Orixás - Laroiê Exu (1º episódio)

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“ORIXÁS” Projeto inicial de Edison Braga sobre o livro de contos “Filhos de Olorum”, de Raul Longo. Roteiro de Raul Longo . DEDICATÓRIAS : Ao final de cada episódio reprodução de fotos ou ilustrações de personalidade popular da cidade de Salvador. Há de requerer pesquisa, pois serão homenageadas pessoas de todas as épocas. Consagradas (desde que falecidas) como o artista plástico Caribê ou anônimos (vivos ou não mais) que por alguma razão se notabilizaram. Desses últimos, alguns que se tornaram famosos como Nelson Maleiro, criador do afoxé Mercadores de Bagdá, ou o capoeirista Besouro de Ouro. Outros nem tanto, como o coletor de lixo da Vitória, que jogava capoeira com os latões, Figura e a Mulher de Roxo. O Figura é um mendigo conhecido por roupas e máscaras por ele confeccionadas através de reciclagem de material descartado. Jamais revela seu rosto e circula pelo centro da cidade. A Mulher de Roxo, da década de 70, trajava exóticos figurinos por ela criados e confeccionados. Era confundida como mendiga e diariamente fazia ponto na porta da Casa Sloper, na Rua Chile. Além de constar nome e alcunha será indicado local e data de nascimento e morte (dos já falecidos), e resumo biográfico. Todos com o título geral: PATRIMÔNIO HUMANO DA BAHIA Um exemplo de conteúdo: PATRIMÔNIO HUMANO DA BAHIA Mestre Bimba (foto) 1900 (Salvador) – 1974 (Goiânia) Manuel dos Reis Machado começou a treinar capoeira com 12 anos de idade.

Transcript of Orixás - Laroiê Exu (1º episódio)

“ORIXÁS”Pro je to in i c i a l de Edison Braga sobre o l iv ro de con tos “F i lhos de Olorum” , de Rau l Longo .Rote i ro de Raul Longo .

DEDICATÓRIAS : Ao f ina l de cada episódio reprodução de fo tos ou i lus t rações de personal idade popular da c idade de Salvador . Há de requerer pesquisa , pois serão homenageadas pessoas de todas as épocas . Consagradas (desde que fa lec idas) como o ar t i s ta p lás t ico Car ibê ou anônimos (v ivos ou não mais) que por a lguma razão se notabi l izaram. Desses ú l t imos , a lguns que se tornaram famosos como Nelson Male i ro , c r iador do afoxé Mercadores de Bagdá , ou o capoei r i s ta Besouro de Ouro . Outros nem tanto , como o cole tor de l ixo da Vi tór ia , que jogava capoei ra com os la tões , F igura e a Mulher de Roxo. O Figura é um mendigo conhecido por roupas e máscaras por e le confecc ionadas a t ravés de rec ic lagem de mater ia l descar tado. Jamais reve la seu ros to e c i rcula pe lo cent ro da c idade . A Mulher de Roxo, da década de 70 , t ra java exót icos f igur inos por e la c r iados e confecc ionados . Era confundida como mendiga e d iar iamente faz ia ponto na por ta da Casa Sloper , na Rua Chi le . Além de cons tar nome e a lcunha será indicado loca l e da ta de nasc imento e mor te (dos já fa lec idos) , e resumo biográf ico . Todos com o t í tu lo gera l : PATRIMÔNIO HUMANO DA BAHIA Um exemplo de conteúdo: PATRIMÔNIO HUMANO DA BAHIA

Mestre Bimba ( fo to) 1900 (Salvador) – 1974 (Goiânia)Manuel dos Reis Machado começou a t re inar capoei ra com 12 anos de idade.Cr iador da Capoeira Regional com sequências de golpes mais rápidos e a inc lusão de inst rumentos de percussão e cantos.Resgatou a capoei ra da marginal idade. Depois de Mestre Bimba, “O Capoeira” não é apenas um lutador , mas a lguém com uma forma par t icu lar de ser , pensar e agi r .Em 1996, por unanimidade, a Univers idade Federal da Bahia concedeu a Mestre Bimba, ex-est ivador , carp inte i ro e carvoei ro, o t í tu lo (post-mortem ) de Doutor Honor is Causa.

