (O'NEILL, 2001). A ascensão dos BRICS foi, entretanto, simultaneamente econômica e política.

Os BRICS têm em comum ambições políticas no sistema internacional. Como todos os países emergentes na história, eles identificam uma assimetria entre sua importância econômica e militar e a posição que ocupam na política internacional. Assim, eles poderiam ser chamados de revisionistas, pois pensam ter direito a um papel mais relevante no sistema internacional. Sistema este que se assenta sobre as instituições criadas pelo própria superpotência dos Estados Unidos: o Sistema ONU, FMI, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio e um sistema comercial baseado no dólar como meio de troca. Logo, a afirmação dos emergentes BRICS passa pela criação de novos canais de cooperação e novas instituições que visam a gerir os assuntos internacionais à margem das instituições estadunidenses. Na área econômica, atuam conjuntamente no G20 e coordenam pela reforma do FMI. Nas instituições

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políticas, desejam uma reforma da ONU e de seu Conselho de Segurança (HURRELL, 2009; BRASIL, 2015).

Os países do BRICS passaram a articular-se formalmente a partir de meados da década de 2000, inicialmente sem a África do Sul. Em 2006, houve a primeira reunião informal a parte da Assembleia Geral da ONU. Em 2008, em meio à crise econômica global, após a primeira reunião de chanceleres do grupo, BRIC “passou a denominar uma nova entidade político-diplomática” (BRASIL, 2015). Desde então, são realizadas cúpulas anuais que avançam a cooperação entre os países. A África do Sul foi incluída a partir da III Cúpula, em 2011 (BRASIL, 2015).

A ascensão desses países emergentes está condicionada a sua afirmação como potências regionais. Isso porque sua interação com seus vizinhos está conectada com sua inserção global. Por exemplo, a maneira como Colômbia e Argentina veem o Brasil importa para nossa posição internacional. Assim, as ações dos BRICS em política regional muito frequentemente visam a ganhos em nível global. Isso explica porque a Rússia, uma potência militar que decaiu nos últimos trinta anos, preza tanto pela manutenção de seu status de potência regional (HURRELL, 2009).

Assim, o grupo BRICS pode ser visto sob dois pontos de vista. Para as duas grandes potências que o compõem, China e Rússia, como uma arena em que somam esforços naqueles temas que têm interesses comuns frente aos Estados Unidos. Para os três países restantes, cooperar com as grandes potências emergentes é um meio de ganhar legitimidade para suas ambições regionais e construir um mundo multipolar no qual não sejam obrigados à obediência inquestionável aos EUA.

Na esteira da crise econômica de 2008, o BRICS pretende participar da gestão da economia global. A criação do Novo Banco de Desenvolvimento na VI Cúpula, em Fortaleza, Ceará, em julho de 2014, é uma tentativa do BRICS de promover a estabilidade financeira global evitando as instituições da hegemonia estadunidense, como o FMI. Além do banco, que deve financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável no sul global, os líderes criaram em Fortaleza um Arranjo Contingente de Reservas, um fundo que deve ser usado para apoio mútuo entre os BRICS em caso de dificuldades financeiras (BRASIL, 2014). Há ainda a intenção de se implementar uma agência de rating do grupo, como contraponto a atual hegemonia de empresas estadunidenses no setor (OPERA MUNDI, 2015). Além dessas iniciativas coletivas, há outras unilaterais ou bilaterais entre os países do grupo que tentam balancear a predominância de instituições estadunidenses. Notavelmente, a China está desenvolvendo um conjunto de instituições

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políticas, desejam uma reforma da ONU e de seu Conselho de Segurança (HURRELL, 2009; BRASIL, 2015).

Os países do BRICS passaram a articular-se formalmente a partir de meados da década de 2000, inicialmente sem a África do Sul. Em 2006, houve a primeira reunião informal a parte da Assembleia Geral da ONU. Em 2008, em meio à crise econômica global, após a primeira reunião de chanceleres do grupo, BRIC “passou a denominar uma nova entidade político-diplomática” (BRASIL, 2015). Desde então, são realizadas cúpulas anuais que avançam a cooperação entre os países. A África do Sul foi incluída a partir da III Cúpula, em 2011 (BRASIL, 2015).

A ascensão desses países emergentes está condicionada a sua afirmação como potências regionais. Isso porque sua interação com seus vizinhos está conectada com sua inserção global. Por exemplo, a maneira como Colômbia e Argentina veem o Brasil importa para nossa posição internacional. Assim, as ações dos BRICS em política regional muito frequentemente visam a ganhos em nível global. Isso explica porque a Rússia, uma potência militar que decaiu nos últimos trinta anos, preza tanto pela manutenção de seu status de potência regional (HURRELL, 2009).

Assim, o grupo BRICS pode ser visto sob dois pontos de vista. Para as duas grandes potências que o compõem, China e Rússia, como uma arena em que somam esforços naqueles temas que têm interesses comuns frente aos Estados Unidos. Para os três países restantes, cooperar com as grandes potências emergentes é um meio de ganhar legitimidade para suas ambições regionais e construir um mundo multipolar no qual não sejam obrigados à obediência inquestionável aos EUA.

Na esteira da crise econômica de 2008, o BRICS pretende participar da gestão da economia global. A criação do Novo Banco de Desenvolvimento na VI Cúpula, em Fortaleza, Ceará, em julho de 2014, é uma tentativa do BRICS de promover a estabilidade financeira global evitando as instituições da hegemonia estadunidense, como o FMI. Além do banco, que deve financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável no sul global, os líderes criaram em Fortaleza um Arranjo Contingente de Reservas, um fundo que deve ser usado para apoio mútuo entre os BRICS em caso de dificuldades financeiras (BRASIL, 2014). Há ainda a intenção de se implementar uma agência de rating do grupo, como contraponto a atual hegemonia de empresas estadunidenses no setor (OPERA MUNDI, 2015). Além dessas iniciativas coletivas, há outras unilaterais ou bilaterais entre os países do grupo que tentam balancear a predominância de instituições estadunidenses. Notavelmente, a China está desenvolvendo um conjunto de instituições

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análogas às ocidentais, de fóruns de diálogo a agências de rating, o que já ganhou o apelido de “ordem paralela da China” (STUENKEL, 2014).

Na área de segurança internacional, após a consolidação dos BRICS, reafirmou-se que a unipolaridade, se existiu, foi um sonho breve. Em oposição à política externa estadunidense de pressão pelo avanço da OTAN em direção à Rússia, este país dá diversas demonstrações de autonomia. O pós-Guerra Fria passou por várias crises no entorno estratégico russo cuja característica marcante é a atuação ocidental em territórios tradicionalmente ligados à segurança russa. Foram as crises da Tchetchênia, Kosovo, Geórgia e, mais recentemente, da Ucrânia, que marcaram a reação russa à expansão da zona de influência ocidental (PICCOLLI, 2012). Por outro lado, a tentativa estadunidense de conter a China pelo Pacífico gerou uma reação deste país. A China tem aprofundado seus laços diplomáticos com seus vizinhos, os investimentos de infraestrutura para a integração regional e passa por uma cada vez mais avançada modernização militar (REIS, 2013).

Nesse contexto, os limites do comando dos comuns estadunidense são testados pela presença cada vez mais intensa de unidades militares russas e chinesas nos espaços comuns do globo. A principal consequência é um encontro cada vez mais comum entre caças dessas forças, principalmente no Pacífico (WHITLOCK, 2014).

5 CONCLUSÃO O fim da Guerra Fria, com a vitória dos Estados Unidos, deu origem ao momento de maior preponderância deste no sistema internacional. Uma grande expansão da globalização comercial permitiu que novos competidores surgissem no campo econômico, deslocando o centro dinâmico da indústria mundial para a semiperiferia. A perda de peso relativa da economia estadunidense coincidiu com um abuso do unilateralismo deste país, que prejudicou ainda mais sua economia com gastos desnecessários nas guerras do Iraque e do Afeganistão. A crise econômica mundial de 2008 acelerou o processo de tomada de protagonismo dos BRICS como agentes da política global.

A intermitente (re)construção da ordem mundial exige, agora, a participação dos BRICS. Líderes em suas regiões, esses países continuarão a defender sua soberania regional na construção de um mundo multipolar. A governança das finanças globais, tão necessária num mundo que ainda não saiu completamente da crise, será cada vez mais pautada pela atuação desses países, seja pelas suas instituições como o Banco dos BRICS, seja pela sua atuação em negociações multilaterais. A competitividade econômica e a

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inovação tecnológica garantem aos emergentes uma posição cada vez mais privilegiada na divisão internacional do trabalho. Seu poder militar, a cada dia que passa, se torna mais evidente, trazendo novas opções de aliança e alinhamento para uma série de nações que, no passado recente, eram fortemente condicionadas pela política externa estadunidense. O principal desafio dos BRICS, que é o mesmo de todas as potências, será o de contribuírem para a construção de um mundo multipolar que dê condições para a prosperidade e a paz entre as nações.

ABSTRACT This article seeks to analyze the historical development that allowed the emergence of the BRICS countries: Brazil, Russia, India, China and South Africa. For this purpose, an historical analysis of the most important changes in the international system of states is done, paying special attention to the end of Cold War’ bipolar world, the United States unipolar moment in the 1990’s and the come out of a multipolar world in the new millennium’s first decade. The relevant economic and political developments are taken into account as important facts to BRICS Group materialization. The BRICS countries are critical in the building of a multipolar world with new institutions of global governance, in which they may be leading characters.

Keywords: BRICS; international system of states; multipolarity; emerging countries.

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inovação tecnológica garantem aos emergentes uma posição cada vez mais privilegiada na divisão internacional do trabalho. Seu poder militar, a cada dia que passa, se torna mais evidente, trazendo novas opções de aliança e alinhamento para uma série de nações que, no passado recente, eram fortemente condicionadas pela política externa estadunidense. O principal desafio dos BRICS, que é o mesmo de todas as potências, será o de contribuírem para a construção de um mundo multipolar que dê condições para a prosperidade e a paz entre as nações.

ABSTRACT This article seeks to analyze the historical development that allowed the emergence of the BRICS countries: Brazil, Russia, India, China and South Africa. For this purpose, an historical analysis of the most important changes in the international system of states is done, paying special attention to the end of Cold War’ bipolar world, the United States unipolar moment in the 1990’s and the come out of a multipolar world in the new millennium’s first decade. The relevant economic and political developments are taken into account as important facts to BRICS Group materialization. The BRICS countries are critical in the building of a multipolar world with new institutions of global governance, in which they may be leading characters.

Keywords: BRICS; international system of states; multipolarity; emerging countries.

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE) ISSN: 2318-9390 | V. 2, 2015 | P. 33–57

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DAS ORIGENS AO MODELO ATUAL: A ASCENSÃO DA REPÚBLICA POPULAR DA

CHINA E SEU PAPEL NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

FROM ITS ORIGINS TO THE CURRENT MODEL: THE RISE OF THE PEOPLE'S REPUBLIC OF CHINA AND ITS ROLE IN THE

INTERNATIONAL RELATIONS

Henrique Gomes Acosta1 Júlia Oliveira Rosa1

Karina Ruiz1

RESUMO A República Popular da China emerge no século XXI como uma das grandes forças econômicas e políticas das últimas décadas, oferecendo um modelo alternativo de desenvolvimento. O artigo aborda os aspectos históricos que levaram à formação do país que apresenta um socialismo com características específicas, do Império, à guerra civil e reformas nos anos 80. Ao analisar a sua excepcionalidade, tenta-se abordar quais lições o modelo de desenvolvimento e desafios securitários podem trazer ao Brasil.

Palavras-chave: China; República Popular da China; BRICS; comunismo; modelo de desenvolvimento.

1 INTRODUÇÃO Apesar de todos os países do BRICS possuírem consideráveis dimensões territoriais, imensa população e PIB elevado, a China destaca-se dos demais em todos estes quesitos. É o quarto maior país do mundo, com 9,5 milhões de km², e, no âmbito dos BRICS, só fica atrás da Rússia em dimensão territorial. É o Estado mais populoso do planeta, com 1,3 bilhão de habitantes. Ainda, é a segunda maior economia global, somente atrás dos Estados Unidos (EUA).

1 Graduandos em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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A antiguidade milenar de sua civilização fez com que a China fosse, desde há muito tempo, o epicentro da Ásia (VISENTINI, 2013, p. 11). E, se para qualquer país a geopolítica importa para as decisões e alianças da política externa, ela é fundamental para a China: o país faz fronteira com 14 outros países. Ou seja: assim como o Brasil, a China precisa pensar a sua política externa como interligada à dos seus países vizinhos. E, também como o Brasil, o território chinês sofre de um vazio territorial próximo a essas fronteiras, concentrando as principais cidades e contingente populacional no litoral, de forma que a estabilidade de seus vizinhos é essencial para a garantia da segurança do território.

Desta feita, o objetivo deste artigo é investigar o passado histórico e o presente, em suas facetas econômicas, políticas e sociais, deste país em franco processo de modernização e desenvolvimento. A China de hoje pode ser considerada um dos polos em ascensão no sistema internacional e compreendê-la minimamente é indispensável para o entendimento não somente dos outros membros dos BRICS, mas também do mundo como um todo.

2 O MANDATO DO CÉU, A FORMAÇÃO DO ESTADO CHINÊS E A GUERRA CIVIL A República Popular da China é uma criação recente, datando de 1949. A civilização chinesa, por sua vez, possui quatro mil anos de história. A tentativa de compreensão da história da formação do Estado chinês e da sua política externa perpassa pelo conceito que, durante boa parte da história chinesa, permeou as relações entre Estado e sociedade: o de Mandato do Céu. De acordo com este conceito, o governo possuía uma legitimação celestial para fazer a mediação entre a natureza e o povo—e era preciso honrá-lo (CHESNEAUX e BASTID, 1972, p. 4). Assim, o conceito servia como um termômetro do sucesso daquele governo em salvaguardar os interesses dos seus súditos e o crescimento da nação: em épocas difíceis, sejam elas causadas por fome, doenças, guerras ou pouco crescimento, o Mandato era questionado e por vezes até revogado. Desse modo, também a revolta social tinha a sua própria legitimação no Mandato do Céu, a partir desse poder de mediação (CHESNEAUX e BASTID, 1972).

Outra noção fundamental que complementava o conceito de Mandato do Céu era a de tianxia, que no mandarim significa “tudo sob o céu”. Isso é: legitimado por um Mandato do Céu, o Imperador governava tudo sob o céu, possuindo, pelo bem maior de construir uma grande nação (permeado por uma visão de sinocentrismo), uma carta branca para agir (CHESNEAUX e

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A antiguidade milenar de sua civilização fez com que a China fosse, desde há muito tempo, o epicentro da Ásia (VISENTINI, 2013, p. 11). E, se para qualquer país a geopolítica importa para as decisões e alianças da política externa, ela é fundamental para a China: o país faz fronteira com 14 outros países. Ou seja: assim como o Brasil, a China precisa pensar a sua política externa como interligada à dos seus países vizinhos. E, também como o Brasil, o território chinês sofre de um vazio territorial próximo a essas fronteiras, concentrando as principais cidades e contingente populacional no litoral, de forma que a estabilidade de seus vizinhos é essencial para a garantia da segurança do território.

Desta feita, o objetivo deste artigo é investigar o passado histórico e o presente, em suas facetas econômicas, políticas e sociais, deste país em franco processo de modernização e desenvolvimento. A China de hoje pode ser considerada um dos polos em ascensão no sistema internacional e compreendê-la minimamente é indispensável para o entendimento não somente dos outros membros dos BRICS, mas também do mundo como um todo.

2 O MANDATO DO CÉU, A FORMAÇÃO DO ESTADO CHINÊS E A GUERRA CIVIL A República Popular da China é uma criação recente, datando de 1949. A civilização chinesa, por sua vez, possui quatro mil anos de história. A tentativa de compreensão da história da formação do Estado chinês e da sua política externa perpassa pelo conceito que, durante boa parte da história chinesa, permeou as relações entre Estado e sociedade: o de Mandato do Céu. De acordo com este conceito, o governo possuía uma legitimação celestial para fazer a mediação entre a natureza e o povo—e era preciso honrá-lo (CHESNEAUX e BASTID, 1972, p. 4). Assim, o conceito servia como um termômetro do sucesso daquele governo em salvaguardar os interesses dos seus súditos e o crescimento da nação: em épocas difíceis, sejam elas causadas por fome, doenças, guerras ou pouco crescimento, o Mandato era questionado e por vezes até revogado. Desse modo, também a revolta social tinha a sua própria legitimação no Mandato do Céu, a partir desse poder de mediação (CHESNEAUX e BASTID, 1972).

Outra noção fundamental que complementava o conceito de Mandato do Céu era a de tianxia, que no mandarim significa “tudo sob o céu”. Isso é: legitimado por um Mandato do Céu, o Imperador governava tudo sob o céu, possuindo, pelo bem maior de construir uma grande nação (permeado por uma visão de sinocentrismo), uma carta branca para agir (CHESNEAUX e

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BASTID, 1972). Essa noção da teoria política chinesa data do período dos Qin (221 a.C.—206 a.C.), que foi antecedido por duzentos anos que ficaram conhecidos como o Período dos Estados Combatentes devido ao caráter extremamente violento que tomou a unificação territorial da nação.

Segundo Samir Amin (2010), a China teria alcançado a Modernidade antes da Europa. Enquanto civilização tributária,2 teve, desde a antiguidade, uma preocupação com o campesinato e a distribuição de terra diferente do sistema feudal europeu. Mais do que isso, a China foi o modelo de “racionalidade administrativa”, com o acesso ao serviço público pelo difícil concurso para tornar-se mandarim—provavelmente a única maneira de ascender socialmente. Além disso, o Estado chinês sempre precisou de certa centralização autoritária para garantir a produção agrícola, principalmente no desenvolvimento tecnológico e implantação de um sistema de irrigação complexo, para conter as cheias (AMIN, 2010; VISENTINI, 2013).3

Outro ponto a ser destacado na formação da sociedade e Estado chineses é a questão religiosa. A sociedade chinesa, com a conquista de novos territórios e a chegada de estrangeiros, incorporou o budismo, o islamismo e o taoísmo às suas crenças, fortemente baseadas no culto aos antepassados—característica que nunca foi abandonada. Contudo, não é possível verificar um caráter de devoção à religião na sociedade chinesa, que, segundo Amin (2010, p. 48), abandonou o budismo já na Dinastia Ming (1368-1644). De qualquer maneira, os ensinamentos filosóficos de Confúcio certamente foram o conjunto de normas que permeou boa parte da Antiga China, fazendo parte das provas do mandarinato e de valor ao coletivo acima do indivíduo (VISENTINI, 2013, p. 14).

O período imperial na China inicia-se em 221 a.C., mas seu auge será durante a Dinastia Han, em 202 a.C, com a expansão territorial para o sul. Ainda hoje a etnia han é a esmagadora maioria entre as 55 existentes no país e o idioma oficial é o hanyu (mandarim). Outras dinastias importantes a serem destacadas são a mongol, durante o século XIII, que iniciou uma longa parceria

2 De modo geral, a civilização tributária é um sistema em que um Estado exerce controle sobre

uma periferia de outros Estados, de maneira hierárquica. Havia um reconhecimento da superioridade daquele Estado central, nesse caso, a China. Fonte: REIS, João Arthur da S. ASEAN Way: o Conteúdo Ético da Integração Asiática. Revista Perspectiva. Porto Alegre, ano 5, nº9, ago/set, 2012. Disponível em: http://issuu.com/75733/docs/perspectiva_-_2013_-_9___edi____o

3 As cheias eram decorrentes principalmente do Rio Amarelo, o segundo rio mais longo da China e que foi o berço da civilização chinesa. Até que o famoso sistema de barragens e aquedutos fossem construídos, o solo do Rio Amarelo era extremamente maleável e o rio ainda recebia água das geleiras que derretiam na Mongólia, no verão.

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chinesa com os viajantes ocidentais, como Marco Polo, pela Rota da Seda;4 os Ming, que vieram logo em seguida, marcaram um período de intensos conflitos fronteiriços e fim da expansão marítima em meados de 1430 (SENISE, 2008); e, por fim, a Dinastia Qing (1644-1911), um governo da etnia manchu,5 que estabeleceu a capital em Pequim e aboliu a ideia de que a China era somente para a maioria han (SPENCE, 2000).

Durante os quase trezentos anos do governo Qing, a China passou por diversas transformações—e profundas crises. Foi no início desse período que ocorreu a incorporação dos territórios das extremidades da China, como a Coreia, Mongólia, Vietnã, Tibete e o Xinjiang (no extremo oeste), além de grande prosperidade econômica (SPENCE, 2000; SENISE, 2008). Mais do que isso, é preciso deixar claro que a China não buscou o domínio além dos territórios próximos, mantendo as relações com os vizinhos em troca do reconhecimento do status especial chinês e de parcerias comerciais, segundo Kissinger (2011, p. 34-35). Com a busca de mercados causada pela Revolução Industrial na Europa e nos Estados Unidos, surge uma ameaça ao modelo tributário que pressionou a abertura da China e foi concomitante a diversos problemas internos (houve crise demográfica, monetária, migrações e levantes no campo) ao final do governo do Imperador Qianlong (1736-1796): o Mandato do Céu parecia estar expirando.

Desde meados do século XVIII, a China vinha implantando uma série de medidas de isolamento em relação ao Ocidente. Algumas dessas atitudes eram de caráter comercial, especialmente no controle alfandegário em Cantão (que era porto aberto), mas também havia restrições quanto a atuação de missões religiosas (SENISE, 2008). A política de isolamento era uma autodefesa do sistema político e social do Império, principalmente pelos resultados do domínio britânico na Índia. O tráfico de ópio indiano ao país, iniciado na década de 1820 por intermédio dos comerciantes ingleses, logo se tornou um sério problema comercial pela fuga da moeda causada por, em 1837, 57% das importações chinesas serem da droga. O problema era social e político, a partir de quando o consumo estendeu-se a diferentes classes. O vício afetou ostensivamente os mandarins e generais do Império e, por sua vez, a eficiência dos serviços públicos e a organização social do país (CHESNEAUX e BASTID, 1972, p. 59-60).

4 A Rota da Seda foi um caminho comercial por terra que ligava o Extremo Oriente até o Mar

Mediterrâneo. A Rota teve um importante papel na difusão de produtos, como especiarias e a própria seda, além de interligar diferentes povos e culturas ao longo dos anos.

5 O povo manchu tem sua origem na região da Manchúria, próximo à península coreana. Os manchus são um dos principais (e maiores) grupos étnicos da China.

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chinesa com os viajantes ocidentais, como Marco Polo, pela Rota da Seda;4 os Ming, que vieram logo em seguida, marcaram um período de intensos conflitos fronteiriços e fim da expansão marítima em meados de 1430 (SENISE, 2008); e, por fim, a Dinastia Qing (1644-1911), um governo da etnia manchu,5 que estabeleceu a capital em Pequim e aboliu a ideia de que a China era somente para a maioria han (SPENCE, 2000).

Durante os quase trezentos anos do governo Qing, a China passou por diversas transformações—e profundas crises. Foi no início desse período que ocorreu a incorporação dos territórios das extremidades da China, como a Coreia, Mongólia, Vietnã, Tibete e o Xinjiang (no extremo oeste), além de grande prosperidade econômica (SPENCE, 2000; SENISE, 2008). Mais do que isso, é preciso deixar claro que a China não buscou o domínio além dos territórios próximos, mantendo as relações com os vizinhos em troca do reconhecimento do status especial chinês e de parcerias comerciais, segundo Kissinger (2011, p. 34-35). Com a busca de mercados causada pela Revolução Industrial na Europa e nos Estados Unidos, surge uma ameaça ao modelo tributário que pressionou a abertura da China e foi concomitante a diversos problemas internos (houve crise demográfica, monetária, migrações e levantes no campo) ao final do governo do Imperador Qianlong (1736-1796): o Mandato do Céu parecia estar expirando.

Desde meados do século XVIII, a China vinha implantando uma série de medidas de isolamento em relação ao Ocidente. Algumas dessas atitudes eram de caráter comercial, especialmente no controle alfandegário em Cantão (que era porto aberto), mas também havia restrições quanto a atuação de missões religiosas (SENISE, 2008). A política de isolamento era uma autodefesa do sistema político e social do Império, principalmente pelos resultados do domínio britânico na Índia. O tráfico de ópio indiano ao país, iniciado na década de 1820 por intermédio dos comerciantes ingleses, logo se tornou um sério problema comercial pela fuga da moeda causada por, em 1837, 57% das importações chinesas serem da droga. O problema era social e político, a partir de quando o consumo estendeu-se a diferentes classes. O vício afetou ostensivamente os mandarins e generais do Império e, por sua vez, a eficiência dos serviços públicos e a organização social do país (CHESNEAUX e BASTID, 1972, p. 59-60).

4 A Rota da Seda foi um caminho comercial por terra que ligava o Extremo Oriente até o Mar

Mediterrâneo. A Rota teve um importante papel na difusão de produtos, como especiarias e a própria seda, além de interligar diferentes povos e culturas ao longo dos anos.

5 O povo manchu tem sua origem na região da Manchúria, próximo à península coreana. Os manchus são um dos principais (e maiores) grupos étnicos da China.

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As revoltas no campo (lideradas por sociedades secretas que serviam como o principal modo de organização contra o governo e de forma bastante hierarquizada criavam futuros líderes de oposição), a falta de resultados das políticas governamentais para conter o tráfico e a tensão crescente fizeram jus ao fim do Mandato do Céu de Jiaqing. Contudo, a crise também tinha um caráter externo, conforme dito acima, com as nações capitalistas pressionando para um novo tipo de desenvolvimento da China (CHESNEAUX e BASTID, 1972; SENISE, 2008).

A abertura econômica forçada pela Grã-Bretanha culminou na Primeira Guerra do Ópio (1839-1842). Os principais resultados do conflito foram o Tratado de Nanquim (o primeiro dos Tratados Desiguais), que forçou a abertura dos portos chineses aos mercadores estrangeiros, além da perda de Hong Kong (VISENTINI, 2013). De um modo mais geral, a guerra—que contou com uma ampla mobilização rural contra os estrangeiros—afetou o modo como os chineses se relacionavam com o Ocidente, como se enxergavam enquanto Império e sua atuação no mundo (CHESNEAUX e BASTID, 1972). O ópio, por sua vez, não parou de circular, a população aumentava e a fome também. Isso convergiu para um ódio crescente aos manchus, que mantinham-se no poder com apoio estrangeiro, para que os tratados fossem cumpridos (SENISE, 2008).

A Rebelião Taiping, que iniciou em 1850, estremeceu os fundamentos do Império ao introduzir uma ideia de igualdade em uma sociedade profundamente hierárquica. Organizado por um messias, Hong Xiuquan, havia um certo ideário cristão nas suas pretensões. O grande diferencial dos Taiping no contexto histórico foi trazerem a discussão de igualdade, uma semente da luta de classes que florescia na Europa e que abalou o que se pensava na China em termos de ideologia (MARTINS, 2012, p. 97-98). Os rebeldes chegaram a criar um governo próprio em Nanquim, estabelecendo direitos iguais para ambos os sexos, reforma agrária e outras políticas. Contudo, o movimento fracassou, derrotado por uma coligação de forças imperiais e mandarins, com ajuda estrangeira (SENISE, 2008). A rebelião, que durou até 1864 e na qual morreram cerca de 20 milhões de pessoas, também se inseriu no período em que ocorreu a Segunda Guerra do Ópio (1856-1860).

A Segunda Guerra do Ópio iniciou-se com uma disputa com a Grã-Bretanha após um incidente com um navio da sua frota. Por perder, novamente a China foi obrigada a assinar tratados que aumentavam o poder estrangeiro, tanto dos ingleses, quanto da França e da Rússia—que inclusive logrou o território estratégico da Manchúria, ao norte da península coreana. A fraqueza do governo dos Qing contribuiu para movimentos antimanchu dos anos seguintes. Houve tentativas de reformas, que pretendiam revitalizar

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a Dinastia, os mandarins e o exército, principais desacreditados pelas guerras do ópio (SENISE, 2008; CHESNEAUX e BASTID, 1972).

Nesse meio tempo, começou a segunda fase da Revolução Industrial, que incluiu Japão e Alemanha na disputa imperialista. A Restauração Meiji, no Japão, iniciou uma série de transformações com o fim do sistema político do xogunato, que incluiu o início de um processo de expansão para o continente. Com a invasão da Coreia, inicia a Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894-95), resultando na perda daquele território e da ilha da Formosa (atualmente Taiwan). Logo depois, a China envolveu-se num projeto de reforma interna, conhecida como a Reforma dos Cem Dias (1898), que fracassou (CHESNEAUX e BASTID, 1972; VISENTINI, 2013).

Enquanto o nacionalismo das sociedades secretas aumentava, as potências estrangeiras possuíam maior margem de manobra dentro do país enfraquecido pelas demandas por reformas. Era o início do esfacelamento do modelo imperial chinês. Em 1908, morre a Imperatriz Cixi e a China passa a ser governada por mandarins. A pressão externa aumenta junto com novas rebeliões e surgem lideranças ao redor do país. Assim, em 1911, o Dr. Sun Yat-Sen, um profissional liberal da classe média, proclamou a República da China durante a Revolução Xinhai (VISENTINI, 2013), e, no ano seguinte, fundou o Partido Nacional (Kuomintang ou KMT). Todavia, essa proclamação não foi suficiente para aplacar os ânimos da população—que exigia reformas no modelo político—e a disputa pelo poder entre conservadores e reformistas. A ascensão dos chamados “senhores da guerra”—líderes militares das províncias, que haviam recebido poder dos Qing—torna a república meramente nominal, após Sun Yat-Sen ser expulso da China.

Em 1914 a Primeira Guerra Mundial viria acirrar a disputa entre as grandes potências. O Japão sairia vencedor, transformando a China quase em uma colônia, enquanto a presença europeia se reduzia no extremo oriente da Ásia. A Revolução Russa, em 1917, traria mudanças ao cenário asiático: os sovietes passariam a auxiliar financeiramente o movimento comunista na China. Em 1919, surge o Movimento de Quatro de Maio—a partir de protestos pelo domínio japonês de territórios chineses após as negociações do Tratado de Versalhes (1919), os protestantes concordam nos Três Princípios do Povo: nacionalismo, democracia e socialismo. Esse Movimento que desencadearia a fundação do Partido Comunista Chinês (PCCh) em 1921 (VISENTINI, 2013; MARTINS, 2012).

Sob orientação soviética, em 1923 os comunistas aliam-se aos nacionalistas do KMT, formando a Primeira Frente Única, para enfrentar os senhores da guerra. A participação soviética na construção do novo Estado chinês permeou os próximos anos, com um importante destaque na criação da

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a Dinastia, os mandarins e o exército, principais desacreditados pelas guerras do ópio (SENISE, 2008; CHESNEAUX e BASTID, 1972).

Nesse meio tempo, começou a segunda fase da Revolução Industrial, que incluiu Japão e Alemanha na disputa imperialista. A Restauração Meiji, no Japão, iniciou uma série de transformações com o fim do sistema político do xogunato, que incluiu o início de um processo de expansão para o continente. Com a invasão da Coreia, inicia a Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894-95), resultando na perda daquele território e da ilha da Formosa (atualmente Taiwan). Logo depois, a China envolveu-se num projeto de reforma interna, conhecida como a Reforma dos Cem Dias (1898), que fracassou (CHESNEAUX e BASTID, 1972; VISENTINI, 2013).

Enquanto o nacionalismo das sociedades secretas aumentava, as potências estrangeiras possuíam maior margem de manobra dentro do país enfraquecido pelas demandas por reformas. Era o início do esfacelamento do modelo imperial chinês. Em 1908, morre a Imperatriz Cixi e a China passa a ser governada por mandarins. A pressão externa aumenta junto com novas rebeliões e surgem lideranças ao redor do país. Assim, em 1911, o Dr. Sun Yat-Sen, um profissional liberal da classe média, proclamou a República da China durante a Revolução Xinhai (VISENTINI, 2013), e, no ano seguinte, fundou o Partido Nacional (Kuomintang ou KMT). Todavia, essa proclamação não foi suficiente para aplacar os ânimos da população—que exigia reformas no modelo político—e a disputa pelo poder entre conservadores e reformistas. A ascensão dos chamados “senhores da guerra”—líderes militares das províncias, que haviam recebido poder dos Qing—torna a república meramente nominal, após Sun Yat-Sen ser expulso da China.

Em 1914 a Primeira Guerra Mundial viria acirrar a disputa entre as grandes potências. O Japão sairia vencedor, transformando a China quase em uma colônia, enquanto a presença europeia se reduzia no extremo oriente da Ásia. A Revolução Russa, em 1917, traria mudanças ao cenário asiático: os sovietes passariam a auxiliar financeiramente o movimento comunista na China. Em 1919, surge o Movimento de Quatro de Maio—a partir de protestos pelo domínio japonês de territórios chineses após as negociações do Tratado de Versalhes (1919), os protestantes concordam nos Três Princípios do Povo: nacionalismo, democracia e socialismo. Esse Movimento que desencadearia a fundação do Partido Comunista Chinês (PCCh) em 1921 (VISENTINI, 2013; MARTINS, 2012).

Sob orientação soviética, em 1923 os comunistas aliam-se aos nacionalistas do KMT, formando a Primeira Frente Única, para enfrentar os senhores da guerra. A participação soviética na construção do novo Estado chinês permeou os próximos anos, com um importante destaque na criação da

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Academia Militar de Whampoa, em 1924, onde se formaram diversos membros do Partido Comunista Chinês e do KMT. Com a morte do líder Sun Yat-Sen em 1925 surge um vácuo de poder no KMT, que marca o início da separação entre os nacionalistas e os comunistas. Aquele que era o braço direito de Sun Yat-Sen, o General Chiang Kai-Shek assume o KMT após uma disputa interna e lidera o expurgo e massacre aos comunistas, concomitantemente a uma pesada repressão às revoltas populares. Em reação, é criado pelo PCCh, em 1927, o Exército de Libertação Popular, que foi um importante elemento na mobilização dos campesinos contra os nacionalistas, devido ao seu caráter de empoderamento com o treinamento militar.

Em 1931, o Japão—com uma economia quebrada após a crise de 1929 e pressionado pelas maiores economias do mundo—invade o território da Manchúria, rico em recursos naturais, numa posição estratégica de proximidade com a capital Pequim. Assim, cria-se o reino fantoche do Manchukuo, com um governo da antiga Dinastia Qing, que era subjugado pelo Japão e com forte presença militar japonesa (VISENTINI, 2013). Sob forte perseguição dos nacionalistas, o Partido Comunista Chinês inicia, em 1934, o que será conhecida como a Longa Marcha, em direção ao interior do continente e ao norte. A Longa Marcha será a plataforma de lançamento da carreira de Mao Zedong dentro do Partido Comunista, trazendo a população rural—a principal força dentro do país—para a revolução. Por isso, a reforma agrária serve como base para a mobilização popular e a formulação do conceito de guerra popular prolongada6—uma estratégia criada por Mao—será essencial para o sucesso do PCCh nos anos que se seguiram.

A guerra total entre os dois países deu-se a partir de 1937, quando o Japão tomou Pequim, Xangai, Nanquim e Tianjin (SELISE, 2008). Ambos os lados receberam apoio de outras nações, que por sua vez, também precisavam decidir entre apoiar o KMT ou os comunistas. A prioridade do KMT era combater os japoneses, enquanto o Partido Comunista insistia numa guerra em duas frentes—contra os estrangeiros e contra os nacionalistas. Os dois partidos uniram-se, percebendo a ameaça japonesa, criando a Segunda Frente

6 A guerra popular prolongada (no inglês protracted People’s war) foi um conceito apresentado em

1938, por Mao Zedong e que confia amplamente no apoio massivo da população, na guerrilha e no desgaste do inimigo. Separa-se em três momentos: a defensiva estratégica, o equilíbrio estratégico e a contraofensiva. O seu modelo de guerra revolucionária influenciou os comunistas no Vietnã e na Índia, além de servir como exemplo para movimentos revolucionários ao redor do mundo. Fonte: PEDROSA, Fernando V.G. A Estratégia da Guerra Popular Prolongada de Mao Zedong e o Caso da Guerra de Independência do Vietnã. Apresentado no XXXVII International Congresso of Military History, em 28 Ago 2011, na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, no Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.eceme.ensino.eb.br/cihm/Arquivos/PDF%20Files/18.pdf>

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Única Revolucionária, realizando diversos boicotes econômicos aos produtos japoneses. Entretanto esse arranjo só durou até o fim da Segunda Guerra Mundial e a subsequente derrota do Japão em 1945 (VISENTINI, 2013; SPENCE, 2000).

3 A CHINA COMUNISTA, AS TENSÕES INTERNAS E OS REALINHAMENTOS DIPLOMÁTICOS

Uma vez finalizada a II Guerra Mundial e derrotados os japoneses, o KMT passou a dedicar-se integralmente à tarefa de eliminar o PCCh. Em 1946 e 1947, Chiang Kai-Shek desencadeou uma série de ofensivas que lhe garantiram o controle sobre as principais cidades e as vias de comunicação chinesas. Todavia, o crescente apoio das massas camponesas aos comunistas e seu fortalecimento do ponto de vista militar foram claramente subestimados. Na prática, o uso da retórica anticomunista como instrumento ideológico de dominação japonesa havia permitido a associação—por parcela significativa da população chinesa—do discurso comunista ao anticolonialismo (ZUCATTO

ET AL, 2013, p. 34). Desta forma, o PCCh, vinculado a um sentimento nacionalista, ganhou força no mundo rural e camponês, “cercando” os domínios do KMT.

Em 1948, Mao Zedong avançou para o Sul e conquistou algumas cidades importantes em mais um episódio de sua longa guerra de guerrilha, dando concretude à sua previsão de que o campo cercaria a cidade para depois conquistá-la (HOBSBAWM, 1995, p. 86). A seguir, com a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em abril de 1949, a União Soviética (URSS) decidiu apoiar política e materialmente a revolução chinesa e, assim, deu o impulso final que faltava para o PCCh derrotar o KMT e expulsar Chiang Kai-Shek para Taiwan (VISENTINI, 2013, p. 18-19). Em 1º de outubro de 1949, Mao Zedong proclamou a República Popular da China, dando fim a 110 anos de rebeliões, revoluções, guerras civis e invasões estrangeiras.

Antes mesmo da proclamação da vitória comunista, realizou-se a primeira Conferência Consultiva do Povo, que estabeleceu quatro eixos que norteiam a política do país até os dias atuais: (i) a instauração de uma “ditadura democrática”, isto é, uma fórmula que permitisse o desenvolvimento da produção—contando, para tal, com o proletariado, o campesinato, a pequena burguesia e mesmo a parcela da burguesia nacional que se submetera à direção do PCCh—e a instituição e o reconhecimento de direitos, como a reforma agrária, a proteção às minorias e o direito das mulheres à igualdade, em combinação com a repressão à contrarrevolução; (ii) o controle e o desenvolvimento da economia para estabelecer a centralização

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Única Revolucionária, realizando diversos boicotes econômicos aos produtos japoneses. Entretanto esse arranjo só durou até o fim da Segunda Guerra Mundial e a subsequente derrota do Japão em 1945 (VISENTINI, 2013; SPENCE, 2000).

3 A CHINA COMUNISTA, AS TENSÕES INTERNAS E OS REALINHAMENTOS DIPLOMÁTICOS

Uma vez finalizada a II Guerra Mundial e derrotados os japoneses, o KMT passou a dedicar-se integralmente à tarefa de eliminar o PCCh. Em 1946 e 1947, Chiang Kai-Shek desencadeou uma série de ofensivas que lhe garantiram o controle sobre as principais cidades e as vias de comunicação chinesas. Todavia, o crescente apoio das massas camponesas aos comunistas e seu fortalecimento do ponto de vista militar foram claramente subestimados. Na prática, o uso da retórica anticomunista como instrumento ideológico de dominação japonesa havia permitido a associação—por parcela significativa da população chinesa—do discurso comunista ao anticolonialismo (ZUCATTO

ET AL, 2013, p. 34). Desta forma, o PCCh, vinculado a um sentimento nacionalista, ganhou força no mundo rural e camponês, “cercando” os domínios do KMT.

Em 1948, Mao Zedong avançou para o Sul e conquistou algumas cidades importantes em mais um episódio de sua longa guerra de guerrilha, dando concretude à sua previsão de que o campo cercaria a cidade para depois conquistá-la (HOBSBAWM, 1995, p. 86). A seguir, com a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em abril de 1949, a União Soviética (URSS) decidiu apoiar política e materialmente a revolução chinesa e, assim, deu o impulso final que faltava para o PCCh derrotar o KMT e expulsar Chiang Kai-Shek para Taiwan (VISENTINI, 2013, p. 18-19). Em 1º de outubro de 1949, Mao Zedong proclamou a República Popular da China, dando fim a 110 anos de rebeliões, revoluções, guerras civis e invasões estrangeiras.

Antes mesmo da proclamação da vitória comunista, realizou-se a primeira Conferência Consultiva do Povo, que estabeleceu quatro eixos que norteiam a política do país até os dias atuais: (i) a instauração de uma “ditadura democrática”, isto é, uma fórmula que permitisse o desenvolvimento da produção—contando, para tal, com o proletariado, o campesinato, a pequena burguesia e mesmo a parcela da burguesia nacional que se submetera à direção do PCCh—e a instituição e o reconhecimento de direitos, como a reforma agrária, a proteção às minorias e o direito das mulheres à igualdade, em combinação com a repressão à contrarrevolução; (ii) o controle e o desenvolvimento da economia para estabelecer a centralização

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política e um sistema tributário nacional unificado; (iii) a recuperação da soberania sobre os territórios chineses perdidos, como Hong Kong, Macau e, fundamentalmente, Taiwan, reduto do KMT após sua derrota; e (iv) o estabelecimento enquanto potência independente e não alinhada (MARTINS, 2013, p. 103-105; ROBERTS, 2012, p. 357-360).

Os chineses eram, até 1949, os principais parceiros dos EUA na Ásia Oriental e no Pacífico. No entanto, os estadunidenses cometeram o equívoco de apostar na vitória do KMT tanto na guerra civil quanto na resistência ao Japão e, assim, os comunistas chineses vitoriosos logo passaram para a esfera de influência da URSS, que fornecia apoio financeiro e técnico para o PCCh (ZUCATTO ET AL, 2013, p. 35). Ao mesmo tempo, a URSS reconhecia o governo nacionalista do KMT e colocava tropas na região nordeste do território chinês, perto da Manchúria (KISSINGER, 2011, p. 100). A perda de seu aliado mais importante na região impactou a estratégia estadunidense em um contexto de acirramento da Guerra Fria. O regime socialista não obteve reconhecimento dos norte-americanos, ao passo que a República da China de Chiang Kai-Chek, instalada em Taiwan, não somente continuou a ser reconhecida pela maior parte da comunidade internacional como também manteve assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Deste modo, o reconhecimento diplomático da China Popular foi quase que limitado aos Estados do bloco socialista que aos poucos se formava e a outros países do Terceiro Mundo, como a vizinha Índia (VISENTINI, 2013, p. 18-19).7

A Guerra da Coreia (1950-1953), na qual a China confrontou-se diretamente com os EUA, foi importante para a concretização da aliança sino-soviética. Neste conflito, os chineses foram alvo da chamada chantagem nuclear pelos EUA, isto é, foram ameaçados com o uso direto de armas nucleares contra o seu território (YAO, 2009, p. 69). Este fato, que viria a repetir-se em ao menos outras quatro oportunidades até 1958, influenciou grandemente a decisão chinesa de desenvolver um programa nuclear militar, que teve início em 1954 após a primeira crise do Estreito de Taiwan,8 quando mais uma vez os estadunidenses fizeram uso da chantagem nuclear contra Pequim (MARTINS, 2013, p. 108).

7 A partir de 1955, o relacionamento sino-indiano seria prejudicado em função de atritos

relacionados à ajuda soviética à Índia. Em 1962, houve inclusive um conflito militarizado de fronteira entre chineses e indianos.

8 A primeira crise do Estreito de Taiwan consistiu em uma disputa pelas ilhotas de Jinmen e Mazu, ocupadas por Taiwan em 1954. Após o início das hostilidades, o governo dos EUA enviou a VII Frota da Marinha do país para a região e, assim, submeteu Taiwan à proteção estadunidense. Fazendo uso da chantagem nuclear, os EUA obrigaram a China a ceder a suas pretensões (MARTINS, 2013, p. 108).

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A década de 1950 marcou a consolidação do novo regime e foi caracterizada por uma rápida e intensa industrialização e por um processo de modernização muito baseado no exemplo da URSS. A necessidade de auxílio estrangeiro para a recuperação econômica e para o reequipamento militar do país e os desafios representados pela presença de forças hostis na Coreia, em Taiwan e na Indochina, bem como a permanência de tropas do KMT ao norte da Birmânia na região conhecida como Triângulo de Ouro, obrigaram a China a manter uma estreita aliança com os soviéticos neste período (VISENTINI, 2013, p. 19). Todavia, a parceria não era vista como desinteressado por Mao, que possuía uma forte visão sinocêntrica,9 e em 1958, afirmou ao presidente russo Nikita Khrushchev que a China alcançaria o comunismo pleno antes da URSS, gerando inquietude entre os soviéticos (KISSINGER, 2011, p. 170, 184-188). O I Plano Quinquenal foi desenvolvido entre 1953 e 1958. A China duplicou sua produção industrial, com destaque para os setores do aço, do petróleo e de produtos químicos, sendo que os soviéticos foram responsáveis por mais da metade dos investimentos (BERGÈRE, 1980, p. 72; ROBERTS, 2012, p. 367-368). A coletivização da agricultura, também realizada neste período, deu-se com pouquíssimos custos humanos e, ao mesmo tempo, a produção agrícola cresceu: em 1952, a China produzira 161 milhões de toneladas de cereais; em 1957, haviam sido produzidos 191 milhões de toneladas (BERGÈRE, 1980, p. 62). Na educação, o país também logrou avanços importantes: entre 1949 e 1956, o número de matrículas no ensino primário subiu de 24,3 milhões para 64,2 milhões e, no ensino superior, as matrículas quadruplicaram (ROBERTS, 2012, p. 367-368).

Não obstante, o chamado “Período Soviético” encerrar-se-ia com a afirmação da política proposta por Nikita Khrushchev de coexistência pacífica entre URSS e Ocidente capitalista,10 que representou um deslocamento da importância chinesa para os soviéticos no âmbito de sua estratégia para a Guerra Fria, em prol de uma reorganização das relações com os países

9 Segundo Kissinger (2011, p. 170), teria sido o sinocentrismo de Mao que o fez enviar o seu

ministro de relações exteriores (Zhou Enlai) para a Conferência de Bandung, em 1955, durante a criação do Movimento dos Países Não-Alinhados, que não se identificavam com nenhum dos dois polos de poder da época. Essa teria sido a resposta de Mao após a criação do Pacto de Varsóvia naquele mesmo ano.

10 A coexistência pacífica foi fruto do desengajamento militar que se seguiu à Guerra da Coreia, da emergência do Terceiro Mundo no sistema internacional, da consolidação do campo socialista, da obtenção de um relativo equilíbrio nuclear entre EUA e URSS e da recuperação econômica da Europa Ocidental e do Japão. Estes fatores permitiram que se atenuasse a polarização existente na passagem da década de 1940 para os anos 1950. Consistiu, assim, em um período de distensão das relações entre os Estados socialistas e o Ocidente capitalista (VISENTINI, 2007, p. 126).

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A década de 1950 marcou a consolidação do novo regime e foi caracterizada por uma rápida e intensa industrialização e por um processo de modernização muito baseado no exemplo da URSS. A necessidade de auxílio estrangeiro para a recuperação econômica e para o reequipamento militar do país e os desafios representados pela presença de forças hostis na Coreia, em Taiwan e na Indochina, bem como a permanência de tropas do KMT ao norte da Birmânia na região conhecida como Triângulo de Ouro, obrigaram a China a manter uma estreita aliança com os soviéticos neste período (VISENTINI, 2013, p. 19). Todavia, a parceria não era vista como desinteressado por Mao, que possuía uma forte visão sinocêntrica,9 e em 1958, afirmou ao presidente russo Nikita Khrushchev que a China alcançaria o comunismo pleno antes da URSS, gerando inquietude entre os soviéticos (KISSINGER, 2011, p. 170, 184-188). O I Plano Quinquenal foi desenvolvido entre 1953 e 1958. A China duplicou sua produção industrial, com destaque para os setores do aço, do petróleo e de produtos químicos, sendo que os soviéticos foram responsáveis por mais da metade dos investimentos (BERGÈRE, 1980, p. 72; ROBERTS, 2012, p. 367-368). A coletivização da agricultura, também realizada neste período, deu-se com pouquíssimos custos humanos e, ao mesmo tempo, a produção agrícola cresceu: em 1952, a China produzira 161 milhões de toneladas de cereais; em 1957, haviam sido produzidos 191 milhões de toneladas (BERGÈRE, 1980, p. 62). Na educação, o país também logrou avanços importantes: entre 1949 e 1956, o número de matrículas no ensino primário subiu de 24,3 milhões para 64,2 milhões e, no ensino superior, as matrículas quadruplicaram (ROBERTS, 2012, p. 367-368).

Não obstante, o chamado “Período Soviético” encerrar-se-ia com a afirmação da política proposta por Nikita Khrushchev de coexistência pacífica entre URSS e Ocidente capitalista,10 que representou um deslocamento da importância chinesa para os soviéticos no âmbito de sua estratégia para a Guerra Fria, em prol de uma reorganização das relações com os países

9 Segundo Kissinger (2011, p. 170), teria sido o sinocentrismo de Mao que o fez enviar o seu

ministro de relações exteriores (Zhou Enlai) para a Conferência de Bandung, em 1955, durante a criação do Movimento dos Países Não-Alinhados, que não se identificavam com nenhum dos dois polos de poder da época. Essa teria sido a resposta de Mao após a criação do Pacto de Varsóvia naquele mesmo ano.

10 A coexistência pacífica foi fruto do desengajamento militar que se seguiu à Guerra da Coreia, da emergência do Terceiro Mundo no sistema internacional, da consolidação do campo socialista, da obtenção de um relativo equilíbrio nuclear entre EUA e URSS e da recuperação econômica da Europa Ocidental e do Japão. Estes fatores permitiram que se atenuasse a polarização existente na passagem da década de 1940 para os anos 1950. Consistiu, assim, em um período de distensão das relações entre os Estados socialistas e o Ocidente capitalista (VISENTINI, 2007, p. 126).

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capitalistas. A proposta foi mal vista por Pequim e teve início, assim, um desgaste das relações entre China e URSS. A tentativa de imposição de um modelo econômico inadequado aos chineses por parte dos soviéticos e a disputa pela liderança do movimento comunista internacional após a morte de Stalin, em 1953, também contribuíram para o contencioso entre os dois gigantes (VISENTINI, 2013, p. 19). A segunda crise do Estreito de Taiwan foi outro marco importante nesse sentido,11 pois evidenciou a necessidade crítica do desenvolvimento de um programa nuclear independente chinês.12 No contexto da política de coexistência pacífica, os soviéticos não pareciam dispostos a sacrificar o apaziguamento do período em favor de interesses nacionais chineses. Deste modo, a China suspendeu o acordo de cooperação nuclear com a URSS e, em 1959, deu início ao seu próprio programa. Ainda, o apoio soviético à Índia no litígio fronteiriço deste país com a China desgastou ainda mais as relações entre ambos ao final da década de 1950.

A radicalização político-econômica do governo chinês a partir do Grande Salto Adiante, entre 1958 e 1960, concretizou a cisão sino-soviética, acompanhada pelas disputas fronteiriças entre os dois países, que viriam a escalar nos anos 60 (ZUCATTO ET AL, 2013, p. 35; KISSINGER, 2011). A campanha lançada por Mao Zedong teve como objetivo o aumento da produção agrícola e industrial do país em um espaço de tempo muito breve com vistas a aumentar as exportações de alimentos e dar sustentação ao esforço de desenvolvimento da tecnologia nuclear e de uma base industrial-bélica (MARTINS, 2013, p. 111). Houve, para tal, um intenso processo de reorganização produtiva: abandonaram-se os planos inspirados no modelo soviético e deu-se lugar a uma espécie de descentralização do comando da economia a partir da militarização do trabalho e da implantação de grandes comunas populares. Ao cabo do Grande Salto, a inflexibilidade das metas havia contribuído para a morte de mais de 20 milhões de pessoas que, em geral, foram deslocadas forçosamente de seus lares e acabaram afligidas pela fome. No mesmo período, o avanço da reforma agrária e a emancipação dos

11 A segunda crise do Estreito de Taiwan originou-se a partir da instalação do sistema de mísseis

MGM-1 Matador em Taiwan pelas Forças Armadas estadunidenses. Em resposta, os chineses estabeleceram um bloqueio à ilha de Jinmen, ocupada pelo KMT quatro anos antes, e deram início a bombardeios neste local que durariam até 1979. O impasse perduraria por anos a fio, e os mísseis estadunidenses somente seriam retirados de Taiwan em 1974 (MARTINS, 2013, p. 110).

12 Até então, o programa nuclear estava sendo desenvolvido com assistência da URSS. Na prática, a defesa chinesa dependia do guarda-chuva nuclear soviético.

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servos no Tibete geraram imensa revolta na elite feudal tibetana e provocaram seu êxodo para o norte da Índia.13

As incompatibilidades com a URSS e as péssimas relações com os EUA alertaram a diplomacia chinesa que, frente a tal situação, passou a conferir máxima prioridade à reinserção do país na ONU de forma a não depender de alianças especiais com países mais poderosos. Em princípios da década de 1960, as descolonizações na África e na Ásia permitiram o ingresso de número expressivo de novos países nas Nações Unidas. Ademais, fenômenos como a emergência do nacionalismo na América Latina e o desprendimento da França e da própria China com relação a seus respectivos blocos traduziram-se em um reforço da multipolaridade nos marcos da ONU. Os debates na Assembleia Geral da organização tiveram sua importância reforçada, os posicionamentos ganharam novos contornos e a influência estadunidense nas decisões foram significativamente reduzidas na medida em que se abriu espaço para alianças e composições complexas. O grande mentor das diretrizes que passaram a guiar o modus operandi da política externa defendida pela China foi Zhou Enlai, enunciador dos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica, um conjunto de sólidos postulados aceitos pelos vizinhos asiáticos: (i) respeito mútuo à soberania e à integridade nacionais; (ii) não agressão; (iii) não intervenção nos assuntos internos de um país por parte de outro; (iv) igualdade e benefícios recíprocos; e (v) coexistência pacífica entre Estados com sistemas sociais e ideológicos diferentes. Na década de 1960, a diplomacia chinesa também se fez atuante no âmbito do Movimento dos Países Não Alinhados,14 fundado em 1961 por países do Terceiro Mundo que emergiu com os processos de descolonização na África e na Ásia (VISENTINI, 2013, p. 19-20).

Em 1964, a China adquiriu capacidades nucleares e, em 1967, já detinha armas termonucleares.15 O esforço nuclear impôs sérias privações à população

13 O Tibete havia sido reocupado após a vitória da Revolução, mas o poder feudal dos lamas

preservara-se até o desencadeamento da reforma agrária, em 1959. 14 Movimento de países que buscavam uma terceira via nas relações internacionais em detrimento

do alinhamento a um dos blocos da Guerra Fria. A origem do neutralismo estava no afro-asiatismo anticolonialista que caracterizou a Conferência de Bandung realizada em 1955. Os Não Alinhados condenavam o domínio das grandes potências e defendiam uma nova ordem política e econômica mundial menos assimétrica.

15 O estoque de armas nucleares da RPC não é totalmente declarado, mas sabe-se que é significativamente inferior aos EUA e Rússia. Segundo o Bulletin of the Atomic Scientists, em 2013, os EUA possuíam 2.150 ogivas operacionais e a Rússia possuía 1.800. Por sua vez, a China possui cerca de 250-300 ogivas, mas é seguro supor que uma porcentagem dessas ogivas tenha sido retirada de serviço. Fonte: KRISTENSEN, Hans M.; NORRIS, Robert S. Global nuclear weapons inventories, 1945-2013. Bulletin of the Atomic Scientists, Chicago, vol. 69, n.5, p. 75,

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servos no Tibete geraram imensa revolta na elite feudal tibetana e provocaram seu êxodo para o norte da Índia.13

As incompatibilidades com a URSS e as péssimas relações com os EUA alertaram a diplomacia chinesa que, frente a tal situação, passou a conferir máxima prioridade à reinserção do país na ONU de forma a não depender de alianças especiais com países mais poderosos. Em princípios da década de 1960, as descolonizações na África e na Ásia permitiram o ingresso de número expressivo de novos países nas Nações Unidas. Ademais, fenômenos como a emergência do nacionalismo na América Latina e o desprendimento da França e da própria China com relação a seus respectivos blocos traduziram-se em um reforço da multipolaridade nos marcos da ONU. Os debates na Assembleia Geral da organização tiveram sua importância reforçada, os posicionamentos ganharam novos contornos e a influência estadunidense nas decisões foram significativamente reduzidas na medida em que se abriu espaço para alianças e composições complexas. O grande mentor das diretrizes que passaram a guiar o modus operandi da política externa defendida pela China foi Zhou Enlai, enunciador dos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica, um conjunto de sólidos postulados aceitos pelos vizinhos asiáticos: (i) respeito mútuo à soberania e à integridade nacionais; (ii) não agressão; (iii) não intervenção nos assuntos internos de um país por parte de outro; (iv) igualdade e benefícios recíprocos; e (v) coexistência pacífica entre Estados com sistemas sociais e ideológicos diferentes. Na década de 1960, a diplomacia chinesa também se fez atuante no âmbito do Movimento dos Países Não Alinhados,14 fundado em 1961 por países do Terceiro Mundo que emergiu com os processos de descolonização na África e na Ásia (VISENTINI, 2013, p. 19-20).

Em 1964, a China adquiriu capacidades nucleares e, em 1967, já detinha armas termonucleares.15 O esforço nuclear impôs sérias privações à população

13 O Tibete havia sido reocupado após a vitória da Revolução, mas o poder feudal dos lamas

preservara-se até o desencadeamento da reforma agrária, em 1959. 14 Movimento de países que buscavam uma terceira via nas relações internacionais em detrimento

do alinhamento a um dos blocos da Guerra Fria. A origem do neutralismo estava no afro-asiatismo anticolonialista que caracterizou a Conferência de Bandung realizada em 1955. Os Não Alinhados condenavam o domínio das grandes potências e defendiam uma nova ordem política e econômica mundial menos assimétrica.

15 O estoque de armas nucleares da RPC não é totalmente declarado, mas sabe-se que é significativamente inferior aos EUA e Rússia. Segundo o Bulletin of the Atomic Scientists, em 2013, os EUA possuíam 2.150 ogivas operacionais e a Rússia possuía 1.800. Por sua vez, a China possui cerca de 250-300 ogivas, mas é seguro supor que uma porcentagem dessas ogivas tenha sido retirada de serviço. Fonte: KRISTENSEN, Hans M.; NORRIS, Robert S. Global nuclear weapons inventories, 1945-2013. Bulletin of the Atomic Scientists, Chicago, vol. 69, n.5, p. 75,

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chinesa, mas, ao mesmo tempo, alçou o país à condição de grande potência. Em 1966, Mao Zedong decidiu dar início à defesa de seu legado e, para tal, passou a perseguir seus adversários políticos do PCCh. Após o fracasso do Grande Salto Adiante, as discordâncias entre as diferentes facções políticas que formavam Partido Comunista no país acirraram-se. Sob a justificativa da necessidade de preservar a pureza do socialismo chinês em contraposição ao pensamento soviético e seus simpatizantes na China, Mao impulsionou a Revolução Cultural16 para destruir a facção pró-soviética do PCCh representada pelo Grupo dos Cinco de Peng Zhen, prefeito de Pequim apoiado por líderes como Liu Shaoqi e Deng Xiaoping (MARTINS, 2013, p. 112-113). Instrumentalizando o descontentamento das massas após anos de exaustão e fome, Mao mergulhou o país em dez anos de perseguições e de radicalização político-social. Ao mesmo tempo, recrudesceram as diferenças entre China e URSS, cujo ápice foi um conflito armado de fronteira no rio Ussuri, em 1969, que durou cerca de seis meses e provocou o ressurgimento, entre os chineses, do temor de um ataque nuclear. Diante do incremento da percepção de ameaça, Pequim construiu um sistema de túneis de mais de três mil quilômetros que comprometeu um terço do total de investimentos em capital realizados na China na década de 1960 e demandou enorme remanejamento da mão de obra chinesa (JACOBS, 2011, online).

Ao final da Revolução Cultural, as instituições políticas chinesas estavam destruídas por conta da estratégia de Mao de jogar seus partidários mais fanáticos contra seus opositores no PCCh. Os objetivos de desenvolvimento econômico, social e industrial novamente não haviam sido atingidos e as falhas eram justificadas pelos constrangimentos externos impostos pelas desavenças com os soviéticos. Conquanto Mao tenha emergido novamente como liderança suprema do país, o caos vivenciado pelos chineses foi desgastando progressivamente o maoísmo ao passo que visões reformistas voltaram a ganhar corpo.

No cenário internacional, o terceiro-mundismo chinês pouco havia gerado de positivo para a China. Especialmente após a derrubada de Sukarno na Indonésia, em 1965, que até então era seu principal aliado asiático, os chineses enfraqueceram-se e isolaram-se. A derrota do Paquistão, outro de

set/out 2013. Disponível em: <http://bos.sagepub.com/content/69/5/75.full.pdf+html>. Acesso em 14 fev 2015.

16 A Revolução Cultural foi uma campanha organizado por Mao Zedong para expurgar de intelectuais e membros do PCCh aqueles membros mais ligados ao movimento soviético, buscando radicalizar o partido. Foi marcada por ativa repressão e violência contra dissidentes, além de desmantelamento das universidades chinesas. Iniciou-se em 1966 e durou até aproximadamente 1970.

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seus aliados, frente à Índia, aprofundou o isolamento externo chinês. Diante deste cenário complicado, que impossibilitava a continuidade da estratégia de confronto simultâneo com as duas superpotências, e frente à crescente percepção de ameaça representada pela URSS, evidenciada nos litígios fronteiriços, a China promoveu importante realinhamento estratégico: em 1971, voltou a aproximar-se dos EUA (KISSINGER, 2011).

A Doutrina Nixon, que consistia na divisão de responsabilidades com parceiros escolhidos nas diversas regiões do globo, guiava a política externa estadunidense neste período e, na Ásia, pregou a aproximação pragmática com a China. Da parte chinesa, a nova estratégia diplomática encontraria sua sustentação teórica definitiva na chamada Teoria dos Três Mundos, apresentada por Deng Xiaoping em 1974 na Assembleia Geral da ONU. De acordo com esta concepção, o sistema internacional não seria dividido em dois “mundos”—um capitalista e um socialista—, mas sim em três: EUA e URSS corresponderiam ao Primeiro Mundo, os demais países capitalistas desenvolvidos conformariam o Segundo Mundo e, por fim, os Estados periféricos—incluindo a própria China—, representariam o Terceiro Mundo (VISENTINI, 2013, p. 20-21). A receita gerada por este diagnóstico dava conta de que o país deveria empreender esforços para desenvolver-se autonomamente. Ao mesmo tempo, contudo, a crítica ao “social-imperialismo” soviético era acentuada na formulação teórica, de forma a deixar claro que os soviéticos representavam sérios obstáculos ao desenvolvimento chinês.

