Os Animais e a Ética

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    Os animais e a tica

    Scott D. Wilson

    Traduo de L. H. Marques Segundo

    Reviso de Carlos Andr Fernandes

    Que lugar os animais no-humanos deveriam ocupar num sistema moral aceitvel?

    Esses animais existem margem de nossos conceitos morais; o resultado que s

    vezes conferimos-lhes um estatuto moral forte, enquanto que outras vezes negamos-

    lhes qualquer tipo de estatuto moral. Por exemplo, a humilhao pblica forte

    quando o conhecimento das fbricas de filhotes1 trazido tona; a idia que os

    animais merecem mais considerao do que lhes do os operadores de tal lugar. No

    entanto, quando se aponta que as condies numa granja so to ms, se no muito

    piores, quanto nas fbricas de filhotes, a resposta habitual que esses afetados,

    afinal, so apenas animais e no merecem a nossa considerao. O pensamento

    filosfico sobre a posio moral dos animais diverso e geralmente pode ser

    agrupado em trs categorias gerais: teorias indiretas, teorias diretas mas que

    enfatizam a desigualdade e teorias da igualdade moral.

    As teorias indiretas negam o estatuto moral dos animais ou a considerao

    igual com os humanos devido falta de conscincia, razo ou autonomia. Em ltima

    instncia, ao negar estatuto moral aos animais, essas teorias podem ainda exigir que

    os animais no sejam maltratados, mas apenas porque fazer tal coisa ruim para a

    moralidade do ser humano. Os argumentos nessas categorias tm sido formulados

    por filsofos como Immanuel Kant, Ren Descartes, Toms de Aquino, Peter

    Carruthers, e vrias teorias religiosas.

    Animals and Ethics, originalmente publicado em The Internet Encyclopedia of Philosophy:http://www.iep.utm.edu/anim-eth/.1 As fbricas de filhotes, tambm conhecidas como puppy mills, so estabelecimentos comerciais

    voltados para a produo em larga escala de filhotes para servirem como animais de estimao. Essa

    produo, em geral, mantida a custo de grande sofrimento: animais confinados em pequenasgaiolas, mal alimentados, submetidos a cruzas excessivas e sem muitos critrios genticos, etc. (Notado trad.)

    http://www.iep.utm.edu/anim-eth/http://www.iep.utm.edu/anim-eth/http://www.iep.utm.edu/anim-eth/
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    As teorias diretas que enfatizam a desigualdade concedem alguma

    considerao moral aos animais, mas negam-lhes um estatuto moral pleno devido a

    sua incapacidade de respeitar o direito de outros agentes ou mostrar reciprocidade

    moral numa comunidade de agentes iguais. Os argumentos nessa categoriaconsideram a sencincia do animal como razo suficiente para no se causar dano

    direto aos animais. No entanto, onde os interesses dos animais e dos humanos

    conflitam, as propriedades especiais do ser humano como a racionalidade, a

    autonomia e a auto-conscincia conferem considerao maior aos interesses

    humanos.

    As teorias da igualdade moral estendem a igual considerao e o estatuto

    moral aos animais refutando as supostas relevncias morais das propriedades

    especiais dos seres humanos anteriormente mencionadas. Argumentando por

    analogia, as teorias da igualdade moral geralmente estendem o conceito de direito

    aos animais pela razo de que eles tm capacidades psicolgicas e mentais similares

    a bebs e seres humanos incapazes. Os argumentos nessa categoria tm sido

    formulados por filsofos como Peter Singer e Tom Regan.

    1-Teorias Indiretas

    Nas teorias indiretas os animais no merecem nossa considerao moral, mas podem

    merecer considerao apenas na medida em que se relacionam apropriadamente aos

    seres humanos. Os vrios tipos de teorias indiretas a serem discutidas so as Teorias

    Religiosas, as Teorias Kantianas, as Teorias Cartesianas, e as Teorias Contratualistas.

    As implicaes desses tipos de teorias para o prprio tratamento dos animais sero

    exploradas em seguida. Finalmente, dois mtodos comuns de se argumentar contra

    as teorias indiretas sero discutidos.

    a. Teorias Religiosas

    Alguns filsofos negam que os animais meream considerao moral direta devido a

    teorias religiosas ou filosficas da natureza do mundo e do prprio lugar de seus

    habitantes. Uma das primeiras e mais claras expresses desse tipo de perspectiva nos

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    dada desde Aristteles (322 d.C.). De acordo com Aristteles, h uma hierarquia

    natural dos seres vivos. Os diferentes nveis so determinados pelas capacidades

    presentes nestes seres devido s suas naturezas. Ao passo que as plantas, os animais

    e os seres humanos so capazes de se nutrir e se desenvolver, apenas os animais e osseres humanos so capazes de experincia consciente. Isso significa que as plantas,

    sendo inferiores aos animais e aos seres humanos, tm a funo de servir s

    necessidades dos animais e dos seres humanos. Do mesmo modo, os seres humanos

    so superiores porque tm a capacidade de usar a razo para guiar a sua conduta, ao

    passo que os animais no possuem essa capacidade e tm, ao invs, de contar com o

    instinto. Segue-se, portanto, que a funo dos animais servir s necessidades dos

    seres humanos. Isso, de acordo com Aristteles, natural e expediente. (Regan e

    Singer, 1989: 4-5).

    Seguindo Aristteles, o filsofo cristo So Toms de Aquino (1225-1274)

    argumenta que uma vez que apenas os seres racionais que so capazes de

    determinar as suas aes, so os nicos seres perante os quais devemos considerar

    por seus prprios interesses (Regan e Singer, 1989: 6-12). Aquino acredita que se

    um ser no pode direcionar suas prprias aes, ento outros tero de faz-lo; esses

    tipos de seres so meramente instrumentos. Os instrumentos existem para o interesse

    das pessoas que os usam, e no para seu prprio interesse. Uma vez que os animais

    no podem direcionar suas prprias aes, so meramente instrumentos e existem

    para o interesse dos seres humanos que quem direciona suas aes. Aquino

    acredita que sua perspectiva se segue do fato de que Deus o fim ltimo do

    universo, e que apenas por usar o intelecto humano que se pode obter

    conhecimento e entendimento de Deus. Uma vez que os seres humanos so capazes

    de alcanar esse fim ltimo, todos os outros seres existem para o interesse dos seres

    humanos e para a realizao desse fim ltimo do universo.

    O restante desse tipo de perspectiva insiste em justificaes por desconsiderar

    os interesses dos animais baseando-se na cadeia alimentar. Nessa linha de raciocnio,

    se um tipo de ser come regularmente outro tipo de ser, ento diz-se que o primeiro

    o mais alto na cadeia alimentar. Se um ser mais alto que outro na cadeia alimentar,

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    ento natural que este ser use o outro em benefcio de seus interesses. Uma vez

    que este tipo de comportamento natural, no se exige qualquer justificao moral

    adicional.

    b.