Cada episódio será in ic iado pela entonação t íp ica da evocação do or ixá ao qual corresponde

1º Episódio – LAROIE EXU!

Personagens:

1 – Tenente Ambrósio – Moreno, a l to e for te. Autor i tár io , mas contempor izador e temeroso de conf l i tos.

2 – Dodô Excelência – Moreno, com denotes de ascendência af r icana. Poderoso e fescenino. Sempre t ra jando calça combinando com blazer que carrega ao braço ou nos ombros.

3 – Bib i de Brotas – Mulato magro, assumidamente efeminado. Vivaz, so l íc i to e subserv iente, mas inc is ivo.

4 – Andrew – estadunidense magro e e legantemente lad ino. Sempre capaz de descobr i r e explorar uma opor tunidade, mesmo nas advers idades. Impecável em terno, gravata, camisa branca de mangas cur tas e óculos escuros.

5 – Mister Tower – Nor te-amer icano, branco e mui to gordo. Algo de androgin ia. Economicamente poderoso e t ip icamente capi ta l is ta.

6 – Nel ly – estadunidense, at r iz com t re je i tos estereot ipados das grandes est re las dos anos de ouro de Hol lywood. De beleza produzida, exageradamente afetada. Bei ra à car icatura.

Novos personagens serão descr i tos de acordo com a entrada de suas fa las nos episódios correspondentes.

Cena 01 – Tomada área de mar e praiaJet-sk is , he l icópteros e barcos de salva-v idas. A concentração de pessoas d iv ide-se em grupo mais d isperso de pol ic ia is observando as operações em di ferentes pontos do mar e da pra ia, observados por outro grupo menor e mais coeso de t íp icos execut ivos, abr igados sob uma ampla tenda. Quase todos ut i l izam óculos escuros e a lguns t ra jam sapatos, gravatas af rouxadas, paletós à mão.

Cena 02 – Sob a tenda : Armada na porção mais a l ta da pra ia, sob a tenda e ao centro uma espreguiçadei ra de pra ia onde se d is t r ibu i um corpo gordo e mui to branco com vermelh idões na pele lambuzada de creme para queimaduras. Abanando-se, o gordo observa com enfado a aproximação de homem com blazer , ca lça e sapatos brancos. Traz o paletó pendurado pela gola e, sob a camisa aber ta da barr iga ac ima, em seu pei to destaca-se um colar de contas vermelhas e

brancas e uma corrente de ouro combinando com o grande re lógio de pulso. É seguido por mulato jovem e magro, de gestual a fetado de homossexual assumido.

Demonstrando in t imidade, o homem de branco fa la com um e outro, aproxima-se à mesa ao lado do homem gordo, toma de uma jarra e enche um copo do qual bebe lentamente. O gordo v i rasse como que tentando evi tar sua aproximação. Pelo gemido e expressão denota quanto são dolor idas as queimaduras.

Um mi l i tar aproxima-se ao homem do terno branco. Trocam algumas palavras e se afastam do abr igo, seguidos pelo mulato afetado.

Pouco mais afastados, o pol ic ia l in terpela:

TenenteDodô! Como é que deixou acontecer uma merda dessa?

DodôOxente! E eu tenho cara de babá de gr ingo?

Bib i Só fa l tou Dodô arrastar e les embora. Mas tavam tudo bolado pra Exu! Não quer iam porque não quer iam i r .

TenenteNão podia ter deixado e les sozinhos, Dodô! Num afoxé de Exu?

Bib iEu f iquei jun. . .

DodôPorra! Eu tava a l i no carro. T inha de dormir . Acordei quando Bib i me chamou. Esse gr ingo f i lho da puta tava emborcado, bêbado! E a mulé nada! Agora, ao invés de encher meu saco, va i a t rás da negrada! Ela tá é com eles.