O elemento comum que motivou a retomada das relações diplomáticas entre chineses e estadunidenses em um novo patamar de cooperação foi a necessidade sentida por ambos os países de criar um contrapeso à URSS. Os EUA ainda enxergavam na aliança tácita com a China uma possibilidade de frear os movimentos asiáticos de libertação nacional e conter o Vietnã do Norte; os chineses, por sua vez, também planejavam extrair benefícios econômicos e tecnológicos da parceria. O primeiro passo concreto da reaproximação foi o convite feito por Pequim à delegação estadunidense de tênis de mesa que se encontrava no Japão para visitar a China, em episódio conhecido como a Diplomacia do Ping Pong (VISENTINI, 2013, p. 20). Posteriormente, em 1972, o presidente dos EUA, Richard Nixon, visitou o país asiático. A visita foi, nas palavras do secretário de Estado estadunidense à época, Henry Kissinger, “uma das poucas ocasiões nas quais uma visita oficial provocou uma mudança seminal nos assuntos internacionais” (KISSINGER, 2011, p. 272). A partir de então, as consultas entre os dois países adquiriram intensidade.

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seus aliados, frente à Índia, aprofundou o isolamento externo chinês. Diante deste cenário complicado, que impossibilitava a continuidade da estratégia de confronto simultâneo com as duas superpotências, e frente à crescente percepção de ameaça representada pela URSS, evidenciada nos litígios fronteiriços, a China promoveu importante realinhamento estratégico: em 1971, voltou a aproximar-se dos EUA (KISSINGER, 2011).

A Doutrina Nixon, que consistia na divisão de responsabilidades com parceiros escolhidos nas diversas regiões do globo, guiava a política externa estadunidense neste período e, na Ásia, pregou a aproximação pragmática com a China. Da parte chinesa, a nova estratégia diplomática encontraria sua sustentação teórica definitiva na chamada Teoria dos Três Mundos, apresentada por Deng Xiaoping em 1974 na Assembleia Geral da ONU. De acordo com esta concepção, o sistema internacional não seria dividido em dois “mundos”—um capitalista e um socialista—, mas sim em três: EUA e URSS corresponderiam ao Primeiro Mundo, os demais países capitalistas desenvolvidos conformariam o Segundo Mundo e, por fim, os Estados periféricos—incluindo a própria China—, representariam o Terceiro Mundo (VISENTINI, 2013, p. 20-21). A receita gerada por este diagnóstico dava conta de que o país deveria empreender esforços para desenvolver-se autonomamente. Ao mesmo tempo, contudo, a crítica ao “social-imperialismo” soviético era acentuada na formulação teórica, de forma a deixar claro que os soviéticos representavam sérios obstáculos ao desenvolvimento chinês.

O elemento comum que motivou a retomada das relações diplomáticas entre chineses e estadunidenses em um novo patamar de cooperação foi a necessidade sentida por ambos os países de criar um contrapeso à URSS. Os EUA ainda enxergavam na aliança tácita com a China uma possibilidade de frear os movimentos asiáticos de libertação nacional e conter o Vietnã do Norte; os chineses, por sua vez, também planejavam extrair benefícios econômicos e tecnológicos da parceria. O primeiro passo concreto da reaproximação foi o convite feito por Pequim à delegação estadunidense de tênis de mesa que se encontrava no Japão para visitar a China, em episódio conhecido como a Diplomacia do Ping Pong (VISENTINI, 2013, p. 20). Posteriormente, em 1972, o presidente dos EUA, Richard Nixon, visitou o país asiático. A visita foi, nas palavras do secretário de Estado estadunidense à época, Henry Kissinger, “uma das poucas ocasiões nas quais uma visita oficial provocou uma mudança seminal nos assuntos internacionais” (KISSINGER, 2011, p. 272). A partir de então, as consultas entre os dois países adquiriram intensidade.

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4 AS QUATRO MODERNIZAÇÕES E O CRESCIMENTO CHINÊS

As mudanças na política internacional seriam acompanhadas por uma nova inflexão nos rumos do governo chinês. Se a até a década de 60 a segurança fora a ênfase chinesa e, logo depois, a autonomia, a ascensão de Deng Xiaoping ao poder, após a morte de Mao em 1976 o governo centrou-se um programa de reformas em quatro áreas: na agricultura, na indústria, na tecnologia e na defesa nacional—as Quatro Modernizações. Por trás da ênfase na modernização do país estava uma busca por melhorar o nível de vida da população chinesa através de reformas econômicas que introduziam certos mecanismos de mercado e da aceitação de algum grau de ocidentalização, com a busca pelo conhecimento tecnológico ocidental (SPENCE, 2000).

As reformas iniciaram com mudanças na agricultura, ainda em 1978. A principal mudança foi a permissão da produção agrícola privada, ou seja: os camponeses ainda precisavam produzir cotas para o governo, mas, para além delas, poderiam produzir o que e quanto quisessem—e poderiam vender tais excedentes no mercado. O resultante crescimento da produção agrícola, facilitado por anos de boas colheitas, aumentou o poder de consumo dos campesinos (ROBERTS, 2012). Este, por sua vez, veio a ser satisfeito através de produções locais. Com o estímulo governamental à autonomia provincial para que essas investissem nas atividades que lhes fossem mais proveitosas, aumentara o número de indústrias leves, ampliando, assim, a produção de bens de consumo (IPEA, 2011).

As demais reformas, no entanto, exigiam capital e tecnologia que a China não possuía. Além disso, a URSS era, na época, a maior ameaça à China, cuja pressão se dava principalmente em dois pontos. Primeiramente, na movimentação de tropas soviéticas na fronteira URSS—China e, em seguida, no avanço do Vietnã sobre o Camboja do Khmer Vermelho, o que significava um avanço da influência soviética. Era necessário consolidar a aproximação ao Ocidente e, sobretudo, a aliança com os EUA, capaz de trazer benefícios econômicos, tecnológicos e estratégicos à China (KISSINGER, 2011; FONTANA, 2011).

Mas para que a aproximação aos EUA, iniciada com Mao, fosse algo concreto, um ponto central deveria mudar: Taiwan. O governo taiwanês ainda era reconhecido pelos EUA como o governo chinês legítimo. Após negociações e acordos, as relações foram normalizadas em 1979, com mudança da embaixada estadunidense de Taipei para Pequim.17 A partir de

17 A questão de Taiwan, entretanto, mantinha certa ambiguidade. Enquanto a China mantinha a

questão como assunto estritamente interno e que, portanto, não deveria sofrer ingerências

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então, os interesses convergentes transformariam as relações entre a China e os EUA em uma aliança informal (MARTINS, 2013; VISENTINI, 2012). Vai ser aqui, com o apoio dos Não-Alinhados e da URSS que a República Popular da China conseguirá ser reconhecida como a única China e então, sentar no Conselho de Segurança da ONU (KISSINGER, 2011). Agora com seu regime reconhecido pelos estadunidenses, as relações chinesas com os países capitalistas desenvolvidos foram normalizadas (VISENTINI, 2013, p. 20).

Visando tanto a entronização de tecnologia, quanto o crescimento econômico, foram criadas as Zonas Econômicas Especiais (ZEEs). Geralmente estabelecidas no litoral chinês, as ZEEs são zonas que visam a atrair investimentos e capitais estrangeiros oferecendo vantagens e facilidades aos investidores em troca da formação de parcerias (joint ventures) com o governo ou com empresas chinesas (isso é, da formação de transnacionais, de forma a manter parte do lucro no país). Assim, nestas, além de ofertar a construção de uma infraestrutura—para além da já existente no país—que respondesse às necessidades de cada um dos investimentos, o governo oferecia uma legislação mais flexível que previa a redução ou mesmo a isenção de impostos (IPEA, 2011; VISENTINI, 2013, p. 21).

A atração de investimentos estrangeiros exigia, no entanto, outras modificações. Na China, até então, os salários eram maiores conforme o tempo de contribuição, não conforme os cargos, e o trabalho era um direito. Desse modo, a legislação trabalhista chinesa não se adaptava aos preceitos ocidentais. Foi necessária uma flexibilização também na área trabalhista, que passou a ser parte das facilidades: a China oferecia aos investidores uma mão de obra bem treinada a salários competitivos (ROBERTS, 2012).18

Apesar das reformas feitas virem acompanhadas de uma certa abertura governamental a críticas e levarem a uma transferência de capacidade decisória aos diferentes níveis de governos locais, elas buscaram se limitar ao campo econômico (FONTANA, 2011). No político, seguiam vigorando quatro princípios que deveriam permanecer inalterados, sendo eles (i) socialismo, (ii) ditadura democrática popular, (iii) direção do Partido Comunista19 e (iv)

estrangeiras, os EUA mantinham certas relações diferenciadas com Taiwan, como a manutenção de vendas de armamentos de caráter defensivo para Taipei (SPENCE, 2000, p.623).

18 Alguns dos motivos para o baixo custo da mão de obra chinesa são o fato do custo de vida—preço dos alimentos, da saúde, educação, etc.—ser baixo no país e a existência de uma grande população campesina que forma um grande exército industrial de reserva, o que ajuda a pressionar os salários para baixo.

19 Cabe ressaltar que o Partido Comunista Chinês não é o único partido existente. Existem outros 8 partidos democráticos que, apesar de ameaçados durante a Revolução Cultural, existem desde antes da fundação da República Popular Chinesa. Entretanto, além de terem um baixo nível de

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então, os interesses convergentes transformariam as relações entre a China e os EUA em uma aliança informal (MARTINS, 2013; VISENTINI, 2012). Vai ser aqui, com o apoio dos Não-Alinhados e da URSS que a República Popular da China conseguirá ser reconhecida como a única China e então, sentar no Conselho de Segurança da ONU (KISSINGER, 2011). Agora com seu regime reconhecido pelos estadunidenses, as relações chinesas com os países capitalistas desenvolvidos foram normalizadas (VISENTINI, 2013, p. 20).

Visando tanto a entronização de tecnologia, quanto o crescimento econômico, foram criadas as Zonas Econômicas Especiais (ZEEs). Geralmente estabelecidas no litoral chinês, as ZEEs são zonas que visam a atrair investimentos e capitais estrangeiros oferecendo vantagens e facilidades aos investidores em troca da formação de parcerias (joint ventures) com o governo ou com empresas chinesas (isso é, da formação de transnacionais, de forma a manter parte do lucro no país). Assim, nestas, além de ofertar a construção de uma infraestrutura—para além da já existente no país—que respondesse às necessidades de cada um dos investimentos, o governo oferecia uma legislação mais flexível que previa a redução ou mesmo a isenção de impostos (IPEA, 2011; VISENTINI, 2013, p. 21).

A atração de investimentos estrangeiros exigia, no entanto, outras modificações. Na China, até então, os salários eram maiores conforme o tempo de contribuição, não conforme os cargos, e o trabalho era um direito. Desse modo, a legislação trabalhista chinesa não se adaptava aos preceitos ocidentais. Foi necessária uma flexibilização também na área trabalhista, que passou a ser parte das facilidades: a China oferecia aos investidores uma mão de obra bem treinada a salários competitivos (ROBERTS, 2012).18

Apesar das reformas feitas virem acompanhadas de uma certa abertura governamental a críticas e levarem a uma transferência de capacidade decisória aos diferentes níveis de governos locais, elas buscaram se limitar ao campo econômico (FONTANA, 2011). No político, seguiam vigorando quatro princípios que deveriam permanecer inalterados, sendo eles (i) socialismo, (ii) ditadura democrática popular, (iii) direção do Partido Comunista19 e (iv)

estrangeiras, os EUA mantinham certas relações diferenciadas com Taiwan, como a manutenção de vendas de armamentos de caráter defensivo para Taipei (SPENCE, 2000, p.623).

18 Alguns dos motivos para o baixo custo da mão de obra chinesa são o fato do custo de vida—preço dos alimentos, da saúde, educação, etc.—ser baixo no país e a existência de uma grande população campesina que forma um grande exército industrial de reserva, o que ajuda a pressionar os salários para baixo.

19 Cabe ressaltar que o Partido Comunista Chinês não é o único partido existente. Existem outros 8 partidos democráticos que, apesar de ameaçados durante a Revolução Cultural, existem desde antes da fundação da República Popular Chinesa. Entretanto, além de terem um baixo nível de

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pensamento marxista-leninista-maoísta. O crescimento econômico chinês advindo também da abertura ao capital externo e da ocidentalização fez, desta forma, com que o sistema chinês fosse um socialismo com características chinesas, de contradições próprias.

A questão das reformas não era consensual, nem mesmo dentro do PCCh, onde havia tanto aqueles que se opunham a tal ocidentalização, quanto os ultrarreformistas. Além disso, o crescimento econômico não fora a única consequência das reformas, que trouxeram uma maior desigualdade social e surgimento de casos de corrupção.20 A crise pela qual a China passou em 1988 levou, assim, a duas reações extremas. Por um lado, houve uma tentativa dos antirreformistas de frear as reformas. Por outro, o mal-estar advindo da crise somou-se à consciência por parte da população de um considerável nível de corrupção dentro do governo. Surge disso um movimento que, de início, era essencialmente estudantil, contra a corrupção e a favor de uma maior liberdade individual (MARTINS, 2013; VISENTINI, 2012).

O movimento iniciou em abril de 1989 e, em maio, seguiu, inclusive com o apoio de trabalhadores e de outras províncias. As tentativas de soluções negociadas e de atender, em parte, as reivindicações do movimento foram infrutíferas, e este se radicalizou. Parte dos membros do movimento começou a exigir uma democracia liberal, o que levaria ao fim do regime. Em junho de 1989 o governo decidiu dispersar os manifestantes agrupados na Praça da Paz Celestial (Tiananmen), em uma ação violenta que se transforma em um massacre, com centenas de mortos. Todavia, contrariando o que alguns acreditavam, não foi o começo do fim do sistema político chinês. Significou, na realidade, o fim dos ultrarreformistas, que haviam buscado capitalizar os protestos como um “movimento pela democracia”. Em 1992, o XIV Congresso do Partido viria a consolidar tal quadro, com a ampla aceitação do socialismo com características chinesas (MARTINS, 2013, p. 116-117).

Quando a URSS começou a entrar em crise, ainda na década de 80, muitos—sobretudo os Estados Unidos, Taiwan e os ultrarreformistas chineses—esperavam que a China fosse pelo mesmo caminho. Entretanto, o socialismo com características chinesas seguia politicamente estável, sua economia crescia e as reformas haviam permitido uma diminuição da pobreza rural e urbana completamente nova na história chinesa. Além disso, a China vinha recuperando sua legitimidade internacional, participando intensamente

filiados, não são partidos de oposição ao governo e tampouco têm poder de decisão, ainda que participem, a caráter consultivo, de algumas discussões governamentais.

20 Além disso, na década de 70 houve um incentivo ao jornalismo investigativo para que casos de corrupção, mesmo governamentais, viessem à tona.

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da ONU e diversificando suas parcerias ao, por exemplo, se reaproximar do Japão e da Europa Ocidental (FONTANA, 2011).

Com a abertura e a posterior queda do regime soviético, a China perdeu sua função de instrumento antissoviético. A partir de então seu crescimento heterodoxo não seria mais tolerado pelo Ocidente. Os EUA, em particular, passaram a conter e isolar a China, trazendo à discussão temas econômicos e relacionados aos direitos humanos, bem como intensificando as pressões pela fragmentação chinesa, em especial através do Tibete e de Taiwan (SPENCE, 2000). Mas a tentativa, ainda na década de 90, de impor sanções à China logo seria rompida pelos próprios países asiáticos. O Japão seria o primeiro, em 1991, em troca de condições econômicas especiais—e, já no ano seguinte, a China seria um de seus principais parceiros comerciais (VISENTINI, 2012). Em 1992 as relações com a Coreia do Sul seriam restabelecidas; nos anos seguintes à queda da URSS, a China reatava e aprofundava suas relações com a Rússia e melhorava as relações com a Índia. A introdução do princípio de “uma nação, dois sistemas” permitiu a reincorporação das ex-colônias Hong Kong, em 1997, e de Macau, em 1999, que mantiveram seus sistemas político-econômicos. Com Taiwan, que sustentava até 1987 a política dos “três nãos” (não a contatos, não a compromissos e não a negociações com Pequim) também há uma melhora nas relações, com crescentes contatos bilaterais (VISENTINI, 2013, p. 22). Com estas ações era claro que a prosperidade da região já não poderia ser desligada da China.

Apesar das crises dos anos 90,21 a economia chinesa ganhou impulso—entre 1980 e 2010 a taxa média do crescimento de seu PIB foi de 10% (IPEA, 2011, p. 308)—, bem como as necessidades para sustentar tal crescimento. Assim, os anos 2000 foram marcados por uma expansão chinesa a mercados consumidores (como a Índia), centros financeiros (com destaque aos EUA—que normalizaram as suas relações comerciais com a China) e, em especial, a países detentores de recursos energéticos e de matérias-primas. Vista como prioritária à política externa chinesa, a busca por commodities é um dos principais motivos para a grande aproximação chinesa do Oriente Médio,22 da Oceania, da América Latina e, sobretudo, da África (MARTINS, 2013, p. 123-124).

Tal aproximação é comumente apresentada como “perigosa”. Em especial, as relações China—África: ao lermos notícias atuais, é comum vermos chamadas com termos como conquista da África, a expansão do Dragão, etc. No entanto, o aumento da influência chinesa no continente se 21 Com destaque à crise financeira asiática de 1997, conhecida como Crise dos Tigres Asiáticos. 22 No caso africano, outro motivo apontado por Visentini é o de combater a presença taiwanesa no

continente (VISENTINI, 2011, p. 9).

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da ONU e diversificando suas parcerias ao, por exemplo, se reaproximar do Japão e da Europa Ocidental (FONTANA, 2011).

Com a abertura e a posterior queda do regime soviético, a China perdeu sua função de instrumento antissoviético. A partir de então seu crescimento heterodoxo não seria mais tolerado pelo Ocidente. Os EUA, em particular, passaram a conter e isolar a China, trazendo à discussão temas econômicos e relacionados aos direitos humanos, bem como intensificando as pressões pela fragmentação chinesa, em especial através do Tibete e de Taiwan (SPENCE, 2000). Mas a tentativa, ainda na década de 90, de impor sanções à China logo seria rompida pelos próprios países asiáticos. O Japão seria o primeiro, em 1991, em troca de condições econômicas especiais—e, já no ano seguinte, a China seria um de seus principais parceiros comerciais (VISENTINI, 2012). Em 1992 as relações com a Coreia do Sul seriam restabelecidas; nos anos seguintes à queda da URSS, a China reatava e aprofundava suas relações com a Rússia e melhorava as relações com a Índia. A introdução do princípio de “uma nação, dois sistemas” permitiu a reincorporação das ex-colônias Hong Kong, em 1997, e de Macau, em 1999, que mantiveram seus sistemas político-econômicos. Com Taiwan, que sustentava até 1987 a política dos “três nãos” (não a contatos, não a compromissos e não a negociações com Pequim) também há uma melhora nas relações, com crescentes contatos bilaterais (VISENTINI, 2013, p. 22). Com estas ações era claro que a prosperidade da região já não poderia ser desligada da China.

Apesar das crises dos anos 90,21 a economia chinesa ganhou impulso—entre 1980 e 2010 a taxa média do crescimento de seu PIB foi de 10% (IPEA, 2011, p. 308)—, bem como as necessidades para sustentar tal crescimento. Assim, os anos 2000 foram marcados por uma expansão chinesa a mercados consumidores (como a Índia), centros financeiros (com destaque aos EUA—que normalizaram as suas relações comerciais com a China) e, em especial, a países detentores de recursos energéticos e de matérias-primas. Vista como prioritária à política externa chinesa, a busca por commodities é um dos principais motivos para a grande aproximação chinesa do Oriente Médio,22 da Oceania, da América Latina e, sobretudo, da África (MARTINS, 2013, p. 123-124).

Tal aproximação é comumente apresentada como “perigosa”. Em especial, as relações China—África: ao lermos notícias atuais, é comum vermos chamadas com termos como conquista da África, a expansão do Dragão, etc. No entanto, o aumento da influência chinesa no continente se 21 Com destaque à crise financeira asiática de 1997, conhecida como Crise dos Tigres Asiáticos. 22 No caso africano, outro motivo apontado por Visentini é o de combater a presença taiwanesa no

continente (VISENTINI, 2011, p. 9).

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deve, em grande parte, à atitude chinesa de não interferência em assuntos políticos internos dos estados africanos, diferenciando-se das usuais condicionalidades vindas do capital ocidental—capital que, aliás, segue dominante sobre o continente. Outros atrativos como a flexibilização dos termos dos empréstimos e as contrapartidas chinesas aos investimentos—infraestrutura e cooperação técnica, por exemplo—somam-se, explicando a atratividade do capital chinês.

Conforme dito, os investimentos chineses nos países em desenvolvimento são, essencialmente voltados para a busca de recursos naturais. No entanto, a grande demanda chinesa por commodities possui consequências negativas e positivas. Por um lado, colaborou para que os países produtores não sofressem tanto com a crise de 2008 e permitiu—devido à grande procura—um aumento nos preços dos produtos primários. Por outro, tanto a grande demanda quanto o baixo preço dos manufaturados chineses23 contribuíram para a tendência de reprimarização24 da pauta exportadora destes países (IPEA, 2011; VISENTINI, 2013, p. 35).

O caso brasileiro ilustra esta questão. A multiplicação da rentabilidade das relações comerciais entre Brasil e China desde a entrada chinesa na OMC, em 2001, faz com que a China seja, atualmente, o maior parceiro comercial brasileiro. No que se refere às exportações, a China é o principal comprador de nossos produtos desde 2009: ano em que passou a representar 15,2% de nossas exportações. Suas demandas, essencialmente primárias,25 contribuíram para uma mudança na composição tecnológica de nossas exportações. É possível afirmar que, entre 2001 e 2011, para cada dólar que o Brasil adquiria de suas exportações para a China, US$ 0,87 vinham de produtos primários e de manufaturas intensivas em recursos naturais, US$ 0,07 vinham de produtos de média intensidade tecnológica e apenas US$ 0,02 vinham de exportações de alta tecnologia (IPEA, 2011, p. 322).26

23 Seu baixo custo pode ser explicado por três fatores: os baixos custos de produção (inclusive

devido aos baixos salários), aos ganhos de produtividade advindos da grande escala de produção e a manutenção, por parte do governo, da moeda chinesa desvalorizada, permitindo preços competitivos a suas exportações.

24 A reprimarização é o que ocorre quando a economia de um país irá depender estruturalmente de commodities primárias e mineração, e redução da participação na pauta exportadora de bens industrializados.

25 Com destaque à soja, que representou 37,3% das exportações brasileiras à China em 2013, ao minério de ferro, 35,6%, e ao petróleo (óleo bruto), que representou 8,8% (IPEA, 2011).

26 Dito de outra forma, a composição de nossas exportações modificou-se entre 50% de produtos primários e de manufaturas intensivas em recursos (mão de obra e recursos naturais) em 2000 para 66% em 2009. As exportações tecnológicas caíram: as de baixa tecnologia caíram de 12% para 6%, as de média tecnologia de 26% para 20% e as de alta tecnologia, de 13% para 7%.

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As exportações chinesas para o Brasil, por outro lado, são essencialmente de produtos manufaturados de baixa, média e alta tecnologia. Desta forma, temos uma situação em que os produtos brasileiros de média e alta tecnologia têm pouco acesso ao mercado chinês e, em contrapartida, os produtos chineses são altamente competitivos no mercado interno brasileiro. A expansão chinesa, assim, também traz desafios à economia brasileira.

A crise de 2008, pela qual a China foi relativamente menos afetada, aprofundou a participação chinesa na economia mundial. Se durante a década de 1990 a participação do Produto Interno Bruto (PIB) chinês no PIB global era de 1,8%, ela passa a representar 9,3% do PIB global em 2010, tornando-se a 2ª maior economia do mundo. Tendo completado seu salto tecnológico,27 a China é atualmente o maior exportador mundial de produtos intensivos em tecnologia, e o 2º maior importador do mundo—importando, além das commodities já citadas, maquinário e tecnologia dos países desenvolvidos (MARTINS, 2013).

O milagre econômico chinês também acompanhou um maior entrelaçamento das relações comerciais, empresariais e financeiras entre EUA e China (com destaque para a compra chinesa de títulos do Tesouro estadunidense). Além disso, faz parte da atual conjuntura de perda, por parte dos Estados Unidos, de hegemonia frente ao aumento do poderio dos demais Estados. Assim, ao mesmo tempo em que temos um aumento da multipolaridade mundial e uma maior dependência dos EUA frente à China,28 cresce a percepção estadunidense de que é preciso derrotar a ameaça chinesa (ZUCATTO ET AL, 2013).

Recentemente, com a tentativa de uma saída americana do Oriente Médio, com as reduções do número de soldados na região, surgiu uma tentativa estadunidense de rebalancear a Ásia e, assim, diminuir o poder chinês. Esta tentativa se dá no âmbito econômico com a proposta da Parceria Trans-Pacífico (TPP). A proposta do TPP, ainda em discussão e endossada pela EUA, permitiria que conseguissem construir alianças via tratados de livre-comércio com diversos países da região, não incluindo a maior economia asiática: a China. Em resposta, a China propôs a construção da Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP), que constituiria um

27 Em 2011 a China tornou-se capaz de construir superprocessadores próprios—até então,

somente os EUA e o Japão possuíam tal capacidade. Diz-se, portanto, que ela concluiu sua 3ª Revolução Tecnológica.

28 A partir da crise financeira de 2007 a China é um dos principais possuidores de títulos da dívida pública estadunidense. Isso é, parte das reservas chinesas foi investida na compra de títulos da dívida pública estadunidense. Esta compra dá a China o direito de sacar o dinheiro investido em títulos (somado aos juros acumulados), o que gera uma vulnerabilidade da economia estadunidense frente à China.

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As exportações chinesas para o Brasil, por outro lado, são essencialmente de produtos manufaturados de baixa, média e alta tecnologia. Desta forma, temos uma situação em que os produtos brasileiros de média e alta tecnologia têm pouco acesso ao mercado chinês e, em contrapartida, os produtos chineses são altamente competitivos no mercado interno brasileiro. A expansão chinesa, assim, também traz desafios à economia brasileira.

A crise de 2008, pela qual a China foi relativamente menos afetada, aprofundou a participação chinesa na economia mundial. Se durante a década de 1990 a participação do Produto Interno Bruto (PIB) chinês no PIB global era de 1,8%, ela passa a representar 9,3% do PIB global em 2010, tornando-se a 2ª maior economia do mundo. Tendo completado seu salto tecnológico,27 a China é atualmente o maior exportador mundial de produtos intensivos em tecnologia, e o 2º maior importador do mundo—importando, além das commodities já citadas, maquinário e tecnologia dos países desenvolvidos (MARTINS, 2013).

O milagre econômico chinês também acompanhou um maior entrelaçamento das relações comerciais, empresariais e financeiras entre EUA e China (com destaque para a compra chinesa de títulos do Tesouro estadunidense). Além disso, faz parte da atual conjuntura de perda, por parte dos Estados Unidos, de hegemonia frente ao aumento do poderio dos demais Estados. Assim, ao mesmo tempo em que temos um aumento da multipolaridade mundial e uma maior dependência dos EUA frente à China,28 cresce a percepção estadunidense de que é preciso derrotar a ameaça chinesa (ZUCATTO ET AL, 2013).

Recentemente, com a tentativa de uma saída americana do Oriente Médio, com as reduções do número de soldados na região, surgiu uma tentativa estadunidense de rebalancear a Ásia e, assim, diminuir o poder chinês. Esta tentativa se dá no âmbito econômico com a proposta da Parceria Trans-Pacífico (TPP). A proposta do TPP, ainda em discussão e endossada pela EUA, permitiria que conseguissem construir alianças via tratados de livre-comércio com diversos países da região, não incluindo a maior economia asiática: a China. Em resposta, a China propôs a construção da Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP), que constituiria um

27 Em 2011 a China tornou-se capaz de construir superprocessadores próprios—até então,

somente os EUA e o Japão possuíam tal capacidade. Diz-se, portanto, que ela concluiu sua 3ª Revolução Tecnológica.

28 A partir da crise financeira de 2007 a China é um dos principais possuidores de títulos da dívida pública estadunidense. Isso é, parte das reservas chinesas foi investida na compra de títulos da dívida pública estadunidense. Esta compra dá a China o direito de sacar o dinheiro investido em títulos (somado aos juros acumulados), o que gera uma vulnerabilidade da economia estadunidense frente à China.

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Tratado de Livre Comércio entre os países membros da ASEAN e países como Austrália, Índia, Japão, China e Coreia do Sul (REIS, 2014, online; MARTINS ET

AL, 2014). No cenário de segurança e política externa dos países da Ásia importam,

também, as disputas territoriais. Destas, são centrais na China as disputas pelas Ilhas Spratly e Parecel e pelas Ilhas Diaoyu/Senkaku. As primeiras, ricas em recursos naturais (especialmente petróleo), são reivindicadas pela China e também por, pelo menos, Vietnã, Filipinas, Indonésia e Taiwan. Já o segundo conflito é entre China e Japão, e já tem piorado as relações entre os dois países desde 2012 (ZUCATTO ET AL, 2013). As disputas territoriais no Mar do Sul e do Leste da China ainda se constituem na principal ameaça securitária. Nesse sentido, o papel de Taiwan é vital, seja enquanto grande objetivo da política externa chinesa ou como essencial para a estratégia americana no Pacífico.

A grande dependência chinesa por recursos, em especial por combustíveis, levanta outros pontos. Um exemplo é a dependência chinesa do Estreito de Malaca, por onde passa a maior parte das importações chinesas de petróleo vinda do Oriente Médio. Existe uma demanda interna chinesa para criar ou consolidar rotas alternativas. Destas, destacam-se os projetos de novos gasodutos e oleodutos em conexão com a Rússia, na Ásia Central—em consonância com a estratégia da Nova Rota da Seda, que visa a estreitar laços econômicos e de segurança energética com os países desta região—e através de Mianmar. Esta última rota, concluída em 2013, envolve uma disputa entre China e Índia por influência na região (REIS, 2014, online; MARTINS ET AL, 2014).

A China também enfrenta grandes desafios quanto ao modelo econômico. Em 2011, o Comitê do Partido Comunista estabeleceu seu XII Plano Quinquenal, válido até 2015. A partir deste, a ênfase da economia chinesa passou a ser um modelo direcionado na elevação da renda da população em geral, sendo, portanto, mais focado em um aumento da capacidade de consumo. Devido à concentração de renda ocorrer próximo ao litoral do país—mais próximo das ZEEs—, esta reestruturação também inclui uma melhor distribuição regional de renda, além de prever uma desaceleração do crescimento econômico (ZUCATTO ET AL, 2013).

Consonante a tal mudança de enfoque para o desenvolvimento interno, desde 2003 a China utiliza o termo "desenvolvimento pacífico" em detrimento de "ascensão" (XAVIER, 2008, p. 56-70). Isso é, há uma busca por expressar um conceito de segurança baseado na confiança mútua e na cooperação e não em expansão de poder—uma busca por demonstrar que a China não pretende tornar-se hegemônica. Assim, o discurso de política externa desde Hu Jintao (2003-2013) e atualmente com o presidente Xi Jinping tem sido o de buscar

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um crescimento pacífico e num espaço de prosperidade mútua. Contudo, a presença chinesa crescente no Oriente Médio, África e América do Sul, além das respostas firmes em relação às disputas territoriais tende a deixar apreensivos certos setores mais conservadores da política estadunidense.

5 CONCLUSÃO

Fica claro o papel de liderança que a China possui no sistema internacional atual e, mais do que isso, na configuração das parcerias e alinhamentos dos países em desenvolvimento. Pela sua extensão, população e, consequentemente, o tamanho do seu mercado, a China é um importante parceiro econômico e uma alternativa para a reformulação da polarização entre os países. O seu crescimento vertiginoso nos últimos trinta anos obriga à permanente revisão das instituições políticas do país pelo PCCh. A lição também serve para o Brasil, onde algumas reformas político-institucionais parecem estar vinculadas ao processo de desenvolvimento da nação.

A história da China nos esclarece como o continente e, em certos momentos, o mundo tornam-se reféns do que ocorre em suas interações e guerras. Consequentemente, ao tornar-se a principal potência após os Estados Unidos e o principal polo do mundo em desenvolvimento, a China atrai a atenção do sistema internacional para a sua política externa. Será a sua posição diferenciada das outras potências em regiões como a África e Ásia Central que trarão o maior desafio que a China oferece ao status quo: um caminho de desenvolvimento desvinculado dos grandes poderes imperialistas.

Ao criar um modelo próprio de socialismo, aceitar-se como líder do Terceiro Mundo, criar o RCEP, a Nova Rota da Seda e pensar na sua ascensão pacífica, a China demonstra sua grandeza em realizar uma engenharia reversa do que surge externamente e adaptar para a sua realidade, devolvendo os conceitos ao resto do mundo com características chinesas. A extrema adaptabilidade e o pragmatismo chineses almejando o desenvolvimento nacional como desejo máximo do Partido e do povo (evocando princípios da tianxia) são os principais ensinamentos que ficam para o Brasil. Apesar de ainda estar sob a inescapável área de influência territorial dos Estados Unidos nas Américas, o Brasil tem indicado, com a força em que acredita no projeto dos BRICS, como pretende atingir a sua grandeza.

ABSTRACT The People’s Republic of China emerges in the 21st century as one of the great economic and political forces of the last decades, offering an alternative development model. The article discusses the historical aspects that led to the formation of the

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um crescimento pacífico e num espaço de prosperidade mútua. Contudo, a presença chinesa crescente no Oriente Médio, África e América do Sul, além das respostas firmes em relação às disputas territoriais tende a deixar apreensivos certos setores mais conservadores da política estadunidense.

5 CONCLUSÃO

Fica claro o papel de liderança que a China possui no sistema internacional atual e, mais do que isso, na configuração das parcerias e alinhamentos dos países em desenvolvimento. Pela sua extensão, população e, consequentemente, o tamanho do seu mercado, a China é um importante parceiro econômico e uma alternativa para a reformulação da polarização entre os países. O seu crescimento vertiginoso nos últimos trinta anos obriga à permanente revisão das instituições políticas do país pelo PCCh. A lição também serve para o Brasil, onde algumas reformas político-institucionais parecem estar vinculadas ao processo de desenvolvimento da nação.

A história da China nos esclarece como o continente e, em certos momentos, o mundo tornam-se reféns do que ocorre em suas interações e guerras. Consequentemente, ao tornar-se a principal potência após os Estados Unidos e o principal polo do mundo em desenvolvimento, a China atrai a atenção do sistema internacional para a sua política externa. Será a sua posição diferenciada das outras potências em regiões como a África e Ásia Central que trarão o maior desafio que a China oferece ao status quo: um caminho de desenvolvimento desvinculado dos grandes poderes imperialistas.

Ao criar um modelo próprio de socialismo, aceitar-se como líder do Terceiro Mundo, criar o RCEP, a Nova Rota da Seda e pensar na sua ascensão pacífica, a China demonstra sua grandeza em realizar uma engenharia reversa do que surge externamente e adaptar para a sua realidade, devolvendo os conceitos ao resto do mundo com características chinesas. A extrema adaptabilidade e o pragmatismo chineses almejando o desenvolvimento nacional como desejo máximo do Partido e do povo (evocando princípios da tianxia) são os principais ensinamentos que ficam para o Brasil. Apesar de ainda estar sob a inescapável área de influência territorial dos Estados Unidos nas Américas, o Brasil tem indicado, com a força em que acredita no projeto dos BRICS, como pretende atingir a sua grandeza.

ABSTRACT The People’s Republic of China emerges in the 21st century as one of the great economic and political forces of the last decades, offering an alternative development model. The article discusses the historical aspects that led to the formation of the

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country, which introduces a socialism with specific characteristics, from the Empire, to the civil war and the reforms in the 80s. By analyzing their exceptionality, we try to address possible lessons that this development model and security challenges can give to Brazil.

Keywords: China; People’s Republic of China; BRICS; communism; development model.

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE) ISSN: 2318-9390 | V. 2, 2015 | P. 59–84

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA POTÊNCIA EURASIANA DOS BRICS:

A FEDERAÇÃO RUSSA

CHALLENGES AND PROSPECTS OF THE EURASIAN GREAT POWER OF BRICS: RUSSIAN FEDERATION

Livi Gerbase1 Marina Schnor1

Rodrigo Milagre1

RESUMO O presente artigo tem por objetivo principal analisar a forma pela qual a Rússia se insere atualmente no cenário internacional. O trabalho será centrado no exame tanto das diretrizes que fundamentam a política externa do Kremlin, quanto da implementação destes princípios na inserção concreta do país no sistema internacional. Ademais, a fim de agregar às perspectivas do estudo pretendido, realizar-se-á uma comparação da tendência que baliza a atuação internacional russa desde a posse do presidente Vladimir Putin, no ano de 2000, com as demais tendências apresentadas ao longo de sua história.

Palavras-chave: BRICS; eurasianismo; Geórgia; Putin; Rússia; Ucrânia.

1 INTRODUÇÃO Em linhas gerais, parte-se do pressuposto de que, desde a Grande Guerra do Norte, contenda vencida por Pedro, o Grande, em 1721, a Rússia apresenta-se como uma potência no sistema internacional. Apesar de constante, a posição russa como um polo influente sujeitou-se não somente aos altos e baixos decorrentes das conjunturas doméstica e mundial, como também às mudanças experimentadas pela própria percepção de Moscou quanto a melhor maneira de proceder com a sua inserção internacional. Deste modo, duas tendências podem ser delineadas para interpretar os momentos em que a Rússia destacou-se entre os principais atores internacionais, configurando-se como

1 Graduandos em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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uma verdadeira grande potência: o ocidentalismo, presente durante a dinastia dos Romanov; e o eurasianismo, base da atual política empreendida pelo Kremlin. Assim sendo, serão prospectadas as diretrizes e a implementação destas na prática quanto à tendência eurasianista, que caracteriza a atual inserção internacional moscovita.

Para uma melhor compreensão de como o país tem agido recentemente em termos de sua política externa, o artigo será subdivido em três seções, além da introdução e da conclusão. Primeiramente, será apreciada a história russa a partir de uma perspectiva que priorize a análise das tendências que balizaram a política externa moscovita, destacando-se o ocidentalismo e o eurasianismo. Num segundo momento, tratar-se-á dos princípios atuais de sua política externa, relacionando-os a dois eventos marcantes nos quais a Rússia esteve envolvida no século XXI, quais sejam a Guerra da Geórgia de 2008 e a crise atual na Ucrânia (2013–presente). Por último, buscar-se-á como estes princípios são utilizados na realidade da atuação russa internacionalmente, tanto em regiões geográficas de seu interesse quanto em organizações internacionais—com ênfase no grupo BRICS.

2 ANÁLISE HISTÓRICA DA INSERÇÃO INTERNACIONAL RUSSA: AS TENDÊNCIAS BALIZADORAS A compreensão da Rússia, de suas singularidades sociais, históricas e geopolíticas e de sua ascensão como uma potência, na atualidade, remontam a um passado de invasões estrangeiras e de expansões territoriais. O país originou-se na fundação do Estado Kievan Rus,2 no século IX, em Kiev, com a instalação dos povos eslavos orientais—a congregação de russos, ucranianos e bielorrussos. No século XIII, as invasões mongóis desmantelaram o Estado e impuseram o domínio estrangeiro na região, até a definitiva derrota imposta por Ivan III, em 1480, e a posterior unificação do país em torno da nova capital, Moscou. Ivan IV, O Terrível, autodenominado Czar,3 empreendeu campanhas que inauguraram a grande expansão territorial de Moscou, para além de regiões povoadas apenas por russos (SEGRILLO, 2000). Esboçava-se, assim, a caracterização multiétnica do país.

É essencial compreender, nas dinâmicas desse período, um elemento central presente na construção da identidade russa: caracterizada por invasões, expansões e conquistas territoriais que fizeram do país o maior do

2 Kievan Rus’ é considerada o berço não só do Estado russo, como também do ucraniano e do

bielorrusso. 3 O “Eleito de Deus”, a figura do Czar como supremo absoluto caracterizará esse período e

posteriormente o Império Russo com a dinastia Romanov.

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uma verdadeira grande potência: o ocidentalismo, presente durante a dinastia dos Romanov; e o eurasianismo, base da atual política empreendida pelo Kremlin. Assim sendo, serão prospectadas as diretrizes e a implementação destas na prática quanto à tendência eurasianista, que caracteriza a atual inserção internacional moscovita.

Para uma melhor compreensão de como o país tem agido recentemente em termos de sua política externa, o artigo será subdivido em três seções, além da introdução e da conclusão. Primeiramente, será apreciada a história russa a partir de uma perspectiva que priorize a análise das tendências que balizaram a política externa moscovita, destacando-se o ocidentalismo e o eurasianismo. Num segundo momento, tratar-se-á dos princípios atuais de sua política externa, relacionando-os a dois eventos marcantes nos quais a Rússia esteve envolvida no século XXI, quais sejam a Guerra da Geórgia de 2008 e a crise atual na Ucrânia (2013–presente). Por último, buscar-se-á como estes princípios são utilizados na realidade da atuação russa internacionalmente, tanto em regiões geográficas de seu interesse quanto em organizações internacionais—com ênfase no grupo BRICS.

2 ANÁLISE HISTÓRICA DA INSERÇÃO INTERNACIONAL RUSSA: AS TENDÊNCIAS BALIZADORAS A compreensão da Rússia, de suas singularidades sociais, históricas e geopolíticas e de sua ascensão como uma potência, na atualidade, remontam a um passado de invasões estrangeiras e de expansões territoriais. O país originou-se na fundação do Estado Kievan Rus,2 no século IX, em Kiev, com a instalação dos povos eslavos orientais—a congregação de russos, ucranianos e bielorrussos. No século XIII, as invasões mongóis desmantelaram o Estado e impuseram o domínio estrangeiro na região, até a definitiva derrota imposta por Ivan III, em 1480, e a posterior unificação do país em torno da nova capital, Moscou. Ivan IV, O Terrível, autodenominado Czar,3 empreendeu campanhas que inauguraram a grande expansão territorial de Moscou, para além de regiões povoadas apenas por russos (SEGRILLO, 2000). Esboçava-se, assim, a caracterização multiétnica do país.

É essencial compreender, nas dinâmicas desse período, um elemento central presente na construção da identidade russa: caracterizada por invasões, expansões e conquistas territoriais que fizeram do país o maior do

2 Kievan Rus’ é considerada o berço não só do Estado russo, como também do ucraniano e do

bielorrusso. 3 O “Eleito de Deus”, a figura do Czar como supremo absoluto caracterizará esse período e

posteriormente o Império Russo com a dinastia Romanov.

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mundo em extensão, moldou-se uma autopercepção, na configuração da sociedade russa, do país enquanto um Império, perspectiva que persistiu ao longo de sua história (LIEVEN, 2002; ADAM, 2008). Esse aspecto manifestou-se no contexto da União Soviética, marca a relação da Rússia com seus vizinhos no pós-Guerra Fria e também perpassa, em grande medida, seu posicionamento atual no sistema internacional. Nesse contexto, percebem-se duas tendências que são reflexo e se desenvolvem no interior dessa identidade—uma ocidentalista e outra eurasiana. A primeira materializou-se fundamentalmente com a dinastia Romanov (1613–1917), representada principalmente pelas figuras de Pedro, O Grande e Catarina, A Grande. Nesse período, foram realizadas reformas ocidentalizantes,4 sedimentando o sistema absolutista característico do Velho Continente e afirmando a Rússia como um Império de fato, essencialmente sob um viés “europeizante” que influenciou o seu sistema político interno e suas pretensões de fazer parte, como uma entre iguais, do concerto europeu de nações. A política expansionista, concomitantemente, avançou sobre regiões do Império Otomano, do Mar Báltico e de territórios da Ucrânia e Polônia (LIEVEN, 2000), tornando a Rússia, com a vitória sobre a Suécia na Grande Guerra do Norte em 1721, uma grande potência de cunho ocidental.

O Império Russo manteve–se até 1917. Em meio à instabilidade no país e aos fracassos do seu envolvimento na 1ª Guerra Mundial, o sistema czarista foi derrubado e o Estado aderiu ao projeto socialista, com o triunfo da Revolução Russa. Com a instauração da República Socialista Federativa Soviética Russa, o país mergulhou em uma guerra civil envolvendo os revolucionários e a intervenção de potências ocidentais, contrárias à saída da Rússia da guerra e ao estabelecimento de um regime de cunho socialista na região.

A partir da vitória bolchevique e com a definitiva instauração da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1922, sob o comando de Vladimir Lênin—englobando, inicialmente, o território da Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e Transcaucásia5—iniciou-se um novo período para a história da Rússia e para as relações internacionais. Ao longo dos anos, a unidade socialista foi complexificando-se e aumentando, até atingir o número de

4 Tais como a mudança da capital para São Petersburgo, aproximando o Império Russo da

Europa—Moscou era considerada o símbolo das tradições orientais—, o desenvolvimento e a modernização das forças armadas em moldes ocidentais e a proibição de certos hábitos e tradições russas.

5 Região do Cáucaso que compreenderia, posteriormente, as repúblicas da Armênia, da Geórgia e do Azerbaijão.

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quinze repúblicas, sempre sob o forte domínio de Moscou como centro nuclear do Estado.

Dentro da lógica de caracterizar a atuação internacional da Rússia em diferentes tendências relacionadas ao seu caráter e autopercepção imperial, o período soviético, de certa forma, destoa dos demais momentos em que o país configurou-se como uma grande potência. Não se tratava apenas da inserção russa como parte da Europa ou sob uma perspectiva eurasiana, mas de uma inserção enquanto um Estado socialista que buscava, fundamentalmente, a contestação do sistema capitalista representado pelos Estados Unidos. Os anos de liderança de Josef Stalin (1924–1956) foram o período mais decisivo de consolidação da URSS como uma superpotência: sob um governo autoritário e totalitário, a coletivização da agricultura e os Planos Quinquenais fomentaram a 2a Revolução Industrial, com base na indústria pesada “financiada” pelo setor agrícola (SHEARER, 2006). O crescimento e a industrialização acelerada da economia foram as consequências desse processo. Externamente, houve o engajamento do país na 2ª Guerra Mundial, ao lado dos Aliados. No front oriental, o maior teatro de operações da guerra, os soviéticos resistiram à invasão da Alemanha nazista em seu território e emergiram, em 1945, como uma das superpotências vencedoras do conflito.

O contexto da participação soviética na Guerra e sua grande evolução industrial, militar e mesmo política alavancaram o país a uma posição de grande status no Sistema Internacional. No concerto e nas negociações do pós-guerra, evidencia-se o seu importante papel: na configuração da Organização das Nações Unidas (ONU), os soviéticos são incluídos entre os membros permanentes do Conselho de Segurança, países responsáveis pela manutenção da paz do pós-guerra. Concomitantemente, delineiam-se as linhas da Guerra Fria e as esferas de influência das duas superpotências, logo em 1945, nos acordos de Yalta.

Sucintamente, sobre o período da Guerra Fria, cabe enfatizar as relações exteriores da URSS frente aos países sob sua influência e aos conflitos periféricos característicos do período—notadamente, a título de importância, a guerra da Coreia e a guerra do Vietnã, em que o país interveio com o financiamento e com o apoio de armas aos movimentos pró-soviéticos. (VIZENTINI, 2004). No governo de Nikita Kruschev (1953–1964), em meio ao processo de desestalinização do regime, destacaram-se, como fatores importantes de construção do poder da União Soviética, o desenvolvimento do comando do espaço e da indústria microeletrônica. Contudo, no mesmo período, o regime começou a apresentar os primeiros sinais de desgaste e crise econômica que, nos anos seguintes, sepultariam o Estado socialista.

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quinze repúblicas, sempre sob o forte domínio de Moscou como centro nuclear do Estado.

Dentro da lógica de caracterizar a atuação internacional da Rússia em diferentes tendências relacionadas ao seu caráter e autopercepção imperial, o período soviético, de certa forma, destoa dos demais momentos em que o país configurou-se como uma grande potência. Não se tratava apenas da inserção russa como parte da Europa ou sob uma perspectiva eurasiana, mas de uma inserção enquanto um Estado socialista que buscava, fundamentalmente, a contestação do sistema capitalista representado pelos Estados Unidos. Os anos de liderança de Josef Stalin (1924–1956) foram o período mais decisivo de consolidação da URSS como uma superpotência: sob um governo autoritário e totalitário, a coletivização da agricultura e os Planos Quinquenais fomentaram a 2a Revolução Industrial, com base na indústria pesada “financiada” pelo setor agrícola (SHEARER, 2006). O crescimento e a industrialização acelerada da economia foram as consequências desse processo. Externamente, houve o engajamento do país na 2ª Guerra Mundial, ao lado dos Aliados. No front oriental, o maior teatro de operações da guerra, os soviéticos resistiram à invasão da Alemanha nazista em seu território e emergiram, em 1945, como uma das superpotências vencedoras do conflito.

O contexto da participação soviética na Guerra e sua grande evolução industrial, militar e mesmo política alavancaram o país a uma posição de grande status no Sistema Internacional. No concerto e nas negociações do pós-guerra, evidencia-se o seu importante papel: na configuração da Organização das Nações Unidas (ONU), os soviéticos são incluídos entre os membros permanentes do Conselho de Segurança, países responsáveis pela manutenção da paz do pós-guerra. Concomitantemente, delineiam-se as linhas da Guerra Fria e as esferas de influência das duas superpotências, logo em 1945, nos acordos de Yalta.

Sucintamente, sobre o período da Guerra Fria, cabe enfatizar as relações exteriores da URSS frente aos países sob sua influência e aos conflitos periféricos característicos do período—notadamente, a título de importância, a guerra da Coreia e a guerra do Vietnã, em que o país interveio com o financiamento e com o apoio de armas aos movimentos pró-soviéticos. (VIZENTINI, 2004). No governo de Nikita Kruschev (1953–1964), em meio ao processo de desestalinização do regime, destacaram-se, como fatores importantes de construção do poder da União Soviética, o desenvolvimento do comando do espaço e da indústria microeletrônica. Contudo, no mesmo período, o regime começou a apresentar os primeiros sinais de desgaste e crise econômica que, nos anos seguintes, sepultariam o Estado socialista.

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O governo de Mikhail Gorbachev, iniciado em 1985, foi marcado pelo início da transição do regime e pela tentativa de reformar o sistema soviético, que enfrentava fortes dificuldades políticas e econômicas internas, além dos constrangimentos internacionais decorrentes dos derradeiros anos da Guerra Fria. O último líder soviético materializou seu projeto na Glasnost—uma série de medidas visando à transparência e à abertura política do regime autoritário—e na Perestroika—a abertura econômica, marcada pela liberalização do comércio, pela permissão à importação de produtos estrangeiros e pela redução dos subsídios à economia, assim como pela diminuição dos gastos em defesa. Caminhava-se a uma maior ênfase nos elementos de uma economia de mercado, em detrimento da planificação característica do sistema soviético. Fundamentalmente, os problemas de desaceleração econômica e do hiato tecnológico em relação ao Ocidente perpassavam pelas mudanças em curso nos paradigmas de desenvolvimento industrial mundial, com a perda da competitividade dos produtos soviéticos frente a progressiva ascensão do modelo toyotista de produção no Ocidente. Esse novo padrão mais flexível era muito distinto dos pilares rígidos que sustentavam o próprio regime político soviético, mais próximo ao modelo fordista (SEGRILLO, 2000).

O processo iniciado por Gorbachev foi marcado por contradições, indecisões do líder frente às diferentes tendências políticas no partido e muitas divergências internas em relação aos rumos da URSS, com uma crescente polarização ideológica dentro do regime (SEGRILLO, 2000). Externamente, a relação da cúpula do regime com as repúblicas soviéticas caminhava para o desgaste, com a manifestação de diversos movimentos autonomistas na região. Nesse contexto, Gorbachev enfraquecia-se e perdia o controle político sobre o regime, enquanto a figura de Boris Yeltsin, já eleito Presidente da Rússia, empreendia reformas autonomistas frente a cúpula comunista, ascendendo como defensor do liberalismo e do caminho em direção ao capitalismo. Em 1991, Rússia, Ucrânia e Bielorrússia formalizam sua saída da URSS, enquanto Gorbachev renuncia e o acordo para criação da Comunidade de Estados Independentes (CEI)—da qual fariam parte as ex-repúblicas soviéticas—é assinado. Era o fim definitivo de 69 anos de URSS.

A reestruturação da Rússia enquanto país independente, após o desmantelamento da URSS, marcou o início de novos paradigmas e dinâmicas para o Estado em seu contexto interno, em suas relações exteriores e em sua própria posição no sistema internacional. Findada a Guerra Fria, sem a integração com as outras repúblicas socialistas e com a definitiva hegemonia dos Estados Unidos como único grande polo mundial, a Rússia já não se apresentava mais como a superpotência do passado. Boris Yeltsin, agora no

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cargo de presidente, empreendeu um projeto de transição ao capitalismo pleno no país. Esse processo de total desmonte do sistema comunista causou forte conturbação e instabilidade econômica, intensificada pelos problemas de abastecimento decorrentes do rompimento da cadeia produtiva estruturada e intensamente integrada entre as diversas ex-repúblicas soviéticas. Na esteira do neoliberalismo característico dos anos 1990, capitaneado pelos grandes organismos financeiros internacionais, a fórmula de liberalização, de privatizações e de abertura ao capital estrangeiro e especulativo, em detrimento da indústria nacional, foi estabelecida. As oligarquias—ex-burocratas do período soviético com influência junto ao regime—adquiriram imenso poder econômico e político sobre o Kremlin e os rumos do país, a partir do processo de privatizações. O ápice da instabilidade culminou na crise cambial de 1998 (ADAM, 2008; SEGRILLO, 2000).

Cabe enfatizar, a partir desse período, as dinâmicas referentes às novas relações exteriores da Rússia pós-Guerra Fria e sua posição frente às ex-repúblicas socialistas no seu entorno. A importância desse espaço regional é central para a compreensão da Rússia no sistema internacional, seu comportamento e suas possibilidades de projeção. A manutenção da influência regional sobre os países da CEI apresenta-se como condição para que o Estado russo dispute os espaços de poder mundial enquanto potência. Nesse sentido, como enfatiza Adam (2008, p. 69), “apenas por um breve momento o Kremlin desviou o país de uma autopercepção, de alguma forma, imperial”. Esse momento é expresso na primeira fase do governo Yeltsin, em que se pretendeu atuar no sistema internacional a partir de uma política externa calcada na lógica ocidentalista, a qual, tendo em vista o quadro político, econômico e social caótico interno, buscou a colaboração e a aproximação com os Estados Unidos e com as potências ocidentais (PICCOLI, 2012). A negligência e o isolamento em relação ao espaço pós-soviético, nesse contexto, foi marcante.

A posterior e progressiva alteração de diretrizes, que levaram ao atual modelo eurasiano de inserção internacional, pode ser apontada por alguns fatores. Em 1994, a Rússia enfrentou o movimento separatista checheno no Cáucaso, enfrentado críticas do Ocidente e sofrendo dura derrota com a declaração de independência da Chechênia em 1996.6 Em 1996, Ievgeni Primakov, mais alinhado aos ideais eurasianos, foi conduzido à pasta de Relações Exteriores. Em 1999, houve embate entre o Ocidente e a Rússia com a guerra do Kosovo, em que a OTAN interveio contra a Iugoslávia, enquanto 6 A Primeira Guerra da Chechênia (1994–1996), durante o governo Yeltsin, terminou com a

perda territorial da região pela Rússia. Posteriormente, entretanto, sob o comando de Putin, o país recuperou o controle e reanexou a região, na Segunda Guerra da Chechênia (1999–2000).

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cargo de presidente, empreendeu um projeto de transição ao capitalismo pleno no país. Esse processo de total desmonte do sistema comunista causou forte conturbação e instabilidade econômica, intensificada pelos problemas de abastecimento decorrentes do rompimento da cadeia produtiva estruturada e intensamente integrada entre as diversas ex-repúblicas soviéticas. Na esteira do neoliberalismo característico dos anos 1990, capitaneado pelos grandes organismos financeiros internacionais, a fórmula de liberalização, de privatizações e de abertura ao capital estrangeiro e especulativo, em detrimento da indústria nacional, foi estabelecida. As oligarquias—ex-burocratas do período soviético com influência junto ao regime—adquiriram imenso poder econômico e político sobre o Kremlin e os rumos do país, a partir do processo de privatizações. O ápice da instabilidade culminou na crise cambial de 1998 (ADAM, 2008; SEGRILLO, 2000).

Cabe enfatizar, a partir desse período, as dinâmicas referentes às novas relações exteriores da Rússia pós-Guerra Fria e sua posição frente às ex-repúblicas socialistas no seu entorno. A importância desse espaço regional é central para a compreensão da Rússia no sistema internacional, seu comportamento e suas possibilidades de projeção. A manutenção da influência regional sobre os países da CEI apresenta-se como condição para que o Estado russo dispute os espaços de poder mundial enquanto potência. Nesse sentido, como enfatiza Adam (2008, p. 69), “apenas por um breve momento o Kremlin desviou o país de uma autopercepção, de alguma forma, imperial”. Esse momento é expresso na primeira fase do governo Yeltsin, em que se pretendeu atuar no sistema internacional a partir de uma política externa calcada na lógica ocidentalista, a qual, tendo em vista o quadro político, econômico e social caótico interno, buscou a colaboração e a aproximação com os Estados Unidos e com as potências ocidentais (PICCOLI, 2012). A negligência e o isolamento em relação ao espaço pós-soviético, nesse contexto, foi marcante.

A posterior e progressiva alteração de diretrizes, que levaram ao atual modelo eurasiano de inserção internacional, pode ser apontada por alguns fatores. Em 1994, a Rússia enfrentou o movimento separatista checheno no Cáucaso, enfrentado críticas do Ocidente e sofrendo dura derrota com a declaração de independência da Chechênia em 1996.6 Em 1996, Ievgeni Primakov, mais alinhado aos ideais eurasianos, foi conduzido à pasta de Relações Exteriores. Em 1999, houve embate entre o Ocidente e a Rússia com a guerra do Kosovo, em que a OTAN interveio contra a Iugoslávia, enquanto 6 A Primeira Guerra da Chechênia (1994–1996), durante o governo Yeltsin, terminou com a

perda territorial da região pela Rússia. Posteriormente, entretanto, sob o comando de Putin, o país recuperou o controle e reanexou a região, na Segunda Guerra da Chechênia (1999–2000).

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Yeltsin colocou-se em oposição à tentativa de independência da região.7 Essas dinâmicas apresentaram-se como decisivas para as mudanças na política externa russa e nas relações russo-estadunidenses que se seguiriam (PICCOLI, 2012).

No final de 1999, desgastado, Boris Yeltsin renunciou à presidência do país. O período conturbado da transição pós-URSS, durante os anos 90, representou, fundamentalmente, a decadência do status da Federação Russa no sistema internacional. Com a renúncia de Yeltsin, o então primeiro-ministro Vladimir Putin assumiu o Kremlin em 2000. A ascensão de Putin como estadista é um momento de inflexão para a Rússia moderna e sua posição na política mundial. Nesse momento ocorreram a centralização do poder, o enfraquecimento das oligarquias fortalecidas no período Yeltsin e a reafirmação do país como uma grande potência, salvando o Estado do provável colapso (COLIN, 2007). Nesse sentido, a reafirmação da Rússia como grande potência após a chegada de Putin ao poder e, mais precisamente, a Guerra da Geórgia, em 2008, deu-se através da tendência e dos moldes eurasianos. Diferentemente da tentativa ocidentalista empreendida por Yeltsin no início dos anos 1990, de aproximar-se das potências europeias tradicionais como forma de ascender internacionalmente, a Rússia de Putin caracteriza-se por uma atuação que busca intensamente um sistema político próprio e uma política externa autônoma e mais independente do Ocidente. É interessante frisar, no entanto, que o eurasianismo retomado no período Putin, embora com vários dos mesmos valores centrais, carrega particularidades em relação àquele tradicional do pensamento russo, por caracterizar-se como um modelo muito mais pragmático e não essencialmente ligado à ideia de reconstrução do Império Russo. Para tal estratégia de política externa, a diversificação dos parceiros, em regiões como o a Europa Oriental, o Cáucaso e a Ásia, é uma maneira consistente de afastar-se da ingerência dos países ocidentais.

3 A POLÍTICA EXTERNA RUSSA NA ATUALIDADE: CARACTERÍSTICAS DO EURASIANISMO Desde o primeiro mandato presidencial de Vladimir Putin, iniciado nos anos 2000, a atuação internacional da Rússia vem demonstrando determinadas diretrizes centrais, relacionadas à concepção de inserção eurasiana, que visam, em última instância, à afirmação de sua independência e à manutenção de sua

7 Havia um perigo para a Rússia em dar legitimidade a movimentos autonomistas – o que poderia

fortalecer o separatismo no seu território –, além da ameaça à segurança nacional representada pela presença militar da OTAN nos Balcãs.

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influência no cenário global (COLIN, 2007). Nesse contexto, a Guerra da Geórgia, que transcorreu durante cinco dias, em 2008, e a Crise na Ucrânia, que teve início no final de 2013 e que perdura até hoje, surgem não somente como dois pontos significativos na história russa, mas também como marcos da atual inserção internacional de Moscou. Se em 2008 a Rússia demonstrou ao mundo que a balança de poder decorrente do desmantelamento da União Soviética já havia se transformado (FRIEDMAN, 2008), em 2014 o país consolidou a posição demarcada seis anos antes, desqualificando qualquer ceticismo que ainda pudesse existir quanto à sua condição como grande potência no sistema internacional.

3.1 DIRETRIZES DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA A atual condução da política externa da Rússia, de cunho extremamente pragmático, almeja o alcance de um grande objetivo, qual seja, o de assegurar o status de grande potência do país, constituindo-se num dos polos—independente e influente—de um sistema internacional marcado pela multipolaridade (COLIN, 2007; ADAM, 2013). A fim de atingir tal meta, algumas diretrizes foram delineadas, estando relacionadas (i) com a produção de recursos energéticos que Moscou possui em abundância; (ii) com o peso de suas capacidades militares e nucleares; (iii) com as relações despendidas com o Ocidente e com a Eurásia—sobretudo, respectivamente, com os Estados Unidos e com a China; e, por fim, (iv) com a importância que o país imputa às instâncias multilaterais—e à emergência de uma “Nova Ordem Mundial” (RUSSIA, 2013).

A diplomacia energética, isto é, a utilização da dependência energética de um país em relação a outro para garantir ganhos políticos, tem sido, nos últimos anos, um importante meio pelo qual a Rússia aufere poder de barganha nas negociações internacionais. A exportação de petróleo e de gás serviu, durante anos, para sustentar o crescimento econômico relativamente estável do país e, consequentemente, para recuperar a sua economia, que sofreu com os efeitos da desmantelamento da URSS e com os anos 1990. Apesar das consequências perniciosas da crise de 2008, a constância dos preços do petróleo, em patamares cada vez mais altos (WORLD BANK, 2014) em função da demanda mundial por energia, garantiu condições geoeconômicas que permitiram que Moscou mantivesse uma influência crescente nas decisões político-diplomáticas a nível global. Todavia, a recente queda do valor de tal mercadoria, registrada desde a metade de 2014 e que persiste no início de 2015, soma-se à desvalorização da moeda russa e às sanções econômicas sofridas em função dos acontecimentos na Ucrânia como mais um fator periclitante para o crescimento econômico russo (BBC NEWS, 2015;

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influência no cenário global (COLIN, 2007). Nesse contexto, a Guerra da Geórgia, que transcorreu durante cinco dias, em 2008, e a Crise na Ucrânia, que teve início no final de 2013 e que perdura até hoje, surgem não somente como dois pontos significativos na história russa, mas também como marcos da atual inserção internacional de Moscou. Se em 2008 a Rússia demonstrou ao mundo que a balança de poder decorrente do desmantelamento da União Soviética já havia se transformado (FRIEDMAN, 2008), em 2014 o país consolidou a posição demarcada seis anos antes, desqualificando qualquer ceticismo que ainda pudesse existir quanto à sua condição como grande potência no sistema internacional.

