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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Caio Silva Sousa Cantanhede RECURSOS RETÓRICOS PARA A REALIZAÇÃO DA PERSUASÃO IMPLÍCITA EM TEXTOS ARGUMENTATIVOS Um enfoque crítico da Linguística Sistêmico-Funcional MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM São Paulo 2016 i

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Caio Silva Sousa Cantanhede

RECURSOS RETÓRICOS PARA A REALIZAÇÃO DA PERSUASÃO IMPLÍCITA EM TEXTOS ARGUMENTATIVOS

Um enfoque crítico da Linguística Sistêmico-Funcional

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

São Paulo 2016

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Caio Silva Sousa Cantanhede

RECURSOS RETÓRICOS PARA A REALIZAÇÃO DA PERSUASÃO IMPLÍCITA EM TEXTOS ARGUMENTATIVOS

Um enfoque crítico da Linguística Sistêmico-Funcional

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em atenção à exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a orientação da Professora Doutora Sumiko Nishitani Ikeda.

São Paulo 2016

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Caio Silva Sousa Cantanhede RECURSOS RETÓRICOS PARA A REALIZAÇÃO DA PERSUASÃO IMPLÍCITA EM TEXTOS ARGUMENTATIVOS Um enfoque crítico da Linguística Sistêmico-Funcional / - São Paulo, 2016, 88 fls. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem - LAEL. Linha de Pesquisa: Linguagem e Trabalho Orientadora: Profa. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda. Palavras-chave: Argumentação. Persuasão Implícita. Linguística Sistêmico-Funcional. Keywords: Argumentation. Implicit Persuasion. Newspaper Editorial. Relationship language and speech. Systemic-Functional Linguistics.

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução parcial ou total desta dissertação através de fotocópias ou meios

eletrônicos.

________________________ Caio Silva Sousa Cantanhede

São Paulo, de de 2016.

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Caio Silva Sousa Cantanhede

RECURSOS RETÓRICOS PARA A REALIZAÇÃO DA PERSUASÃO IMPLÍCITA EM TEXTOS ARGUMENTATIVOS

Um enfoque crítico da Linguística Sistêmico-Funcional

Banca Examinadora:

__________________________________________ Profa. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda – Orientadora

__________________________________________ Profa. Dra. Elisabeth Brait

__________________________________________ Profa. Dra. Elizabeth Del Nero Sobrinha

São Paulo, de de 2016. v

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Para minha mãe, a pessoa mais importante da minha vida...

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AGRADECIMENTOS

Agradeço e ofereço a todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho, e de modo especial:

À orientadora, prof.ª dr.ª Sumiko Nishitani Ikeda, pela orientação segura e fiel, sem a qual não teria sido possível realizar este trabalho. A minha admiração e gratidão. À prof.ª dra. Elizabeth Del Nero Sobrinha, ao prof. dr. Ricardo Montefusco pelas sugestões feitas no exame de qualificação, importantes para finalizar este trabalho. Às professoras dra. Elisabeth Brait, dra. Maximina Freire e dra. Vera Grando por participarem da minha banca. À minha parceira e colega de turma, Lídia, com quem pude contar nos momentos de aflição e com quem troquei muitas experiências significativas para minha formação, além de outros colegas. À minha mãe, Maria das Graças, e aos meus irmãos, Laudelino e Bruno, e à minha querida amiga, Juliana Julio, pelo incentivo nas diferentes etapas de meus estudos; em especial pela solidariedade e por suavizarem minhas ansiedades. À minha esposa Juliana Cantanhede, por tudo que vivemos e passamos, companheira inseparável - pela força, pela confiança e pelo apoio. Ao CNPq pelo financiamento da bolsa de mestrado.

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As histórias dos veículos de comunicação nunca são isoladas ou autoexplicativas. Não há um herói ou santo altruísta alvejado pelo idealismo de aproximar os indivíduos ou melhorar o mundo por meio de uma invenção. O desenvolvimento dos canais de informação está sempre atrelado a interesses econômicos ou políticos. Na maioria das vezes, os dois juntos. Como quase tudo na sociedade ocidental.

Felipe Pena

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RESUMO

O objetivo desta dissertação de mestrado é o exame crítico dos recursos retóricos utilizados na argumentação para a realização da persuasão implícita em um editorial de jornal. A argumentação pertence à família das ações humanas que têm como objetivo persuadir, por meio da convicção ou da sedução. Entretanto, a retórica da persuasão requer que os interlocutores devam ser convencidos de que não foram convencidos, e assim a persuasão tende a ser altamente implícita. Através da história, o modo apropriado de estudar a argumentação tem sido debatido por numerosas tradições filosóficas, entre as quais a lógica formal, que tem, no entanto, levantado certas questões quando aplicada à argumentação da vida real. A lógica informal, ou pragmática-dialética – por outro lado, é uma abordagem relativamente recente que enfoca argumentos da vida real. Ela integra intravisões pragmáticas com as dialéticas e enfatiza a importância dos fatores retóricos no arguir e persuadir as pessoas, mostrando a efetividade do argumento em fatores centrados na audiência. Já do ponto de vista da pragmática cognitiva, o significado vai mais além: é a recuperação da informação intencional, e não, ou não somente, dos padrões sociais de ação. A pesquisa tem o apoio da Linguística Sistêmico-Funcional, uma teoria multifuncional, indicada como sendo adequada para a análise do discurso crítica. A análise do editorial mostra que a persuasão implícita ocorre na subjacência do texto, e que para a sua revelação é necessário o enfoque na relação entre as escolhas léxico-gramaticais feitas ne microestrutura do texto com os valores que se encontram na macroestrutura do discurso. A pesquisa visa a responder às seguintes perguntas: (a) como é a estrutura de uma argumentação: como começa, como é percebida, desenvolvida e como termina? (b) que papel exerce a avaliatividade na persuasão que percorre o editorial? (c) como é feita a persuasão implícita? Palavras-chave: Argumentação. Persuasão Implícita. Editorial de jornal. Relação língua e discurso. Linguística Sistêmico-Funcional.