Tenente(apontando Bib i )

Mas no depoimento esse aí d isse que e la entrou no mar.

DodôEsse merda tava chapado! Eu v i a branca se mandando com a negrada. Muda esse depoimento e aper ta a lgum negro aí da comunidade que você acha a vaca da gr inga. E faz isso logo porque é famosa, é est re la de Rol iúde! Imagine a merda que isso pode dar se chega lá !

TenenteSe est iver v iva, vamos encontrá- la . Não se perde uma lo i ra p lat inada no meio da negrada baiana. Se morreu no mar, vamos encontrar o corpo! Vai ter de aparecer em algum lugar . (para Bib i ) : Você tem cer teza que v iu a mulher entrando no mar? Sozinha?

Enquanto Bib i se expl ica ao Tenente, Dodô se afasta retornando à tenda de onde chama alguém que vai ao seu encontro tentando conter os cabelos esparsos ao vento. São observados pelo gordo com olhar de consis tente desprezo.

DodôÉ retado mesmo! Depois da maior bata lha com os porra da Câmara e da Assemblé ia, fazer média com o Min is tér io , defender o pro jeto no Congresso e encarar essa turma de eco-chato. . . Vai tudo pro cacete!

Andrew(for te sotaque nor te-amer icano) :

Take easy Dodou Excelência. Mister Tower invest iu mui tas dólares neste pro je i to e nou será por esto que abandonará o negocia.

DodôSei não. . . Esse teu chefe é todo enro lado. Uma hora é uma coisa, depois é outra. Um puta mi ja pra t rás! Agora com esse desacer to, é capaz de desis t i r do f i lme e do pro jeto todo!

AndrewNo, no! Mister Tower no perder money. E prec isa movie para vender pro je i tou em Uni ted States. Probably mudar o a id ia do f i lme. Nou mais uma star of movie fazendo apresente ich ion do Bahia. Eu tenha amigo d i retor de documentary of exot ic people around the wor ld. The publ ic in Nor th Amer ica l ike exot ic braz i l ian cu l ture.Only change o idea rev iva l Carmem Miranda. Today nobody remember Miss Miranda. Nel ly isn ’ t necessary.

DodôEssa put inha gostou de bras i le i ro até demais. Pra mim tá é enf iada no barraco de um negô desses aí . A merda é a raça dos esquerdinhas f icar sabendo dessa h is tór ia e aprovei tarem pra fazer escândalo pol í t ico. Vou ter de dar mui to jabá pra esses urubu da imprensa abafá a not íc ia .

Andrew(afastando-se para atender chamado de Mister Tower)

I t ’s no problem for you.

Dodô retorna ao sol observando o mar, esquadr inhando a pra ia. Close em sua cara luz id ia de suor . Coloca os óculos e as imagens ref le t idas nas lentes escuras vão se t ransformando em ref lexo de uma cena noturna: ve las acesas e gentes dançando a legres em meio a mãos batendo em inst rumentos de percussão.

CENA 02 – Mesma praia em f inal de tarde, início de noiteDiversos grupos de negros adentrando a pra ia. Homens e mulheres dançando e batucando inst rumentos de candomblé. Seguindo a t r i lha de uma das f i le i ras de fo l iões, ao a l to , uma lo i ra mui to maquiada, mas em leves vestes azuis que realçam suas formas at raentes, entre Mister Tower e Dodô Excelência.

Mister TowerWhat is that?

DodôAfoxé de Exu!

Mister TowerWhat?

Dodô(tentando forçar pronúncia em inglês) :

Afouxé! Eixu!

Nel ly Who is Eixu?

DodôHe is . . . Maybe. . . One k id. Boy.

Nel lyBoy?

DodôYes. . . No! Maybe. . . maybe.

Nel lyDo you speack spanish? Habla español?

Dodô(em espanhol , mas com sotaque de amer icano) .

Es comou. . . comou e l d iablou.

Nel ly Diablo? I l ike e l d iablo!