    Teorias Kantianas

    Estreitamente relacionadas s teorias religiosas esto as teorias como a de Immanuel

    Kant (1724-1804). Kant desenvolveu uma teoria moral altamente influente, de acordo

    com a qual a autonomia uma propriedade necessria ao tipo de ser cujos interesses

    contem diretamente na avaliao moral das aes (Kant, 1983, 1956). De acordo com

    Kant, as aes moralmente permissveis so aquelas aes que podem ser desejadas

    por todos os indivduos racionais numa circunstncia. A parte importante de sua

    concepo do estatuto moral dos animais a sua dependncia da noo de querer.

    Enquanto que os animais e os seres humanos tm desejos que podem os compelir

    ao, apenas os seres humanos so capazes de voltar atrs em seus desejos e escolher

    que curso de ao tomar. Essa capacidade manifestada por nossas vontades. Uma

    vez que os animais carecem dessa capacidade, carecem de uma vontade e, portanto,

    no so autnomos. De acordo com Kant, a nica coisa com qualquer valor intrnseco

    uma vontade boa. Uma vez que os animais no tm vontades de todo em todo, no

    podem ter vontades boas; eles, portanto, no tm qualquer valor intrnseco.

    A teoria de Kant vai alm das teorias Religiosas por se assentar em

    argumentos filosficos mais gerais acerca da natureza da moralidade. Ao invs de

    simplesmente assentar-se no fato de que natural para os seres racionais e

    autnomos usar os seres no-racionais como acham conveniente, Kant, ao invs,

    fornece um argumento a favor da relevncia da racionalidade e da autonomia. Uma

    teoria kantiana, ento, se fornece uma explicao das propriedades que os seres

    humanos tm e que os animais carecem e que confere aos seres humanos um estatuto

    moral bastante forte ao passo que nega aos animais qualquer tipo de estatuto moral.

    A prpria teoria de Kant focou-se no valor da autonomia; outras teorias Kantianas

    focam em propriedades como ser um agente moral, ser capaz de existir numa relao

    recproca com outros seres humanos, ser capaz de falar, ou ser autoconsciente.

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    c. Teorias Cartesianas

    Outra razo para negar que os animais meream considerao moral surge da crena

    de que os animais no so conscientes, e que, portanto, no tm interesses ou bem-

    estar a serem levados em considerao ao se considerar os efeitos de suas aes.

    Alguns que sustentam essa posio concordam que seos animais fossem conscientes,

    ento seria preciso considerar seus interesses como diretamente relevantes na

    avaliao das aes que os afetam. No entanto, uma vez que carecem de bem-estar,

    no h qualquer coisa a se considerar diretamente na explicao de quando agem.

    Uma das mais claras e fortes negaes da conscincia animal desenvolvida

    por Ren Descartes (1596-1650), que argumenta que os animais so autmatos que

    poderiam agir como se fossem conscientes, mas que realmente no so (Regan e

    Singer, 1989: 13-19). Escrevendo durante a poca em que a perspectiva mecanicista

    do mundo natural substitua a concepo aristotlica, Descartes acreditava que todo

    o comportamento animal poderia ser explicado em termos puramente mecanicistas, e

    que nenhuma referncia a episdios de conscincia era necessria para tal explicao.

    Sob o princpio da parcimnia na explicao cientfica (comumente referida como

    Navalha de Ockham) Descartes preferiu explicar o comportamento animal confiando

    na explicao mais simples possvel de seu comportamento. Uma vez que possvel

    explicar o comportamento animal sem referncia a episdios internos de conscincia,

    fazer tal coisa mais simples do que se fiar na suposio de que os animais so

    conscientes; e , portanto, a explicao preferida.

    Descartes antecipa a resposta que seu raciocnio, se aplicado ao

    comportamento animal, poderia aplicar-se igualmente bem ao comportamento

    humano. A explicao mecanicista do comportamento no se aplica aos seres

    humanos, de acordo com Descartes, por duas razes. Primeiro, os seres humanos so

    capazes de comportamento complexo e novo. Este comportamento no o resultado

    de simples respostas a estmulos, mas, ao invs, o resultado de nosso raciocnio

    sobre o mundo como o percebemos. Segundo, os seres humanos so capazes do tipo

    de fala que expressa pensamentos. Descartes esta ciente de que alguns animaisproduziam sons que podiam ser pensados a constituir fala, tal como o pedido de

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    um papagaio por comida, mas argumentou que estas elocues so meros

    comportamentos mecanicamente induzidos. Apenas os seres humanos podem se

    comprometer com o tipo de fala que espontnea e expressa pensamentos.

    A posio de Descartes sobre estas questes foi amplamente influenciada pela

    sua filosofia da mente e sua ontologia. De acordo com Descartes, h dois tipos

    mutuamente exclusivos e conjuntamente exaustivos de entidades ou propriedades:

    as entidades materiais ou fsicas por um lado, e as entidade mentais por outro.

    Apesar de todas as pessoas estarem intimamente ligadas aos seus corpos fsicos, elas

    no so idnticas a seus corpos. Ao invs, so idnticas suas almas, ou substncia

    mental imaterial que constitui a sua conscincia. Descartes acreditava que a

    complexidade do comportamento humano e a fala humana exigiam a postulao de

    tais substncias imateriais a fim de explic-los. No entanto, o comportamento animal

    no exigia esse tipo de suposio; alm do mais, Descartes argumentou, mais

    provvel que os vermes, as moscas e as larvas se movam mecanicamente do que

    tenham almas imortais (Regan e Singer,1989: 18).

    Mais recentemente, os argumentos contra a conscincia animal tm voltado

    tona. Um mtodo de se argumentar contra a afirmao de que os animais so

    conscientes apontar para as falhas dos argumentos pretendendo sustentar que os

    animais so conscientes. Por exemplo, Peter Harrison recentemente argumentou que

    o Argumento por Analogia, um dos argumentos mais comuns a favor da afirmao

    de que os animais so conscientes, incorrigivelmente falho (Harrison, 19910). O

    Argumento por Analogia repousa nas similaridades entre os animais e os seres

    humanos a fim de sustentar a afirmao de que os animais so conscientes. Assimilaridades geralmente citadas pelos proponentes desses argumentos so as

    similaridades no comportamento, as similaridades na estrutura fsica, e as

    similaridades nas posies relativas na escala evolutiva. Em outras palavras, seres

    humanos e animais respondem do mesmo modo quando confrontados com

    estmulos de dor; animais e seres humanos tm crebros, nervos, neurnios,

    endorfinas, e outras estruturas; e seres humanos e animais esto relativamente

    prximos um do outro na escala evolutiva. Uma vez que so similares um ao outro

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    nestes modos, temos boas razes para acreditar que os animais so conscientes tanto

    quanto o so os seres humanos.

    Harrison ataca estes pontos um a um. Aponta que o chamado comportamento

    de dor no necessrio e nem suficiente para a experincia de dor. No necessrio

    porque o melhor a se fazer em alguns casos pode ser no mostrar que se est com

    dor. No suficiente porque amebas apresentam comportamento de dor, mas no

    acreditamos que estejam sentindo dor. Do mesmo modo, poderamos facilmente

    programar robs que apresentem comportamento de dor, mas que no concluiramos

    que sentem dor. A similaridade das estruturas fsicas animal e humana

    inconclusivo porque, para incio de conversa, no temos idia de como, ou mesmo se,

    a estrutura fsica dos seres humanos produz experincias. Consideraes

    evolucionistas no so conclusivas, pois apenas o comportamento de dor, e no a

    experincia de dor em si, que seria vantajoso na briga pela sobrevivncia. Harrison

    conclui que uma vez que o argumento mais forte a favor da afirmao de que os

    animais so conscientes falha, no deveramos acreditar que so conscientes.

