OS “CABULAS” DE SALVADOR...Uma lembrança terna e carinhosa tenho do apoio dado pelos meus...
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JAMILE DE BRITO LIMA
OS “CABULAS” DE SALVADOR:
CONFRONTANDO AS DELIMITAÇÕES DE
1992 E DE 2010
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
CURSO DE BACHARELADO EM URBANISMO
JAMILE DE BRITO LIMA
OS “CABULAS” DE SALVADOR: CONFRONTANDO AS
DELIMITAÇÕES DE 1992 E DE 2010
Salvador
2010
JAMILE DE BRITO LIMA
Os “Cabulas” de Salvador: confrontando as delimitações de 1992 e de 2010
Monografia apresentada como requisito
final de avaliação para concessão de
grau em Bacharel em Urbanismo pela
Universidade do Estado da Bahia, sob
orientação da professora Dra. Rosali
Braga Fernandes.
Salvador
2010
FICHA CATALOGRÁFICA : Sistema de Bibliotecas da UNEB
Lima, Jamile de Brito Os “Cabulas” de Salvador : confrontando as delimitações de 1992 e de 2010 / Jamile de Brito Lima . – Salvador, 2010. 70f. Orientadora: Profª Drª. Rosali Braga Fernandes . Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Exatas e da Terra. Colegiado de Urbanismo. Campus I. 2010. Contém referências, apêdice e anexo. 1.Cabula(Salvador,BA) - História. 2. Salvador(BA) - Geografia - História. 3. Urbanização - Salvador(BA) - História. I. Fernandes, Rosali Braga. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Exatas e da Terra. CDD: 981.42
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
CURSO DE BACHARELADO EM URBANISMO
JAMILE DE BRITO LIMA
Os “Cabulas” de Salvador: confrontando as delimitações de 1992 e de 2010
Monografia para concessão de grau de Bacharel em Urbanismo.
Salvador, _____ de __________________ de 2010.
Banca Examinadora:
Ana Clara Sousa e Silva _____________________________________________
Mestre em Planejamento Urbano e Regional
Universidade do Estado da Bahia
Plínio Martins Falcão ________________________________________________
Mestre em Arquitetura e Urbanismo
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia - IFBA
Rosali Braga Fernandes _____________________________________________
Doutora em Geografia Humana
Universidade do Estado da Bahia
A todos aqueles que se dedicam ao
desenvolvimento do ensino público
de qualidade e que lutam por uma
sociedade mais justa e igualitária.
Agradecimentos
Dentre todas as pessoas que participaram da minha formação devo um
agradecimento especial aos meus pais Maria Aparecida e Antonio. Eles foram os
primeiros a acreditarem no meu potencial mesmo quando os meus talentos se
resumiam a gracinhas infantis e palavras balbuciadas com dificuldade que
produziam gargalhadas.
Agradeço a minha irmã Juliane e minha prima Lorena pelos momentos em que
compartilharam das minhas dificuldades e compreenderam os meus problemas.
Uma lembrança terna e carinhosa tenho do apoio dado pelos meus padrinhos
Hilda e Zacarias. Não me esquecerei dos recortes de jornal nem das inúmeras
dicas.
Um agradecimento especial devo à minha banca examinadora pela atenção
dispensada ao meu trabalho e em especial ao professor Plínio pela dicas
antecipadas.
À minha orientadora agradecer seria pouco para demonstrar a minha gratidão e
admiração pelo seu trabalho. Não me canso de dizer que ela é uma pessoa
extremamente generosa, um exemplo de profissional a ser seguido em quem eu
me espelho.
Outros professores também foram fundamentais para a minha caminhada na
universidade. Ao professor Juan agradeço pelo comprometimento e pela
dedicação, não só como docente mas como coordenador do curso.
Uma lembrança especial terei do professor Angelo, professor responsável e
pesquisador exigente. Sem a experiência que obtive no Grupo Territórios seria
muito mais difícil a construção deste trabalho.
A todos os funcionários da UNEB, eu devo um agradecimento especial, porém
dentre eles um se destaca: Edmilson, o famoso Ed. Sempre pronto a socorrer nos
momentos mais críticos.
Aos amigos que fiz neste período eu agradeço pelos ensinamentos que me
proporcionaram. Algumas pessoas eu não posso deixar de citar: Rivelle, João e
Leo, por me apresentarem o Centro Acadêmico por me permitirem lutar em prol
de algo maior.
A Patrício e Rodrigo não só por compartilhar conhecimentos na iniciação
científica, mas por momentos de descontração e companheirismo.
A veteranas como Gláucia, Márcia e Karina, devo a vontade de alçar voos mais
altos dentro da universidade. Muito obrigada por me permitir construir a
Urbanístika com vocês, por me inserir no mundo das Semanas de Urbanismo e
pelo afeto e amizade construídos.
A John, meu companheiro de tantas horas, vários trabalhos juntos. É o cara dos
seminários, das especializações, e dos currículos Lattes. Um amigo que levarei
pra sempre.
Por último, mas, com certeza, não menos importantes agradeço ao apoio, às
risadas, às lágrimas, às madrugadas em claro, aos passeios, aos mutirões
monográficos nessa etapa final, enfim a tudo que considero importante para a
construção de uma amizade sólida e verdadeira. Agradeço a Minie e Lia pelos
momentos que vivemos juntas e que com certeza irão além dos tempos da
graduação.
RESUMO
O presente trabalho tem o intuito de investigar a importância da delimitação de bairros no contexto da cidade de Salvador, em especial como esse processo afeta a região do Cabula, foco deste estudo. A partir de uma discussão teórica sobre temas como espaço, região e bairro e do breve histórico sobre as regionalizações propostas para Salvador é construído um arcabouço teórico fundamental para o entendimento da complexidade do tema tratado. Para melhor elucidar a questão da delimitação de bairros faz-se um comparativo entre as delimitações propostas para o bairro do Cabula em 1992 e 2010 seus critérios e pontos críticos. Por fim algumas sugestões são colocadas como medidas mitigadoras dos problemas apontados neste trabalho.
Palavras-chave: Bairro, Salvador, Cabula.
ABSTRACT
This paper intends to investigate the importance of the delineation of
neighborhoods in Salvador, specifically, how this process affects the region of
Cabula, focus at this paper. Starting from a theoretical discussion about space,
region and neighborhoods and a brief history of regionalization proposed to
Salvador, it builds a theoretical framework essential to provide the understanding
about the complexity of this theme. To better elucidate the neighborhoods’
delineation question, it makes a comparison between delineations proposed to
Cabula in 1992 and 2010, their criterions and critical points. Lastly, some
suggestions are pointed as mitigating factors to the problems discussed at this
paper.
Keyworks: Neighborhood; Salvador; Cabula.
SUMÁRIO
Introdução -------------------------------------------------------------------------------------------- 12
Capítulo 1 – Espaço: um conceito fundamental ----------------------------------------- 14
1.1 O Bairro: unidade espacial, conceito popular ------------------------------------ 20
Capítulo 2 - Divisão territorial de Salvador: um breve histórico -------------------- 25
Capítulo 3 – Os “Cabulas” de Salvador ----------------------------------------------------- 35
3.1 Configuração espacial existente até 2000 ---------------------------------------- 35
3.2 O Projeto de Delimitação de Bairros de Salvador ------------------------------ 40
3.3 Confrontando as propostas de 1992 e de 2010 acerca dos limites do
Cabula -------------------------------------------------------------------------------------- 47
Conclusão --------------------------------------------------------------------------------------------- 56
Referências --------------------------------------------------------------------------------------------------- 59
Apêndice A - Entrevista com Adalberto Bulhões Filho – Assessor Chefe da Assessoria Estratégica de Gestão da Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Salvador ----------------------------------------------------------------- 61
Anexo A - Folder explicativo do Projeto de Delimitação dos Bairros de Salvador -- 69
11
Introdução
O bairro é a unidade espacial inserida no tecido urbano onde são realizadas várias
das atividades humanas (moradia, trabalho, lazer, etc.). É no bairro que também são
percebidas, com mais facilidade as relações de pertencimento.
Compreendendo a importância do entendimento dessas relações e também para a
busca de uma unidade territorial comum a todos os órgãos de planejamento e
gestão municipais, a Prefeitura Municipal de Salvador em conjunto com outros
órgãos realizou um estudo acerca dos bairros soteropolitanos com o intuito da
atualizar a antiga malha de bairros da cidade.
Este trabalho tem por objetivo estudar a delimitação de bairros dentro do contexto da
cidade de Salvador, porém devido à complexidade do município no tocante à sua
configuração espacial, o bairro do Cabula foi eleito como objeto de estudo de caso,
devido ao fato de ser um importante bairro do Miolo de Salvador e que hoje passa por
profundas transformações o âmbito de sua conformação e do padrão habitacional.
Para a realização deste trabalho foi utilizado o método dedutivo, pois foi feito o
estudo das principais tendências do planejamento urbano voltados para este tipo de
unidade espacial verificando qual foi aplicada de forma mais marcante na área de
estudo.
O procedimento de pesquisa utilizado foi o histórico, a partir de análises sobre o
contexto histórico da delimitação de tais regiões no território. Este procedimento foi
de suma importância para que fossem feitas relações e comparações, bem como
para que fossem identificadas as intencionalidades que regiram a implementação
deste tipo de divisão territorial.
As técnicas usadas foram entrevista com o idealizador do projeto, Adalberto Bulhões
Filho e pesquisas bibliográficas e documentais referentes ao assunto.
12
Neste trabalho são comparadas as delimitações propostas para o Cabula em 1992
(por Fernandes) e em 2010 (pela Prefeitura Municipal de Salvador). Para que esta
comparação fosse realizada com maior aprofundamento e para facilitar o
entendimento de algumas questões, este trabalho foi dividido em três capítulos.
No primeiro capítulo é feita uma discussão sobre alguns dos conceitos julgados
como fundamentais para o entendimento do tema. Para elucidar os questionamentos
acerca dos conceitos de espaço, de região, de unidade de vizinhança e
especialmente, de bairro, recorreu-se a alguns autores que contribuíram para o
entendimento destas questões, como por exemplo Lefébvre, Santos, Harvey,
Gomes, Barcellos, Caporossi, Santos, Ferrari, entre outros.
Apesar do conceito de bairro não ser tema de discussões teóricas aprofundadas, ou
seja, este é muito baseado no senso comum, este capítulo tem por objetivo trazer o
arcabouço teórico basilar para a formatação do conceito de bairro utilizado no
trabalho como um todo.