3.1 DIRETRIZES DA POLÍTICA EXTERNA RUSSA A atual condução da política externa da Rússia, de cunho extremamente pragmático, almeja o alcance de um grande objetivo, qual seja, o de assegurar o status de grande potência do país, constituindo-se num dos polos—independente e influente—de um sistema internacional marcado pela multipolaridade (COLIN, 2007; ADAM, 2013). A fim de atingir tal meta, algumas diretrizes foram delineadas, estando relacionadas (i) com a produção de recursos energéticos que Moscou possui em abundância; (ii) com o peso de suas capacidades militares e nucleares; (iii) com as relações despendidas com o Ocidente e com a Eurásia—sobretudo, respectivamente, com os Estados Unidos e com a China; e, por fim, (iv) com a importância que o país imputa às instâncias multilaterais—e à emergência de uma “Nova Ordem Mundial” (RUSSIA, 2013).

A diplomacia energética, isto é, a utilização da dependência energética de um país em relação a outro para garantir ganhos políticos, tem sido, nos últimos anos, um importante meio pelo qual a Rússia aufere poder de barganha nas negociações internacionais. A exportação de petróleo e de gás serviu, durante anos, para sustentar o crescimento econômico relativamente estável do país e, consequentemente, para recuperar a sua economia, que sofreu com os efeitos da desmantelamento da URSS e com os anos 1990. Apesar das consequências perniciosas da crise de 2008, a constância dos preços do petróleo, em patamares cada vez mais altos (WORLD BANK, 2014) em função da demanda mundial por energia, garantiu condições geoeconômicas que permitiram que Moscou mantivesse uma influência crescente nas decisões político-diplomáticas a nível global. Todavia, a recente queda do valor de tal mercadoria, registrada desde a metade de 2014 e que persiste no início de 2015, soma-se à desvalorização da moeda russa e às sanções econômicas sofridas em função dos acontecimentos na Ucrânia como mais um fator periclitante para o crescimento econômico russo (BBC NEWS, 2015;

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INVESTOPEDIA, 2015) e que, por conseguinte, pode ter efeitos ainda imprevisíveis sobre o capital político do país.

De todo modo, a comercialização de recursos energéticos tornou-se, assim, base da ideia de política externa independente dos russos. A sua utilização como instrumento de promoção dos interesses nacionais do país no exterior, tendo em vista que muitos países conservam alta dependência destas exportações, gera uma “sensação de não estar mais preso ao Ocidente” (COLIN, 2007, p. 132). Ainda segundo Colin (2007, p. 144), o aumento das exportações energéticas russas reforçou o Estado, fazendo com que este passasse a contar com o privilégio dos Estados fortes: "o de transformar suas vantagens econômicas nas relações internacionais em política coerente, ou seja, em política de potência". Todavia, o uso político do setor energético traz também uma dependência da própria Rússia a uma série de fatores, e não só de sua economia em relação aos dividendos auferidos com a exportação dos hidrocarbonetos. A estabilidade dos países pelos quais passam os sistemas de transporte enérgico, as tentativas norte-americanas de construção de dutos que desviem do território russo e a própria questão da sustentabilidade no longo prazo do modelo de produção e consumo de petróleo e gás são apenas algumas das apreensões de Moscou no concernente à preservação dos efeitos benéficos da diplomacia energética (COLIN, 2007). A própria Rússia tem buscado diversificar as suas rotas de dutos,8 a fim de diminuir a capacidade dos Estados Unidos de intervir na sua política energética (MAZAT & SERRANO, 2012).

Outro fator importante para a projeção dos interesses da Rússia na esfera internacional são as suas capacidades militares e nucleares. Moscou herdou, como sucessora jurídica da União Soviética, a maior parte do poderio bélico soviético e, desde o início da presidência de Putin, tem demonstrado empenho em sua recuperação e reformulação (MONIZ BANDEIRA, 2013). Assim sendo, a revitalização das forças armadas russas empreendida pelo Kremlin nos últimos anos expressa que a utilização dos mecanismos de natureza econômica relacionados à diplomacia energética não subjugaram a relevância conferida ao poder marcial (ADAM, 2013). A Reforma Militar Russa, que foi delineada após a Guerra da Geórgia e que se pretende concluir até o ano de 2020, volta-se, sobretudo, para a guerra local em países fronteiriços, para a

8 A construção dos gasodutos Blue Stream, que liga a Rússia à Turquia, e Nord Stream, que interliga

a Rússia à Alemanha, e o projeto de edificação do South Stream, que ligará a Rússia à Áustria, à Croácia, à Eslovênia e à Itália inserem-se no plano russo de diversificação das suas linhas de suprimento energético.

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dissuasão nuclear9 e para o combate à insurgência e ao terrorismo (AVIATON WEEK, 2015; ZYSK, 2009). Isso evidencia a preocupação russa com a unidade territorial, com as questões regionais e com a “perigosa” aproximação ocidental. Nesse âmbito, as armas nucleares têm um papel significativo, pois além de atestarem a continuada importância do país no sistema internacional e a sua condição de grande potência, consistem num dos pilares do poder de dissuasão que, de uma forma ou de outra, restringem a possibilidade de ação de seus concorrentes.

As relações entre a Rússia e a Europa Ocidental podem ser caracterizadas por uma palavra: interdependência. Enquanto os Estados euro-atlânticos necessitam fortemente dos recursos energéticos provenientes da Rússia, Moscou depende dos pagamentos por essas exportações e da oferta de uma série de bens do continente europeu, configurando a Europa como o maior parceiro econômico do país. Apesar disso, a Europa possui um comportamento ambíguo, pois trata Moscou, em muitos casos, como o inimigo a ser derrotado, um claro resquício da lógica maniqueísta que permeou a Guerra Fria. Ao mesmo tempo em que assume uma posição dura nos organismos institucionais coletivos, como a OTAN e a União Europeia—muito por influência da estratégia global norte-americana—, alguns países europeus, se considerados individualmente, mantém relações bilaterais proveitosas com os russos (MAZAT & SERRANO, 2012).

Quanto ao relacionamento com os Estados Unidos, apesar da convergência em certos assuntos internacionais, há o predomínio de um clima de hostilidade entre os dois países. A atual estratégia geopolítica dos Estados Unidos para manter sua posição de liderança e atingir seus interesses econômicos gerais está calcada em duas metas: a primeira é enfraquecer o poder dos países que aspiram ser potências regionais, na falta de um potência rival a nível mundial; a segunda é controlar o acesso às reservas de petróleo e gás mais relevantes no mundo, como forma de poder vetar, quando necessário, o seu suprimento a países importantes (MAZAT & SERRANO, 2012). Nesse contexto, mesmo que não representando o mesmo peso político, econômico e militar da União Soviética de outrora, a Rússia possui as capacidades e o status de uma potência regional, permanecendo, pois, um alvo norte-americano. As mais recentes investidas ocidentais contra a soberania russa têm sido no sentido de avançar os projetos de expansão da OTAN, do

9 A dissuasão nuclear é um conceito estratégico que faz referência à inibição da prática da ação a

ser realizada por um ator em razão da ameaça do emprego de armas nucleares como forma de retaliar esta ação que seria praticada (NOGUEIRA, 2008).

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dissuasão nuclear9 e para o combate à insurgência e ao terrorismo (AVIATON WEEK, 2015; ZYSK, 2009). Isso evidencia a preocupação russa com a unidade territorial, com as questões regionais e com a “perigosa” aproximação ocidental. Nesse âmbito, as armas nucleares têm um papel significativo, pois além de atestarem a continuada importância do país no sistema internacional e a sua condição de grande potência, consistem num dos pilares do poder de dissuasão que, de uma forma ou de outra, restringem a possibilidade de ação de seus concorrentes.

As relações entre a Rússia e a Europa Ocidental podem ser caracterizadas por uma palavra: interdependência. Enquanto os Estados euro-atlânticos necessitam fortemente dos recursos energéticos provenientes da Rússia, Moscou depende dos pagamentos por essas exportações e da oferta de uma série de bens do continente europeu, configurando a Europa como o maior parceiro econômico do país. Apesar disso, a Europa possui um comportamento ambíguo, pois trata Moscou, em muitos casos, como o inimigo a ser derrotado, um claro resquício da lógica maniqueísta que permeou a Guerra Fria. Ao mesmo tempo em que assume uma posição dura nos organismos institucionais coletivos, como a OTAN e a União Europeia—muito por influência da estratégia global norte-americana—, alguns países europeus, se considerados individualmente, mantém relações bilaterais proveitosas com os russos (MAZAT & SERRANO, 2012).

Quanto ao relacionamento com os Estados Unidos, apesar da convergência em certos assuntos internacionais, há o predomínio de um clima de hostilidade entre os dois países. A atual estratégia geopolítica dos Estados Unidos para manter sua posição de liderança e atingir seus interesses econômicos gerais está calcada em duas metas: a primeira é enfraquecer o poder dos países que aspiram ser potências regionais, na falta de um potência rival a nível mundial; a segunda é controlar o acesso às reservas de petróleo e gás mais relevantes no mundo, como forma de poder vetar, quando necessário, o seu suprimento a países importantes (MAZAT & SERRANO, 2012). Nesse contexto, mesmo que não representando o mesmo peso político, econômico e militar da União Soviética de outrora, a Rússia possui as capacidades e o status de uma potência regional, permanecendo, pois, um alvo norte-americano. As mais recentes investidas ocidentais contra a soberania russa têm sido no sentido de avançar os projetos de expansão da OTAN, do

9 A dissuasão nuclear é um conceito estratégico que faz referência à inibição da prática da ação a

ser realizada por um ator em razão da ameaça do emprego de armas nucleares como forma de retaliar esta ação que seria praticada (NOGUEIRA, 2008).

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Escudo Antimíssil e da União Europeia para países do seu exterior próximo.10 Consequentemente, Moscou vem demonstrando que resistirá e, em alguns casos, não tolerará qualquer tentativa de expansão da aliança militar ocidental, sobretudo sobre regiões estratégicas ao país (MONIZ BANDEIRA, 2013).

No que diz respeito às relações da Rússia com a porção eurasiática, dois atores merecem destaque: o conjunto de Estados do espaço pós-soviético e a China. A valorização da posição geográfica eurasiana e do vetor oriental da política externa russa ganhou força como forma do país balancear os reveses decorrentes da convivência com a Europa e com os Estados Unidos, sobretudo nos anos 1990 (ADAM, 2013). Além disso, esta valorização também carrega o intuito de mitigar a dependência russa do Ocidente, através do aumento e da diversificação dos parceiros nos mercados do Leste europeu e da Ásia.

A relevância para Moscou da aproximação do seu entorno estratégico fica clara após uma análise do Conceito de Política Externa da Federação Russa (CPEFR) de 2013.11 Nesse documento predominam, na seção das prioridades regionais, as estratégias de aproximação e de fortalecimento da integração com os países pertencentes à CEI. Desde o ano de 1991, que demarca a criação da CEI após o esfacelamento da União Soviética, a Rússia tem sistematizado tentativas de integração regional com os países da Europa do Leste e da Ásia Central, como será analisado na terceira seção deste artigo.

Já em relação à China, a aliança entre os dois países iniciou-se com a desmilitarização das fronteiras entre os países, no final da década de 1990, e foi fortalecida com a assinatura de uma parceira estratégica em 2000 e com a defesa de princípios comuns, como a não-intervenção em assuntos domésticos. Ela não possui um caráter de balanceamento militar dos Estados Unidos, e sim de contestação da unipolaridade (BUMBIERIS, 2010) e de resistência às ambições geopolíticas dos Estados Unidos nas antigas zonas de influência soviética (MAZAT & SERRANO, 2012), a partir de diversos instrumentos mais sutis de resistência.12 A parceria destaca-se nos setores militar, com a comercialização de armamentos e com a transferência de

10 Região formada por 11 países independentes que faziam parte da ex-URSS: Ucrânia, Belarus,

Moldávia, Geórgia, Azerbaijão, Armênia, Turcomenistão, Uzbequistão, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão.

11 O Conceito de Política Externa da Federação Russa é um documento oficial russo que descreve sistematicamente os princípios básicos, as prioridades, as metas e os objetivos da política externa da Rússia.

12 Dentre os instrumentos, destacam-se a negação de área, a diplomacia de enredamento e a formação de blocos econômicos exclusivos e de alianças de tipo menos vinculativo ou formal (BUMBIERS, 2010).

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tecnologias, e energético, com as recentes formalizações de acordos para o fornecimento de recursos energéticos russos à China.13

Finalmente, há que se destacar a significância que os russos conferem à formatação de uma “Nova Ordem Mundial” sob os auspícios de um sistema multipolar em que a Rússia atuaria como um dos polos. A percepção de Moscou embasa-se na ideia de que as relações internacionais estão passando por um processo de transição, responsável tanto pela diminuição da capacidade do Ocidente de controlar as questões político-econômicas mundiais, quanto pela emergência da multipolaridade. A promoção da segurança e da estabilidade internacionais estaria vinculada, neste âmbito, ao estabelecimento de um sistema internacional democrático, em que as decisões concernentes a temas globais fossem tomadas coletivamente (RUSSIA, 2013). Segundo o entendimento de Colin (2007, p. 143), “em um mundo cambiante em que os Estados Unidos não mais detêm uma hegemonia indisputável, a Rússia pretende participar da formulação da política global”.

3.2 A GUERRA DA GEÓRGIA Em agosto de 2008, a Rússia passou—com sucesso—por uma provação em sua fronteira meridional, mais precisamente na região do Cáucaso. Os cinco dias de conflito em território georgiano, que culminaram com uma vitória incontestável de Moscou, sinalizaram ao Ocidente que qualquer pretensão deste de se estender livremente sobre o antigo território soviético não viria sem um alto custo.

As declarações de independência de duas regiões separatistas georgianas em que preexistem populações de russos étnicos, a Ossétia do Sul e da Abecásia, respectivamente em 1991 e 1992, incitaram conflitos que culminaram na Guerra Civil da Geórgia, findada somente em 1994. O retorno das tensões, no início do novo século, somado aos desdobramentos da Revolução Rosa,14 acabou por conduzir ao poder Mikheil Saakashvili,

13 No início de novembro de 2014, Rússia e China assinaram mais um acordo de suprimento

energético que, combinado com outro estabelecido em março do mesmo ano, será responsável por diminuir a dependência russa das importações europeias e por assegurar praticamente 50% da demanda chinesa por energia (BLOOMBERG, 2014).

14 A Revolução Rosa foi um movimento popular georgiano ocorrido em 2003 e incentivado por governos e instituições ocidentais que condenou o regime do presidente Eduard Shervardnadze pela precária situação econômica e financeira do país e por pretensas fraudes eleitorais. Ela faz parte de um conjunto conhecido como as “Revoluções Coloridas”, juntamente com movimentos na ex-Iugoslávia (2000), na Ucrânia (2004) e no Quirguistão (2005). Os Estados Unidos pretendiam que houvesse uma mudança de regime nestes países, com a instalação de governos próximos a Washington, sem a utilização de violência, como forma de atingir seus objetivos estratégicos na região da antiga União Soviética (MONIZ BANDEIRA, 2013).

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tecnologias, e energético, com as recentes formalizações de acordos para o fornecimento de recursos energéticos russos à China.13

Finalmente, há que se destacar a significância que os russos conferem à formatação de uma “Nova Ordem Mundial” sob os auspícios de um sistema multipolar em que a Rússia atuaria como um dos polos. A percepção de Moscou embasa-se na ideia de que as relações internacionais estão passando por um processo de transição, responsável tanto pela diminuição da capacidade do Ocidente de controlar as questões político-econômicas mundiais, quanto pela emergência da multipolaridade. A promoção da segurança e da estabilidade internacionais estaria vinculada, neste âmbito, ao estabelecimento de um sistema internacional democrático, em que as decisões concernentes a temas globais fossem tomadas coletivamente (RUSSIA, 2013). Segundo o entendimento de Colin (2007, p. 143), “em um mundo cambiante em que os Estados Unidos não mais detêm uma hegemonia indisputável, a Rússia pretende participar da formulação da política global”.

3.2 A GUERRA DA GEÓRGIA Em agosto de 2008, a Rússia passou—com sucesso—por uma provação em sua fronteira meridional, mais precisamente na região do Cáucaso. Os cinco dias de conflito em território georgiano, que culminaram com uma vitória incontestável de Moscou, sinalizaram ao Ocidente que qualquer pretensão deste de se estender livremente sobre o antigo território soviético não viria sem um alto custo.

As declarações de independência de duas regiões separatistas georgianas em que preexistem populações de russos étnicos, a Ossétia do Sul e da Abecásia, respectivamente em 1991 e 1992, incitaram conflitos que culminaram na Guerra Civil da Geórgia, findada somente em 1994. O retorno das tensões, no início do novo século, somado aos desdobramentos da Revolução Rosa,14 acabou por conduzir ao poder Mikheil Saakashvili,

13 No início de novembro de 2014, Rússia e China assinaram mais um acordo de suprimento

energético que, combinado com outro estabelecido em março do mesmo ano, será responsável por diminuir a dependência russa das importações europeias e por assegurar praticamente 50% da demanda chinesa por energia (BLOOMBERG, 2014).

14 A Revolução Rosa foi um movimento popular georgiano ocorrido em 2003 e incentivado por governos e instituições ocidentais que condenou o regime do presidente Eduard Shervardnadze pela precária situação econômica e financeira do país e por pretensas fraudes eleitorais. Ela faz parte de um conjunto conhecido como as “Revoluções Coloridas”, juntamente com movimentos na ex-Iugoslávia (2000), na Ucrânia (2004) e no Quirguistão (2005). Os Estados Unidos pretendiam que houvesse uma mudança de regime nestes países, com a instalação de governos próximos a Washington, sem a utilização de violência, como forma de atingir seus objetivos estratégicos na região da antiga União Soviética (MONIZ BANDEIRA, 2013).

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resultando em um relacionamento mais profundo entre os Estados Unidos e a Geórgia. Esta aproximação inseria-se na intenção norte-americana de assegurar o domínio das reservas e das rotas de petróleo da região através do controle de países que anteriormente integraram a União Soviética, e que, com a instalação de regimes pró-Ocidente, passariam a isolar a Rússia de sua antiga esfera de influência (MONIZ BANDEIRA, 2013).

O estreitamento dos laços com os Estados Unidos e as tratativas para inclusão da Geórgia na OTAN, iniciadas em 2004, levaram Saakashvili a crer que uma tentativa de retomada da Ossétia do Sul não só não encontraria uma reação de Moscou, como também contaria com uma eventual assistência dos norte-americanos e dos demais membros da aliança militar (MONIZ BANDEIRA, 2013). Entretanto, o ataque dos georgianos ao território separatista configurou-se como uma oportunidade para a Rússia contestar de forma concreta os recentes acontecimentos no seu exterior próximo. A influência ocidental nas “Revoluções Coloridas”, os planos de avanço da OTAN—e, consequentemente, do Escudo Antimíssil15—em países no entorno estratégico de Moscou e, inclusive, a decisão da Europa e dos Estados Unidos de apoiar a independência do Kosovo, mesmo contra a vontade dos russos, demonstravam tanto a pretensão do Ocidente—mas sobretudo dos Estados Unidos—de cercar e estrangular a Rússia, quanto a conclusão de que as suas considerações não tinham peso suficiente para importar nas decisões de caráter internacional (FRIEDMAN, 2008).

A rápida vitória que a contraofensiva russa alcançou em território georgiano e o subsequente reconhecimento oficial do Kremlin às independências da Ossétia do Sul e da Abecásia constituíram-se numa demonstração contundente de força da Rússia, afirmando a sua intenção de estar presente nas articulações que envolvem os territórios do antigo Império russo. Apesar das advertências por parte do governo norte-americano de que as relações entre os dois países à época estavam a perigo, os Estados Unidos encontravam-se numa situação delicada, visto que dependiam da cooperação russa para a resolução de problemas internacionais (MONIZ BANDEIRA, 2013). Nas palavras de Adam (2008, p. 59), “a inércia norte-americana demonstrou que existe um limite para as ações da OTAN no espaço pós-soviético: não se

15 O Escudo Antimíssil, que faz parte da política norte-americana do National Missile Defence,

consiste num sistema capaz de defender o território dos Estados Unidos contra ataques de mísseis balísticos, sejam eles acidentais, não autorizados ou deliberados. A iniciativa de ampliação do sistema para a Europa, iniciada em 2001, é justificada oficialmente em função da potencial ameaça, inclusive nuclear, que o Irã possa vir a representar à OTAN. Contudo, é evidente que o Escudo tem como objetivo dirimir a capacidade estratégica da Rússia, afetando diretamente a sua estratégia de dissuasão nuclear (PICCOLLI, 2012).

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envolver em confronto militar direto contra a renascida Rússia em sua zona histórica de influência”.

3.3 A CRISE NA UCRÂNIA A maneira altiva e a forma cautelosa pelas quais, respectivamente, a Rússia e o Ocidente se portaram frente à situação vivida nos últimos tempos na Ucrânia servem como comprovação da posição de grande potência reafirmada pelo Kremlin após a Guerra da Geórgia. A atuação russa, que teve como ápice a anexação da Crimeia, e as reações ocidentais demonstram claramente a relevância que Moscou alcançou na condução dos assuntos globais.

O primórdio da questão ucraniana está na eleição à presidência, em 2010, de Viktor Yanukovich, candidato que saiu derrotado no pleito de 2004 após os desdobramentos da Revolução Laranja.16 Apesar de sua preferência pela Rússia, o então presidente ucraniano buscou um caminho de maior autonomia, desenvolvendo uma política multivetorial de balanceamento que promovia os interesses nacionais através da alternância de momentos de aproximação e de afastamento da Rússia e do Ocidente (CRUZ & MACHADO, 2012). Desta forma, as negociações para a entrada da Ucrânia na União Europeia, iniciadas pelo governo precedente, foram mantidas, mas sem que prejudicassem as relações com os russos. Entretanto, em novembro de 2013, Yanukovich rompeu com esta estratégia ao abandonar as tratativas sobre o acordo de livre-comércio com a União Europeia em prol de uma maior cooperação com Moscou. Parte desta retomada da preferência pelos russos, para além dos laços históricos, culturais e energéticos entre os dois países, justificou-se pelas dificuldades que os europeus participantes da zona do euro encontravam para reerguer-se economicamente após a crise de 2008. A resposta popular à cessão das negociações deu-se em protestos nas ruas de Kiev, capital do país, que foram gradativamente ganhando maiores proporções. Para Mielniczuk (2014), três são as causas que impulsionaram a indignação de parte da população ucraniana e, por conseguinte, o crescimento das manifestações: a incapacidade da gestão Yanukovich de empreender a tão esperada transição da economia ucraniana para o modelo capitalista; a

16 A Revolução Laranja foi um movimento popular ucraniano ocorrido em 2004 e incentivado por

governos e instituições ocidentais que acusou a eleição de Viktor Yanukovich de fraudulenta, conseguindo reverter o processo e realizar um novo pleito, no qual o opositor de Yanukovich, Viktor Yushchenko, saiu vitorioso. Assim como a Revolução Rosa, ela faz parte de um conjunto conhecido como as “Revoluções Coloridas”, juntamente com movimentos na ex-Iugoslávia (2000), na Ucrânia (2004) e no Quirguistão (2005). Os Estados Unidos pretendiam que houvesse uma mudança de regime nestes países, com a instalação de governos próximos a Washington, sem a utilização de violência, como forma de atingir seus objetivos estratégicos na região da antiga União Soviética (MONIZ BANDEIRA, 2013).

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envolver em confronto militar direto contra a renascida Rússia em sua zona histórica de influência”.

3.3 A CRISE NA UCRÂNIA A maneira altiva e a forma cautelosa pelas quais, respectivamente, a Rússia e o Ocidente se portaram frente à situação vivida nos últimos tempos na Ucrânia servem como comprovação da posição de grande potência reafirmada pelo Kremlin após a Guerra da Geórgia. A atuação russa, que teve como ápice a anexação da Crimeia, e as reações ocidentais demonstram claramente a relevância que Moscou alcançou na condução dos assuntos globais.

O primórdio da questão ucraniana está na eleição à presidência, em 2010, de Viktor Yanukovich, candidato que saiu derrotado no pleito de 2004 após os desdobramentos da Revolução Laranja.16 Apesar de sua preferência pela Rússia, o então presidente ucraniano buscou um caminho de maior autonomia, desenvolvendo uma política multivetorial de balanceamento que promovia os interesses nacionais através da alternância de momentos de aproximação e de afastamento da Rússia e do Ocidente (CRUZ & MACHADO, 2012). Desta forma, as negociações para a entrada da Ucrânia na União Europeia, iniciadas pelo governo precedente, foram mantidas, mas sem que prejudicassem as relações com os russos. Entretanto, em novembro de 2013, Yanukovich rompeu com esta estratégia ao abandonar as tratativas sobre o acordo de livre-comércio com a União Europeia em prol de uma maior cooperação com Moscou. Parte desta retomada da preferência pelos russos, para além dos laços históricos, culturais e energéticos entre os dois países, justificou-se pelas dificuldades que os europeus participantes da zona do euro encontravam para reerguer-se economicamente após a crise de 2008. A resposta popular à cessão das negociações deu-se em protestos nas ruas de Kiev, capital do país, que foram gradativamente ganhando maiores proporções. Para Mielniczuk (2014), três são as causas que impulsionaram a indignação de parte da população ucraniana e, por conseguinte, o crescimento das manifestações: a incapacidade da gestão Yanukovich de empreender a tão esperada transição da economia ucraniana para o modelo capitalista; a

16 A Revolução Laranja foi um movimento popular ucraniano ocorrido em 2004 e incentivado por

governos e instituições ocidentais que acusou a eleição de Viktor Yanukovich de fraudulenta, conseguindo reverter o processo e realizar um novo pleito, no qual o opositor de Yanukovich, Viktor Yushchenko, saiu vitorioso. Assim como a Revolução Rosa, ela faz parte de um conjunto conhecido como as “Revoluções Coloridas”, juntamente com movimentos na ex-Iugoslávia (2000), na Ucrânia (2004) e no Quirguistão (2005). Os Estados Unidos pretendiam que houvesse uma mudança de regime nestes países, com a instalação de governos próximos a Washington, sem a utilização de violência, como forma de atingir seus objetivos estratégicos na região da antiga União Soviética (MONIZ BANDEIRA, 2013).

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tendência, vista também no restante do continente europeu, de ascensão de movimentos nacionalistas de caráter nazifascista; e o incentivo dado pela União Europeia aos protestos.

À pressão popular somaram-se as repercussões dos incidentes na Praça Maidan17 e as disputas no âmbito do Parlamento ucraniano entre os pró-ocidentais e os russófilos, levando, em fevereiro de 2014, ao impeachment de Yanukovich. Frente à instabilidade que se instaurava num importante país vizinho, a Rússia enviou tropas à fronteira, enquanto o seu Parlamento aprovava a recomendação do presidente Putin de autorizar a utilização de força na Ucrânia para a proteção de interesses moscovitas. Como reação aos acontecimentos, a Crimeia, região ucraniana em que predomina uma população de russos étnicos, organizou um referendo para averiguar a possibilidade de separação da Ucrânia e de integração à Rússia. A anexação do território pela Rússia só ocorreu após o resultado altamente favorável que o referendo alcançou, podendo ser considerada, para além dos interesses econômicos e geopolíticos em jogo,18 “a materialização da promessa de que nenhum russo fora do território de seu país depois do fim da União Soviética seria tratado como cidadão de segunda classe” (MIELNICZUK, 2014, p. 9). Os Estados Unidos e a União Europeia passaram a reagir, desde então, com sanções econômicas e políticas à Rússia.

A integração da Crimeia por Moscou redundou numa onda de manifestações pró-Rússia, desta vez em cidades do Leste da Ucrânia como Donetsk e Lugansk, que clamavam pela realização de referendos e pela anexação de seus territórios ao Estado russo. A resposta dada pelo governo ucraniano foi o envio de forças militares à região, medida esta endossada pelos Estados Unidos, temerosos de que o “cenário da Crimeia” se repetisse (MIELNICZUK, 2014), o que incitou um conflito armado entre os separatistas russófilos e as tropas ucranianas. A eleição, em maio, de Petro Poroshenko, político reconhecidamente pró-ocidental, apenas serviu para perpetuar a situação. A posição russa frente aos embates foi altamente pragmática. Ao mesmo tempo que tentava encontrar uma saída político-diplomática para

17 O dia 20 de fevereiro de 2014 pode ser considerado o ápice da escalada de violência nos

protestos populares contrários à manutenção de Yanukovich no poder. Tiros de snipers foram responsáveis pela morte de dezenas de pessoas, dentre manifestantes e policiais. Depois de muita especulação sobre a identidade dos atiradores, o vazamento de uma conversa telefônica inferiu que os responsáveis teriam sido contratados pelos líderes da oposição ultranacionalista (THE INDEPENDENT, 2014).

18 O território da Crimeia possui uma importância estratégica ímpar para Moscou, visto que abriga uma base militar e um porto, na cidade de Sebastopol, que asseguram aos russos o acesso ao Mar Negro e, por conseguinte, ao Mediterrâneo, além de ser passagem de uma série de dutos responsáveis pela distribuição dos recursos energéticos russos.

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resolver a questão, mantinha suas tropas perfiladas na fronteira com a Ucrânia, numa demonstração de que tentativas por parte do governo ucraniano de retomar o controle das cidades do Leste pela força seriam respondidas militarmente (MIELNICZUK, 2014).

Atualmente, a situação na Ucrânia parece estar passando por uma fase de distensão. Contudo, esta disposição não pode ser vista como definitiva. Mesmo com a assinatura de um cessar-fogo entre os separatistas pró-Russia e o governo da Ucrânia, em setembro, e com o retorno das tropas russas que estavam estacionadas na fronteira, em outubro, o estado da trégua ainda é de extrema fragilidade (SPUTNIK, 2014; BBC NEWS, 2014). No início de novembro, o processo eleitoral empreendido pelos separatistas pró-Rússia para a escolha de seus líderes resultou numa troca de acusações entre as autoridades de Kiev e os rebeldes e num novo surto de violência. De qualquer modo, a maneira como a Rússia atuou no desenrolar da Crise na Ucrânia manifesta a determinação russa tanto de manter as áreas do seu entorno estratégico sob sua influência, quanto de garantir a consecução dos seus interesses, nem que o envolvimento de suas forças militares seja necessário. Ademais, as limitadas condenação e imposição de sanções pelo Ocidente, principalmente por parte dos países europeus—em função da dependência energética e do arsenal militar e nuclear moscovita—, apenas corrobora a perspectiva de que a Rússia não só é uma potência, como também uma das mais relevantes no cenário internacional.

4 A ATUAÇÃO INTERNACIONAL DA RÚSSIA: OS DESDOBRAMENTOS DAS DIRETRIZES DE POLÍTICA EXTERNA Vistas as linhas gerais da política externa russa, nessa seção entender-se-á como a Rússia se utiliza da suas diretrizes para projetar-se internacionalmente. A atuação da Rússia pode ser dividida em dois eixos: o primeiro, no exterior próximo; o segundo, em fóruns internacionais, os quais serão destacados, devido à sua relevância, a Organização para Cooperação de Xangai (OCX), e o BRICS, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Nos anos 1990, tendo em vista a preocupação do presidente Yeltsin em provar para as potências ocidentais que não possuía ambições imperialistas, a região do exterior próximo acabou sendo negligenciada, resultando no fracasso da CEI, entidade que reunia a maioria dos países da região. Com o CPEFR de 2000, a estratégia mudou, e a região passou à prioridade na agenda internacional russa. A maneira escolhida para a atuação russa nesta localidade, todavia, priorizou as relações bilaterais e não a via multilateral. Isso deveu-se

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resolver a questão, mantinha suas tropas perfiladas na fronteira com a Ucrânia, numa demonstração de que tentativas por parte do governo ucraniano de retomar o controle das cidades do Leste pela força seriam respondidas militarmente (MIELNICZUK, 2014).

Atualmente, a situação na Ucrânia parece estar passando por uma fase de distensão. Contudo, esta disposição não pode ser vista como definitiva. Mesmo com a assinatura de um cessar-fogo entre os separatistas pró-Russia e o governo da Ucrânia, em setembro, e com o retorno das tropas russas que estavam estacionadas na fronteira, em outubro, o estado da trégua ainda é de extrema fragilidade (SPUTNIK, 2014; BBC NEWS, 2014). No início de novembro, o processo eleitoral empreendido pelos separatistas pró-Rússia para a escolha de seus líderes resultou numa troca de acusações entre as autoridades de Kiev e os rebeldes e num novo surto de violência. De qualquer modo, a maneira como a Rússia atuou no desenrolar da Crise na Ucrânia manifesta a determinação russa tanto de manter as áreas do seu entorno estratégico sob sua influência, quanto de garantir a consecução dos seus interesses, nem que o envolvimento de suas forças militares seja necessário. Ademais, as limitadas condenação e imposição de sanções pelo Ocidente, principalmente por parte dos países europeus—em função da dependência energética e do arsenal militar e nuclear moscovita—, apenas corrobora a perspectiva de que a Rússia não só é uma potência, como também uma das mais relevantes no cenário internacional.

4 A ATUAÇÃO INTERNACIONAL DA RÚSSIA: OS DESDOBRAMENTOS DAS DIRETRIZES DE POLÍTICA EXTERNA Vistas as linhas gerais da política externa russa, nessa seção entender-se-á como a Rússia se utiliza da suas diretrizes para projetar-se internacionalmente. A atuação da Rússia pode ser dividida em dois eixos: o primeiro, no exterior próximo; o segundo, em fóruns internacionais, os quais serão destacados, devido à sua relevância, a Organização para Cooperação de Xangai (OCX), e o BRICS, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Nos anos 1990, tendo em vista a preocupação do presidente Yeltsin em provar para as potências ocidentais que não possuía ambições imperialistas, a região do exterior próximo acabou sendo negligenciada, resultando no fracasso da CEI, entidade que reunia a maioria dos países da região. Com o CPEFR de 2000, a estratégia mudou, e a região passou à prioridade na agenda internacional russa. A maneira escolhida para a atuação russa nesta localidade, todavia, priorizou as relações bilaterais e não a via multilateral. Isso deveu-se

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a dois motivos principais, quais sejam: a necessidade de abordagens diferentes para posicionar frente a cada uma das três sub-regiões do exterior próximo (Europa Oriental, o Cáucaso do Sul e a Ásia Central); e a utilização da diplomacia energética para o alcance das metas de política externa russa.

A Europa Oriental (Ucrânia, Bielorrússia e Moldávia) é a sub-região cujos laços culturais e econômicos com a Rússia são mais intensos, já que a Ucrânia e a Bielorrússia passaram muitos séculos sob a dominação direta russa. Esses dois países, porém, tem adotado posturas diferentes em relação à Moscou nos últimos anos. A Ucrânia, sob a égide da atual Crise, encontra-se divida entre os separatistas do Leste pró-Rússia, e o governo e os ucranianos do Oeste pró-Ocidente. A Bielorrússia, por outro lado, é o maior aliado de Moscou em todo seu entorno estratégico. Isso deve-se à grande dependência econômica e energética do país em relação à Rússia. Contudo, Minsk possui certo poder de barganha em relação ao Kremlin, devido ao fato de ser a principal rota de escoamento dos recursos energéticos russos para a Europa e a única separação física confiável da Rússia em relação à OTAN. A Moldávia, finalmente, também demonstra-se dependente energeticamente da Rússia, mas possui pouca relevância estratégia e, portanto, a atuação russa no país é menos incisiva. O interesse dos moldávios de ingressar na União Europeia, todavia, tem sido contestado até hoje pela diplomacia russa (ADAM, 2013).

O Cáucaso do Sul (Geórgia, Azerbaijão e Armênia) é a sub-região mais difícil em termos de garantia de influência russa na região, tendo em que a Geórgia, cujas relações problemáticas com a Rússia culminaram na guerra de 2008, é a principal fonte de penetração das potências ocidentais no seu exterior próximo. Esse país faz parte do oleoduto Baku-Tblisi-Beihan (BTC), a principal vitória dos países ocidentais que buscam diminuir a dependência energética da Rússia a partir da construção de dutos que desviem do território moscovita. No entanto, o projeto do oleoduto Nabuco, que conectaria o Azerbaijão e a Geórgia à Europa, configurando-se numa vitória ainda maior das potências ocidentais, perdeu espaço nos últimos anos para o South Stream, em função da falta de coesão na estratégia europeia e da vitória estabelecida pela diplomacia energética russa na região (PAITI-GUZMAN, 2014). Um segundo ponto positivo para a política externa russa no Cáucaso do Sul é o seu papel de mediador das negociações entre o Azerbaijão e a Armênia, países que disputam entre si a delimitação de suas fronteiras.

A Ásia Central (Turcomenistão, Uzbequistão, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão) é a sub-região mais importante em termos securitários para a Rússia, visto que a manutenção de sua influência nela é fundamental para sua estratégia eurasiana de política externa. O problema encontrado pela Rússia na sub-região é que esta, além de ser objeto de interesse de várias potências,

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tanto ocidentais quanto orientais (China e Índia), possui países de políticas externas não-alinhadas à Rússia, com exceção do Tadjiquistão. A escolha russa para a Ásia Central, deste modo, tem sido aproximar-se da região de forma multilateral, e não bilateral, através da OCX19 e, por conseguinte, da influência chinesa na região. Nesse sentido, a política para esta sub-região é deveras divergente das outras, pois Moscou garantiu a perpetuação de sua importância por meio da ingerência de outra potência no seu exterior próximo (ADAM, 2013). Certamente, porém, essa estratégia não leva o Kremlin a uma total submissão à China, e disputas pela influência na Ásia Central persistem.

A OCX, porém, não é o único projeto multilateral da Rússia para a região—a União Econômica Euroasiática (UEE), formada por Bielorrússia, Rússia, Cazaquistão e Armênia, também merece destaque. A UEE, que entrará em vigor dia 1 de janeiro de 2015, será a organização de cooperação regional mais avançada do exterior próximo e terá como embasamento o livre-comércio entre os países (VITKINE, 2014). Ainda que os efeitos macroeconômicos ainda sejam incertos, é possível entender essa organização como uma vitória da diplomacia de Putin, em detrimento dos interesses europeus, e um passo da política externa russa em prol do euroasianismo. A UEE consolidará a influência russa no espaço pós-soviético, revertendo o processo recente de crise sistêmica da CEI—caracterizado pelos processos de desintegração que têm sido recorrentes no bloco (COLIN, 2007)—e contendo as tentativas dos Estados Unidos de incentivar governos pró-ocidentais e de alastrar o alcance de instituições ocidentais na região.

Em relação aos fóruns globais, podemos dividi-los em dois grupos. O primeiro engloba organizações tradicionais, dominadas pelos países ocidentais e principalmente pelos Estados Unidos. Já o segundo, as organizações que não possuem em seus membros as potências ocidentais e, por este motivo, não se submetem às normas daquelas, refletindo a tendência de multipolarização do sistema internacional.

A Rússia de Yeltsin, após o fim da União Soviética e durante os anos 1990, se esforçou para ingressar nas organizações do primeiro grupo. Isso fez parte da tentativa do então presidente de alinhar-se aos Estados Unidos e à União Europeia, em detrimento de seus relacionamentos com a Ásia e o exterior próximo. Apesar de ingressar no Fundo Monetário Internacional em 1992 e no G20 em 1999, sua inserção nos fóruns tradicionais foi, todavia, limitada. A Rússia não estava totalmente preparada para somente aceitar as

19 A Organização para Cooperação de Xangai é um organismo internacional, fundado em 2001,

cujos membros são Rússia, China, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão.

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tanto ocidentais quanto orientais (China e Índia), possui países de políticas externas não-alinhadas à Rússia, com exceção do Tadjiquistão. A escolha russa para a Ásia Central, deste modo, tem sido aproximar-se da região de forma multilateral, e não bilateral, através da OCX19 e, por conseguinte, da influência chinesa na região. Nesse sentido, a política para esta sub-região é deveras divergente das outras, pois Moscou garantiu a perpetuação de sua importância por meio da ingerência de outra potência no seu exterior próximo (ADAM, 2013). Certamente, porém, essa estratégia não leva o Kremlin a uma total submissão à China, e disputas pela influência na Ásia Central persistem.

A OCX, porém, não é o único projeto multilateral da Rússia para a região—a União Econômica Euroasiática (UEE), formada por Bielorrússia, Rússia, Cazaquistão e Armênia, também merece destaque. A UEE, que entrará em vigor dia 1 de janeiro de 2015, será a organização de cooperação regional mais avançada do exterior próximo e terá como embasamento o livre-comércio entre os países (VITKINE, 2014). Ainda que os efeitos macroeconômicos ainda sejam incertos, é possível entender essa organização como uma vitória da diplomacia de Putin, em detrimento dos interesses europeus, e um passo da política externa russa em prol do euroasianismo. A UEE consolidará a influência russa no espaço pós-soviético, revertendo o processo recente de crise sistêmica da CEI—caracterizado pelos processos de desintegração que têm sido recorrentes no bloco (COLIN, 2007)—e contendo as tentativas dos Estados Unidos de incentivar governos pró-ocidentais e de alastrar o alcance de instituições ocidentais na região.

Em relação aos fóruns globais, podemos dividi-los em dois grupos. O primeiro engloba organizações tradicionais, dominadas pelos países ocidentais e principalmente pelos Estados Unidos. Já o segundo, as organizações que não possuem em seus membros as potências ocidentais e, por este motivo, não se submetem às normas daquelas, refletindo a tendência de multipolarização do sistema internacional.

A Rússia de Yeltsin, após o fim da União Soviética e durante os anos 1990, se esforçou para ingressar nas organizações do primeiro grupo. Isso fez parte da tentativa do então presidente de alinhar-se aos Estados Unidos e à União Europeia, em detrimento de seus relacionamentos com a Ásia e o exterior próximo. Apesar de ingressar no Fundo Monetário Internacional em 1992 e no G20 em 1999, sua inserção nos fóruns tradicionais foi, todavia, limitada. A Rússia não estava totalmente preparada para somente aceitar as

19 A Organização para Cooperação de Xangai é um organismo internacional, fundado em 2001,

cujos membros são Rússia, China, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão.

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regras destas instituições, sem ter o poder de alterá-las—rompendo com o comportamento considerado padrão de um país periférico no Sistema Internacional. Sua resiliência em entrar na Organização Mundial do Comércio (OMC), cujas negociações para a adesão russa iniciaram-se em 1993, é o melhor exemplo dessa resistência.

Com os governos de Medvedev (2008–2012) e Putin (2000–2008 e 2012–), o interesse nacional passou a ser prioritário à atuação em organizações internacionais. Ainda que o país esteja longe de menosprezar essas entidades, seu novo caráter de política externa foi de combate às regras destas, vistas como prejudiciais às potências não-ocidentais. Dessa forma, o Kremlin não retrocederá na sua inserção internacional devido a ameaças de expulsão dessas organizações ou a sanções internacionais impostas por elas. Um exemplo disto foi a resposta russa à remoção de seu direito de voto na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que aconteceu como consequência da incorporação da Crimeia à Rússia: “A APCE não nos quer? Nós não perderemos nada” (RUSSIA NEWS AGENCY, 2014). Além de não retroceder, a Rússia procura atuar em prol da mudança nas regras desses fóruns, principalmente da ONU, a fim de que esta continue como o centro de regulação e de coordenação política das relações internacionais, e dos processos de integração e governança regionais, concebidos inclusive como bases do modelo multipolar defendido por Moscou (RUSSIA, 2013).

A mudança da postura da Rússia em relação à OTAN é um bom indicador das transformações ocorridas na atuação internacional russa na sua história recente. De 1991 a 1994, o país chegou a demonstrar vontade de se unir à aliança militar ocidental, bloco este que passou grande parte do século XX combatendo. Após mudanças na posição russa ao longo do período 1994–2004, de transição de uma perspectiva ocidentalista para uma euroasiana, a Rússia passou a negar qualquer vontade de participação em tal órgão. Ademais, se mostrou crítica a uma terceira rodada de expansão da OTAN que abrangeria a Ucrânia e a Geórgia e pressionou bilateralmente esses dois países a não se unirem ao bloco (THORUN, 2009).

Em relação às organizações do segundo grupo, a sua criação favorece tanto a ideia de multipolaridade defendida pelos russos, quanto sua ascensão como um dos polos influentes e independentes no Sistema Internacional. A primeira e talvez mais importante delas seja a OCX, criada em 2001 e da qual a Rússia é membro fundador. A OCX tem como objetivos a cooperação econômica e securitária entre seus países membros, e os dois países líderes desta—a Rússia e a China—atuam num regime de repartição de tarefas: enquanto as preocupações russas são mormente securitárias, as chinesas são predominantemente econômicas. Além disso, essa organização está baseada

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estrategicamente numa aliança entre chineses e russos, não só para a coordenação de seus interesses na Ásia Central, mas também no Sistema Internacional como um todo. Portanto, a aliança fornece para o OCX um peso não apenas regional, mas sim global: além de reunir duas potências nucleares com assentos no Conselho de Segurança da ONU, a OCX cobre um território gigantesco, possui como membros observadores Índia, Irã e Afeganistão e, mais importante, não é influenciada por potências ocidentais.

O BRICS é o segundo fórum que merece destaque ao se avaliar o grupo de organizações internacionais que contestam o predomínio internacional das potências tradicionais. A política externa empreendida por Putin tem valorizado o BRICS, pois, além deste ser uma chave para a penetração em regiões onde a presença russa é limitada, como a África e a América do Sul, ele constitui-se num fórum onde o discurso pró-multipolaridade e de revitalização da ONU está consolidado. Dentro desse fórum, é importante destacar a liderança russa como membro ativo na defesa de mudanças sistêmicas: Moscou é o integrante que mais pressiona pelo posicionamento favorável do BRICS quanto à multipolaridade e às mudanças no status quo, além de ser o maior crítico da hegemonia estadunidense no Sistema Internacional. Isso não significa, porém, uma tentativa de balanceamento ou afronta direta à hierarquia de poder das relações internacionais—a interdependência entre as economias dos países emergentes e desenvolvidos é só um fator para explicar essa limitação da política dos BRICS. O que esse grupo deseja é uma inserção nessa hierarquia, uma evolução e não a revolução. Mudar as regras do jogo sim, mas inserindo-se nele para empreender as mudanças consideradas necessárias.

Além da liderança na luta pela multipolaridade, outros aspectos mostram a importância da Rússia para o BRICS. O crescimento econômico russo no século XXI foi significativo, tendo o país um PIB per capita quatro vezes maior que o chinês e sendo o quarto maior detentor de reservas do mundo, além de um dos principais financiadores da dívida externa norte-americana (ROBERTS, 2010). O país, portanto, é atualmente um credor internacional, o que lhe garante uma posição importante no cenário internacional e no BRICS. Para a Rússia, portanto, tanto o BRICS, quanto a OCX, além das organizações regionais, são entidades que tem como função, além de arquitetar uma nova ordem do Sistema Internacional, melhorar a sua posição no Sistema Internacional e o seu poder de barganha nas negociações com o Ocidente.

Cabe ressaltar que, embora os arranjos políticos e econômico articulados pela Rússia sejam fator relevante para a inserção internacional autônoma de Moscou, característica central da política externa eurasiana, o país também convive com vulnerabilidades em função de ter passado por conjunturas

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estrategicamente numa aliança entre chineses e russos, não só para a coordenação de seus interesses na Ásia Central, mas também no Sistema Internacional como um todo. Portanto, a aliança fornece para o OCX um peso não apenas regional, mas sim global: além de reunir duas potências nucleares com assentos no Conselho de Segurança da ONU, a OCX cobre um território gigantesco, possui como membros observadores Índia, Irã e Afeganistão e, mais importante, não é influenciada por potências ocidentais.

O BRICS é o segundo fórum que merece destaque ao se avaliar o grupo de organizações internacionais que contestam o predomínio internacional das potências tradicionais. A política externa empreendida por Putin tem valorizado o BRICS, pois, além deste ser uma chave para a penetração em regiões onde a presença russa é limitada, como a África e a América do Sul, ele constitui-se num fórum onde o discurso pró-multipolaridade e de revitalização da ONU está consolidado. Dentro desse fórum, é importante destacar a liderança russa como membro ativo na defesa de mudanças sistêmicas: Moscou é o integrante que mais pressiona pelo posicionamento favorável do BRICS quanto à multipolaridade e às mudanças no status quo, além de ser o maior crítico da hegemonia estadunidense no Sistema Internacional. Isso não significa, porém, uma tentativa de balanceamento ou afronta direta à hierarquia de poder das relações internacionais—a interdependência entre as economias dos países emergentes e desenvolvidos é só um fator para explicar essa limitação da política dos BRICS. O que esse grupo deseja é uma inserção nessa hierarquia, uma evolução e não a revolução. Mudar as regras do jogo sim, mas inserindo-se nele para empreender as mudanças consideradas necessárias.

Além da liderança na luta pela multipolaridade, outros aspectos mostram a importância da Rússia para o BRICS. O crescimento econômico russo no século XXI foi significativo, tendo o país um PIB per capita quatro vezes maior que o chinês e sendo o quarto maior detentor de reservas do mundo, além de um dos principais financiadores da dívida externa norte-americana (ROBERTS, 2010). O país, portanto, é atualmente um credor internacional, o que lhe garante uma posição importante no cenário internacional e no BRICS. Para a Rússia, portanto, tanto o BRICS, quanto a OCX, além das organizações regionais, são entidades que tem como função, além de arquitetar uma nova ordem do Sistema Internacional, melhorar a sua posição no Sistema Internacional e o seu poder de barganha nas negociações com o Ocidente.

Cabe ressaltar que, embora os arranjos políticos e econômico articulados pela Rússia sejam fator relevante para a inserção internacional autônoma de Moscou, característica central da política externa eurasiana, o país também convive com vulnerabilidades em função de ter passado por conjunturas

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conturbadas e ter reemergido como grande potência recentemente. Destacam-se o caráter pernicioso da diplomacia energética, que condiciona a diplomacia russa à manutenção do fluxo dos recursos energéticos, e a instrumentalização das relações com a China como forma de fortalecer a sua penetração na Ásia e a defesa de seus princípios nos organismos internacionais, aumentando sua dependência dos chineses, que, em função do seu ascendente crescimento, pode vir a “dispensar” a parceria com a Rússia quando esta não mais lhe convir (ROBERTS, 2010, p. 50).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A postura atual da Rússia como grande potência diverge, em certos aspectos, da postura que Moscou adotou em outros dois momentos de sua história em que também se destacou como um poder relevante na esfera internacional. A inserção internacional calcada no alto pragmatismo e na independência das ações frente aos outros Estados significativos do globo, que pode ser percebida com veemência desde o final da Guerra da Geórgia, em 2008, e com maior contundência nos recentes desdobramentos da Crise na Ucrânia, caracterizam a Rússia não como uma potência ocidental ou como uma superpotência socialista, mas sim como uma grande potência eurasiana. Através da utilização política a seu favor da dependência energética que uma gama de países tem em relação a si e da aproximação estratégica com países do continente asiático e do exterior próximo, além do emprego da imponência de suas capacidades militar e nuclear como mecanismos de dissuasão, o Kremlin conseguiu encontrar uma nova via para tornar-se protagonista das dinâmicas interestatais.

Isso não quer dizer, contudo, que a Rússia não encontre obstáculos para uma inserção internacional mais plena e propositiva. De acordo com Colin (2007), a Rússia encontra-se presa a um dilema fundamental, qual seja, o de estar "condenada a fazer política externa em escala global mas ainda não dispor de recursos suficientes para exercer com eficiência esse papel". Dentre estes desafios, alguns mais proeminentes destacam-se. Em primeiro lugar, a necessidade de completar-se a reforma dos aparatos militares, para que consiga manter tanto a sua integridade territorial, quanto a primazia sobre o entorno estratégico—ainda mais frente às tentativas de cercamento imputadas pela OTAN e pelos Estados Unidos (ADAM, 2008). Em segundo lugar, as questões que derivam do fato de se comportar como uma "superpotência energética", que acarreta duas dependências, a de sua economia em relação aos dividendos da exportação de um recurso escasso e à imprescindibilidade de uma demanda crescente de importadores. Em terceiro lugar, a manutenção

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de relações proveitosas com Pequim, tendo sempre em vista até que ponto os interesses de ambos os países convergem, sem descartar a possibilidade de a China relegar o apoio russo a um segundo plano, o que deixaria Moscou sem um de seus mais importantes parceiros na contestação às perspectivas ocidentais e na promoção do multilateralismo. Finalmente, o fortalecimento da aproximação com os países do espaço pós-soviético através da edificação da União Econômica Eurasiana e do alcance de um equilíbrio entre a esfera de atuação desta organização e a da OCX, visto que ambas podem vir a ter objetivos e interesses conflitantes (ADAM, 2008).

Acredita-se, portanto, que a Rússia esta construindo as ferramentas e as capacidades necessárias para continuar como uma das grandes potências do século XXI, apesar dos constantes desafios que terá no longo prazo. Sua estratégia é pautada, e por isso é dependente de, um mundo multipolar que reflita a decadência relativa dos Estados Unidos e das demais potências tradicionais em relação às outras potências que emergem. O grupo BRICS, assim como outras organizações internacionais, demonstra-se não apenas como importante, mas sim como fundamental para a afirmação da Rússia como um novo polo no Sistema Internacional. Estabelece-se, portanto, uma relação de interdependência: o BRICS depende da Rússia, principalmente de seu capital político-estratégico, para sua ascensão como um fórum importante nas relações internacionais contemporâneas, e a Rússia depende do BRICS para afirmar-se como um polo eurasiano na possível multipolaridade do século XXI.

ABSTRACT The present article aims at analyzing the way in which Russia currently forms part of the international stage. The work will be focused on the examination of both the guidelines which support Kremlin's foreign policy, as the implementation of these principles in concrete insertion of the country in the international system. Moreover, in order to add to the prospects of the intended study, a comparison will be held between the trend that underlies Russian international conduct since the inauguration of President Vladimir Putin, in 2000, and the other trends presented throughout its history.

Keywords: BRICS; Eurasianism; Georgia; Putin; Russia; Ukraine.

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de relações proveitosas com Pequim, tendo sempre em vista até que ponto os interesses de ambos os países convergem, sem descartar a possibilidade de a China relegar o apoio russo a um segundo plano, o que deixaria Moscou sem um de seus mais importantes parceiros na contestação às perspectivas ocidentais e na promoção do multilateralismo. Finalmente, o fortalecimento da aproximação com os países do espaço pós-soviético através da edificação da União Econômica Eurasiana e do alcance de um equilíbrio entre a esfera de atuação desta organização e a da OCX, visto que ambas podem vir a ter objetivos e interesses conflitantes (ADAM, 2008).

Acredita-se, portanto, que a Rússia esta construindo as ferramentas e as capacidades necessárias para continuar como uma das grandes potências do século XXI, apesar dos constantes desafios que terá no longo prazo. Sua estratégia é pautada, e por isso é dependente de, um mundo multipolar que reflita a decadência relativa dos Estados Unidos e das demais potências tradicionais em relação às outras potências que emergem. O grupo BRICS, assim como outras organizações internacionais, demonstra-se não apenas como importante, mas sim como fundamental para a afirmação da Rússia como um novo polo no Sistema Internacional. Estabelece-se, portanto, uma relação de interdependência: o BRICS depende da Rússia, principalmente de seu capital político-estratégico, para sua ascensão como um fórum importante nas relações internacionais contemporâneas, e a Rússia depende do BRICS para afirmar-se como um polo eurasiano na possível multipolaridade do século XXI.

ABSTRACT The present article aims at analyzing the way in which Russia currently forms part of the international stage. The work will be focused on the examination of both the guidelines which support Kremlin's foreign policy, as the implementation of these principles in concrete insertion of the country in the international system. Moreover, in order to add to the prospects of the intended study, a comparison will be held between the trend that underlies Russian international conduct since the inauguration of President Vladimir Putin, in 2000, and the other trends presented throughout its history.

Keywords: BRICS; Eurasianism; Georgia; Putin; Russia; Ukraine.

DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA POTÊNCIA EURASIANA DOS BRICS: A FEDERAÇÃO RUSSA 81

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE) ISSN: 2318-9390 | V. 2, 2015 | P. 85–104

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A ÍNDIA COMO POTÊNCIA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

INDIA AS A POWER: CHALLENGES AND PERSPECTIVES

Henrique Pigozzo da Silva1 Josiane Simão Sarti1

Luiza Bender Lopes1

RESUMO Este artigo faz um estudo analítico da história das relações internacionais da Índia desde a pré-independência, bem como se preocupa em compreender e explicar os principais desafios e oportunidades do país na contemporaneidade. São abordadas questões-chave para aatualcondiçãodo país, quais sejam: a importância do colonialismo e em que sentido a relação colonial com a Inglaterra lapidou a percepção da Índia sobre si e sobre o mundo; as relações indianas com as grandes potências, com os BRICS e com países subdesenvolvidos ao longo da história; o caminhar da política externa da Índia a partir da independência, tendo em vista sua fundação ideológica; o ambiente securitário no qual a Índia se insere, considerando os níveis interno, regional e global; eos desafios domésticos do país, abrangendo desde conflitos étnicos, religiosos e separatistas, atésua estruturasocioeconômica. A pesquisa foi baseada em fontes primárias, como discursos de época e dados eleitorais, e fontes secundárias, como trabalhos publicados por pesquisadores especialistas no estudo da Ásia e da Índia. O estudo dessas fontes viabilizaram esse artigo, que se esforça para tentar responder questões relativas à capacidade do país em exercer o papel de potência na Ásia Meridional e, dessa forma, impor sua agenda na região.

Palavras-chave: Índia; potência; Ásia Meridional; BRICS.

1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem por objetivo principal o estudo da Índia enquanto potência no Sistema Internacional, analisando seu crescimento continuado

1 Graduandos em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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ocorrido nas últimas décadas e as possibilidades de projeção que se apresentam ao Estado indiano. O trabalho regressa à rica história indiana pré-independência como ponto de partida da política externa atual, buscando demonstrar seu desenvolvimento. Realiza-se, então, um panorama da evolução indiana a partir da declaração de sua independência da Inglaterra até os dias atuais. Ademais, com a finalidade de entender a atual posição da Índia no Sistema Internacional, assim como possíveis caminhos a serem trilhados pelo país, a seção final do artigo forcar-se-á no período pós 11 de setembro, a partir do qual grandes mudanças no relacionamento da Índia com outras potências mundiais puderam ser observadas.

A República da Índia contemporânea, cuja forma de governo é a República Parlamentarista, é a maior democracia do mundo, o segundo país mais populoso, com um total estimado em mais de 1.200 milhões de pessoas, possui o terceiro maior contingente militar global, e a quarta maior economia do planeta, com um PIB em paridade de poder de compra estimado para 2014 de quase cinco trilhões de dólares (CIA WORLD FACTBOOK, 2014). Com o sétimo maior território do mundo, a Índia é composta administrativamente por 28 estados e sete territórios, estando estes divididos em mais de 5.000 cidades e 600.000 aldeias, onde são encontradas as mais distintas configurações possíveis de sociedades humanas (VIEIRA, 2013).

Apesar de seu gigantismo, algumas questões internas colocam em cheque o desenvolvimento completo do país, sendo a principal a desigualdade econômica. Ao tentar incluir a população não-privilegiada na sua estratégia de modernização, o Estado indiano enfrenta, além do grande desafio econômico—atualmente, cerca de 30% da população encontra-se abaixo da linha da pobreza -, um impeditivo na religião Hindu—seguida por 80% do contingente populacional—e suas crenças de reencarnação2. O Estado acaba dividido em uma metade paternalista, preocupada com a situação da grande maioria da população dependente da produção agrícola e com a prevenção de grandes crises humanitárias causadas, por exemplo, pela fome, e outra metade que trabalha com vigor no desenvolvimento e ascensão de uma determinada

2 A religião tem como uma de suas pressuposições a ideia de que todos estariam cumprindo o seu

destino ao nascer em determinada casta. Define-se casta como grupo social hereditário, no qual a condição do indivíduo passa de pai para filho. Cada integrante só pode casar-se com pessoas do seu próprio grupo. Os grupos são: os brâmanes (sacerdotes e letrados) nasceram da cabeça de Brahma; os xátrias (guerreiros) nasceram dos braços de Brahma; os vaícias (comerciantes) nasceram das pernas de Brahma; os sudras (servos: camponeses, artesãos e operários) nasceram dos pés de Brahma. Assim, programas sociais são considerados apenas uma forma de alívio aos que se encontram na faixa da pobreza extrema, visto que esta não pode ser completamente remediada.

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ocorrido nas últimas décadas e as possibilidades de projeção que se apresentam ao Estado indiano. O trabalho regressa à rica história indiana pré-independência como ponto de partida da política externa atual, buscando demonstrar seu desenvolvimento. Realiza-se, então, um panorama da evolução indiana a partir da declaração de sua independência da Inglaterra até os dias atuais. Ademais, com a finalidade de entender a atual posição da Índia no Sistema Internacional, assim como possíveis caminhos a serem trilhados pelo país, a seção final do artigo forcar-se-á no período pós 11 de setembro, a partir do qual grandes mudanças no relacionamento da Índia com outras potências mundiais puderam ser observadas.

A República da Índia contemporânea, cuja forma de governo é a República Parlamentarista, é a maior democracia do mundo, o segundo país mais populoso, com um total estimado em mais de 1.200 milhões de pessoas, possui o terceiro maior contingente militar global, e a quarta maior economia do planeta, com um PIB em paridade de poder de compra estimado para 2014 de quase cinco trilhões de dólares (CIA WORLD FACTBOOK, 2014). Com o sétimo maior território do mundo, a Índia é composta administrativamente por 28 estados e sete territórios, estando estes divididos em mais de 5.000 cidades e 600.000 aldeias, onde são encontradas as mais distintas configurações possíveis de sociedades humanas (VIEIRA, 2013).

Apesar de seu gigantismo, algumas questões internas colocam em cheque o desenvolvimento completo do país, sendo a principal a desigualdade econômica. Ao tentar incluir a população não-privilegiada na sua estratégia de modernização, o Estado indiano enfrenta, além do grande desafio econômico—atualmente, cerca de 30% da população encontra-se abaixo da linha da pobreza -, um impeditivo na religião Hindu—seguida por 80% do contingente populacional—e suas crenças de reencarnação2. O Estado acaba dividido em uma metade paternalista, preocupada com a situação da grande maioria da população dependente da produção agrícola e com a prevenção de grandes crises humanitárias causadas, por exemplo, pela fome, e outra metade que trabalha com vigor no desenvolvimento e ascensão de uma determinada

2 A religião tem como uma de suas pressuposições a ideia de que todos estariam cumprindo o seu

destino ao nascer em determinada casta. Define-se casta como grupo social hereditário, no qual a condição do indivíduo passa de pai para filho. Cada integrante só pode casar-se com pessoas do seu próprio grupo. Os grupos são: os brâmanes (sacerdotes e letrados) nasceram da cabeça de Brahma; os xátrias (guerreiros) nasceram dos braços de Brahma; os vaícias (comerciantes) nasceram das pernas de Brahma; os sudras (servos: camponeses, artesãos e operários) nasceram dos pés de Brahma. Assim, programas sociais são considerados apenas uma forma de alívio aos que se encontram na faixa da pobreza extrema, visto que esta não pode ser completamente remediada.

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parcela da população, que moderniza o país e auxilia na sua projeção internacional.