    Peter Carruthers sugeriu que h outra razo para se duvidar que os animais

    sejam conscientes (Carruthers, 1989, 1992). Carruthers comea por notar que nem

    todas as experincias humanas so experincias conscientes. Por exemplo, posso

    estar pensando numa conferncia vindoura enquanto dirijo e nem mesmo

    conscientemente ver o caminho na estrada que desvio para evitar. Do mesmo

    modo, pacientes que sofrem de viso cega em parte de seu campo visual no tm

    experincia consciente de ver algo em parte de seu campo. No entanto, tem de haver

    algum tipo de experincia em ambos os casos, uma vez que desviei para evitar ocaminho, que tive de ter visto, e porque os pacientes com viso cega conseguem

    apanhar objetos largados diante da rea que no enxergam com uma freqncia

    relativamente alta. Carruthers ento nota que a diferena entre as experincias

    consciente e no-consciente que as primeiras esto disponveis a pensamentos de

    ordens superiores, ao passo que as ltimas no. (Um pensamento de ordem superior

    um pensamento que pode tomar como objeto um outro pensamento.) Ele conclui,

    ento, que a fim de ter experincias conscientes algum tem de ser capaz de ter

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    pensamente de ordens superiores. No entanto, no temos razo para acreditar que

    animais tenham pensamentos de ordens superiores, e, portanto, nenhuma razo para

    acreditar que sejam conscientes.

    d.

    Teorias Contratualistas

    As teorias contratualistas da moralidade entendem a moralidade como um conjunto

    de regras que indivduos racionais escolheriam sob certas condies especficas para

    governar seu comportamento em sociedade. Essas teorias tm tido uma longa e

    variada histria; no entanto, a relao entre o contratualismo e os animais no foi

    realmente explorada at depois de John Rawls publicar seu A Theory of Jusitce. Nessa

    obra Rawls argumenta a favor de uma concepo de justia como equidade.

    Argumentando contra as teorias utilitaristas da justia, Rawls acredita que a melhor

    concepo de uma sociedade justa aquela na qual as regras que governam tal

    sociedade so regras que seriam escolhidas pelos indivduos por de trs do vu da

    ignorncia. O vu da ignorncia uma situao hipottica na qual os indivduos no

    sabem quaisquer detalhes particulares sobre eles mesmos, tal como seus sexos, idade,

    raa, inteligncia, capacidades, etc. No entanto, esses indivduos sabem de fatos

    gerais sobre a sociedade humana, como fatos sobre psicologia, economia, motivao

    humana, etc. Rawls considera seus contratantes imaginados como amplamente auto-

    interessados; cada objetivo de uma pessoa seleciona as regras que mais os

    beneficiaro. Uma vez que no sabem que exatamente so, no escolhero regras que

    beneficiem qualquer indivduo, ou segmento da sociedade, sobre outros (uma vez

    que podem encontrar-se no pior grupo). Ao invs, escolhero as regras que protegem

    antes de tudo os indivduos autnomos racionais.

    Apesar de Rawls argumentar a favor desta concepo como uma concepo de

    justia, outros tm tentado expandi-la a fim de cobrir toda a moralidade. Por

    exemplo, em The Animals Issue, Peter Carruthers argumenta a favor de uma

    concepo de moralidade amplamente baseada na obra de Rawls. Carruthers nota

    que se estendermos a concepo de Rawls, os animais no tero estatuto moral

    direto. Uma vez que os contratantes so auto-interessados, mas no sabem quem so,aceitaro as regras que protegem os indivduos racionais. No entanto, os contratantes

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    sabem o bastante sobre eles mesmos para saber que no so animais. Eles, portanto,

    no adotaro as regras que conferem proteo especial aos animais, visto que isso

    no favoreceria seus auto-interesses. O resultado que os seres humanos racionais

    sero diretamente protegidos, ao passo que os animais no.

    e. Implicaes para o Tratamento dos Animais

    Se as teorias diretas esto corretas, ento no precisamos levar em conta os interesses

    dos animais como diretamente relevante para a avaliao de nossas aes quando

    estamos a decidir como agir. Isso no significa, no entanto, que no precisamos

    considerar como as nossas aes afetaro os animais de todo em todo. S porque algo

    no diretamente moralmente considervel no implica que possamos fazer aquilo

    que queremos. Por exemplo, h duas maneiras imediatas em que as restries no que

    respeita o prprio tratamento dos animais podem surgir. Considere as obrigaes

    que temos perante a propriedade privada. No posso destruir seu carro se eu assim

    desejar porque ele sua propriedade, e prejudic-lo tambm te prejudicar. No

    posso, tambm, ir praa e destruir uma rvore velha por diverso, uma vez que isso

    pode chatear muitas pessoas que cuidam das rvores.

    Do mesmo modo, as obrigaes no que respeita os animais podem existir por

    essas razes. No posso prejudicar seus animais porque eles lhes pertencem, e ao

    prejudic-los estarei tambm prejudicando a voc. Tambm no posso prejudicar

    animais em pblico por diverso visto que ao faz-lo chatearei muitas pessoas, e

    tenho o dever de no causar infortnio desnecessrio s pessoas. Essas so duas

    maneiras imediatas em que as teorias indiretas geraro obrigaes no que diz

    respeito aos animais.

    H outros dois modos em que mesmo as restries mais fortes no que respeita

    o prprio tratamento dos animais poderiam surgir de teorias indiretas. Primeiro,

    Immanuel Kant e Peter Carruthers argumentam que pode haver obrigaes indiretas

    mais extensivas aos animais. Essas obrigaes no se estendem simplesmente

    obrigao de evitar prejudicar a propriedade dos outros e a obrigao de no ofender

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    os amantes dos animais. Ao invs, temos tambm a obrigao de evitar ser cruel com

    eles. Kant argumenta:

    Nossas obrigaes para com os animais so meramente obrigaes indiretas para com a

    humanidade. A natureza animal tem analogias com a natureza humana, e ao cumprir nossas

    obrigaes com os animais no que respeita as manifestaes da natureza humana, estamos

    indiretamente a cumprir nossa obrigao com a humanidade [...] Podemos julgar o corao de

    um homem pelo tratamento que d aos animais. (Regan e Singer, 1989: 23-24)

    Do mesmo modo Carruthers escreve:

    Tais atos [como torturar um gato por diverso] so errados porque so cruis. Revelam uma

    indiferena ao sofrimento que pode manifestar-se [...] com o comportamento de uma pessoa

    com outros agentes racionais. Assim, apesar da ao poder no infringir quaisquer direitos [...]

    continua errado independentemente de seus efeitos sob qualquer amante dos animais.