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ABSTRACT

The goal of this master’s dissertation is the critical examination of the rhetorical resources used in the argumentations to accomplish the persuasion implied in a newspaper editorial. The argumentation belongs to the Family of human actions which objective is to persuade through the conviction or seduction. However the rhetorical of the persuasion requires that the interlocutors should be convinced that were not convinced, and like that, the persuasion tends to be highly implicit. Through the history, the appropriate way of studying the argumentation has been debate for several philosophical traditions, including the formal logic; however, it has raised certain issues when applied to the argumentation of the real life. The informal logic, or pragmatics-dialectic – on the other hand, is an approach relatively recent that focuses in arguments of the real life. It includes pragmatics intra views with the dialectics and emphasizes the rhetorical factors importance in argumentation and persuasion of people, showing the effectiveness of the argument in centered factors in hearing. Since the cognitive pragmatic point of view, the meaning goes further – is the recovery of the intentional information, and not or not only the action social standards. The research supported in the linguistics systemic-functional, a multifunctional theory indicated like be appropriated to the critic’s speech analysis. The editorial’s analysis shows that the implicit persuasion occurs in the underlay of the text and that to its revelation is necessary the focus in the relationship among the lexicon-grammatical choices made in the microstructure of the text with the values, which are in the macrostructure of the speech. The research aims to answer the following questions. (a) How is the structure of an argumentation? How it starts, how is perceived, developed and how it ends? (b) What is the roll of the way to evaluate in the persuasion, coursing the editorial? (c) How is made the implicit persuasion? Keywords: Argumentation. Implicit Persuasion. Newspaper Editorial. Relationship language and speech. Systemic-Functional Linguistics.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Estágios genéricos segundo Martin/Hoey/Porta........................09 QUADRO 2 - Diferentes Maneiras de Convencer............................................12 QUADRO 3 - Etapas na segmentação, identificação e posicionamento de mercado............................................................................................................34 QUADRO 4 - Relação Processos/Participantes/Circunstâncias......................38 QUADRO 5 - Papéis de fala.............................................................................39 QUADRO 6 - Metafunção Interpessoal............................................................39 QUADRO 7 - Modalidade (Entre o SIM e o NÃO)........................................... 40 QUADRO 8 - O sistema da Avaliatividade....................................................... 42 QUADRO 9 - As Metarrelações....................................................................... 44 QUADRO 10 - O Registro do Editorial ............................................................. 48 QUADRO 11 - Exemplo de Análise.................................................................. 50 QUADRO 12 - Teorias e Categorias de Análise.............................................. 50 QUADRO 13 - Estágios genéricos segundo Martin/Porta................................ 52

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Sumário

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................01 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................................................05

2.1 A Linguística Sistêmico-Funcional......................................................05 2.2 O Gênero..........................................................................................07 2.3 O Registro.........................................................................................09 2.4 A Persuasão.....................................................................................10 2.4.1 Os meios para persuadir............................................................ . 11 2.4.2 Persuasão e Frame.......................................................................13 2.5 Argumentação e Comunicação.................................................... ...14 2.5.1 Argumentação e Retórica...............................................................14 2.5.2 Descrédito da Retórica e Renovação da Argumentação...............15 2.6 A dialética-pragmática ................................................................. 17 2.7 Modelos de Argumentação...............................................................19 2.7.1 Argumentação e Falácia................................................................ 22 2.7.2 Argumentação e Legitimização.....................................................25 2.7.3 Argumentação e Entimema.......................................................... 28 2.7.4 Argumentação e Ironia................................................................. 29 2.7.5 Argumentação e Papéis do Falante.............................................. 30 2.8 O mercado e sua segmentação....................................................... 33 2.8.1 Níveis de segmentação de mercado............................................. 34 2.8.2 Segmentação do mercado consumidor......................................... 35 2.9 As Metafunções da LSF....................................................................36 2.9.1 A Metafunção ideacional............................................................... 37 2.9.2 A Metafunção Interpessoal: A Modalidade....................................38 2.9.2.1 A Metafunção Interpessoal: A Avaliatividade...............................38 2.10 As Metarrelações........................................................................... 43 2.11 A Linguística Crítica........................................................................ 45 2.9.2.1 A Metafunção Interpessoal: A Avaliatividade.............................. 38

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3 METODOLOGIA..................................................................................................47 3.1 Dados ..................................................................................................... 47 3.1.1 A análise do contexto situacional ou registro ...................................... 48 3.2 Procedimentos de análise ...................................................................... 49

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .......................................................... 51

4.1 Análise do editorial “O asceta de Garanhuns” ........................................ 51 4.1.1 Análise de Gênero .............................................................................. 52 4.1.1.1 Discussão da Análise de gênero ...................................................... 54

4.1.2 Análise das Metafunções .................................................................... 56 4.1.3 Discussão geral dos resultados.............................................................67 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................70 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 72

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1 INTRODUÇÃO Esta dissertação de mestrado trata dos recursos teóricos e metodológicos para a análise de ensaios1 argumentativo-persuasivos (EAP). O motivo desta escolha deriva do interesse crescente entre os pesquisadores sobre as dimensões interpessoais da escrita e dos problemas a elas associados, conforme informa Lee (2008). Para Lee, esses problemas podem estar associados à falta de consciência da audiência, ou seja, o fato de o autor não levar em consideração as necessidades do interlocutor. Assim, também se posicionam vários autores (SWALES; FEAK 2004: CASANAVE, 2004; PALTRIDGE 2004; THOMPSON 2001). Os problemas intensificam-se quando o escritor precisa lidar com uma “audiência distante” (PETERS, 1996, p. 9). Há, segundo Lee (2008), inúmeros motivos para incentivar na escola o ensino da argumentação, devido a dois fatores: de um lado, por ser a argumentação o tipo de texto mais frequente e importante na tarefa de avaliação nos exames vestibulares, bem como na universidade; e de outro, a dificuldade que os alunos encontram em arguir, discutir, avaliar com competência e persuasão. Assim, também, pronuncia-se Andrews (2005), para quem a argumentação apresenta o principal interesse para a educação, pois ela trata da transformação, da clarificação e da troca de ideias, bem como do desenvolvimento pessoal, da formação de identidade e de outros aspectos dinâmicos da aprendizagem. Deve-se considerar ainda que, embora, na maior parte dos exames vestibulares do país, seja solicitado dos candidatos a produção de textos dissertativos, na verdade, pela natureza polêmica dos temas, o que se espera quase sempre é que eles produzam um texto argumentativo ou dissertativo-argumentativo, i.e., um texto em que o autor analise e discuta um problema da realidade, defenda seu ponto de vista e, às vezes, proponha soluções (CEREJA; MAGALHÃES, 2003). Lee (2008) sugere que, do ponto de vista linguístico, a ausência da consciência da audiência manifesta-se por meio de duas questões principais: problemas com componentes estruturais, referentes ao esquema de cada gênero do discurso, e problemas com a ausência do componente interpessoal da língua. Os componentes

1 O termo “ensaio”, segundo Vigner (1988), é mais conveniente do que o termo “dissertação”, que permanece estreitamente ligado a uma época e a um certo tipo de ensino.