Outra divisão que historicamente caracteriza a política externa indiana origina-se do seu papel de liderança na Conferência de Bandung, em 1955, onde tomou forma o Movimento dos Não Alinhados3. Enquanto a Índia busca, a seu modo, projetar-se como potência regional através da liderança pelo exemplo e modernizar o país com o objetivo de uma maior integração com o Ocidente, a nação veementemente repudia a interferência de potências estrangeiras, em função dos traumas gerados pelo processo de colonização pelo qual passou. Além disso, sua projeção enquanto potência amigável entra em conflito com a ideia de nacionalismo Hindu adotada por parte da população, que vê os muçulmanos como intrusos em uma proferida "civilização histórica hindu" e tem comportamento notadamente expansionista em relação a territórios ocupados pelo Paquistão. A última dualidade é melhor expressa pelos dois maiores partidos do país, o Partido do Congresso Nacional (CNI), de centro-esquerda, e o Bharatiya Janata Party (BJP), de direita.

2 HISTÓRICO A análise do período colonial indiano, no qual a Índia esteve sob domínio primeiramente da Companhia das Índias Orientais4 e posteriormente da Coroa Britânica, é importante para o entendimento da atualidade. Os desdobramentos de tal colonização e, principalmente, da separação do território em dois Estados que resultou desta, ainda são visíveis até hoje na formação da política externa da nação. No entanto, a história indiana documentada inicia-se muito antes de tal período, com registros remontando a 7.500 a.C5(VIEIRA, 2013). Entre seus grandes marcos, estão a formação das primeiras cidades-Estado no Vale do Indo em 3.000 a.C, nas quais se desenvolveram conhecimentos e tecnologias sofisticados, indo desde a arte da navegação até a invenção da álgebra. No período, no entanto, o vasto

3 O Movimento dos Não Alinhados foi capitaneado pelos líderes de Estado da Índia (Nehru),

Egito (Nasser) e Indonésia (Sukarno) e criado a partir do conflito ideológico da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética. Integraram o movimento os chamados "países de Terceiro Mundo" que procuravam uma via alternativa, lutavam pela manutenção de suas independências e pelo fim do neocolonialismo e das intervenções das grandes potências mundiais.

4 Fundada em 1600, foi uma organização formada por mercadores londrinos que, durante dois séculos e meio, transformou seus privilégios comerciais na Ásia em um império centrado na Índia.

5 Nascimento das primeiras comunidades dotadas de traços culturais específicos.

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território ainda era dividido em agrupamentos regionais, sendo a primeira tentativa de centralização ocorrida sob o domínio da civilização Mogol, no século XIV.

O Império Mogol possuía várias características do despotismo oriental, a versão asiática do absolutismo real (METCALF, 2013). A centralização do território ocorreu a partir da utilização de um sistema de impostos sobre a agricultura e de um sistema de castas (Figura 1) que mantinha o largo contingente de camponeses sob submissão. Em função desse sistema, a Índia não efetuou uma transição para a agricultura intensiva como o Japão e a China. A complexidade das organizações social e econômica, ainda assim, contribuiu para que Índia e China contabilizassem mais de cinquenta por cento do PIB mundial até meados do século XVIII, quando se iniciou a decadência do Império Mogol (VIEIRA, 2013).

Figura 1: Sistema de Castas Indiano

Fonte: wikipedia.org

Nesse contexto, a Companhia das Índias Orientais iniciou operações na Índia em 1717 e cerca de um século depois, venceu sua última batalha contra o Império Mogol. Apesar de assumir o comando do território, a Companhia manteve o sistema tributário de impostos até então instituído, aprofundando-o com a adição de uma tarifa para a manutenção dos exércitos (BOHN, 2011).

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território ainda era dividido em agrupamentos regionais, sendo a primeira tentativa de centralização ocorrida sob o domínio da civilização Mogol, no século XIV.

O Império Mogol possuía várias características do despotismo oriental, a versão asiática do absolutismo real (METCALF, 2013). A centralização do território ocorreu a partir da utilização de um sistema de impostos sobre a agricultura e de um sistema de castas (Figura 1) que mantinha o largo contingente de camponeses sob submissão. Em função desse sistema, a Índia não efetuou uma transição para a agricultura intensiva como o Japão e a China. A complexidade das organizações social e econômica, ainda assim, contribuiu para que Índia e China contabilizassem mais de cinquenta por cento do PIB mundial até meados do século XVIII, quando se iniciou a decadência do Império Mogol (VIEIRA, 2013).

Figura 1: Sistema de Castas Indiano

Fonte: wikipedia.org

Nesse contexto, a Companhia das Índias Orientais iniciou operações na Índia em 1717 e cerca de um século depois, venceu sua última batalha contra o Império Mogol. Apesar de assumir o comando do território, a Companhia manteve o sistema tributário de impostos até então instituído, aprofundando-o com a adição de uma tarifa para a manutenção dos exércitos (BOHN, 2011).

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Iniciou-se, então, a formação de uma elite parasitária, que não buscou aliar-se com a burguesia incipiente, fator que costuma precipitar as revoluções nacionais. A ausência de uma elite agrária também impediu, de certa maneira, uma revolução camponesa.

A destruição das castas têxteis pela inundação do mercado indiano com tecido inglês e a expulsão das elites proprietárias por parte da Companhia são frequentemente citadas como fatores causadores da Revolta dos Cipaios, em 1858. A revolta, no entanto, não pode ser considerada uma revolução camponesa, já que reuniu camponeses com os senhores de terra despejados e objetivava a volta do status quo. Os camponeses desejavam, de fato, o retorno à ordem antes da presença da Companhia (BRANDALISE et al, 2013). A Revolta dos Cipaios ficou conhecida, em verdade, como uma revolta de cunho religioso devido aos protestos gerados pelo recrutamento de soldados de diferentes castas para as forças armadas comandadas pela Companhia e pelo uso de gordura de porco nos cartuchos das armas6. Após o domínio dos revoltosos por parte dos ingleses, a Companhia foi nacionalizada e suas posses foram assumidas pela Coroa Britânica. Iniciou-se, assim, o RAJ Britânico7.

O domínio dos ingleses e a importação de suas instituições para a Índia gerou mais uma excepcionalidade na história indiana: a formação de instituições anterior à formação do Estado. Além da destruição do ofício da tecelagem, base da organização econômica, a Coroa Britânica também ignorou e eventualmente sobrepôs o sistema de organização administrativa indiano, formalmente composto por três departamentos bem definidos: o de Finanças, o de Guerra e o de Trabalhos Públicos8 (VIEIRA, 2009). Em seu lugar, foram importadas instituições britânicas, incluindo um novo sistema legal que instituía o registro compulsório. O território é dividido, então, em províncias diretas e indiretas9 e um Governador Geral da Índia é nomeado. Após grandes investimentos em infraestrutura por parte da Coroa, como a instalação de

6 Para os soldados que professavam a religião hindu, era uma ofensa que homens de castas

inferiores pudessem ocupar posição igual ou superior que a sua no Exército. Para os soldados que professavam a religião islâmica, o porco era considerado um animal impuro e a utilização de gordura nos cartuchos uma blasfêmia.

7 Do hindustâni, RAJ é a correspondência da palavra reino. Período histórico entre 1858, ano de transferência dos direitos da Companhia das Índias Orientais para a Coroa Britânica até 1947, ano de independência da Índia e do Paquistão.

8 O setor de Trabalhos Públicos era responsável pelas atividades de manutenção agrícola como a organização da irrigação e da fertilização do solo, entre outras.

9 Enquanto alguns estados indianos eram soberanos, tendo seu próprio governador subordinado ao Governador Geral nomeado pelo Reino Unido, outros estados estavam sob jurisdição direta deste.

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pontes e linhas férreas, é proclamado o Indian Act que declara a Rainha Vitória imperatriz da Índia.

As instituições foram importadas sem maior cuidado com uma adaptação destas para as características regionais da Índia. Assim, dominavam e desdenhavam do antigo sistema de organização indiano. Entre as novas instituições, destacava-se o Indian Civil Service, que treinava homens das castas mercantis de "primeira classe" para que se tornassem administradores responsáveis pela arrecadação das rendas das aldeias. A noção de superioridade implantada pela profissão era complementada pelo fato de que para a tal elite indiana era também reservado o sistema inglês de ensino. Enquanto instituiu o secularismo na Índia, promulgando a liberdade de credo, a Coroa britânica também contribuiu para a formação de raízes racistas e separatistas ao excluir, por exemplo, muçulmanos dos cargos altos (VIEIRA, 2013). Em 1886 nasce o Partido do Congresso Nacional (CNI), que ocupará majoritariamente o governo no período pós-independência. Vinte anos mais tarde, em 1906, nasce a Liga Muçulmana que defende a criação de um Estado muçulmano.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a resistência ao domínio britânico—que despontou meio século antes durante a Revolta dos Cipaios—intensifica-se após comandantes do Reino Unido anunciarem a entrada da Índia na guerra sem consultar as elites nacionais. A partir de 1921, Mahatma Gandhi assume o comando do Partido do Congresso Nacional, despontando como líder ao criar o movimento da Desobediência Civil10. Adepto do princípio da não-violência, Gandhi emanava em suas políticas princípios como a abnegação e a confraternização entre castas, descontentando os hinduístas ortodoxos. Ao mesmo tempo, Jawaharlal Nehru ascende no partido e assume o movimento de independência sob tutela de Gandhi. No período Entre-Guerras, o movimento cresce exponencialmente, dando poder de barganha à Gandhi para estabelecer condições para que a Índia lutasse novamente ao lado do Reino Unido na Segunda Guerra Mundial (METCALF, 2013).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Coroa Britânica, enfraquecida, admite a saída do território indiano. Inicia, então, uma disputa entre forças internas pela condução do país. Destaca-se a exigência por parte da população muçulmana, organizada sob a forma de uma Liga Muçulmana agora com caráter assumidamente secessionista, pela constituição de um espaço político onde não estivesse submissa à maioria hindu. Apesar da sugestão conciliadora 10 Conceito originalmente estabelecido pelo autor americano Henry David Thoreau, em 1849, que

prega a luta contra leis nitidamente injustas através de protestos pacíficos, ou seja, da não utilização de violência para a conquista de objetivos.

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pontes e linhas férreas, é proclamado o Indian Act que declara a Rainha Vitória imperatriz da Índia.

As instituições foram importadas sem maior cuidado com uma adaptação destas para as características regionais da Índia. Assim, dominavam e desdenhavam do antigo sistema de organização indiano. Entre as novas instituições, destacava-se o Indian Civil Service, que treinava homens das castas mercantis de "primeira classe" para que se tornassem administradores responsáveis pela arrecadação das rendas das aldeias. A noção de superioridade implantada pela profissão era complementada pelo fato de que para a tal elite indiana era também reservado o sistema inglês de ensino. Enquanto instituiu o secularismo na Índia, promulgando a liberdade de credo, a Coroa britânica também contribuiu para a formação de raízes racistas e separatistas ao excluir, por exemplo, muçulmanos dos cargos altos (VIEIRA, 2013). Em 1886 nasce o Partido do Congresso Nacional (CNI), que ocupará majoritariamente o governo no período pós-independência. Vinte anos mais tarde, em 1906, nasce a Liga Muçulmana que defende a criação de um Estado muçulmano.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a resistência ao domínio britânico—que despontou meio século antes durante a Revolta dos Cipaios—intensifica-se após comandantes do Reino Unido anunciarem a entrada da Índia na guerra sem consultar as elites nacionais. A partir de 1921, Mahatma Gandhi assume o comando do Partido do Congresso Nacional, despontando como líder ao criar o movimento da Desobediência Civil10. Adepto do princípio da não-violência, Gandhi emanava em suas políticas princípios como a abnegação e a confraternização entre castas, descontentando os hinduístas ortodoxos. Ao mesmo tempo, Jawaharlal Nehru ascende no partido e assume o movimento de independência sob tutela de Gandhi. No período Entre-Guerras, o movimento cresce exponencialmente, dando poder de barganha à Gandhi para estabelecer condições para que a Índia lutasse novamente ao lado do Reino Unido na Segunda Guerra Mundial (METCALF, 2013).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Coroa Britânica, enfraquecida, admite a saída do território indiano. Inicia, então, uma disputa entre forças internas pela condução do país. Destaca-se a exigência por parte da população muçulmana, organizada sob a forma de uma Liga Muçulmana agora com caráter assumidamente secessionista, pela constituição de um espaço político onde não estivesse submissa à maioria hindu. Apesar da sugestão conciliadora 10 Conceito originalmente estabelecido pelo autor americano Henry David Thoreau, em 1849, que

prega a luta contra leis nitidamente injustas através de protestos pacíficos, ou seja, da não utilização de violência para a conquista de objetivos.

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de Gandhi de que o líder da Liga Muçulmana assumisse o cargo de Primeiro-Ministro após a finalização do processo de independência, este acabou sendo ocupado por Nehru, agora líder do Partido do Congresso (VIEIRA, 2013). No Reino Unido, a decisão pelo fim do domínio britânico e pela divisão do território entre Índia e Paquistão é oficializada em 15 de agosto de 1947, quando a independência é votada pelo parlamento.

3 A ÍNDIA RECÉM LIBERTA E A FUNDAÇÃO IDEOLÓGICA DO PAÍS Não resta dúvidas de que o sangrento processo independentista da Índia é fonte essencial para a compreensão dos percalços que acometeram o novo país. Agora, em posse das rédeas do destino de seu próprio povo, os indianos enfrentariam o grande desafio de assegurar a coesão nacional face a minorias separatistas, lidar com a violência religiosa e as disputas territoriais e, ainda, combater a pobreza (MUKHERJEE, 2011, p. 87).

No período pós-independência, a Índia buscou a autossuficiência econômica e a não-ingerência em seus assuntos internos, princípios que refletem a vívida repulsa ao imperialismo colonial. Para tanto, o país nomeou ao cargo de primeiro-ministro um dos líderes do movimento independentista, Jawaharlal Nehru, que assumiu com a pretensão de tornar a Índia e o mundo mais justos e harmônicos. Condutor de um projeto inequivocamente nacionalista a nível doméstico e idealista internacionalmente, Nehru escolheu não envolver a Índia na disputa entre os blocos capitalista e socialista. As intenções do novo líder encontraram respaldo nacionalmente por conta da cultura anti-imperialista da população, e internacionalmente, uma vez que, curiosamente, nem Estados Unidos nem União Soviética demonstravam grande interesse estratégico pelo país à época de sua independência (VIEIRA, 2013).

O universalismo idealista da política externa indiana tem raízes anteriores à própria independência. Durante o governo interino de Nehru, o Movimento Não Alinhado (MNA) começa a tomar forma na Conferência de Relações Asiáticas, realizada entre março e abril de 1947, em Déli. A iniciativa expressa a vontade política dos 29 países participantes em suplantar a era da dominação colonial e iniciar uma nova fase, fundamentada na soberania nacional. Ademais, era essencial para a Índia e outros países do continente reinventar os canais asiáticos de articulação, uma vez que a dominação europeia relegou muitos deles ao isolacionismo (ABRAHAM, 2008). Posteriormente, em 1955, Índia, Burma (Myanmar), Ceilão (Sri Lanka), Indonésia e Paquistão promoveram a primeira conferência afro-asiática, em Bandung, Indonésia, contando com a participação de 19 países asiáticos e 6

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africanos já emancipados da dominação europeia. O evento é referencial para o MNA, uma vez que colocou em pauta a causa terceiro mundista, prestigiando as lutas de libertação nacional e movimentos anti-imperialistas ainda em curso nos dois continentes, bem como na Indochina, na península coreana e na Palestina (POLITICAL AFFAIRS, 2005).

Num primeiro momento, a neutralidade indiana pode ser confundida com passividade, mas certamente essa percepção se transforma quando analisadas as atitudes do país para a resolução de controvérsias e seus esforços para a criação de um ambiente internacional menos litigioso. A nível global, a Índia, ao lado da Irlanda, propôs um tratado que proibia os testes nucleares, claramente indo contra a dinâmica da política internacional da época, que não rendeu frutos (GANGULY, 2012). A nível regional, ocorreram tentativas de resolver as indefinições de sua fronteira pela via diplomática, fracassadas devido ao congelamento dos mecanismos de negociação das Nações Unidas durante a Guerra Fria, período em que boa parte das proposições eram barradas por um dos dois blocos. Além da disputa com o Paquistão pela Caxemira, os indianos enfrentavam a perseverante presença dos portugueses no pequeno território de Goa11, questão que se desdobrou em um breve conflito armado, findado na vitória indiana e na anexação do território como um ente federado. Apesar desses percalços, a participação do país em órgãos multilaterais com o objetivo de moldar a ordem internacional não foi completamente fracassada. Ativamente, a Índia desempenhou importante papel em operações de paz das Nações Unidas, contribuindo para a solução de conflitos regionais, como no Congo belga, no Vietnã e na Coreia, e também nas negociações sobre bens comuns globais que firmaram o Tratado Antártico (1959), o Tratado do Espaço Exterior (1967) e a Convenção de Lei do Mar (1982) (MOHAN, p. 136).

A manutenção da independência conquistada após 200 anos de dominação britânica e a defesa da causa do Terceiro Mundo explicam parcialmente o não alinhamento da Índia. Além de pretender assegurar uma boa margem de manobra no sistema internacional e entorpecer a disputa estratégica e ideológica dicotômica do período, Nehru receava ter de aumentar os gastos em Defesa como o eventual alinhamento a um dos polos da Guerra Fria (GANGULY, 2012). Certamente, comprometer-se com a dinâmica de segurança internacional do período levaria ao desvio de investimentos do desenvolvimento econômico da Índia para o fortalecimento de suas Forças Armadas. O problema, no entanto, é que o bem-estar de um

11 Enclave português desde o século XVI, o porto de Goa era utilizado como base para o comércio

ultramarino.

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africanos já emancipados da dominação europeia. O evento é referencial para o MNA, uma vez que colocou em pauta a causa terceiro mundista, prestigiando as lutas de libertação nacional e movimentos anti-imperialistas ainda em curso nos dois continentes, bem como na Indochina, na península coreana e na Palestina (POLITICAL AFFAIRS, 2005).

Num primeiro momento, a neutralidade indiana pode ser confundida com passividade, mas certamente essa percepção se transforma quando analisadas as atitudes do país para a resolução de controvérsias e seus esforços para a criação de um ambiente internacional menos litigioso. A nível global, a Índia, ao lado da Irlanda, propôs um tratado que proibia os testes nucleares, claramente indo contra a dinâmica da política internacional da época, que não rendeu frutos (GANGULY, 2012). A nível regional, ocorreram tentativas de resolver as indefinições de sua fronteira pela via diplomática, fracassadas devido ao congelamento dos mecanismos de negociação das Nações Unidas durante a Guerra Fria, período em que boa parte das proposições eram barradas por um dos dois blocos. Além da disputa com o Paquistão pela Caxemira, os indianos enfrentavam a perseverante presença dos portugueses no pequeno território de Goa11, questão que se desdobrou em um breve conflito armado, findado na vitória indiana e na anexação do território como um ente federado. Apesar desses percalços, a participação do país em órgãos multilaterais com o objetivo de moldar a ordem internacional não foi completamente fracassada. Ativamente, a Índia desempenhou importante papel em operações de paz das Nações Unidas, contribuindo para a solução de conflitos regionais, como no Congo belga, no Vietnã e na Coreia, e também nas negociações sobre bens comuns globais que firmaram o Tratado Antártico (1959), o Tratado do Espaço Exterior (1967) e a Convenção de Lei do Mar (1982) (MOHAN, p. 136).

A manutenção da independência conquistada após 200 anos de dominação britânica e a defesa da causa do Terceiro Mundo explicam parcialmente o não alinhamento da Índia. Além de pretender assegurar uma boa margem de manobra no sistema internacional e entorpecer a disputa estratégica e ideológica dicotômica do período, Nehru receava ter de aumentar os gastos em Defesa como o eventual alinhamento a um dos polos da Guerra Fria (GANGULY, 2012). Certamente, comprometer-se com a dinâmica de segurança internacional do período levaria ao desvio de investimentos do desenvolvimento econômico da Índia para o fortalecimento de suas Forças Armadas. O problema, no entanto, é que o bem-estar de um

11 Enclave português desde o século XVI, o porto de Goa era utilizado como base para o comércio

ultramarino.

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Estado depende fundamentalmente de sua segurança, percepção que Nehru colocava em segundo plano. A conta, entretanto, não tardou a chegar.

4 A ERA PÓS-NEHRU: DA NEUTRALIDADE ATIVA À BUSCA PELA BOMBA NUCLEAR A política idealista levou o setor de Defesa indiano à negligência do governo, mesmo estando o país a sofrer constantes ameaças em suas fronteiras, seja pelo Paquistão, na Caxemira, ou pela China, no Tibete. Inesperadamente, a Índia sofreu a agressão da China por conta da disputa territorial no Himalaia, apesar do acordo de coexistência pacífica, não-agressão e respeito mútuo assinado em 1954. O conflito, acirrado pelo asilo que os indianos concederam ao revolucionário tibetano Dalai Lama, resultou na desastrosa derrota da Índia, que percebeu, da pior forma, que os constrangimentos impostos pelo sistema internacional não devem ser desprezados (VIEIRA, 2013).

A maior democracia12 do mundo sofreu um choque ainda mais duro com a morte de Nehru, seu arquiteto, em 1964. Desde então, a tomada de decisão dos líderes indianos passou a ter um toque mais realista, essencialmente no que tange às questões securitárias e o gasto em Defesa. As forças armadas foram submetidas a um processo de modernização, com especial atenção para a criação de divisões de combatentes especializados em regiões montanhosas, um aceno à preocupação com a questão fronteiriça com a China (GANGULY, 2012). Indira Gandhi, filha de Nehru, assume como cargo de primeira-ministra em 1966, após a morte de LalBahadurShastri, sucessor de seu pai. Apesar de não descartar por completo a retórica universalista construída até então, o primeiro mandato de Indira foi marcado por uma maior assertividade nas respostas a ameaças externas e pela imposição dos interesses indianos regionais, como durante a interferência em assuntos domésticos do rival Paquistão, e globais, refletido na entrada na corrida nuclear.

Desde a manifestação do primeiro-ministro Nehru pela proibição das armas de destruição em massa até a iniciativa do programa nuclear indiano na metade dos anos de 1960, muito se passou. O primeiro teste nuclear conduzido pela China, em 1964, e o programa nuclear paquistanês, financiado desde os anos de 1950 pelos EUA e apoiado desde 1960 pelos chineses, fez com que a Índia se mobilizasse para não ficar aquém de seus rivais (VIEIRA, 2013). Com o suporte soviético, o primeiro teste nuclear indiano foi realizado em 1974, acirrando o antagonismo regional Paquistão-Índia e evidenciando a

12 Em número de habitantes. Desde a independência, a Índia esteve sob regime democrático, com

exceção do período entre junho de 1975 e março de 1977, quando a então chefe de Estado Indira Gandhi decretou estado de emergência no país e suspendeu as liberdades civis dos cidadãos.

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influência das rivalidades globais nas dinâmicas regionais de segurança (BUZAN, 2003).

A intervenção na guerra civil paquistanesa em 1971, que opôs o Paquistão do Oeste (dominante) e o Paquistão do Leste (separatista), expressa a nova postura da política externa indiana. O conflito evidenciou a dificuldade do governo central do Paquistão em manter a ordem em seu território, fazendo com que milhões de pessoas do Paquistão do Leste se refugiassem em território indiano. Diante da perspectiva de enfraquecer seu rival regional, a Índia montou uma estratégia diplomática alicerçada em um acordo de cooperação com a União Soviética, firmado em 1971, que resguardou a fronteira no Himalaia e dissuadiu possíveis intenções da China em se envolver no conflito (GANGULY, 2012, p. 9). Esperando a iminente intervenção indiana, o Paquistão lançou um ataque preemptivo a bases aéreas no noroeste do país, que configurou uma agressão e concedeu o direito de revide para a Índia. Agora apoiados por tropas indianas, os insurgentes do Paquistão do Leste conquistaram a independência do território, dando origem a Bangladesh, um pequeno país rodeado quase inteiramente pela Índia. Da guerra, o discurso do não alinhamento se viu manchado após a formalização da cooperação com a União Soviética no tratado de 1971, relação que já existia desde o início dos anos 60 com o suprimento de armas soviéticas para a Índia (BUZAN, 2003). Por um lado, a contribuição da Índia para a revolução bengali13 pode ser vista como a prática do discurso de apoio a lutas de libertação nacional, mas, por outro, como uma tentativa de dividir pela metade seu antagonista regional (MUKHERJEE, 2011).

Apesar de fortalecer sua posição regional após o desmembramento do Paquistão, a Índia não conseguiu se projetar no nível global de forma consistente, principalmente por conta do pífio avanço econômico durante a era independente (GANGULY, 2012). Desde o governo de Nehru, adepto do socialismo Fabiano14, até o fim do segundo mandato de Indira Gandhi, o plano econômico indiano foi marcado por grande intervenção do governo na economia através da formulação de planos quinquenais que, progressivamente, estatizavam os meios de produção e submetiam a iniciativa privada aos interesses do Estado. Variando a forma e o grau de intervenção, as políticas dos dois líderes refletem os princípios do nacionalismo e busca pela autossuficiência econômica. Norteado por uma estratégia de substituição de

13 Grupo étnico habitante de Bangladesh (antigo Paquistão do Leste) e do estado indiano de West

Bengal. 14 Nascido na Grã-Bretanha no fim do século XIX, o fabianismo é caracterizado pela oposição à

luta de classes, ou seja, não ser revolucionário. Ademais, pregava a intervenção estatal para a emancipação do trabalhador e a evolução, lenta e gradual, das instituições existentes.

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influência das rivalidades globais nas dinâmicas regionais de segurança (BUZAN, 2003).

A intervenção na guerra civil paquistanesa em 1971, que opôs o Paquistão do Oeste (dominante) e o Paquistão do Leste (separatista), expressa a nova postura da política externa indiana. O conflito evidenciou a dificuldade do governo central do Paquistão em manter a ordem em seu território, fazendo com que milhões de pessoas do Paquistão do Leste se refugiassem em território indiano. Diante da perspectiva de enfraquecer seu rival regional, a Índia montou uma estratégia diplomática alicerçada em um acordo de cooperação com a União Soviética, firmado em 1971, que resguardou a fronteira no Himalaia e dissuadiu possíveis intenções da China em se envolver no conflito (GANGULY, 2012, p. 9). Esperando a iminente intervenção indiana, o Paquistão lançou um ataque preemptivo a bases aéreas no noroeste do país, que configurou uma agressão e concedeu o direito de revide para a Índia. Agora apoiados por tropas indianas, os insurgentes do Paquistão do Leste conquistaram a independência do território, dando origem a Bangladesh, um pequeno país rodeado quase inteiramente pela Índia. Da guerra, o discurso do não alinhamento se viu manchado após a formalização da cooperação com a União Soviética no tratado de 1971, relação que já existia desde o início dos anos 60 com o suprimento de armas soviéticas para a Índia (BUZAN, 2003). Por um lado, a contribuição da Índia para a revolução bengali13 pode ser vista como a prática do discurso de apoio a lutas de libertação nacional, mas, por outro, como uma tentativa de dividir pela metade seu antagonista regional (MUKHERJEE, 2011).

Apesar de fortalecer sua posição regional após o desmembramento do Paquistão, a Índia não conseguiu se projetar no nível global de forma consistente, principalmente por conta do pífio avanço econômico durante a era independente (GANGULY, 2012). Desde o governo de Nehru, adepto do socialismo Fabiano14, até o fim do segundo mandato de Indira Gandhi, o plano econômico indiano foi marcado por grande intervenção do governo na economia através da formulação de planos quinquenais que, progressivamente, estatizavam os meios de produção e submetiam a iniciativa privada aos interesses do Estado. Variando a forma e o grau de intervenção, as políticas dos dois líderes refletem os princípios do nacionalismo e busca pela autossuficiência econômica. Norteado por uma estratégia de substituição de

13 Grupo étnico habitante de Bangladesh (antigo Paquistão do Leste) e do estado indiano de West

Bengal. 14 Nascido na Grã-Bretanha no fim do século XIX, o fabianismo é caracterizado pela oposição à

luta de classes, ou seja, não ser revolucionário. Ademais, pregava a intervenção estatal para a emancipação do trabalhador e a evolução, lenta e gradual, das instituições existentes.

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importações e fomento ao setor tecnológico, o modelo econômico da época não logrou um salto da economia indiana, mas sim o apelido de “taxa de crescimento hindu”15(VIEIRA, 2013).

Com o intuito de reverter o quadro de estagnação da economia indiana, Rajiv Gandhi chega ao poder e continua de forma mais acentuada um processo de liberalização gradativa iniciado no final do mandato de sua mãe, Indira Gandhi, assassinada em 198416. O período, marcado pelo fim do sistema de Bretton Woods, em 1971, pelas crises do petróleo de 1973 e 1979, e pelo nascimento do partido de oposição Bharatiya Janata Party17prenunciavanova fase da economia indiana. Segundo Vieira (2013, p. 88), a Índia se beneficiou das duas crises porque elas

(...) desvincularam a rúpia da Libra Esterlina, o que beneficiou as exportações do país e, em segundo, porque a Índia passou a exportar produtos agrícolas e mão-de obra para os, a partir de então, ricos países do Golfo Pérsico (as transferências de não residentes foram por um longo período as maiores remessas privadas para o país). O superávit no balanço de pagamento, ocasionado pelo acima exposto, permitiu maior flexibilidade na formulação das políticas econômicas e transformou o sistema de licenciamento de importações, tornando-o menos rigoroso, mas muito mais complexo.

Em suma, a era independente até o fim da Guerra Fria pode ser caracterizada pela liderança da Índia junto ao Terceiro Mundo no governo de Nehru e pelo seu fraco desempenho econômico. Como já explicado, a morte do grande líder e a derrota na guerra Sino-Indiana em 1962 marca o início da erosão do discurso de não alinhamento e idealismo universal. Por fim, o colapso da União Soviética coincide com o aprofundamento das reformas econômicas, bem como com o início de uma nova fase da política externa indiana, definida por muitos como pragmática (MUKHERJEE, 2011).

5 DO PÓS GUERRA FRIA ATÉ A ATUALIDADE Os governantes indianos, a partir da década de 1990, passaram a reorganizar suas alianças, objetivando alcançar reconhecimento no cenário internacional

15 Entre os anos de 1950 a 1981, a taxa média de crescimento da economia (PIB) indiana foi de

1,4%. Mais importante, a porcentagem da população abaixo da linha de pobreza era de 54% em 1973-74 (PANAGARIYA, 2013).

16 Em seu segundo mandato, Indira interveio no estado do Punjab para findar o levante separatista sikh, resultando na morte de vários civis. Em represália, seus guarda-costas de origem sikh assassinaram-na (MUKHERJEE, 2011).

17 Sucessor do JanataParty (partido guarda-chuva composto por opositores ao Partido do Congresso, governou por breve período entre 1978 e 1979, mas caiu devido a diferenças internas).

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por meio da aproximação com as grandes potências atuantes. Nesse contexto, a Índia passou a defender para si o status de grande potência (VIEIRA, 2009)—porém, só em 1998, após seus testes nucleares, é que o país parece ter ganhado algum poder de barganha.

Na esfera doméstica, a corrupção e a instabilidade dos governos permearam os conflitos étnicos, além da violência entre muçulmanos e hindus—configurando, assim, os movimentos separatistas no Punjab e na Caxemira, ambos sem projeção de solução. Outro fator de preocupação é a influência maoísta chinesa no interior da Índia, com o movimento dos Naxalitas18—a área em que possuem representatividade considerável é conhecida como “Corredor Vermelho”. Esse movimento foi taxado como “o maior desafio de segurança interno” pelo primeiro-ministro Manmohan Singh, em 2006.

No nível regional, a rivalidade com o Paquistão, após o fim da Guerra Fria, piorou devido ao extremismo hindu do BJP. Essa dinâmica se acirrou também com o aumento da capacidade bélica dos países, comprovada pelos testes nucleares de 1998, em que a Índia detinha apoio da Rússia na obtenção de tecnologia, e o Paquistão pela China e Coreia do Norte (VIEIRA, 2009). Paquistão e Índia romperam relações diplomáticas entre 1994 e 1997, além de travar lutas na Caxemira em 1999. Já em 2002, a Índia confrontou politicamente o Paquistão devido a ataques terroristas. Apesar dessa rivalidade, os países cooperam em assuntos como o uso comum da água, também firmando acordos sobre instalações nucleares (em 1991), e sobre o não-uso de armas químicas, em 1992.

Outra relação no nível regional importante é a com a China. Buzan (2003) afirma que a China apoia o Paquistão desde 1960 com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento nuclear indiano como estratégia de distração. A China, então, foi apontada pelos indianos como o principal motivo dos testes nucleares indianos de 1998, fato que não acirrou a disputa entre os dois países, já que a China alega limitar seu apoio ao Paquistão, além de manter relações diplomáticas estabilizadas com a Índia desde 1980. Em 2003, então, há um salto nas relações sino-indianas, e em 2005 os países lançam uma parceria estratégica visando criar parcerias securitárias e econômicas (VIEIRA, 2009).

18 O movimento Naxalita é conhecido como um conflito entre os grupos militantes comunistas

(com reflexos da doutrina maoísta chinesa) e o governo indiano. Iniciado no fim da década de 1960, principalmente nas áreas rurais indianas, o movimento se alastrou pelo território da Índia e pretender ter apoio das populações mais pobres na luta pelo direito a melhores terras e mais empregos.

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por meio da aproximação com as grandes potências atuantes. Nesse contexto, a Índia passou a defender para si o status de grande potência (VIEIRA, 2009)—porém, só em 1998, após seus testes nucleares, é que o país parece ter ganhado algum poder de barganha.

Na esfera doméstica, a corrupção e a instabilidade dos governos permearam os conflitos étnicos, além da violência entre muçulmanos e hindus—configurando, assim, os movimentos separatistas no Punjab e na Caxemira, ambos sem projeção de solução. Outro fator de preocupação é a influência maoísta chinesa no interior da Índia, com o movimento dos Naxalitas18—a área em que possuem representatividade considerável é conhecida como “Corredor Vermelho”. Esse movimento foi taxado como “o maior desafio de segurança interno” pelo primeiro-ministro Manmohan Singh, em 2006.

No nível regional, a rivalidade com o Paquistão, após o fim da Guerra Fria, piorou devido ao extremismo hindu do BJP. Essa dinâmica se acirrou também com o aumento da capacidade bélica dos países, comprovada pelos testes nucleares de 1998, em que a Índia detinha apoio da Rússia na obtenção de tecnologia, e o Paquistão pela China e Coreia do Norte (VIEIRA, 2009). Paquistão e Índia romperam relações diplomáticas entre 1994 e 1997, além de travar lutas na Caxemira em 1999. Já em 2002, a Índia confrontou politicamente o Paquistão devido a ataques terroristas. Apesar dessa rivalidade, os países cooperam em assuntos como o uso comum da água, também firmando acordos sobre instalações nucleares (em 1991), e sobre o não-uso de armas químicas, em 1992.

Outra relação no nível regional importante é a com a China. Buzan (2003) afirma que a China apoia o Paquistão desde 1960 com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento nuclear indiano como estratégia de distração. A China, então, foi apontada pelos indianos como o principal motivo dos testes nucleares indianos de 1998, fato que não acirrou a disputa entre os dois países, já que a China alega limitar seu apoio ao Paquistão, além de manter relações diplomáticas estabilizadas com a Índia desde 1980. Em 2003, então, há um salto nas relações sino-indianas, e em 2005 os países lançam uma parceria estratégica visando criar parcerias securitárias e econômicas (VIEIRA, 2009).

18 O movimento Naxalita é conhecido como um conflito entre os grupos militantes comunistas

(com reflexos da doutrina maoísta chinesa) e o governo indiano. Iniciado no fim da década de 1960, principalmente nas áreas rurais indianas, o movimento se alastrou pelo território da Índia e pretender ter apoio das populações mais pobres na luta pelo direito a melhores terras e mais empregos.

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No nível global, a Ásia Meridional ficou fora do eixo da Guerra Fria. Apesar disso, Índia e Paquistão aliaram-se economicamente às potências em disputa19. A URSS era aliada da Índia desde a década de 1960 até que foi interrompido o fornecimento de suprimento militar soviético (VIEIRA, 2009). Porém, já na década de 1990, a Rússia voltou a fornecer armamentos e tecnologia militar, retomando as relações, apesar de estas não terem a mesma importância por não serem aliados estratégicos. Já os Estados Unidos, aliados do Paquistão desde 1950, retomaram a aliança estratégica com esse país durante a Guerra do Afeganistão, em 2001, pressionando para que entrassem na coalizão por eles organizada, e temendo que os extremistas islâmicos tivessem acesso ao arsenal nuclear paquistanês (VIEIRA, 2009). Tanto Índia quanto Paquistão apoiaram os Estados Unidos durante a Guerra do Golfo—porém, as relações sino-estadunidenses não se mantiveram fortes, já que o foco de Washington se concentrava na não-proliferação de armas nucleares e na defesa dos direitos humanos, e não em fortalecer laços com a Índia.

As tendências desse período mostram também que, além da retomada de relações com Estados Unidos, o foco indiano está se voltando para o Leste da Ásia. Muito disso se explica a partir do notável dinamismo econômico e do surgimento de novos centros de poder regionais. A Índia, nesse contexto, renova relações com a Ásia Oriental e, impulsionada por sua política e por sua economia, lança a Look East Policy (Política do Olhar para o Leste—tradução livre), no início de 1990. Enquanto a Índia colabora estreitamente com os EUA, Japão e alguns países da ASEAN20 na gestão da segurança regional, as relações com a China sofreram grandes mudanças, com a já mencionada reaproximação entre os países.

As relações com a China, então, são cruciais para a análise do papel da Índia nas dinâmicas do século XXI. Esse século certamente será marcado pela crescente importância do continente asiático, principalmente com a notável superioridade chinesa em relação à indiana. Em termos de crescimento do PIB, a liderança chinesa, com mais de 10% anuais contra 8% da Índia, é constante mas tem diminuído (METCALF, 2013). Diz-se, ainda, que a Índia poderia alcançar a China em poucos anos; porém, aspectos relativos à qualidade de vida ainda desaceleram esse processo. A expectativa de vida chinesa em 2010, por exemplo, era de 73,5 anos, enquanto na Índia era de apenas 64,4 anos. Outro ponto a se comparar é a escolaridade média: na Índia,

19 O Movimento dos Não-Alinhados foi utilizado com sensatez pelos governantes indianos,

permitindo que eles mantivessem a amizade soviética sem perder a americana. 20 A Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) é uma organização regional de Estados

do Sudeste asiático que engloba 12 nações: dez delas são países-membros e duas são observadores em processo de adesão ao grupo.

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foi estimada em 4,4 anos, enquanto na China somava 7,5 anos. Tais fatos comprovam que a Índia ainda tem muito a investir, principalmente em recursos humanos.

Apesar disso, aspectos positivos também não podem ser ignorados, como a grande população jovem, dando ao país uma margem futura de mão de obra, à medida que a educação se difunda por todo país, sustentando a prosperidade vista atualmente (METCALF, 2013). Essa prosperidade, então, nãoserá a mesma da China, já que a Índia possibilita que profissionais anglófonos e qualificados estejam inseridos no mercado global. Dessa forma, não se pode medir quão grande será a capacidade de inovação e criatividade do país nos próximos anos. De acordo com Amartya Sen, economista indiano ganhador do Nobel de economia em 1998, em avaliação de 2011 da “qualidade de vida” na Índia comparada à da China: “A maioria dos indianos valoriza fortemente a estrutura democrática do país, inclusive seus numerosos partidos políticos, eleições livres sistemáticas, imprensa sem censura, liberdade de expressão e a independência do judiciário, entre outras características de uma democracia viva” (METCALF, 2013).

As relações entre Índia e Rússia também são determinantes para compreender o papel indiano na arena internacional do século XXI, retomando relações firmadas com a então União Soviética (URSS), no período da Guerra Fria. Herdadas da URSS, as relações com a Rússia se intensificaram no pós-1991, estendendo-se a parcerias estratégicas, militares, econômicas e diplomáticas. Atualmente, a parcela econômica dessas relações tem ganhado maior importância, dado que os países estão buscando desenvolver um acordo de livre comércio. Tal fato é corroborado pelo expressivo aumento do comercio bilateral entre ambos, que cresceuaproximadamente 24% em 2012 (RUSSIA & INDIA REPORT, 2013).

Além disso, o atual primeiro-ministro indiano afirmou, em pronunciamento de 2014, que:

O apoio constante dos povos da Rússia para a Índia foi mesmo nos momentos difíceis da nossa história. Ele tem sido um pilar de força para o desenvolvimento, segurança e relações internacionais da Índia. A Índia, também, sempre se destacou com a Rússia através de seus próprios desafios. O caráter da política global e as relações internacionais está mudando. No entanto, a importância desse relacionamento e seu lugar único na política externa da Índia não vai mudar. De muitas maneiras, a sua importância para os dois países vai crescer ainda mais no futuro (RT, 2014—tradução nossa).

Apesar de utilizar as parcerias bilaterais como importante estratégia de projeção internacional, a Índia vem se destacando igualmente na sua atuação pragmática em fóruns multilaterais como a Organização das Nações Unidas,

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foi estimada em 4,4 anos, enquanto na China somava 7,5 anos. Tais fatos comprovam que a Índia ainda tem muito a investir, principalmente em recursos humanos.

Apesar disso, aspectos positivos também não podem ser ignorados, como a grande população jovem, dando ao país uma margem futura de mão de obra, à medida que a educação se difunda por todo país, sustentando a prosperidade vista atualmente (METCALF, 2013). Essa prosperidade, então, nãoserá a mesma da China, já que a Índia possibilita que profissionais anglófonos e qualificados estejam inseridos no mercado global. Dessa forma, não se pode medir quão grande será a capacidade de inovação e criatividade do país nos próximos anos. De acordo com Amartya Sen, economista indiano ganhador do Nobel de economia em 1998, em avaliação de 2011 da “qualidade de vida” na Índia comparada à da China: “A maioria dos indianos valoriza fortemente a estrutura democrática do país, inclusive seus numerosos partidos políticos, eleições livres sistemáticas, imprensa sem censura, liberdade de expressão e a independência do judiciário, entre outras características de uma democracia viva” (METCALF, 2013).

As relações entre Índia e Rússia também são determinantes para compreender o papel indiano na arena internacional do século XXI, retomando relações firmadas com a então União Soviética (URSS), no período da Guerra Fria. Herdadas da URSS, as relações com a Rússia se intensificaram no pós-1991, estendendo-se a parcerias estratégicas, militares, econômicas e diplomáticas. Atualmente, a parcela econômica dessas relações tem ganhado maior importância, dado que os países estão buscando desenvolver um acordo de livre comércio. Tal fato é corroborado pelo expressivo aumento do comercio bilateral entre ambos, que cresceuaproximadamente 24% em 2012 (RUSSIA & INDIA REPORT, 2013).

Além disso, o atual primeiro-ministro indiano afirmou, em pronunciamento de 2014, que:

O apoio constante dos povos da Rússia para a Índia foi mesmo nos momentos difíceis da nossa história. Ele tem sido um pilar de força para o desenvolvimento, segurança e relações internacionais da Índia. A Índia, também, sempre se destacou com a Rússia através de seus próprios desafios. O caráter da política global e as relações internacionais está mudando. No entanto, a importância desse relacionamento e seu lugar único na política externa da Índia não vai mudar. De muitas maneiras, a sua importância para os dois países vai crescer ainda mais no futuro (RT, 2014—tradução nossa).

Apesar de utilizar as parcerias bilaterais como importante estratégia de projeção internacional, a Índia vem se destacando igualmente na sua atuação pragmática em fóruns multilaterais como a Organização das Nações Unidas,

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onde pleiteia um assento permanente no Conselho de Segurança em conjunto com o Brasil, a Alemanha e o Japão. Tradicionalmente defensora dos interesses dos países em desenvolvimento, a Índia é grande articuladora na Organização Mundial do Comércio, onde defendeu, durante a Rodada de ̀ segurança alimentar e a fixação de tarifas de importação que protegessem a produçãodoméstica da qual dependessem grandes contingentes populacionais (VIEIRA, 2013).

Em adição à sua participação em grandes instituições internacionais, a Índia procura participar de outras estruturas menores e plurilaterais como a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), com a qual acordou uma zona de livre comércio que deve entrar em operação em 2016, e a Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), na qual é membro observador com o apoio da Rússia no seu pleito para adesão completa. Além disso, participa do IBAS, fórum de cooperação sul-sul entre Índia, Brasil e África do Sul, cujo principal objetivo é a cooperação para o desenvolvimento conjunto de tecnologia, especialmente na área de Defesa, e a mitigação de problemas socioeconômicos comuns aos três (VIEIRA, 2013).

Por fim, é importantíssima a participação da Índia no BRICS, sigla criada por um estudo realizado pelo banco Goldman Sachs22, composto em conjunto com Brasil, Rússia, China e África do Sul. O grupo busca aumentar a sua influência conjunta nas organizações internacionais, manifestando, por exemplo, sua contrariedade a intervenções realizadas na Síria e no Irã em 2012. Com o objetivo de criar uma alternativa ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial, conhecidos pela aplicação de juros altos e outras exigências aos solicitantes de empréstimo, o grupo criou recentemente o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, que financiará obras de infraestrutura em países pobres e emergentes (BBC Brasil, 2014). O Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS também contará com um fundo que poderá ser utilizado por qualquer um dos países membros caso estes corram risco de falência. A criação foi creditada como inovadora por inúmeras entidades e deve contribuir para a diminuição da influência de Estados Unidos e União Europeia no Sistema Internacional.

Recentemente, nas eleições gerais de 2014, o partido conservador de oposição Bharatiya Janata Party (BJP) elegeu o seu candidato a Primeiro-Ministro, Narendra Modi, na maior eleição dos últimos 30 anos na Índia, que

21 Negociações da Organização Mundial do Comércio que visavam diminuir as barreiras

comerciais em todo o mundo, com foco no livre comércio para os países em desenvolvimento. 22 O estudo determinou os países componentes do grupo como bons lugares para o investimento

após análise de uma série de variáveis como a capacidade de acumulação de capital e o nível de produtividade.

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contou com 814 milhões de eleitores (BBC News, 2014). A eleição de Modi acirra a discussão acerca das possibilidades para a política externa indiana, dentre elas se a Índia irá se posicionar mais belicosamente do que o governo anterior e se esse novo governo terá sucesso ao revitalizar a economia do país, a qual tem passado por períodos de instabilidade que são reflexos da crise mundial (NEW YORKER, 2014). O atual primeiro-ministro classifica o governo anterior, do Partido do Congresso, como fraco no tema de segurança nacional—apesar da Índia ter aumentado em 111% a importação de armamentos entre 2004-08, e entre 7% e 14% entre 2009-13 (TIMES OF INDIA, 2014).

6 CONCLUSÃO Para que o crescimento continuado apresentado em algumas regiões do país avance e, principalmente, torne-se mais inclusivo, a Índia precisa enfrentar alguns desafios. Entre eles, podemos citar a garantia de segurança energética e alimentar para a população, a redistribuição de investimentos estrangeiros entre todos os estados, a renovação de infraestrutura essencial para um reavivamento das exportações e do comércio em geral—ferrovias, aeroportos e portos—e a resolução dos conflitos de segurança interna como a questão Naxalita. Apesar de o Estado indiano não ser constantemente atribulado por protestos ou revoltas, em função da submissão às posições econômicas e sociais atribuídas pelo regime de castas, como já mencionado, é inegável que uma maior estabilidade interna é necessária para que a Índia continue sua projeção internacional. Ainda, as recentes eleições que colocaram a oposição no poder, após quase trinta anos de governo do Partido do Congresso (CNI), demonstram que o partido no governo precisa de uma melhor leitura das condições da sua enorme população, dado que sua eleição reflete uma demanda por mudança.

Esforços visando uma diminuição da desigualdade e da pobreza extrema foram realizados recentemente, especialmente com o auxílio de inovações tecnológicas provenientes do investimento no desenvolvimento contínuo de um programa espacial—nos âmbitos civil e militar—que oportunizou, por exemplo, a chegada de técnicas agrícolas ao interior mais pobre. Além disso, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) elevou-se consideravelmente em um período de quatro anos. No entanto, a Índia ainda precisa desenvolver suas instituições seculares para a aplicação de melhores e mais abrangentes políticas públicas. Os casos de violência contra à mulher e feminicídio que estremeceram a capital Nova Deli em 2013, e continuam em sua maioria não-

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contou com 814 milhões de eleitores (BBC News, 2014). A eleição de Modi acirra a discussão acerca das possibilidades para a política externa indiana, dentre elas se a Índia irá se posicionar mais belicosamente do que o governo anterior e se esse novo governo terá sucesso ao revitalizar a economia do país, a qual tem passado por períodos de instabilidade que são reflexos da crise mundial (NEW YORKER, 2014). O atual primeiro-ministro classifica o governo anterior, do Partido do Congresso, como fraco no tema de segurança nacional—apesar da Índia ter aumentado em 111% a importação de armamentos entre 2004-08, e entre 7% e 14% entre 2009-13 (TIMES OF INDIA, 2014).

6 CONCLUSÃO Para que o crescimento continuado apresentado em algumas regiões do país avance e, principalmente, torne-se mais inclusivo, a Índia precisa enfrentar alguns desafios. Entre eles, podemos citar a garantia de segurança energética e alimentar para a população, a redistribuição de investimentos estrangeiros entre todos os estados, a renovação de infraestrutura essencial para um reavivamento das exportações e do comércio em geral—ferrovias, aeroportos e portos—e a resolução dos conflitos de segurança interna como a questão Naxalita. Apesar de o Estado indiano não ser constantemente atribulado por protestos ou revoltas, em função da submissão às posições econômicas e sociais atribuídas pelo regime de castas, como já mencionado, é inegável que uma maior estabilidade interna é necessária para que a Índia continue sua projeção internacional. Ainda, as recentes eleições que colocaram a oposição no poder, após quase trinta anos de governo do Partido do Congresso (CNI), demonstram que o partido no governo precisa de uma melhor leitura das condições da sua enorme população, dado que sua eleição reflete uma demanda por mudança.

Esforços visando uma diminuição da desigualdade e da pobreza extrema foram realizados recentemente, especialmente com o auxílio de inovações tecnológicas provenientes do investimento no desenvolvimento contínuo de um programa espacial—nos âmbitos civil e militar—que oportunizou, por exemplo, a chegada de técnicas agrícolas ao interior mais pobre. Além disso, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) elevou-se consideravelmente em um período de quatro anos. No entanto, a Índia ainda precisa desenvolver suas instituições seculares para a aplicação de melhores e mais abrangentes políticas públicas. Os casos de violência contra à mulher e feminicídio que estremeceram a capital Nova Deli em 2013, e continuam em sua maioria não-

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resolvidos, são prova concreta de que o governo demonstra-se ausente em aspectos importantes da sua legislação.

A estagnação da economia indiana em diversos setores também deve ser observada, afinal, foi ela o argumento base da campanha por mudança vitoriosa que colocou o BJP no poder. Até então, a Índia conseguia, através de malabarismos semelhantes aos utilizados na política de não-alinhamento, manter um discurso liberal que garantisse continuidade ao seu projeto de desenvolvimento, e, concomitantemente, defender um arranjo extremamente protecionista de alguns setores por conta de um certo fardo moral—assumindo que uma abertura econômica inconsequente poderia causar uma grande tragédia humanitária. No entanto, com a ascensão de um partido de direita cuja principal promessa de campanha era uma revolução econômica, ainda não existem respostas claras sobre como o futuro econômico da Índia se desenvolverá nos próximos anos.

Outro ponto importante, que também pode vir a sofrer modificações severas com a troca de governo, é a posição da Índia enquanto potência regional. Embora a participação da Índia em fóruns de cooperação econômica e de integração, como a ASEAN, a OCX e o IBAS, demonstrem seu papel crescente no desenvolvimento da Ásia e regiões estratégicas para a sua política externa e de segurança e um desejo de dar continuidade ao seu papel de liderança entre os países emergentes, atenção especial deve ser dada à explosão jihadista23 que vem acontecendo no Paquistão, no Afeganistão e nos demais países da Ásia Central. É de maior interesse para a Índia que o Afeganistão não entre novamente em uma guerra civil. Apesar de todos os países da região e as grandes potências ainda competirem simultaneamente para transformar o Estado afegão em sua esfera de influência, parece ser necessário um acordo estratégico entre Índia, China, Rússia e Estados Unidos pela definição da situação local. Para não ser prejudicada, a Índia deve se utilizar de seu considerável poder de barganha regional, dado não apenas pela sua extensão territorial e riqueza populacional, mas também por seu relativo sucesso em afastar grandes ameaças terroristas internas. Sem o desenvolvimento seguro dos países vizinhos, e a eliminação das células terroristas que atualmente lá residem, o caminho para o desenvolvimento indiano poderá contar com mais uma fonte de instabilidade.

23 Jihad é um termo árabe que significa “luta”, “esforço” ou empenho. É muitas vezes considerado

um dos pilares da fé islâmica, que são deveres religiosos destinados a desenvolver o espírito da submissão a Deus. O termo é utilizado para descrever o dever dos muçulmanos de realizar “guerras santas” para disseminar a fé e defender as terras islâmicas. É também utilizado para indicar a luta pelo desenvolvimento espiritual.

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Ao mesmo tempo, sua projeção sob o Sudeste Asiático, especialmente no Mar do Sul da China, encontra-se ameaçada pelo ímpeto chinês de controlar as águas ao seu redor. A estratégia, inicialmente planejada como forma de balancear a rápida ascensão chinesa no cenário internacional, é de interesse de vários Estados. Uma aliança com Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e até mesmo Austrália é possível.

Citados todos os desafios que podem vir a dificultar a projeção externa da Índia, é preciso reafirmar o enorme impacto potencial que o país causa e ainda virá a causar no Sistema Internacional. O papel do Estado indiano geralmente é subdimensionado devido à situação interna do país. No entanto, após essa análise, é possível observar que a Índia é hoje um dos principais polos de poder global, especialmente após os desdobramentos da crise econômica de 2008. Como membro do BRICS, grupo composto por grandes lideranças da América Latina, África e Ásia, e que atrai atualmente mais de metade dos capitais internacionais em forma de investimento, sua posição no Sistema Internacional é conveniente, desde que bem manipulada.

ABSTRACT This article is an analytical study of the history of international relations of India from its pre-independence, as well as to understand and explain the main challenges and opportunities for the country nowadays. Key issues are addressed for the current condition of the country, namely: the importance of colonialism and in what sense the colonial relation with Britain shaped the perception of India about themselves and the world; Indian relations with the major powers, with the BRICS and underdeveloped countries throughout history; the foreign policy of India after the independence, given its ideological foundation; the security environment in which India takes part, considering internal, regional and global levels; and domestic challenges facing the country, ranging from ethnic, religious and separatist, to their socioeconomic structure. The research was based on primary sources such as speeches given at the time and electoral data, and secondary sources such as works published by expert researchers in the study of Asia and India. The study of these sources made this work possible, which tries to answer questions about the country's ability to exercise the power role in South Asia and thus impose its agenda in the region.

Keywords: India; power; South Asia; BRICS.

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RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

Ao mesmo tempo, sua projeção sob o Sudeste Asiático, especialmente no Mar do Sul da China, encontra-se ameaçada pelo ímpeto chinês de controlar as águas ao seu redor. A estratégia, inicialmente planejada como forma de balancear a rápida ascensão chinesa no cenário internacional, é de interesse de vários Estados. Uma aliança com Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e até mesmo Austrália é possível.

Citados todos os desafios que podem vir a dificultar a projeção externa da Índia, é preciso reafirmar o enorme impacto potencial que o país causa e ainda virá a causar no Sistema Internacional. O papel do Estado indiano geralmente é subdimensionado devido à situação interna do país. No entanto, após essa análise, é possível observar que a Índia é hoje um dos principais polos de poder global, especialmente após os desdobramentos da crise econômica de 2008. Como membro do BRICS, grupo composto por grandes lideranças da América Latina, África e Ásia, e que atrai atualmente mais de metade dos capitais internacionais em forma de investimento, sua posição no Sistema Internacional é conveniente, desde que bem manipulada.

ABSTRACT This article is an analytical study of the history of international relations of India from its pre-independence, as well as to understand and explain the main challenges and opportunities for the country nowadays. Key issues are addressed for the current condition of the country, namely: the importance of colonialism and in what sense the colonial relation with Britain shaped the perception of India about themselves and the world; Indian relations with the major powers, with the BRICS and underdeveloped countries throughout history; the foreign policy of India after the independence, given its ideological foundation; the security environment in which India takes part, considering internal, regional and global levels; and domestic challenges facing the country, ranging from ethnic, religious and separatist, to their socioeconomic structure. The research was based on primary sources such as speeches given at the time and electoral data, and secondary sources such as works published by expert researchers in the study of Asia and India. The study of these sources made this work possible, which tries to answer questions about the country's ability to exercise the power role in South Asia and thus impose its agenda in the region.

Keywords: India; power; South Asia; BRICS.

A ÍNDIA COMO POTÊNCIA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS 103

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE) ISSN: 2318-9390 | V. 2, 2015 | P. 105–132

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BRASIL: INSERÇÃO INTERNACIONAL SOBRE BASES AUTÔNOMAS

BRAZIL: INTERNATIONAL INSERTION OVER AUTONOMOUS BASES

Ana Carolina Melos1 Letícia Tancredi1

Pedro Alt1

RESUMO O presente artigo se propõe a uma discussão sobre a política externa brasileira comparada das décadas de 1990 e 2000, buscando demonstrar a diferença do perfil de inserção internacional que o país apresentou nos períodos em questão. Dessa forma, pretende-se construir, passo a passo, a evolução das relações internacionais do Brasil, na procura por uma postura mais autônoma frente a seus parceiros no cenário mundial. Por questões didáticas, opta-se por uma análise a partir do Governo Vargas, perpassando todos seus sucessores até algumas conclusões prévias e perspectivas do Governo Dilma, que inicia novo mandato em 2015.

Palavras-chave: política externa brasileira; cooperação sul-sul; integração regional; universalismo.

1 INTRODUÇÃO Desde o governo Vargas, os governantes brasileiros (em sua maioria) possuem a concepção de que o Brasil deve ter uma posição de relevância no sistema internacional. No século XXI, essa concepção tornou-se mais clara, devido a condições internas e externas que tornaram possível um crescente destaque do país no cenário internacional, sendo um dos grandes exemplos a sua participação nos BRICS.

A política externa brasileira é hoje guiada por dois objetivos: a realização de interesses nacionais e a contribuição para a reforma da ordem internacional (CERVO, 2012). São estes objetivos que conduzem as relações

1 Graduandos em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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internacionais do Brasil de maneira universalista, relacionando-se cada vez mais com países subdesenvolvidos e em desenvolvimento sem deixar de manter parcerias necessárias com as nações desenvolvidas; que constroem os interesses brasileiros de maneira autônoma (em detrimento de momentos em que o país alinhava-se às potências e baseava sua política externa segundo os interesses destas); que fazem com que o país busque concertar suas ações com os demais países da América do Sul, visando por a região em posição de destque e por fim; que permitem que o Brasil pregue o respeito ao direito internacional e defenda a diplomacia como meio de solução de conflitos em detrimento do uso da força, mantendo o histórico caráter pacifista do país (que nem por isso o exime de buscar parcerias estratégicas necessárias a sua defesa).

Visando esclarecer os mecanismos de inserção internacional do Brasil, sua relevância para o sistema de Estados atual, e sua política externa, o presente artigo explorará melhor os fatores supracitados, partindo de uma análise histórica da política externa brasileira, aprofundando os elementos relevantes nos anos 1990 e 2000 segundo temas específicos (relações com grandes potências e países emergentes, papel na Cooperação Sul-Sul e integração regional e política de segurança) e abordando perspectivas futuras.

2 BASES HISTÓRICAS Para falar acerca das bases históricas da Política Externa Brasileira é preciso ter em mente que o Brasil se insere internacionalmente segundo uma dualidade estrutural: ora se associa ao Centro, ora se volta para uma perspectiva mais integracionista em relação a seus vizinhos sul-americanos. Ao longo de sua história, pode-se notar a manifestação dessa característica de acordo com a política estabelecida por cada governo. Ao se associar ao centro, nota-se um comportamento mais alinhado aos interesses das grandes potências e a falta de protagonismo do país em suas relações internacionais. Do contrário, quando adota uma postura integracionista, percebe-se mais assertividade do país frente aos demais países, buscando maior destaque na Divisão Internacional do Trabalho. Por questões didáticas, partiremos de uma análise do Governo Vargas, da década de 1930, seguindo até o primeiro governo democrático, de Sarney, após o fim do Regime Militar, que vigorou no país de 1964 até 1985.

Nesse sentido, o Governo Vargas marcou a ascensão de um projeto nacional de caráter desenvolvimentista em resposta à crise internacional que se instaurara durante a década de 1930, com o crash da Bolsa de Nova Iorque (FONSECA, et al, 2013). Além disso, com o acirramento das tensões entre EUA e

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internacionais do Brasil de maneira universalista, relacionando-se cada vez mais com países subdesenvolvidos e em desenvolvimento sem deixar de manter parcerias necessárias com as nações desenvolvidas; que constroem os interesses brasileiros de maneira autônoma (em detrimento de momentos em que o país alinhava-se às potências e baseava sua política externa segundo os interesses destas); que fazem com que o país busque concertar suas ações com os demais países da América do Sul, visando por a região em posição de destque e por fim; que permitem que o Brasil pregue o respeito ao direito internacional e defenda a diplomacia como meio de solução de conflitos em detrimento do uso da força, mantendo o histórico caráter pacifista do país (que nem por isso o exime de buscar parcerias estratégicas necessárias a sua defesa).

Visando esclarecer os mecanismos de inserção internacional do Brasil, sua relevância para o sistema de Estados atual, e sua política externa, o presente artigo explorará melhor os fatores supracitados, partindo de uma análise histórica da política externa brasileira, aprofundando os elementos relevantes nos anos 1990 e 2000 segundo temas específicos (relações com grandes potências e países emergentes, papel na Cooperação Sul-Sul e integração regional e política de segurança) e abordando perspectivas futuras.

2 BASES HISTÓRICAS Para falar acerca das bases históricas da Política Externa Brasileira é preciso ter em mente que o Brasil se insere internacionalmente segundo uma dualidade estrutural: ora se associa ao Centro, ora se volta para uma perspectiva mais integracionista em relação a seus vizinhos sul-americanos. Ao longo de sua história, pode-se notar a manifestação dessa característica de acordo com a política estabelecida por cada governo. Ao se associar ao centro, nota-se um comportamento mais alinhado aos interesses das grandes potências e a falta de protagonismo do país em suas relações internacionais. Do contrário, quando adota uma postura integracionista, percebe-se mais assertividade do país frente aos demais países, buscando maior destaque na Divisão Internacional do Trabalho. Por questões didáticas, partiremos de uma análise do Governo Vargas, da década de 1930, seguindo até o primeiro governo democrático, de Sarney, após o fim do Regime Militar, que vigorou no país de 1964 até 1985.

Nesse sentido, o Governo Vargas marcou a ascensão de um projeto nacional de caráter desenvolvimentista em resposta à crise internacional que se instaurara durante a década de 1930, com o crash da Bolsa de Nova Iorque (FONSECA, et al, 2013). Além disso, com o acirramento das tensões entre EUA e

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Alemanha, no contexto da II Guerra Mundial, pode-se notar uma aproximação do governo com seus vizinhos sul-americanos, na tentativa de se travar as intervenções das duas potências que buscavam aliados e enxergavam no Brasil um importante território estratégico. Dessa forma, consagrou-se o princípio da solidariedade hemisférica, fortalecendo-se o pan-americanismo (MOURA, 1980). Esse cenário vai possibilitar a Vargas operar basicamente a partir de uma política de barganhas, optando, ao final, pela aliança com os EUA como forma de garantir ao país algumas vantagens estratégicas, como a construção da Companhia Siderúrgica Nacional,2 financiada com recursos do governo estadunidense (MOURA, 1980).