DodôYes! I t ’s one festa, f iesta. . . Par ty of d iablou!

Nel ly Tower! We have one par ty . Satanic par ty !

TowerOh no!

Nel lyOh yes!

Cena 3 - A festa em início de noite Dis t r ibu ição de comidas e guloseimas de Exu às pessoas que se achegam à festa, sempre em di reção à pra ia.

Nel lyOh! My dar l ing, p lus! Let ’s go!

TowerNo Nel ly ! I t ’s danger !

Dodô(avis tando a lguém):

Wai t ! Wai t ! One moment . . . B ib i ! B ib i de Brotas! B ib i !

De um grupo de fest ivos efeminados, o mulato se aproxima:

Bib iÔ meu re i ! Fazendo o que aqui sozinho no meio da massa?

DodôTô sozinho, não. Tô com aqueles gr ingos.

Bib iUau! E aquela poderosa, quem é? Até parece at r iz de c inema amer icano.

DodôE é! É a Nel ly Pr ice! Conhece, não?.

Bib iDodô! Não acredi to ! Ouvi d izer que sua Excelência tava produzindo um f i lme, mas não sabia que t inha est re la famosa de Rol iúde, não! Já sei ! Tá de caso com a is tar , não é?

DodôAinda não. Ela ‘ tá querendo, mas é cacho do gordo. Puta desperdíc io! O cara a inda não sabe, mas também é f i lho do teu or ixá.

Bib iQue luxo! E qual ’é a do bofe? Faz c inema também?

DodôÉ o dono do f i lme. É o meu sócio capi ta l is ta. E eu não posso roubar a mulher na cara dura. Mas você vai me dar uma a juda.

Bib iEuuuu!?

Cena 4 – Noite. Seqüência de detalhes da festa Entre a mul t idão se insere o grupo de Dodô, agora acrescido por Bib i e dois outros companheiros efeminados. Alguém se aproxima entregando uma garrafa de cachaça. Bib i o ferece a Tower que gest icu la recusando. Nel ly entorna um largo gole.

Nel lyUou! És fuego!

TowerNel ly ! You are crazy!

Nel lyBut i t ’s good. I t ’s very good. You need enjoy. Dr ink!

TowerNo! No!

Nel ly( ins is t indo e forçando Tower a exper imentar) :

Yes! Yes! Only l i t t le dr ink. . .

Enquanto Tower tosse e cospe engasgado, um dos amigos de Bib i surge com uma grande caneca, entregando para Dodô.

Dodô(em por tunhol , mas sempre com sotaque nor te-amer icano)

Nel ly ! Is to é mejor . Caip i r inha! Mais good!

Cena 5 – Detalhes da festaSacr i f íc io de animais. Adeptos incorporados. Bat ismos de fumaça e cachaça. Símbolos fá l icos sendo manuseados. Grupos em mani festações erót icas. Entre a sequência, B ib i quest iona Dodô.

Bib iE qual va i ser o ebó de meu Exu, Excelência?

DodôOxente! Então já não te dei o gr ingo? Qué mais o quê? Mas segura aí teu colegas. Não vão l impá o homê que é meu sócio. Trata e le com je i to que pode até te levá pros Is te i tes.

Bib iE a lo i ra?

DodôQue cê acha? Dessa cuido eu!

Bib iNão tem suje i ra botar uma d iamba na parada pra e les re laxarem?

DodôBoa ide ia! E f ique t ranqüi lo que no f i lme já tem lugar pra você. Vai ser meu o lhei ro e t rabalhar na produção.

Bib iUau! Te cuida Spi lberg que aqui va i B ib i de Brotas!

Cena 6 – Prossegue sequência de detalhes da festaAssist idos por pais e mães de santo e seus auxi l iares, d iversos mani festam a incorporação de Exu em seus ext ravagantes gestuais e gargalhadas. Batuques, danças. Ícones e máscaras de Exu. Risadas e saudações. Uma negra caracter izando o or ixá se destaca, mas desaparece entre as demais pessoas para reaparecer e sumir novamente. A cada reapar ição sempre em maior despojamento e ac intosa sensual idade, até reparecer to ta lmente nua. Cena 7 – Noite. Superposição de f igura caracterizada de Exu entre ref lexos de luz e fumaça Como se at ravessando a imagem de Exu, Nel ly i r rompe puxando Tower.