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interpessoais incluem a linguagem avaliativa, da modalização, as relações intertextuais, os papéis de fala, entre outros. Quanto ao componente estrutural do EAP, seguimos a definição de gênero de Martin (1984, p. 25): “Gênero é uma atividade, organizada em estágios, orientada para uma finalidade na qual os falantes se envolvem como membros de uma determinada cultura.” Nesse contexto, Porta (2002) faz importantes distinções referentes a EAP. Dissertar somente sobre uma questão, sem apresentar um problema e nem a argumentação em defesa de um ponto de vista, não constitui um EAP, diz ele. Certamente, o descrever a experiência desempenha um papel importante; o que não pode é eliminar o problema enquanto tal. A tese é uma solução ao problema e implica um optar em que outras alternativas são descartadas. É aqui que os argumentos desempenham um papel essencial, legitimando a opção por uma determinada tese. A propósito da estrutura textual, com base em Porta e em Hoey (1994), propomos a estrutura Problema-Solução, com os seguintes estágios para EAP: Situação – Problema – proposta de Solução do Problema (ou pontos de vista sobre a questão) - Argumentos em prol da proposta de Solução – Avaliação. Segundo pesquisas DOTTORI FILHO (2005), BAROSA (2008), ARAHATA (2011), TEODORO DA SILVA (2013), SILVA (2014), MARCHETTI (2015), são exemplos de texto EAP: editorial jornalístico, artigo de opinião, ensaio, resenha, monografia, dissertação de mestrado, tese de doutorado.

Quanto ao componente interpessoal, examinamos os recursos retóricos da persuasão, tendo em mente a proposta de Latour e Woolgar (1979, p. 240), para quem “o resultado de uma persuasão retórica consiste em que os participantes devem ser convencidos de que não foram convencidos”. Segue-se que a persuasão tende a ser altamente implícita e a evitar a linguagem atitudinal normalmente associada ao significado interpessoal, dependendo de argumentação apoiada em grande parte no sistema de valores compartilhados (HALLIDAY, 1985). O ato de argumentar, de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, “constitui o ato linguístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia”, esclarece Koch (1987, p. 19). Segundo a autora, foi com o surgimento da pragmática que o estudo da argumentação passou a ocupar um lugar central nas pesquisas sobre a linguagem.

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A argumentação pertence à família das ações humanas que têm como objetivo persuadir, envolvendo: (a) convicção – persuasão por meio de evidências e (b) sedução – persuasão por meio do apelo à emoção (KITIS; MILAPIDES. 1999). Numerosas situações de comunicação têm como finalidade conseguir que uma pessoa, um auditório, um público, adotem determinado comportamento ou que compartilhem de uma opinião. A argumentação é hoje estudada pela dialética-pragmática, pois aceita-se que arguir é mais do que meramente “fazer lógica” e que uma sólida teoria da argumentação é a que trata não somente da questão da estrutura conceitual de argumentos, mas também a que trata do uso argumentativo da linguagem. Nesse contexto, em que tem grande peso a noção de frame2, ou seja, do conhecimento prévio que os leitores trazem na sua interação com o texto, apresentamos alguns recursos retóricos de persuasão, tais como, as falácias, a avaliatividade implícita entre outros. O objetivo desta dissertação de mestrado é a análise crítica dos recursos retóricos utilizados para a realização da persuasão implícita em um editorial de jornal. A pesquisa tem o apoio da Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY, MATTHIESSEN, 2004), uma teoria multifunctional, indicada por muitos linguistas críticos (FOWLER,1991; CHARTERIS-BLACK, 2004; FAIRCLOUGH, 1992) como sendo a mais adequada para a análise do discurso crítica, na medida em que permite relacionar a microestrutura das escolhas léxico-gramaticais no nível da oração, à macroestrutura das dimensões semântico-pragmáticas. A pesquisa deve responder às perguntas: (a) como é a estrutura de uma argumentação: como começa, como é percebida, desenvolvida e como termina? (b) que papel exerce a avaliatividade na persuasão que percorre o editorial? (c) como é feita a persuasão implícita? Os resultados mostram que a persuasão implícita ocorre na subjacência do texto, e que para a sua revelação é necessário o enfoque na relação entre as escolhas léxico-gramaticais feitas na microestrutura do texto com os valores que se encontram na macroestrutura do discurso. Além desta introdução, o restante da dissertação

2 A noção de frame foi proposta por Minsky (1975) em sua teoria-do-frame, e na semântica-do-frame, por Fillmore (1975), e refere-se ao conjunto estruturado de conhecimento apoiado em vários domínios conceptuais, consistindo de conhecimento enciclopédico associado à determinada forma linguística (DIRVEN, FRANK; ILIE, 2001, p. I).

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consiste em quatro capítulos. O primeiro capítulo é dedicado ao quadro teórico, que inclui: a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), envolvendo as noções de gênero e registro; a dialética-pragmática e o frame; a persuasão; a argumentação com as subseções: as falácias, a legitimização; a ironia, os papéis de fala; as metafunções da LSF, envolvendo as noções de modalidade e de avaliatividade e as metarrelações; Linguística Crítica. No segundo capítulo, indico a metodologia em termos de questões de pesquisa, coleta de dados, unidade de análise e procedimento analítico. O terceiro capítulo trata da análise do editorial, seguido da apresentação dos resultados e a discussão dos resultados. Finalmente as Considerações Finais.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Apresento, a seguir, as teorias que embasam a minha análise da persuasão implícita de um editorial: (a) a Linguística Sistêmico-Funcional: o gênero e o registro; (b) a persuasão: os meios de persuadir e o papel do frame nesse processo; (c) a argumentação: a dialética-pragmática, a falácia, a legitimização, o entimema, a ironia e os papéis do falante; (d) o mercado e sua segmentação; as metafunções, a avaliatividade e as metarrelações; e finalmente a Linguística Crítica. 2. 1 A Linguística Sistêmico-Funcional A Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) é uma proposta teórico-metodológica de Halliday (1985, 1994) e seus colaboradores. Subjacente à LSF, existem quatro premissas maiores. O modelo estabelece que:

● o uso da língua é funcional; ● sua função é construir significados; ● os significados são influenciados pelo contexto social e cultural em que são intercambiados; ● o processo de uso da língua é semiótico, um processo de fazer significado por meio de escolhas (EGGINS, 2004, p. 3).

É por essas razões que a LSF é descrita como "uma abordagem semântico-funcional da língua" (EGGINS, 2004, p. 20), uma teoria que procura entender como as pessoas usam a língua em diferentes contextos sociais, para fazer sentido do mundo e de cada um. Como Martin e White (2005, p. 7) explicam, "a LSF é um modelo multi-perspectivo, designado a dar aos analistas lentes complementares para a interpretação da língua em uso". Para classificar os tipos e significados que os atores sociais geram, a LSF concebe a língua como a expressão de três metafunções concorrentes: ideacional, interpessoal e textual (HALLIDAY 2004 [1994], 2005; MARTIN 2000a, 2000b).