Os dois governos que sucederam Vargas após 1945, Dutra e Café Filho respectivamente, representaram uma política de alinhamento automático com os EUA, havendo um abandono das relações com os demais países latino-americanos e uma nova retomada de submissão ao Centro tradicional do Sistema (CERVO; BUENO, 2002). Para o Brasil, fortalecer as relações com o governo dos EUA era a grande possibilidade de se alcançar o desenvolvimento econômico através da cooperação técnica. Por outro lado, com o início da Guerra Fria e o acirramento dos ânimos entre EUA e União Soviética, o Brasil era novamente visto por Washington como um espaço estratégico onde era preciso manter sua influência e afastar possibilidades de surgimento de movimentos comunistas (CERVO; BUENO, 2002).

A volta de Vargas, em 1951, trouxe um retorno da busca por maior autonomia da política externa, cumprindo objetivos para promover o desenvolvimento econômico do país, sem descuidar, no entanto, do princípio de solidariedade do mundo ocidental (HIRST, 2006). Não se pode falar, no entanto, que houve um abandono do alinhamento com os EUA, havendo uma consciência da necessidade de se fortalecer essas relações para benefício do próprio país. O que se nota, nesse sentido, é que há um debate sobre a profundidade desse alinhamento, sendo ele mais restrito a uma visão ideológica que confundia o inimigo interno com o externo, deixando, por outro lado, as questões econômicas sob um viés mais desenvolvimentista e autônomo (HIRST, 2006).

2 Já quando da Revolução de 1930, a siderurgia tinha sido estabelecida como um setor estratégico

não só para o desenvolvimento econômico do país, mas também para a garantia da soberania nacional. Dessa forma, o conflito mundial e o interesse dos EUA de manter a América Latina, como um todo, fora da esfera de influência na Alemanha Nazista levaram à política de barganha de Vargas, cujo ápice foi a construção da Companhia Siderúrgica Nacional em troca da construção de uma base aérea estadunidense em Natal—caminho mais curto para a Europa a partir da América do Sul (MOURA, 1980).

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É preciso também observar que o segundo Governo Vargas, apesar das estreitas relações com os EUA, deu os primeiros passos para a construção de uma agenda internacional mais diversificada, buscando estabelecer laços com outros países subdesenvolvidos. Já se nota aqui a tendência à multilateralidade, mais evidente a partir do Governo Lula (2003), retratada na maior atuação do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, aproximando-se dos novos países que surgiam a partir dos movimentos de descolonização no Terceiro Mundo (HIRST, 2006).

O Governo curtíssimo de Café Filho representou um novo momento de alinhamento com os EUA, marcado pela assinatura de um acordo de cooperação sobre os usos civis de energia nuclear e do Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil, criados para garantir o uso pacífico das pesquisas brasileiras. As medidas desagradaram aos nacionalistas da época, que fizeram pesadas críticas sobre o acordo, pois o enxergavam como um novo instrumento de benefício exclusivo de Washington em detrimento dos brasileiros (CERVO; BUENO, 2002).

Já no governo de Juscelino Kubitschek (JK) (1956–1960), pode-se falar de uma política exterior mais voltada para o desenvolvimento interno, sendo o período da história brasileira que mais se pode falar sobre a valorização do plano externo como via para a solução das questões internas. Na América Latina, como um todo, o tempo foi de afastamento dos EUA e das grandes potências ocidentais, criando o ambiente propício para a criação da ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio), o primeiro processo de integração da região, cujo objetivo era ampliar o intercâmbio comercial, desenvolver novas atividades, e aumentar a produção e a substituição de importações de países de fora do subcontinente (CERVO; BUENO, 2002; VIZENTINI, 1995).

Em 1961, após o final do Governo JK, ascende ao poder Jânio Quadros, e há aqui uma verdadeira reviravolta na política externa brasileira com a inauguração da Política Externa Independente (PEI) que significará um abandono do alinhamento ao centro. O contexto internacional de auge da Guerra Fria, com o grande acirramento das tensões entre o bloco capitalista e o soviético, a repercussão dos êxitos da União Soviética no mundo subdesenvolvido, os processos de descolonização no continente africano e o crescimento do movimento dos países não-alinhados, culminando na Conferência de Bandung, redesenharam o perfil da política exterior do Brasil (GUIMARÃES, 2013).

A PEI trouxe características um tanto progressistas à política externa, priorizando as relações do Brasil com o Terceiro Mundo em detrimento das Grandes Potências, baseadas nos princípios de autodeterminação dos povos,

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É preciso também observar que o segundo Governo Vargas, apesar das estreitas relações com os EUA, deu os primeiros passos para a construção de uma agenda internacional mais diversificada, buscando estabelecer laços com outros países subdesenvolvidos. Já se nota aqui a tendência à multilateralidade, mais evidente a partir do Governo Lula (2003), retratada na maior atuação do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, aproximando-se dos novos países que surgiam a partir dos movimentos de descolonização no Terceiro Mundo (HIRST, 2006).

O Governo curtíssimo de Café Filho representou um novo momento de alinhamento com os EUA, marcado pela assinatura de um acordo de cooperação sobre os usos civis de energia nuclear e do Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil, criados para garantir o uso pacífico das pesquisas brasileiras. As medidas desagradaram aos nacionalistas da época, que fizeram pesadas críticas sobre o acordo, pois o enxergavam como um novo instrumento de benefício exclusivo de Washington em detrimento dos brasileiros (CERVO; BUENO, 2002).

Já no governo de Juscelino Kubitschek (JK) (1956–1960), pode-se falar de uma política exterior mais voltada para o desenvolvimento interno, sendo o período da história brasileira que mais se pode falar sobre a valorização do plano externo como via para a solução das questões internas. Na América Latina, como um todo, o tempo foi de afastamento dos EUA e das grandes potências ocidentais, criando o ambiente propício para a criação da ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio), o primeiro processo de integração da região, cujo objetivo era ampliar o intercâmbio comercial, desenvolver novas atividades, e aumentar a produção e a substituição de importações de países de fora do subcontinente (CERVO; BUENO, 2002; VIZENTINI, 1995).

Em 1961, após o final do Governo JK, ascende ao poder Jânio Quadros, e há aqui uma verdadeira reviravolta na política externa brasileira com a inauguração da Política Externa Independente (PEI) que significará um abandono do alinhamento ao centro. O contexto internacional de auge da Guerra Fria, com o grande acirramento das tensões entre o bloco capitalista e o soviético, a repercussão dos êxitos da União Soviética no mundo subdesenvolvido, os processos de descolonização no continente africano e o crescimento do movimento dos países não-alinhados, culminando na Conferência de Bandung, redesenharam o perfil da política exterior do Brasil (GUIMARÃES, 2013).

A PEI trouxe características um tanto progressistas à política externa, priorizando as relações do Brasil com o Terceiro Mundo em detrimento das Grandes Potências, baseadas nos princípios de autodeterminação dos povos,

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não intervenção em assuntos internos, solidariedade continental, luta contra o colonialismo e contra o comunismo. A política, que com algumas pequenas modificações seguirá até o fim do Governo de João Goulart, em 1964, fortalece os laços do Brasil com a América Latina e, principalmente, com o continente africano, podendo-se falar aqui do estabelecimento de uma política africana pela primeira vez na história do país (GUIMARÃES, 2013; PENHA, 2011).

Os governos militares vão representar uma evolução progressiva do alinhamento automático à volta de uma política mais caracterizadamente regional. Castelo Branco, primeiro militar no poder, marcou um período de brusca ruptura com os avanços alcançados pela PEI de Quadros e Goulart, estabelecendo uma política externa muito alinhada aos interesses do EUA na América Latina, reflexo do contexto de Guerra Fria em que se inseriu. Aqui fala-se da implementação da Doutrina de Segurança Nacional em que o comunismo era visto como inimigo interno e externo, capaz de ameaçar a sobrevivência do Estado brasileiro (SILVA, 2005).

O nacionalismo exacerbado dos militares, no entanto, será o elemento responsável por trazer de volta características mais independentes à política externa brasileira, presentes principalmente nos governos de Castelo Branco (1964–1967) e Costa e Silva (1967–1969). É sobretudo a partir de Geisel e seu “pragmatismo responsável”3 que se pode falar de uma recusa ao alinhamento automático com os EUA através de uma nova aproximação com o Terceiro Mundo, colocando novamente a África Negra como um dos focos, muito em função da crise do petróleo que pôs fim ao milagre econômico brasileiro e trouxe à tona nossa vulnerabilidade frente ao petróleo do Oriente Médio.4

3 O “pragmatismo responsável” de Geisel marcou a política externa desse governo que se inicia

em um contexto de crise econômica mundial, em função do Primeiro Choque do Petróleo (1973), pondo fim ao “milagre econômico” por qual passava o Brasil, ao mesmo tempo em que as contestações populares sobre o regime militar tomam o cenário nacional. Pode-se dizer que o “pragmatismo responsável” foi um retorno à Política Externa Independente, na medida em que há novamente o estabelecimento de uma política africana, dada a inserção do Atlântico Sul, mais uma vez, no cenário internacional enquanto espaço estratégico, trazendo a necessidade de uma projeção brasileira na região devido a suas particularidades territoriais. Aliado a isso, o período foi também responsável por uma aproximação com países da América do Sul (SILVA, 2005; PENHA, 2011; SILVERIA; QUAGLIA, 2013).

4 A Crise do Petróleo teve início em 1973, com a eclosão da Guerra do Yom Kippur, entre a coalizão árabe, formada por Egito, Síria e Iraque, contra Israel. O embargo econômico sobre o preço do petróleo foi estabelecido pelos membros da OPAEP (Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo) como resposta ao apoio norteamericano às tropas israelenses no conflito. Dessa forma, os países árabes, maiores exportadores de petróleo do mundo, aumentaram significativamente o preço mundial do barril do combustível, contribuindo para o aprofundamento da crise econômica pela qual a comunidade internacional vinha passando desde o início da década de 1970. O petróleo foi utilizado aqui como arma política para

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Nesse contexto, a África surge, então, como uma grande alternativa ao combustível fóssil da península arábica, fortalecendo os laços do Brasil com países como Angola e Nigéria (SILVEIRA; QUAGLIA, 2013).

O Governo Figueiredo manteve e aprofundou os princípios do “pragmatismo responsável”, não havendo rupturas. Acerca dos EUA, não se pode falar aqui de alinhamento automático, tendo em vista que as relações entre os dois países passaram por momentos de aproximação e afastamento ao longo do período. Cabe aqui destacar, por outro lado, que Figueiredo ficou marcado por uma aproximação com a Argentina em decorrência da Guerra das Malvinas, em que o governo brasileiro se posicionou favoravelmente ao vizinho sul-americano, inaugurando, assim, um período de cooperação (SILVA, 2005). Com a redemocratização, em 1985, não há ainda uma ruptura com a política externa dos governos militares, podendo-se observar certa manutenção dos preceitos trazidos por Geisel (RIBEIRO, 2008). É somente na década de 1990 que vai se observar uma nova tendência na política externa brasileira que, novamente, se alinha ao centro em detrimento da integração regional.

3 A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL NOS ANOS 1990 A década de 1990 inaugurou um novo período para a história brasileira a partir da ascensão do primeiro governo democraticamente eleito após o final do regime militar, que perdurou até 1985 e foi sucedido pelo governo Sarney, que subiu ao poder através de votos indiretos. Além disso, a conjuntura internacional, de final da Guerra Fria e consolidação do modelo capitalista, trouxe um período de políticas neoliberais no Terceiro Mundo, implementadas a partir da adoção do Consenso de Washington5 por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI), principal órgão de financiamento das economias emergentes. Essa guinada neoliberal trará consequências diretas para a formulação da política externa brasileira, que se verá novamente alinhada ao centro.

enfraquecer a aliança dos EUA com Israel, fortalecendo a coalização árabe (LERSCH, et al, 2014).

5 O Consenso de Washington foi uma série de medidas econômicas, lançadas em 1989, adotado como política oficial do FMI, impondo exigências aos países subdesenvolvidos na hora da realização de empréstimos. As políticas impostas pelo Consenso foram diretamente prejudiciais ao desenvolvimento desses países, gerando uma crise sem precedentes em diversos países do Terceiro Mundo, inclusive o Brasil.

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Nesse contexto, a África surge, então, como uma grande alternativa ao combustível fóssil da península arábica, fortalecendo os laços do Brasil com países como Angola e Nigéria (SILVEIRA; QUAGLIA, 2013).

O Governo Figueiredo manteve e aprofundou os princípios do “pragmatismo responsável”, não havendo rupturas. Acerca dos EUA, não se pode falar aqui de alinhamento automático, tendo em vista que as relações entre os dois países passaram por momentos de aproximação e afastamento ao longo do período. Cabe aqui destacar, por outro lado, que Figueiredo ficou marcado por uma aproximação com a Argentina em decorrência da Guerra das Malvinas, em que o governo brasileiro se posicionou favoravelmente ao vizinho sul-americano, inaugurando, assim, um período de cooperação (SILVA, 2005). Com a redemocratização, em 1985, não há ainda uma ruptura com a política externa dos governos militares, podendo-se observar certa manutenção dos preceitos trazidos por Geisel (RIBEIRO, 2008). É somente na década de 1990 que vai se observar uma nova tendência na política externa brasileira que, novamente, se alinha ao centro em detrimento da integração regional.

3 A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL NOS ANOS 1990 A década de 1990 inaugurou um novo período para a história brasileira a partir da ascensão do primeiro governo democraticamente eleito após o final do regime militar, que perdurou até 1985 e foi sucedido pelo governo Sarney, que subiu ao poder através de votos indiretos. Além disso, a conjuntura internacional, de final da Guerra Fria e consolidação do modelo capitalista, trouxe um período de políticas neoliberais no Terceiro Mundo, implementadas a partir da adoção do Consenso de Washington5 por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI), principal órgão de financiamento das economias emergentes. Essa guinada neoliberal trará consequências diretas para a formulação da política externa brasileira, que se verá novamente alinhada ao centro.

enfraquecer a aliança dos EUA com Israel, fortalecendo a coalização árabe (LERSCH, et al, 2014).

5 O Consenso de Washington foi uma série de medidas econômicas, lançadas em 1989, adotado como política oficial do FMI, impondo exigências aos países subdesenvolvidos na hora da realização de empréstimos. As políticas impostas pelo Consenso foram diretamente prejudiciais ao desenvolvimento desses países, gerando uma crise sem precedentes em diversos países do Terceiro Mundo, inclusive o Brasil.

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3.1 O BRASIL E AS GRANDES POTÊNCIAS Importa saber que a década de 1990, em específico o Governo Collor e o primeiro mandato de Fernando Henrique, representou um retrocesso na dualidade estrutural brasileira, com novo período de alinhamento, ainda que não automático, ao centro tradicional. O Governo Collor, que iniciava já com a crise do esgotamento do modelo de crescimento econômico, promoveu uma abertura aos produtos manufaturados estrangeiros de forma desmedida, prejudicando totalmente a indústria local que ainda não era competitiva o suficiente para contrapor a inundação de importados que o mercado brasileiro começou a sofrer (SCHINDLER, 2010).

Em sua visita aos EUA, em junho de 1991, Collor afirmou que as relações com o país eram prioritárias para o Brasil, clamando pela necessidade de resolução dos conflitos entre ambos, principalmente no âmbito comercial. É preciso ter em mente, no entanto, que, nesse momento, o Brasil enxerga os EUA como o grande vencedor da Guerra Fria, sendo o único país realmente capaz de auxiliar o governo brasileiro em seus esforços para alcançar a condição de desenvolvimento. Não à toa, a posição do Brasil é de submissão às políticas defendidas pelos EUA (SCHINDLER, 2011).

O Governo FHC, por sua vez, mantém a prioridade das relações com os EUA ao mesmo tempo em que os coloca como grandes parceiros para o projeto de desenvolvimento. O aprofundamento da política econômica neoliberal impediu uma inserção internacional mais autônoma e assertiva por parte do governo brasileiro, prejudicando diretamente a competitividade das empresas nacionais no mercado estrangeiro e prejudicando ainda mais o processo de desenvolvimento do país (CORÁ, 2012).

O segundo mandato de FHC será marcado pelo início de uma reviravolta na política externa do país que, atingido pelas crises asiática e russa, passa a fortalecer suas parcerias dentro da América do Sul, dando novo impulso para o processo de integração regional, na figura do MERCOSUL. Os EUA e as potências europeias perdem, assim, poder de influência na postura brasileira no exterior em função do desgaste da alternativa neoliberal para o projeto desenvolvimentista do país (CORÁ, 2012).

3.1 COOPERAÇÃO SUL-SUL E PAÍSES EMERGENTES A ascensão de Fernando Collor de Mello à presidência e a adoção do neoliberalismo como política econômica, em 1990, inauguraram uma era de distanciamento do discurso “terceiro-mundista”, postura que encontrava continuidade desde a década de 1970 (SILVA, 2013, p. 132). A prioridade dada ao diálogo Norte-Sul, contudo, acabara por reduzir determinados espaços globais, outrora relevantes, a um papel secundário, como no caso da África

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(VISENTINI, 2013, p. 92). No contexto do fim da Guerra Fria e da criação do MERCOSUL enquanto área de livre comércio, em 1991, a diplomacia de Collor lançaria mão de um discurso modernizante e que, em tese, proporcionaria ao Brasil maiores oportunidades desde o fim da Guerra Fria (HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 6). Collor aprofundou o processo de “regionalização” da política externa brasileira do governo José Sarney (1985–1990), o qual concentrava esforços no diálogo com os vizinhos sul-americanos e pleiteava firmemente junto aos EUA melhor tratamento da dívida externa brasileira, dessa vez com maior subserviência, o que ampliaria a distância entre o Brasil e o Terceiro Mundo, já característica do governo Sarney (ROSI, 2011, p. 37).

Esse retraimento não foi, contudo, absoluto. Collor apresentou uma retórica positiva quanto a determinados países do continente africano, por exemplo. O então presidente e seus chanceleres comumente citaram o continente africano em seus discursos, com destaque para: a suposta atenção dada pelo governo brasileiro à Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), prioridade brasileira segundo o discurso de Collor na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1990; a posição firmemente contrária ao Apartheid; e o anseio por uma parceria econômica estabelecida com a SADCC (futura SADC), comunidade econômica da África Austral. Não por acaso foi justamente a porção meridional da África a única região visitada por Collor no continente, em setembro de 1991, quando se encontrou com José Eduardo dos Santos6 e visitou os recém-independentes Namíbia, Moçambique e Zimbábue (CORRÊA, 2007, p. 532). Em 1992, contudo, o Brasil demonstraria postura discretamente favorável a Israel na questão palestina e aprovaria sanções contra a Líbia, as quais eram defendidas principalmente por Reino Unido e Estados Unidos (BARRETO, 2012, p. 210–211). No mesmo ano, o Brasil copatrocinaria iniciativa indiana nas Nações Unidas a fim de reformar o Conselho de Segurança da ONU (BARRETO, 2012, p. 215).

Iniciado no fim de 1992, o governo Itamar Franco protagonizaria diversas iniciativas que indicavam retomar o paradigma autonomista da política externa brasileira (CANANI, 2004, p. 115). Viu na Ásia-Pacífico e no Sul da Ásia, por exemplo, regiões de grande potencial de comércio e cooperação, revelando-se um “inesgotável nicho de oportunidades”, como afirmaria o então chanceler Celso Amorim (MRE, 1995 apud CANANI, 2004, p. 115). Seria marcante no Governo Franco uma aproximação aos chamados “países-baleia”, isto é, mercados emergentes e de larga escala com os quais o Brasil poderia encontrar importantes oportunidades comerciais. Quanto à África, sediaria a

6 A delegação brasileira de alto nível também se encontrou com Jonas Savimbi, líder da UNITA,

em Bruxelas no mês de maio do mesmo ano.

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(VISENTINI, 2013, p. 92). No contexto do fim da Guerra Fria e da criação do MERCOSUL enquanto área de livre comércio, em 1991, a diplomacia de Collor lançaria mão de um discurso modernizante e que, em tese, proporcionaria ao Brasil maiores oportunidades desde o fim da Guerra Fria (HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 6). Collor aprofundou o processo de “regionalização” da política externa brasileira do governo José Sarney (1985–1990), o qual concentrava esforços no diálogo com os vizinhos sul-americanos e pleiteava firmemente junto aos EUA melhor tratamento da dívida externa brasileira, dessa vez com maior subserviência, o que ampliaria a distância entre o Brasil e o Terceiro Mundo, já característica do governo Sarney (ROSI, 2011, p. 37).

Esse retraimento não foi, contudo, absoluto. Collor apresentou uma retórica positiva quanto a determinados países do continente africano, por exemplo. O então presidente e seus chanceleres comumente citaram o continente africano em seus discursos, com destaque para: a suposta atenção dada pelo governo brasileiro à Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), prioridade brasileira segundo o discurso de Collor na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1990; a posição firmemente contrária ao Apartheid; e o anseio por uma parceria econômica estabelecida com a SADCC (futura SADC), comunidade econômica da África Austral. Não por acaso foi justamente a porção meridional da África a única região visitada por Collor no continente, em setembro de 1991, quando se encontrou com José Eduardo dos Santos6 e visitou os recém-independentes Namíbia, Moçambique e Zimbábue (CORRÊA, 2007, p. 532). Em 1992, contudo, o Brasil demonstraria postura discretamente favorável a Israel na questão palestina e aprovaria sanções contra a Líbia, as quais eram defendidas principalmente por Reino Unido e Estados Unidos (BARRETO, 2012, p. 210–211). No mesmo ano, o Brasil copatrocinaria iniciativa indiana nas Nações Unidas a fim de reformar o Conselho de Segurança da ONU (BARRETO, 2012, p. 215).

Iniciado no fim de 1992, o governo Itamar Franco protagonizaria diversas iniciativas que indicavam retomar o paradigma autonomista da política externa brasileira (CANANI, 2004, p. 115). Viu na Ásia-Pacífico e no Sul da Ásia, por exemplo, regiões de grande potencial de comércio e cooperação, revelando-se um “inesgotável nicho de oportunidades”, como afirmaria o então chanceler Celso Amorim (MRE, 1995 apud CANANI, 2004, p. 115). Seria marcante no Governo Franco uma aproximação aos chamados “países-baleia”, isto é, mercados emergentes e de larga escala com os quais o Brasil poderia encontrar importantes oportunidades comerciais. Quanto à África, sediaria a

6 A delegação brasileira de alto nível também se encontrou com Jonas Savimbi, líder da UNITA,

em Bruxelas no mês de maio do mesmo ano.

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III Cúpula Internacional da ZOPACAS, conferindo novamente ao Atlântico Sul a importância estratégica olvidada no governo anterior. Também organizaria, em 1994, o Encontro de Chanceleres de Países de Língua Portuguesa na cidade de Brasília, além de apoiar bilateral e multilateralmente através das Nações Unidas o processo de paz e reconstrução em alguns países do continente, como Angola (VISENTINI; PEREIRA, 2008, p. 3). Vale lembrar, contudo, que a política externa do Governo Franco não significou um total rompimento com a abertura econômica de Collor, mas sim a ciência de que o Brasil poderia e deveria participar da construção da nova ordem internacional, além de respeitar a soberania nacional.

Já no Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995–2002), que havia sido chanceler de Franco, o lugar do Sul global nas relações internacionais do Brasil continuou relativamente modesto, contudo, algumas iniciativas importantes tiveram lugar, além de haver uma inflexão em meio ao segundo mandato, qualitativamente aprofundada pelo advento do Governo Lula. A partir de 1995, por exemplo, oficiais brasileiros participariam ativamente das missões de paz da ONU em Angola e em outros países africanos (VISENTINI; PEREIRA, 2008, p. 4). Em 1996, Cardoso visitaria Angola e África do Sul, países com os quais firmaria acordos em diversas áreas e, em 1998, o então presidente Nelson Mandela visitou o Brasil. A nova África do Sul emergia como importante parceria econômica para o Brasil, reafirmando a política de aproximação a mercados emergentes do governo anterior.

O Governo Cardoso também inaugurou a atuação brasileira em áreas como a da cooperação no campo das políticas públicas. O Brasil foi importante protagonista na luta pela quebra de patente de medicamentos, como os anti-HIV (fundamentais para a luta contra a epidemia da AIDS) foram de suma importância para o combate da doença em solo africano (VISENTINI; CEBRAFRICA, 2013, p. 93). Já no final da década, o governo incentivaria a cooperação no campo do ensino técnico, sendo aberto em 2000, por exemplo, o Centro de Formação Profissional Brasil-Angola (VISENTINI; CEBRAFRICA, 2003, p. 101).

Quanto a outros mercados emergentes, Cardoso ampliaria as relações com a República Popular da China, a Índia—que, junto à Rússia, passariam a ser cortejados quanto a parcerias estratégicas—e outros países asiáticos que ocupariam um lugar antes ocupado pelo Japão, então às voltas com a estagnação econômica (VIZENTINI, 2008, p. 97). É extremamente difícil, como afirma Maria Regina Soares de Lima (2010, p. 157), elaborar um estudo quanto a uma “coalizão terceiro-mundista”, já que durante os anos noventa as figuras dos emergentes são encaradas como “atores do mercado sem qualquer conotação política ou de coordenação entre eles”.

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3.3 INTEGRAÇÃO REGIONAL Importa considerar que o contexto internacional na época era favorável a integração regional—o mundo pós Guerra Fria estava imerso em um processo de intensa globalização e de agrupamento dos países em blocos econômicos regionais. Além disso, o fim do conflito também diminuiu a margem de barganha dos países do continente, fazendo com que estes começassem uma política de aproximação—o que era especialmente visível nas relações entre Brasil e Argentina, que abriam espaço para uma crescente cooperação, caminhando cada vez mais no sentido de integração com os países vizinhos (REIS, 2009). Segundo Barreto (2010, p. 4):

Transpostos os temores do passado e alguns episódios marcados pela rivalidade de vizinhança na década de 70, Brasil e Argentina viram-se impelidos, a partir do momento histórico de redemocratização interna, ocaso da Guerra Fria e novos condicionantes econômicos e globais, a buscar o destino manifesto da integração regional, da troca favorável de potencialidades produtivas e tecnológicas e da aliança estratégica para o enfrentamento das negociações internacionais.

Portanto, nos anos 1990—marcados pela crença na ideologia liberal de desenvolvimento a nível nacional e regional—a América Latina foi prioridade na agenda de política externa, seja no governo Collor, Itamar Franco ou FHC (1995–2002). A diferença do governo FHC é a ênfase que é dada ao conceito de América do Sul como espaço de integração, excluindo a América Central por ser uma região de mais difícil alcance para os interesses brasileiros devido à presença estadunidense na área.7

Em 1991, ainda no governo Collor, destaca-se a criação do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)—cujas bases já vinham sendo lançadas desde o Governo Sarney—a partir do Tratado de Assunção. A adesão de Uruguai e Paraguai, além dos idealizadores Brasil e Argentina, consolida uma integração sub-regional. Em 1994, com Itamar Franco, o bloco ganha status de União Aduaneira (BARRETO, 2010). FHC dá continuidade às tentativas de fortalecimento do grupo, mas esbarra numa forte crise institucional—influenciada pela crise econômica internacional e interna—que faz a instituição cair em descrédito.8 Por outro lado, FHC também dá um primeiro

7 “Durante o governo FHC, a América do Sul, não apenas pela consolidação do Mercosul como

União Alfandegária incompleta, mas por outras ações, confirmou a centralidade para a política brasileira. Parece tratar-se de tendência não conjuntural, tendo sido uma política inaugurada por Sarney, com continuidade no governo Itamar Franco e nos dois mandatos de FHC” (VIGEVANI, OLIVEIRA e CINTRA apud REIS (2009); p. 187)

8 “(...) a partir de 1997, com a instabilidade financeira internacional houve uma fragilização das economias emergentes No início de 1999, ocorreu uma fuga de capitais do Brasil, à qual o governo respondeu com uma forte desvalorização do Real, provocando o encarecimento das importações brasileiras. Tal fato atingiu duramente a Argentina, que tinha um superávit com

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3.3 INTEGRAÇÃO REGIONAL Importa considerar que o contexto internacional na época era favorável a integração regional—o mundo pós Guerra Fria estava imerso em um processo de intensa globalização e de agrupamento dos países em blocos econômicos regionais. Além disso, o fim do conflito também diminuiu a margem de barganha dos países do continente, fazendo com que estes começassem uma política de aproximação—o que era especialmente visível nas relações entre Brasil e Argentina, que abriam espaço para uma crescente cooperação, caminhando cada vez mais no sentido de integração com os países vizinhos (REIS, 2009). Segundo Barreto (2010, p. 4):

Transpostos os temores do passado e alguns episódios marcados pela rivalidade de vizinhança na década de 70, Brasil e Argentina viram-se impelidos, a partir do momento histórico de redemocratização interna, ocaso da Guerra Fria e novos condicionantes econômicos e globais, a buscar o destino manifesto da integração regional, da troca favorável de potencialidades produtivas e tecnológicas e da aliança estratégica para o enfrentamento das negociações internacionais.

Portanto, nos anos 1990—marcados pela crença na ideologia liberal de desenvolvimento a nível nacional e regional—a América Latina foi prioridade na agenda de política externa, seja no governo Collor, Itamar Franco ou FHC (1995–2002). A diferença do governo FHC é a ênfase que é dada ao conceito de América do Sul como espaço de integração, excluindo a América Central por ser uma região de mais difícil alcance para os interesses brasileiros devido à presença estadunidense na área.7

Em 1991, ainda no governo Collor, destaca-se a criação do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)—cujas bases já vinham sendo lançadas desde o Governo Sarney—a partir do Tratado de Assunção. A adesão de Uruguai e Paraguai, além dos idealizadores Brasil e Argentina, consolida uma integração sub-regional. Em 1994, com Itamar Franco, o bloco ganha status de União Aduaneira (BARRETO, 2010). FHC dá continuidade às tentativas de fortalecimento do grupo, mas esbarra numa forte crise institucional—influenciada pela crise econômica internacional e interna—que faz a instituição cair em descrédito.8 Por outro lado, FHC também dá um primeiro

7 “Durante o governo FHC, a América do Sul, não apenas pela consolidação do Mercosul como

União Alfandegária incompleta, mas por outras ações, confirmou a centralidade para a política brasileira. Parece tratar-se de tendência não conjuntural, tendo sido uma política inaugurada por Sarney, com continuidade no governo Itamar Franco e nos dois mandatos de FHC” (VIGEVANI, OLIVEIRA e CINTRA apud REIS (2009); p. 187)

8 “(...) a partir de 1997, com a instabilidade financeira internacional houve uma fragilização das economias emergentes No início de 1999, ocorreu uma fuga de capitais do Brasil, à qual o governo respondeu com uma forte desvalorização do Real, provocando o encarecimento das importações brasileiras. Tal fato atingiu duramente a Argentina, que tinha um superávit com

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passo de alargamento da agenda de integração regional com o lançamento da Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) (LIMA, 2014).

A proposta estadunidense de integração hemisférica, a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) foi considerada em um primeiro momento, sendo posteriormente vista com extrema desconfiança, pois além de visar consolidar a hegemonia norte-americana no continente (algo que não era do interesse brasileiro), requeria uma abertura econômica dos países em desenvolvimento da região em um ritmo que eles não estavam dispostos a realizar (BARRETO, 2010; REIS, 2009) A proposta foi engavetada em 2004 pelos países sul-americanos, entre eles o Brasil.

3.4 A POLÍTICA DE SEGURANÇA DO GOVERNO FHC Em termos de política de segurança, a década de 1990 foi marcada pelo início de uma nova concepção acerca do espaço estratégico em que o Brasil se insere, carecendo as Forças Armadas de um objetivo a seguir a partir do final da Guerra Fria e do fim da bipolaridade que dividia o mundo entre Leste e Oeste (OLIVEIRA; BRITTES; MUNHOZ, 2012). Além disso, o encerramento do regime militar trouxe um novo momento para os militares brasileiros, que foram retirados da cena política e entraram em uma espécie de ostracismo, “sem um papel atuante na nova agenda democrática brasileira” (OLIVEIRA; BRITTES; MUNHOZ, 2012, p.183)

Nesse sentido, tem-se dois momentos importantes para a política de defesa do país no período: primeiramente a promulgação da Política de Defesa Nacional (PDN), em 1996, e posteriormente a criação do Ministério da Defesa, em 1999. Acerca da PDN é importante colocar que ela nasce sob o pretexto de desenvolver áreas estratégicas para atender às necessidades do país no setor de defesa (BRASIL, 1996). Há aqui a consciência da complexidade de se traçar um plano de defesa para o Brasil, devido a suas especificidades territoriais, já que o país, além de dimensões continentais, encontra-se inserido na geopolítica do Atlântico Sul, ao mesmo tempo em que possui boa parte do território da Floresta Amazônica, ambos os espaços riquíssimos em recursos naturais. A PDN ressalta, então, a necessidade de formulação de uma política integrada, porém específica para cada área, contendo suas particularidades (BRASIL, 1996).

Além disso, cabe ressaltar que o decreto (5.484/1996) que estabeleceu a PDN já trazia a importância de se estabelecer cada vez mais relações multilaterais, enxergando a diversificação de parcerias como um caminho

relação ao Brasil. Assim, iniciava-se a chamada crise do Mercosul, que alguns analistas viam como o seu fim”. (VISENTINI apud REIS, 2009, p. 155)

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para o desenvolvimento dessas áreas estratégicas determinantes para o desenvolvimento do país como um todo. É também no decreto que se tem uma visão do papel central da integração regional para o crescimento econômico, reconhecendo a posição de destaque do Brasil no processo, apontando o MERCOSUL, a parceria com os países andinos e com os PALOPs9 como a configuração de um anel de paz na região (BRASIL, 1996).

Sobre o Governo FHC na área de defesa, é preciso também destacar a criação do Ministério da Defesa, congregando civis e militares no comando das Forças Armadas brasileiras. A ideia que inspirou a fundação do Ministério era a de uma organização que ficasse responsável pelo planejamento estratégico do emprego das forças, articulando Exército, Marinha e Aeronáutica sob um mesmo comando, de modo a responder à política externa implementada pelo governo central (OLIVEIRA; BRITTES; MUNHOZ, 2012). A crítica que se faz é que, somente na gestão de Nelson Jobim, iniciada em 2007, se pode falar da eficácia do Ministério da Defesa em cumprir seu objetivo central, muito disso devido à resistência dos militares em aceitar um comando civil.

No entanto, apesar dos avanços aqui relatados, a década de 1990 não representou um bom momento para as Forças Armadas brasileiras, que se encontravam em situação de sucateamento, não recebendo praticamente nenhum investimento do Governo central. Será apenas no Governo Lula, principalmente após a descoberta das reservas petrolíferas do pré-sal, que o país passará a investir mais fortemente na área de defesa, lançando as bases para a modernização das Forças Armadas na Estratégia de Defesa Nacional (END), de 2008 (SENADO, online).

4 A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL NOS ANOS 2000 Considerando nesta seção a política externa do governo de Luís Inácio (Lula) da Silva (2002–2010) e do primeiro mandato de Dilma Rousseff (2010–2014), importa destacar que houve uma inflexão na política exterior brasileira com a ascensão daquele ao poder, a partir de alterações que já eram visíveis no governo anterior. Com fins de esclarecimento, vale citar Patriota (2014): “Seria injusto (...) dizer que a política anterior era sistematicamente passiva e subserviente. Na verdade, era mais reativa, menos criativa, menos transformadora da realidade internacional e, no período imediatamente anterior, privilegiava o econômico, o comercial, o financeiro (...)” (p. 20). A política externa de Lula (e continuada por Dilma) radicalizou o discurso de

9 Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – Moçambique, Angola, São Tome e Príncipe,

Cabo Verde, Guiné Bissau e Guiné Equatorial.

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para o desenvolvimento dessas áreas estratégicas determinantes para o desenvolvimento do país como um todo. É também no decreto que se tem uma visão do papel central da integração regional para o crescimento econômico, reconhecendo a posição de destaque do Brasil no processo, apontando o MERCOSUL, a parceria com os países andinos e com os PALOPs9 como a configuração de um anel de paz na região (BRASIL, 1996).

Sobre o Governo FHC na área de defesa, é preciso também destacar a criação do Ministério da Defesa, congregando civis e militares no comando das Forças Armadas brasileiras. A ideia que inspirou a fundação do Ministério era a de uma organização que ficasse responsável pelo planejamento estratégico do emprego das forças, articulando Exército, Marinha e Aeronáutica sob um mesmo comando, de modo a responder à política externa implementada pelo governo central (OLIVEIRA; BRITTES; MUNHOZ, 2012). A crítica que se faz é que, somente na gestão de Nelson Jobim, iniciada em 2007, se pode falar da eficácia do Ministério da Defesa em cumprir seu objetivo central, muito disso devido à resistência dos militares em aceitar um comando civil.

No entanto, apesar dos avanços aqui relatados, a década de 1990 não representou um bom momento para as Forças Armadas brasileiras, que se encontravam em situação de sucateamento, não recebendo praticamente nenhum investimento do Governo central. Será apenas no Governo Lula, principalmente após a descoberta das reservas petrolíferas do pré-sal, que o país passará a investir mais fortemente na área de defesa, lançando as bases para a modernização das Forças Armadas na Estratégia de Defesa Nacional (END), de 2008 (SENADO, online).

4 A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL NOS ANOS 2000 Considerando nesta seção a política externa do governo de Luís Inácio (Lula) da Silva (2002–2010) e do primeiro mandato de Dilma Rousseff (2010–2014), importa destacar que houve uma inflexão na política exterior brasileira com a ascensão daquele ao poder, a partir de alterações que já eram visíveis no governo anterior. Com fins de esclarecimento, vale citar Patriota (2014): “Seria injusto (...) dizer que a política anterior era sistematicamente passiva e subserviente. Na verdade, era mais reativa, menos criativa, menos transformadora da realidade internacional e, no período imediatamente anterior, privilegiava o econômico, o comercial, o financeiro (...)” (p. 20). A política externa de Lula (e continuada por Dilma) radicalizou o discurso de

9 Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – Moçambique, Angola, São Tome e Príncipe,

Cabo Verde, Guiné Bissau e Guiné Equatorial.

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busca por autonomia e de um papel de destaque para o Brasil no sistema internacional, sendo chamada por Celso Amorim de política externa “ativa e altiva”.

4.1 O BRASIL E AS GRANDES POTÊNCIAS Como veremos mais adiante, os anos 2000 serão marcados principalmente pelo fortalecimento dos laços com os países emergentes, num contexto de aprofundamento do conflito Norte x Sul. No entanto, tanto o Governo Lula, quanto o Governo Dilma, se preocuparam em manter harmônicas as relações com as Grandes Potências, procurando a recomposição do diálogo com os EUA e as demais potências europeias (RIEDIGER, 2010).

É preciso também dizer que os próprios EUA mudaram sua postura em relação à América do Sul com o fim da década de 1990 e o fracasso das políticas macroeconômicas do Consenso de Washington: há aqui uma diminuição considerável do caráter intervencionista da potência estadunidense nas questões políticas internas dos países do subcontinente, apostando agora em uma estratégia mais comercial através do estabelecimento de acordos bilaterais. Esse novo comportamento dos EUA para com os países da região vai estimular, por outro lado, na contramão do processo de integração, uma divisão interna com a formação de um “bloco liberal” entre os países do Pacífico (FIORI, 2013).

Entre o período de 2003 a 2008, as relações entre Brasil e EUA foram marcadas por intensa cooperação, havendo um aumento de 64% no fluxo de bens brasileiros exportados com destino aos mercados estadunidenses. Por outro lado, tem-se o engessamento da ALCA, na medida em que, para o Brasil, se torna claro que a consolidação do projeto, encabeçado pelos EUA, ameaçariam o andamento da integração econômica e comercial dentro do subcontinente, mirando principalmente no MERCOSUL. A postura adotada pelo Governo Lula será, então, de criar barreiras para impedir a solidificação da ALCA, ao contrário de FHC, que apenas protelou as decisões que definiriam os rumos do país dentro do bloco (INOCALLA, 2009).

Outro ponto de inflexão na nova postura do Brasil frente às Grandes Potências foi a Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), iniciada em 2001, na cidade de Doha, cujo tema principal a ser discutido era a liberalização agrícola. O debate transitou entre a necessidade de acesso aos mercados indiscriminadamente e reduções significativas nos subsídios agrícolas,10 que deixam os produtos mais competitivos no mercado

10 Os subsídios agrícolas são incentivos do governo à produção nacional de artigos agrícolas. A

grande discussão paira sobre a competitividade dos produtos subsidiados no mercado mundial: nos países desenvolvidos, os produtores contam com fortes subsídios, o que contribui para que

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internacional. O tema obviamente opunha os interesses dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento. Os países desenvolvidos, por sua vez, tentaram conduzir os rumos das negociações de modo que não houvesse prejuízo ao comércio de seus produtos em detrimento de produtos advindos de emergentes (SANTOS, 2011).

Os entraves causados pelos desenvolvidos na sua insistência em não ceder às demandas por diminuição dos subsídios agrícolas levaram à articulação de um grupo formado por 20 países emergentes (entre eles, o Brasil), que se uniram para formular uma proposta única que ia de encontro às posições estadunidenses e europeias, ficando eles conhecidos como o G-20 (SANTOS, 2011). O que se observa desse fato é a nova postura que o Brasil assume frente às potências desenvolvidas, abandonando a submissão em nome de uma atitude mais altiva pelos interesses nacionais, não deixando de lado, entretanto, as parcerias estratégicas—nas mais diversas áreas como P&D (Pesquisa & Desenvolvimento) e comércio internacional—com esses países.

4.2 COOPERAÇÃO SUL-SUL No campo multilateral, ainda no Governo Cardoso seria defendida a reforma do Conselho de Segurança da ONU, antigo pleito brasileiro. Contudo, a crise atravessada pelo Brasil impedia o país de alavancar seu perfil. O país sentia os efeitos de uma exclusão social massiva que o impedia de exercer uma “política externa à altura de seu potencial” (VIZENTINI, 2008, p. 103). Em 2001, foram realizadas a VI Reunião dos Ministros de Comércio do Hemisfério e a III Cúpula das Américas, ambas lidando com o tema da ALCA e de seu adiamento. Em 2002, foram assinados pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) acordos quanto à circulação de pessoas e à própria reforma ortográfica da Língua Portuguesa (BARRETO, 2012, p. 675). O Brasil também promoveu, junto a outros membros da ONU, um plano mundial de combate à AIDS (VIZENTINI, 2008, p. 102).

Em meio a um quadro de desmantelamento do modelo neoliberal no período pós-crise dos países periféricos, a não surpreendente vitória da centro-esquerda capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores e por Luís Inácio Lula da Silva conferiu à política externa brasileira uma faceta solidária

seus artigos sejam muito competitivos no mercado, em comparação aos artigos produzidos por países em desenvolvimento. Esses países, por sua vez, na tentativa de combater seus problemas socioeconômicos, entre eles a fome, lutam na OMC pelo direito de garantir os subsídios governamentais. Sem os subsídios, os produtos agrícolas originários de países em desenvolvimento não conseguem competir diretamente com produtos norteamericanos e europeus, contribuindo para a queda do saldo de sua balança comercial. Cabe dizer também que, em muitos dos países em desenvolvimento, a agricultura ainda representa um importante setor da economia interna (AFP, 2013).

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internacional. O tema obviamente opunha os interesses dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento. Os países desenvolvidos, por sua vez, tentaram conduzir os rumos das negociações de modo que não houvesse prejuízo ao comércio de seus produtos em detrimento de produtos advindos de emergentes (SANTOS, 2011).

Os entraves causados pelos desenvolvidos na sua insistência em não ceder às demandas por diminuição dos subsídios agrícolas levaram à articulação de um grupo formado por 20 países emergentes (entre eles, o Brasil), que se uniram para formular uma proposta única que ia de encontro às posições estadunidenses e europeias, ficando eles conhecidos como o G-20 (SANTOS, 2011). O que se observa desse fato é a nova postura que o Brasil assume frente às potências desenvolvidas, abandonando a submissão em nome de uma atitude mais altiva pelos interesses nacionais, não deixando de lado, entretanto, as parcerias estratégicas—nas mais diversas áreas como P&D (Pesquisa & Desenvolvimento) e comércio internacional—com esses países.

4.2 COOPERAÇÃO SUL-SUL No campo multilateral, ainda no Governo Cardoso seria defendida a reforma do Conselho de Segurança da ONU, antigo pleito brasileiro. Contudo, a crise atravessada pelo Brasil impedia o país de alavancar seu perfil. O país sentia os efeitos de uma exclusão social massiva que o impedia de exercer uma “política externa à altura de seu potencial” (VIZENTINI, 2008, p. 103). Em 2001, foram realizadas a VI Reunião dos Ministros de Comércio do Hemisfério e a III Cúpula das Américas, ambas lidando com o tema da ALCA e de seu adiamento. Em 2002, foram assinados pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) acordos quanto à circulação de pessoas e à própria reforma ortográfica da Língua Portuguesa (BARRETO, 2012, p. 675). O Brasil também promoveu, junto a outros membros da ONU, um plano mundial de combate à AIDS (VIZENTINI, 2008, p. 102).

Em meio a um quadro de desmantelamento do modelo neoliberal no período pós-crise dos países periféricos, a não surpreendente vitória da centro-esquerda capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores e por Luís Inácio Lula da Silva conferiu à política externa brasileira uma faceta solidária

seus artigos sejam muito competitivos no mercado, em comparação aos artigos produzidos por países em desenvolvimento. Esses países, por sua vez, na tentativa de combater seus problemas socioeconômicos, entre eles a fome, lutam na OMC pelo direito de garantir os subsídios governamentais. Sem os subsídios, os produtos agrícolas originários de países em desenvolvimento não conseguem competir diretamente com produtos norteamericanos e europeus, contribuindo para a queda do saldo de sua balança comercial. Cabe dizer também que, em muitos dos países em desenvolvimento, a agricultura ainda representa um importante setor da economia interna (AFP, 2013).

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compatível com seu programa de governo interno. Ao aprofundar as relações com potências emergentes em um nível jamais visto—estabelecendo uma parceria estratégica—, valorizar as organizações internacionais e os fóruns multilaterais e contribuir para um novo enfoque das relações Norte-Sul, o Brasil sinalizava a intenção de construir uma ordem multipolar (VIZENTINI, 2008, p. 107).

No campo da Cooperação Sul-Sul e da solidariedade com os países em desenvolvimento, o Brasil conferiria especial atenção ao continente africano. Ao final de seu segundo mandato, Lula havia viajado ao continente africano doze vezes, tendo visitado 23 diferentes países—feito raramente alcançado por algum Chefe de Estado, africano ou não (AMORIM, 2010, p. 233). O então presidente transformou a expressão “diplomacia presidencial”, em voga durante os anos noventa, em uma importante faceta dessa nova política externa. O Itamaraty ampliou o número de embaixadas em solo africano, que passaram a ser 39, além de dois consulados-gerais em Lagos e Cidade do Cabo. A contrapartida também pode ser medida através de embaixadas africanas: desde 2003, 13 novos países africanos resolveram abrir embaixadas em Brasília, e a capital brasileira hoje é uma das cidades com maior número de embaixadas africanas no mundo (AMORIM, 2010, p. 234).

Um dos principais canais de atuação brasileiros é a cooperação técnica. Através da Embrapa, por exemplo, o Brasil abriu um escritório regional em Acra, capital de Gana. Em 2008 seria inaugurada no Mali uma fazenda-modelo de algodão, marcando uma importante conexão com um dos países Cotton4.11 Outro importante ator é o SENAI, que tem sedes em diversos países lusófonos, e a própria Agência Brasileira de Cooperação (ABC), que financiou, por exemplo, uma fábrica de medicamentos antirretrovirais em Moçambique a partir da tecnologia oferecida pela Fiocruz (AMORIM, 2010, p. 233; VISENTINI; CEBRAFRICA, 2013, p. 101–102). O Brasil também incentivou os intercâmbios de estudantes africanos através dos programas PEC-G e PEC-PG, concedendo bolsas aos alunos da outra margem do atlântico. As empresas brasileiras também seriam importantes vetores da inserção do país, obtendo vultosas linhas de crédito do BNDES e internacionalizando suas atividades em variados Estados africanos (VIZENTINI; CEBRAFRICA, 2013, p. 108).

No campo multilateral, foi inaugurada em 2006 a Cúpula América do Sul-África (ASA) e houve uma intensificação da participação brasileira na CPLP, de retornos econômicos baixos, mas altíssimo intercâmbio cultural, e uma institucionalização da relação MERCOSUL-SADC foram observadas (CERVO;

11 Grupo de países africanos que luta contra os subsídios concedidos por países desenvolvidos às

suas próprias plantações de algodão, é composto por: Benin, Burkina Faso, Chade e Mali.

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BUENO, 2012, p. 556; VIZENTINI, 2008, p. 112). Em 2007, seria retomada a ZOPACAS através do Plano de Luanda e, durante o Governo Lula, foi assinada uma série de acordos na área de defesa com sete países africanos (VISENTINI; CEBRAFRICA, 2013, p. 146). Ademais, no que tange à Ásia e ao Oriente Médio, a chancelaria de Amorim ensaiaria uma aproximação do Sul da Ásia e de sua Área de Cooperação Regional, a SAARC, além de se aproximar dos países árabes, sobretudo através da Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), inaugurada em 2005.

O Governo Dilma Rousseff, embora simbolicamente tenha significado o prolongamento do projeto de Lula, marcou um relativo retraimento das relações Brasil-África, muito devido ao perfil mais técnico da presidenta e aos pesados desafios impostos pela crise internacional (VISENTINI; CEBRAFRICA, 2013, p. 104–105). O comércio com a África seguiu, todavia, sua tendência ascendente.

4.3 O BRASIL E OS EMERGENTES As duas principais articulações mundiais que dizem respeito aos países emergentes contam com o Brasil entre seus membros. O Fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul)—originalmente criado em 2003 após reunião do G8 realizada em Evian, na França—e o BRICS, alcunha proposta a partir de um grupo de países que apresentavam fortes possibilidades de crescimento no início do milênio, são, contudo, diferentes. Embora ambos tenham facilitado, cada qual à sua maneira, o incremento do perfil da diplomacia brasileira ao longo dos últimos anos, foi o IBAS que havia, desde o princípio, proposto arranjos concretos a fim de melhorar as relações entre os três países em questão, o que de fato ocorreu.

O IBAS, segundo Lima (2010, p. 164) constituiria tanto um arranjo cooperativo, na medida em que envolve a troca de “bens simbólicos, materiais e ideacionais”, como uma coalizão, já que articula posições comuns em negociações globais e regionais. Concretamente, desde a criação do fórum, as transações comerciais evoluíram substancialmente entre os três países (ver Tabela 1) e uma série de acordos podem ser destacados, como o concernente à pesquisa conjunta de nanotecnologia em novos combustíveis, firmado em 2007; os exercícios securitários do IBASMAR; e diversos pactos firmados quanto a comércio, TI, energia, dentre outros (CERVO; BUENO, 2012, p. 555; VIZENTINI, 2008, p. 126–127). Ademais, a articulação do G20 Comercial,12

12 Vale lembrar, contudo, que Brasil e África do Sul discordam da Índia no que tange à

liberalização agrícola—aqueles são favoráveis—, ponto de fricção entre os países durante as negociações da Rodada Doha em 2008.

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BUENO, 2012, p. 556; VIZENTINI, 2008, p. 112). Em 2007, seria retomada a ZOPACAS através do Plano de Luanda e, durante o Governo Lula, foi assinada uma série de acordos na área de defesa com sete países africanos (VISENTINI; CEBRAFRICA, 2013, p. 146). Ademais, no que tange à Ásia e ao Oriente Médio, a chancelaria de Amorim ensaiaria uma aproximação do Sul da Ásia e de sua Área de Cooperação Regional, a SAARC, além de se aproximar dos países árabes, sobretudo através da Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), inaugurada em 2005.

O Governo Dilma Rousseff, embora simbolicamente tenha significado o prolongamento do projeto de Lula, marcou um relativo retraimento das relações Brasil-África, muito devido ao perfil mais técnico da presidenta e aos pesados desafios impostos pela crise internacional (VISENTINI; CEBRAFRICA, 2013, p. 104–105). O comércio com a África seguiu, todavia, sua tendência ascendente.

4.3 O BRASIL E OS EMERGENTES As duas principais articulações mundiais que dizem respeito aos países emergentes contam com o Brasil entre seus membros. O Fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul)—originalmente criado em 2003 após reunião do G8 realizada em Evian, na França—e o BRICS, alcunha proposta a partir de um grupo de países que apresentavam fortes possibilidades de crescimento no início do milênio, são, contudo, diferentes. Embora ambos tenham facilitado, cada qual à sua maneira, o incremento do perfil da diplomacia brasileira ao longo dos últimos anos, foi o IBAS que havia, desde o princípio, proposto arranjos concretos a fim de melhorar as relações entre os três países em questão, o que de fato ocorreu.

O IBAS, segundo Lima (2010, p. 164) constituiria tanto um arranjo cooperativo, na medida em que envolve a troca de “bens simbólicos, materiais e ideacionais”, como uma coalizão, já que articula posições comuns em negociações globais e regionais. Concretamente, desde a criação do fórum, as transações comerciais evoluíram substancialmente entre os três países (ver Tabela 1) e uma série de acordos podem ser destacados, como o concernente à pesquisa conjunta de nanotecnologia em novos combustíveis, firmado em 2007; os exercícios securitários do IBASMAR; e diversos pactos firmados quanto a comércio, TI, energia, dentre outros (CERVO; BUENO, 2012, p. 555; VIZENTINI, 2008, p. 126–127). Ademais, a articulação do G20 Comercial,12

12 Vale lembrar, contudo, que Brasil e África do Sul discordam da Índia no que tange à

liberalização agrícola—aqueles são favoráveis—, ponto de fricção entre os países durante as negociações da Rodada Doha em 2008.

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resposta à proposta feita por EUA-União Europeia quanto à agricultura, nasceu no âmbito do próprio IBAS (LIMA, 2010, p. 170).

Os BRICS, por sua vez, apresentavam caráter meramente coalizacionista, ao menos até a criação do Banco dos BRICS, diferindo do IBAS (LIMA, 2010, p. 174). O acrônimo criado por Jim O’Neill em 2001 passou, a partir da primeira cúpula anual realizada em Ecaterimburgo, Rússia, em 2008, a presenciar um incremento da aproximação entre os países, o que foi de grande benefício ao Brasil. Essa aproximação não se deu apenas no campo comercial, mas também em uma série de fóruns e organizações multilaterais—o bloco passa a desafiar, a partir de interesses comuns, a ordem estabelecida pelo FMI, pelo Banco Mundial, pelo G20 Financeiro e pelo próprio G8. Outro tópico sensível ao BRICS e importante para a diplomacia brasileira é a reforma do Conselho de Segurança da ONU, ensejada pelos cinco países e que busca inserir os países ditos “em desenvolvimento” no órgão das Nações Unidas (CERVO; BUENO, 2012, p. 555).

Bilateralmente, alguns pontos de convergência entre Brasil e emergentes devem ser destacados. As Relações Brasil-China são pautadas como estratégicas por ambos os governos, tendo os presidentes brasileiro e chinês trocado visitas em 2004 e 2010, e são marcadas pela coordenação de posições em fóruns multilaterais, pela confiança mútua e pelo comércio bilateral (CERVO; BUENO, 2012, p. 558). O Brasil passa, no novo milênio, a impulsionar a exportação de commodities justamente a partir da expansão do consumo por parte dos chineses. Quanto à Índia, é necessário recordar do acordo Índia-MERCOSUL, firmado em 2004, durante visita do Presidente Lula ao país asiático. Da mesma forma, a Rússia firmou em 2005 acordos quanto à questão espacial com o Brasil, o que incluiu a visita ao espaço por parte do astronauta brasileiro Marcos Pontes (VIZENTINI, 2008, p. 126). Quanto à África do Sul, no ano 2000, os sul-africanos assinaram um Acordo-Quadro com o MERCOSUL e, em 2002, seria realizada a I Reunião da Comissão Mista Brasil-África do Sul. Ademais, em 2009 um acordo de comércio preferencial foi firmado entre a SACU, união aduaneira da África Austral, e o MERCOSUL (VISENTINI, 2013, p. 100; BARRETO, 2012, p. 632).

Em todos os casos, o comércio bilateral foi reforçado consideravelmente, conforme mostra tabela abaixo. Isso se deu tanto em termos absolutos quanto em percentagem nas exportações totais brasileiras, mostrando que esse robustecimento se deu não devido ao aumento das transações do país per se.

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Tabela 1: Transações Comerciais entre Brasil, IBAS e BRICS (2003–2013)

Fonte: MDIC, 2014. Elaboração própria.

4.4 INTEGRAÇÃO REGIONAL Com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder em 2002, a política de integração regional não só tem continuidade como adquire ainda mais força. Os contextos regional e internacional no período voltam a ser favoráveis: com a crise do neoliberalismo, a América do Sul passa por um processo de “virada à esquerda” no início da década de 2000, com a ascensão de governos como Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia e do próprio Lula no Brasil, citando alguns exemplos (FIORI, 2014). Tais governos têm como vontade política comum a busca pelo fortalecimento da integração regional e o desejo de, seguindo esse caminho, manter a região afastada das tentativas de imposição de interesses de potências externas, principalmente dos EUA.

Neste sentido, diversas medidas são tomadas. Em 2002, após a crise institucional anteriormente citada, o MERCOSUL passa por uma reforma, visando dar maior coesão e institucionalidade ao bloco, dessa forma recuperando sua credibilidade não só a nível internacional como entre os próprios países-membros. Além disso, o bloco aumentou seu campo de ação, admitindo recentemente a Venezuela como 5º membro—não mais se

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Tabela 1: Transações Comerciais entre Brasil, IBAS e BRICS (2003–2013)

Fonte: MDIC, 2014. Elaboração própria.

4.4 INTEGRAÇÃO REGIONAL Com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder em 2002, a política de integração regional não só tem continuidade como adquire ainda mais força. Os contextos regional e internacional no período voltam a ser favoráveis: com a crise do neoliberalismo, a América do Sul passa por um processo de “virada à esquerda” no início da década de 2000, com a ascensão de governos como Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia e do próprio Lula no Brasil, citando alguns exemplos (FIORI, 2014). Tais governos têm como vontade política comum a busca pelo fortalecimento da integração regional e o desejo de, seguindo esse caminho, manter a região afastada das tentativas de imposição de interesses de potências externas, principalmente dos EUA.

Neste sentido, diversas medidas são tomadas. Em 2002, após a crise institucional anteriormente citada, o MERCOSUL passa por uma reforma, visando dar maior coesão e institucionalidade ao bloco, dessa forma recuperando sua credibilidade não só a nível internacional como entre os próprios países-membros. Além disso, o bloco aumentou seu campo de ação, admitindo recentemente a Venezuela como 5º membro—não mais se

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restringindo a América do Sul meridional. Bolívia e Equador estão em processo de adesão plena (ICTSD, 2013; AGÊNCIA BRASIL, 2013).

A principal ação tomada no âmbito regional foi a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL). Fruto da vontade política dos presidentes em poder e resultado da articulação que há algum tempo tentava integrar os países do Cone Sul à região andina, o bloco regional foi formado em 2008, substituindo a antiga Comunidade Sul-americana de Nações (CASA) (que havia sido criada em 2004 mas não apresentou grandes progressos na integração regional, embora tenha dado as bases para o projeto da UNASUL). A iniciativa inova por dar um caráter político à integração. A instituição reúne todos os países sul-americanos e é formada por diversos conselhos e órgãos que endereçam as principais áreas de interesse do processo de integração regional, tendo maior destaque o Conselho de Defesa (CDS), Conselho de Saúde e Conselho de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) (UNASUR, 2014).

Embora progrida a passos lentos, tendo como principal carência a fraqueza institucional, a UNASUL já tem servido à integração regional em alguns sentidos. Pela primeira vez um bloco reúne todos os países da América do Sul, servindo para fortalecer a ideia de identidade sul-americana que o Brasil pretende construir. Além disso, o bloco frequentemente tem atuado na solução de controvérsias em casos que gravemente comprometem a estabilidade regional, a exemplo da mediação que ofereceu na crise venezuelana no início de 2014 (SACHS, 2014). No entanto, o bloco atualmente sofre um período de retraimento no governo Dilma Rousseff (2010–) devido a inúmeras crises políticas na região (ex.: Paraguai, Venezuela), queda na atividade econômica de vários membros (principalmente Brasil), “boicote branco” de Chile, Colômbia e Peru (que temem perder vantagens em tratados bilaterais se aderirem plenamente à integração) e preferência dada pela presidenta ao multilateralismo, atuando mais em fóruns como o próprio BRICS (LIMA & GARCIA, 2014).

4.5 A POLÍTICA DE SEGURANÇA DO GOVERNO LULA: O ADVENTO DO PRÉ-SAL A política de segurança do governo Lula muda radicalmente de rumo, em relação a períodos anteriores, a partir da descoberta das reservas de petróleo do Pré-Sal, em 2007, que abriram uma nova possibilidade para o desenvolvimento do país, na medida em que se projetava o fim da dependência pelo combustível fóssil de origem externa (PETROBRAS, online). Essa nova riqueza descoberta, por outro lado, suscitou a necessidade de se investir em meios para garantir a soberania brasileira sobre a área dos poços de petróleo.

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Dessa forma, já em 2008, o governo lança a Estratégia de Defesa Nacional (END), através do Decreto 6703/2008, a qual define a articulação de uma base industrial de defesa, tendo como instrumentos a mobilização nacional e a integração sul-americana (BRASIL, 2008). O novo contexto em que o Brasil se insere com as descobertas da Petrobras levanta a questão acerca da segurança territorial e a necessidade de se proteger áreas estratégicas para o país, como a Amazônia, tendo a END, assim, papel orientador no processo de criação de capacidades para responder a esses novos—ou nem tão novos assim—desafios.

A continuidade da END culminará na formulação do Livro Branco de Defesa Nacional, lançado em 2013, já no Governo Dilma, que traz a definição dos dois focos da política de segurança brasileira a Amazônia Verde e a Amazônia Azul,13 como foi definida a região do Atlântico Sul onde estão localizadas as reservas do Pré-Sal (BRASIL, 2013). No sentido de garantir a soberania sobre essas áreas estratégicas, o Brasil vai enxergar na integração sul-americana o principal caminho para consolidar suas ambições.

A América do Sul, região marcada pela ausência de grandes potências e por oscilações no grau de intervenção dos EUA, é caracterizada por uma indiscutível vulnerabilidade dos Estados que a compõem causada pelo déficit de desenvolvimento socioeconômico (CEPIK, 2005). Assim, para o Brasil importa manter uma relação harmoniosa com seus vizinhos como forma de garantir a estabilização da região, evitando, desse modo, que se forme uma possível frente de conflito, principalmente no que diz respeito à Amazônia Legal, na medida em que o país não conta ainda com capacidades para responder a um ataque na região (OLIVEIRA, 2013). Ademais, além de lançar as diretrizes de defesa para o Brasil nos próximos anos, o Livro Branco abarca também os projetos de modernização das Forças Armadas brasileiras, com destaque para a Marinha, que buscarão desenvolver meios para garantir a defesa da soberania sobre o Pré-Sal (BRASIL, 2013).

13 A Amazônia Azul é a região compreendida pela Zona Econômica Exclusiva e a Plataforma

Continental do litoral brasileiro, ficando assim batizada após a descoberta das reservas petrolíferas do pré-sal, como forma de promover a área à mesma importância vital que tem a Amazônia Verde para o território nacional. Como signatário da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, em vigor desde 1994, além da exploração econômica, o Brasil é também responsável por garantir o cumprimento das leis internacionais e pela preservação ambiental da região que compõe sua plataforma continental. Em 2004, o Brasil apresentou, junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas, um documento, pedindo a ampliação de sua plataforma continental para 200 milhas náuticas, área que engloba as reservas do pré-sal (MARINHA DO

BRASIL, online).