Nel lyCam’on Dar l ing. We need dancy for Exu!

TowerNo Nel ly ! No!

Nel lyYes! Yes! Yes! I t ’s very excet ing.

Cena 8 – Prossegue seqüência de detalhes da festa, em r i tmo crescentePessoas dançando, outras em t ranse, a lgumas ro lando pela are ia. Sangue dos sacr i f íc ios escorrendo por rostos e cabeças. Gr i tos e gargalhadas. Ins inuações sensuais, t roca de pares, sugestões de ménage, prenúncio de org ia. Cigarros de maconha, garrafas e copos se t ransferem entre mãos e láb ios. Foguei ras d ispersas pela pra ia i luminam os grupos e de um deles vem Bib i , in terrompendo a ansiedade de Dodô no apalpar do corpo de Nel ly , em meio à dança embr iagada.

Bib i :Meu re i ! Dodô! Ô Dodô! Presta atenção que é sér io ! Seguinte meu re i : melhor levar a est re la aí pra outro espaço, v isse! Posso até segurar a onda das Giras a l i , e com o gr ingo você não prec isa se preocupar que aquele já emborcou. Amanhã eu entrego e le pro ’cê, in te i r inho. Só que é o seguinte: a negrada aí é gente boa, mas a tua gr inga tá chamando mui ta atenção. A rapaziada tudo bem, respei ta . . . Mas vai que uma z inha dessa aí se enciúma da beleza da lo i ra, tá fe i to o sa lse i ro. A inda mais que e la é a cara de Iemanjá.

Nel ly (embr iagada)

Iemanjá? What ’s that Iemanjá?

Bib iIemanjá é a mãe de Exu, minha l inda. A lenda d iz que Exu, que é o vento, fez amor com a mãe quando e la estava dormindo. Iemanjá f icou prenha do incesto e com ra iva abor tou a v ida que ex is te no mundo, inc lus ive nós tudo que somos f i lhos da deusa do mar.

Nel lyThe sea? But i t ’s evolut ion theory. The wind, a i r , oxygen wi th the water . Began the l i fe sea. Af ter , a l l l i fe in the word.

BibiSei lá minha nega! Deve ser por aí , mas a h is tór ia é que apesar de Iemanjá ter f icado retada, até hoje gosta de um incestos inho.

Nel lyIn-ces- tô-s inho?

Dodô :Incesto. Sexo. Love! Iemanjá l ike make love wi th your son Exu. The b lack people, her ch i ldren.

Bib i (sa indo)Pois então… É bom vocês se mandarem antes que e les pensem que a boneca é oferenda pra Exu. A Iemanjá da noi te ! E o bacanal já tá começando. . .

DodôOk my dar l ing! Let ’s go!

Nel lyNo! Now I am the oferenda for Exu.

DodôTá maluca! Eles vão querê te comê, mulé! The men want make sex, pornô, com você. Wi th you. Fuck you! Understand?

Nel lyVery good! The Exu make love wi th your mother Iemanjá. I ’m Iemanjá.

DodôOxente gr inga! Tu num tá vendo que é um bando de negro! Black people! A l l b lack people!

Nel lyNo problems. In Brazi l no have rac ism.

Nel ly começa a se despi r . Dodô a envolve, decid ido a ret i rá- la .

DodôPara com isso, maluca! Vamos pra lá . Vamos buscar o Tower.

Nel lyFuck you and Tower! I don’ t need Tower! I don’ t need you! I am the sea queen! I ’m Iemanjá!

A d iscussão at ra i a atenção de outros homens e mulheres que se aproximam. Dodô tenta abraçar Nel ly que o esbofete ia

Nel lyGet out ! Get out !