No segundo capítulo foi feito um breve histórico sobre as regionalizações que o
município de Salvador já teve e sobre as que ainda permanecem. Julga-se este
capítulo de fundamental importância para o entendimento da amplitude e
complexidade que é regionalizar, propor uma lógica de delimitação.
Para a organização deste histórico, o estudo realizado por Fernandes foi de
fundamental importância, sendo a base teórica para a construção deste capítulo.
É no terceiro capítulo que é feita efetivamente a comparação das duas delimitações
citadas. Neste faz-se uma breve caracterização acerca da área de estudo que em
1992 era tida como homogênea, como um único bairro e que hoje foi subdividida em
cinco bairros distintos.
Neste capítulo encontra-se de forma mais aprofundada a descrição das duas
delimitações propostas para o Cabula, assim, é traçado um panorama que possibilita
apontar os pontos críticos e fazer uma discussão a respeito dos mesmos.
13
Com a realização deste estudo foi possível identificar pontos críticos e fazer uma
análise sobre o projeto de delimitação de bairros e especialmente sobre a
importância deste para a gestão do município de Salvador.
Na conclusão deste trabalho é possível encontrar algumas propostas sugeridas de
modo a contribuir para futuros trabalhos dessa natureza.
14
Capítulo 1
Espaço: um conceito fundamental
Inúmeros autores vem, ao longo do tempo, tentando responder a esta questão tão
importante. O que é espaço? Ao tentar fazer isso, outras questões de igual
relevância são levantadas. De que forma ele interfere nas relações humanas? A
sociedade também interfere na formação do espaço?
Sobre essa discussão acerca do espaço, Barrios (1986) apud Braga (2007) faz
algumas contribuições. A autora entende que “o espaço geográfico como unidade
das práticas espaciais, é a base material, física modificada pela ação humana”
(p.70).
A autora apud Braga (2007) aponta ainda que o espaço é “resultado da produção
humana”:
Tal produção abarca pelo menos três níveis: econômico, cultural-simbólico e político. O nível econômico é reino da produção de bens e serviços do valor agregado ao trabalho humano. O nível cultural-simbólico é aquele da relação entre os seres humanos, dos significados e representações. O nível político é aquele dos interessas dos grupos sociais através das relações de poder, relações estas muitas vezes conflituosas. (BRAGA, 2007, p. 70)
Lefébvre (1976, 1991) apud Braga (2007) entende “o espaço geográfico como
produção da sociedade, fruto da reprodução das relações sociais de produção em
sua totalidade” (p. 70).
Santos (1999) apud Braga (2007), por sua vez, aponta que o espaço geográfico é: “a
forma-conteúdo de base sartoriana, onde as formas não existem por si só, mas são
dotadas de conteúdo, de significado através da ação humana em relação ao seu
entorno” (p. 70).
15
Outra contribuição importante para a discussão sobre espaço vem de Harvey (2001)
apud Braga (2007), para ele “o espaço é tido como construção do homem e não
como algo dado; é o seu cotidiano” (p.69).
Harvey contribui ainda à medida que aponta três diferentes abordagens acerca do
espaço: espaço absoluto, relativo e relacional. O conceito de Harvey sobre o espaço
será de fundamental importância para a melhor compreensão da discussão trazida
no terceiro capítulo.
Pena (2010) cita Harvey (1980) e traz a conceituação dessas abordagens do
espaço, dessa forma o espaço absoluto é:
[...] o espaço em si mesmo [...] “ele possui então uma estrutura que podemos utilizar para classificar ou para individualizar fenômenos” (p.4). Então não há duas parcelas de terra ocupando exatamente a mesma localização, o que dá ao espaço absoluto um caráter singular. (PENA, 2010, p. 22)
Ainda com base em Harvey, Pena conceitua espaço relativo:
[...] pode-se considerar o espaço relativo, pois “a caracterização de um espaço relativo propõe que ele deve ser entendido como uma relação entre objetos, a qual existe somente porque os objetos existem e se relacionam” (p.4-5). O espaço relativo está ligado aos meios de transporte e à acessibilidade que fazem com que as partes do tecido urbano se comuniquem espacialmente. (PENA, 2010, p.22)
Acerca de espaço relacional Harvey (1980) apud Pena (2010) considera-o “como
estando contido em objetos, no sentido de que um objeto existe somente na medida
em que contém e representa dentro de si próprio as relações com outros objetos”
(p.X).
Para tornar ainda mais claro o conceito de espaço absoluto, relativo e relacional,
Fernandes, em suas aulas, relaciona espaço a valor e esboça diagramas que foram
trazidos na forma das figuras que seguem.
A figura 1 traduz o espaço absoluto, pois ao comparar terrenos com as mesmas
dimensões, porém com topografia totalmente diferente (uma bastante acidentada e
16
outra plana) chega-se à conclusão de que o terreno B terá um valor maior, pois é
mais propício à ocupação que o terreno A. dessa forma o espaço absoluto / valor
absoluto tem relação com as características físicas.
Figura 1: Espaço Absoluto Fonte: Elaborado por FERNANDES, LIMA e PENA (2010)
A figura 2 já acrescenta outras variáveis à análise. Trata-se do espaço relativo / valor
relativo. Neste é importante considerar as conexões, as diversas redes de serviços
(água, energia elétrica, gás, etc.). Neste caso o terreno A possui um maior valor em
relação ao terreno B devido as suas conexões, mesmo possuindo uma topografia
acidentada.
17
Figura 2: Espaço Relativo
Fonte: Elaborado por FERNANDES, LIMA e PENA (2010)
O espaço relacional / valor relacional demonstrado na figura 3 indica que mesmo
quando as redes de serviços e as conexões estão disponíveis para os dois terrenos
ainda há outra variável que interfere no valor, que é a vizinhança. Neste caso, por
estar próximo a serviços como banco, shopping center e parque o terreno A (apesar
de sua topografia bastante acidentada) ainda é mais atraente que o terreno B (um
local totalmente plano), devido à vizinhança que o torna mais valioso.
18
Figura 3: Espaço Relacional Fonte: Elaborado por FERNANDES, LIMA e PENA (2010)
Além do próprio conceito de espaço, os aprofundamentos teóricos nos remeteram a
outros temas também importantes, como veremos a seguir.
Um desses temas é o território, que é o próprio espaço imbuído da categoria poder.
Dessa forma um espaço no qual é exercido poder é chamado de território. O
território é importante até entre os animais. Grupos de mesma espécie demarcam
territórios a fim de melhor defender as suas crias e o alimento existente na área,
promovendo assim, a perpetuação da espécie.
É tão importante saber exatamente as fronteiras de um território que há, em várias
partes do mundo, regiões onde as guerras para definição de territórios ocorrer
constantemente. Historicamente há vários relatos sobre guerras entre nações pela
disputa por certas áreas estratégicas. Estratégicas por sua localização, por seus
condicionantes naturais ou por riquezas ali existentes.
Além do propósito de evitar conflitos, a definição de fronteiras, territórios, está
diretamente ligada com a política, com relações culturais, econômicas e por
19
consequência possui intencionalidade. Esta intencionalidade está também posta na
regionalização dos bairros de Salvador, mas antes de entrar nesse contexto vale a
discussão sobre o conceito de região.
Segundo Gomes (1995), a palavra região deriva de uma expressão em latim regere.
Esta expressão é composta pelo radical reg, que deu origem também a outras
palavras como: regente, regência, regra, entre outras. Ainda segundo o autor, nos
tempos do Império Romano, Regione, era o termo utilizado para designar áreas que
apesar de dispor de administração local, estavam subordinadas às regras gerais
impostas por Roma.
Região é um conceito que abrange várias escalas. Pode estar relacionada com a
pequena área de uma cidade e seu entorno, pode também se relacionar com a área
que representa vários estados, como por exemplo, as Regiões Norte, Nordeste, Sul
do Brasil e também pode se referir a escalas internacionais como é o caso da região
dos Países Baixos.
Ainda segundo Gomes:
Na linguagem cotidiana do senso comum, a noção de região parece existir relacionada a dois princípios fundamentais: o de localização e o de extensão. Ela pode assim ser empregada como uma referência associada à localização e à extensão de um certo fenômeno, ou ser ainda uma referência a limites mais ou menos habituais atribuídos à diversidade espacial. Empregamos assim cotidianamente expressões como – “a região mais pobre”, “a região montanhosa”, “a região da cidade X”, como referência a um conjunto de área onde há o domínio de determinadas características que distingue aquela área das demais. (GOMES, 1995, p. 4.)
É necessário compreender que o importante da regionalização não é apenas
identificar as divisões e subdivisões dos espaços, mas sim o critério que é utilizado
para a realização dessa divisão. Sempre há uma intencionalidade na proposição de
regiões.
Os motivos podem variar muito, desde aqueles ligados às questões naturais,
intrínsecas ao local, a questões políticas, de localização, entre outros. O fato é que
regionalizar, subdividir o espaço é essencial para conhecê-lo, para estudá-lo e, por
consequência, para melhor administrá-lo.
20
Como já foi dito, a região se enquadra em várias escalas. A escala que será tratada
neste trabalho é a escala urbana. Neste caso, o estudo se baseia na escala do
bairro. Uma região que tem uma íntima ligação com o sentimento de pertencimento,
tem ligação com identidade.
No subitem a seguir esta região é tratada no âmbito conceitual. Apesar da
dificuldade em encontrar bibliografia a respeito, um conceito sobre o bairro é
proposto.
1.1 O Bairro: unidade espacial, conceito popular
Como será possível observar no próximo capítulo, Salvador possui uma série de
delimitações espaciais, uma série de regionalizações. Durante toda a sua história,
esteve regida por inúmeras divisões territoriais e ainda hoje alguns dos mais
importantes órgãos, tais como Companhia de Desenvolvimento do Estado da Bahia
(CONDER), Secretaria de Desenvolvimento, Habitação e Meio Ambiente (SEDHAM),
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), entre outros, utilizam
regionalizações próprias a fim de viabilizar o trabalho a ser realizado por cada
instância.
Porém, no âmbito popular essas regionalizações específicas perdem espaço para
um tipo de divisão que está relacionada com o sentimento de pertencimento a um
lugar. Este lugar ou região em específico é comumente chamado de bairro.
Mas, afinal o que vem a ser um bairro? Ao tentar responder esta pergunta e buscar
dentro da produção teórica existente um conceito para este termo, constatamos a
quase inexistência de material a respeito do que vem a ser o conceito de bairro. É
estranho que uma palavra tão utilizada popularmente não seja tema de discussões
teóricas mais aprofundadas.