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Dessa forma, já em 2008, o governo lança a Estratégia de Defesa Nacional (END), através do Decreto 6703/2008, a qual define a articulação de uma base industrial de defesa, tendo como instrumentos a mobilização nacional e a integração sul-americana (BRASIL, 2008). O novo contexto em que o Brasil se insere com as descobertas da Petrobras levanta a questão acerca da segurança territorial e a necessidade de se proteger áreas estratégicas para o país, como a Amazônia, tendo a END, assim, papel orientador no processo de criação de capacidades para responder a esses novos—ou nem tão novos assim—desafios.

A continuidade da END culminará na formulação do Livro Branco de Defesa Nacional, lançado em 2013, já no Governo Dilma, que traz a definição dos dois focos da política de segurança brasileira a Amazônia Verde e a Amazônia Azul,13 como foi definida a região do Atlântico Sul onde estão localizadas as reservas do Pré-Sal (BRASIL, 2013). No sentido de garantir a soberania sobre essas áreas estratégicas, o Brasil vai enxergar na integração sul-americana o principal caminho para consolidar suas ambições.

A América do Sul, região marcada pela ausência de grandes potências e por oscilações no grau de intervenção dos EUA, é caracterizada por uma indiscutível vulnerabilidade dos Estados que a compõem causada pelo déficit de desenvolvimento socioeconômico (CEPIK, 2005). Assim, para o Brasil importa manter uma relação harmoniosa com seus vizinhos como forma de garantir a estabilização da região, evitando, desse modo, que se forme uma possível frente de conflito, principalmente no que diz respeito à Amazônia Legal, na medida em que o país não conta ainda com capacidades para responder a um ataque na região (OLIVEIRA, 2013). Ademais, além de lançar as diretrizes de defesa para o Brasil nos próximos anos, o Livro Branco abarca também os projetos de modernização das Forças Armadas brasileiras, com destaque para a Marinha, que buscarão desenvolver meios para garantir a defesa da soberania sobre o Pré-Sal (BRASIL, 2013).

13 A Amazônia Azul é a região compreendida pela Zona Econômica Exclusiva e a Plataforma

Continental do litoral brasileiro, ficando assim batizada após a descoberta das reservas petrolíferas do pré-sal, como forma de promover a área à mesma importância vital que tem a Amazônia Verde para o território nacional. Como signatário da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, em vigor desde 1994, além da exploração econômica, o Brasil é também responsável por garantir o cumprimento das leis internacionais e pela preservação ambiental da região que compõe sua plataforma continental. Em 2004, o Brasil apresentou, junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas, um documento, pedindo a ampliação de sua plataforma continental para 200 milhas náuticas, área que engloba as reservas do pré-sal (MARINHA DO

BRASIL, online).

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5 PERSPECTIVAS Tendo Dilma Rousseff garantido o segundo mandato nas eleições de 2014, espera-se que a política externa continue seguindo e aprofundando as bases criadas no governo Lula. Neste sentido, seguindo a inserção internacional brasileira hoje uma linhagem universalista (o Brasil é um dos poucos países que mantém relações com os 192 membros da ONU e Palestina), a tendência é que o país busque cada vez mais a consolidação dos blocos multilaterais em que atua (a exemplo dos BRICS) e tente fortalecer laços com novos grupos (a exemplo da ASEAN). Já com os países desenvolvidos, a perspectiva é de que as relações continuem se pautando nas áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação, parceria que hoje tem como principal eixo o programa Ciência Sem Fronteiras (PATRIOTA, 2014).

Além disso, o Brasil deve tentar manter a posição de mediador entre o Terceiro e o Primeiro Mundo, e a conjuntura internacional deve dar condições a isso. Segundo Patriota (2014, p. 24),

A transição para a multipolaridade apresenta alguns riscos e inúmeras oportunidades para a criação de uma ordem internacional mais democrática, justa e equitativa—e o Brasil pode desempenhar, e tem desempenhado, um papel construtivo. O país está unicamente posicionado para desempenhar o papel de ponte entre os polos estabelecidos (EUA, UE, Japão) e os emergentes (BRICS).

A política regional deve ser observada. A crise econômica pela qual passa a região pode ser um empecilho ou uma oportunidade, dependendo de opção política. Empecilho por contribuir para o retraimento pelo qual passam mecanismos como a UNASUL, fazendo com que os países deixem de lado a coordenação de políticas regionais. No entanto, as nações sul-americanas poderiam justamente utilizar os processos de integração para buscar soluções conjuntas, algo que seria inédito na região. Importa ainda analisar o impacto que a inauguração da sede da UNASUL no Equador, ocorrida em 5 de dezembro de 2014, terá sobre uma possível retomada do êxito dos esforços de integração.

Importa também atentar para as mudanças que a descoberta do pré-sal implicará na inserção internacional e na política externa do país. As alterações possíveis e necessárias—algumas já em andamento—são a coordenação do país com outros centros em função do recurso e um diálogo maior entre a política externa e de defesa, bem como modernização e adequação dos instrumentos de defesa de recursos e de território.

Finalmente, de importância fundamental na política externa nacional é a inclusão de novos atores na sua discussão. O segundo mandato de Rousseff enfrentará uma oposição fortalecida e ativa, em que a política externa pode

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ser usada como grande ponto de questionamento (a exemplo do que se viu durante as campanhas presidenciais). Neste sentido, importa que a população conheça os temas de política externa e, principalmente, a importância e utilidade das decisões que o Brasil tem tomado, de modo que forme uma opinião própria, em detrimento da opinião que a grande mídia tenta influenciar segundo o interesse de seus líderes. Como elemento dificultador, também deve-se atentar a como a desaceleração do crescimento econômico brasileiro impactará as decisões externas e o discurso oposicionista brasileiros.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A última década experimentou um avanço da política externa brasileira sem precedentes. O Brasil assumiu um papel de protagonismo entre os países emergentes, encabeçando o processo de integração sul-americana através da criação e do fortalecimento da UNASUL e adotando uma nova política africana consistente que visa à conquista do espaço estratégico do Atlântico Sul, não só por esforços brasileiros, mas por esforços conjuntos.

Após uma década de crise econômica decorrente das políticas macroeconômicas do Consenso de Washington, o Brasil retomou o crescimento através não só de políticas socioeconômicas internas, mas também pela postura mais assertiva de sua política externa. Dessa forma, os BRICS aparecem como importante meio para a consolidação do país enquanto potência emergente, principalmente agora, com a criação do Banco de Investimento, que nasce para fazer contraponto ao FMI, oferecendo crédito para que países subdesenvolvidos possam dar rumo ao seu processo de desenvolvimento.

Observa-se que, pela primeira vez, mantém-se uma política externa de Estado Região por um período de tempo realmente considerável, em governos democraticamente eleitos. Dessa forma, acredita-se na manutenção da tendência brasileira de protagonismo frente aos países emergentes, não só acentuando o processo de integração sul-americana, mas também firmando cada vez mais parcerias com os demais BRICS.

Os novos desafios do Governo Dilma, além de encontrar a solução para o problema do crescimento econômico devido ao esgotamento do modelo de desenvolvimento empregado ao longo do Governo Lula, são de fortalecer ainda mais o papel central do Brasil no cenário internacionalpolítica e economicamente, consolidando a UNASUL, a parceria do IBAS e os BRICS. Além disso, no campo militar, cabe ressaltar que o desafio de garantir a soberania sobre o Pré-Sal ainda se mantém, carecendo de mais investimentos em áreas

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ser usada como grande ponto de questionamento (a exemplo do que se viu durante as campanhas presidenciais). Neste sentido, importa que a população conheça os temas de política externa e, principalmente, a importância e utilidade das decisões que o Brasil tem tomado, de modo que forme uma opinião própria, em detrimento da opinião que a grande mídia tenta influenciar segundo o interesse de seus líderes. Como elemento dificultador, também deve-se atentar a como a desaceleração do crescimento econômico brasileiro impactará as decisões externas e o discurso oposicionista brasileiros.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A última década experimentou um avanço da política externa brasileira sem precedentes. O Brasil assumiu um papel de protagonismo entre os países emergentes, encabeçando o processo de integração sul-americana através da criação e do fortalecimento da UNASUL e adotando uma nova política africana consistente que visa à conquista do espaço estratégico do Atlântico Sul, não só por esforços brasileiros, mas por esforços conjuntos.

Após uma década de crise econômica decorrente das políticas macroeconômicas do Consenso de Washington, o Brasil retomou o crescimento através não só de políticas socioeconômicas internas, mas também pela postura mais assertiva de sua política externa. Dessa forma, os BRICS aparecem como importante meio para a consolidação do país enquanto potência emergente, principalmente agora, com a criação do Banco de Investimento, que nasce para fazer contraponto ao FMI, oferecendo crédito para que países subdesenvolvidos possam dar rumo ao seu processo de desenvolvimento.

Observa-se que, pela primeira vez, mantém-se uma política externa de Estado Região por um período de tempo realmente considerável, em governos democraticamente eleitos. Dessa forma, acredita-se na manutenção da tendência brasileira de protagonismo frente aos países emergentes, não só acentuando o processo de integração sul-americana, mas também firmando cada vez mais parcerias com os demais BRICS.

Os novos desafios do Governo Dilma, além de encontrar a solução para o problema do crescimento econômico devido ao esgotamento do modelo de desenvolvimento empregado ao longo do Governo Lula, são de fortalecer ainda mais o papel central do Brasil no cenário internacionalpolítica e economicamente, consolidando a UNASUL, a parceria do IBAS e os BRICS. Além disso, no campo militar, cabe ressaltar que o desafio de garantir a soberania sobre o Pré-Sal ainda se mantém, carecendo de mais investimentos em áreas

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estratégicas da Marinha e da Aeronáutica para a construção de capacidades de resposta a possíveis ameaças. Para tal, tem-se observado a iniciativa brasileira em promover a consolidação de uma base industrial de defesa no âmbito da UNASUL, através do Conselho de Defesa Sul-Americano, na tentativa de fortalecer a região como um todo, em mais uma ação de protagonismo brasileiro.

ABSTRACT This article proposes to discuss the Brazilian external politics, comparing the decades of 1990 and 2000, looking for the difference in the international insertion profile the country has presented in the periods in question. Thereby, we intend to ramp up gradually the Brazil’s international relations evolution in the search for a more autonomous attitude towards its partners in the world scenario. For didactic purposes, we opted for an analysis from Vargas Government, passing all his successors until some preliminary conclusions and perspectives for Dilma Government, initiating new mandate in 2015.

Keywords: Brazilian foreign policy; south-south cooperation; regional integration; universalism.

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RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

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A CONSTRUÇÃO DA ÁFRICA DO SUL CONTEMPORÂNEA

THE BUILDING OF CONTEMPORARY SOUTH AFRICA

Ana Paula Calich1 Jéssica Höring1 Marília Closs1

RESUMO O presente artigo busca compreender a realidade social, política, econômica e de política externa da África do Sul contemporânea. Parte-se de uma análise histórica, permeando o regime segregacionista do apartheid. Após, procura-se mostrar as principais dinâmicas políticas e sociais do Estado sul-africano, relevando os legados do apartheid. Por fim, apresenta-se uma análise da política externa contemporânea e o papel da África do Sul nos BRICS e no continente africano.

Palavras-chave: África do Sul; Apartheid; política externa.

1 INTRODUÇÃO A África do Sul é um país localizado no extremo sul do continente Africano, com área de 1.219.090km². O país tem 2.798km de costa e é banhado por dois Oceanos, o Atlântico e o Índico, o que lhe confere importância estratégica, enquanto rota marítima. A África do Sul possui três capitais, sendo Pretória a capital administrativa, Cape Town a capital legislativa e Bloemfontein a capital judiciária, e nove províncias, Eastern Cape, FreeState, Gauteng, KwaZulu-Natal, Limpopo, Mpumalanga, Northern Cape, North West e Western Cape. O país faz fronteira com Namíbia, Botsuana, Zimbábue, Moçambique, Suazilândia e Lesoto. A África do Sul apresenta 48.810.427 habitantes—79% negros, 9,6% brancos, 8,9% mestiços e 2,5% de Indianos/Asiáticos—e possui 11 línguas oficiais. Democracia presidencialista, atualmente o país é governado por Jacob Zuma (DICKOVICK, 2013, p. 297).

1 Graduandos em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

Apesar de o clima ser semiárido, a existência de duas correntes marítimas e temperaturas distintas confere clima e vegetação diferenciados. A África do Sul representa aproximadamente 40% de toda a economia do continente africano, entretanto os níveis de desemprego seguem altos, principalmente entre jovens, sendo que ¾ dos desempregados são negros. A economia sul-africana é baseada principalmente na exploração de recursos minerais, especialmente a exploração de ouro, sendo o país detentor de pelo menos 40% das reservas mundiais, e de diamantes, figurando como 4º maior produtor mundial, além de alimentos e de produtos químicos. Destaca-se também a produção de carvão, que representa o segundo produto de maior importância nas exportações, somando 7% das receitas, e o fato do país apresentar as maiores reservas de manganês (80%) e cromo (68%) do mundo (DICKOVICK, 2013, p. 313). A África do Sul também possui oferta abundante de outros recursos minerais, como antimônio, minérios de ferro, níquel, fosfatos, estanho, elementos de terras raras, urânio, platina, cobre, vanádio, sal e gás natural. No setor agropecuário destaca-se a produção de milho, trigo, cana, frutas, legumes, carnes, lã e produtos lácteos. Já no setor industrial destaca-se a mineração, uma vez que o país é o maior produtor mundial de platina, ouro e cromo, além da montagem de automóveis, produção de máquinas, indústria têxtil, ferro e aço, produtos químicos, fertilizantes, alimentos e reparação naval comercial (PEREIRA, 2013, p. 171).

O fim do Apartheid não trouxe, necessariamente, melhoria nas condições de vida, principalmente para a porção negra da população. Apesar de ser o quinto mandato presidencial do partido Congresso Nacional Africano (CNA) no período democrático, a transformação social que se esperava com sua atuação no governo não ocorreu. A instabilidade interna ainda é um problema para o país, com altas taxas de criminalidade. Uma das maiores dificuldades diz respeito ao aumento considerável de organizações criminosas, responsáveis pela corrupção de funcionários de alto escalão do governo e pela entrada de armas pesadas através de Angola e de Moçambique (PEREIRA, 2013, p. 195). Este problema é potencializado pela imigração ilegal, tendo em vista que, a nível regional, o país oferece as melhores condições de emprego. Nos anos 2000, por exemplo, quando houve uma crise política no Zimbábue, milhares de pessoas migraram deste país para a África do Sul, sendo a maioria deles ilegais. Essa situação intensificou as dificuldades do governo sul-africano em oferecer serviços básicos, como saúde e educação, e aumentou os focos de xenofobia entre a população local e os imigrantes, especialmente no que diz respeito ao mercado de trabalho.

Page 135: Os BRICS na construção de um mundo multipolar

134 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

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Apesar de o clima ser semiárido, a existência de duas correntes marítimas e temperaturas distintas confere clima e vegetação diferenciados. A África do Sul representa aproximadamente 40% de toda a economia do continente africano, entretanto os níveis de desemprego seguem altos, principalmente entre jovens, sendo que ¾ dos desempregados são negros. A economia sul-africana é baseada principalmente na exploração de recursos minerais, especialmente a exploração de ouro, sendo o país detentor de pelo menos 40% das reservas mundiais, e de diamantes, figurando como 4º maior produtor mundial, além de alimentos e de produtos químicos. Destaca-se também a produção de carvão, que representa o segundo produto de maior importância nas exportações, somando 7% das receitas, e o fato do país apresentar as maiores reservas de manganês (80%) e cromo (68%) do mundo (DICKOVICK, 2013, p. 313). A África do Sul também possui oferta abundante de outros recursos minerais, como antimônio, minérios de ferro, níquel, fosfatos, estanho, elementos de terras raras, urânio, platina, cobre, vanádio, sal e gás natural. No setor agropecuário destaca-se a produção de milho, trigo, cana, frutas, legumes, carnes, lã e produtos lácteos. Já no setor industrial destaca-se a mineração, uma vez que o país é o maior produtor mundial de platina, ouro e cromo, além da montagem de automóveis, produção de máquinas, indústria têxtil, ferro e aço, produtos químicos, fertilizantes, alimentos e reparação naval comercial (PEREIRA, 2013, p. 171).

O fim do Apartheid não trouxe, necessariamente, melhoria nas condições de vida, principalmente para a porção negra da população. Apesar de ser o quinto mandato presidencial do partido Congresso Nacional Africano (CNA) no período democrático, a transformação social que se esperava com sua atuação no governo não ocorreu. A instabilidade interna ainda é um problema para o país, com altas taxas de criminalidade. Uma das maiores dificuldades diz respeito ao aumento considerável de organizações criminosas, responsáveis pela corrupção de funcionários de alto escalão do governo e pela entrada de armas pesadas através de Angola e de Moçambique (PEREIRA, 2013, p. 195). Este problema é potencializado pela imigração ilegal, tendo em vista que, a nível regional, o país oferece as melhores condições de emprego. Nos anos 2000, por exemplo, quando houve uma crise política no Zimbábue, milhares de pessoas migraram deste país para a África do Sul, sendo a maioria deles ilegais. Essa situação intensificou as dificuldades do governo sul-africano em oferecer serviços básicos, como saúde e educação, e aumentou os focos de xenofobia entre a população local e os imigrantes, especialmente no que diz respeito ao mercado de trabalho.

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2 HISTÓRICO O descobrimento do território que viria a ser a África do Sul está enquadrado no contexto das Grandes Navegações. O Cabo da Boa Esperança ficou conhecido pelos navegadores através das viagens dos portugueses em direção às Índias. O Cabo passou a ser utilizado como local de reabastecimento para os navios holandeses e ingleses e, posteriormente, foi transferido para a direção da Companhia Holandesa das Índias Orientais. Esta estabeleceu alguns colonos europeus na região, que viriam a ser designados bôeres, com o objetivo de suprir a Companhia com os produtos que produziriam (PEREIRA, 2012). A partir desses assentamentos de colonos europeus desenvolveu-se uma comunidade permanente na colônia, com um sentimento de identidade e cujos interesses próprios foram, aos poucos, dissociando-se daqueles da Companhia Holandesa das Índias Orientais. Gradativamente, houve expansão dos colonos para o interior do território, enquanto a região do Cabo permaneceu nas mãos dos europeus mais ricos. Além disso, o governo colonial passou a utilizar escravos vindos, principalmente, de Madagascar, da Índia e de Moçambique. Os nativos, por sua vez, foram progressivamente submetidos ou à condição de servos ou à obrigação de deixarem suas terras para os colonos, responsáveis, entre outros, por promoverem diversos intercâmbios com os povos locais, especialmente trocas de gado com os khoikhoi;2 pouco a pouco estes povos locais foram sendo subjugados e enquadrados ao sistema colonial, através da expulsão de suas terras e da proletarização da sua mão-de-obra, embora recebessem praticamente o mesmo tratamento que os escravos (BRAGA, 2011; PEREIRA, 2012).

Em 1806, os britânicos passaram a governar o Cabo como resultado das guerras da Europa e de sua supremacia econômico-militar. A colonização inglesa teve papel fundamental para o desenvolvimento daquela sociedade, tendo em vista sua imposição à adoção do ideário econômico liberal baseado na competitividade. Os bôeres que habitavam o leste do território, descontentes com as medidas agressivas impostas pelos ingleses, como a cobrança de impostos, o controle administrativo e o fim da escravidão, expandiram-se em direção ao nordeste do país a partir de 1837. Tal movimentação ficou conhecida como Great Trek (do inglês, Grande Viagem) e culminou na colonização do território pelos colonos, os quais acabaram fundando o estado livre de Orange, em 1842, e o de Transvaal, em 1852, tudo

2 O extremo sul do continente africano, onde hoje está localizada a África do Sul, foi povoado por

três povos do grupo linguístico Khoisan: os Khoikhoi, que eram pastores, os Sans, que eram caçadores, e os bantos, que eram agricultores e pastores seminômades (RIBEIRO & VISENTINI, 2010, p. 18).

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isso por meio da subjugação e a escravização dos povos bantos que viviam nessas regiões (BRAGA, 2011).3

Outro aspecto relevante foi o descobrimento de minas de ouro e de diamantes em duas cidades localizadas nas Repúblicas bôeres: em Johanesburgo, em 1886, descobre-se ouro e, em Kimberley, em 1867, diamantes. Este fato gerou um intenso movimento migratório sobre as cidades, que se tornaram as mais povoadas do interior do país. Além disso, aumentou as pressões britânicas sobre os bôeres e sobre os recursos, que passaram a ser tratados como uma questão de interesse nacional britânico; resultado disso foi a anexação de Kimberley à colônia do Cabo, em 1877 (PEREIRA, 2012). A exploração desses recursos acabou inserindo a região na dinâmica capitalista e, diante disso, desenvolveu-se uma importante rede ferroviária interligando o interior do país ao litoral, facilitando o desenvolvimento da indústria mineradora e fomentando a entrada de investimento externo direto nesse setor.

No momento em que isso aconteceu, a maior parte das terras agriculturáveis já estavam ocupadas por fazendeiros brancos e o alto custo de compra das terras exigiu que os bôeres vendessem sua força de trabalho. Pressionados pela concorrência pelo mercado de trabalho, tendo em vista que a descoberta das minas atraiu milhares de pessoas para tentarem a sorte nas minas, os bôeres começaram a se organizar coletivamente de modo a evitar a desvalorização de sua força de trabalho e passaram a exigir políticas de segregação, principalmente em relação aos negros (BRAGA, 2011). Nesse contexto ocorreu a Segunda Guerra dos Boêres, em 1899, como resultado dos descontentamentos dos bôeres em relação às políticas econômicas britânicas e ao forte controle administrativo sobre os colonos e sobre os recursos da região. O conflito se prolongou até 1902, quando os bôeres foram derrotados. Resultado disso foi que Transvaal e Orange tornaram-se colônias britânicas, formando, juntamente com Cabo e com Natal, em 1910, a União Sul-Africana, tendo Louis Botha como primeiro-ministro (DICKOVICK, 2013).

Para conduzir o processo político na União Sul-Africana, os britânicos criaram o Partido Sul-Africano, que deveria conciliar ingleses e africâneres (bôeres). Os africâneres, por sua vez, fundaram, em 1914, o Partido Nacional, que buscava desenvolver na África do Sul um Estado sem a atuação dos interesses ingleses. Ao longo desse período, a política era conduzida pelos dois partidos, que juntos, criaram o Partido Nacional Unido. Essa decisão, contudo, provocou uma ruptura no Partido Nacional, e uma parte dos 3 O Transvaal foi anexado pela Inglaterra em 1877, mas voltou ao domínio bôer no final da

Primeira Guerra dos Bôeres, entre 1880 e 1881, quando os bôeres expulsaram os britânicos da região.

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isso por meio da subjugação e a escravização dos povos bantos que viviam nessas regiões (BRAGA, 2011).3

Outro aspecto relevante foi o descobrimento de minas de ouro e de diamantes em duas cidades localizadas nas Repúblicas bôeres: em Johanesburgo, em 1886, descobre-se ouro e, em Kimberley, em 1867, diamantes. Este fato gerou um intenso movimento migratório sobre as cidades, que se tornaram as mais povoadas do interior do país. Além disso, aumentou as pressões britânicas sobre os bôeres e sobre os recursos, que passaram a ser tratados como uma questão de interesse nacional britânico; resultado disso foi a anexação de Kimberley à colônia do Cabo, em 1877 (PEREIRA, 2012). A exploração desses recursos acabou inserindo a região na dinâmica capitalista e, diante disso, desenvolveu-se uma importante rede ferroviária interligando o interior do país ao litoral, facilitando o desenvolvimento da indústria mineradora e fomentando a entrada de investimento externo direto nesse setor.

No momento em que isso aconteceu, a maior parte das terras agriculturáveis já estavam ocupadas por fazendeiros brancos e o alto custo de compra das terras exigiu que os bôeres vendessem sua força de trabalho. Pressionados pela concorrência pelo mercado de trabalho, tendo em vista que a descoberta das minas atraiu milhares de pessoas para tentarem a sorte nas minas, os bôeres começaram a se organizar coletivamente de modo a evitar a desvalorização de sua força de trabalho e passaram a exigir políticas de segregação, principalmente em relação aos negros (BRAGA, 2011). Nesse contexto ocorreu a Segunda Guerra dos Boêres, em 1899, como resultado dos descontentamentos dos bôeres em relação às políticas econômicas britânicas e ao forte controle administrativo sobre os colonos e sobre os recursos da região. O conflito se prolongou até 1902, quando os bôeres foram derrotados. Resultado disso foi que Transvaal e Orange tornaram-se colônias britânicas, formando, juntamente com Cabo e com Natal, em 1910, a União Sul-Africana, tendo Louis Botha como primeiro-ministro (DICKOVICK, 2013).

Para conduzir o processo político na União Sul-Africana, os britânicos criaram o Partido Sul-Africano, que deveria conciliar ingleses e africâneres (bôeres). Os africâneres, por sua vez, fundaram, em 1914, o Partido Nacional, que buscava desenvolver na África do Sul um Estado sem a atuação dos interesses ingleses. Ao longo desse período, a política era conduzida pelos dois partidos, que juntos, criaram o Partido Nacional Unido. Essa decisão, contudo, provocou uma ruptura no Partido Nacional, e uma parte dos 3 O Transvaal foi anexado pela Inglaterra em 1877, mas voltou ao domínio bôer no final da

Primeira Guerra dos Bôeres, entre 1880 e 1881, quando os bôeres expulsaram os britânicos da região.

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africâneres decidiu mantê-lo a fim de prosseguir com as demandas segregacionistas a seu favor e em detrimento dos negros. Por fim, em 1912 foi criado o partido Congresso Nacional Africano (CNA), primeira organização política dos negros sul-africanos, em oposição à Lei do Trabalho Nativo de 1913.4 Este partido evoluiu e tornou-se o principal instrumento contra o regime segregacionista sul-africano, o apartheid. Como será tratado posteriormente, até 1939 o CNA buscou atuar de forma legal e constitucional para mudar o sistema segregacionista a favor dos negros. Contudo, com a ascensão do apartheid, em 1948, e a criação da Liga da Juventude do CNA, em 1940, liderada por Nelson Mandela, o partido modificou um pouco sua atuação, e passou a agir através da desobediência civil (BRAGA, 2011; DICKOVICK, 2013).

Quando a África do Sul ainda era União Sul-Africana, diversas leis segregacionistas foram adotadas no país. Além da Lei do Trabalho Nativo, a Lei dos Nativos Urbanos, de 1923, limitou a possibilidade dos negros de se instalarem em cidades consideradas redutos dos brancos. Assim, é interessante observar que, até a primeira Guerra Mundial, os interesses econômicos dos brancos eram baseados na complementação da mineração com a agricultura (PEREIRA, 2012). A recessão do mundo capitalista no pós-guerra diminuiu a lucratividade das minas e fez com que as companhias passassem a contratar trabalhadores negros. Essa situação aumentou o embate entre os trabalhadores assalariados, fato que influenciou o pensamento racista africâner, base da política explicitamente racista do Partido Nacional, mais tarde cristalizada no regime do apartheid. Percebe-se, então, que o fator econômico teve papel central na formulação de um nacionalismo bôer, visto que estes se sentiam menos valorizados em relação aos brancos europeus. Em 1931, a Inglaterra reconheceu a independência da África do Sul e o Partido Nacional passou a atuar de modo mais contundente, principalmente com a recessão econômica no pós-Segunda Guerra Mundial, quando, diante do desemprego, os brancos pobres elevaram seu racismo (BRAGA, 2011; PEREIRA, 2012).

A institucionalização do apartheid como uma política nacional ocorreu quando o Partido Nacional venceu as eleições, em 1948, e Daniel François Malan assumiu como primeiro-ministro. Era a primeira vez que um partido exclusivamente africâner chegava ao poder e podia decidir sobre os rumos econômicos e políticos do país, o que veio a tornar a sociedade sul-africana ainda mais complexa e desigual. A partir daquele momento, embora a 4 A Lei do Trabalho Nativo dividia a África do Sul em duas, sendo 7% do território destinado para

os negros, representantes de 75% da população, e 93% das terras entregues aos brancos, correspondentes a 10% da população (BRAGA, 2011, pg. 67).

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população de origem inglesa mantivesse o poder econômico, eram os africâneres que detinham o poder político e decidiam sobre o futuro do país. O Partido Nacional procurou modificar a estrutura produtiva nacional e implementou um processo de substituição de importações e desenvolvimento do setor industrial, com base nos recursos oriundos da exploração do ouro. A indústria tornou-se o setor mais importante da economia sul-africana nos anos 60 e sua contribuição para o PIB tornou-se maior que o da mineração e o da agricultura (PEREIRA, 2010).

O setor industrial orientava-se para o segmento de mercado interno de maior renda e para a produção de bens estratégicos, como armas e combustíveis. Contudo, permanecia fortemente dependente da importação de bens de capital do exterior e do capital estrangeiro para financiamento deste projeto. O objetivo sempre foi promover e introduzir o capital africâner na economia nacional via industrialização e com mão de obra barata, portanto, negra, visto que o setor da mineração ainda era dependente do capital inglês e do capital externo. O Estado passou a exercer importante papel na economia, incentivando a produção dos setores siderúrgico, químico, de minerais processados, energético e, posteriormente, de armamentos (PEREIRA, 2010).

O Partido Nacional tratou, também, de intensificar o sistema de segregação dos negros e o fim dos direitos civis destes. O Estado se encarregou de organizar a sociedade sul-africana em categorias étnicas de acordo com a Lei de Registro da População, de 1950, o que, combinado com o Ato de Áreas por Grupo, limitou o lugar onde as pessoas poderiam viver de acordo com a cor da pele. Em 1949, foi instituída a Lei de Casamentos Mistos, e, em 1950, a Lei da Imoralidade, as quais impediam as relações entre pessoas de diferentes etnias. A Lei de Passes e Documentos, de 1952, exigia que todos os negros transportassem um livro de referências, com histórico de seus empregos e de sua residência. O Ato de Segurança Interna de 1982, por sua vez, deu poderes ditatoriais ao governo e aboliu qualquer direito civil que restasse, proibindo as organizações contrárias ao Estado (DICKOVICK, 2013). A forma como a segregação do apartheid foi organizada pode ser dividida em: pequeno apartheid—que dizia respeito às medidas segregacionistas associadas ao cotidiano das pessoas, como restaurantes e transporte público—e o grande apartheid—política de Estado, diz respeito às leis que visavam separar os negros dos brancos, como a proibição dos casamentos e a divisão das pessoas em áreas só para brancos e áreas só para negros. Os negros eram proibidos de adquirirem terras nos espaços urbanos e a sua educação, além de não ser priorizada, estava relacionada às necessidades educacionais básicas para atender às prioridades da economia africâner. Nesse sentido, o governo procurou por fim a qualquer tipo de assentamento de negros nas cidades, e,

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população de origem inglesa mantivesse o poder econômico, eram os africâneres que detinham o poder político e decidiam sobre o futuro do país. O Partido Nacional procurou modificar a estrutura produtiva nacional e implementou um processo de substituição de importações e desenvolvimento do setor industrial, com base nos recursos oriundos da exploração do ouro. A indústria tornou-se o setor mais importante da economia sul-africana nos anos 60 e sua contribuição para o PIB tornou-se maior que o da mineração e o da agricultura (PEREIRA, 2010).

O setor industrial orientava-se para o segmento de mercado interno de maior renda e para a produção de bens estratégicos, como armas e combustíveis. Contudo, permanecia fortemente dependente da importação de bens de capital do exterior e do capital estrangeiro para financiamento deste projeto. O objetivo sempre foi promover e introduzir o capital africâner na economia nacional via industrialização e com mão de obra barata, portanto, negra, visto que o setor da mineração ainda era dependente do capital inglês e do capital externo. O Estado passou a exercer importante papel na economia, incentivando a produção dos setores siderúrgico, químico, de minerais processados, energético e, posteriormente, de armamentos (PEREIRA, 2010).

O Partido Nacional tratou, também, de intensificar o sistema de segregação dos negros e o fim dos direitos civis destes. O Estado se encarregou de organizar a sociedade sul-africana em categorias étnicas de acordo com a Lei de Registro da População, de 1950, o que, combinado com o Ato de Áreas por Grupo, limitou o lugar onde as pessoas poderiam viver de acordo com a cor da pele. Em 1949, foi instituída a Lei de Casamentos Mistos, e, em 1950, a Lei da Imoralidade, as quais impediam as relações entre pessoas de diferentes etnias. A Lei de Passes e Documentos, de 1952, exigia que todos os negros transportassem um livro de referências, com histórico de seus empregos e de sua residência. O Ato de Segurança Interna de 1982, por sua vez, deu poderes ditatoriais ao governo e aboliu qualquer direito civil que restasse, proibindo as organizações contrárias ao Estado (DICKOVICK, 2013). A forma como a segregação do apartheid foi organizada pode ser dividida em: pequeno apartheid—que dizia respeito às medidas segregacionistas associadas ao cotidiano das pessoas, como restaurantes e transporte público—e o grande apartheid—política de Estado, diz respeito às leis que visavam separar os negros dos brancos, como a proibição dos casamentos e a divisão das pessoas em áreas só para brancos e áreas só para negros. Os negros eram proibidos de adquirirem terras nos espaços urbanos e a sua educação, além de não ser priorizada, estava relacionada às necessidades educacionais básicas para atender às prioridades da economia africâner. Nesse sentido, o governo procurou por fim a qualquer tipo de assentamento de negros nas cidades, e,

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como consequência, a maioria negra passou a residir em Soweto, periferia de Johanesburgo (BRAGA, 2011).

A resposta da população negra frente às medidas racistas adotadas ocorreu através do CNA, que, com a instauração do apartheid, afastou-se cada vez mais de uma postura conciliatória e passou a atuar através da desobediência civil. Em 1960 o Partido Pan Africano5 organizou um protesto em Sharpeville, contra a Lei do Passe, que foi brutalmente reprimido pela polícia, resultando em aproximadamente 70 mortes de negros pelo governo. Este evento foi um ponto de inflexão para a estratégia dos movimentos nacionais de libertação, os quais passaram a formar braços armados e basear-se em guerrilhas e em boicotes às estruturas produtivas e governamentais. Resultado disso foi que o governo colocou o CNA, o PAC e o Partido Comunista Sul-Africano na ilegalidade, isolou distritos e prendeu milhares de pessoas. Depois de passar algum tempo como fugitivo, Nelson Mandela, principal liderança do CNA, foi preso em 1964, sendo liberto somente no final do apartheid (DICKOVICK, 2013).

Durante os anos 60, houve progressiva segregação dos negros e expulsão dos mesmos em direção aos distritos negros, onde eles teriam certa independência, mas sem qualquer tipo de estrutura básica. Em 1958, com o poder governamental nas mãos de Hendrik Verwoerd, houve a articulação da ideia de “desenvolvimento separado”, isto é, de uma África do Sul totalmente branca e com áreas destinadas somente aos negros—o grande apartheid. Para tentar diminuir a pressão sobre as áreas reservadas aos negros, principalmente em razão dos imigrantes ilegais que procuravam empregos na África do Sul, e pelos migrantes que fugiam das péssimas condições no campo, o governo optou por estabelecer, em 1959, os bantustões africanos.6 Estas regiões eram superpovoadas e desorganizadas, carecendo de indústria, de emprego e de recursos básicos, como educação e saúde (DICKOVICK, 2013).

Entretanto, essa estratégia não reduziu as pressões sobre as cidades, que continuaram a crescer, principalmente Soweto. Nesta cidade houve importante movimento no ano de 1976, fruto de descontentamento com a decisão de 1953, que estabelecia o uso de metade inglês e metade afrikaans como idiomas oficiais nas escolas de instrução secundária. Isso foi ignorado por diversas escolas, em favor do inglês, o que era inaceitável para os

5 O Partido Pan Africano surgiu em 1958, de uma dissidência do Congresso Nacional Africano.

Os membros desse partido criticavam a postura conciliatória do CNA e defendiam o slogan África para os Africanos (BRAGA, 2011).

6 A partir do Ato de Áreas por Grupo foram criados os bantustões, isto é, divisões geográficas que separavam as áreas em que os não brancos poderiam circular dentro da África do Sul (BRAGA, 2011, p. 25).

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africâneres. Protestos iniciados em 16 de junho, em Soweto, contra o Partido Nacional e sua política africâner, foram duramente reprimidos, e 174 negros e dois brancos morreram. (DICKOVICK, 2013). O levante de Soweto foi importante evento na história da luta contra o apartheid, porque em razão da forte repressão, houve declínio dos investimentos e maior rejeição do regime por outros países que antes apoiavam o Partido Nacional.

Vorster subsistiu Verwoerd como primeiro-ministro, em 1966, e passou a conceder independência aos distritos negros, como forma de melhorar a imagem do país no exterior. Além disso, esse período marca o pior momento da luta de resistência negra, tendo em vista a repressão governamental contra o CNA e o PAC, e o fato de que os principais líderes destes partidos estavam presos ou dispersos nos países vizinhos. Quando Pieter Willem Botha assumiu o governo, em 1978, era evidente a necessidade de haver reformas adicionais. Por isso mesmo, diversas leis racistas do pequeno apartheid foram eliminadas, com o objetivo de demonstrar para a comunidade internacional que não havia segregação. Parte disso foi a aprovação de um novo esquema constitucional, que no fundo era uma jogada publicitária, que criava uma Assembleia Nacional Tricameral, com a maioria do corpo restrito a brancos e duas casas para representar os mestiços e indianos, com exclusão dos negros. Botha, que acreditava que isso diminuiria os ânimos dos negros, assistiu ao acirramento da situação interna, tornando o regime cada vez mais insustentável (DICKOVICK, 2013).

Além disso, a Era Botha ficou conhecida como o momento de maior repressão aos movimentos de libertação nacional que estavam acontecendo nos países vizinhos, principalmente em Moçambique, Angola e Namíbia, onde predominava o caráter marxista dos movimentos. Sua principal política foi a “estratégia total”, que buscava a desestabilização regional dos países vizinhos contrários ao apartheid. Depois de uma tentativa falha de cooptar estes países pela via econômica, a África do Sul passou a dar assistência militar a grupos antigovernamentais nestes países e promoveu incursões militares, principalmente em território angolano e moçambicano (PEREIRA, 2012). Por outro lado, com as cidades sul-africanas em revolta e o país em estado de emergência, seja pelos conflitos internos ou regionais (principalmente depois da derrota na batalha de Cuito Cuanavale, em território angolano), Botha acabou sendo afastado do governo e De Klerk assumiu a liderança para as eleições, em 1989.

Ao assumir o Governo, De Klerk buscou aumentar os contatos com Mandela e iniciar a transição para um novo regime. Nesse sentido, Mandela e outros líderes foram libertos e iniciaram os esforços que resultaram no processo de conciliação e de desmantelamento do sistema de segregação

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africâneres. Protestos iniciados em 16 de junho, em Soweto, contra o Partido Nacional e sua política africâner, foram duramente reprimidos, e 174 negros e dois brancos morreram. (DICKOVICK, 2013). O levante de Soweto foi importante evento na história da luta contra o apartheid, porque em razão da forte repressão, houve declínio dos investimentos e maior rejeição do regime por outros países que antes apoiavam o Partido Nacional.

Vorster subsistiu Verwoerd como primeiro-ministro, em 1966, e passou a conceder independência aos distritos negros, como forma de melhorar a imagem do país no exterior. Além disso, esse período marca o pior momento da luta de resistência negra, tendo em vista a repressão governamental contra o CNA e o PAC, e o fato de que os principais líderes destes partidos estavam presos ou dispersos nos países vizinhos. Quando Pieter Willem Botha assumiu o governo, em 1978, era evidente a necessidade de haver reformas adicionais. Por isso mesmo, diversas leis racistas do pequeno apartheid foram eliminadas, com o objetivo de demonstrar para a comunidade internacional que não havia segregação. Parte disso foi a aprovação de um novo esquema constitucional, que no fundo era uma jogada publicitária, que criava uma Assembleia Nacional Tricameral, com a maioria do corpo restrito a brancos e duas casas para representar os mestiços e indianos, com exclusão dos negros. Botha, que acreditava que isso diminuiria os ânimos dos negros, assistiu ao acirramento da situação interna, tornando o regime cada vez mais insustentável (DICKOVICK, 2013).

Além disso, a Era Botha ficou conhecida como o momento de maior repressão aos movimentos de libertação nacional que estavam acontecendo nos países vizinhos, principalmente em Moçambique, Angola e Namíbia, onde predominava o caráter marxista dos movimentos. Sua principal política foi a “estratégia total”, que buscava a desestabilização regional dos países vizinhos contrários ao apartheid. Depois de uma tentativa falha de cooptar estes países pela via econômica, a África do Sul passou a dar assistência militar a grupos antigovernamentais nestes países e promoveu incursões militares, principalmente em território angolano e moçambicano (PEREIRA, 2012). Por outro lado, com as cidades sul-africanas em revolta e o país em estado de emergência, seja pelos conflitos internos ou regionais (principalmente depois da derrota na batalha de Cuito Cuanavale, em território angolano), Botha acabou sendo afastado do governo e De Klerk assumiu a liderança para as eleições, em 1989.

Ao assumir o Governo, De Klerk buscou aumentar os contatos com Mandela e iniciar a transição para um novo regime. Nesse sentido, Mandela e outros líderes foram libertos e iniciaram os esforços que resultaram no processo de conciliação e de desmantelamento do sistema de segregação

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racial. Nos últimos anos do apartheid houve uma grande crise no modelo econômico sul-africano, vinculada à crise social e política do próprio regime. A queda dos preços do ouro, em 1981, reduziu as receitas e prejudicou a produtividade das minas, o que tinha influência no processo de substituição de importações, tendo em vista que o sistema era dependente de importações. Ao mesmo tempo em que a queda dos preços das matérias primas provocava fortes impactos nas receitas fiscais, as despesas necessárias para manter o apartheid se tornavam exorbitantes, principalmente num cenário de convulsões sociais, de conflitos internos e regionais e de fim do apoio internacional. O isolamento do país, interna e regionalmente, tornava o regime insustentável, e as sanções financeiras impostas à África do Sul estimularam a fuga de capitais (PEREIRA, 2010).

3 DE MANDELA A ZUMA: ÁFRICA DO SUL CONTEMPORÂNEA PÓS-APARTHEID O final da Guerra Fria trouxe mudanças bastante substanciais para a África do Sul: o fim da bipolaridade foi um fator decisivo para o fim do regime do apartheid. Como já descrito anteriormente, o cenário tornou-se insustentável para o Partido Nacional e para o presidente Frederik de Klerk, o que fez com que este passasse gradativamente a negociar com a oposição a partir de 1990. É em fevereiro de tal ano que Nelson Mandela, após 27 anos de prisão, é solto e assume a presidência do CNA, substituindo Oliver Tambo.7 A partir de então, iniciaram-se, ainda que em ritmo lento, rodadas de negociação com o Partido Nacional.

Segundo Pereira (2012, p. 139), os primeiros temas debatidos na mesa de negociação foram a volta de exilados políticos para o país e a libertação de presos. Em setembro do ano seguinte, as negociações voltaram a andar com a Convenção Nacional da Paz, em Johanesburgo, que tinha como objetivo tratar sobre a violência no país. No ano que se seguiu, a Convenção ocorreu novamente. Entretanto, o processo de negociação era extremamente lento, e a situação no país era de grande instabilidade e violência, principalmente após o assassinato de Chris Hani, liderança do Partido Comunista Sul-africano, e da declaração de Estado de emergência na província de KwaZulu-Natal (DICKOVICK, 2013). Frente a isto, em 1992, o presidente de Klerk anunciou uma série de mudanças a serem feitas na estrutura do país, dentre as quais as mais relevantes eram as eleições gerais para março de 1994. Em 1993, o

7 Oliver Tambo foi um importante político do CNA. Tambo foi eleito Secretário Geral do partido

em 1954 e, durante todo o período do apartheid, foi articulador da luta em oposição ao regime segregacionista.

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Conselho de negociação, após a aprovação de uma Constituição interina e de um ato eleitoral, aprovou o sufrágio universal aos negros e aos indianos da África do Sul (PEREIRA, 2012).

Assim, Nelson Mandela foi eleito presidente em 1994, em um pleito que contou com a participação do CNA, do PN, do Inkatha Freedom e de outros grupos políticos menos conhecidos. Segundo Pereira (2012), quando o CNA conseguiu assumir a administração sul-africana, o partido teve de enfrentar a realidade de um Estado falido: a condição de vida da população negra era de desemprego, de falta de acesso à educação, à saúde e à terra, de extrema pobreza e de precariedade habitacional. Nesse sentido, uma das principais medidas de Nelson Mandela foi a instituição do Reconstruction and Development Programme (RPD, Programa de Reconstrução e Desenvolvimento), programa cuja meta era combater a pobreza e desenvolver os serviços públicos do país.

Entretanto, ainda que o RPD tenha logrado conseguir mais investimentos internacionais na África do Sul, as metas de tal programa não foram alcançadas plenamente. Assim, o RPD foi seguido da criação do programa denominado Grown, Employmentand Redistribution (GEAR, Crescimento, Emprego e Redistribuição), que tinha como objetivo criar “mais de 1,3 milhões de novos empregos fora da agricultura, crescimento em 11% em média na exportação de manufaturados e de 12% na taxa de investimento real” (PEREIRA, 2012, p. 141). Além disso, foi criada na mesma época a Comissão da Verdade e Reconciliação, subdividida em três comitês: Comitê de Violação de Direitos Humanos, Comitê de Anistia e Comitê de Reparação e Reabilitação. O principal indicado como culpado pelos crimes durante o período do apartheid, como era previsível, foi o próprio Estado sul-africano. Por outro lado, atores políticos sul-africanos que lutaram contra o apartheid também foram levados a tribunal. Foi o caso de WinnieMadikiz Mandela, esposa de Nelson Mandela e ativista do CNA. Winnie foi acusada de assassinados e de assaltos durante o regime do apartheid (DICKOVICK, 2013). Ademais, outras medidas, ainda que mais simbólicas que efetivas, também são importantes, como o reconhecimento de 11 línguas como oficiais (DICKOVICK, 2013).

Entretanto, ainda que o primeiro governo do CNA a administrar a África do Sul tenha investido significativamente mais em políticas sociais e tenha lutado para democratizar o Estado sul-africano, Dathein (2010, p. 102) reitera que, para as negociações ocorrerem, houve a exigência da manutenção dos direitos sócio-econômicos da elite branca. Para tal, organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), e a própria elite econômica do país exigiram uma série de políticas econômicas liberais como a manutenção do Ministro da Fazenda e do presidente do Banco

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Conselho de negociação, após a aprovação de uma Constituição interina e de um ato eleitoral, aprovou o sufrágio universal aos negros e aos indianos da África do Sul (PEREIRA, 2012).

Assim, Nelson Mandela foi eleito presidente em 1994, em um pleito que contou com a participação do CNA, do PN, do Inkatha Freedom e de outros grupos políticos menos conhecidos. Segundo Pereira (2012), quando o CNA conseguiu assumir a administração sul-africana, o partido teve de enfrentar a realidade de um Estado falido: a condição de vida da população negra era de desemprego, de falta de acesso à educação, à saúde e à terra, de extrema pobreza e de precariedade habitacional. Nesse sentido, uma das principais medidas de Nelson Mandela foi a instituição do Reconstruction and Development Programme (RPD, Programa de Reconstrução e Desenvolvimento), programa cuja meta era combater a pobreza e desenvolver os serviços públicos do país.

Entretanto, ainda que o RPD tenha logrado conseguir mais investimentos internacionais na África do Sul, as metas de tal programa não foram alcançadas plenamente. Assim, o RPD foi seguido da criação do programa denominado Grown, Employmentand Redistribution (GEAR, Crescimento, Emprego e Redistribuição), que tinha como objetivo criar “mais de 1,3 milhões de novos empregos fora da agricultura, crescimento em 11% em média na exportação de manufaturados e de 12% na taxa de investimento real” (PEREIRA, 2012, p. 141). Além disso, foi criada na mesma época a Comissão da Verdade e Reconciliação, subdividida em três comitês: Comitê de Violação de Direitos Humanos, Comitê de Anistia e Comitê de Reparação e Reabilitação. O principal indicado como culpado pelos crimes durante o período do apartheid, como era previsível, foi o próprio Estado sul-africano. Por outro lado, atores políticos sul-africanos que lutaram contra o apartheid também foram levados a tribunal. Foi o caso de WinnieMadikiz Mandela, esposa de Nelson Mandela e ativista do CNA. Winnie foi acusada de assassinados e de assaltos durante o regime do apartheid (DICKOVICK, 2013). Ademais, outras medidas, ainda que mais simbólicas que efetivas, também são importantes, como o reconhecimento de 11 línguas como oficiais (DICKOVICK, 2013).

Entretanto, ainda que o primeiro governo do CNA a administrar a África do Sul tenha investido significativamente mais em políticas sociais e tenha lutado para democratizar o Estado sul-africano, Dathein (2010, p. 102) reitera que, para as negociações ocorrerem, houve a exigência da manutenção dos direitos sócio-econômicos da elite branca. Para tal, organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), e a própria elite econômica do país exigiram uma série de políticas econômicas liberais como a manutenção do Ministro da Fazenda e do presidente do Banco

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Central de De Klerk, elevação da taxa de juros, liberalização da conta capital do Balanço de Pagamentos e privatizações. Assim, para Dathein (2010, p. 103), “em um contexto de alta inflação, [...] a prioridade passou a ser a estabilização dos preços. Mais do que isso, passou-se a compreender a política macroeconômica como desvinculada dos seus impactos reais sobre produção e emprego, mas como um pressuposto para o crescimento”.

Ou seja, segundo Visentini & Pereira (2010, p. 72),

(...) de uma forma geral, o governo de Nelson Mandela consolidou a democracia no país, mas o direito de ir e vir, do qual os negros passaram a dispor, levou milhares de pobres a abandonar suas reservas e se fixar nas periferias das cidades em busca de emprego e acesso a serviços públicos. Somente então a situação social sul-africana emergiu à luz do dia.

Em 1999, ocorrem novas eleições na África do Sul, nas quais Thabo Mbeki, também do CNA, é eleito presidente. No pleito, mais de 40 partidos concorrem, mas o CNA, além de conquistar a presidência, consegue 266 assentos no Parlamento, mais de dois terços. Thabo Mbeki cresceu educado para ser uma liderança do partido (DICKOVICK, 2013): na década de 1960, Mbeki estudou em uma universidade inglesa e, na década de 1970, foi à União Soviética para treinamento militar. Mbeki foi responsável pela criação do maior plano de reestruturação econômica para a inclusão dos negros na economia africana, o Black Economic Empowerment (BEE)8 e fez duas administrações9 marcadas por inovações econômicas relevantes, mas também marcadas por diversas críticas (VISENTINI & PEREIRA, 2010).

Em 2006, o governo lançou o programa chamado Acelerating and shared growth iniciative for South Africa (AsgiSA) e a uma política industrial denominada National Industrial Policy Framework (NIPF). Segundo Dathein (2010), o AsgiSA teve como objetivo a redução da pobreza e um aumento nos gasto públicos em setores como infraestrutura, serviços sociais, educação, principalmente na formação de mão de obra qualificada, um dos principais gargalos na economia sul-africana. Já o NIPF teve como meta a diversificação da economia, com a geração de empregos de setores de maior valor agregado e fora da mineração e da agricultura. Com os programas mencionados acima, Mbeki levou a África do Sul a um crescimento do PIB na casa de 4,5% ao ano (PEREIRA, 2012) e os investimentos cresceram acima da média do PIB,

8 O BEE, lançado oficialmente em 2003, teve como objetivo a inclusão dos negros na economia

sul-africana. Para tal, o programa objetivava empoderar a população negra, dando-lhe acesso a atividades e instrumentos econômicos. Assim, houve maior ênfase na busca da democratização da propriedade e administração de empresas e cooperativas e de acesso a bens como infraestrutura e instrumentos de desenvolvimento de agricultura e economia local.

9 Thabo Mbeki foi reeleito em 2004.

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principalmente entre 2002 e 2005, e o setor exportador passou por um boom que ajudou a dinamizar a economia sul-africana (DATHEIN, 2010, p. 107).

Além disso, em 2000, Mbeki conseguiu aprovar três leis importantes: a Lei de Promoção ao Acesso à Informação (Promotion of Access to Information Bill), que dava mais transparência ao governo sul-africano; a Lei de Promoção de Justiça Administrativa (Promotion of Administrative Justice Bill), que tinha como objetivo criar mecanismos para que o governo justificasse medidas polêmicas e/ou relevantes à população; e Lei de Promoção da Equidade e Prevenção de Discriminações (Promotion of Equality and Prevention of Unfair Discriminations) (DICKOVICK, 2013, traduções próprias). Ademais, em 2002, o governo sul-africano conseguiu aprovar a nacionalização dos recursos naturais, o que foi de grande importância, pois a África do Sul é a maior produtora mundial de ouro, de platina e de cromo, além de ser uma das maiores produtoras mundiais de diamantes (DATHEIN, 2010). Thabo Mbeki também tinha um perfil e um discurso significativamente diferente de Nelson Mandela: enquanto Mandela administrava o país com um perfil conciliador e, quando possível, buscando consensos, Mbeki dava uma maior ênfase às críticas à minoria branca, a questões étnicas e ao racismo enquanto tema pertinente à política nacional (DICKOVICK, 2013).

Como já dito, as administrações de Thabo Mbeki também sofreram duras críticas, principalmente por parte da esquerda do CNA, do Partido Comunista Sul-africano e do Congresso Sul-africano de Sindicatos (Cosatu). As principais críticas diziam respeito a políticas neoliberais adotadas pelo presidente, à proximidade de Mbeki com as classes altas sul-africanas, e por questões relacionadas a políticas públicas para a saúde, principalmente em função da negligência do presidente em relação à pandemia do vírus HIV, e para a criminalidade (PEREIRA, 2010). Frente a isto, as tensões internas ao CNA aumentavam gradativamente. Assim, em 2007, Jacob Zuma ganha a eleição à presidência do CNA, apoiado pelos setores à esquerda do partido, e Thabo Mbeki, frente à sua derrota, renuncia à presidência em setembro de 2008. Durante o período de transição, antes das próximas eleições nacionais, o governo foi assumido por Kgalema Montlanthe, político também do CNA que, segundo Pereira (2010, p. 146), garantiu a estabilidade institucional em meio à crise e a demissões de Ministros que Mbeki havia feito.

Em 6 de maio de 2009, Jacob Zuma é eleito presidente da África do Sul. Ainda que o CNA tenha ganho com relativa tranquilidade as eleições de 2009, o partido perdeu os dois terços que tinha no Parlamento sul-africano desde 1994. Zuma pautou seu discurso eleitoral no desenvolvimentismo e, em sua vitória, tinha-se a expectativa de um governo para os pobres. Assim, para

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principalmente entre 2002 e 2005, e o setor exportador passou por um boom que ajudou a dinamizar a economia sul-africana (DATHEIN, 2010, p. 107).

Além disso, em 2000, Mbeki conseguiu aprovar três leis importantes: a Lei de Promoção ao Acesso à Informação (Promotion of Access to Information Bill), que dava mais transparência ao governo sul-africano; a Lei de Promoção de Justiça Administrativa (Promotion of Administrative Justice Bill), que tinha como objetivo criar mecanismos para que o governo justificasse medidas polêmicas e/ou relevantes à população; e Lei de Promoção da Equidade e Prevenção de Discriminações (Promotion of Equality and Prevention of Unfair Discriminations) (DICKOVICK, 2013, traduções próprias). Ademais, em 2002, o governo sul-africano conseguiu aprovar a nacionalização dos recursos naturais, o que foi de grande importância, pois a África do Sul é a maior produtora mundial de ouro, de platina e de cromo, além de ser uma das maiores produtoras mundiais de diamantes (DATHEIN, 2010). Thabo Mbeki também tinha um perfil e um discurso significativamente diferente de Nelson Mandela: enquanto Mandela administrava o país com um perfil conciliador e, quando possível, buscando consensos, Mbeki dava uma maior ênfase às críticas à minoria branca, a questões étnicas e ao racismo enquanto tema pertinente à política nacional (DICKOVICK, 2013).

Como já dito, as administrações de Thabo Mbeki também sofreram duras críticas, principalmente por parte da esquerda do CNA, do Partido Comunista Sul-africano e do Congresso Sul-africano de Sindicatos (Cosatu). As principais críticas diziam respeito a políticas neoliberais adotadas pelo presidente, à proximidade de Mbeki com as classes altas sul-africanas, e por questões relacionadas a políticas públicas para a saúde, principalmente em função da negligência do presidente em relação à pandemia do vírus HIV, e para a criminalidade (PEREIRA, 2010). Frente a isto, as tensões internas ao CNA aumentavam gradativamente. Assim, em 2007, Jacob Zuma ganha a eleição à presidência do CNA, apoiado pelos setores à esquerda do partido, e Thabo Mbeki, frente à sua derrota, renuncia à presidência em setembro de 2008. Durante o período de transição, antes das próximas eleições nacionais, o governo foi assumido por Kgalema Montlanthe, político também do CNA que, segundo Pereira (2010, p. 146), garantiu a estabilidade institucional em meio à crise e a demissões de Ministros que Mbeki havia feito.

Em 6 de maio de 2009, Jacob Zuma é eleito presidente da África do Sul. Ainda que o CNA tenha ganho com relativa tranquilidade as eleições de 2009, o partido perdeu os dois terços que tinha no Parlamento sul-africano desde 1994. Zuma pautou seu discurso eleitoral no desenvolvimentismo e, em sua vitória, tinha-se a expectativa de um governo para os pobres. Assim, para

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Visentini e Pereira (2013), as novas políticas de geração de emprego dariam mais atenção à industrialização para a absorção e geração de mão de obra especializada e qualificada. Além disso, há uma maior ênfase, por parte de Zuma, que se faça a reforma agrária na África do Sul (PEREIRA, 2010). A reforma agrária é uma questão extremamente delicada e importante para o contexto político sul-africano, pois o país herdou do apartheid uma estrutura fundiária concentrada: menos de 10% da população detém 86% das terras (LAHIFF & LI, 2012). Por outro lado, há uma série de controvérsias que Zuma está enfrentando atualmente. A crise econômica global de 2008 teve sérias consequências na economia sul-africana: o crescimento do PIB desacelerou, o que fez com que, em 2008, o Produto Interno Bruto do país enfrentasse uma queda de 1,8%, além de o rand, a moeda nacional, ter sofrido uma grande desvalorização. O setor minerador do país, um dos principais pilares da economia sul-africana, sentiu de maneira significativa a crise: em 2008, o setor reduziu-se em mais de 6%, causando uma onda de demissões e arrocho salarial. Movimentos sindicais e greves, que já eram fortes no setor minerador desde a greve de 100 mil trabalhadores, em 2005, acentuaram-se ainda mais com isso (DICKOVICK, 2014). Um dos episódios mais emblemáticos sobre o assunto foi o ocorrido em 2012, quando a polícia reprimiu violentamente uma greve de mineradores na cidade de Marikana, matando 34 trabalhadores e ferindo outros 80.

Nota-se que, desde 1994 até hoje, a África do Sul se consolidou como uma democracia e obteve uma série de avanços econômicos, sociais e políticos. Entretanto, o país herdou do apartheid uma série de problemas considerados estruturais e cujas soluções ainda estão sendo buscadas. É importante destacar que o desemprego é uma questão estrutural no país: o desemprego geral atualmente está na faixa de 25,4% (STATISTICS SOUTH AFRICA, 2014), chegando a 45% em alguns setores e a 52% quando se trata de desemprego da juventude (entre 16 e 25 anos) (DICKOVICK, 2014). Segundo Pereira (2010), grande parte da mão de obra sul-africana está concentrada em subempregos e o crescimento da demanda por trabalho é muito lento. Além disso, a população sul-africana passou por booms expansionistas, e a maior parte da demanda por trabalho é para mão de obra qualificada, o que emprega majoritariamente os brancos que moram na África do Sul—fatos que mostram a gravidade do problema estrutural do desemprego.

Assim, é relevante observar que a África do Sul logrou consolidar sua democracia no sentido político, mas a radicalização desta só ocorrerá quando o país conseguir conquistar menores números de desigualdade socioeconômica. Afinal,

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(...) os brancos, 12% da população ainda controlam a economia, as minas, fábricas e fazendas. Os brancos detêm mais de 70% da terra e dominam os bancos, as manufaturas e as indústrias de turismo. De acordo com as estatísticas do governo, companhias administradas por brancos controlam 95% da produção de diamantes do país, 63% das reservas de platina e 51% das reservas de ouro (DICKOVICK, 2013, p. 315).

Ainda que, nos últimos anos, o CNA tenha conseguido garantir com que exista uma classe média negra e que a população negra possa compor parte da elite econômica, o que certamente é um avanço, a pobreza persiste como um problema crucial no país. A esmagadora maioria da população sul-africana é negra, e grande parte destes cidadãos ainda não conseguiram se inserir plenamente na economia da África do Sul, mostrando que as heranças do apartheid são nefastas e profundas.

4 POLÍTICA EXTERNA DA ÁFRICA DO SUL Durante a vigência do regime do apartheid, a política externa da África do Sul foi marcada por uma aliança com o Ocidente que se baseava, principalmente, na retórica anticomunista. As relações com os Estados africanos foram ficando escassas à medida que muitos deles conquistavam a independência, havendo alguns destes países se engajado na luta contra o regime sul-africano, a exemplo dos Estados da Linha de Frente. Além disso, utilizava-se de uma política de desestabilização contra os outros Estados da região, principalmente para garantir a hegemonia política e econômica que o país tinha na África Austral. Esta prática levou a um atraso nas independências e comprometeu economicamente outros Estados, a exemplo da Namíbia e do Zimbábue. Vale ressaltar, no entanto, que o país durante tal período foi governado por seis presidentes distintos e que, apesar de todos pertencerem ao PN, mostraram diferenças na condução de sua política externa, assim como na conjuntura enfrentada por seus governos. De modo geral, os primeiros três presidentes- Malan, Strydom e Verword- tenderam a ter uma postura mais isolacionista, enquanto os outros três- Vorster, Botha e De Klerk- tiveram maior preocupação com a deterioração das relações exteriores do país, buscando melhorar a imagem da África do Sul no mundo. No final dos 1980 e primórdios dos anos 1990, iniciou-se uma fase de transição em que foi instaurada a Nova Diplomacia, que visava uma relação mais amistosa com os países vizinhos.

O término do governo segregacionista representou uma mudança não só na política interna, como também na política externa da África do Sul. Com a ascensão de Nelson Mandela ao poder, iniciou-se uma tentativa de reinserção do país na política mundial por meio da mudança de seu perfil internacional,

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(...) os brancos, 12% da população ainda controlam a economia, as minas, fábricas e fazendas. Os brancos detêm mais de 70% da terra e dominam os bancos, as manufaturas e as indústrias de turismo. De acordo com as estatísticas do governo, companhias administradas por brancos controlam 95% da produção de diamantes do país, 63% das reservas de platina e 51% das reservas de ouro (DICKOVICK, 2013, p. 315).

Ainda que, nos últimos anos, o CNA tenha conseguido garantir com que exista uma classe média negra e que a população negra possa compor parte da elite econômica, o que certamente é um avanço, a pobreza persiste como um problema crucial no país. A esmagadora maioria da população sul-africana é negra, e grande parte destes cidadãos ainda não conseguiram se inserir plenamente na economia da África do Sul, mostrando que as heranças do apartheid são nefastas e profundas.