Repent inamente Nel ly acorre aos negros e se abraça a um deles. Dodô se contém no receio das expressões ameaçadoras dos homens e das mulheres.

DodôOlha aí ! É encrenca! A lo i ra é gr inga! Mulher de bacana. É só encrenca pra vocês.

Um NegroVocê é o homem dela?

DodôNão. Mas eu sou o Dodô Excelência.

Outro NegroTá! Isso a gente sabe. . . Mas aqui não tem Excelência nenhuma. Aqui Excelência é só Exu. Excelência pra nós é Iemanjá.

Uma NegraSe a branca quiser i r embora, pode i r . Ninguém vai obr igá e la a nada. Mas se tá com Iemanjá e quer f icar com Exu, e la f ica.

Dodô tenta d izer a lguma coisa, mas dois outros homens se adiantam. In t imidado, Dodô se contêm. Aponta, o lha para os lados, investe, desis te, re torna. Termina por caminhar para o grupo de Bib i . Olha at rás para ver Nel ly , seminua, dançando com mui ta sensual idade, envol ta por dois homens. Alguns batucam e outros dançam.

Cena 9 - Dodô caminhando sobre areia fofa Dodô o lha mais uma vez at rás e d is t ingue o vu l to de Nel ly em sensual bei jo da mulher negra e nua que caracter izava Exu. Retoma a caminhada até o grupo de Bib i e os outros dois homossexuais bol inando Tower que r i semi- inconsciente.

DodôMister ! Mister Tower! Acorda aí !

Tower resmunga, tenta soerguer-se. Não consegue. Dodô ins is te, agachando-se ao lado. Os negros o observam, incomodados. Bib i se preocupa.

Bib iO que fo i que deu meu re i? Quedê a gr inga?

DodôTá lá com a negrada. Baxô o santo nela também! Vam’bora Mister Tower! Vamos chamar Nel ly . Let ’s go!

Tower nega-se em resmungos in in te l ig íve is em seu id ioma. Enrosca-se aos rapazes. Dodô ins is t i , sacudindo o corpo gordo e inerme. Um dos rapazes rec lama:

Rapaz 1Ixê! Mas que chateação.

DodôNão te mete seu veado de merda!

Dodô ameaça uma tapa no rapaz, mas se contém no br i lho de uma navalha ref le t indo o luar e os grandes o lhos de cí l ios post iços do outro homossexual que por t rás lhe achega a lâmina ao pescoço. Mantém f r ieza na mão armada e pronta pra ação. Bib i acode e sussurra em seu ouvido:

Bib iÉ Dodô! Dodô Excelência!

Rapaz 2Aqui não é n inguém! Aqui não tem ninguém! Aqui só quem manda é a Pomba Gira. É Pomba Gira e mais n inguém.

Bib iEsfr ia Dodô. Deixa. . . O gr ingo não vai agüentá mesmo. Ele não f ica em pé. Tá com seu carro, a í? Espera lá que depois levo o homem pra você. E a mulher também.

DodôAquela puta que se foda!

Bib iLevo e la ass im mesmo. Espere lá ! Descanse. F ique t ranqüi lo . Agora não adianta. Tá todo mundo mui to bêbado. T i re um cochi lo no carro, que eu cuido dos dois . Não tem per igo.

Dodô re laxa e lentamente o rapaz a l iv ia a mão. Já em pé, Dodô o lha, cospe pro lado e se afasta.

DodôGringos nojentos.

Cena 10 – Alto da praiaRecostado à por ta aber ta do carro, Dodô o lha a inda uma vez à pra ia, d iv isando o grupo de negros sob as luzes das foguei ras onde se d is t ingui a pele branca de Nel ly cavalgando um corpo de pele negra.

DodôGringa nojenta.

Entra e a luz in terna do carro se apaga no bater da por ta.