21
Um termo bastante discutido no meio acadêmico e que se aproxima, (porém não se
iguala) ao conceito de bairro é a Unidade de Vizinhança (UV). Segundo Barcellos
pode-se conceituar a UV desta forma:
Unidade de Vizinhança é segundo a formulação original do início do século 20 uma área residencial que dispõe de relativa autonomia com relação às necessidades quotidianas de consumo de bens e serviços urbanos. Os equipamentos de consumo coletivo teriam assim sua área de atendimento coincidindo com os limites da área residencial. As concepções mais clássicas de Unidade de Vizinhança apresentam duas preocupações básicas. A primeira, com a distribuição dos equipamentos de consumo na escala da cidade – e aí a escola aparece como foco das atenções, inclusive por ser um dos motivos geradores da concepção. A segunda preocupação, refere-se ao anseio de recuperação de valores de uma vida social a nível local (relações de vizinhança), considerados enfraquecidos ou mesmo perdidos com as transformações por que passou a vida urbana em decorrência dos processos espaciais e sócio-econômicos ocasionados pela Revolução Industrial. (BARCELLOS, s.d., s.p.)
A partir deste conceito fica claro que o termo bairro está relacionado com uma
sociabilidade tradicional, com uma relação de vizinhança natural que se perde com o
passar dos anos e especialmente após a Revolução Industrial.
Segundo alguns autores, o conceito de Unidade de Vizinhança foi originalmente
formulado por Clarence Arthur Perry no contexto do plano de Nova York de 1929. O
que o idealizador desta unidade territorial propõe ao constituir este conceito é
reavivar essas relações de vizinhança perdidas com a modernidade, além de pensar
em um local onde as pessoas possam realizar as suas atividades quotidianas sem a
necessidade de grandes deslocamentos.
Parry, apud Barcellos assim define a UV em uma das monografias que integra o
plano (The Neighborhood Unit):
1. "Tamanho. Uma unidade de vizinhança deve prover habitações
para aquela população a qual a escola elementar é comumente requerida, sua área depende da densidade populacional. 2. Limites. A unidade de vizinhança deve ser limitada por todos os lados por ruas suficientemente largas para facilitar o tráfego, ao invés de ser penetrada pelo tráfego de passagem.
22
3. Espaços Públicos. Um sistema de pequenos parques e espaços de recreação, planejados para o encontro e para as necessidades particulares da unidade de vizinhança devem ser providenciados. 4. Áreas Institucionais. Locais para escola e outras instituições tendo a esfera de serviço coincidindo com os limites da unidade de vizinhança, devem ser adequadamente agrupadas em lugar central e comum. 5. Comércio Local. Um ou mais locais de comércio adequados à população devem ser oferecidos, de preferência na junção das ruas de tráfego e adjacente a outro similar comércio de outra unidade de vizinhança. 6. Sistema Interno de Ruas. A unidade deve ser provida de um sistema especial de ruas, sendo cada uma delas proporcional à provável carga de tráfego. A rede de ruas deve ser desenhada como um todo, para facilitar a circulação interior e desencorajar o tráfego de passagem." (PERRY, 1929).
A partir da análise do conceito de UV, percebemos que este, seria, grosso modo, um
“bairro planejado”, uma área milimetricamente calculada. De certa forma todo esse
planejamento é interessante, pois há uma grande preocupação com as pessoas,
com o conforto dos habitantes desta localidade. Por outro lado percebemos que há
um esforço de promover relações que nascem, normalmente, de forma espontânea,
especialmente em locais mais populares.
Na busca pela resposta para a intrigante questão, buscamos vários textos de
distintas áreas científicas. Alguns autores tratam das histórias de luta que tiveram
bairros como palco como é o caso de Bolívar e Baldó (1995) em: La cuestión de los
Barrios.
Nesta obra as organizadoras trazem a questão da segregação e discriminação
sofridos por moradores dos bairros periféricos da Venezuela, porém os vários artigos
que compõe a obra não tocam no conceito de bairro. Apesar de tocar sempre na
questão do pertencimento e da identificação com o local.
Já Caporossi (2010) faz em seu artigo: En busca del barrio: reflexiones sobre San
Vicente, en Córdoba um estudo de um bairro em específico. Na verdade ela defende
que esta área se constitui um bairro e faz a sua defesa também baseada no principio
do sentimento popular de pertencimento, do sentimento de ser parte integrante
daquele local.
23
Jacobs (2000), por sua vez, em sua obra Morte e vida de grandes cidades, faz uma
reflexão a respeito das consequências que o crescimento econômico e que a
modernidade traz para os grandes centros urbanos. Faz uma reflexão sobre as
relações de vizinhança que se perdem em meio à correria das grandes cidades.
Em seu livro “Cidade, democracia e socialismo” Castells (1980) retrata a luta de
associações nascidas em bairros operários em busca de melhores condições de
vida. Neste livro o autor alerta para uma questão interessante ao dizer que “um
bairro é mais que uma aglomeração de habitações”, ele quer dizer que além do local
de morar (do abrigo) é necessário que os bairros possam oferecer serviços (escolas,
comércio de primeira necessidade, transporte, serviços de saúde).
Uma outra referência no que diz respeito à questão urbana e que trata, desses
temas de forma simples e dinâmica é Santos (1998). Este autor tenta desvendar os
conceitos referentes às questões urbanas de forma divertida e de fácil leitura. No
seu livro “A cidade como um jogo de cartas”, ele traz algumas ilustrações no seu
livro e uma delas foi selecionada para entrar no rol de indícios que vão levar ao
conceito do tão famoso bairro.
Na figura extraída do livro de Santos é possível delinear com mais consciência um
conceito até então abstrato.
Figura 4: Níveis escalares dentro da cidade Fonte: SANTOS, 1998, p. 160.
Outro autor a ser lembrado é Ferrari. No livro de sua autoria Dicionário de
urbanismo, Ferrari faz um dicionário dos vocábulos mais utilizados pelos
profissionais da área do urbanismo e uma das palavras escolhidas foi bairro que o
autor define da seguinte forma:
24
Unidade constitutiva da cidade de origem espontânea, integrada por indivíduos e grupos primários que podem manter entre si contatos simpáticos, desinteressados, e ter consciência de pertencerem à mesma comunidade. (FERRARI, 2004, p. 49)
Todos esses autores trazem contribuições extremamente importantes para a
compreensão do conceito de bairro. Por não esgotarem completamente a questão é
apresentado aqui o conceito da palavra bairro construído à partir das reflexões
propostas por estes autores:
Unidade espacial, componente do espaço urbano, conectado ao tecido urbano
através de vias de acesso, espontaneamente constituído, que possui em sua área
oferta de serviços básicos de educação, transporte, saúde e comércio de primeira
necessidade (padarias, pequenos mercados, pequenas lojas), e que possui uma
população consciente da sua condição de pertencimento a este local.
Essa definição será fundamental para a discussão proposta no capítulo 3, pois o
mesmo trata das delimitações do bairro do Cabula, assim como dos critérios a serem
considerados na definição de um bairro.
Depois dessa definição é possível afirmar que o que foi proposto nesse subitem foi
cumprido. No capítulo que segue é feito um breve histórico acerca das diversas
divisões territoriais que o município de Salvador já passou.
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Capítulo 2
Divisão territorial de Salvador: um breve histórico
Salvador possui um histórico bem extenso de regionalizações do seu território. Isto
se explica, também, por ser a primeira cidade fundada no Brasil. Para descrever as
regionalizações propostas para Salvador é possível recorrer a inúmeras leis e
decretos que discorrem a respeito do tema.
Será utilizado neste capítulo o trabalho de dissertação feito por Fernandes, em 1992,
a respeito do Cabula. Nele encontra-se um vasto material a respeito do tema e que
servirá de base para a construção deste capítulo.
Segundo a autora, do século XVI ao final do século XIX, a capital baiana passou por
um grande número de regionalizações. A primeira delas, feita com o propósito de
proteger a mais nova província portuguesa das Américas, dividiu o território
soteropolitano em “Cidade Alta” e “Cidade Baixa”, aproveitando a topografia local
que já apontava para essa perspectiva.
Ainda no século XVI outra divisão territorial é instituída em Salvador. Eram as
chamadas freguesias. Com base em alguns autores, Fernandes (1992) afirma que:
“freguesias eram delimitações territoriais feitas pela igreja, que se caracterizavam
como as menores unidades eclesiásticas sendo sediadas pelas respectivas igrejas
matrizes e estavam sob a responsabilidade dos párocos correspondentes.”
Não se tratava de uma delimitação administrativa da coroa portuguesa, porém o
controle exercido em cada freguesia possibilitava a elaboração das listas de
qualificação eleitoral, o recrutamento militar, além das cerimônias próprias da Igreja
Católica como batismos, casamentos, entre outras. Percebe-se a importância não
somente das freguesias, mas também, da Igreja na administração local.
A seguir uma figura que traz a configuração da cidade de Salvador dividida em
freguesias
26
Figura 5: Freguesias Urbanas Fonte: FERNANDES, 1992, p.111.
Segundo Vilhena apud Fernandes (1992), as freguesias soteropolitanas
classificavam-se em dez urbanas e dez suburbanas no final do século XVIII. No
século XIX era em freguesias urbanas e rurais que o espaço de Salvador estava
dividido.
É importante destacar que é na freguesia de Santo Antônio Além do Carmo que está
localizada a nossa área de estudo, ou seja, o Cabula como é possível observar na
figura 5. Segundo Costa apud Fernandes (1992), a freguesia de Santo Antônio
possuía grandes dimensões e estava subdividida em dois distritos. O primeiro era
uma área mais urbanizada e situava-se nas proximidades da freguesia do Passo. O
segundo, por sua vez, possuía habitações dispostas de forma mais dispersa e sua
população se dedicava ao plantio de lavouras de subsistência.
No segundo distrito estava localizado o Cabula:
[...] onde existiam algumas áreas que por possuírem certa concentração populacional, correspondiam aos eixos de expansão de Salvador no século XIX. Eram elas: as ruas da Cruz do Cosme, do Pau Miúdo e da Vala até o rio Camurugipe, o Largo do Resgate, a
27
Estrada do Cabula, a Estrada de São Gonçalo, Pernambués, Mata Escura e a Estrada das Boiadas. (FERNANDES, 1992, p.113)
É em 1891 que Salvador ganha uma nova organização territorial. Para Ruy apud
Fernandes (1992) a promulgação da Carta Magna da República e a Constituição do
Estado tiveram como consequência a aprovação da primeira lei baiana de
organização dos municípios Nesta lei estava posto que os municípios estivessem
divididos em distritos e estes, por sua vez, em quarteirões.