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A metafunção ideacional representa os eventos das orações em termos de fazer, sentir (processamento simbólico) ou ser, por meio do sistema da transitividade; A metafunção interpessoal envolve as relações sociais com respeito à função da oração no diálogo, e referem-se a dar/pedir informação ou bens & serviços; A metafunção textual organiza os significados ideacionais e interpessoais de uma oração, trabalhando os significados advindos da ordem das palavras na oração. O exemplo a seguir, retirado de um folder do Citibank, mostra a ação simultânea das três metafunções: (1) Como cliente do Internacional Personal Banking, você será atendido por profissionais experientes, no seu idioma e de acordo com as práticas financeiras de seu país (negrito meu). Em termos da metafunção ideacional, o termo “você” foi escolhido dentre outras possibilidades (“o senhor”, “o cliente”, “o interessado”); em termos da metafunção interpessoal, “você” foi selecionado porque é um termo que aproxima o banco do cliente em potencial, promovendo a interação entre ambos; finalmente, em termos da metafunção textual, recorreu-se à voz passiva para eleger “você” como sujeito da oração. Neste particular, notemos que uma outra opção, menos favorável à interação, teria sido: “profissionais experientes atenderão você”. A língua pode manipular esses três tipos de significados simultaneamente, porque possui um nível intermediário de codificação: a lexicogramática. É esse nível que possibilita à língua construir três significados concomitantes, e eles entram no texto através das orações mediante escolhas feitas no sistema linguístico. Importante para a LSF é a noção de escolhas: quando se faz uma escolha no sistema linguístico, o que se escreve ou o que se diz adquire significado contra um fundo em que se encontram as escolhas que poderiam ter sido feitas, mas que não o foram, fato importante para a análise do discurso. Em resumo, de um lado, a LSF procura desenvolver uma teoria sobre a língua como um processo social e uma metodologia que permita uma descrição detalhada e sistemática dos padrões linguísticos. Por outro lado, é imprescindível para a LSF, a consideração da interrelação entre língua e contexto. Os contextos que afetam a língua, para os sistemicistas, são sociais: gênero (contexto cultural) e registro (contexto situacional). Mais recentemente, a LSF tem abordado o contexto ideológico.

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O gênero representa os processos sociais em estágios orientados para uma finalidade de uma dada cultura, tais como a narrativa, uma anedota, uma reportagem, um relato, um procedimento etc., e, por isso, são em geral rotulados de contexto de cultura. Na LSF, gênero é definido por Martin (1985) como uma atividade, organizada em estágios, orientadas para uma finalidade na qual os falantes se envolvem como membros de uma determinada cultura.3

O registro, por outro lado, refere-se ao contexto de situação (MARTIN, 1992). Na LSF, o registro é organizado por três variáveis contextuais, campo (assunto), relações (status dos interactantes) e modo (organização do texto). Essas três variáveis contextuais de registro são, por sua vez, organizadas pelas metafunções da linguagem (HALLIDAY, 1978).

Há também um terceiro contexto – o ideológico – que mais recentemente tem sido abordado pela LSF. A ideologia ocupa um nível superior de contexto, referindo-se a posições de poder, a vieses políticos e a suposições sobre valores, tendências e perspectivas que os interlocutores trazem para seus textos, e tem chamado a atenção dos sistemicistas, na medida em que, em qualquer registro, em qualquer gênero, o uso da língua será sempre influenciado pela nossa posição ideológica. A análise dos aspectos ideológicos tem sido feita, dentre outros, por Li (2010) e pela Linguística Crítica (FOWLER, 1991).

2. 2 O Gênero Gêneros do discurso, como define Bakhtin (1997 [1952-1953], p. 279), são tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados por cada esfera de utilização da língua. Incluem desde o diálogo cotidiano até a exposição científica. Bakhtin argumenta que ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam a variedade do discurso em qualquer área do estudo linguístico leva ao formalismo e à abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo existente entre a língua e a vida. A língua penetra na vida por intermédio dos 3 Há vários tipos de gêneros: a) gêneros literários (conto, romance, novela, autobiografia, balada, soneto, fábula, tragédia, comédia) b) gênero popular (manual de instrução, artigo de jornal, reportagem de revista, receitas) c) gênero educativo (conferência, orientação, artigo para seminários, exame, livro-texto) d) gênero do dia a dia: compra, pedido de informação, fofoca, troca de opiniões, entrevista.

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enunciados concretos que a realizam (p. 282). Nesse sentido, Vigner (1988) afirma que o reconhecimento de gênero permite regular a leitura sobre um sistema de expectativa, inscrevendo-a em uma trajetória previsível. Mais tarde, o gênero foi definido na LSF, por Martin (1984, p.25), como “uma atividade, organizada em estágios, orientada para uma finalidade na qual os falantes se envolvem como membros de uma determinada cultura”. Essa definição, que detalha, especificando a definição de Bakhtin, facilita sua aplicação em análises de texto. Com referência ao texto argumentativo, Porta (2002) apresenta as seguintes distinções importantes: dissertar somente sobre uma questão, sem apresentar um problema bem como a argumentação em defesa de um ponto de vista sobre esse problema, não constitui uma argumentação. Dissertar sobre uma experiência pode desempenhar um papel importante na argumentação, mas não dispensa a apresentação do problema enquanto tal. Uma hipótese é um candidato à tese. As "teses filosóficas", segundo ele, cumprem uma condição: elas são a solução de um problema. O estabelecimento da tese principal de uma determinada obra depende, portanto, da correlativa fixação do seu problema básico. A tese é uma solução ao problema e implica um optar em que outras alternativas são descartadas, continua Porta. É aqui que os argumentos desempenham um papel essencial. O que legitima a opção por uma determinada tese são os argumentos. Alguns esquemas genéricos foram propostos, desde então, tais como, os padrões: (a) Problema-Solução (com quatro estágios: Situação – Problema – Resposta – Avaliação) (HOEY, 1986, 1994); (b) Hipotético-Real (um fato comprova ou refuta uma hipótese) (THOMPSON, 2001); e (c) Pergunta-Resposta (argumentos pró ou contra uma pergunta) (HOEY, 1994). Na análise do artigo de Cony, adoto, com base na definição de gênero, de Martin (1984), como constituído de estágios e finalidades, especificando os estágios conforme a proposta de Porta (2002), que ilustro no Quadro 1. Essa estrutura será denominada de “Problema-Solução”, na esteira de Hoey (1994).

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Quadro 1 – Estágios genéricos segundo Martin/Hoey/Porta ESTÁGIOS E FINALIDADES EXEMPLOS

Situação São Paulo enfrenta longo período de seca. Problema A água começa a faltar.

Hipótese de Solução Devemos todos enfrentar a crise hídrica.

Argumentos (a) o governo estadual deve procurar recursos;

(b) o povo deve pensar em meios de captação de água; (c) cada um deve restringir o uso da água para o essencial.