Cena 11 – Escuridão total seguida de noturno de rua ao lado da praia, tomada do inter ior de automóvelEscuro e s i lêncio absoluto que se quebra repent inamente por um pancada na la tar ia do carro, seguido de vozes e r isadas. Olhos de Dodô se abrem piscando no desper tar repent ino. Além do para-br isa do automóvel , homens e mulheres cruzam a rua em algazarra. In ic ia lmente a imagem intersecciona-se com rápidos b lackouts entre os quais se reconhece o vu l to de mulher lo i ra com o cabelo esvoaçando. A imagem f i rma-se e se reconhece Nel ly abraçada a um negro. Olhando para o carro r i debochada e sensual . Desaparecem na escur idão, observados por Dodô pela janela aber ta da por ta do carro.

DodôVaca! Rameira!

A v is ta noturna da est rada já so l i tár ia se reduz gradualmente até nova escur idão.

Cena 12 – Escuridão total , seguida de gradativa incidência de imagem de ondas quebrando na praia Crescente ruído de mar. Na mesma sequência, enquadramento de grupo amontoado na pra ia revelando o corpo nu e debruçado de Tower, abraçado por um dos negros. Outro mais adiante e Bib i dormindo, vo l tado para o mar para onde se d i r ige a s i lhueta da imagem de Iemanjá adentrando as águas em suas roupas azuis . Iemanjá é lo i ra e as roupas são as de Nel ly . Iemanjá é Nel ly adentrando as águas do mar.

Cena 13 – Zoom in até close em BibiOlhos in je tados se entreabrem e a voz sonolenta e ébr ia de Bib i de Brotas murmura:

Bib iOdê Ieman! Minha mãe-peixe. . . Sere ia do mar.

Cena 14 – Noturno. Nel ly adentrando às águas do marNel ly- Iemanjá aprofunda-se, sumindo-se sob as águas. Apenas seus cabelos bóiam à f lor da água, dançando no movimento das ondas enquanto a imagem se reduz gradualmente para escur idão tota l .

Cena 15 – Escuridão total , seguida de difusa luz diurna

Voz de Bib i(e levando-se gradualmente)

. . . Iemanjá Dodô! Acorda! Acorda que a gr inga v i rou Iemanjá!

Confundindo-se na luz da manhã inc idente nos v idros fechados da janela do carro, se compõe a cara desesperada de Bib i , gr i tando e batendo.

Cena 16 – Close em Dodô despertandoDodô est remunha entorpecido pelo sono, mas por f im se dá conta do sent ido do desespero de Bib i . Abaixa o v idro da janela e a voz de Bib i i r rompe:

Bib iEntrou no mar e v i rou Iemanjá. Eu v i ! V i rou sere ia! Sumiu no mar.

DodôDeixe de ser besta! Que sere ia que nada!

Bib iEu v i Dom! Desapareceu nas águas. É Iemanjá!

DodôCê tá é chapado. E o amer icano, cadê?

Bib iTá v i rado num bicho! Telefonou prum mundo de gente, tão v indo tudo aí . Mandou chamar sua Excelência. Acho que quer que l igue pra pol íc ia , mas sei lá , não dá pra entender o que essa gente fa la nessa l íngua do capeta!

Cena 17 – Dodô saindo do carro. Acompanhando seu movimento: tomada da praia ao fundoNa pra ia, Tower com uma grande toalha sobre os ombros, fa lando ao celu lar . Homens de terno descendo de automóveis e caminhando em di reção ao nor te-amer icano. Outros, em uni forme de salva-v idas espre i tam o mar por onde já c i rcu la um Jet Sky, uma lancha par t icu lar e outra de bombeiros. No ar , a chegada de um hel icóptero. A um ruído de automóvel Dodô vol ta-se o lhando a extensão da rua. Diversos carros se aproximam. Andrew desembarca do pr imeiro a estac ionar e acena para Dodô.

DodôAgora é que fo i tudo pra merda mesmo.

BibiÉ coisa de Exu. . .

O ruído de hel icóptero se impõe. É o mesmo da aber tura da Cena 01. Vis ta aérea da pra ia, s i renes e comboio de carros de pol íc ia se aproximando.

Fim do Episódio 1