Apesar de a nova regionalização utilizar o termo distritos, as freguesias não haviam
sido esquecidas. Estas foram incorporadas a esta regionalização como partes
formadoras dos distritos. Até 1938, Salvador estava dividida em distritos.
Em aproximadamente 40 anos (1891-1938) a cidade passou por algumas leis que
instituíram alguns distritos, que os agruparam em circunscrições escolares, os
classificaram de várias formas. Finalmente, em 1920 a cidade estava dividida em
vinte distritos de paz classificados como distritos urbanos e suburbanos, conforme
configuração explicitada na figura 6.
DISTRITOS DE PAZ DE SALVADOR
URBANOS SUBURBANOS
Sé Pirajá São Pedro Paripe
Victoria Aratu Sant’Anna Cotegipe Nazareth Matoim
Rua do paço Passé Santo Antônio Maré
Brotas Itapoã Conceição da Praia
Pilar Mares Penha
Figura 6: Salvador: seus distritos e as classificações dos mesmos – 1920 Fonte: Acto N. 127 de 5 de novembro de 1920 apud FERNANDES, 1992, p. 120.
28
Segundo Fernandes (1992), no ano de 1938, em 18 de novembro, que o prefeito da
cidade, baseado em lei federal, resolve que Salvador ficaria dividida em doze zonas
urbanas (os mesmos distritos urbanos listados na figura 3) e em doze suburbanas
(constituídas dos oito distritos suburbanos somados às zonas de Candeias, Periperi
e Ipitanga).
Em 12 de setembro de 1944, através do Decreto-Lei Nº 333, apud Fernandes
(1992), o então prefeito de Salvador decide que a cidade passaria a ter um total de
vinte e quatro subdistritos, estes classificados em três zonas (urbana, suburbana e
rural). Aproximadamente dez anos depois, em 12 de agosto de 1954, o prefeito de
Salvador, através de exigência da Lei Estadual, Nº 628, apud Fernandes (1992), do
ano de 1953, estabelece que o município ficaria dividido em cinco distritos (Salvador
- sede, Ipitanga, Água Comprida, Nossa Senhora das Candeias e Madre de Deus),
estes subdivididos.1
Finalmente em 15 de junho de 1960, através da Lei Nº 1038, apud Fernandes
(1992), o então prefeito faz algumas alterações na regionalização soteropolitana e é
nesta que o termo bairro aparece pela primeira vez em documento oficial. A partir
desta lei o município de Salvador passaria a ter apenas quatro distritos, já que
Candeias havia se emancipado. Cada distrito passaria a ter sua subdivisão em
zonas urbanas, suburbanas e rurais.
Na figura abaixo a listagem dos subdistritos urbanos do distrito de Salvador e seus
respectivos bairros:
1 Para maior aprofundamento no tema buscar em FERNANDES, 1992.
29
Bairros dos Subdistritos da Zona Urbana do Distrito de Salvador - 1960
Subdistritos Bairros
I - de Amaralina
1 - Amaralina
2 - Pituba
3 - Rio Vermelho
II - de Brotas
4 - Acupe
5 - Cosme de Farias
6 - Engenho Velho
7 - Matatu
VI - dos Mares 8 - Calçada
9 - Uruguai
VII - de Nazaré 10 - Saúde
X - da Penha
11 - Bonfim
12 - Itapagipe
13 - Jardim Cruzeiro
14 - Massaranduba
15 - Monte Serrate
XV - de Santana 16 - Tororó
XVI - de Santo Antônio
17 - Barbalho
18 - Cruz do Cosme
19 - Liberdade
20 - Pau Miúdo
21 - Quintas
XVII - de São Caetano
22 - Fazenda Grande
23 - Lobato
24 - São Caetano
25 - Tanque da Conceição
XVIII - de Santo Pedro 26 - Barris
XX - da Vitória
27 - Barra
28 - Canela
29 - Fazenda Garcia
30 - Federação
31 - Graça
32 - Ondina
Figura 7: Bairros dos Subdistritos da Zona Urbana do Distrito de Salvador – 1960 Fonte: Lei Nº 1038 de 15 de junho de 1960, apud FERNANDES, 1992, p. 126.
30
Como é possível constatar no texto, a primeira e até então, última delimitação oficial
de bairros feita para Salvador data do ano de 1960. Em cinquenta anos percebemos
grandes mudanças no tocante à configuração urbana do município. Algumas áreas
se consolidaram, outras começaram a ser ocupadas, outras não tiveram tantas
modificações. O fato é que nesse período a divisão de bairros em Salvador se
tornou obsoleta.
Atualmente a regionalização utilizada pela Prefeitura Municipal de Salvador é aquela
que divide a cidade em Regiões Administrativas (RAs). Essa delimitação é
endossada no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de 2004. Nele as RAs
ganham uma nova formatação (atualização da divisão feita na década de 1980).
Fernandes contribui para a compreensão do processo de implementação das RAs
no território da capital baiana:
O processo de formação das Administrações Regionais, já havia sido idealizado desde a década de 1970, pelo Grupo de Trabalho criado pelo prefeito Jorge Hage para fazer o Plano de Desenvolvimento Urbano (PLANDURB) para Salvador. O referido processo, contudo, só se institucionalizou com a aprovação da Lei 3668 de 28 de novembro de 1986 sendo que foi através do Decreto 7791 de 16 de março de 1987, que a Prefeitura regularizou a implantação e definiu a área de cada uma das dezessete Regiões Administrativas. (FERNANDES, 1992, p. 130)
Constata-se que a própria administração municipal percebe a inconsistência da
utilização dos bairros até então existentes em Salvador para a implementação de
suas políticas e para a efetivação do planejamento. As Regiões Administrativas
aglutinam áreas que até então não são oficialmente bairros, porém são integrantes
da área do município e por isso devem ser consideradas no planejamento municipal.
A seguir uma representação do que seria a regionalização em RAs na década de
1980. Nesta pode-se perceber as dezessete Regiões Administrativas citadas
anteriormente:
31
Figura 8: Divisão do território de Salvador em Regiões Administrativas
Fonte: FERNANDES, 1992, p. 137.
Na atual delimitação das RAs o território continental ganha mais uma divisão.
Atualmente ao invés de dezessete regiões, Salvador passa a contar com dezoito
áreas. Na figura a seguir é possível analisar a atual regionalização do município em
Regiões Administrativas feita no PDDU de 2004.
32
Figura 9: Divisão do território de Salvador em Regiões Administrativas Fonte: PDDU 2004
Não é apenas a prefeitura de Salvador que possui uma regionalização própria para
por em prática as suas políticas. Outros órgãos (em instâncias de atuação
diferenciada: municipal, estadual e federal, além de empresas privadas), também
utilizam regionalizações específicas a fim de facilitar a sua operação.
Pelo que é possível observar essas regionalizações feitas por estes diferentes
órgãos não estão, se quer, próximas. Essas regionalizações não possuem uma
lógica comum.
É fato que essa ultrapassada delimitação oficial dos bairros dificulta, porém não
impossibilita a atuação dos profissionais, afinal as correspondências chegam aos
seus destinos, os censos foram realizados durante todo esse tempo, a distribuição
de água e energia ocorre sem maiores transtornos e as obras públicas são
realizadas nos locais onde são propostos.
33
Por outro lado, a falta de uma unicidade de regionalizações impossibilita que
qualquer cidadão possa reunir informações sobre certa área. É impossível fazer o
estudo com total precisão de dados, pois as bases territoriais em cada repartição
são diferenciadas. Na figura a seguir podemos perceber um emaranhado de linhas
formado pelas regionalizações atualmente usadas em Salvador:
Figura 10: Regionalizações utilizadas em Salvador Fonte: Prefeitura Municipal de Salvador/SMA.
Se um cidadão ou um pesquisador quisesse reunir informações a respeito de certo
bairro não obteria êxito. Ao buscar dados sobre os volumes de água e energia
dispensados para esta área hipotética encontraria informações distintas. A mesma
situação se repetiria ao buscar informações sobre a renda e a escolaridade dos
chefes de família da população local, no Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), já que este utiliza uma regionalização baseada em setores
censitários.
Também o setor público esbarra nas mesmas dificuldades, pois ao desenvolver um
projeto para melhoria na infraestrutura de certo bairro ou para a realização de um
Plano de Bairro, por exemplo, não teria posse de informações totalmente confiáveis
sobre a área.
34
Proporcionar uma unicidade de informações é apenas uma das inúmeras vantagens
de conhecer os limites de cada bairro. No capítulo seguinte, além da caracterização
do foco deste estudo, o Cabula, será feita também uma discussão a respeito da
antiga delimitação deste local bem como da atual, ainda não oficializada.
35
Capítulo 3
Os “Cabulas” de Salvador
3.1 Configuração espacial existente até 2000
Segundo Santos, Pinho, Moraes e Fischer (2010), a região onde está localizado o
bairro do Cabula e, segundo a nova delimitação, outros bairros como Resgate,
Saboeiro, Doron e Narandiba, era conhecida por ser uma área com fortes
características rurais e por suas plantações de laranjas.
Ainda segundo os autores, essas terras foram, por volta do século XVI, doadas a
Antônio de Ataíde e posteriormente arrendadas ao senhor Natal Cascão, que
construiu a capela de Nossa Senhora do Resgate, atualmente conhecida como
Igreja da Assunção. Nascia então um pequeno povoado a partir da ocupação nos
arredores dessa igreja.
Após algum tempo esses laranjais foram sendo destruídos por pragas e as fazendas
localizadas na área foram loteadas e vendidas. Foi por volta da década de 1970 do
século XX que a região do miolo de Salvador e consequentemente a região do
Cabula experimenta uma maior urbanização e passa a ser um local atraente para a
construção de conjuntos habitacionais.
Deu-se, especialmente por se tratar de um local onde as terras eram e continuam
sendo mais baratas que em outros pontos mais valorizados da capital baiana, porém
é alvo de interesse também por conta da sua localização.
Segundo Fernandes (2003) o nome do bairro tem uma origem peculiar:
[...] consideramos interesante tratar del significado del término Cabula que tienen su origen en el idioma Bantú, hablado en una región que se extiende entre los países Congo - Angola. De acuerdo con Y. Castro el término significa misterio, culto (religioso), secreto, escondido y, probablemente ha sido atribuido al sitio, para destacar la existencia de varios quilombos los cualesm a su vez, promocionaron el Candomblé, tan famoso en el Cabula. (FERNANDES, 2003, p. 165)
36
Há, também, outra versão para a origem do termo que Rego apud Santos, Pinho,
Moraes e Fischer (2010), traz:
[...] o nome deste bairro é de origem africana. Ele afirma que “o termo Cabula vem do quincongo Kabula, que além de ser verbo, é nome próprio, personativo feminino e também o nome de um ritmo religioso muito tocado, cantado e dançado, daí o bairro tomar o nome do ritmo frequente naquela área, sendo suas matas utilizadas pelos sacerdotes quincongos”. (SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER, 2010, p. 210)
Como já colocado anteriormente, a última delimitação de bairros que Salvador
possui foi realizada em 1960, no entanto, essa delimitação deixa algumas lacunas
em várias áreas da cidade. Na figura 13 do subitem 3.2 é possível observar a
distribuição dos bairros dentro do território do município e perceber que a área, hoje
conhecida como miolo de Salvador, não é agraciada com subdivisão alguma.