Tese/Avaliação A solução exige a contribuição de cada uma dessas áreas. 2.3 O Registro Um fato real ilustra o uso da língua analisada pelas variáveis de registro, isto é, campo, relações e modo.

(2) Maria estuda na UNICAMP e quer passar a noite com o namorado em Campinas, mas sabe que a mãe não permitiria essa “indecência”. Então, lá pelas 19 horas, ela liga para casa e diz que o trânsito está muito ruim, que está cansada e que uma amiga acha que ela deveria ficar por lá. A mãe concorda. A irmã, que sabe do namoro, sabe que Maria ficará com o namorado.

Examinando-se as escolhas léxico-gramaticais do exemplo (2), vemos que, em termos de campo (informação), Maria poderia ter escolhido dizer algo como: “Vou ficar em casa do meu namorado”; mas considerando as relações (ela e a mãe), Maria diz “uma amiga acha que ela deveria ficar por lá”; quanto ao modo, ela escolhe o adjunto adverbial “por lá” porque o dêitico “lá” (elemento que depende de contexto) pode sugerir dois significados nesse caso: “casa da amiga” (no contexto da mãe) e “casa do namorado” (no contexto da irmã). Este é um caso (uma sentença com dois significados) que envolve o contexto, o que o coloca no terreno da pragmática. Esse tipo de situação não faz parte das considerações da lógica formal, tradicional, e constitui um dos fatores que diferenciam uma análise semântica (para a qual um enunciado deve ser necessariamente ou verdadeiro ou falso) de uma análise do discurso. Situações como essas são hoje

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tratadas pela lógica informal, também chamada de dialética-pragmática, que apresento mais adiante, e que pode explicar a retórica da persuasão, como veremos a seguir. 2.4 A Persuasão A persuasão é definida por Poggy (2005) em termos de metas e crenças. A autora vê a persuasão como um meio de influenciar uma pessoa, isto é, de gerar novas metas ou ativar metas antigas, por meio do recurso da meta comunicativa de fisgamento, especialmente através da convicção: A persuade B quando A, por meio da comunicação, consegue que B persiga uma meta MA (meta de A) proposta por A. Assim, A faz levando B a acreditar que MA é uma submeta MB (meta de B). A fim de persuadir B, A pode usar três diferentes estratégias: logos – argumentando que MA é útil para MB; ethos – aparentando ser confiável a B; e pathos – fazendo B sentir emoções que desencadeie MA ou antecipando emoções que seriam sentidas aceitando MA. Ela argumenta que essas estratégias estão em geral ativas em discursos persuasivos verbais ou não-verbais, e mostra como, em termos de hierarquia de metas, uma análise de diferentes tipos de atos persuasivos – discursos políticos, propaganda, diálogos – esclarecem a relação entre as metas do persuasor e do persuadido e elucida o modo como o persuasor recorre a logos, ethos e pathos em seu discurso. Os meios de persuadir podem também ser acionados de maneira discreta e até sem que o interlocutor perceba estar sendo objeto de uma solicitação. Várias formações em comunicação não são nada além de um aprendizado de processos que visam a colocar o outro em uma espécie de armadilha mental que o fará adotar a ação ou a opinião que lhe são propostas, explica Breton. A propósito, Latour e Woolgar (1979, p. 240) afirmam que “o resultado de uma persuasão retórica é que os participantes devem ser convencidos de que não foram convencidos”. Segue-se que a persuasão tende a ser, altamente, implícita, sem o recurso da linguagem avaliativa, geralmente, associada ao significado interpessoal, caso em que sua interpretação depende em grande parte do sistema de valores compartilhados. Esses instrumentos retóricos são empregados no nível interpessoal como veículos para expressar um argumento no nível do “não-dito” (KITIS; MILAPIDES,

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1997, p. 579), mas que realiza o nível da coerência subjacente do texto. Tais instrumentos ajudam a transformar o discurso em uma sedutora crypto-argumentação, a argumentação que subjaz ao texto descritivo e narrativo, contribuindo assim para a construção geral da ideologia do texto, segundo Kitis e Milapides (1997). No mesmo sentido, Reynolds (2000) fala em “modo textual”, envolvendo descrição, narração e argumentação e explica que o editorial é predominantemente um modo argumentativo fundido com a narrativa e a descrição. A razão para tal fusão deriva da necessidade de apoiar o argumento com evidência, o que pode ser feito por meio da descrição e da narração, que são modos verificáveis, mas não pela argumentação que consiste na opinião do autor. A fusão extremamente comum de modo textual por meio de fusão linear ou escalada surge, especialmente no estudo de caso de um dos editoriais. O ato de persuadir apresenta-se, de uma maneira geral, como uma alternativa ao uso da violência física, conforme Breton (2003). Pode-se, com o uso da força, obter do outro um ato contra a sua vontade. Renunciar a utilização da força representa um passo em direção a uma situação de mais humanidade, de um vínculo social partilhado e não imposto. Mas persuadir nem sempre está isento de violência, embora uma forma diferente da violência física, e que se exerce por meios coercitivos. A propaganda, por exemplo, largamente utilizada no século XX, apoia-se em métodos sistemáticos de coação das massas. Esses métodos exercem uma violência mental inegável a ponto de usarmos, às vezes, com relação a esse tema, a metáfora que os identifica com um "estupro das massas". A manipulação psicológica, muito utilizada para convencer, por exemplo, em certas técnicas de venda, apresenta igualmente certa dose de violência exercida sobre o outro, como nos mostram as experiências relatadas por Joule e Beauvois (1987 apud BRETON. 2003). Os meios de persuadir podem também, nessa perspectiva, ser acionados de maneira discreta e até sem que o outro saiba que está sendo objeto de uma solicitação. Várias formações em "comunicação" não são nada além de um aprendizado de processos que visam a colocar o outro em uma espécie de armadilha mental que o fará adotar a ação ou a opinião que lhe são "propostas". 2.4.1 Os meios para persuadir

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Pode-se também persuadir com a ajuda de métodos mais suaves. A sedução [persuadir por meio da emoção] é frequentemente usada para levar o outro, ou até públicos inteiros, a compartilhar determinado ponto de vista. Leva-se assim o público a pensar como o orador porque ele é sedutor. Muitos políticos se servem desse artifício, estabelecendo uma relação quase carnal com seu auditório, relação da qual não se pode excluir a conotação sexual. A prática que consiste em tocar fisicamente o eleitor (geralmente através do aperto de mão faz parte desse método). A sedução sempre constituiu um dos meios poderosos para chegar à persuasão, explica Breton. Ela toma formas muito variadas. Oralmente, assim como por escrito, o uso de figuras de estilo que embelezam o discurso tornando-o agradável, está ligado a essa estratégia. Um slogan como "Un verre ça va, deux verres, bonjour les dégâts" (slogan da campanha de prevenção ao abuso de álcool - "um copo, tudo bem, dois copos, e que venham os danos"), que, apela para uma figura de ritmo bem precisa é convincente, não por argumentar ou demonstrar, mas por sua sonoridade agradável ao ouvido que cria um sentimento de evidência. Outros meios de convencer, de acordo com o autor, apelam mais para a razão [persuasão via convicção] do que para os sentimentos. Trata-se da demonstração, isto é, de um conjunto de meios que permite transformar um enunciado em um "fato estabelecido", que ninguém poderá contestar, a menos que se oponha a ele um outro enunciado, mais bem demonstrado. A argumentação, meio poderoso para fazer compartilhar uma opinião (que pode ter como consequência uma ação), afasta-se tanto do exercício da violência persuasiva quanto do recurso à sedução ou à convicção (por meio da demonstração científica). Trata-se, então, de um gênero particular cuja especificidade envolve exigências que cercam sua utilização. Quadro 2 – Diferentes Maneiras de Convencer