4 POLÍTICA EXTERNA DA ÁFRICA DO SUL Durante a vigência do regime do apartheid, a política externa da África do Sul foi marcada por uma aliança com o Ocidente que se baseava, principalmente, na retórica anticomunista. As relações com os Estados africanos foram ficando escassas à medida que muitos deles conquistavam a independência, havendo alguns destes países se engajado na luta contra o regime sul-africano, a exemplo dos Estados da Linha de Frente. Além disso, utilizava-se de uma política de desestabilização contra os outros Estados da região, principalmente para garantir a hegemonia política e econômica que o país tinha na África Austral. Esta prática levou a um atraso nas independências e comprometeu economicamente outros Estados, a exemplo da Namíbia e do Zimbábue. Vale ressaltar, no entanto, que o país durante tal período foi governado por seis presidentes distintos e que, apesar de todos pertencerem ao PN, mostraram diferenças na condução de sua política externa, assim como na conjuntura enfrentada por seus governos. De modo geral, os primeiros três presidentes- Malan, Strydom e Verword- tenderam a ter uma postura mais isolacionista, enquanto os outros três- Vorster, Botha e De Klerk- tiveram maior preocupação com a deterioração das relações exteriores do país, buscando melhorar a imagem da África do Sul no mundo. No final dos 1980 e primórdios dos anos 1990, iniciou-se uma fase de transição em que foi instaurada a Nova Diplomacia, que visava uma relação mais amistosa com os países vizinhos.

O término do governo segregacionista representou uma mudança não só na política interna, como também na política externa da África do Sul. Com a ascensão de Nelson Mandela ao poder, iniciou-se uma tentativa de reinserção do país na política mundial por meio da mudança de seu perfil internacional,

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assim como uma tentativa de normalização das relações exteriores (PEREIRA, 2012). Com o novo governo, também houve maior ativismo do Executivo federal na formulação da política externa, algo que iria se acentuar com o governo de Thabo Mbeki. Nesta fase, Mandela contou com a importante ajuda dos Estados da Linha de Frente e da Organização da Unidade Africana (OUA). Houve, outrossim, uma maior participação da África do Sul em iniciativas de promoção de paz no restante do continente, apresentando uma agenda que priorizava a África. Dentro dessa perspectiva, a África do Sul já participou desde 1994 de diversas comitivas de negociações, como em Angola e em Moçambique, e já enviou tropas para missões de paz para alguns países, como para a RD Congo, o Lesoto, o Burundi e a Etiópia.

Outro passo de extrema importância foi a entrada da África do Sul na South African Development Community (SADC) . Esse fato marcou o novo delineamento da política sul-africana e da sua nova postura frente aos vizinhos, que viria a ser de cooperação e de parceria. Ainda assim, o novo bloco herdou algumas assimetrias do período anterior, principalmente devido à magnitude da economia sul-africana frente a dos outros países. O processo de democratização, então, impulsionou a integração regional, que contava ainda com algumas heranças importantes do período colonial, como a integração infraestrutural (PEREIRA, 2012). Alguns países da SADC (África do Sul, Namíbia, Botsuana, Lesoto e Suazilândia) são integrantes da União Aduaneira da África Austral (SACU).

Como mencionado, então, a ascensão de Mbeki ao poder levou ao fortalecimento da diplomacia presidencial. Mbeki pode ser enquadrado na segunda geração de nacionalistas africanos, cujas principais pautas eram a igualdade racial e uma ordem global mais justa (HABIB, 2013). Essa segunda geração é marcada, também, por um maior realismo, no sentido de admitir os problemas que os países africanos enfrentavam, e ver como única saída mudanças nas relações de poder a nível global. Foi no seu governo que o país se consolidou como líder regional. Sua política pode ser caracterizada como pragmática e foi marcada pela tentativa de desenvolvimento de mecanismos e alianças que aumentassem a influência e o poder dos países do Sul, que compartilham da mesma agenda que a África do Sul. As lutas de libertação nacional, então, eram pautas prioritárias, sendo a África do Sul um dos principais apoiadores do Estado Palestino. Mbeki também se mostrou contra a invasão do Iraque pelos EUA. Além disso, o então presidente foi essencial para a criação do IBAS, buscou manter as relações com os países desenvolvidos e em desenvolvimento, estratégia que fazia parte do que ele denominou de Agenda Africana, além de ter sido importante na transição da OUA

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(Organização da Unidade Africana) para UA (União Africana) e na criação da NEPAD (New Partnership for Africa´sDevelopment).

Mbeki também teve um papel importante em divulgar as agendas de interesse africano em alguns órgãos internacionais, com destaque para a ONU e o FMI, principalmente a questão do cancelamento dos débitos dos países mais pobres. Além disso, neste período, houve início de investimento sul-africano no continente de maneira significativa, tanto corporativo quanto governamental, sendo a África do Sul hoje o segundo país em desenvolvimento que mais investe no continente, ficando atrás somente da China. Ainda assim, Mbeki foi fortemente criticado pelos defensores dos diretos humanos, que alegavam que suas ações refletiam pouca preocupação com essa pauta. Exemplo disso foi o papel do presidente como negociador junto ao Robert Mugabe, presidente do Zimbábue, que estava sendo acusado de não respeitar os direitos humanos, em especial dos cidadãos brancos residentes no país, durante o processo de reforma agrária. Ainda assim, vale lembrar que Mbeki pautou-se na manutenção da soberania dos países para guiar suas decisões, assim como na busca por uma solução africana para problemas africanos, havendo sido encontrada uma solução política no âmbito da SADC. Além disso, seu governo sediou duas conferências da ONU, a Conferência do Racismo, da Discriminação Racial, da Xenofobia e da Intolerância Correlata e a Cúpula da Terra, atestando o protagonismo sul-africano.

Segundo Habib, o governo sucessor, liderado por Jacob Zuma, manteve a estratégia de Mbeki para a política externa, ainda que algumas diferenças possam ser delineadas dentro da continuidade. A primeira delas é o fato de Zuma não exercer uma diplomacia presidencial tão ativa, dando maior liberdade ao Ministério das Relações Internacionais e Cooperação. Assim, a Ministro das Relações Exteriores, Maite Nkoana-Mashabane, ganhou maior proeminência. Pode-se destacar, também, uma maior preocupação de Zuma em agradar a comunidade dos direitos humanos. Esse perfil mostrou-se quando ocorreu a crise da Líbia em 2011 , em que a África do Sul tomou a posição mais controversa de sua política externa recente. A polêmica ocorreu após a aprovação da África do Sul da Resolução 1973 da ONU, a qual autorizava qualquer meio necessário para a proteção de civis, instituía uma zona de exclusão aérea e pregava por esforços para uma resolução política dos conflitos na Líbia. Essa ação fugiu da práxis política sul-africana, uma vez que a política externa tem o costume de resolver conflitos deste perfil no âmbito da União Africana.

A participação da África do Sul em outros órgãos internacionais também é digno de destaque. A União Africana (UA), com sua proposta de integração

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(Organização da Unidade Africana) para UA (União Africana) e na criação da NEPAD (New Partnership for Africa´sDevelopment).

Mbeki também teve um papel importante em divulgar as agendas de interesse africano em alguns órgãos internacionais, com destaque para a ONU e o FMI, principalmente a questão do cancelamento dos débitos dos países mais pobres. Além disso, neste período, houve início de investimento sul-africano no continente de maneira significativa, tanto corporativo quanto governamental, sendo a África do Sul hoje o segundo país em desenvolvimento que mais investe no continente, ficando atrás somente da China. Ainda assim, Mbeki foi fortemente criticado pelos defensores dos diretos humanos, que alegavam que suas ações refletiam pouca preocupação com essa pauta. Exemplo disso foi o papel do presidente como negociador junto ao Robert Mugabe, presidente do Zimbábue, que estava sendo acusado de não respeitar os direitos humanos, em especial dos cidadãos brancos residentes no país, durante o processo de reforma agrária. Ainda assim, vale lembrar que Mbeki pautou-se na manutenção da soberania dos países para guiar suas decisões, assim como na busca por uma solução africana para problemas africanos, havendo sido encontrada uma solução política no âmbito da SADC. Além disso, seu governo sediou duas conferências da ONU, a Conferência do Racismo, da Discriminação Racial, da Xenofobia e da Intolerância Correlata e a Cúpula da Terra, atestando o protagonismo sul-africano.

Segundo Habib, o governo sucessor, liderado por Jacob Zuma, manteve a estratégia de Mbeki para a política externa, ainda que algumas diferenças possam ser delineadas dentro da continuidade. A primeira delas é o fato de Zuma não exercer uma diplomacia presidencial tão ativa, dando maior liberdade ao Ministério das Relações Internacionais e Cooperação. Assim, a Ministro das Relações Exteriores, Maite Nkoana-Mashabane, ganhou maior proeminência. Pode-se destacar, também, uma maior preocupação de Zuma em agradar a comunidade dos direitos humanos. Esse perfil mostrou-se quando ocorreu a crise da Líbia em 2011 , em que a África do Sul tomou a posição mais controversa de sua política externa recente. A polêmica ocorreu após a aprovação da África do Sul da Resolução 1973 da ONU, a qual autorizava qualquer meio necessário para a proteção de civis, instituía uma zona de exclusão aérea e pregava por esforços para uma resolução política dos conflitos na Líbia. Essa ação fugiu da práxis política sul-africana, uma vez que a política externa tem o costume de resolver conflitos deste perfil no âmbito da União Africana.

A participação da África do Sul em outros órgãos internacionais também é digno de destaque. A União Africana (UA), com sua proposta de integração

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continental, pode ser considerada um dos mecanismos de promoção do renascimento africano, além de incentivar o panafricanismo e o desenvolvimento. Outra iniciativa no âmbito continental da qual o país faz parte é a New Partnership for Africa´s Development (NEPAD) que intenta promover desenvolvimento socioeconômico, tendo como base a autoconfiança do continente e o crescimento integrado, em uma marcha para a desmarginalização da África. O grupo propõe uma nova dinâmica para o desenvolvimento, estabelecendo uma barganha com o Ocidente: promove práticas políticas e econômicas em troca de ajuda internacional e de investimentos (VISENTINI, 2010).

A África do Sul também é o único membro africano do G-20, onde defende as pautas do crescimento econômico, da criação de empregos, da importância da preocupação com desafios nas áreas sociais e da segurança alimentar, além de contestar uma cadeira no Conselho Executivo do FMI (QOBO & DUBE, 2011). O país tem papel ativo na Organização das Nações Unidas (ONU), onde já serviu duas vezes como membro rotatório do Conselho de Segurança. Nestas ocasiões, condenou as sanções ao Irã, a Mianmar, ao Sudão e ao Zimbábue, sempre utilizando o princípio da soberania dos países em questão para embasar suas decisões e a falta de equidade das deliberações por parte dos países hegemônicos, que tendem a ter padrões diferentes para os seus países aliados. Ademais, defende a posição da UA para que se estabeleça representação paritária dos continentes no Conselho de Segurança (HABIB, 2013), tendo como meta se tornar um membro do Conselho.

A política externa da África do Sul caracteriza-se, também, pela defesa enfática dos mecanismos de cooperação sul-sul. Primeiramente, pode-se mencionar o IBAS, um grupo composto por Brasil, Índia e África do Sul. O IBAS foi formado em 2003, com o intuito de ser um mecanismo de coordenação entre os três países emergentes tendo em vista a construção de uma ordem internacional mais justa para os países do Sul.

Outra iniciativa neste sentido é os BRICS, bloco que coordena Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A África do Sul entrou no bloco em 2011, já em sua terceira cúpula, sendo o último integrante do mesmo. Houve muitas críticas com a entrada do país no bloco, uma vez que este era composto pelas grandes economias emergentes do mundo, as quais a economia sul-africana estava aquém. Ainda assim, seu ingresso teve um caráter muito mais político, fazendo com que o bloco se tornasse verdadeiramente global com a inserção de um país africano. Além disso, a entrada da África Sul delineou a identidade dos BRICS, que não se limitaria ao que os mercados esperavam (HSU, 2011). As prioridades do país são a construção de infraestrutura no continente africano,

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construção de suporte para a integração regional tendo como objetivo a promoção de desenvolvimento industrial e comércio transfronteiriço, além do aumento da capacidade de barganha do país no sistema internacional (QOBO & DUBE, 2011). A recente criação do Banco dos BRICS também foi um passo importante, tanto para os países do bloco como para todo o continente africano, uma vez que tem o potencial de representar um rompimento com a ordem financeira internacional vigente, que tanto prejudicou estes países ao longo dos anos, principalmente devido à crise da dívida.

Por fim, vale ressaltar o aprofundamento das relações bilaterais com a China. Logo ao término da Apartheid, as relações com Taiwan foram rompidas e houve uma aproximação com os chineses. Hoje, com os laços cada vez mais estreitos, a relação com a China é utilizada para balancear as relações com os EUA e outros países ocidentais, o que confere maior poder de barganha ao país. Além das questões políticas, a China é um parceiro comercial muito importante para a África do Sul, tendo tornado-se seu principal parceiro econômico.

5 CONCLUSÃO A África do Sul tem um histórico de superação. A derrota do regime segregacionista do apartheid na década de 1990 foi uma das principais e derradeiras vitórias dos movimentos de libertação do século XX, e Nelson Mandela, seu grande nome, está marcado na história africana como um dos principais líderes da luta contra o racismo. A conquista da democracia sul-africana exigiu uma árdua batalha por parte da população, e a África do Sul de hoje caminha em direção a uma sociedade cada vez mais justa e inclusiva. Entretanto, a conquista da democracia política não tem se mostrado suficiente: ainda que políticas públicas e sociais busquem integrar os negros plenamente na economia sul-africana, os índices de pobreza e de desigualdade do país continuam alarmantes. Em grande medida, isto se deve às estruturas econômicas herdadas do apartheid, pois a maioria delas não foram alteradas: o poder econômico ainda está concentrado nas mãos da minoria branca.

Quanto à política externa sul-africana, percebe-se uma grande mudança após o apartheid, com um claro adensamento da cooperação sul-sul e o foco voltado para os países africanos, com participação ativa nas diversas iniciativas de integração. Esse perfil, somado à sua pujante economia, fez com que a África do Sul se tornasse uma liderança no continente africano e conseguisse levar as pautas do mesmo para alguns fóruns internacionais. A entrada nos BRICS, então, tem grande importância para o país por permitir a projeção de seus interesses e a afirmação de seu status como país emergente

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construção de suporte para a integração regional tendo como objetivo a promoção de desenvolvimento industrial e comércio transfronteiriço, além do aumento da capacidade de barganha do país no sistema internacional (QOBO & DUBE, 2011). A recente criação do Banco dos BRICS também foi um passo importante, tanto para os países do bloco como para todo o continente africano, uma vez que tem o potencial de representar um rompimento com a ordem financeira internacional vigente, que tanto prejudicou estes países ao longo dos anos, principalmente devido à crise da dívida.

Por fim, vale ressaltar o aprofundamento das relações bilaterais com a China. Logo ao término da Apartheid, as relações com Taiwan foram rompidas e houve uma aproximação com os chineses. Hoje, com os laços cada vez mais estreitos, a relação com a China é utilizada para balancear as relações com os EUA e outros países ocidentais, o que confere maior poder de barganha ao país. Além das questões políticas, a China é um parceiro comercial muito importante para a África do Sul, tendo tornado-se seu principal parceiro econômico.

5 CONCLUSÃO A África do Sul tem um histórico de superação. A derrota do regime segregacionista do apartheid na década de 1990 foi uma das principais e derradeiras vitórias dos movimentos de libertação do século XX, e Nelson Mandela, seu grande nome, está marcado na história africana como um dos principais líderes da luta contra o racismo. A conquista da democracia sul-africana exigiu uma árdua batalha por parte da população, e a África do Sul de hoje caminha em direção a uma sociedade cada vez mais justa e inclusiva. Entretanto, a conquista da democracia política não tem se mostrado suficiente: ainda que políticas públicas e sociais busquem integrar os negros plenamente na economia sul-africana, os índices de pobreza e de desigualdade do país continuam alarmantes. Em grande medida, isto se deve às estruturas econômicas herdadas do apartheid, pois a maioria delas não foram alteradas: o poder econômico ainda está concentrado nas mãos da minoria branca.

Quanto à política externa sul-africana, percebe-se uma grande mudança após o apartheid, com um claro adensamento da cooperação sul-sul e o foco voltado para os países africanos, com participação ativa nas diversas iniciativas de integração. Esse perfil, somado à sua pujante economia, fez com que a África do Sul se tornasse uma liderança no continente africano e conseguisse levar as pautas do mesmo para alguns fóruns internacionais. A entrada nos BRICS, então, tem grande importância para o país por permitir a projeção de seus interesses e a afirmação de seu status como país emergente

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com influência na ordem internacional. Sua atuação no G-20 vai ao encontro dessa ideia. Vale destacar, no entanto, que a política externa da África do Sul, apesar dos diversos pontos de continuidade entre os últimos três governos, apresenta hoje, com Jacob Zuma, uma mudança tênue de perfil com menos proeminência da figura do presidente da República nas decisões da agenda externa.

ABSTRACT This article seeks to understand South Africa´s social, political and economic reality, as well as its contemporary foreign policy. First, a historical analysis is carried out, permeating the segregationist regime of Apartheid. Hereafter, we try to show the main political and social dynamics of the South African state, highlighting the legacy of Apartheid. Finally, an analysis of the country´s contemporary foreign policy is presented and the role of South Africa in BRICS and Africa.

Keywords: South Africa; Apartheid; foreign policy.

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REFERÊNCIAS BRAGA, Pablo de Rezende Saturnino. A rede de ativismo transnacional contra o apartheid na África do Sul. Brasília: FUNAG, 2011.

DATHEIN, Ricardo. Economia da África do Sul: a convivência entre o moderno e o atraso ou os desafios do rompimento com as estruturas sociais determinadas pela história. In: VISENTINI, Paulo G. Fagundes; PEREIRA, Analúcia Danilevicz. África do Sul: História, Estado e Sociedade. Brasília: FUNAG/CESUL, 2010. p. 99-118.

DICKOVICK, J. Tyler. Africa. The World Today Series – 2013. Lanha/MDm: Stryker-Post, 2013.

HABIB, Adam. South Africa´s Suspended Revolution: Hopes and Prospects. Joanesburgo: Wits University Press, 2013.

HSU, Robert. South Africa the Next Emerging Market Powerhouse?2011. Disponível em: <http://investorplace.com/investorpolitics/emerging-market-south-africa-included-in-bric-summit/#.VHcpSovF9Y6>. Acesso em: 20 out. 2014.

LAHIFF, Edward; LI, Guo. Land Redistribution in South Africa: A Critical Review. World Bank, 28 maio 2012.

PEREIRA, Analúcia Danilevicz. A Revolução Sul-Africana. São Paulo: Unesp, 2012.

______. A África do Sul independente: segregação, Apartheid e transição pactuada (1910-1994). In: VISENTINI, Paulo G. Fagundes; PEREIRA, AnalúciaDanilevicz. África do Sul: História, Estado e Sociedade. Brasília: FUNAG/CESUL, 2010. p. 35-64.

______. A África do Sul pós-apartheid: limites e possibilidades de uma potência emergente. In: VISENTINI et al. Brics: as potências emergentes: China, Rússia, Índia, Brasil e África do Sul. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 163-198.

QOBO, Mzukisi; DUBE, Memory. The Burdens of Multilateral Engagement and Club Diplomacy for MiddleIncome Countries: The Case of South Africa in the Brics and the G-20. 2012. Disponível em: <http://www.saiia.org.za/occasional-papers/the-burdens-of-multilateral-engagement-and-club-diplomacy-for-middle-income-countries-the-case-of-south-africa-in-the-brics-and-the-g-20>. Acesso em: 15 out. 2014.

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REFERÊNCIAS BRAGA, Pablo de Rezende Saturnino. A rede de ativismo transnacional contra o apartheid na África do Sul. Brasília: FUNAG, 2011.

DATHEIN, Ricardo. Economia da África do Sul: a convivência entre o moderno e o atraso ou os desafios do rompimento com as estruturas sociais determinadas pela história. In: VISENTINI, Paulo G. Fagundes; PEREIRA, Analúcia Danilevicz. África do Sul: História, Estado e Sociedade. Brasília: FUNAG/CESUL, 2010. p. 99-118.

DICKOVICK, J. Tyler. Africa. The World Today Series – 2013. Lanha/MDm: Stryker-Post, 2013.

HABIB, Adam. South Africa´s Suspended Revolution: Hopes and Prospects. Joanesburgo: Wits University Press, 2013.

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QOBO, Mzukisi; DUBE, Memory. The Burdens of Multilateral Engagement and Club Diplomacy for MiddleIncome Countries: The Case of South Africa in the Brics and the G-20. 2012. Disponível em: <http://www.saiia.org.za/occasional-papers/the-burdens-of-multilateral-engagement-and-club-diplomacy-for-middle-income-countries-the-case-of-south-africa-in-the-brics-and-the-g-20>. Acesso em: 15 out. 2014.

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RIBEIRO, Luiz Dario Teixeira & VISENTINI, Paulo Fagundes. O sul da África: das origens à “descolonização branca” (até 1910). In: VISENTINI, Paulo G. Fagundes; PEREIRA, Analúcia Danilevicz. África do Sul: História, Estado e Sociedade. Brasília: FUNAG/CESUL, 2010. p. 17-34

STATISTIC SOUTH AFRICA. Quarterly Labour Force Survey. Statistical Release, Pretória/tshwane, v. 4, n. 25, p. 1-2, jul. 2014.

VISENTINI, Paulo. A África na política internacional: o sistema interafricano e sua inserção mundial.Curtiba: Jurubá, 2010.

VISENTINI, Paulo G. Fagundes; PEREIRA, Analúcia Danilevicz. A nova África do Sul: política, diplomacia e sociedade (1994-2010). In: VISENTINI, Paulo G. Fagundes; PEREIRA, Analúcia Danilevicz. África do Sul: História, Estado e Sociedade. Brasília: FUNAG/CESUL, 2010. p. 17-34

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TEXTOS COMPLEMENTARES

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE) ISSN: 2318-9390 | V. 2, 2015 | P. 157–169

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ESTRUTURA DOMÉSTICA E POLÍTICA DOS BRICS

DOMESTIC AND POLITICAL STRUCTURE OF THE BRICS

Thaís Jesinski Batista1

RESUMO A análise da estrutura doméstica e política dos BRICS ajuda a entender como cada um dos cinco países se destaca no atual cenário internacional, e também como África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia podem ser agrupados em um único bloco, devido as características que os destacam em suas respectivas regiões.

Palavras-chave: BRICS; estrutura doméstica; estrutura política.

1 INTRODUÇÃO Os BRICS podem ser colocados no mesmo grupo devido ao seu papel no cenário internacional atual, mas é importante compará-los em diversos aspectos para traçar semelhanças e diferenças entre os cinco países. Assim, nesse apêndice, se propõe analisar aspectos geográficos, sociais, demográficos, de saúde, de educação e políticos dos BRICS, a fim de traçar as características comuns e incomuns de África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia.

2 GEOGRAFIA Os países que compõem os BRICS se destacam em suas regiões: África do Sul no continente africano, Brasil na América do Sul, China e Índia no Sudeste Asiático e Rússia no norte da Ásia.

1 Graduanda em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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País Bandeira Mapa

África do Sul

Brasil

China

Índia

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País Bandeira Mapa

África do Sul

Brasil

China

Índia

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Rússia

Rússia, China e Brasil, três dos cinco países dos BRICS, estão entre os maiores países em extensão territorial do mundo, sendo que a Rússia fica em primeiro lugar nessa categoria. Quanto às fronteiras, é interessante analisar que China, Índia e Rússia compartilham fronteiras, mas que as tensões históricas existentes nessas regiões vêm se dissipando (em 2014 houve um acordo entre China e Índia, por exemplo, resolvendo uma disputa territorial).

País Área Fronteiras

África do Sul

1,219,090 km2 2,798 km (Oceano Atlântico e Índico) e 4,862 km (Botsuana, Lesoto, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Zimbabué)

Brasil 8,514,877 km2 7,491 km (Oceano Atlântico) e 16,145 km (Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana Francesa, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai, Venezuela).

China 9,596,961 km2

14,500 km (Oceano Pacífico) e 22,117 km (Afeganistão, Butão, Birmânia, Índia, Cazaquistão, Coréia do Norte, Quirguistão, Laos, Mongólia, Nepal, Paquistão, Rússia, Tadjiquistão, Vietnã).

Índia 3,287,263 km2 7,000 km (Oceano Índico) e 13,888 km (Bangladesh, Butão, Birmânia, China, Nepal, Paquistão)

Rússia 17,098,242 km2

37,653 km (Oceano Ártico e Pacífico) e 20,241.5 km (Azerbaijão, Bielorrússia, China, Estônia, Finlândia, Geórgia, Cazaquistão, Coréia do Norte, Letónia, Lituânia, Mongólia, Noruega, Polônia, Ucrânia)

3 SOCIEDADE Todos os países dos BRICS possuem culturas muito diferentes umas das outras, seja na língua oficial (ou línguas – na África do Sul e na Índia tem-se mais de uma língua oficial) ou nas religiões praticadas.

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País Língua Oficial Religião

África do Sul

As línguas mais usadas são IsiZulu, IsiXhosa, Africâner e Inglês. Além dessas, há mais 7 línguas oficiais.

A religião mais praticada é o cristianismo protestante, seguida por católicos e muçulmanos.

Brasil Português

A religião mais praticada é a católica, porém protestantes também representam uma boa parte da população.

China Mandarim A maioria da população é Taoista ou Budista.

Índia Inglês e Hindu. Há mais 14 línguas oficiais.

Hindu é a principal religião e uma pequena parte da população é muçulmana.

Rússia Russo A religião mais praticada é a Ortodoxa, mas a população russa apresenta baixos níveis de religiosidade.

4 DEMOGRAFIA A China é o país mais populoso do mundo, seguida pela Índia e pelos Estados Unidos. O Brasil fica em 5º lugar nesse ranking e a Rússia em 10º. Analisando o crescimento populacional dos países dos BRICS, nota-se que África do Sul e Rússia apresentam crescimentos negativos, demonstrando que a tendência nesses países é o envelhecimento da população. Outro número que merece destaque é o crescimento populacional da Índia, que, diferente dos outros BRICS, apresenta um crescimento de 1.25%. Isso indica que sua população, já a segunda maior do mundo, continuará a crescer e até superar a população chinesa.

Ao analisar a população de um país, é interessante observar a pirâmide etária. Uma pirâmide etária mostra a composição de um país, dividindo a população por sexo e idade. Através dela, conseguimos determinar o perfil da população e tendências para o país. As pirâmides com a base larga e o topo estreito são normalmente atribuídas a países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, pois estes ainda apresentam a população jovem maior que a população adulta ou idosa (devido a altas taxas de fecundidade e baixa expectativa de vida). Já uma pirâmide com o meio maior que a base ou o topo é normalmente atribuída a países em desenvolvimento ou desenvolvidos, nos quais a maior parte da população é adulta e está em idade produtiva (nesse momento as taxas de crescimento populacional começam a se aproximar do zero ou até se tornam negativas). A pirâmide como topo mais largo que o

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País Língua Oficial Religião

África do Sul

As línguas mais usadas são IsiZulu, IsiXhosa, Africâner e Inglês. Além dessas, há mais 7 línguas oficiais.

A religião mais praticada é o cristianismo protestante, seguida por católicos e muçulmanos.

Brasil Português

A religião mais praticada é a católica, porém protestantes também representam uma boa parte da população.

China Mandarim A maioria da população é Taoista ou Budista.

Índia Inglês e Hindu. Há mais 14 línguas oficiais.

Hindu é a principal religião e uma pequena parte da população é muçulmana.

Rússia Russo A religião mais praticada é a Ortodoxa, mas a população russa apresenta baixos níveis de religiosidade.

4 DEMOGRAFIA A China é o país mais populoso do mundo, seguida pela Índia e pelos Estados Unidos. O Brasil fica em 5º lugar nesse ranking e a Rússia em 10º. Analisando o crescimento populacional dos países dos BRICS, nota-se que África do Sul e Rússia apresentam crescimentos negativos, demonstrando que a tendência nesses países é o envelhecimento da população. Outro número que merece destaque é o crescimento populacional da Índia, que, diferente dos outros BRICS, apresenta um crescimento de 1.25%. Isso indica que sua população, já a segunda maior do mundo, continuará a crescer e até superar a população chinesa.

Ao analisar a população de um país, é interessante observar a pirâmide etária. Uma pirâmide etária mostra a composição de um país, dividindo a população por sexo e idade. Através dela, conseguimos determinar o perfil da população e tendências para o país. As pirâmides com a base larga e o topo estreito são normalmente atribuídas a países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, pois estes ainda apresentam a população jovem maior que a população adulta ou idosa (devido a altas taxas de fecundidade e baixa expectativa de vida). Já uma pirâmide com o meio maior que a base ou o topo é normalmente atribuída a países em desenvolvimento ou desenvolvidos, nos quais a maior parte da população é adulta e está em idade produtiva (nesse momento as taxas de crescimento populacional começam a se aproximar do zero ou até se tornam negativas). A pirâmide como topo mais largo que o

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meio e a base indica um país já desenvolvido, com a maior parte da população idosa (o índice da expectativa de vida nesses casos é bem alto).

Analisando as pirâmides etárias dos BRICS, nota-se que China e Rússia já apresentam pirâmides etárias de países desenvolvidos e; que as pirâmides de África do Sul e de Brasil tem a tendência a se tornarem mais largas no meio, tornando-se parecidas com pirâmides de países desenvolvidos. A pirâmide etária da Índia se diferencia das demais, pois sua base é mais larga em relação a seus outros pontos, assemelhando-se a pirâmides de países subdesenvolvidos.

País População (2014)

Crescimento Populacional (2014)

Pirâmide Etária

África do Sul

48,375,645 - 0.48%

Brasil 202,656,788 0.8%

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País População (2014)

Crescimento Populacional (2014)

Pirâmide Etária

China 1,349,585,838 0.46%

Índia 1,236,344,631 1.25%

Rússia 142,500,482 -0.02%

A densidade demográfica mostra o quanto um país é povoado. Analisando as taxas de densidade demográfica dos países dos BRICS, pode-se perceber que a Índia tem uma densidade muito maior que os outros países, o que demonstra que sua população é muito grande para um território não tão grande assim. Os níveis de população urbana são importantes, pois indicam a quantidade de população que vive em cidades e que se dedicam a atividades

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País População (2014)

Crescimento Populacional (2014)

Pirâmide Etária

China 1,349,585,838 0.46%

Índia 1,236,344,631 1.25%

Rússia 142,500,482 -0.02%

A densidade demográfica mostra o quanto um país é povoado. Analisando as taxas de densidade demográfica dos países dos BRICS, pode-se perceber que a Índia tem uma densidade muito maior que os outros países, o que demonstra que sua população é muito grande para um território não tão grande assim. Os níveis de população urbana são importantes, pois indicam a quantidade de população que vive em cidades e que se dedicam a atividades

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de serviços ou da indústria. Nota-se que o único país dos BRICS a ter uma população majoritariamente rural é a Índia.

País Densidade Demográfica (2014) População Urbana (2011) África do Sul 39.68 62% Brasil 23,80 84.6% China 141,02 50.6% Índia 376,10 31.3% Rússia 8,33 73.8%

Os indicadores de mortalidade infantil, expectativa de vida e fecundidade são importantes para demonstrar as condições de educação e de saúde da população, além de indicar se a população terá tendências de crescimento ou de decrescimento. Uma maior mortalidade infantil, menor expectativa de vida e maior taxa de fecundidade normalmente são atribuídas a países menos desenvolvidos, com condições de saúde mais precárias e com uma população menos instruída. Analisando-se os indicados dos BRICS, percebe-se que África do Sul e Índia tem grandes taxas de fecundidade e de mortes de recém nascidos, e que a África do Sul se destaca por ter uma expectativa de vida consideravelmente menor que o resto dos países dos BRICS.

País Mortalidade Infantil (2014)

Expectativa de Vida (2014)

Taxa de Fecundidade (2014)

África do Sul

41.61 49.56 anos 2.23

Brasil 19.21 73.28 anos 1.79 China 15.2 74.99 anos 1.55 Índia 43.19 67.8 anos 2.51 Rússia 7.19 69.85 anos 1.61

5 SAÚDE Levando em conta dois indicadores de doenças (HIV e Obesidade) percebe-se que a África do Sul tem os níveis mais altos em ambos os problemas.

País Taxa de contaminação por HIV: Obesidade (2008) África do Sul 17.9% (2012) 31.3 % Brasil Indisponível 18.8 % China 0.1% (2012) 5.7% Índia 0.3% (2012) 1.9 %

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País Taxa de contaminação por HIV: Obesidade (2008) Rússia 1% (2009) 26.5%

6 EDUCAÇÃO Analisando-se os índices de analfabetismo (pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever) dos BRICS, a Índia volta a destacar-se negativamente apresentando um alto índice de analfabetismo. Entre as razões desse alto índice está a pobreza da população, a dificuldade de acesso às escolas e também a discriminação que as mulheres sofrem, o que as leva a abandonar os estudos.

País Analfabetismo**(2006) África do Sul 12,4% Brasil 10,5% China 7,1% Índia 39,4% Rússia 0,6%

7 POLÍTICA Analisando-se o sistema político dos BRICS, nota-se grande diferença

entre eles. Merece destaque o sistema político da China, que se mantém como um Estado comunista. Quanto às datas de independência, todos os BRICS têm histórias distintas: O Brasil foi colônia de Portugal até 1822, quando conquistou a independência; A Índia foi colônia britânica até 1947; A China passou por uma Revolução em 1949, que instituiu a República Popular da China; A África do Sul se tornou independente do Reino Unido em 1961; e a Rússia se tornou uma federação com o fim da União Soviética em 1991.

País Natureza do Estado Independência África do Sul República 31 de maio de 1961 Brasil República Federativa 7 de setembro de 1822 China Estado Comunista 1º de outubro de 1949 Índia República Federativa 15 de agosto de 1947 Rússia Federação 24 de agosto de 1991

A estrutura política dos BRICS se assemelha no fato de que o sufrágio é universal em todos os países. As eleições do Executivo, no entanto, ocorrem de modo diferente em cada país:

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164 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

País Taxa de contaminação por HIV: Obesidade (2008) Rússia 1% (2009) 26.5%

6 EDUCAÇÃO Analisando-se os índices de analfabetismo (pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever) dos BRICS, a Índia volta a destacar-se negativamente apresentando um alto índice de analfabetismo. Entre as razões desse alto índice está a pobreza da população, a dificuldade de acesso às escolas e também a discriminação que as mulheres sofrem, o que as leva a abandonar os estudos.

País Analfabetismo**(2006) África do Sul 12,4% Brasil 10,5% China 7,1% Índia 39,4% Rússia 0,6%

7 POLÍTICA Analisando-se o sistema político dos BRICS, nota-se grande diferença

entre eles. Merece destaque o sistema político da China, que se mantém como um Estado comunista. Quanto às datas de independência, todos os BRICS têm histórias distintas: O Brasil foi colônia de Portugal até 1822, quando conquistou a independência; A Índia foi colônia britânica até 1947; A China passou por uma Revolução em 1949, que instituiu a República Popular da China; A África do Sul se tornou independente do Reino Unido em 1961; e a Rússia se tornou uma federação com o fim da União Soviética em 1991.

País Natureza do Estado Independência África do Sul República 31 de maio de 1961 Brasil República Federativa 7 de setembro de 1822 China Estado Comunista 1º de outubro de 1949 Índia República Federativa 15 de agosto de 1947 Rússia Federação 24 de agosto de 1991

A estrutura política dos BRICS se assemelha no fato de que o sufrágio é universal em todos os países. As eleições do Executivo, no entanto, ocorrem de modo diferente em cada país:

ESTRUTURA DOMÉSTICA E POLÍTICA DOS BRICS 165

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

– Na África do Sul o presidente, que é chefe de Estado e de governo, é eleito pela Assembleia Nacional para um mandato de cinco anos (passível de reeleição). Na última eleição (maio de 2014) o presidente Jacob Zuma foi reeleito.

– No Brasil o presidente, que é chefe de Estado e de governo, é eleito por voto popular para um mandato de quatro anos (passível de reeleição). Na última eleição (outubro de 2014) a presidente Dilma Rousseff foi reeleita.

– Na China o presidente, que é chefe de Estado, é eleito pelo Congresso Popular Nacional para um mandato de cinco anos (passível de reeleição). O primeiro ministro, que é chefe de governo, é nomeado pelo presidente e confirmado pelo Congresso Popular Nacional. Na última eleição (março de 2013) o presidente Xi Jinping foi eleito.

– Na Índia o presidente, que é chefe de Estado, é eleito por um colégio eleitoral (que consiste em membros eleitos das duas casas do Parlamento) para um mandato de cinco anos (passível de reeleição). O primeiro ministro, que é chefe de governo, é escolhido por membros parlamentares do partido que detém a maioria. Na última eleição (julho de 2012) o presidente Pranab Mukherjee foi eleito.

– Na Rússia o presidente, que é chefe de Estado, é eleito por voto popular para um mandato de seis anos (passível de reeleição). O primeiro ministro, que é chefe de governo, é indicado pelo presidente com a aprovação da Duma (Parlamento russo, equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil). Na última eleição (março de 2012) o presidente Vladimir Putin foi eleito e o primeiro ministro Dmitriy Medvedev foi aprovado pela Duma.

País Chefe de Estado Chefe de Governo África do Sul

Presidente Jacob Zuma (09/05/09) Presidente Jacob Zuma (09/05/09)

Brasil Presidente Dilma Rousseff (1º/01/11)

Presidente Dilma Rousseff (1º/01/11)

China Presidente Xi Jinping (14/03/13) Primeiro ministro Li Keqiang (16/03/13)

Índia Presidente Pranab Mukherjee (22/07/12)

Primeiro Ministro Narendra Modi (26/05/14)

Rússia Presidente Vladimir Vladimirovich Putin (07/05/2012)

Primeiro Ministro Dmitriy Anatolyevich Medvedev (08/05/12)

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166 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

País Ministro das Relações Exteriores Ministro da Defesa África do Sul Maite Nkoana-Mashabane Nosiviwe Mapisa-Nqakula Brasil Mauro Vieira Jacques Wagner China Wang Yi Chang Wanquan Índia Sushma Swaraj Manohar Parrikar Rússia Sergey Viktorovich Lavrov Sergei Shoigu

Os sistemas legislativos dos BRICS também são diferentes uns dos outros, e estão organizados da seguinte forma:

– Na África do Sul a Assembleia Nacional é atualmente composta majoritariamente pelos partidos “African National Congress” (ANC), o partido do presidente Jacob Zuma, com 62,2% dos assentos; “Democratic Alliance” (DA), cujo líder é Helen Zille, com 22,2% dos assentos; e “Economic Freedom Fighters” (EFF), cujo líder é Julius Malema, com 6,4% dos assentos.

– No Brasil o Senado Federal é atualmente composto majoritariamente pelos partidos “Partido do Movimento Democrático Brasileiro” (PMDB), cujo líder é Michel Temer, com 18 assentos; “Partido dos Trabalhadores” (PT), partido da presidente Dilma Rousseff, com 12 assentos; e “Partido Social Democrata do Brasil” (PSDB), cujo líder é Aécio Neves, com 10 assentos. A Câmara de Deputados é atualmente composta majoritariamente pelos partidos PT com 70 assentos; PMDB com 66 assentos; e PSDB com 54 assentos.

– Na China existe apenas um partido com representação política, que é o Partido Comunista Chinês, porém, internamente ao partido, existem diferentes correntes políticas.

– Na Índia a Assembleia Nacional é atualmente composta majoritariamente pelos partidos “Bharatiya Janata Party” (BJP), o partido do primeiro ministro Narendra Modi, com 282 assentos; “Indian National Congress” (INC), o partido de Sonia Gandhi, com 44 assentos; “All India Anna Dravida Munnetra Kazhagam” (AIADMK), o partido de J. Jayalalithaa, com 37 assentos; e “AllIndia Trinamool Congress” (AITC), o partido de Mamata Banerjee, com 34 assentos.

– Na Rússia a Assembleia Federal é atualmente composta majoritariamente pelos partidos “United Russia”, o partido do presidente Vladmir Putin, com 49.6% dos assentos; “Communist Party of the Russian Federation” (CPRF), de Gennadiy Zyuganov, com 19.2% dos assentos; “A Just Russia”, de Sergey Mironov, com 13.2% dos assentos; e “Liberal Democratic Party of Russia” (LDPR), de Vladimir Zhirinovskiy, com 11.7% doas assentos.

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166 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

País Ministro das Relações Exteriores Ministro da Defesa África do Sul Maite Nkoana-Mashabane Nosiviwe Mapisa-Nqakula Brasil Mauro Vieira Jacques Wagner China Wang Yi Chang Wanquan Índia Sushma Swaraj Manohar Parrikar Rússia Sergey Viktorovich Lavrov Sergei Shoigu

Os sistemas legislativos dos BRICS também são diferentes uns dos outros, e estão organizados da seguinte forma:

– Na África do Sul a Assembleia Nacional é atualmente composta majoritariamente pelos partidos “African National Congress” (ANC), o partido do presidente Jacob Zuma, com 62,2% dos assentos; “Democratic Alliance” (DA), cujo líder é Helen Zille, com 22,2% dos assentos; e “Economic Freedom Fighters” (EFF), cujo líder é Julius Malema, com 6,4% dos assentos.

– No Brasil o Senado Federal é atualmente composto majoritariamente pelos partidos “Partido do Movimento Democrático Brasileiro” (PMDB), cujo líder é Michel Temer, com 18 assentos; “Partido dos Trabalhadores” (PT), partido da presidente Dilma Rousseff, com 12 assentos; e “Partido Social Democrata do Brasil” (PSDB), cujo líder é Aécio Neves, com 10 assentos. A Câmara de Deputados é atualmente composta majoritariamente pelos partidos PT com 70 assentos; PMDB com 66 assentos; e PSDB com 54 assentos.

– Na China existe apenas um partido com representação política, que é o Partido Comunista Chinês, porém, internamente ao partido, existem diferentes correntes políticas.

– Na Índia a Assembleia Nacional é atualmente composta majoritariamente pelos partidos “Bharatiya Janata Party” (BJP), o partido do primeiro ministro Narendra Modi, com 282 assentos; “Indian National Congress” (INC), o partido de Sonia Gandhi, com 44 assentos; “All India Anna Dravida Munnetra Kazhagam” (AIADMK), o partido de J. Jayalalithaa, com 37 assentos; e “AllIndia Trinamool Congress” (AITC), o partido de Mamata Banerjee, com 34 assentos.

– Na Rússia a Assembleia Federal é atualmente composta majoritariamente pelos partidos “United Russia”, o partido do presidente Vladmir Putin, com 49.6% dos assentos; “Communist Party of the Russian Federation” (CPRF), de Gennadiy Zyuganov, com 19.2% dos assentos; “A Just Russia”, de Sergey Mironov, com 13.2% dos assentos; e “Liberal Democratic Party of Russia” (LDPR), de Vladimir Zhirinovskiy, com 11.7% doas assentos.

ESTRUTURA DOMÉSTICA E POLÍTICA DOS BRICS 167

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

País Sistema legislativo África do Sul

Parlamento bicameral = Conselho Nacional de Províncias (90 lugares) + Assembleia Nacional (400 lugares). Ambos com mandato de 5 anos.

Brasil Congresso Nacional bicameral = Senado Federal (81 assentos) + Câmera dos Deputados (513 lugares). O primeiro tem mandato de 8 anos e o segundo de 4 anos.

China Congresso Popular Nacional unicameral (2,987 assentos). Ambos com mandato de 5 anos.

Índia Parlamento bicameral = Conselho de Estados (245 lugares) + Assembleia Popular (545 lugares). O primeiro tem mandato de 6 anos e o segundo de 5 anos.

Rússia Assembleia Federal bicameral = Conselho Federal (166 lugares) + Duma (450 lugares). Ambos com mandato de 4 anos.

ABSTRACT The analysis of domestic and political structure of the BRICS helps you understand how each of the five countries stand out in the current international scenario, as well as how South Africa, Brazil, China, India and Russia can be grouped into a single block, due to the characteristics that highlight them in their respective regions.

Keywords: BRICS; domestic structure; political structure.

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168 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

REFERÊNCIAS * Todos os dados das tabelas foram retirados do site “The World Factbook”.

** Dados retirados do site “Gazeta do Povo”.

CIA. The World Factbook. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/>. Acesso em: 17 nov. 2014.

FOLHA DE SÃO PAULO. Como fica o Congresso em 2015. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2014/10/117558-como-fica-o-congresso-em-2015.shtml>. Acesso em: 18 nov. 2014.

GAZETA DO POVO. IBGE: Índia tem a maior taxa de analfabetismo dos BRICS. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=811139>. Acesso em: 18 nov. 2014.

MINISTRY OF DEFENSE OF THE RUSSIAN FEDERATION. Sergei Shoigu. Disponível em <http://eng.mil.ru/en/management/minister.htm>. Acesso em: 18 nov. 2014.

MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS OF RUSSIA. Minister of Foreign Affairs of the Russian Federation. Disponível em <http://www.mid.ru/bul_ns_en.nsf/kartaflat/en03.01>. Acesso em: 18 nov. 2014.

MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS OF THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA. The Minister. Disponível em <http://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/>. Acesso em: 18 nov. 2014.

MINISTRY OF NATIONAL DEFENSE OF THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA. Leadership. Disponível em <http://eng.mod.gov.cn/>. Acesso em: 18 nov. 2014.

PALÁCIO DO PLANALTO. Ministros. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/presidencia/ministros>. Acesso em: 07 mar. 2015.

PREMI, Mahendra. India's Literacy Panorama. Disponível em: <http://www.educationforallinindia.com/page172.html>. Acesso em: 18 nov. 2014.

Page 169: Os BRICS na construção de um mundo multipolar

168 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

REFERÊNCIAS * Todos os dados das tabelas foram retirados do site “The World Factbook”.

** Dados retirados do site “Gazeta do Povo”.

CIA. The World Factbook. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/>. Acesso em: 17 nov. 2014.

FOLHA DE SÃO PAULO. Como fica o Congresso em 2015. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2014/10/117558-como-fica-o-congresso-em-2015.shtml>. Acesso em: 18 nov. 2014.

GAZETA DO POVO. IBGE: Índia tem a maior taxa de analfabetismo dos BRICS. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=811139>. Acesso em: 18 nov. 2014.

MINISTRY OF DEFENSE OF THE RUSSIAN FEDERATION. Sergei Shoigu. Disponível em <http://eng.mil.ru/en/management/minister.htm>. Acesso em: 18 nov. 2014.

MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS OF RUSSIA. Minister of Foreign Affairs of the Russian Federation. Disponível em <http://www.mid.ru/bul_ns_en.nsf/kartaflat/en03.01>. Acesso em: 18 nov. 2014.

MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS OF THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA. The Minister. Disponível em <http://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/>. Acesso em: 18 nov. 2014.

MINISTRY OF NATIONAL DEFENSE OF THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA. Leadership. Disponível em <http://eng.mod.gov.cn/>. Acesso em: 18 nov. 2014.

PALÁCIO DO PLANALTO. Ministros. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/presidencia/ministros>. Acesso em: 07 mar. 2015.

PREMI, Mahendra. India's Literacy Panorama. Disponível em: <http://www.educationforallinindia.com/page172.html>. Acesso em: 18 nov. 2014.

ESTRUTURA DOMÉSTICA E POLÍTICA DOS BRICS 169

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

PRIME MINISTER OF INDIA. Portfoliosof the Union Council of Ministers. Disponível em <http://pmindia.gov.in/en/news_updates/portfolios-of-the-union-council-of-ministers-2/>. Acesso em: 18 nov. 2014.

SOUTH AFRICAN GOVERNMENT. Government Leaders. Disponível em<http://www.gov.za/about-government/leaders>. Acesso em: 18 nov. 2014.

TIEZZI, Shannon. China, India End Military Stand-Off Along Disputed Border. Disponível em: <http://thediplomat.com/2014/10/china-india-end-military-stand-off-along-disputed-border/>. Acesso em: 18 nov. 2014.

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE) ISSN: 2318-9390 | V. 2, 2015 | P. 171–180

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015 171

COMÉRCIO EXTERIOR DOS BRICS

INTERNATIONAL TRADE IN BRICS

Régis Zucheto Araujo1

RESUMO Desde que foi cunhado o termo “BRIC”, em 2001, a participação, assim como a confiança em relação aos países abarcados pelo acrônimo, no que tange o comércio internacional, apresentou tendência crescente, abrindo o precedente para a maior influência desses países emergentes nos demais círculos de convivência das relações internacionais. Mesmo com a crise de 2008, os BRICS—agora um bloco econômico, tendo adicionado a África do Sul como membro—conseguiram amenizar os impactos desse episódio, apesar das grandes proporções dos efeitos em outros países. Para que se entenda esse processo dentro do comércio exterior de cada país, assim como do bloco como um todo, serão analisados dados de anos recentes dos fluxos de comércio, visando, também, perceber quais são as tendências a serem seguidas pelos BRICS nos próximos anos nas relações de troca entre si e com o globo, visto que novos objetivos e metas são traçados pelos governos em direção ao desenvolvimento.

Palavras-chave: BRICS; comércio exterior; Brasil; Rússia; China; Índia; África do Sul.

1 INTRODUÇÃO Antes da crise internacional, e mesmo após ela, a participação dos BRICS no âmbito do comércio mundial teve um aumento significante. A participação dos países do bloco nos fluxos de comércio tem seguido essa tendência de crescimento e, ao passar dos anos, apesar de a participação de cada país variar, é mantido o ritmo de crescimento quando somadas as partes, tanto nas exportações como nas importações: no primeiro caso, em 2013, o grupo foi responsável por 18% do total exportado mundial; já no caso das importações, a participação dos BRICS tem aumentado consideravelmente em relação aos

1 Graduando em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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anos anteriores, chegando aos 16,6%. Além disso, os países do bloco se tornaram, no decorrer das duas últimas décadas, grandes receptores de investimento direto estrangeiro (IDE), por meio da intensificação do processo da internacionalização produtiva de suas empresas e, da mesma forma, eles também vem ampliando seus investimentos no mundo (IPEA, 2011; WTO, 2014). Por fim, as relações comerciais de exportação-importação e importação-exportação intrabloco mostram, como esperado, alta participação da China em ambas as práticas de comércio:

Fonte: World Trade Organization Statistics Database, World Bank Data, CIA World Factbook. Elaboração do autor.

Levando em conta as informações previamente expostas e visando mapear os impactos globais da participação dos BRICS no comércio exterior, far-se-á uma pequena análise dos modelos de desenvolvimento de cada país e das suas consequências em relação à prática comercial internacional.

2 ÁFRICA DO SUL De acordo com a OMC (WTO, 2014), a África do Sul, apesar de ter sido afetada pela crise de 2008, favoreceu-se de três aspectos que amenizaram a exposição do país: (1) a restrição aos investimentos estrangeiros, (2) seu regulado sistema financeiro e (3) políticas monetárias e fiscais sólidas. Apesar disso, questões sociais e estruturais ainda são o maior estrave ao crescimento,

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172 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

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anos anteriores, chegando aos 16,6%. Além disso, os países do bloco se tornaram, no decorrer das duas últimas décadas, grandes receptores de investimento direto estrangeiro (IDE), por meio da intensificação do processo da internacionalização produtiva de suas empresas e, da mesma forma, eles também vem ampliando seus investimentos no mundo (IPEA, 2011; WTO, 2014). Por fim, as relações comerciais de exportação-importação e importação-exportação intrabloco mostram, como esperado, alta participação da China em ambas as práticas de comércio:

Fonte: World Trade Organization Statistics Database, World Bank Data, CIA World Factbook. Elaboração do autor.

Levando em conta as informações previamente expostas e visando mapear os impactos globais da participação dos BRICS no comércio exterior, far-se-á uma pequena análise dos modelos de desenvolvimento de cada país e das suas consequências em relação à prática comercial internacional.

2 ÁFRICA DO SUL De acordo com a OMC (WTO, 2014), a África do Sul, apesar de ter sido afetada pela crise de 2008, favoreceu-se de três aspectos que amenizaram a exposição do país: (1) a restrição aos investimentos estrangeiros, (2) seu regulado sistema financeiro e (3) políticas monetárias e fiscais sólidas. Apesar disso, questões sociais e estruturais ainda são o maior estrave ao crescimento,

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inclusive em perspectivas de curto prazo: maiores investimentos em infraestrutura elétrica e educação, aliados ao combate à desigualdade na distribuição de renda e aos altos níveis de desemprego poderiam dar impulso ao país. No que diz respeito ao comércio exterior, o potencial a ser explorado no país se encontra na possibilidade de uma abertura econômica à competição internacional no setor de serviços (APEX, 2011).

Em 2013, o comércio exterior da África do Sul apresentou crescimento de 68,9% em relação a 2009; contudo, a balança comercial continua apresentando índices deficitários desde 2012. Esse fato pode ser explicado pela composição da pauta de comércio: as exportações são focadas em ouro, pedras preciosas e minérios—dada a alta do preço das commodities nos últimos anos—e as importações em combustíveis e bens de alto valor agregado. Esse tipo de relação comercial favorece parcerias, principalmente, com países da África e da Ásia, sendo, nesse segundo caso, majoritariamente com a China, país com a qual é perceptível a ocorrência de comércio altamente dependente (MDIC/SCS/DECOS, 2014; MRE/DPR/DIC, 2014).

Comércio Exterior – República da África do Sul Indicadores Unidade 2010 2011 2012 2013

Exportações de bens, f.o.b.

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

90.010 108.797 99.291 95.942

Importações de bens, c.i.f.

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

83.039 102.139 104.047 126.350

Saldo das transações de bens

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

6.971 6.658 -4.756 -30.408

Exportações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

14.003 14.823 15.148 13.760

Importações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

18.494 19.702 17.705 15.962

Saldo das transações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

-4.491 -4.879 -2.557 -2.202

Fonte: World Trade Organization Statistics Database, World Bank Data e CIA World Factbook. Elaboração do autor.

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RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

3 BRASIL Desde 2002, o modelo de desenvolvimento brasileiro tem como foco o crescimento econômico atrelado à baixa inflação e à redistribuição de renda, em conjunto com o modelo de consumo de massa. Esse crescimento tem como origem a ampliações dos investimentos em infraestrutura econômica, social e em setores que podem reduzir a vulnerabilidade externa. Esses investimentos, no caso da produção voltada às exportações, tem foco nos recursos naturais e na agregação de valor por meio do fortalecimento da produção interna e do incentivo à inovação tecnológica (BIELSCHOWSKY, 2014). Nesse contexto,

[O] preço das commodities teve um papel primordial para explicar o bom desempenho das exportações brasileiras [...]. Portanto, o boom recentemente observado nos preços internacionais das commodities, que se intensificou no período posterior ao início da crise das subprimes no mercado imobiliário norte-americano em 2007, explica os superávits comerciais alcançados pela economia brasileira (IPEA, 2010).

Essa questão provavelmente é o fator por trás de as exportações de bens brasileiras terem diminuído em US$14 milhões em 2012, se comparadas aos valores do ano anterior: a China tem mudado seu modelo de desenvolvimento desde 2012, o que pode ter afetado a quantia de commodities importadas pelo país do Brasil. Entreteanto, essa desaceleração recente na expansão da economia brasileira não justifica que se ignorem os avanços conquistados nos últimos doze anos, assim como o potencial de desenvolvimento para o futuro. O governo brasileiro deverá ser cauteloso com a dependência em relação aos preços e às políticas adotadas pós-crise, dado o novo padrão de comportamento da economia chinesa, a fim de conseguir manter o crescimento a longo prazo.

Comércio Exterior – República Federativa do Brasil Indicadores Unidade 2010 2011 2012 2013

Exportações de bens, f.o.b.

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

201.915 256.039 242.579 242.179

Importações de bens, c.i.f.

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

181.768 226.233 223.149 239.617

Saldo das transações de bens

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

20.147 29.806 19.430 2.562

Page 175: Os BRICS na construção de um mundo multipolar

174 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

3 BRASIL Desde 2002, o modelo de desenvolvimento brasileiro tem como foco o crescimento econômico atrelado à baixa inflação e à redistribuição de renda, em conjunto com o modelo de consumo de massa. Esse crescimento tem como origem a ampliações dos investimentos em infraestrutura econômica, social e em setores que podem reduzir a vulnerabilidade externa. Esses investimentos, no caso da produção voltada às exportações, tem foco nos recursos naturais e na agregação de valor por meio do fortalecimento da produção interna e do incentivo à inovação tecnológica (BIELSCHOWSKY, 2014). Nesse contexto,

[O] preço das commodities teve um papel primordial para explicar o bom desempenho das exportações brasileiras [...]. Portanto, o boom recentemente observado nos preços internacionais das commodities, que se intensificou no período posterior ao início da crise das subprimes no mercado imobiliário norte-americano em 2007, explica os superávits comerciais alcançados pela economia brasileira (IPEA, 2010).

Essa questão provavelmente é o fator por trás de as exportações de bens brasileiras terem diminuído em US$14 milhões em 2012, se comparadas aos valores do ano anterior: a China tem mudado seu modelo de desenvolvimento desde 2012, o que pode ter afetado a quantia de commodities importadas pelo país do Brasil. Entreteanto, essa desaceleração recente na expansão da economia brasileira não justifica que se ignorem os avanços conquistados nos últimos doze anos, assim como o potencial de desenvolvimento para o futuro. O governo brasileiro deverá ser cauteloso com a dependência em relação aos preços e às políticas adotadas pós-crise, dado o novo padrão de comportamento da economia chinesa, a fim de conseguir manter o crescimento a longo prazo.

Comércio Exterior – República Federativa do Brasil Indicadores Unidade 2010 2011 2012 2013

Exportações de bens, f.o.b.

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

201.915 256.039 242.579 242.179

Importações de bens, c.i.f.

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

181.768 226.233 223.149 239.617

Saldo das transações de bens

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

20.147 29.806 19.430 2.562

COMÉRCIO EXTERIOR DOS BRICS 175

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

Comércio Exterior – República Federativa do Brasil Indicadores Unidade 2010 2011 2012 2013

Exportações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

31.598 38.209 39.863 37.465

Importações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

63.434 76.161 80.939 83.311

Saldo das transações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

-31.836 -37.952 -41.076 -45.846

Fonte: World Trade Organization Statistics Database, World Bank Data e CIA World Factbook. Elaboração do autor.

4 CHINA O foco da economia chinesa, de 2012 para cá, tem passado por uma mudança profunda, a qual tende a se acentuar nos próximos anos: após quase trinta e cinco anos de abertura econômica cimentada em forte crescimento externo—a taxas que chegaram a aproximadamente 10% a.a.—a China agora começa a dar atenção majoritária a assuntos internos. O atual governante, Xi Jinping, e seu primeiro ministro, Li Keqiang, tem como tarefa principal cumprir o 12º Plano Quinquenal (2011-2015), o qual dá prioridade à qualidade de vida da população, à proteção ambiental e ao serviço público, visando diminuir as disparidades existentes entre as regiões do país, assim como entre as zonas urbana e rural, e a própria desigualdade de renda. Dessa forma, a demanda doméstica, o aprimoramento tecnológico por meio de inovações patenteadas e a propagação do desenvolvimento por toda a China continental serão incentivados a fim de obter-se um crescimento sustentável (NIU, 2013).

Comércio Exterior – República Popular da China Indicadores Unidade 2010 2011 2012 2013

Exportações de bens, f.o.b

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

1.476.225 1.805.900 1.970.945 2.209.007

Importações de bens, c.i.f.

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

1.230.686 1.569.850 1.653.346 1.949.992

Saldos das transações de bens

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

245.539 236.050 317.599 259.015

Page 176: Os BRICS na construção de um mundo multipolar

176 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

Comércio Exterior – República Popular da China Indicadores Unidade 2010 2011 2012 2013

Exportações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

171.489 184.763 196.301 204.718

Importações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

194.004 238.908 282.055 329.424

Saldo das transações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

-22.515 -54.145 -85.754 -124.706

Fonte: World Trade Organization Statistics Database, World Bank Data e CIA World Factbook. Elaboração do autor.

Apesar de estar se voltando para o aprimoramento de medidas de cunho interno, a China dará continuidade aos feitos de Hu Jintao na economia e manterá seus esforços pela abertura econômica, destinando-se a estreitar a cooperação econômica mutuamente benéfica no mundo. O enfoque das importações em tecnologia avançada, energia, terras raras e componentes chave vai de encontro aos planos de desenvolvimento interno e proporcionará avanços na fronteira tecnológica (NIU, 2013); no caso da exportações, os manufaturados compõem 94% da pauta, sendo o objetivo para os próximos anos absorver tecnologia e aplicá-la ao processo produtivo desses produtos. Essas tendências são perceptíveis nos dados da OMC (WTO, 2014), que demonstram o constante crescimento de todos os indicadores, apesar de as exportações de bens terem crescido menos em relação aos anos anteriores, o que denota os novos planos de crescimento interno do governo chinês.

5 ÍNDIA Apesar de lograr resultados positivos desde a liberalização de sua economia, iniciadas nos anos 1980, a alta burocracia, assim como fatores estruturais, como questões sociais e de infraestrutura, impedem que haja exploração plena do potencial da Índia. Uma das consequências desse fato são os altos índices de importações na balança comercial indiana, principalmente pela alta dependência de petróleo, líder no quesito, e dependência de um recurso como esse torna a Índia muito vulnerável ao aumento de preços, por exemplo. Outro fator que contribui para a questão é “diplomacia dos meios de pagamento”, a qual:

Page 177: Os BRICS na construção de um mundo multipolar

176 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

Comércio Exterior – República Popular da China Indicadores Unidade 2010 2011 2012 2013

Exportações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

171.489 184.763 196.301 204.718

Importações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

194.004 238.908 282.055 329.424

Saldo das transações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

-22.515 -54.145 -85.754 -124.706

Fonte: World Trade Organization Statistics Database, World Bank Data e CIA World Factbook. Elaboração do autor.

Apesar de estar se voltando para o aprimoramento de medidas de cunho interno, a China dará continuidade aos feitos de Hu Jintao na economia e manterá seus esforços pela abertura econômica, destinando-se a estreitar a cooperação econômica mutuamente benéfica no mundo. O enfoque das importações em tecnologia avançada, energia, terras raras e componentes chave vai de encontro aos planos de desenvolvimento interno e proporcionará avanços na fronteira tecnológica (NIU, 2013); no caso da exportações, os manufaturados compõem 94% da pauta, sendo o objetivo para os próximos anos absorver tecnologia e aplicá-la ao processo produtivo desses produtos. Essas tendências são perceptíveis nos dados da OMC (WTO, 2014), que demonstram o constante crescimento de todos os indicadores, apesar de as exportações de bens terem crescido menos em relação aos anos anteriores, o que denota os novos planos de crescimento interno do governo chinês.

5 ÍNDIA Apesar de lograr resultados positivos desde a liberalização de sua economia, iniciadas nos anos 1980, a alta burocracia, assim como fatores estruturais, como questões sociais e de infraestrutura, impedem que haja exploração plena do potencial da Índia. Uma das consequências desse fato são os altos índices de importações na balança comercial indiana, principalmente pela alta dependência de petróleo, líder no quesito, e dependência de um recurso como esse torna a Índia muito vulnerável ao aumento de preços, por exemplo. Outro fator que contribui para a questão é “diplomacia dos meios de pagamento”, a qual:

COMÉRCIO EXTERIOR DOS BRICS 177

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

Consiste no uso do poder de compra para estabelecer boas relações com outros países. No caso indiano, o conceito é aplicado principalmente em relação às potências mundiais, em uma tentativa de não depender demasiadamente de apenas um dos grandes pólos econômicos mundiais (ZARICHTA et al, 2013).