Em 1992, para que fosse possível dar continuidade à análise do “bairro” do Cabula,
Fernandes, em sua dissertação de mestrado, propõe uma poligonal de delimitação
para a região do Cabula, definindo assim a sua área de estudos e por consequência
os limites do “bairro”.
Para tal definição a autora pesquisou as tantas regionalizações da cidade de
Salvador (detalhada no capítulo 2), com o intuito de chegar a uma área precisa do
que seria o bairro do Cabula e não obteve sucesso. Dessa forma houve a
necessidade de traçar uma estratégia para a delimitação do bairro.
Para chegar a uma conclusão Fernandes (1992) adotou o que chama de duas
exigências básicas para essa definição: “considerar, na medida do possível, a noção
comunitária do que vem a constituir o Cabula e não desrespeitar as atuais divisões
oficiais (Zonas de Informação - ZI’s e Regiões Administrativas - RA’s)”.
Dessa forma, destacou nas margens da Rua Silveira Martins (principal via do
Cabula) algumas ZI’s que constituíam a RA XI (Cabula). Dentro dessas ZI’s
destacou os setores censitários que possuíam ligação com o Cabula. Na figura
37
abaixo é possível observar a justificativa dada pela autora para a escolha das ZI’s e
setores censitários:
Figura 11: Elementos constitutivos do Cabula, segundo o censo de 19802 Fonte: FERNANDES, 1992, p. 170.
Adiante é possível analisar espacialmente onde se encontram as ZI’s e setores
censitários selecionados no trabalho supracitado, com a atualização feita para os
setores censitários de 2000:
2 Alguns setores censitários estão acompanhados por letras. Isso se deve ao fato de que em 1980
terem sido definidos alguns setores censitários especiais (de ocupação não efetiva). No caso da letra E ser seguida de “A” indica que a ocupação é especial de alojamento, como por exemplo, hospitais, caso a letra E seja seguida de “C” significa que é um especial coletivo e como exemplo temos quartéis.
38
Figura 12: O Cabula, seus limites e setores censitários 2000.
Fonte: Acervo pessoal de FERNANDES
Como já foi dito anteriormente, as áreas, que compreendem hoje os bairros do
Resgate, Saboeiro, Doron e Narandiba possuem historicamente uma estreita ligação
com a área do bairro do Cabula. Eram pertencentes a uma região basicamente rural.
Segundo Garibalde Alves Gonzaga apud Santos, Pinho, Moraes e Fischer (2010), o
Resgate era uma localidade situada nas proximidades de fazendas:
[...] aqui era terrível, tinha uma cerca de arame farpado na frente e pouquíssimas casas; no inverno era muita lama, no verão muita poeira. Onde hoje é o fim de linha, era a Fazenda Coqueiro, no início do bairro, era a Fazenda Santo Antonio. (SANTOS,PINHO, MORAES e FISCHER, 2010, p. 166)
Segundo os autores supracitados, o bairro do Saboeiro era, também, uma localidade
rural e passou a modificar o seu uso após a chegada da Companhia Hidrelétrica do
Vale do São Francisco (CHESF). A origem do nome da localidade possui duas
versões:
39
Há quem afirme que o nome do bairro é devido à existência de uma fábrica de sabão no local. Oliveira discorda dessa versão e insiste que nunca houve fábrica na região do Saboeiro. Ela explica que este topônimo existe desde o século XIX em razão da presença de gias nas inúmeras lagoas da região. Elas escondiam seus ovos com uma camada grande de espuma que elas próprias produziam. Assim, quando as pessoas seguiam na direção destas lagoas costumavam dizer ”vou no Saboeiro”. (SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER, 2010, p. 212)
O local que hoje é identificado como Doron está situado nas proximidades da Igreja
de Nossa Senhora da Assunção, a mesma igreja citada como embrião do bairro do
Cabula. Segundo PINHO, MORAES e FISCHER (2010), o Doron nasce, em 1980, a
partir da construção de um conjunto habitacional pela antiga Habitação e
Urbanização do Estado da Bahia S/A (URBIS). Ailton Ferreira apud Santos, Pinho,
Moraes e Fischer (2010) aponta uma curiosidade a respeito do local:
Por volta de 1982, o Doron era visto como um conjunto de prédios baixos. Cercados de árvores por todos os lados, mais parecia uma cidadezinha do interior, com casas, umas sobre as outras. Nas cercanias, algumas poucas barracas improvisadas abasteciam os moradores e transeuntes. (SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER, 2010, p. 206)
Segundo os autores anteriormente citados, a área conhecida hoje por Narandiba se
desenvolveu no entorno do que seria inicialmente o rio Narandiba que depois foi
represado e posteriormente aterrado. Nas suas terras foram cultivadas hortas.
Conforme Consuelo Pondé de Sena apud Santos, Pinho, Moraes e Fischer (2010), o
nome do local tem grande relação com o cultivo das famosas laranjas já citadas
anteriormente:
Narandiba é um termo híbrido, formado por elemento de línguas diversas. Como os índios tupi não pronunciavam o fonema L, chamavam a laranja de narã. Narã, como assinala Teodoro Sampaio, é uma adaptação da palavra laranja. O final diba é o mesmo tyba, significa muitos, em grande quantidade, logo laranjal, ou seja, lugar de muitos pés de laranja. (SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER, 2010, p. 208)
Todos esses locais, hoje levados à condição de bairros, possuem uma íntima
ligação, seja pela origem da ocupação, seja pela história. Era bastante lógico que
eles fossem agrupados em um único bairro, afinal possuem características muito
semelhantes.
40
No subitem a seguir será tratado o projeto de delimitação dos bairros de Salvador,
sua lógica e critérios.
3.2 O Projeto de Delimitação de Bairros de Salvador
Como foi colocado no capítulo dois, a primeira e última delimitação de bairros
proposta para Salvador data de 1960. Esta dividia o município em 32 bairros. Hoje
essa regionalização é completamente obsoleta, pois várias áreas que não estavam
consideradas nessa delimitação surgiram e/ou se consolidaram.
Na década de 1960, Salvador ainda estava iniciando o processo de expansão que
hoje é reconhecido sem maiores dificuldades. A área do miolo ainda possuía uma
ocupação rarefeita e isso foi levado em consideração na delimitação dos bairros
soteropolitanos proposta na época.
Ao analisar a imagem a seguir, percebe-se que eram reconhecidas como bairros as
áreas litorâneas da cidade, além, é claro, da área central, embrião do município.
41
Figura 13: Delimitação dos bairros de Salvador em 1960 Fonte: Prefeitura Municipal de Salvador/SMA.
42
Diante do panorama apresentado no capítulo dois a respeito da impossibilidade de
compatibilização de informações que dificulta até o poder público na proposição e
execução de projetos, fez-se necessário propor um projeto para delimitar os bairros
da capital baiana. Além desse, existem outros motivos que levaram a prefeitura de
Salvador a pensar na configuração de bairros.
Devido ao ineditismo deste trabalho e quase inexistência de estudos dessa
natureza, algumas informações foram colhidas em fonte primária, como, por
exemplo, as informações que o Assessor Chefe da Superintendência do Meio
Ambiente e idealizador do projeto, Adalberto Bulhões3, forneceu.
Segundo Bulhões, são motivos para a nova delimitação:
estabelecer um recorte territorial fundamentado na noção de identidade e
pertencimento;
construir unidades de referência de modo a compatibilizar unidades de
planejamento;
propor novos limites de bairros – instituídos anteriormente pela Lei Municipal
Nº 1038/1960;
referenciar a produção de indicadores sociais, econômicos, ambientais e
político-institucionais;
padronizar o endereçamento.
Segundo Adalberto Bulhões era impossível afirmar que um “bairro” possui
determinado número de habitantes, pois não há um limite claro para definir onde
termina esse bairro e começa o próximo. Foi para acabar com a miscelânea de
regionalizações e para proporcionar uma base territorial confiável para a proposição
de políticas públicas pelos órgãos de planejamento, que foi imprescindível a
realização desse projeto.
3 Adalberto Bulhões Filho é Assessor Chefe da Assessoria Estratégica de Gestão da
Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Salvador e idealizador do projeto de delimitação de bairros de Salvador. A entrevista completa está disponível no Apêndice A.
43
Ainda segundo o Assessor Chefe, a prefeitura sozinha não tinha como dar
andamento ao trabalho, por isso outros órgãos e instituições fizeram parte desse
projeto. No plano federal, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a
Universidade Federal da Bahia (UFBA), no plano estadual a Companhia de
Desenvolvimento do Estado da Bahia (CONDER), a Empresa Baiana de Água e
Saneamento (EMBASA), o Instituto do Meio Ambiente (IMA), o Instituto de Gestão
das Águas e Clima (INGA), a Secretaria do Meio Ambiente do Estado e no plano da
municipal, a Superintendência do Meio Ambiente (SMA) e a Secretaria de
Desenvolvimento, Habitação e Meio Ambiente (SEDHAM).
Segundo informações obtidas na prefeitura, para chegar à malha de bairros proposta
hoje, com 160 bairros, a equipe que trabalhou no projeto obedeceu algumas etapas.
Inicialmente foi realizada uma pesquisa para saber quais as delimitações existentes
para a cidade, inclusive as possíveis malhas de bairros existentes (ver figura 10 do
capítulo 2).
Para a segunda etapa era necessário fazer um reconhecimento da área de estudo
além de levantamento histórico sobre a área em questão. Na terceira etapa foi
levada em consideração a opinião popular para a delimitação dos bairros. Para tanto
se utilizou o conceito de jurisdição associativa4 e essa malha de bairros foi traçada
após a realização de 76 reuniões onde foram ouvidas as comunidades. Essas
reuniões eram divulgadas, também, através de um folder, este está disponível no
anexo A.
Caso houvesse algum conflito referente aos limites de certo bairro, seria aplicado
questionário na população residente nas adjacências dos possíveis limites. Em
algumas ocasiões esse conflito existiu e teve que ser aplicado esse questionário
(Figura 14). Através dessa pesquisa direta, da aplicação de 21.175 questionários, a
delimitação pode finalmente ser traçada.