    (Carruthers, 1992: 153-54)

    Assim, apesar de no precisarmos considerar como nossas aes afetam os animais

    em si mesmos, precisamos considerar como nosso tratamento dos animais afetar o

    nosso tratamento de outros seres humanos. Se ser cruel com um animal nos far

    provavelmente mais cruis como outros seres humanos, devemos no ser cruis comos animais; se ser agradvel a um animal nos ajudar ser agradvel como os seres

    humanos, ento devemos ser agradveis com os animais.

    Segundo, pode haver um argumento a favor do vegetarianismo que no se fie

    de todo em consideraes do bem-estar dos animais. Considere que para cada 450g

    de protena que obtemos de uma fonte animal, temos de alimentar os animais, em

    mdia, com 10,5Kg de protena vegetal. Muitas pessoas hoje no planeta esto

    morrendo de doenas facilmente tratveis devido a uma dieta que est abaixo dos

    nveis de inanio. Se for possvel demonstrar que temos um dever de ajudar a

    aliviar o sofrimento destes seres humanos, ento uma maneira possvel de se cumprir

    esse dever por abster-se de comer carne. A protena vegetal que usada para

    alimentar os animais que os pases mais ricos comem poderia, ao invs, ser usada

    para alimentar os seres humanos que vivem em tais condies deplorveis.

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    Com certeza, nem todos os tericos indiretos aceitam esses resultados. No

    entanto, o ponto a ser salientado aqui que ainda que se garanta que os animais no

    tenham estatuto moral direto, podemos ter deveres (possivelmente exigidos) no que

    diz respeito a seu tratamento.

    f. Dois argumentos comuns contra as teorias indiretas

    Dois argumentos comuns contra as teorias indiretas tm parecido convincentes a

    muitas pessoas. O primeiro argumento O Argumento dos Casos Marginais; o

    segundo um argumento contra o tratamento Kantiano dos deveres indiretos aos

    animais.

    i. O Argumento dos Casos Marginais

    O Argumento dos Casos Marginais um argumento que tenta demonstrar que se os

    animais no tm estatuto moral direto, ento nem seres humanos como bebs, senis,

    os muito debilitados cognitivamente, e outros casos marginais da humanidade o

    tm. Uma vez que acreditamos que esses tipos de seres humanos tm estatuto moral

    direto, tem de haver algo de errado com qualquer teoria que afirme que no tm.

    Mais formalmente, o argumento estruturado com se segue:

    1- Se estamos justificados em negar o estatuto moral direto aos animais, ento

    estamos justificados em negar o estatuto moral direto aos casos marginais.

    2- No estamos justificados em negar o estatuto moral direto aos casos

    marginais.

    3- Logo, no estamos justificados em negar o estatuto moral direto aos animais.

    A defesa da premissa (1) geralmente como se segue. Se ser racional (ou autnomo,

    ou capaz de falar) o que nos permite negar estatuto moral direto ao animais, ento

    podemos do mesmo modo negar este estatuto a qualquer humano que no seja

    racional (ou autnomo, ou capaz de falar, etc.). Essa linha de raciocnio funciona para

    quase toda propriedade cogitada como garantindo que neguemos o estatuto moral

    direto aos animais. Uma vez que os casos marginais envolvem seres cujas

    capacidades so iguais s, se no inferiores, capacidades dos animais, qualquer razo

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    para manter os animais fora da classe dos seres com estatuto moral direto, manter

    fora tambm os casos marginais.

    H uma propriedade que imune a esta linha de argumento, nomeadamente,

    a propriedade de ser humano. Alguns que aderem s Perspectivas Religiosas

    poderiam rejeitar este argumento e insistir ao invs que simplesmente natural

    aos seres humanos estarem acima dos animais em qualquer escala moral. No entanto,

    aqueles que assim fizerem tm de abandonar a afirmao de que os seres humanos

    esto acima dos animais devido ao fato de que os seres humanos so mais

    inteligentes ou racionais que os animais. Tem de ser reivindicado, ao invs, que ser

    humano , em si, uma propriedade moralmente relevante. Recentemente, poucos

    esto dispostos a fazer este tipo de reivindicao.

    Outro modo de se escapar desta linha de argumento negar a segunda

    premissa (Cf. Frey, 1980; Francis e Norman, 1978). Isso pode ser feito por uma srie

    de passos. Primeiro, pode-se notar que h poucos seres humanos que so

    verdadeiramente marginais. Por exemplo, os bebs, apesar de no efetivamente

    racionais, tm o potencial de se tornarem racionais. Talvez no devam ser

    considerados marginais por essa razo. Do mesmo modo, os senis podem ter um

    estatuto moral direto devido aos desejos que tiveram quando foram mais jovens e

    racionais. Uma vez que o nmero real de casos marginais avaliado corretamente,

    afirma-se, ento, que no contra-intuitivo concluir que os indivduos remanescentes

    no tm estatuto moral direto afinal. Novamente, no entanto, poucos esto dispostos

    a aceitar essa concluso. O fato de que bebs muito debilitados cognitivamente

    possam sentir dor parece a muitos uma razo para se evitar o prejuzo aos bebs.

    ii. Problemas com os Deveres Indiretos aos Animais

    Outro argumento contra as teorias indiretas comea com a intuio de que h

    algumas coisas que simplesmente no podem ser feitas aos animais. Por exemplo,

    no me permitido torturar o meu gato por diverso, ainda que ningum descubra.

    Essa intuio uma intuio que qualquer teoria moral aceitvel tem se ser capaz de

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    acomodar. O argumento contra as teorias indiretas que elas no podem acomodar

    tal intuio de maneira satisfatria.

    Kant e Carruthers concordam que eu torturar o meu gato por diverso seria

    errado. No entanto, eles acreditam que errado no por causa do prejuzo ao gato,

    mas, ao invs, por causa do efeito que esse ato ter sobre mim. Muitas pessoas

    notaram que esse um tratamento bastante insatisfatrio do dever. Robert Nozick

    chama aos efeitos ruins de tal ato excedente moral e pergunta:

    Por que deveriahaver tal excedente? Se , em si, perfeitamente direito fazer qualquer coisa aos

    animais por quaisquer razes que sejam, ento desde que uma pessoa perceba a linha clara

    entre animais e pessoas e a tenha em mente enquanto age, por que matar animais o

    brutalizaria e o faria mais apto a prejudicar ou matar pessoas? (Nozick, 1974: 36)

    Em outras palavras, a menos que seja errado em si prejudicar o animal, difcil ver

    por que tal ato conduziria as pessoas a cometer outros atos que so do mesmo modo

    errados. Se o terico indireto no tem uma explicao melhor de por que errado

    torturar um gato por prazer, e na medida em que acredita firmemente que tais aes

    so erradas, ento seramos forados a admitir que as teorias indiretas no so

    aceitveis.

    Os tericos indiretos podem, e tm respondido a essa linha de argumento de

    trs maneiras. Primeiro, poderiam rejeitar a afirmao de que a explicao de dever

    do terico indireto insatisfatria. Segundo, poderiam oferecer uma explicao

    alternativa de por que aes como torturar um gato so erradas. Terceiro, poderiam

    rejeitar a afirmao de que aqueles tipos de atos so necessariamente errados.