PERSUADIR

Manipulação Retórica Propaganda ↑

Sedução Argumentação Demonstração Ciência

Fonte: Breton (2003)

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Essa separação dos diferentes meios utilizados para persuadir é teórica, e, na prática, é menos simples do que parece, segundo Breton. Uma das características importantes das ações humanas é, além de sua complexidade, o fato de parecerem sempre mobilizar, de maneira indivisível, a riqueza das possibilidades. Assim encontramos raramente situações puras de sedução ou de convicção, ou mesmo de argumentação. A publicidade moderna, objeto complexo, deve sua temível eficiência ao fato de trabalhar ao mesmo tempo com todos os registros do ato de persuadir. Deve-se então distinguir as situações, em que ou a sedução ou a convicção sejam dominantes. 2.4.2 Persuasão e Frame Frames são conjuntos de informações aceitos culturalmente que acompanham qualquer termo lexical. Segundo Luchjenbroers e Aldridge (2007), os frames de referência associados a cada escolha lexical derivam componentes adicionais de significados, num fenômeno em que cada termo escolhido desencadeia uma rede ampla de associações prototipicamente presentes nessa escolha. O acesso do interlocutor a essas associações depende de sua experiência e de sua compreensão das normas sociais que determinam essas escolhas lexicais. Assim, frames são representações conceituais da experiência que definem uma situação (na memória) e fornecem a estrutura de um evento, que nos permite compreender como as partes se encaixam no todo; como um evento se desenrola; e predizer o que virá a seguir (RIBEIRO; HOYLE, 1996 apud LUCHJENBROERS, ALDRIDGE, 2007). Uma vez que um frame é acessado, todas as informações relevantes associadas àquele frame bem como traços contextuais adicionais ficam imediatamente disponíveis para inferências suplementares, esclarecem Luchjenbroers e Aldridge. Luchjenbroers e Aldridge (2007), com base na noção de frame, tratam da persuasão e mostram a importância da adequação do frame escolhido para contrabandear uma informação. Esse termo é usado para a inserção sub-reptícia de informação negativa, com base no fato de que cada escolha lexical desencadearia uma rede ampla de associações negativas, presentes no uso do termo escolhido.

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Juntamente com cada enunciado que produzimos, podemos – ativa ou inconscientemente – deixar pistas para a audiência sobre como percebemos as pessoas, ações e eventos no mundo que nos cerca. Mais ainda, cada escolha lexical ativa que fazemos revela mais diretamente como encorajamos os outros a pensar sobre determinadas pessoas, ações e eventos. Nessa linha de raciocínio, Coffin e O'Halloran (2006) tratam da avaliatividade negativa, enfocando o que tem sido chamado de apito do cão (dog whistle), expressão cunhada para capturar a forma implícita de avaliação. Assim, a comunicação política usa significados aparentemente neutros, mas que são interpretados como uma mensagem negativa devido ao frame, ou seja, à informação compartilhada com comunidade alvo (MANNING, 2004). Por outro lado, a persuasão para surtir efeito depende de uma argumentação sólida para sua legitimação, como explica Porta. Assim, apresento em seguida a noção de argumentação conforme tem sido abordada no decorrer dos tempos. 2.5 Argumentação e Comunicação A definição da argumentação que foi adotada por Breton (2003) coloca seu estudo radicalmente no campo das chamadas "ciências da comunicação". Essa nova disciplina, ou melhor, essa interdisciplina, trata de tudo o que está relacionado com a formatação e o transporte de mensagens, bem como o significado social desses processos. Essa inscrição da argumentação e de seu estudo sistemático no campo das ciências da comunicação não é evidente, se considerarmos a juventude de uma disciplina que procura ainda suas referências. Ainda que numerosos trabalhos tenham sido consagrados aos mecanismos argumentativos desde a Antiguidade, é relativamente moderno que os consideremos como dependentes de uma análise em termos de comunicação. 2.5.1 Argumentação e Retórica

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O estudo da argumentação, como parte da antiga retórica, foi feito durante muito tempo por filósofos por um lado, e por especialistas literários da linguagem, por outro lado, explica Breton. Os filósofos sempre tiveram uma atitude ambígua com respeito à argumentação. Eles se perguntam tradicionalmente se a argumentação contém procedimentos que permitem chegar à verdade ou provar a falsidade. Sua rejeição, sobretudo a rejeição de Descartes e de toda uma tradição racionalista que se inspira nele, vem da resposta negativa a essa questão. Em uma perspectiva de comunicação, ficaremos indiferentes a essa questão: pouco importa que a mensagem seja falsa ou verdadeira, pois, fundamentalmente, consideraremos que se trata, na maior parte dos casos, de opiniões que são argumentadas e não verdades ou erros. Além dos filósofos, os literatos se preocupam há algum tempo com a argumentação. Na França, são eles, aliás, que têm a missão de ensiná-la nos ciclos secundários. E eles o fazem geralmente com o peso do embaraço causado pela ambiguidade que certos programas escolares provocam ao reduzir a argumentação ao estudo de algumas figuras de estilo. Argumentar, numa perspectiva literária, se reduz finalmente a uma apresentação estética que faz mais uso da sedução do belo do que do raciocínio rigoroso. Os linguistas, por sua vez, desenvolveram várias teorias sobre a dimensão argumentativa contida na língua. Mas suas interrogações, por mais ricas e apaixonantes que sejam - penso aqui particularmente nas questões de Oswald Ducrot (l988 apud BRETON, 2003) -, são mais voltadas para uma pesquisa sobre a língua em geral do que sobre as situações de comunicação que são provocadas pela divergência de opiniões. Seus trabalhos são, no entanto, os que mais se aproximam da problemática das ciências de comunicação, segundo esse ponto de vista. 2.5.2 Descrédito da Retórica e Renovação da Argumentação A retórica desapareceu dos programas escolares e universitários, enquanto matéria de ensino e até como tema de um saber, a partir do século XIX. Até então, como nos lembra Antoine Compagnon; "o professor de retórica tinha uma posição de comando no liceu: ele iniciava os jovens na arte suprema do discurso" (1983, p. 41). O nome de "retórica" desapareceu oficialmente na França, em 1902, quando a aula