Ainda a respeito dos conflitos, Bulhões afirma:
4 Conceito criado no trabalho de delimitação de bairros para designar a área de atuação de entidades
de bairro, na qual a comunidade se reconhece pertencente. Ver mais a respeito na entrevista com Adalberto Bulhões, no apêndice A deste trabalho.
44
Nós tivemos conflitos nos limites, aí, aparecia alguns conflitos entre entidades. Um achava que era até ali, outra entidade achava que não, que o limite era mais “assim”. Então quando houve esse conflito, nós aplicamos, como eu disse anteriormente, nós aplicamos a pesquisa pra dirimir e eles também aprovaram essa metodologia de aceitar o que apontava a pesquisa, então eles absorveram. (BULHÕES, 2010 – Anexo A)
Figura 14: Questionário aplicado nas áreas de conflito Fonte: Prefeitura Municipal de Salvador/SMA.
Após a apresentação para a comunidade dos mapas definitivos e aprovação das
mesmas, passou-se à última fase que foi o georreferenciamento dos marcos e
limites dos bairros.
Dentro da metodologia utilizada vale ressaltar alguns pontos: os critérios utilizados
para a definição dos limites dos bairros e os critérios utilizados para a definição de
um local como bairro. Segundo informações obtidas na SMA, os critérios utilizados
para a definição dos limites foram:
45
dimensão histórica;
barreiras físicas naturais (hidrografia, topografia);
barreiras impostas por intervenções (urbanização);
eixo de logradouro, fundo de lote.
Já os critérios utilizados para que uma dada área fosse constituída como bairro
foram:
pertencimento da comunidade (critério norteador);
existência de unidade escolar de ensino fundamental (a partir da 6ª série)
pública, comunitária ou privada;
existência de unidade de saúde (pública, comunitária ou privada) de
atendimento geral ou especializado;
existência de um logradouro hierarquizado como via coletora (ou equivalente
em porte/capacidade de fluxo) ou superior;
disponibilidade de transporte público, seja por ônibus ou micro-ônibus, desde
que regulamentado.5
Segundo Bulhões, durante a realização desse projeto a equipe teve que enfrentar
alguns problemas, especialmente de ordem institucional e de financiamento.
Na imagem a seguir é possível observar a configuração de bairros proposta para
Salvador:
5 Para ser considerada bairro, a área deve atender a pelo menos 4 dos 5 critérios citados, sendo que
a noção de pertencimento é obrigatória.
46
Figura 15: Atual configuração de bairros de Salvador
Fonte: Prefeitura Municipal de Salvador/SMA.
47
Apesar de já estar concluído, o trabalho ainda não se tornou lei. Ainda terá que
passar por aprovação na Câmara de Vereadores para que então a lei seja
sancionada.
No subitem seguinte será feito com maior aprofundamento uma discussão acerca
dos critérios adotados nas duas delimitações, sua coerência e aplicabilidade.
3.3 Confrontando as propostas de 1992 e de 2010 acerca dos limites do Cabula
Na atual delimitação de bairros de Salvador, ao contrário da que foi realizada em
1960, toda a cidade está contemplada com subdivisões. Muitas áreas da cidade,
hoje consolidadas, se tornaram bairros. Uma dessas áreas que se consolidaram
dentro do cenário soteropolitano foi o Cabula, foco deste estudo.
Que muitas áreas cresceram em termos populacionais e em oferta de serviços são
fatos que não podem e nem devem ser negados, porém, será que localidades onde
foram construídos alguns conjuntos ou até um único conjunto habitacional pode ser
elevado à categoria de bairro?
No subitem 3.1 é possível constatar as semelhanças existentes entre os bairros do
Cabula, Resgate, Saboeiro, Narandiba e Doron. Estes poderiam constituir, juntos,
um mesmo bairro, porém, pela nova delimitação cada área é um bairro diferente.
O Cabula delimitado por Fernandes em 19926 compreende tanto a área do atual
Cabula como a área destes outros bairros já citados. Mesmo desvinculando essas
áreas do que seria o Cabula, o bairro ainda continua com uma grande área
territorial, grande parte dela formada pelo 19º Batalhão de Caçadores (19º BC). Na
6 O primeiro trabalho em que Fernandes faz uma delimitação do Cabula data de 1992, trata-se da sua
dissertação de mestrado, porém em 2000 o IBGE atualiza a divisão dos setores censitários da cidade e devido a isso a autora estende essa atualização para o seu trabalho. É também em 2000 que defende a sua tese de doutorado, a qual é publicada como livro em 2003 e conta com os mapas atualizados.
48
figura a seguir é possível observar a poligonal traçada em 2000 (atualização
baseada nos setores censitários de 2000) e a atual poligonal do bairro do Cabula.
Figura 16: Delimitação proposta por FERNANDES (1992) – atualização (2000) e atual delimitação do Cabula (2010). Fonte: Produzida pela autora com base em FERNADES (2000); SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER (2010) e aerofotos de Salvador (2006).
A área que não foi incorporada ao Cabula foi subdividida em 4 bairros, já
rapidamente caracterizados no subitem 3.1. Estes podem ser observados na figura a
seguir que faz uma superposição dos Cabula(s), espacializa também estes quatro
bairros, além de adicionar o bairro de Pernambués, que tem uma pequena parte de
sua área inserida na poligonal do Cabula de 2000.
49
Figura 17: Delimitação proposta por FERNANDES 2000, atual delimitação do Cabula e bairros adjacentes.
Fonte: Produzida pela autora com base em FERNADES 2000; SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER, 2010 e aerofotos de Salvador do
vôo de 2006.
50
O questionamento que se faz a essa subdivisão está diretamente ligado ao respeito
dos próprios critérios apontados como ideais para a delimitação dos bairros e
também se esses são os melhores critérios a serem adotados.
Dentro dessa configuração o Doron e o Resgate são emblemáticos. O Doron é um
conjunto habitacional, o maior construído na região do Cabula e justamente por
possuir uma grande quantidade de unidades habitacionais atraiu serviços (como
pequenos comércios) e houve a necessidade também de implantação de escola e
unidade básica de saúde, por parte do poder público, nas imediações do conjunto.
O Resgate, por sua vez é constituído por uma “rua sem saída” e nas suas margens
foram sendo construídos alguns conjuntos com um padrão construtivo melhor e
voltados para uma faixa de renda maior que os construídos nas outras áreas do
Cabula.
Esses locais, assim como Narandiba e Saboeiro, poderiam ser denominados de
localidades do bairro do Cabula. Essa categoria está prevista na nova delimitação de
bairros e se enquadra nessas áreas.
As localidades de bairro, segundo Adalberto Bulhões, seriam áreas consolidadas e
conhecidas que não atendiam aos critérios para serem definidos como bairros7.
Como colocado no item 3.2, para ser considerada bairro, uma área deve atender a
pelo menos 4 dos 5 critérios elencados para a definição de um bairro, sendo que o
sentimento de pertencimento é obrigatório dentro de uma comunidade. A seguir,
uma tabela comparativa com os critérios utilizados nas delimitações de 1992 e de
2010:
7 Ver mais a respeito de localidades de bairro na entrevista (Apêndice A).
51
Figura 18: Comparativo dos critérios utilizados nas delimitações de 1992 e 2010. Fonte: Construída pela autora, com base em FERNANDES (1992) e no Projeto de Delimitação de Bairros (2010)
Apesar de mais criteriosa, a proposta de 2010 se comunica com a proposta de 1992
pelo fato de possuírem um critério em comum, a idéia do pertencimento. A proposta
de 2010 considera a importante questão dos equipamentos para a delimitação de
um bairro, porém não faz menção alguma aos setores censitários ou a qualquer
outro tipo de regionalização oficial o que, ao contrário desta, faz a proposta de 1992.
Um questionamento importante a ser feito a respeito da delimitação de bairros em
2010 é o fato da omissão de um dos cinco critérios apontados como ideais para a
delimitação. É fato que os pontos elencados como critérios são de extrema
importância para que a comunidade de um bairro possa realizar as suas atividades
quotidianas com maior facilidade e conforto, dessa forma, como afirmar que uma
comunidade pode viver sem um desses serviços?
Uma localidade que possuísse sentimento de pertencimento, equipamento de
saúde, equipamento de educação, via coletora ou equivalente, mas não fosse
Critérios apontados para a definição do bairro do Cabula
1992 2010
Considerar a noção comunitária Pertencimento da comunidade
Não desrespeitar as divisões oficiais
(ZI’s e RA’s) da época
Existência de unidade escolar de ensino
fundamental (a partir da 6ª série) pública,
comunitária ou privada
Respeitar os setores censitários Existência de unidade de saúde (pública,
comunitária ou privada) de atendimento
geral ou especializado
------- Existência de um logradouro
hierarquizado como via coletora (ou
equivalente em porte/capacidade de
fluxo) ou superior
------- Disponibilidade de transporte público seja
por ônibus ou micro-ônibus, desde que
regulamentado
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servida de transporte público, seria definida como bairro. Seguramente essa
definição é questionável, afinal o transporte público é vital dentro do sistema de
mobilidade de uma cidade, ele facilita o trânsito de pessoas por meio das conexões
viárias. O mesmo questionamento vale para a falta de qualquer outro serviço listado
como critérios nessa nova delimitação.
Para um melhor entendimento a respeito das vias coletoras e das demais definições
das vias urbanas, a busca no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) revela importantes
conceitos:
VIA DE TRÂNSITO RÁPIDO - aquela caracterizada por acessos especiais com trânsito livre, sem interseções em nível, sem acessibilidade direta aos lotes lindeiros e sem travessia de pedestres em nível. VIA ARTERIAL - aquela caracterizada por interseções em nível, geralmente controlada por semáforo, com acessibilidade aos lotes lindeiros e às vias secundárias e locais, possibilitando o trânsito entre as regiões da cidade. VIA COLETORA - aquela destinada a coletar e distribuir o trânsito que tenha necessidade de entrar ou sair das vias de trânsito rápido ou arteriais, possibilitando o trânsito dentro das regiões da cidade. VIA LOCAL - aquela caracterizada por interseções em nível não semaforizadas, destinada apenas ao acesso local ou a áreas restritas. (Código de Trânsito Brasileiro, Anexo I, 1997, s.p.)
O critério relacionado à via coletora ou equivalente é muito importante, pois trata de
conectividade, porém esse critério perde um pouco de sua credibilidade já que a
última vez que Salvador teve as suas vias hierarquizadas foi em 1984 na Lei de
Ordenamento e Uso do Solo Urbano de Salvador (LOUOS), na qual é possível
perceber discrepâncias, se comparada com a realidade atual da cidade.