    2-Teorias Diretas que enfatizam a Desigualdade

    Muitas pessoas aceitam uma explicao do estatuto moral dos animais propriamente

    dito de acordo com o qual o interesse dos animais conta diretamente na

    determinao das aes que os afetam, mas no conta tanto quanto os interesses dos

    seres humanos. Sua defesa requer duas partes: uma defesa da afirmao de que os

    interesses dos animais contam diretamente na determinao das aes que os afeta, e

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    uma defesa da afirmao de que os interesses dos animais no contam tanto quanto

    os interesses dos seres humanos.

    a. Por que os Animais tm Estatuto Moral Direto?

    O argumento em apoio da afirmao de que os animais tm estatuo moral direto

    bem simples. Corre como se segue:

    1-

    Se um ser senciente, ento tem estatuto moral direto.

    2-

    (Muitos) animais so sencientes.

    3- Logo, (muitos) animais tm estatuto moral direto.

    Sencincia se refere capacidade de experienciar episdios de conscincia de

    valncias positivas ou negativas. Exemplos de episdios de conscincia de valncia

    positiva so o prazer, regozijo, a elao e o contentamento. Exemplos de episdios de

    conscincia de valncia negativa so a dor, a sofrimento, a depresso e a ansiedade.

    Em apoio premissa (1), pode-se argumentar que a dor e prazer so

    moralmente relevantes de modo direto, e que no h razo para desconsiderar

    completamente o prazer ou a dor de qualquer ser. O argumento por analogia

    geralmente usado em apoio premissa (2) (veja a discusso deste argumento na

    seo I, parte C acima). O argumento por analogia tambm usado para se

    responder a difcil questo de saber exatamente que animais so sencientes. A idia

    geral a de que a justificao para se atribuir sencincia a um fica mais forte quanto

    mais anlogo tal ser for aos seres humanos.

    Comumente as pessoas tambm usam as falhas das teorias indiretas comorazo para apoiar a afirmao de que os animais tm estatuto moral direto. Aqueles

    que acreditam que os casos marginais tm estatuto moral direto e que as teorias

    indiretas no podem responder ao ataque do Argumento dos Casos Marginais so

    levados a defender as teorias diretas; aqueles que acreditam que tais aes como a

    tortura do gato por diverso so erradas e que as teorias diretas no podem explicar

    porque esto erradas so tambm conduzidos s teorias diretas.

    b. Por que os Animais no so iguais aos Seres Humanos

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    A maneira comum de se justificar a afirmao de que os animais no so iguais aos

    seres humanos apontar que apenas os humanos tm alguma propriedade, e ento

    argumentar que esta propriedade aquilo que confere um estatuto moral pleno e

    igual aos seres humanos. Alguns filsofos tm usado as seguintes afirmaes nestaestratgia: (1) apenas os seres humanos tm direitos; (2) apenas os seres humanos so

    racionais, autnomos e autoconscientes, (3) apenas os seres humanos so capazes de

    agir moralmente; e (4) apenas os seres humanos so parte da comunidade moral.

    i. Apenas os Seres Humanos tm Direitos

    Num entendimento comum dos direitos, apenas os seres humanos tm direitos.

    Nessa concepo de direitos, se um ser tem um direito, ento os outros tm um dever

    de evitar infringir esse direito; os direitos acarretam os deveres. Um indivduo que

    tem direito a algo tem de ser capaz de reivindicar essa coisa por si prprio, o que

    acarreta ser capaz de representar-se em sua persecuo da coisa como um ser que

    est legitimamente perseguindo o favorecimento de seus interesses (Cf. McCloskey,

    1979). Uma vez que os animais no so capazes de representarem a si mesmos dessa

    maneira, no podem ter direitos.

    No entanto, carecer de direitos no acarreta a falta de estatuto moral direto;

    embora os direitos acarretem os deveres, no se segue da que os deveres acarretem

    os direitos. Assim, apesar de os animais poderem no ter direitos, podemos, contudo,

    ter deveres para com eles. A importncia de se ter um direito, no entanto, que os

    direitos agem como trunfos contra a persecuo da utilidade. Em outras palavras,

    se um indivduo tem direito a algo, no nos permitido infringir esse direito

    simplesmente porque fazer tal coisa ter melhores resultados gerais. Nossos deveres

    para com aqueles sem direitos podem ser contestados por consideraes do bem

    geral. Apesar de eu ter um dever de evitar destruir a sua propriedade, esse dever

    pode ser suspenso se eu tiver de destruir a propriedade a fim de salvar uma vida. Do

    mesmo modo, no me permitido prejudicar animais sem boas razes; no entanto, se

    resultados gerais maiores advirem de tal prejuzo, ento prejudicar os animais est

    justificado. Esse tipo de raciocnio tem sido usado para justificar prticas como

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    experimentao em que se usam animais, criao de animais para a alimentao, e o

    uso de animais para nosso entretenimento em lugares como rodeios e zoolgicos.

    H dois pontos de desacordo com a explicao do direito acima. Primeiro,

    tem-se afirmado que se os seres humanos tm direitos, ento os animais tero

    direitos do mesmo modo. Por exemplo, Joel Feinberg argumentou que tudo o que se

    requer para que um ser tenha direito que esse ser seja capaz de ser representado

    como perseguindo legitimamente o favorecimento de seu interesses (Feinberg, 1974).

    A afirmao de que o ser tem de ser capaz de representar-se demasiado forte, pensa

    Feinberg, pois tal exigncia excluir bebs, os senis, e outros casos marginais da

    classe de seres com direitos. Em outras palavras, Feinberg tambm evoca outra

    instncia do Argumento dos Casos Marginais a fim de sustentar sua posio.

    Segundo, tem-se afirmado que a prpria idia de direitos precisa ser

    abandonada. H duas razes para isso. Primeiro, filsofos como R. G. Frey tm

    questionado a legitimidade da prpria idia de direitos, ecoando a famosa afirmao

    de Bentham de que os direito so disparates sobre palafitas (Frey, 1980). Segundo,

    os filsofos tm argumentado que se um ser tem ou no direitos depender

    essencialmente dele ter ou no alguma outra propriedade de ordem inferior. Por

    exemplo, na concepo de direitos acima, saber se um ser ter direito ou no

    depender se ele for capaz de representar-se como um ser que est legitimamente

    perseguindo o favorecimento de seus interesses. Se isso o que fundamenta o

    direito, ento preciso de uma discusso da importncia moral dessa capacidade,

    junto de uma defesa da afirmao de que uma capacidade da qual carecem os

    animais. Mais geralmente, tem-se argumentado que se quisermos negar os direitosdos animais e reivindicar que apenas os seres humanos os possuem, ento temos de

    focar no tanto nos direitos, mas antes naquilo que os fundamenta. Por essa razo,

    grande parte da bibliografia recente sobre os animais e a tica foca-se no tanto nos

    direitos, mas ao invs em saber se os animais tm ou no certas propriedades, e se a

    possesso destas propriedades uma condio necessria para a igual considerao

    (Cf. DeGrazia, 1999).

    ii. Apenas os Seres Humanos so Racionais, Autnomos, e Autoconscientes

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    Algumas pessoas argumentam que apenas seres racionais, autnomos e

    autoconscientes merecem estatuto moral pleno e igual; uma vez que apenas os seres

    humanos so racionais, autnomos, e autoconscientes, segue-se da que apenas os

    seres humanos merecem estatuto moral pleno e igual. Uma vez mais, no se afirmaque podemos fazer aquilo que quisermos aos animais; antes, o fato de que os animais

    so sencientes nos d razes para evitar causar-lhes dor e sofrimentos desnecessrios.