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de retórica mudou de nome e a matéria foi substituída pela “história literária”, e a “dissertação” substituiu os exercícios de discurso. Como explicar esse declínio e a evolução para uma quase clandestinidade? Parece que essa decadência começou bem antes do século XIX. Para Roland Barthes (1970, p.192 apud BRETON, 2003), "esse descrédito foi trazido pela promoção de um novo valor, a evidência (dos fatos, das ideias, dos sentimentos) que se basta a si mesma e não necessita da linguagem (ou pensa não necessitar dela), ou ao menos pretende não mais se servir dessa linguagem como um instrumento, como uma mediação, como uma expressão. A partir do século XVI essa evidência toma três direções: uma evidência pessoal (no protestantismo), uma evidência racional (no cartesianismo), uma evidência sensível (no empirismo)". A retórica não passa, então, de uma "cor", de um "ornamento" e não é mais um instrumento de raciocínio para convencer. Foi preciso esperar até a década de sessenta para ver renascer um interesse pela retórica. Essa década foi, ao mesmo tempo, o momento em que se começou a tomar consciência da importância e do poder das técnicas de influência e de persuasão ajustadas ao longo do século e a época em que a publicidade começou a invadir com força a paisagem social e cultural. Junto a Roland Barthes, um grupo de pesquisadores lançou-se nas "pesquisas retóricas":

Ocupar-se da retórica não pode mais ser visto na França, nem como um anacronismo, nem como um desafio de vanguarda. O próprio termo está em vias de perder as conotações depreciativas que há mais de um século estavam ligadas a ele. Aprendemos que a retórica não é um ornamento do discurso, mas uma dimensão essencial a qualquer ato de significação.

Esses pesquisadores se concentraram, no entanto, em um aspecto restrito e até mesmo exterior à argumentação, propriamente dita: a teoria das figuras. Para eles, a retórica era um elemento da nova semiótica (estudo dos signos na vida social), ciência que eles promoveram durante algum tempo. No mesmo período, continua Breton, Chaïm Perelman (1970 apud Breton, 2003), um jurista, filósofo do direito, decidiu assumir e fazer frutificar sua herança ao iniciar o trabalho na sua “nova retórica”. Seu projeto era romper “com uma concepção da razão e do raciocínio vinda de Descartes” (1970, p. 1). Neste sentido, ele reata com a dicotomia de Aristóteles, para quem certas discussões eram do domínio da ciência

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e outras, da retórica. Perelman define, então, a argumentação como o “estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão das pessoas às teses que são apresentadas para seu assentimento” (1970, p. 5). Devemos a Perelman uma verdadeira renovação do interesse pela argumentação. Hoje, como vimos acima, essas questões são tratadas pela dialética-pragmática. Saber argumentar não é um luxo, mas uma necessidade. Aliás, questiona Breton, não saber argumentar não seria uma das grandes causas recorrentes da desigualdade cultural, que se sobrepões às tradicionais desigualdades sociais e econômicas, reforçando-as? Uma sociedade que não propõe a todos os seus membros os meios para serem cidadãos, isto é, para terem uma verdadeira competência ao tomar a palavra, seria verdadeiramente democrática? 2.6 A dialética-pragmática Hoje, a “dialética-pragmática” (doravante DP), de van Eemeren e Grootendorst (2004) é provavelmente um dos paradigmas mais influentes nos estudos da argumentação. Isso porque seus idealizadores pesquisaram e avaliaram de modo crítico, praticamente todos os estudos sobre argumentação desde a antiguidade grega, e, como resultado, integraram intravisões pragmáticas com as dialéticas. É hoje aceito que arguir é mais do que meramente “fazer lógica” e que uma sólida teoria da argumentação é a que trata não somente da questão da estrutura conceitual de argumentos, mas também a que trata do uso argumentativo da linguagem. Através da história, o modo apropriado de estudar a argumentação tem sido debatido por numerosas tradições filosóficas. Uma das mais antigas é a lógica, que confina a avaliação da validade do argumento a considerações conceituais formais baseado na lógica natural. Isto é verdadeiro para sentenças isoladas, mas não para sequências de sentenças, por exemplo, quando combinadas em um esquema argumentativo. Nesse enquadre, lidar com argumentação sólida implica lidar com a verdade, que é avaliada olhando para as condições de verdade. A avaliação da validade de um argumento então consiste na certificação de que a verdade das conclusões decorre da verdade das premissas, de acordo com um conjunto de esquemas inferenciais. O aspecto das abordagens da lógica formal na argumentação

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que o autor quer enfatizar é o fato de que seus sistemas se aplicam a representações abstratas e não-contextualizadas. Assim, a sua aplicação à argumentação da vida-real levanta certas questões. Isso pode ser uma consequência do que alguns chamam de indeterminação do significado semântico, principalmente o fato de que uma proposição não codifica linguisticamente seu significado completo. Constituintes não-articulados de significado (PERRY, 1986), como material implícito, desempenham papel decisivo na interpretação; a lógica formal tem algumas dificuldades em captar esse tipo de input. Cabe aqui a menção do exemplo (2), em que uma mesma sentença enunciada por um locutor comporta dois significados diferentes conforme o contexto de recepção dos interlocutores. A lógica informal (JOHNSON, 2000; PINTO, 2001 apud Oswald, 2007) é uma abordagem relativamente recente que enfoca argumentos da vida real, em contraste “com a aplicação apriorística de cálculos dedutivos a argumentos inventados típicos de algumas aplicações da lógica formal à linguagem natural” (VAN EEMEREN; GROOTENDORST, 1996, p.164). As teorias retóricas da argumentação, tais como as de Perelman e Olbrechts-Tytecas, Nouvelle rhétorique (1958), enfatizam a importância dos fatores retóricos no arguir e convencer as pessoas, mostrando a confiança na efetividade do argumento em fatores centrados na audiência. O modelo de Toulmin (1958) dos argumentos práticos tenta enfocar mais a justificativa, via noção de garantia, do que as funções inferenciais da argumentação. Como notou Dascal (1998), nosso raciocínio natural desvia-se em geral das normas do raciocínio correto. Devemos, por isso, levar em conta “uma ampla série de modos de estender nosso conhecimento que não pode ser tratada pela lógica formal sozinha” (DASCAL, 2005, p. 5). Uma das consequências dessas observações é bem direta: a lógica formal deve ser relacionada com outras abordagens, tais como a teoria pragmática da argumentação. É essa precisamente a maneira como Eemeren e Grootendorst (2004) veem seu modelo. Eles começaram da – embora não se limitaram a – perspectiva pragmática, modelada pela ideia de que a linguagem é uma prática social, e que a comunicação se refere a fazer coisas, além de dizer coisas. Do ponto de vista da pragmática cognitiva, o “significa” pragmático é ainda mais: é sobre a recuperação de informação intencional, e não, ou não somente, padrões sociais de ação (SPERBER; WILSON, 1995).