Um exemplo claro dessas discrepâncias é o fato de a Avenida Luis Viana Filho
(Avenida Paralela) estar classificada na LOUOS de 1984, como uma via expressa o
que equivale à de trânsito rápido na definição do CTB. Se analisada com um pouco
de cautela, hoje, a citada avenida não corresponde a uma via expressa. Ela não
possui trânsito livre, é semaforizada (diminuindo a velocidade que se traduz numa
menor fluidez) e possui travessia de pedestres em nível (faixas de pedestre). Esses
problemas de classificação, provavelmente, se estendem a toda a cidade.
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Outra questão intrigante no bojo dessa discussão é o que se chama de sentimento
de pertencimento. Por ser algo abstrato não é possível medir, é algo relativo. É
inegável que as pessoas se sentem “pertencentes” a um local, especialmente se o
local de moradia é agradável, é seguro, ou há relações de vizinhança estabelecidas
ao longo dos anos.
Por outro lado esse conceito é um tanto perigoso e trouxe problemas para a
definição dos limites dos bairros. Por exemplo, uma localidade com uma população
de alta renda, com padrão habitacional alto, que tem como vizinhança uma área de
ocupação precária, onde a população possui baixa renda e é vista muitas vezes
como um local perigoso, como é comum em Salvador, é uma situação geradora de
futuros conflitos.
Os moradores da área mais nobre não vão aceitar que parte da área precária seja
incorporada ao bairro, pois isso diminuiria o valor dos imóveis devido a vizinhança.
Por outro lado, será interessante para os moradores da área precária que suas
casas sejam incorporadas ao bairro dito nobre, pois isso aumentaria o valor dos
seus imóveis. Dessa forma, a vizinhança de uma localidade lhe confere um status, o
que interfere no valor, como dito no capítulo 1.
Dentro dessa nova delimitação de bairros existem pelo menos dois exemplos de
localidades que não seguem a lógica dos critérios para a definição de um bairro. São
eles o bairro do Centro Administrativo da Bahia (CAB), situado na Avenida Paralela,
nas proximidades de Sussuara, e o bairro do Aeroporto, nas imediações de Itapuã.
Esses bairros foram definidos sob outra lógica de delimitação já que o bairro do CAB
e do Aeroporto compreendem apenas a área dos empreendimentos, não existem
habitações e, dessa forma, não há sentimento de pertencimento. Apesar de serem
totalmente diferentes dos demais bairros da cidade, há uma justificativa para que
estes locais fossem destacados do tecido urbano, formando bairros específicos.
Segundo Bulhões, definir que o Aeroporto ou o CAB são integrantes de um bairro é
uma tarefa complicada, já que eles estão dentro de uma rede de bairros, possuem
vizinhanças e por isso não seria justo inseri-los em um bairro ou em outro, além de:
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Do ponto de vista do estudo, você ter uma base pra estudo, primeiro que ela converge pra outros bairros, ela tá delimitada junto a outros bairros, segundo ele passa a ser um elemento muito grande pra que você venha a estudar aquele bairro, quando você for fazer um trabalho urbanístico, de requalificação, de estudos socioeconômicos da comunidade, entendeu, ou outros estudos, estudos ambientais, que tem reflexo com a comunidade. Então era importante que a gente deixasse destacado. (BULHÕES, 2010)
Essas são as contradições encontradas no decorrer deste estudo. Muitas vezes um
projeto não toma o rumo esperado ao ser colocado em prática. Em outras, o que
estava previsto não sai exatamente como esperado devido a inúmeros problemas
encontrados durante a execução. Por isso é importante que os resultados sejam
discutidos e estudados. Assim, erros são detectados e as falhas podem ser
eliminadas.
Como uma contribuição, ao finalizar essa análise, destaca-se algumas propostas
que podem vir a ser subsídio para novos trabalhos desta natureza. De início
salienta-se a importância de seguir rigorosamente os critérios elencados na
delimitação de um bairro, avaliando-se, é claro, caso, a caso a depender das
especificidades.
Destaca-se, ainda a respeito dos critérios, que nenhum deles seja descartado em
nenhuma das localidades, já que, como dito anteriormente, tratam-se de serviços de
vital importância para uma comunidade.
Outro ponto importante é a subjetividade implícita nesta delimitação de bairros. É
indiscutível que o sentimento de pertencimento existe e deve ser levado em
consideração, pois as pessoas são peça fundamental na construção da cidadania e
da participação.
Há que se tomar cuidado com a hierarquia, com a importância dada a essa questão
do pertencimento, pois as forças atuantes dentro da cidade seguem uma lógica mais
ampla, que é a capitalista e por isso essas relações são desiguais. Dessa forma,
algumas comunidades possuem um “poder” de voto e barganha muito maior que
outras.
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Ao findar este trabalho, considera-se que o objetivo foi cumprido, apesar de acreditar
que a pesquisa científica não se esgota no término de um trabalho monográfico. É
claro que esta intrigante questão, assim como outras, estarão sempre postas para
serem respondidas e cabe ao pesquisador a incansável missão de buscar as
respostas, com o compromisso de sempre fazer proposições exequíveis e que
possibilitem a mitigação das desigualdades e a promoção de uma sociedade mais
equitativa no que tange aos direitos dos cidadãos.
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Conclusão
Ao cabo deste trabalho acredita-se que o objetivo proposto de analisar a delimitação
de bairros dentro do contexto da capital baiana foi cumprido. É fato que a pesquisa
científica se alimenta de indagações e busca por respostas e, com certeza, este
tema ainda não foi esgotado, por isso ainda será objeto de investigação de outros
pesquisadores.
Após perpassar por conceitos fundamentais como região, bairro, espaço (absoluto,
relativo e relacional) percebe-se que estes foram fundamentais para uma
fundamentação bem construída das críticas ao projeto que resultou na delimitação
da área que, a partir de hoje, chamaremos de bairro do Cabula.
Ao relembrar as regionalizações que Salvador já possuiu, foi possível entender a
complexidade inserida na questão da delimitação de áreas. Delimitar não é apenas
traçar limites, é, definir limites, porém com uma intencionalidade, com um propósito.
Estes conceitos e histórico alertam para uma questão importante que pode ser
percebida durante a análise do projeto de delimitação de bairros de 2010. A questão
da vizinhança e seu status.
Para que a definição de limites não se baseie apenas na questão do valor relacional
de uma localidade, os critérios de definição dos bairros devem ser pensados
cuidadosamente de maneira a não ratificar as injustiças existentes no tocante à
ocupação do solo urbano.
Dessa forma, espera-se que o resultado dessa delimitação não seja o mapa do valor
do solo, mas configure-se como bairros compostos de áreas mais e menos
valorizadas, afinal Salvador possui grandes desigualdades no que diz respeito à
distribuição de renda e a ocupação do solo demonstra este fato de forma bem clara.
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A idéia de pertencimento, colocada como sustentáculo dessa delimitação é
fundamental para a formatação dos bairros, porém não deve ser tida como
definidora, pois é frágil. Ela corrobora para a efetivação de uma configuração
baseada no valor e não em princípios técnicos.
Um outro ponto crítico apontado neste trabalho é relacionado com os critérios.
Acredita-se que são critérios fundamentais, porém em algumas situações eles não
são seguidos para a delimitação dos bairros.
Como exemplos dessa contradição podem ser citados os bairros do Aeroporto e do
Centro Administrativo. É fato que destacá-los do tecido urbano como bairros
especiais foi um acerto, porém em momento algum houve ressalva a respeito
dessas especificidades.
Apesar das críticas tecidas neste trabalho há que se ressaltar a importância da
iniciativa de delimitar os bairros em Salvador. Uma cidade complexa no tocante à
configuração do tecido urbano.
Mesmo que a delimitação de bairros estivesse perfeita seria importante estudar e
criticar o trabalho realizado a fim de buscar a excelência, a fim de fazer com que ele
possa contribuir para a promoção da equidade social.
A partir das questões tratadas neste trabalho, algumas medidas são colocadas como
sugestões para contribuir com o tema abordado e em consequência para a
promoção dessa equidade social.
Entende-se que a realização de atualizações periódicas é de fundamental
importância para que a delimitação de bairros não se torne obsoleta com o passar
do tempo.
Outras atualizações são importantes também, como por exemplo, a atualização na
hierarquização do sistema viário da cidade, já que esta serve de base na definição
de um dos critérios citados na delimitação dos bairros.
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É importante que nas próximas atualizações os critérios definidores sejam mais
rigorosos. Isso não significa que a população não pode ser ouvida. Ela deve ser
consultada, afinal vive-se numa democracia e os projetos ligados ao setor público
devem atender a demandas da sociedade como um todo.
Mas a regionalização de uma cidade não pode ser colocada, simplesmente, como
resultados de uma grande assembléia afinal existem técnicos capacitados para
opinar e garantir que o resultado do trabalho seja rigoroso, porém não exclua a
opinião popular, que, é importante frisar, é essencial.
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Referências
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60
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61
Apêndice A - Entrevista com Adalberto Bulhões Filho – Assessor Chefe da
Assessoria Estratégica de Gestão da Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Salvador
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Os “Cabulas” de Salvador: confrontando as delimitações de 1992 e
de 2010
Órgão: SMA
Técnico: Adalberto Bulhões Filho – Assessor Chefe da Assessoria Estratégica de
Gestão da Superintendência de Meio Ambiente
Data: 22 de julho de 2010
1) Como surgiu a necessidade da realização do Projeto de Delimitação de
Bairros e que órgãos fazem parte da equipe que levou o projeto a diante?
Adalberto: A necessidade foi por conta de você não ter uma base, uma divisão
territorial que significasse a idéia de pertencimento da comunidade. Então hoje a
gente tem, hoje o que se trabalha no planejamento é que você tem uma
configuração de bairros, mas que esses bairros, normalmente criados pela própria
população, eles não tem uma delimitação, consequentemente você não tem um real
diagnóstico daquela área por que ela não tem compatibilidade com os setores
censitários do IBGE e por que não tem compatibilidade com nenhuma referência de
divisão da cidade.
Ao mesmo tempo, pesquisando a gente verificou que nós somos umas das poucas
capitais do Brasil, ou talvez a única, que não tem delimitação de bairros, essa
divisão geopolítica. E também descobrimos que o município já teve essa delimitação
que foi traçada no governo de Heitor Dias. Feita essa delimitação essa lei foi
sancionada em 1960. Em 1960, representávamos, o município tinha 600 mil
habitantes e chegou-se, naquela ocasião, a 32 bairros na cidade. Quarenta anos
depois, 50 anos depois nós temos uma população de 3 milhões de habitantes e sem
uma delimitação de bairros. Então, pra a gente foi fundamental que criássemos essa
referência, uma referência de planejamento com base no pertencimento e
consequentemente criando-se uma malha geopolítica para o município.