Paralelo à utilização desse mecanismo com as potências, pode-se perceber uma mudança no padrão de parcerias no comércio exterior mundial em direção às regiões subdesenvolvidas. Possíveis causas para esse processo seriam: (1) os esforços dos BRICS em nome da cooperação Sul-Sul; (2) os anseios do governo indiano pela inserção do país na região do oceano Índico; e, por fim, (3) as consequências da crise de 2008, que forçaram uma retração dos países desenvolvidos, o que gerou redução em seu poder de compra. Apesar disso, a União Europeia e os Estados Unidos configuram como os maiores importadores de bens indianos, estando nesse grupo, também, Emirados Árabes Unidos, China e Cingapura; os países que mais exportam para a Índia são, notadamente, produtores de petróleo, como China, Arabia Saudita e Emirados Árabes Unidos. É importante dar destaque, por fim, ao setor de serviços, que tem experimentado crescimento constante nas exportações se comparado à instabilidade do setor de bens no mesmo contexto e aos demais BRICS (ZARICHTA et al, 2013).

Comércio Exterior – República da Índia Indicadores Unidade 2010 2011 2012 2013

Exportações de bens, f.o.b.

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

230.967 307.847 298.320 313.235

Importações de bens, c.i.f.

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

324.320 428.021 450.249 466.402

Saldo das transações de bens

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

-93.353 -120.147 -151.929 -153.167

Exportações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

117.068 138.527 145.524 150.926

Importações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

114.738 125.040 129.659 124.621

Saldo das transações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

2.330 13.487 15.865 26.305

Fonte: World Trade Organization Statistics Database, World Bank Data e CIA World Factbook. Elaboração do autor.

Page 178: Os BRICS na construção de um mundo multipolar

178 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

6 RÚSSIA Desde 1999, com o início do governo Putin, a Rússia tem experimentado grande crescimento econômico, o qual tem como base a exportação de petróleo—que passou por uma alta em seu preço de US$17,9 no ano em questão para US$100 em 2007—e um sistema financeiro—regulado pelo políticas do governo—que permitiu o aumento do consumo doméstico, além de ter estimulado o setor exportador. As reformas estruturais de Putin abarcaram a realocação do capital e dos empregos, a reestruturação do setor industrial, o melhoramento da produtividade e a desconcentração da propriedade industrial. O consequente desempenho positivo na balança comercial e o aumento das reservas cambiais possibilita ao país focar na diversificação da economia para além dos produtos baseados em recursos mnerais, visando limitar os riscos decorrentes dos preços internacionais do petróleo (VIEIRA; VERÍSSIMO, 2009).

O comércio exterior da Rússia reproduz esse panorama ao mostrar altos índices de exportações de recursos energéticos (71,4%)—petróleo—para a União Europeia e para a China, sendo que esta última tem crescido como parceria comercial, abarcando 16,9% das importações russas com manufaturados. Além disso, a empresa russa Rosneft e as chinesas Sinopec e CNPC criaram uma joint venture para exploração de reservas de energia siberianas, o que demonstra a concessão russa à entrada da China na Sibéria Oriental e o estreitamento das relações entre os dois países. No caso da União Europeia, é clara a interdependência econômica existente com a Rússia: enquanto ela depende da importação de bens de capital e de tecnologia do bloco, os europeus dependem das exportações de recursos energéticos russos. O próximo passo a ser dado pelo governo a fim de impulsionar o crescimento da economia russa seria implementar políticas para fortalecer a taxa de investimento doméstica e estrangeiras (VIEIRA; VERÍSSIMO, 2009; CATARINA et al, 2014).

Comércio Exterior – Federação Russa Indicadores Unidade 2010 2011 2012 2013

Exportações de bens, f.o.b

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

392.674 515.409 528.005 523.294

Importações de bens, c.i.f

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

245.679 318.554 335.709 342.980

Page 179: Os BRICS na construção de um mundo multipolar

178 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

6 RÚSSIA Desde 1999, com o início do governo Putin, a Rússia tem experimentado grande crescimento econômico, o qual tem como base a exportação de petróleo—que passou por uma alta em seu preço de US$17,9 no ano em questão para US$100 em 2007—e um sistema financeiro—regulado pelo políticas do governo—que permitiu o aumento do consumo doméstico, além de ter estimulado o setor exportador. As reformas estruturais de Putin abarcaram a realocação do capital e dos empregos, a reestruturação do setor industrial, o melhoramento da produtividade e a desconcentração da propriedade industrial. O consequente desempenho positivo na balança comercial e o aumento das reservas cambiais possibilita ao país focar na diversificação da economia para além dos produtos baseados em recursos mnerais, visando limitar os riscos decorrentes dos preços internacionais do petróleo (VIEIRA; VERÍSSIMO, 2009).

O comércio exterior da Rússia reproduz esse panorama ao mostrar altos índices de exportações de recursos energéticos (71,4%)—petróleo—para a União Europeia e para a China, sendo que esta última tem crescido como parceria comercial, abarcando 16,9% das importações russas com manufaturados. Além disso, a empresa russa Rosneft e as chinesas Sinopec e CNPC criaram uma joint venture para exploração de reservas de energia siberianas, o que demonstra a concessão russa à entrada da China na Sibéria Oriental e o estreitamento das relações entre os dois países. No caso da União Europeia, é clara a interdependência econômica existente com a Rússia: enquanto ela depende da importação de bens de capital e de tecnologia do bloco, os europeus dependem das exportações de recursos energéticos russos. O próximo passo a ser dado pelo governo a fim de impulsionar o crescimento da economia russa seria implementar políticas para fortalecer a taxa de investimento doméstica e estrangeiras (VIEIRA; VERÍSSIMO, 2009; CATARINA et al, 2014).

Comércio Exterior – Federação Russa Indicadores Unidade 2010 2011 2012 2013

Exportações de bens, f.o.b

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

392.674 515.409 528.005 523.294

Importações de bens, c.i.f

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

245.679 318.554 335.709 342.980

COMÉRCIO EXTERIOR DOS BRICS 179

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

Comércio Exterior – Federação Russa Indicadores Unidade 2010 2011 2012 2013

Saldo das transações de bens

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

146.995 196.855 192.296 180.314

Exportações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

49.158 58.039 62.340 64.769

Importações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

75.287 91.495 108.826 123.008

Saldo das transações de serviços

(Em milhões de dólares correntes na balança de pagamentos)

-26.129 -33.456 -46.486 -58.239

Fonte: World Trade Organization Statistics Database, World Bank Data e CIA World Factbook. Elaboração do autor.

ABSTRACT Since the term "BRIC" was created , in 2001, the participation, as well as the trust in relation to the countries covered by the acronym, envolving the international trade, presented rising tendencies, opening the precedent to larger influences of these emergent countries in the others circles of the international relations. Even with the crise of 2008, the BRICS—now an economic group, added by South Africa—could ease the impacts of this episode, despite the large proportions of the effects in other countries. In order to understand this process concerning the international trade of each country, as well as the group as a whole, it will be analised the data of recent years and the trade flow, aiming to realize what the tendencies are to be followed by the BRICS in the next years in their relations of trade with themselves and with the globe, since new goals are set by the governments in direction to development.

Keywords: BRICS; international trade; Brazil; Russia; India; South Africa.

Page 180: Os BRICS na construção de um mundo multipolar

180 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

REFERÊNCIAS APEX. África do Sul – Perfil e oportunidades comerciais. Brasília: APEX-Brasil, 2011.

BIELSCHOWSKY, Ricardo. O modelo de desenvolvimento proposto por Lula e Dilma. Disponível em: <http://brasildebate.com.br/o-modelo-de-desenvolvimento-proposto-por-lula-e-dilma/>. 2014.

CATARINA, Gabriel. G. S. et al. Política Externa e de Segurança da Federação Russa. Porto Alegre: UFRGS, 2013 (Não publicado).

IPEA. Brasil em Desenvolvimento: Estado, planejamento e política públicas. Brasília: Ipea, 2010.

IPEA. Relações comerciais e de investimentos do Brasil com os demais países do BRICS. Comunicados do IPEA, n. 86. Brasília: Ipea, 2011.

MDIC/SCS/DECOS. Oportunidades de negócios em serviços – Brasil e África do Sul. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1256919949.pdf>.2014

MRE/DPR/DIC. África do Sul – Comércio Exterior. Disponível em: <http://www.brasilexport.gov.br/sites/default/files/publicacoes/indicadoresEconomicos/INDAfricadoSul.pdf> . 2014

NIU, Haibin. A mudança no modelo de crescimento econômico da China. PONTES – De quantas aberturas é feita a China? Vol. 9, n.2. Suíça: ICTSD, 2013.

VIEIRA, Flávio V.; VERÍSSIMO, Michele P. Crescimento econômico em economias emergentes selecionadas: Brasil, Rússia, Índia, China (BRIC) e África do Sul. Economia e Sociedade, vol. 18, n. 3 (37), p. 513-546. Campinas: Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, 2009.

WTO. World Trade Organization. Statistics database. 2014

ZARICHTA, H. et al. Política Externa e de Segurança da Índia. Porto Alegre: UFRGS, 2013 (Não publicado).

Page 181: Os BRICS na construção de um mundo multipolar

180 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

REFERÊNCIAS APEX. África do Sul – Perfil e oportunidades comerciais. Brasília: APEX-Brasil, 2011.

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ZARICHTA, H. et al. Política Externa e de Segurança da Índia. Porto Alegre: UFRGS, 2013 (Não publicado).

RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE) ISSN: 2318-9390 | V. 2, 2015 | P. 181–194

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015 181

SEGURANÇA E DEFESA: OS BRICS EM PERSPECTIVA COMPARADA

INTERNATIONAL SECURITY AND NATIONAL DEFENSE: THE BRICS GROUP IN COMPARATIVE PERSPECTIVE

Guilherme Simionato1

RESUMO Apesar do caráter político-econômico do grupo BRICS, muito se discute acerca das possibilidades de concertação no campo securitário e de cooperação em assuntos de defesa nacional. De fato, esse espectro dos BRICS possuí menos apelo entre o público geral e entre os próprios países do grupo, seja tanto pela diversidade dos objetivos estratégicos securitários dessas nações, quanto pelas próprias condições geopolíticas em que eles estão inseridos. Dessa forma, o presente trabalho busca analisar brevemente as questões relativas à segurança internacional e à defesa nacional que competem a cada um dos países dos BRICS para, então, ponderar acerca das possibilidades de coordenação e cooperação do grupo. Para isso, será analisado o inventário militar de cada um deles, buscando extrair orientações sobre as capacidades de ação e mesmo de suas ambições no tabuleiro internacional. Nesse sentido, concluí-se que o espaço de concertação fica reduzido a pontos específicos das questões contemporâneas de segurança internacional. No entanto, ainda assim os países encontram uma gama de possibilidades para trocar conhecimento, bens materiais e tecnologia ou mesmo para cooperarem politicamente.

Palavras-chave: BRICS; segurança internacional; defesa nacional.

1 INTRODUÇÃO Primeiramente, deve-se reiterar o caráter do grupo formado pelos BRICS. O que une os BRICS é a importância de suas economias no contexto internacional e suas aspirações com vistas a aumentar seu peso nos principais fóruns de discussão. Além disso, o grupo não tem um perfil essencialmente conflitivo

1 Graduando em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS). Pesquisador associado ao Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV).

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182 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

politicamente em relação às potências já estabelecidas, mas busca dar voz aos países emergentes, “de modo a refletir a nova realidade do cenário internacional e o anacronismo de algumas estruturas do sistema multilateral” (VISENTINI, 2012, p. 194).

Dito isso, é importante ressaltar que os BRICS não se constituem enquanto uma organização política, muito menos militar, não representando portanto um ator unitário no sistema internacional, a não ser nas questões específicas supracitadas. O grupo se difere, então, de organizações como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a Organização para Cooperação de Xangai (OCX), ou mesmo as mais conhecidas como o Mercosul ou a UNASUL. No entanto, embora haja vasta diferença entre as condições geopolíticas e os ensejos estratégicos desses países, há espaço para cooperação em questões de segurança internacional e defesa. De fato, a coordenação entre os membros do grupo no espectro securitário tende a ser limitada se comparada ao objetivo central dos BRICS que é a coordenação política.

O que se tentará fazer nas próximas páginas é analisar brevemente as questões relativas à segurança internacional e à defesa nacional que competem a cada um dos países dos BRICS, quais sejam, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, para, então, ponderar acerca das possibilidades de coordenação e cooperação do grupo. Para isso, será analisado o inventário militar2 de cada um deles, buscando extrair orientações sobre as capacidades de ação e mesmo de suas ambições no tabuleiro internacional. No entanto, essa parte do trabalho será precedida por uma curta, mas necessária, reflexão teórica acerca do papel das capacidades militares no atual sistema internacional. Ainda, à guisa de conclusão, além das ponderações recém citadas, serão ressaltadas as oportunidades no âmbito dos BRICS a partir de uma perspectiva brasileira, levando em conta a escassez de recursos e as condições geopolíticas do continente americano.

2 PODER MILITAR E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS É consenso entre os principais teóricos realistas das Relações Internacionais que o atual sistema internacional é anárquico, ou seja, não há uma entidade superior a todos os Estados que garanta a paz internacional (WALTZ, 1959; MEARSHEIMER, 2001). Nesse sentido, cada Estado, em última instância, é

2 Por inventário militar, refere-se ao conjunto de capacidades materiais responsáveis pela defesa

nacional, pela logística de guerra e pela capacidade ofensiva de um país. Inclui-se os sistemas de armas, ou simplesmente sistemas, como caças, aviões de transporte logístico, submarinos, fragatas, blindados de combate, dentre outros.

Page 183: Os BRICS na construção de um mundo multipolar

182 RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE)

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

politicamente em relação às potências já estabelecidas, mas busca dar voz aos países emergentes, “de modo a refletir a nova realidade do cenário internacional e o anacronismo de algumas estruturas do sistema multilateral” (VISENTINI, 2012, p. 194).

Dito isso, é importante ressaltar que os BRICS não se constituem enquanto uma organização política, muito menos militar, não representando portanto um ator unitário no sistema internacional, a não ser nas questões específicas supracitadas. O grupo se difere, então, de organizações como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a Organização para Cooperação de Xangai (OCX), ou mesmo as mais conhecidas como o Mercosul ou a UNASUL. No entanto, embora haja vasta diferença entre as condições geopolíticas e os ensejos estratégicos desses países, há espaço para cooperação em questões de segurança internacional e defesa. De fato, a coordenação entre os membros do grupo no espectro securitário tende a ser limitada se comparada ao objetivo central dos BRICS que é a coordenação política.

O que se tentará fazer nas próximas páginas é analisar brevemente as questões relativas à segurança internacional e à defesa nacional que competem a cada um dos países dos BRICS, quais sejam, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, para, então, ponderar acerca das possibilidades de coordenação e cooperação do grupo. Para isso, será analisado o inventário militar2 de cada um deles, buscando extrair orientações sobre as capacidades de ação e mesmo de suas ambições no tabuleiro internacional. No entanto, essa parte do trabalho será precedida por uma curta, mas necessária, reflexão teórica acerca do papel das capacidades militares no atual sistema internacional. Ainda, à guisa de conclusão, além das ponderações recém citadas, serão ressaltadas as oportunidades no âmbito dos BRICS a partir de uma perspectiva brasileira, levando em conta a escassez de recursos e as condições geopolíticas do continente americano.

2 PODER MILITAR E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS É consenso entre os principais teóricos realistas das Relações Internacionais que o atual sistema internacional é anárquico, ou seja, não há uma entidade superior a todos os Estados que garanta a paz internacional (WALTZ, 1959; MEARSHEIMER, 2001). Nesse sentido, cada Estado, em última instância, é

2 Por inventário militar, refere-se ao conjunto de capacidades materiais responsáveis pela defesa

nacional, pela logística de guerra e pela capacidade ofensiva de um país. Inclui-se os sistemas de armas, ou simplesmente sistemas, como caças, aviões de transporte logístico, submarinos, fragatas, blindados de combate, dentre outros.

SEGURANÇA E DEFESA: OS BRICS EM PERSPECTIVA COMPARADA 183

RIPE: Relações Internacionais para Educadores | Vol. 2 | 2015

responsável pela sua própria segurança. Assim, os sentimentos de autoajuda, egoísmo e ganância pelo poder predominam nas relações internacionais, levando a uma constante instabilidade, na medida que o que impede um Estado de subjugar (direta ou indiretamente; política, militar ou economicamente) outro Estado, em última instância, é simplesmente as capacidades defensivas e de retaliação do adversário (MEARSHEIMER, 2001).

É verdade que, após a Segunda Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), não ocorreram guerras diretas entre grandes potências que alteraram o sistema internacional. No entanto, em diversas ocasiões, eclodiram conflitos locais (restringidos geograficamente) que alteraram o equilíbrio do tabuleiro internacional – é o caso da Guerra da Coreia, da Guerra do Vietnã, da Guerra do Afeganistão (1979) dentre outras (MARTINS, 2008). Nesse sentido, a utilização do poder militar – a capacidade de usar a violência para proteção, coerção ou extensão da autoridade – permanece como um instrumento que nenhum Estado que busca um papel relevante no sistema internacional cogitou abandonar (HOWARD, 1964). Ainda, não é possível pensar em como as relações internacionais poderiam acontecer, mantendo a ordem internacional, sem que isso fosse verdade. A capacidade de autodefesa dos Estados, e a sua necessidade de se defender, fornece a base de qualquer relação política ou comercial entre as nações, garantindo o mínimo de ordem para que esse tipo de interação ocorra, mesmo na anarquia. Michael Howard (1964) destaca que, mesmo após a Segunda Guerra Mundial, todos os estados que emergiram reafirmaram a necessidade de uma força militar crível, capaz de manter a soberania nacional e fundamentar os objetivos estratégicos idealizados pelos seus líderes – tal comportamento certamente não é puramente simbólico.

3 CAPACIDADES MILITARES EM PERSPECTIVA COMPARADA Deve-se destacar, primeiramente, que, assim como em outros aspectos, a composição do inventário das capacidades militares dos BRICS é heterogênea. Começando pelos próprios gastos em defesa, que envolvem uma gama variada de demandas – custeio, investimentos em compras, desenvolvimento, formação, previdência – tem-se números que acompanham as próprias diferenças econômicas dos países, como seu PIB. No ano de 2013, o orçamento de defesa da China lidera o ranking dos BRICS com 112,2 bilhões de dólares (USD) ao ano, o segundo maior do mundo, atrás apenas dos EUA. Em segundo vem a Rússia com USD 68,2 bilhões ao ano, seguida por Índia (USD 56,11 bi), Brasil (USD 34,7 bi) e África do Sul (USD 9,2 bi). O Gráfico 1

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apresenta os dez maiores orçamentos de defesa nomundo para o ano de 2013, destaque para China (2º), Rússia (3º), Índia (9º) e Brasil (10º).

Gráfico 1 – Top 10 Gastos em Defesa (2013)

Em bilhões de dólares

Fonte: Adaptado de IISS, 2014, p. 23.

Mais relevante que isso, no entanto, é a análise do comportamento temporal desses gastos. Assim como a sua economia, a China reconheceu a importância das capacidades militares em um mundo em transformação e os expandiu consideravelmente nos últimos anos. Como se pode ver no Gráfico 2, os países dos BRICS, desconsiderando a África do Sul por falta de informações, expandiram consideravelmente seus gastos em defesa mesmo após a crise de 2008, que fez com que praticamente todos os países estancarem ou reduzissem substancialmente o orçamento militar. Destaque para os números impressionantes da China e da Rússia.Se considerarmos a economia pós-crise, o Brasil também realizou investimentos relativamente altos no setor.

EUA; 600,4 Arábia Saudita; 59,6

Reino Unido; 57

França; 52,4

Japão; 51 Alemanha; 44,2

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apresenta os dez maiores orçamentos de defesa nomundo para o ano de 2013, destaque para China (2º), Rússia (3º), Índia (9º) e Brasil (10º).

Gráfico 1 – Top 10 Gastos em Defesa (2013)

Em bilhões de dólares

Fonte: Adaptado de IISS, 2014, p. 23.

Mais relevante que isso, no entanto, é a análise do comportamento temporal desses gastos. Assim como a sua economia, a China reconheceu a importância das capacidades militares em um mundo em transformação e os expandiu consideravelmente nos últimos anos. Como se pode ver no Gráfico 2, os países dos BRICS, desconsiderando a África do Sul por falta de informações, expandiram consideravelmente seus gastos em defesa mesmo após a crise de 2008, que fez com que praticamente todos os países estancarem ou reduzissem substancialmente o orçamento militar. Destaque para os números impressionantes da China e da Rússia.Se considerarmos a economia pós-crise, o Brasil também realizou investimentos relativamente altos no setor.

EUA; 600,4 Arábia Saudita; 59,6

Reino Unido; 57

França; 52,4

Japão; 51 Alemanha; 44,2

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Gráfico 2 – Evolução dos gastos em defesa (2008* – 2013) * 2008 = 100%

Fonte: Adaptado de IISS, 2014, p. 24.

Feitas as considerações sobre os gastos envolvendo defesa, devemos aprofundar a análise ao nível dos sistemas de armas e das capacidades militares propriamente ditas. Nesse sentido, quanto às capacidades nucleares, apenas a Rússia, China e Índia possuem atualmente ogivas nucleares. No entanto, enquanto a Rússia possuí 1.643 ogivas (DoS, 2014) – precisamente uma a mais que os EUA, estima-se que a China possua algo em torno de 180 a 240 ogivas (MARTINS; CEPIK, 2014), enquanto que os números da Índia provavelmente fiquem entre 90 e 110 ogivas (SIPRI, 2013). Além disso, é essencial levar em conta os vetores de entrega (e.g.: o que faz as ogivas chegarem ao alvo desejado) do inventário desses países: apenas Rússia e China possuem a capacidade de entregar ogivas a longa distância, pois ambos possuem Mísseis Balísticos Intercontinentais (ICBM), bombardeiros estratégicos de longo alcance e submarinos nucleares equipados com mísseis balísticos. Os meios de entrega da Índia são todos de médio ou curto alcance. Esses dados, assim como boa parte daqueles que serão tratados nessa seção, estão detalhados na tabela abaixo.

Tabela 1 – Capacidades Selecionadas Comparadas

Rússia China Índia Brasil África do Sul

Orçamento (USD bi) 68,2 112,2 56,11 34,7 9,2 Efetivo 845.000 2.333.000 1.325.000 318.500 62.100 Reserva 2.000.000 500.000 1.155.000 1.340.000 15.050

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Rússia China Índia Brasil África do Sul

Ogivas nucleares 1.643 180-240 90-110 - - ICBM1 356 66 -2 - - Bombardeiros 141 120 - - - SSN com M. Balísticos3 11 4 - - - MBT4 2.750 6.840 2.874 393 34 AIFV5 7.660 3.621 1.455 ? 534 Artilharia 5.837 13.216 9.702 1.805 1.255 Submarinos Táticos 45 66 14 5 3 Porta-Aviões 1 1 1 1 - Vasos de superfície (C/D/F)6

32 (C/D/F) 69 (D/F) 24 (D/F) 14 (D/F) 4 (F)

Aeronaves táticas7 1.293 1.817 826 234 50 Aeronaves de transporte8

184 65 33 20 7

Aeronaves de reabastecimento

20 13 6 - -

AEW&C9 23 18 3 5 - 1 Mísseis Balísticos Intercontinentais. Conjuntamente com os Bombardeiros e os Submarinos

com mísseis balísticos, formam a tríade estratégica de um país – capacidades nucleares. 2 Vetora suas ogivas nucleares em mísseis balísticos de médio e curto alcance. 3 Submarinos nucleares com mísseis balísticos. 4 Main Battle Tank, principal blindado pesado de assalto. 5 Armored Infantry Fighting Vehicle, blindado de combate leve e transporte da infantaria. 6 Cruzadores (C), Destroiers (D) e Fragatas (F). 7 Inclui caças de todas as gerações, turboélices de ataque ao solo e aeronaves antissubmarino e

navio. 8 Considera-se apenas as de transporte médio/pesado. 9 Aeronaves embarcadas com radares e computadores para comando, controle, comunicações,

inteligência, monitoramento e reconhecimento.

Fonte: Elaboração própria a partir de IISS, 2014.

Quanto às capacidades convencionais, destaque para a China, cujo efetivo de mais de 2,3 milhões de homens em armas é o maior do mundo, o que, conjuntamente com os quadros de suas forças milicianas (não-contabilizados na tabela), em torno de 10 milhões de homens, faz do país um gigante em termos de pessoal. Esses números, potencializados pelo inventário de poder terrestre do exército chinês, com seus números impressionantes de blindados (principalmente MBTs e AIFVs) e de peças de artilharia, torna a China um dos países mais capazes de resistir a guerras de atrito, aumentando consideravelmente sua capacidade de dissuasão.

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Rússia China Índia Brasil África do Sul

Ogivas nucleares 1.643 180-240 90-110 - - ICBM1 356 66 -2 - - Bombardeiros 141 120 - - - SSN com M. Balísticos3 11 4 - - - MBT4 2.750 6.840 2.874 393 34 AIFV5 7.660 3.621 1.455 ? 534 Artilharia 5.837 13.216 9.702 1.805 1.255 Submarinos Táticos 45 66 14 5 3 Porta-Aviões 1 1 1 1 - Vasos de superfície (C/D/F)6

32 (C/D/F) 69 (D/F) 24 (D/F) 14 (D/F) 4 (F)

Aeronaves táticas7 1.293 1.817 826 234 50 Aeronaves de transporte8

184 65 33 20 7

Aeronaves de reabastecimento

20 13 6 - -

AEW&C9 23 18 3 5 - 1 Mísseis Balísticos Intercontinentais. Conjuntamente com os Bombardeiros e os Submarinos

com mísseis balísticos, formam a tríade estratégica de um país – capacidades nucleares. 2 Vetora suas ogivas nucleares em mísseis balísticos de médio e curto alcance. 3 Submarinos nucleares com mísseis balísticos. 4 Main Battle Tank, principal blindado pesado de assalto. 5 Armored Infantry Fighting Vehicle, blindado de combate leve e transporte da infantaria. 6 Cruzadores (C), Destroiers (D) e Fragatas (F). 7 Inclui caças de todas as gerações, turboélices de ataque ao solo e aeronaves antissubmarino e

navio. 8 Considera-se apenas as de transporte médio/pesado. 9 Aeronaves embarcadas com radares e computadores para comando, controle, comunicações,

inteligência, monitoramento e reconhecimento.

Fonte: Elaboração própria a partir de IISS, 2014.

Quanto às capacidades convencionais, destaque para a China, cujo efetivo de mais de 2,3 milhões de homens em armas é o maior do mundo, o que, conjuntamente com os quadros de suas forças milicianas (não-contabilizados na tabela), em torno de 10 milhões de homens, faz do país um gigante em termos de pessoal. Esses números, potencializados pelo inventário de poder terrestre do exército chinês, com seus números impressionantes de blindados (principalmente MBTs e AIFVs) e de peças de artilharia, torna a China um dos países mais capazes de resistir a guerras de atrito, aumentando consideravelmente sua capacidade de dissuasão.

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No entanto, não só de grandes números se faz um bom inventário, o processo de modernização dos sistemas chineses vêm sendo um dos mais acelerados do mundo, indo desde forças expedicionárias, passando pelas defesas aéreas, blindados, caças, satélites (sistema de navegação Beidou), mísseis anti-navio e antissubmarino, navios de guerra e porta-aviões até supercomputadores, guerra eletrônica e ciberguerra. Assim, os principais centros industriais, políticos e militares do país estão relativamente bem protegidos por sistemas antiaéreos modernos e caças de 4º geração(CHUN, 2013), dotando o país de grande autonomia no desenvolvimento de sua política externa e de defesa.

A Doutrina de defesa chinesa de 2010, nesse sentido, já estabelece como prioridade para o país a aquisição e o desenvolvimento de capacidades militares que possibilitem operar guerras locais em ambiente de alta informatização (IISS, 2012). É importante, além disso, destacar que as capacidades da China estão focadas quase que exclusivamente na utilização defensiva desses sistemas. Busca-se defender o país da ameaça externa de potências mais fortes que ela, sem a pretensão de igualar-se a esses países, mas sim de responder assimetricamente à ameaça a partir da construção de capacidades que afetem o acesso e a livre-circulação do inimigo ao seu redor. De forma assimétrica pois se baseia em sistemas relativamente baratos, como minas marítimas, mísseis anti-navio de curto alcance, submarinos táticos e vasos de superfície diminutos para conter grandes esquadras dotadas de sistemas bilionários. Isso é facilmente visualizado no inventário: enquanto países como os Estados Unidos possuem uma frota de submarinos nucleares (capazes de percorrerem grandes distâncias) e de diversos porta-aviões (principal arma de projeção de força a longas distâncias), compõem a frota da China predominantemente submarinos convencionais de curto alcance, cuja função é claramente defensiva, e apenas um porta-aviões, adquirido recentemente.

A Rússia, como visto, tem seu ponto forte nas capacidades nucleares, garantindo inclusive o direito de utilizá-las sob qualquer ameaça, diferentemente da China e da Índia que, por doutrina, as usariam apenas como retaliação (RÚSSIA, 2010). No entanto, suas capacidades convencionais não deixam a desejar frente a outras potências. Com um efetivo de 845.000 homens em armas, suportados por 2 milhões de reservistas, mais 2.750 MBTs, 7.660 AIFVs e 5.837 peças de artilharia, a Rússia detém um considerável poder terrestre. Embora existam muitas críticas a respeito do tempo de uso e do estado operacional desses blindados (CHUN, 2013), esses sistemas ajudam a fornecer bom poder dissuasório ao país, como visto no caso recente da Ucrânia. Soma-se a isso seus sistemas de defesa antiaérea, os mais modernos

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do mundo, como o S-400, que blindam os principais centros industriais, políticos e militares do país da maioria das ameaças externas (CHUN, 2013).

Outros pontos fortes da Rússia são suas capacidades tecnológicas de radares, de construção de caças e de satélites. O país foi o segundo no mundo a desenvolver um caça de 5ª geração3, embora ainda não operacional, e atualmente produz caças que competem em nível de igualdade aos estadunidenses, como o Su-35. O GLONASS, seu sistema de satélites de navegação e guiagem de armas, já é equivalente ao GPS estadunidense, colocando o país no seleto hall das potências com o comando do espaço, juntamente com EUA e China (CEPIK; MACHADO, 2011). A marinha russa, por sua vez, é dotada de 45 submarinos táticos, o que fornece boa proteção de sua zona econômica exclusiva, além de possuir navios cruzadores pesadamente equipados capazes de fornecer papel dissuasório longe de suas fronteiras.Um uso emblemático dessa capacidade ocorreu na Síria em 2013, quando a Rússia deslocou um desses sistemas e sua escolta para o Mar Mediterrâneo e impediu os EUA de lançarem mísseis cruzadores contra o governo sírio.

A Índia, por sua vez, possui o terceiro maior exército do mundo, a quarta maior marinha e a sétima maior força aérea (CHUN, 2013), fazendo frente à maioria das grandes potências. O país se destaca principalmente pela sua capacidade militar terrestre, com 1,3 milhões de homens em armas e 1,1 milhão de reservistas.Contandoainda com 2.874 MBTs, 1.455 AIFVs e 9.702 peças de artilharia, os indianos são capazes de suportar uma guerra de atrito contra qualquer adversário. O país ainda se destaca pelo elevado número de caças de 4ª geração; pelo seu porta-aviões, cujo estado material -com tecnologia embarcada de sensores, radares e catapultas - coloca-o no mesmo nível dos seus equivalentes nas esquadras de Rússia, China e França; e pela sua produção de sistemas de tecnologia avançada, os mais relevantes em parceria com a Rússia, como o míssil cruzador supersônico BrahMos e o caça de 5ª geração PAK-FA.

Com um orçamento mais reduzido e um inventário ainda deficiente na maioria das categorias, o Brasil ainda engatinha nas questões securitárias e de defesa. Isso ocorre, principalmente, devido ao seu histórico de baixa

3 A característica principal da 5ª geração de caças é a sua alta capacidade furtiva (stealth), que

fornece uma alta capacidade de penetração em um ambiente contestado pelos radares e pela defesa antiaérea do inimigo. Difere-se, assim, da 4ª geração, cuja característica principal foi a introdução da capacidade combate além-do-horizonte (beyond visual range), permitindo a detecção, a guiagem de mísseis e, portanto, o engajamento com o adversário mesmo fora do campo de visão do piloto. Há, no entanto, um meio termo entre essas gerações, o que se convencionou chamar de geração 4ª++, que possui todas as características da 4ª, porém com alta manobrabilidade e com maior capacidade de passar despercebida pelos radares inimigos (RONCONI, 2014, p. 76).

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do mundo, como o S-400, que blindam os principais centros industriais, políticos e militares do país da maioria das ameaças externas (CHUN, 2013).

Outros pontos fortes da Rússia são suas capacidades tecnológicas de radares, de construção de caças e de satélites. O país foi o segundo no mundo a desenvolver um caça de 5ª geração3, embora ainda não operacional, e atualmente produz caças que competem em nível de igualdade aos estadunidenses, como o Su-35. O GLONASS, seu sistema de satélites de navegação e guiagem de armas, já é equivalente ao GPS estadunidense, colocando o país no seleto hall das potências com o comando do espaço, juntamente com EUA e China (CEPIK; MACHADO, 2011). A marinha russa, por sua vez, é dotada de 45 submarinos táticos, o que fornece boa proteção de sua zona econômica exclusiva, além de possuir navios cruzadores pesadamente equipados capazes de fornecer papel dissuasório longe de suas fronteiras.Um uso emblemático dessa capacidade ocorreu na Síria em 2013, quando a Rússia deslocou um desses sistemas e sua escolta para o Mar Mediterrâneo e impediu os EUA de lançarem mísseis cruzadores contra o governo sírio.

A Índia, por sua vez, possui o terceiro maior exército do mundo, a quarta maior marinha e a sétima maior força aérea (CHUN, 2013), fazendo frente à maioria das grandes potências. O país se destaca principalmente pela sua capacidade militar terrestre, com 1,3 milhões de homens em armas e 1,1 milhão de reservistas.Contandoainda com 2.874 MBTs, 1.455 AIFVs e 9.702 peças de artilharia, os indianos são capazes de suportar uma guerra de atrito contra qualquer adversário. O país ainda se destaca pelo elevado número de caças de 4ª geração; pelo seu porta-aviões, cujo estado material -com tecnologia embarcada de sensores, radares e catapultas - coloca-o no mesmo nível dos seus equivalentes nas esquadras de Rússia, China e França; e pela sua produção de sistemas de tecnologia avançada, os mais relevantes em parceria com a Rússia, como o míssil cruzador supersônico BrahMos e o caça de 5ª geração PAK-FA.

Com um orçamento mais reduzido e um inventário ainda deficiente na maioria das categorias, o Brasil ainda engatinha nas questões securitárias e de defesa. Isso ocorre, principalmente, devido ao seu histórico de baixa

3 A característica principal da 5ª geração de caças é a sua alta capacidade furtiva (stealth), que

fornece uma alta capacidade de penetração em um ambiente contestado pelos radares e pela defesa antiaérea do inimigo. Difere-se, assim, da 4ª geração, cuja característica principal foi a introdução da capacidade combate além-do-horizonte (beyond visual range), permitindo a detecção, a guiagem de mísseis e, portanto, o engajamento com o adversário mesmo fora do campo de visão do piloto. Há, no entanto, um meio termo entre essas gerações, o que se convencionou chamar de geração 4ª++, que possui todas as características da 4ª, porém com alta manobrabilidade e com maior capacidade de passar despercebida pelos radares inimigos (RONCONI, 2014, p. 76).

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percepção de ameaças externas. No entanto, nos últimos anos, a academia e as lideranças políticas do país vêm assimilando o papel central que a área e o desenvolvimento de capacidades críveis ocupa no planejamento de qualquer país com pretensões relevantes num sistema internacional globalizado e em constante mudança. Assim, várias medidas foram tomadas a partir da criação do próprio Ministério da Defesa em 1997.Na década seguinte,houve a implementação do Sistema Nacional de Mobilização (SINAMOB – Decreto 6562/2008), cuja centralidade reside na criação das bases logísticas para qualquer mobilização das forças brasileiras em caso de necessidade.Em seguida, com o lançamento da Estratégia Nacional de Defesa (END – Decreto 6703/2008) e do Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN – Decreto 7438/2011), foi explicitada a relação de retroalimentação entre a preparação militar, a sustentação do processo de integração – tanto da própria federação, quanto da América do Sul – e o desenvolvimento econômico – onde a geração de emprego e renda também são resultados das políticas de defesa ((BRASIL, 2008; BRASIL, 2010; MARTINS, 2012).

Com isso em mente, planejou-se o reaparelhamento das forças armadas brasileiras para as próximas décadas e a revitalização do complexo acadêmico-militar-industrial de defesa, processo verificado no crescimento dos gastos com defesa do país – vide gráfico 2. Naturalmente, mesmo que desconsiderando as necessidades burocráticas, esse é um processo demorado; a marinha brasileira, por exemplo, tem seu planejamento de reaparelhamento para 50 anos, quando a frota será duplicada.

Dentre os projetos previstos para os próximos anos, destacam-se a fabricação do Submarino Nuclear Brasileiro – sistema essencial na negação do uso do Atlântico Sul por qualquer esquadra hostil –, a assinatura do contrato de aquisição e produção conjunta dos caças de 4ª++ geração Gripen com a sueca Saab – com a qual haverá alta transferência de tecnologia, inclusive através da produção local da aeronave, gerando emprego e renda no país – e o desenvolvimento do sistema ASTROS 2020, um sistema avançado composto por uma bateria de mísseis de saturação de área, mas que pode ser adaptado para função anti-navio (míssil cruzador), realizado em parceria com a empresa nacional Avibrás. Esses projetos representam importantes passos em direção a um inventário que dê liberdade de ação ao Brasil, garanta sua soberania e potencialize seu poder dissuasório frente a potenciais ameaças externas.

Por fim, assim como na maioria dos outros aspectos, as capacidades militares da África do Sul destoam do restante dos BRICS. Embora seu efetivo seja altamente profissionalizado e dotado de blindados (MBTs e AIFVs) endógenos (produzidos no país)e modernos, o país conta atualmente com

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poucos homens em armas (62.100) e na reserva (15.050),além de apenas 34 MBTs. Essas características dão um perfil mais enxuto e profissional às forças sul-africanas, mas, ao mesmo tempo, enfraquecem a capacidade do país vir a aguentar uma guerra defensiva com alto atrito, situação que demandaria um número severamente maior de efetivo, blindados e peças de artilharia. Nesse sentido, o próprio poder dissuasório do país fica seriamente comprometido.

Localizada em uma região estratégica para o fluxo comercial-energético-militar marítimo, a condição geopolítica da África do Sul não condiz com o inventário diminuto de sua marinha, tendo apenas 3 submarinos táticos e 4 fragatas. O ponto forte do país reside na sua força aérea, dotada de 27 caças de 4ª geração Gripen. A África do Sul parece sobrevalorizar o papel do poder aéreo na guerra, condizendo com esse perfil mais expedicionário de suas forças.

4 CONCLUSÕES Pode-se perceber, a partir da análise das capacidades militares dos países dos BRICS, que todos compreendem a centralidade da defesa de sua soberania em um mundo em transformação. Nesse sentido, os gastos com defesa acompanharam o crescimento do PIB e da relevância desses países no sistema internacional. Todos eles buscam, de seu modo e acima de tudo, consolidar-se como polo e líder de suas respectivas regiões. Esse tom é percebido no perfil de seus inventários, nos quais predominam sistemas de curto alcance, de negação de área e de interdição. Não buscando, assim, primordialmente, a projeção de poder propriamente dita, mas a manutenção de sua soberania, garantindo assim a estabilidade e a segurança interna, sem converter suas forças armadas para um perfil mais policial do que militar (BERTONHA, 2013).

Ao mesmo tempo, no entanto, todos eles participam ativamente das operações de paz e manutenção da ordem das Nações Unidas, demonstrando a vontade de participarem cada vez mais das questões securitárias internacionais. Destaque para a atuação do Brasil e da Índia nesses termos, visto que são postulantes a assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU (CHUN, 2013).

Há, no entanto, várias diferenças na questão securitária entre os países do grupo. Começando pelo fato de apenas dois deles, Brasil e África do Sul, não contarem com arsenais nucleares para se proteger ou basear sua dissuasão. As situações internas também diferem bastante, na medida em que Rússia, China e Índia têm que lidar com situações potencialmente mais instáveis e imprevisíveis. A relação com seus vizinhos, é bem diferente: enquanto a Rússia tem tensões históricas com a Europa (vide Ucrânia), a

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poucos homens em armas (62.100) e na reserva (15.050),além de apenas 34 MBTs. Essas características dão um perfil mais enxuto e profissional às forças sul-africanas, mas, ao mesmo tempo, enfraquecem a capacidade do país vir a aguentar uma guerra defensiva com alto atrito, situação que demandaria um número severamente maior de efetivo, blindados e peças de artilharia. Nesse sentido, o próprio poder dissuasório do país fica seriamente comprometido.

Localizada em uma região estratégica para o fluxo comercial-energético-militar marítimo, a condição geopolítica da África do Sul não condiz com o inventário diminuto de sua marinha, tendo apenas 3 submarinos táticos e 4 fragatas. O ponto forte do país reside na sua força aérea, dotada de 27 caças de 4ª geração Gripen. A África do Sul parece sobrevalorizar o papel do poder aéreo na guerra, condizendo com esse perfil mais expedicionário de suas forças.

4 CONCLUSÕES Pode-se perceber, a partir da análise das capacidades militares dos países dos BRICS, que todos compreendem a centralidade da defesa de sua soberania em um mundo em transformação. Nesse sentido, os gastos com defesa acompanharam o crescimento do PIB e da relevância desses países no sistema internacional. Todos eles buscam, de seu modo e acima de tudo, consolidar-se como polo e líder de suas respectivas regiões. Esse tom é percebido no perfil de seus inventários, nos quais predominam sistemas de curto alcance, de negação de área e de interdição. Não buscando, assim, primordialmente, a projeção de poder propriamente dita, mas a manutenção de sua soberania, garantindo assim a estabilidade e a segurança interna, sem converter suas forças armadas para um perfil mais policial do que militar (BERTONHA, 2013).

Ao mesmo tempo, no entanto, todos eles participam ativamente das operações de paz e manutenção da ordem das Nações Unidas, demonstrando a vontade de participarem cada vez mais das questões securitárias internacionais. Destaque para a atuação do Brasil e da Índia nesses termos, visto que são postulantes a assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU (CHUN, 2013).

Há, no entanto, várias diferenças na questão securitária entre os países do grupo. Começando pelo fato de apenas dois deles, Brasil e África do Sul, não contarem com arsenais nucleares para se proteger ou basear sua dissuasão. As situações internas também diferem bastante, na medida em que Rússia, China e Índia têm que lidar com situações potencialmente mais instáveis e imprevisíveis. A relação com seus vizinhos, é bem diferente: enquanto a Rússia tem tensões históricas com a Europa (vide Ucrânia), a

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China com o Japão e a Índia com o Paquistão, o Brasil e a África do Sul possuem um entorno mais calmo. É importante, além disso, destacar que a própria relação com a maior potência do planeta, os Estados Unidos, é bem diferente. Rússia e China enfrentam um misto de desconfiança e antagonismo com aquele, enquanto que a Índia cada vez fortalece mais suas relações com os estadunidenses. Por sua vez, o Brasil, mesmo estando mais diretamente na zona de influência dos EUA, desenvolve relações pragmáticas com eles, buscando a autonomia e o predomínio na sua região sem excluir a convivência e a cooperação com Washington (BERTONHA, 2013).

Além disso, apenas Rússia e China possuem assento permanente no Conselho de Segurança, o que lhes garante a capacidade de fazer valer suas vontades sem comparações com o restante dos BRICS. Isso se reflete também nas capacidades militares convencionais dos países já que, como visto, pode-se afirmar que apenas esses dois são inexpugnáveis4, principalmente por suas defesas antiaéreas, capacidades de negação de área e sistemas de satélites GLONASS e BEIDOU (CEPIK; MACHADO, 2011; CEPIK,2013). A Índia talvez esteja no caminho para a inexpugnabilidade: o país já busca seu sistema de satélites de navegação próprio ao mesmo tempo que desenvolve capacidades de negação de área. Brasil e África do Sul ainda engatinham nesse sentido, ficando longe ainda de Rússia e China.

Nesse sentido, percebe-se que, no âmbito dos BRICS, as possibilidades de coordenação e cooperação em questões securitárias e de defesa existem, mas são limitadas. A maior cooperação, de fato, se dá entre países do grupo em outros espaços, mais restritos, como a Organização para Cooperação de Xangai (Rússia-China), o Fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) ou, ainda, através das relações bilaterais – as mais relevantes sendo Rússia-China, Rússia-Índia e Brasil-África do Sul. Isso não descarta a cooperação em defesa e segurança no grupo BRICS, mas sua timidez é compreensível na medida em que os próprios membros evitam caracterizar o grupo como uma contraposição às potências desenvolvidas, imagem essa que poderia ser interpretada a partir de um maior estreitamento das relações militares, tradicionalmente polarizante em um sistema internacional anárquico como visto na primeira seção.

Ao Brasil, portanto, cabe estreitar as relações dentro dos BRICS, mas, mais que todos os outros membros, manter a autonomia e o pragmatismo com

4 Por definição, característica daquilo que não se pode vencer ou conquistar através da força. Um

país é inexpugnável quando possui grandes capacidades de defesa anti-aérea, costeira, anti-navio, anti-submarino e também capacidades de guiagem, monitoramento, reconhecimento e sensoriamento (satélites, radares, aeronaves não-tripuladas e supercomputadores embarcados). Cepik (2013) afirma que a inexpugnabilidade é uma das características das grandes potências.

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todos os polos do sistema internacional, o que, de fato, faz parte de nossa tradição diplomática. Nosso contexto geopolítico nos coloca em uma situação particular, na qual devemos reconhecer a hegemonia dos EUA no continente, mas, ao mesmo tempo, garantir nosso espaço autônomo de atuação em um mundo em mudança, com China e Rússia ascendendo. Os três polos oferecem excelentes oportunidades ao Brasil para a consecução dos projetos estratégicos citados na seção anterior, como a Estratégia Nacional de Defesa e o reaparelhamento das forças. Cabe às nossas lideranças políticas desenvolverem relações diplomáticas pragmáticas, mas também práticas e reais – seja na construção de sistemas conjuntos como no caso do submarino nuclear ou dos caças Gripen ou em exercícios militares conjuntos, como o caso do IBSAmar (no âmbito do IBAS) – para que, ao fim e ao cabo, superemos as dificuldades políticas e materiais que emperram o processo de desenvolvimento de nosso complexo acadêmico-militar-industrial de defesa e de nosso papel de protagonista no sistema interestatal.

ABSTRACT Despite BRICS’ political and economic ethos, there is much discussion about cooperation and concertation opportunities in matters of international security and national defense. In fact, this spectrum of the BRICS possess less appeal among its members and among the general public, due or to the group's diversity of strategic goals, or to their own geopolitical environment in which they are inserted. Thus, this paper seeks to briefly examine the issues of international security of each of the BRICS countries to then ponder the possibilities of coordination and cooperation among the countries. Thereunto, each military inventory will be analyzed in trying to extract guidance on the action capabilities and even on his ambitions at the international chessboard. In this sense, the conclusion points out that the concertation space is reduced to specific points of international security contemporary issues. However, there are still a wide range of possibilities to exchange defense related goods, knowledge and technology or to find ways of politically cooperation on these matters.

Keywords: BRICS; international structure; national defense.

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todos os polos do sistema internacional, o que, de fato, faz parte de nossa tradição diplomática. Nosso contexto geopolítico nos coloca em uma situação particular, na qual devemos reconhecer a hegemonia dos EUA no continente, mas, ao mesmo tempo, garantir nosso espaço autônomo de atuação em um mundo em mudança, com China e Rússia ascendendo. Os três polos oferecem excelentes oportunidades ao Brasil para a consecução dos projetos estratégicos citados na seção anterior, como a Estratégia Nacional de Defesa e o reaparelhamento das forças. Cabe às nossas lideranças políticas desenvolverem relações diplomáticas pragmáticas, mas também práticas e reais – seja na construção de sistemas conjuntos como no caso do submarino nuclear ou dos caças Gripen ou em exercícios militares conjuntos, como o caso do IBSAmar (no âmbito do IBAS) – para que, ao fim e ao cabo, superemos as dificuldades políticas e materiais que emperram o processo de desenvolvimento de nosso complexo acadêmico-militar-industrial de defesa e de nosso papel de protagonista no sistema interestatal.

ABSTRACT Despite BRICS’ political and economic ethos, there is much discussion about cooperation and concertation opportunities in matters of international security and national defense. In fact, this spectrum of the BRICS possess less appeal among its members and among the general public, due or to the group's diversity of strategic goals, or to their own geopolitical environment in which they are inserted. Thus, this paper seeks to briefly examine the issues of international security of each of the BRICS countries to then ponder the possibilities of coordination and cooperation among the countries. Thereunto, each military inventory will be analyzed in trying to extract guidance on the action capabilities and even on his ambitions at the international chessboard. In this sense, the conclusion points out that the concertation space is reduced to specific points of international security contemporary issues. However, there are still a wide range of possibilities to exchange defense related goods, knowledge and technology or to find ways of politically cooperation on these matters.

Keywords: BRICS; international structure; national defense.

SEGURANÇA E DEFESA: OS BRICS EM PERSPECTIVA COMPARADA 193

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REFERÊNCIAS BERTONHA, João Fábio. A Estratégia Nacional de Defesa do Brasil e a dos outros BRICs em perspectiva comparada. Revista Brasileira de Política Internacional. 56 (2), 2013, pp. 112-130.

BRASIL. Estratégia Nacional de Defesa. 2008.

BRASIL. Livro Branco de Defesa Nacional. 2012.

CEPIK, Marco. Segurança Internacional: Da Ordem Internacional aos Desafios para a América do Sul e para a CELAC. In: SORIA, A.; ECHANDI, I. (Orgs.). Desafios estratégicos del regionalismo contemporâneo: CELAC e Iberoamérica. San José, CR: FLACSO, 2013. pp. 308-325.

CEPIK, Marco; MACHADO, Felipe. O Comando do Espaço na Grande Estratégia Chinesa: Implicações para a Ordem Internacional Contemporânea. Carta Internacional. Vol. 6, n. 2, julho-dezembro 2011, p. 112-30.

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MARTINS, José Miguel Quedi. Estudos de Caso em Política Externa e de Segurança2012/2. Porto Alegre: ISAPE, 2013.

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MEARSHEIMER, John. The Tragedy of Great Power Politics. Nova Iorque: Norton, 2001.

RONCONI, Giordano Bruno Antoniazzi. Análise do Mercado Internacional de Aeronaves Militares: Requisitos e Possibilidades de Participação. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Relações Internacionais). Porto Alegre: UFRGS, 2014.

RUSSIA. The Military Doctrine of Russian Federation. Moscou, 05 de fevereiro, 2010.

SIPRI. World Nuclear Forces. Stockholm International Peace Research Institute. Stockholm: SIPRI, 2013.

VISENTINI, Paulo F. A dimensão político-estratégica dos BRICS: entre a panaceia e o ceticismo. In: O Brasil, os BRICS e a agenda internacional. Brasília: FUNAG, 2012.

WALTZ, Kenneth. Men, the state and War. Nova Iorque: Columbia University Press, 1959.

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARA EDUCADORES (RIPE) ISSN: 2318-9390 | V. 2, 2015 | P. 195–202

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A ESTRUTURA ENERGÉTICA DOS BRICS

THE ENERGETIC STRUCTURE OF THE BRICS

Natasha Pereira Lubaszewski1

RESUMO Recursos energéticos tem uma grande relação com questões securitárias, dado que é a energia proveniente destes que permite o funcionamento das sociedades como se estruturam hoje. Sem energia, toda a estabilidade social e as instituições que a garantem estão ameaçadas. Verifica-se que há um aumento da demanda energética dos integrantes dos BRICS, o que evidencia o crescimento de suas economias e, também, uma maior preocupação em como suprir essas demandas, já que o desenvolvimento dos países do bloco depende de segurança energética. Há, então, uma busca por menor dependência de fontes de energia finitas, das quais todos os membros dos BRICS dependem em algum grau. Além disso, é cada vez mais evidenciada a necessidade de cooperação entre os países em relação ao setor energético.

Palavras-chave: BRICS; estrutura energética; recursos; países emergentes; Brasil; Rússia; Índia; China; África do Sul.

1 IMPORTÂNCIA DA ENERGIA NO SISTEMA INTERNACIONAL De acordo com Oliveira (2012), a energia afeta a distribuição de poder no Sistema Internacional, o que faz com que os recursos energéticos e a logística que ela envolve tornem-se elementos cruciais para a segurança global. Nesse sentido, o autor afirma que a maior parte dos mecanismos que permitem transformar recursos de poder em poder concreto2 dependem do uso de energia para o seu funcionamento: sistemas técnicos produtivos, produção e utilização de recursos militares, logísticas de recursos, bens de consumo e pessoas.

1 Graduanda em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 2 Classificação utilizada por Mearsheimer, que divide o poder no Sistema Internacional em poder

potencial (tamanho da população, riqueza econômica e recursos naturais) e poder concreto, ou capacidades específicas de exercício do poder (pode ser militar ou econômico, como poder financeiro e comercial).

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A energia tornou-se a base da sociedade atual: algumas horas sem energia elétrica e cidades param, sem metrôs, comunicações, sistemas produtivos ou de saúde. Por este motivo, pode-se afirmar que a estabilidade social e, em última instância, o próprio Estado contemporâneo e suas instituições dependem de energia para a sua manutenção e funcionamento apropriado, já que o bem-estar social está intimamente ligado com o suprimento de energia elétrica e combustíveis (OLIVEIRA, 2012).

2 CONSUMO ENERGÉTICO NOS BRICS

Fonte: World Bank.

Ao analisar o gráfico de comparação do consumo de energia primária entre 2000 e 2010, percebem-se alguns padrões. Importa notar que há uma diferença importante entre as tendências do consumo dos países já desenvolvidos, como Estados Unidos, Alemanha e Japão, que reduziram ou estagnaram o consumo; e os países emergentes, que aumentaram o consumo no período. Analisando o contexto mundial atual, nota-se que este fato pode estar se refletindo em uma mudança na correlação de poder no Sistema Internacional, principalmente no que concerne ao crescimento do consumo chinês. De acordo com o IPEA (2014), os BRICS foram responsáveis em 2013 pelo consumo de 35% da energia primária do planeta, liderados pela China (que consome 22% de toda a produção). Esse aumento de demanda energética por parte dos BRICS, principalmente, gera certa tensão, pois ameaça o

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A energia tornou-se a base da sociedade atual: algumas horas sem energia elétrica e cidades param, sem metrôs, comunicações, sistemas produtivos ou de saúde. Por este motivo, pode-se afirmar que a estabilidade social e, em última instância, o próprio Estado contemporâneo e suas instituições dependem de energia para a sua manutenção e funcionamento apropriado, já que o bem-estar social está intimamente ligado com o suprimento de energia elétrica e combustíveis (OLIVEIRA, 2012).

2 CONSUMO ENERGÉTICO NOS BRICS

Fonte: World Bank.

Ao analisar o gráfico de comparação do consumo de energia primária entre 2000 e 2010, percebem-se alguns padrões. Importa notar que há uma diferença importante entre as tendências do consumo dos países já desenvolvidos, como Estados Unidos, Alemanha e Japão, que reduziram ou estagnaram o consumo; e os países emergentes, que aumentaram o consumo no período. Analisando o contexto mundial atual, nota-se que este fato pode estar se refletindo em uma mudança na correlação de poder no Sistema Internacional, principalmente no que concerne ao crescimento do consumo chinês. De acordo com o IPEA (2014), os BRICS foram responsáveis em 2013 pelo consumo de 35% da energia primária do planeta, liderados pela China (que consome 22% de toda a produção). Esse aumento de demanda energética por parte dos BRICS, principalmente, gera certa tensão, pois ameaça o

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suprimento dos principais recursos energéticos utilizados pelas grandes potências, derivados do petróleo, que são finitos.

3 MATRIZ ENERGÉTICA DOS BRICS

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Fonte dos gráficos : U.S. Agency Information Administration.

Uma análise dos gráficos permite visualizar que, assim como a matriz energética mundial atual, a matriz energética dos próprios BRICS depende em grande parte de combustíveis fósseis, com exceção do Brasil, que tem 35% do seu consumo energético produzido por hidrelétricas. Percebe-se também que o carvão é a principal fonte de energia da China, Índia e África do Sul, com

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Fonte dos gráficos : U.S. Agency Information Administration.

Uma análise dos gráficos permite visualizar que, assim como a matriz energética mundial atual, a matriz energética dos próprios BRICS depende em grande parte de combustíveis fósseis, com exceção do Brasil, que tem 35% do seu consumo energético produzido por hidrelétricas. Percebe-se também que o carvão é a principal fonte de energia da China, Índia e África do Sul, com

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chineses e sul-africanos baseando 70% do seu consumo nesse recurso. De acordo com Shelton-Zumpano (2014), devido aos fortes impactos sociais e econômicos da utilização do carvão (incluindo a redução drástica da expectativa de vida causada pela poluição), estes países têm procurado novos caminhos em busca de energias renováveis. Dentre as estas opções, a energia hidrelétrica acaba recebendo maior atenção, principalmente porque os BRICS, em seu conjunto, possuem soberania sobre mais de 40% do potencial hidrelétrico do mundo.3 A energia eólica também tem sido fonte de atenção, com a China e a Índia tendo se tornado detentoras do segundo e quinto, respectivamente, maiores parques eólicos do mundo.

4 DEPENDÊNCIA EXTERNA

Fonte: World Bank.

O gráfico acima representa as importações líquidas de recursos energéticos de cada um dos integrantes dos BRICS entre 2000 e 2010. Vale notar que o cálculo é feito subtraindo a produção do consumo e que um índice negativo significa que o país é exportador destes recursos.

Uma análise do gráfico permite inferir algumas informações. Rússia e África do Sul, além de grandes consumidores energéticos, são também grandes exportadores, o que faz com que a questão de segurança energética seja menos preocupante para esses países. Outro fato significativo é que Brasil

3 Vale notar que a China, percebendo a oportunidade na geração de energia por hidrelétricas,

passou o Brasil em 2004 e deste então mais do que dobrou sua produção (SHELTON-ZUMPANO, 2014).

-100%

-80%

-60%

-40%

-20%

0%

20%

40%

Brasil Índia China Rússia África doSul

2000

2010

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e Rússia tem reduzido a sua dependência externa de recursos energéticos, o que pode indicar uma futura independência de fatores externos. Isso porque na Rússia, por um lado, existe abundância de petróleo e no Brasil, por outro, encontra-se uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com potencial hidrelétrico, solar e eólico maior do que outros países, além das recentes descobertas do Pré-Sal. China e Índia, por outro lado, demonstram uma dependência cada vez maior de fontes de externas. Dados do Ministério de Minas e Energia (2014) brasileiro indicam os chineses importaram 57% das suas necessidades de petróleo e 28% das de gás em 2013, o que os torna vulneráveis externamente a boicotes e problemas externos no que concerne aos recursos fósseis. Isso vale também para a Índia, que importou no mesmo ano 76% das necessidades de petróleo, 35% das de gás e 31% das de carvão mineral.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A tendência de crescimento populacional mundial torna o acesso à energia questão de segurança para o futuro. Para que os BRICS possam assegurar a sustentabilidade do seu desenvolvimento e uma consequente redução da pobreza nos países do bloco—o que aumenta a estabilidade social—a segurança energética é elemento crucial.

Nesse sentido, a busca de China, Índia e África do Sul por fontes renováveis para as suas produções de energia demonstra não só cuidados com o meio ambiente, mas também, principalmente por parte de indianos e chineses, uma busca por menor dependência de fontes externas finitas. No que diz respeito à cooperação entre os países dos BRICS no setor energético, esta ainda é bastante limitada, mas alguns passos importantes já foram dados. A Declaração de eThekwint, assinada em 2013 na Cúpula dos BRICS, prevê a energia como nova área de cooperação, abrindo espaço para o desenvolvimento de planos de ação conjunto que podem se tornar importantes para que os países consigam encontrar alternativas e se mantenham em vias de se tornar desenvolvidos.

ABSTRACT Energy resources have a great relationship with securitarian issues, as is the energy from them that allows the functioning of societies as they are structured today. Without energy, all social stability and the institutions that guarantee it are threatened. It appears that there is an increase in energy demand of the members of the BRICS , which shows the growth of their economies and also a major concern in how to meet these demands , since the development of the bloc's countries depends on

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e Rússia tem reduzido a sua dependência externa de recursos energéticos, o que pode indicar uma futura independência de fatores externos. Isso porque na Rússia, por um lado, existe abundância de petróleo e no Brasil, por outro, encontra-se uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com potencial hidrelétrico, solar e eólico maior do que outros países, além das recentes descobertas do Pré-Sal. China e Índia, por outro lado, demonstram uma dependência cada vez maior de fontes de externas. Dados do Ministério de Minas e Energia (2014) brasileiro indicam os chineses importaram 57% das suas necessidades de petróleo e 28% das de gás em 2013, o que os torna vulneráveis externamente a boicotes e problemas externos no que concerne aos recursos fósseis. Isso vale também para a Índia, que importou no mesmo ano 76% das necessidades de petróleo, 35% das de gás e 31% das de carvão mineral.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A tendência de crescimento populacional mundial torna o acesso à energia questão de segurança para o futuro. Para que os BRICS possam assegurar a sustentabilidade do seu desenvolvimento e uma consequente redução da pobreza nos países do bloco—o que aumenta a estabilidade social—a segurança energética é elemento crucial.

Nesse sentido, a busca de China, Índia e África do Sul por fontes renováveis para as suas produções de energia demonstra não só cuidados com o meio ambiente, mas também, principalmente por parte de indianos e chineses, uma busca por menor dependência de fontes externas finitas. No que diz respeito à cooperação entre os países dos BRICS no setor energético, esta ainda é bastante limitada, mas alguns passos importantes já foram dados. A Declaração de eThekwint, assinada em 2013 na Cúpula dos BRICS, prevê a energia como nova área de cooperação, abrindo espaço para o desenvolvimento de planos de ação conjunto que podem se tornar importantes para que os países consigam encontrar alternativas e se mantenham em vias de se tornar desenvolvidos.

ABSTRACT Energy resources have a great relationship with securitarian issues, as is the energy from them that allows the functioning of societies as they are structured today. Without energy, all social stability and the institutions that guarantee it are threatened. It appears that there is an increase in energy demand of the members of the BRICS , which shows the growth of their economies and also a major concern in how to meet these demands , since the development of the bloc's countries depends on

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energy security. Then there is a search for less dependence on finite energy sources , of which all members of the BRICS depend in some degree. Moreover, it is increasingly evident the need for cooperation between countries when it comes to the energy sector.

Keywords: BRICS; energy structure; energy resources; emergent countries; Brazil; Russia; India; China; South Africa.

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REFERÊNCIAS MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Energia. Energia no Bloco dos BRICS. Setembro de 2014. Disponível em: <http://www.mme.gov.br/mme/arquivos/BRICS_energia_2013_p_xdivulgado_em_setembrox.pdf>.

OLIVEIRA, Lucas. Energia como recurso de poder na política internacional: geopolítica, estratégia e o papel do Centro de Decisão Energética. Tese de Doutorado, PPG de Ciência Política, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2012. (25-182).

SHELTON-ZUMPANO, Petras. A segurança energética e o desenvolvimento sustentável dos BRICS. IPEA, ano 10, Edição 78. 2013. Disponível em: <http://desafios.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2982:catid=28&Itemid=23>.