    No entanto, quando os interesses dos animais e dos seres humanos conflitam, exigi-

    se de ns dar maior peso aos interesses dos seres humanos. Isso tambm tem sido

    usado para justificar prticas como experimentao com animais, criao de animais

    para alimentao, e o uso de animais em lugares como zoolgicos e rodeios.

    Os atributos de racionalidade, autonomia e autoconscincia conferem um

    estatuto moral pleno e igual queles que os possuem porque esses seres so os nicos

    capazes de alcanar certos valores e bens; esses valores e bens so de um tipo que

    ultrapassam os tipos de valores de bens que seres no-racionais, no-autnomos e

    no-autoconscientes so capazes de alcanar. Por exemplo, a fim de alcanar o tipo

    de dignidade e auto-respeito que os seres humanos tm, um ser tem de ser capaz de

    conceber a si mesmo como um ser entre muitos, e tem de ser capaz de escolher suas

    aes ao invs de ser levado pelo instinto cego (Cf. Francis e Norman, 1978;

    Steinbock, 1978). Ademais, os valores de se apreciar a arte, a literatura e os bens que

    vm com as profundas relaes pessoais exigem a racionalidade, a autonomia, e a

    autoconscincia. Esses valores, e outros como eles, so para ns os mais altos valores;

    eles tornam as nossas vidas melhores de se viver. Como John Stuart Mill escreveu,

    Poucos criaturas humanas consentiriam ser transformadas em quaisquer dos

    animais inferiores com uma promessa de um desfrute pleno dos prazeres das bestas

    (Mill, 1979). Notamos que as vidas dos seres que podem experienciar esses bens so

    mais valorveis, e por isso merecem mais proteo do que as vidas dos seres que no

    podem.

    iii. Apenas Seres Humanos podem Agir Moralmente

    Outra razo para dar maior preferncia aos interesses dos seres humanos que

    apenas os seres humanos podem agir moralmente. Isso considerado importante

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    porque seres que podem agir moralmente so obrigados a sacrificar seus interesses

    para o bem dos outros. Segue-se da que aqueles que sacrificam seu bem para o bem

    dos outros merecem maior preocupao do que aqueles que se beneficiam de tais

    sacrifcios. Uma vez que os animais no podem agir moralmente, no sacrificam seuprprio bem para o bem dos outros, mas ao invs perseguiro seu bem mesmo

    custa dos outros. Eis porque os seres humanos deveriam dar aos interesses de outros

    seres humanos um peso maior do que aos interesses dos animais.

    iv. Apenas os Seres Humanos so parte da Comunidade Moral

    Finalmente, alguns afirmam que ser membro na comunidade moral necessrio para

    o estatuo moral pleno e igual. A comunidade moral no definida em temos de

    propriedades intrnsecas que os seres tm, mas definida ao invs em termos de

    relaes sociais importantes que existem entre os seres. Por exemplo, os seres

    humanos podem comunicar-se uns com os outros de maneiras dotadas de

    significado, podem se empenhar em relaes econmicas, polticas e familiares com

    os outros, e podem tambm desenvolver relaes pessoais profundas uns com os

    outros. Esses tipos de relaes requerem que seus participantes despendam grande

    preocupao com uns participantes do que com outros a fim de que tais relaes

    continuem. Uma vez que essas relaes so aquilo que constituem as nossas vidas e o

    valor contido nelas, somos obrigados a dar maior peso aos interesses dos seres

    humanos do que aos dos animais.

    3-Teorias da Igualdade Moral

    Por fim, discutiremos as teorias da igualdade moral. Em tais teorias, os animais no

    apenas tm estatuto moral direto, mas tambm tm o mesmo estatuto moral que os

    seres humanos. De acordo com os tericos desse tipo, no pode haver razo que

    legitime colocar os seres humanos e os animais em categorias morais diferentes, e,

    portanto, o que quer que seja que fundamente nossos deveres com os seres humanos

    fundamentar do mesmo modo os nossos deveres para com os animais.

    a.

    Singer e o Princpio da Igual Considerao de Interesses

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    Peter Singer tem sido muito influente no debate acerca dos animais e a tica. A

    publicao de seu Animal Liberationmarcou o comeo de um movimento crescente

    altamente poderoso nos Estados Unidos e na Europa.

    Singer ataca as perspectivas daqueles que querem dar ao interesse dos animais

    menos peso do que os interesses dos seres humanos. Ele argumenta que se tentarmos

    estender tal considerao desigual aos interesses dos animais, seremos forados a dar

    considerao desigual aos interesses de diferentes seres humanos. No entanto, fazer

    isso vai contra a opinio intuitivamente plausvel e comumente aceita de que todos

    os seres humanos so iguais. Singer conclui que temos, ao invs, de tambm estender

    um princpio de igual considerao de interesses aos animais. Singer descreve esse

    princpio como se segue:

    A essncia do Princpio de Igual Considerao de Interesses que damos peso igual em

    nossas deliberaes morais aos interesses semelhantes de todos aqueles afetados por nossas

    aes (Singer, 1993:21).

    Singer defende esse princpio com dois argumentos. O primeiro uma verso do

    Argumento dos Casos Marginais; o segundo o Argumento do Inigualitarismo

    Sofisticado.

    i. O Argumento dos Casos Marginais (Novamente)

    A verso de Singer do Argumento dos Casos Marginais sutilmente diferente da

    verso apresentada acima. Ele corre como se segue:

    1- A fim de concluir que todos e apenas os seres humanos merecem um estatuto

    moral pleno e igual (e, portanto, que nenhum animal merece um estatuto

    moral pleno e igual), tem de haver alguma propriedade P que todos e apenas

    os seres humanos tm que possa fundamentar tal afirmao.

    2-

    Qualquer P que apenas os seres humanos tenham uma propriedade que

    (alguns) humanos carecem (e.g.os casos marginais).

    3- Qualquer P que todos os seres humanos tenham uma propriedade que

    (muitos) animais tm tambm.

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    4- Logo, no h maneira de se defender a afirmao de que todos e apenas os

    seres humanos meream um estatuto pleno e igual.

    Singer no defende sua primeira premissa, mas no preciso; os proponentes

    da perspectiva de que todos e apenas os seres humanos merecem um estatuto moral

    pleno e igual fiam-se nela (veja acima a discusso das Teorias Diretas que enfatizam

    a Desigualdade). Em defesa da segunda premissa, Singer nos pede que consideremos

    exatamente que propriedades apenas os humanos tm que possa fundamentar tal

    estatuto moral forte. Certas propriedades, como ser humano, ter DNA humano, ou

    caminhar ereto no parecem ser o tipo de propriedades que possam fundamentar

    esse tipo de estatuto. Por exemplo, se encontrssemos formas de vida aliengena que

    no tivessem DNA humano, mas vivessem vidas muito parecidas como a nossa, no

    estaramos justificados em atribuir a esses seres um estatuto moral mais fraco

    simplesmente porque no so humanos.