Esse projeto nasceu em conjunto com um outro projeto de delimitação das bacias
hidrográficas e qualidade da água em Salvador. Nós fizemos esse trabalho em
conjunto, com proposta da SEDHAM e conseguimos buscar um convênio amplo pra
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que a gente pudesse viabilizar e foi fundamental a participação da Universidade
Federal da Bahia, que viabilizou através da escola de Administração, viabilizou junto
ao Ministério da Educação através do CNPQ parte significativa do financiamento
desse projeto.
Participam também no plano estadual a CONDER, a EMBASA, o IMA, o INGA, a
Secretaria do Meio Ambiente do Estado, um órgão federal, o IBGE que é peça
fundamental pra que a gente defina os setores censitários dentro dessa nova malha
e no plano da prefeitura, com o advento da SMA e a SEDHAM que conduziram esse
trabalho. Surgiu-se, então um convênio entre esses órgãos e cada um entrou com
uma parte. Essa metodologia foi discutida com todos e foi conduzido, desta forma,
com a coordenação maior da Universidade Federal.
Esta delimitação a gente vem resolver, também, os problemas das concessionárias
e dos órgãos públicos que trabalham com o município. Ai, agora a nossa idéia é que
todos os órgãos públicos tenham uma única base, tenha um único bairro
configurado, então a gente vai eliminando os problemas que existem. Por exemplo,
durante a pesquisa encontramos um imóvel que tinha no endereço quatro bairros
diferentes, com quatro correspondências, da prefeitura era um, da concessionária
era outro, eram bairros diferentes. E hoje, em 2010, chegamos à conclusão de 160
bairros.
2) Qual a participação da Superintendência do Meio Ambiente (SMA) no
Projeto de Delimitação dos Bairros de Salvador?
Adalberto: A participação da SMA é exatamente a idéia. A idéia inicial partiu da
gente. Como eu fazia parte da SEDHAM e tive que me deslocar pra SMA, nós
também trouxemos o projeto para dentro da SMA.
3) Qual a importância desse projeto para a gestão municipal e para a SMA,
em específico?
Adalberto: E a importância pra a SMA é que também essa referência é fundamental
para você ter uma referência socioambiental. Por que você vai ter também dentro
das zonas de proteção ambiental você vai ter também a configuração dessas
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populações. E também encontra-se no sistema de planejamento que ela faz parte da
SEDHAM.
4) Durante a pesquisa houve reuniões/audiências públicas com a
população de alguns bairros. Gostaria de saber qual a relevância dessas
reuniões para o projeto como um todo?
Adalberto: A princípio, na metodologia que nós elaboramos a gente destacou que
era fundamental a participação da comunidade. Era fundamental e de vital
importância. Por que a comunidade que iria dizer os seus limites, até onde vai o seu
bairro e até a história do seu bairro, como a gente encontra na publicação. E aí está,
junto à população está o real significado de pertencimento deles.
A gente tomou como parâmetro uma nomenclatura que criamos de jurisdição
associativa, ou seja, a jurisdição associativa você tem no campo cartorial, jurisdição
de varas da justiça, vara criminal, cartório, et cetera que estabelece também limites e
a gente tomou também como jurisdição associativa, ou seja, há em cada bairro, eles
tem uma noção de bairro, o limite do bairro deles, onde começa, onde termina.
Então a gente passou a incorporar isso como uma jurisdição associativa.
Geralmente nas associações de bairros eles tem o limite imaginário deles, o bairro
deles vai até tal ponto, termina em tal ponto. Aí eles tem a sua atuação definida
dentro da comunidade.
5) Nessas reuniões ou em qualquer outro momento houve algum tipo de
conflito com a população de algum bairro? Caso positivo como ocorreu e
como foi solucionado?
Adalberto: E o importante, também, disso é que esse princípio de jurisdição
associativa é que os limites são as bases de conflito e nesses limites, quando
apresentaram conflito de um bairro com o outro, nós adotamos aplicar a pesquisa
direta para dirimir esse conflito. De fato onde pertencia então o resultado de
pesquisa foi estabelecido.
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A comunidade participou por que esse projeto tem esse feito de ser um projeto
participativo com a comunidade, consequentemente um projeto aberto
democraticamente, onde a comunidade foi quem, digamos, consolidou e ratificou e
aprovou esse limites. Ouvimos, no processo todo, em torno de 1.200 entidades no
universo de bairros que a gente chegou.
6) Quais problemas tiveram que ser solucionados durante a realização dos
estudos, quais as dificuldades enfrentadas durante a realização do projeto?
Adalberto: Bem, a dificuldade que a gente encontrou foi a dificuldade primeiro do
ponto de vista institucional e dificuldade financeira, que foi vencido pelo entusiasmo
técnico de todos que estavam envolvidos e a gente conseguiu vencer e levar a
metodologia e suplantar isso.
Nós tivemos conflitos nos limites, aí, aparecia alguns conflitos entre entidades. Um
achava que era até ali, outra entidade achava que não, que o limite era mais
“assim”. Então quando houve esse conflito, nós aplicamos, como eu disse
anteriormente, nós aplicamos a pesquisa pra dirimir e eles também aprovaram essa
metodologia de aceitar o que apontava a pesquisa, então eles absorveram.
Uma coisa interessante é que a gente, ao chegar no final do trabalho, o mapa era
apresentado, o mapa que eles mesmos traçaram, eles validaram o mapa assinando
esses mapas. Então, esses mapas estão documentados com as assinaturas das
entidades que participaram. Então eles validaram o mapa e delimitaram o bairro
deles.
7) Eu gostaria que o senhor falasse das localidades de bairro.
Adalberto: As localidades de bairro a gente já tinha, já na discussão inicial,
entendido que a gente ia estabelecer. Primeiro era a opinião popular, a opinião da
população e segundo alguns critérios técnicos que iam ser adotados para que se
configurasse um bairro, para que uma determinada área se configurasse como
bairro.
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Então nós estabelecemos que, no aspecto técnico, você tinha que dispor de alguns
serviços e equipamentos públicos que configurasse um bairro. Teria, também que a
gente ver o centro do bairro, a convivência, aquilo que levava também a ter essa
noção de centro de bairro, que necessariamente não é no centro da área, mas é o
centro de convergência entre eles. Por exemplo, a Ribeira, o centro da Ribeira é na
sua ponta é na orla. É ali que se concentra a população da Ribeira é uma área que
eles frequentam mais, etc., é um centro que fica na ponta.
E a Ribeira preenche também todas as exigências de equipamentos e serviços
públicos, assim também como serviços particulares ou concessionados, como é o
caso da COELBA, que é um serviço público, embora na mão do privado, por que é
uma concessão que dá a esta empresa e outros serviços que são consignados.
Então, aquelas áreas que são conhecidas e não preencheram esses dois requisitos
para ser considerados como bairros, eles passam a ser uma localidade daquele
bairro. Pra exemplificar uma coisa pra você: o Alto da Sereia, no Rio Vermelho, é
uma localidade bastante conhecida, mas ela não se configurou como bairro, então
ela passa a ser uma localidade de Rio Vermelho.
Assim como São Lázaro também, que é bastante conhecido, ali na Federação, mas
ela também não preencheu. Então, não preenchendo, ela passa a ser uma
comunidade do bairro que ela está. No caso de São Lázaro é uma comunidade da
Federação, o Alto da Sereia é do Rio Vermelho e consequentemente outros pontos
da cidade.
8) Estudando o livro Caminho das Águas, percebi que um bairro diferente
foi instituído, com outros critérios, que foi o bairro do Aeroporto. Quais os
critérios utilizados, qual a justificativa para que apenas a área do aeroporto
fosse delimitada como bairro?
Adalberto: É você tem também um bairro assim que é o Centro administrativo, ele é
uma área grande, ele se configura, ele é um bairro administrativo, como o outro é
um bairro aeroviário.
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Então a gente chegou também a esse critério: os bairros que são eminentemente
residenciais, os bairros que são de uso misto, né, ele é residencial e comercial, você
tem bairro eminentemente comercial, como é o caso do Comércio, e a gente tem
também os bairros institucionais, que são grandes áreas que se configuram por ter
todos os serviços em torno de uma procura grande. Então a gente procurou também
preservar pra que não misturasse com as outras categorias de bairro.
Teve essa preocupação de observar o uso daquele local e não privilegiar ele a um
bairro que fique próximo dele, por que ele, ali, vai estar próximo de alguns bairros,
então pra você não privilegiar um bairro desses, nós isolamos ele. Essas
comunidades vieram depois desses espaços já estarem consolidados como um
bairro institucional.
Do ponto de vista do estudo, você ter uma base pra estudo, primeiro que ela
converge pra outros bairros, ela tá delimitada junto a outros bairros, segundo ele
passa a ser um elemento muito grande pra que você venha a estudar aquele bairro,
quando você for fazer um trabalho urbanístico, de requalificação, de estudos
socioeconômicos da comunidade, entendeu, ou outros estudos, estudos ambientais,
que tem reflexo com a comunidade. Então era importante que a gente deixasse
destacado.
9) Há algum outro assunto de relevância que gostaria de comentar a
respeito desse projeto?
Adalberto: Eu acho que a relevância desse trabalho é, que a gente ouviu muito da
comunidade, que é a comunidade dizendo “agora teremos uma identidade física”, ou
seja, uma identidade consolidado por lei. E essa identidade, inclusive, vem resgatar
o próprio princípio da palavra bairro, que vem de barrí, do árabe, vulgar, que era
exatamente quando esses nômades formavam suas comunidades e a parir dessas
comunidades eles chamavam de bairro que vem a ser barrí, então a coisa do
bairrismo é exatamente de bairro, não é de cidade, nem de estado, nem de país.
Então quando você pensar em serviço público, ou mesmo manifestações de outra
natureza, por parte de serviço privado em que se coloca o nome do bairro aquilo
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estaria, também, contemplando esse princípio de identidade deles, o que não tava
ainda. Ele agora vai tá mapeado, configurado com uma população a ser contada e
registrada dentro do trabalho que se desenvolve pelo IBGE. Então a gente vai ter
uma identidade, com numeração, em fim, com todos os aspectos que caracterizam
uma certidão de nascimento.
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Anexo A - Folder explicativo do Projeto de Delimitação dos Bairros de Salvador
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