    H, no entanto, algumas propriedades que apenas os seres humanos tm e que

    parecem a muitos serem capazes de fundamentar um estatuto moral pleno e igual;

    por exemplo, ser racional, autnomo, ou ser capaz de agir moralmente tm sido

    usadas para justificar um estatuto mais forte aos seres humanos do que o que damos

    aos animais. O problema com tal sugesto que nem todos os seres humanos tm

    essas propriedades. Assim, se isso o que fundamenta um estatuto moral pleno e

    igual, segue-se que nem todos os seres humanos so iguais afinal.

    Se tentarmos assegurar que escolhemos uma propriedade que todos os seres

    humanos tm e que ser suficiente para fundamentar um estatuto moral pleno e

    igual, pareceremos ser impelidos a escolher algo como ser senciente, ou ser capaz de

    experienciar prazer e dor. Uma vez que os casos marginais tm essa propriedade,

    ser-lhes-ia concedido um estatuto moral pleno e igual de acordo com essa sugesto.

    No entanto, se escolhermos uma propriedade desse tipo, os animais tero do mesmo

    modo um estatuto moral pleno e igual uma vez que so tambm sencientes.

    A tentativa de conceder a todos e apenas aos seres humanos um estatuto

    moral pleno e igual no funciona de acordo com Singer. Temos de concluir ou que

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    nem todos os seres humanos so iguais, ou temos de concluir que no apenas os

    seres humanos so iguais. Singer sugere que a primeira opo demasiada contra-

    intuitiva para ser aceitvel; pelo que somos forados a concluir que todos os animais

    so iguais, humanos ou no.

    ii. O Argumento do Inigualitarismo Sofisticado

    Outro argumento que Singer emprega para refutar a afirmao de que todos e

    apenas os seres humanos merecem um estatuto moral pleno e igual foca-se na

    suposta relevncia moral de tais propriedades como a racionalidade, a autonomia, a

    capacidade de agir moralmente, etc. Singer argumenta que se nos fissemos nestes

    tipos de propriedades como a base para determinar o estatuto moral, ento

    justificaramos um tipo de discriminao contra certos seres humanos que

    estruturalmente anlogo a prticas como o racismo e o sexismo.

    Por exemplo, o racista acredita que todos os membros de sua raa so mais

    inteligentes e racionais que todos os membros das outras raas, e assim assegura um

    estatuto moral maior para os membros de sua raa do que os membros de outras

    raas. No entanto, o racista est errado em seu julgamento factual; no verdadeiroque todos os membros de qualquer raa seja mais esperto do que todos os membros

    de qualquer outra. Note, no entanto, que o erro que o racista est a cometer

    meramente um erro factual. O princpio moral que assegura o estatuto moral

    baseando-se na inteligncia ou na racionalidade no o que o conduziu ao erro. Ao

    invs, simplesmente a sua avaliao de como a inteligncia ou a racionalidade

    distribuda entre os seres humanos que est errada.

    Se isso fosse tudo o que h de errado com o racismo e o sexismo, ento uma

    teoria moral de acordo com o qual damos considerao extra aos mais espertos e

    racionais estaria justificada. Em outras palavras, estaramos justificados em nos

    tornarmos, no racistas, mas sofisticados inigualitaristas. No entanto, o inigualitarista

    sofisticado to suspeito quanto o racista. Portanto, segue-se que o racista no

    moralmente objetvel meramente por causa de suas perspectivas sobre como a

    racionalidade e a inteligncia so distribudas entre os seres humanos; ao invs, ele

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    moralmente objetvel por causa das bases que usa para pesar os interesses de

    indivduos diferentes. O quo um ser inteligente, racional, etc., no pode ser a base

    para seu estatuto moral; se fosse, ento o inigualitarista sofisticado estaria em bases

    seguras.

    Note que para tal argumento ser bem sucedido, ele tem de visar propriedades

    que admitem graus. Se algum argumentasse que a base da igualdade humana

    repousasse na possesso de uma propriedade que no admite graus, no se seguiria

    que alguns seres humanos tm essa propriedade num grau mais forte que outros, e o

    inigualitarista sofisticado no estaria justificado. No entanto, muitas das

    propriedades que so usadas a fim de apoiar a afirmao de todos e apenas os seres

    humanos merecem um estatuto moral pleno e igual so propriedades que admitem

    graus, mas, como j mencionado, essas propriedades no parecem ser capazes de

    apoiar tal estatuo moral.

    iii. Implicaes Prticas

    A fim de implementar o Princpio da Igual Considerao de Interesses na esfera

    prtica, temos de ser capazes de determinar os interesses dos seres que seroafetados por nossas aes, e temos de dar peso similar a interesses similares. Singer

    conclui que os animais podem experienciar dor e sofrimento fiando-se no argumento

    por analogia (veja a discusso das Teorias Cartesianas acima). Uma vez que os

    animais possam experienciar dor e sofrimento, eles tm o interesse em evitar a dor.

    Esses fatos exigem o fim imediato de muitas de nossas prticas, de acordo com

    Singer. Por exemplo, os animais que so criados para a alimentao em granjasvivem vidas repletas de dor e sofrimento inimaginveis (Singer devota um captulo

    inteiro em seu livro para documentar esses fatos. Ele baseia-se principalmente em

    revistas publicadas por negcios granjeiros). Apesar de os seres humanos

    satisfazerem seus interesses ao comer carne, Singer argumenta que os interesses dos

    animais em evitar essa dor e sofrimento inimaginveis maior que os interesses que

    temos em comer comida boa. Se aplicarmos o Princpio de Igual Considerao de

    Interesses, seremos forados a deixar de criar animais em granjas para a alimentao.

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    Deixar de fazer isso nada mais que especismo, ou dar preferncia aos interesses de

    nossa prpria espcie meramente porque so de nossa espcie.

    Singer no afirma inequivocamente que no temos de comer animais se

    estivermos a aplicar corretamente o Princpio de Igual Considerao de Interesses. Se

    somos obrigados a nos abster de matar animais de modo indolor depender se os

    animais tm interesse em continuar a existir no futuro. A fim de ter esse interesse,

    Singer acredita que um ser tem de ser capaz de se conceber como existindo no futuro,

    e isso requer que um ser seja autoconsciente. Seres no autoconscientes no so

    prejudicados por suas mortes, de acorde com Singer, pois eles no tm um interesse

    em continuar a existir no futuro.

    Singer argumenta que poderamos ser capazes de justificar a morte desses

    tipos de seres com O Argumento da Substituibilidade. Nessa linha de pensamento, se

    matamos um ser no-autoconsciente que estava vivendo uma vida boa, ento

    diminumos a quantidade total da vida boa no mundo. Isso pode ser reconstitudo,

    no entanto, ao criarmos outros seres que possam experienciar bens similares. Em

    outras palavras, seres no-autoconscientes so substituveis: matar um pode ser

    justificado se para se fazer isso necessrio criar outro. Uma vez que os animais que

    criamos para a alimentao no existiriam se ns no os comecemos, segue-se que

    matar esses animais pode ser justificado se os animais que criamos para a

    alimentao vivem vidas boas. No entanto, para que essa linha de argumentao

    justifique a matana de animais, os animais tm no apenas de ser no-

    autoconscientes, mas tm tambm de viver vidas que sejam boas de se viver, e suas

    mortes tm de ser indolor. Singer expressa dvidas de que todas estas condiesseriam satisfeitas, e afirma inequivocamente que no so cumpridas por lugares

    como as granjas.

    Singer tambm condena muitos experimentos em que se usam animais. Ele

    aponta primeiro que muitos dos experimentos produzidos usando-se animais como

    cobaias no tm qualquer benefcio para os seres humanos que excederiam a dor

    causada aos animais. Por exemplo, os experimentos usados para testar cosmticos ou

    outros produtos desnecessrios para os seres humanos no podem ser justificados se

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    usamos o Princpio de Igual Considerao de Interesses. Singer tambm condena os

    experimentos com a finalidade de prevenir ou curar doenas humanas. Se estamos

    preparados para usar animais como cobaias em tais experimentos, ento seria de fato

    melhor, de um ponto de vista cientfico, usar cobaias humanas ao invs, pois nohaveria qualquer questo de comparaes inter-espcie ao se interpretar os dados. Se

    acreditamos que os benefcios excedam os prejuzos, ento ao invs de usar animais

    deveramos usar bebs rfos bastante incapacitados cognitivamente. Se acreditamos

    que tal sugesto moralmente repugnante quando seres humanos esto a ser usados,

    mas moralmente incua quando animais esto a ser usados, ento somos culpados

    de especismo.

    Do mesmo modo, caar por esporte, usar animais em rodeios, manter animais

    confinados em zoolgicos onde no so capazes de se empenharem em suas

    atividades naturais so todos condenados pelo uso do Princpio de Igual

    Considerao de Interesses.

    b. Regan e o Direito dos Animais

    A obra seminal de Tom Regan, The Case for Animal Rights, uma das mais influentes

    obras sobre o tpico dos animais e a tica. Regan argumenta a favor da tese de que os

    animais tm direitos exatamente do mesmo modo que tm os seres humanos. Regan

    acredita que seja um erro afirmar que os animais tenham um estatuto moral indireto

    ou um estatuto desigual, e assim inferir que os animais no podem ter quaisquer

    direitos. Ele tambm pensa que seja um erro fundamentar um estatuo moral igual em

    bases utilitaristas, como Singer tenta fazer. De acordo com Regan, temos de concluir

    que os animais tm o mesmo estatuto moral que os seres humanos; e, alm disso, que

    o estatuto moral fundado nos direitos, no em princpios utilitaristas.

    A argumentao de Regan repousa no conceito de valor inerente. De acordo

    com Regan, qualquer ser que seja um sujeito-de-uma-vida um ser que tem valor

    inerente. Um ser que tem valor inerente um ser perante o qual temos de mostrar

    respeito; e para mostrar respeito a tal ser, no podemos us-lo meramente como um

    meio para os nossos fins. Ao invs, cada ser tem de ser tratado como um fim em si

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    mesmo. Em outras palavras, um ser com valor inerente tem direitos, e esses direitos

    funcionam como trunfos contra a promoo do bem geral.

    Regan se fia numa verso do argumento dos casos marginais ao argumentar a

    favor dessa concluso. Ele comea perguntando pelas bases dos direitos humanos.

    Ele rejeita as perspectivas robustas que afirmam que um ser tem de ser capaz de

    representar a si mesmo como legitimamente possuindo a proteo de seus interesses

    pela razo de que essa concepo de direitos implica que casos marginais da

    humanidade no tm direitos. Porm, uma vez que pensamos que esses seres

    possuem direitos morais, tem de haver alguma outra propriedade que fundamente

    esses direitos. De acordo com Regan, a nica propriedade que comum tanto a seres

    humanos adultos normais quanto aos casos marginais a propriedade de ser sujeito-

    de-uma-vida. Um ser que sujeito-de-uma-vida:

    ter crenas e desejos; percepo, memria, e um sentido de futuro, incluindo o seu prprio

    futuro; uma vida emocional acompanhada dos sentimentos de prazer e dor; interesse de

    preferncia e de bem estar; a capacidade de comear uma ao rumo aos seus desejos e

    metas; uma identidade psicolgica ao longo do tempo; e um bem estar individual no sentido

    de que a sua vida experiencial seja boa ou ruim para si prprio logicamente independente desua utilidades para outros, e logicamente independente de ser objeto dos interesses de algum

    mais (Regan 1983: 243).

    Essa propriedade possuda por todos aqueles seres humanos que pensamos

    merecer direitos; porm, uma propriedade que muitos animais (especialmente os

    mamferos) tambm tm. Assim, se esses casos marginais de humanidade merecem

    direitos, ento esses animais tambm merecem.

    Embora essa posio possa parecer bastante similar de Singer (veja a Seo

    III, parte a), Regan tem o cuidado de indicar aquilo que ele pensa serem as falhas da

    teoria utilitarista de Singer. De acordo com Singer, temos de considerar igualmente

    cada interesse distinto em nossa deliberao. No entanto, ao fazer isso estamos nos

    focando na coisa errada, diz Regan. O que importa o indivduo que tem o interesse,

    e no o interesse em si. Ao se focar nos interesses em si, o utilitarismo permitir as

    aes mais horrendas. Por exemplo, se fosse possvel satisfazer mais interesses

    fazendo-se experimentos com seres humanos, ento isso que deveramos fazer de

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    acordo com o utilitarismo. No entanto, Regan acredita que isso claramente

    inaceitvel: nenhum ser com valor inerente pode ser usado meramente como um

    meio.

    Isso no significa que Regan considere os direitos como absolutos. Quando os

    direitos de diferentes indivduos conflitam, o direito de algum tem de ser revogado.

    Regan argumenta que nesses tipos de casos temos de tentar minimizar os direitos

    que so revogados. Porm, no nos permitido revogar os direitos de algum s

    porque faz-lo deixar algum numa melhor situao; nesse tipo de caso estamos

    sacrificando os direitos pela utilidade, o que nunca permissvel de acordo com a

    perspectiva de Regan.

    Dadas essas consideraes, Regan conclui que temos de alterar radicalmente

    os modos pelos quais tratamos os animais. Quando criamos animais para a

    alimentao, a despeito de como so tratados e como so mortos, estamos usando-os

    como meios para os nossos fins e no os tratando como fins em si mesmos. Assim,

    no podemos criar animais para a alimentao. Do mesmo modo, quando fazemos

    experimentos com animais a fim de desenvolver a cincia humana, estamos usando

    os animais meramente como um meio para os nossos fins. Raciocnios similares se

    aplicam ao uso dos animais em rodeios e na caa.

    4- Referncias e Leitura Adicional

    a.

    Antologias

    b. Monografias

    c. Artigos