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Uma noção essencial para dar conta dessas questões é a noção de frame, explicada a seguir. 2.7 Modelos de Argumentação Andrews (2005) considera a relação entre lógica, dialética e retórica, como teorias que apoiam argumento e argumentação e esclarece que elas ressurgem hoje como um tópico de interesse de filósofos, analistas do discurso e retóricos. Blair (2002) sugere que, em qualquer ato de argumentação, todas as três perspectivas estão em jogo: a lógica refere-se ao produto da argumentação; a dialética aos procedimentos; e a retórica ao processo comunicativo. Porém, é difícil a separação entre essas perspectivas e "há mais que um tipo de relação entre elas" (BLAIR, 2002, p. 130).

A maioria dos estudos filosóficos operam dentro do paradigma racionalista e dualística ocidental, continua Andrews. Isto é, consideram como dado que o argumento opera nos níveis micro, médio e macro no padrão dialético hegeliano de desenvolvimento de tese, antítese e síntese. Considerando a ausência, no pensar pedagógico, da compreensão do modo como atua a argumentação em lugares informais em especial, seria útil explorar outros paradigmas em que o argumento tenha uma função específica na educação. Para o autor, em sua proposta coreográfica da argumentação, é preciso verificar como os argumentos começam, como são percebidos, desenvolvidos e como terminam. Andrews examina quatro modelos principais de argumentação aplicados à educação: de Andrews; de Mitchell e Riddle; de Kaufer e Geisler; e de Toulmin. Cada um tem uma função diferente e apresenta aspectos positivos e negativos com relação do modelo de argumentação aplicado à educação. Em minhas análises, busco apoio da Teoria de Toulmin (2006 [1958]). O modelo de Toulmin – Aproveito a explicação de Lauerbach (2007) para apresentar o modelo de Toulmin. A argumentação é uma prática discursiva essencialmente dialógica: reivindicação e desafio, reivindicação e contra-reivindicação, são prototipicamente realizados de forma dialógica. Portanto, são sequências de pergunta-resposta que subjazem à lógica do argumento cotidiano. Segundo a teoria de Toulmin (1958), cada uma de suas categorias teóricas [de Reivindicação, Dados,

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Garantia, Qualificação, Refutação e Apoio] está potencialmente sujeita a desafios com respeito à sua validade. A sequência de movimentos dialógicos mostrados abaixo foi reconstruída por Lauerbach a partir do modelo de Toulmin aplicado a um diálogo argumentativo fictício entre A e B (cf. TOULMIN, 1958, p. 94-107): (a) Reivindicação: asserção pela qual nos comprometemos. [ex. Tom é

cidadão britânico.] (b) Dados: fatos que oferecemos para apoiar a reivindicação. [ex. Ele nasceu

nas Ilhas Bermudas.] (c) Garantias: registro, implícito, da legitimidade do passo envolvido para

passar dos Dados para a Reivindicação (2006 [1958], p. 143). [ex. Há uma lei que garante essa reivindicação.] (d) Qualificação: inserção de um qualificador [ex. Ele é certamente um

cidadão britânico.] (e) Refutação: circunstâncias nas quais não se aceita a autoridade geral da

garantia. [ex. Mas seus pais não são cidadãos britânicos.] (f) Apoio: afirmações categóricas que são expressas quando refutador não

aceita validade da Garantia. [ex. A afirmação de que os estatutos sobre a nacionalidade britânica foram de fato transformados em lei.] (TOULMIN, 2006 [1958], p. 153).

O modelo de Riddle – Por meio de seis estágios, Riddle (MITCHELL; RIDDLE, 2000), com base em Vygotsky (1986) e em Applebee (1978), mostra o estabelecimento da argumentação: (i) neste estágio, no nível conceitual, há elementos desconectados, que são, no nível narrativo, os elementos preenchedores de uma história que se inicia; (ii) esses elementos se reúnem em torno de uma unidade nominal que surge entre eles, correspondendo à emergência do tópico, em termos argumentativos; (iii) a unidade unificadora começa a dar significado aos elementos constituintes, tal como a estrutura dos primitivos da narrativa, ou seja, estabelecendo a identidade temática termos do modo argumentativo; (iv) iniciam-se ligações entre os elementos constitutivos, mais do que em torno de um nó central;

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(v) assim, os “pseudoconceitos” ainda são conexões incompletas, já que não se ligam dinamicamente à ideia central; (vi) conceitos completamente desenvolvidos apresentam-se unidos tanto em termos temáticos quanto em termos de uma conexão lógica sequencial. Um aspecto notável dessa representação visual das relações entre o desenvolvimento conceitual, narrativo e argumentativo é que, quando os alunos pesquisados pelo autor (ANDREWS, 1992) estavam planejando para escrever argumentos, eles seguiam exatamente os mesmos estágios – e espontaneamente, sem uma indicação direta do professor. Porém, acautela o autor, não deve ser visto como um modelo prescritivo de composição, se um aluno omitir um ou mais estágios – na formação dos argumentos. O modelo de Kaufer e Geisler – Talvez o modelo com seu apelo imediato, diz Andrews, seja o de Kaufer e Geisler (1991). É um modelo puramente composicional e não se declara como um modelo de argumentação. Contudo, ele incorpora muito do que acontece na construção da escrita acadêmica de argumentos. Kaufer e Geisler sugerem que, na criação do espaço retórico de uma nova linha de argumento, os escritores em geral se posicionam em oposição a uma hipótese existente de argumento. Essa oposição é usada como um instrumento de navegação para determinar o caminho principal do argumento do escritor. Enquanto seguem o “caminho falho”, pode parecer que o escritor esteja se extraviando de seu “caminho principal”; mas reencontra o caminho principal, e ficamos mais esclarecidos, como resultado, da natureza e da direção do caminho principal. Ao fim da composição, fica claro para o escritor e para o leitor que vários caminhos poderiam ter sido seguidos, mas um específico foi seguido. O caminho inicial falho fornece um contraponto ao impulso principal do argumento. O “caminho de volta” é em geral sinalizado por palavras como: contudo, apesar do fato de que..., em contraste a essas visões, etc. O modelo de Giere – O modelo de Giere (1991) parece ser um derivativo do modelo de Toulmin em que os elementos são destilados para as premissas (dados, evidência), declarações (hipóteses) e garantias. A força desse modelo reside no fato

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de que ele fornece um enquadre eminentemente pedagógico para compreender a operação do argumento na realização da ciência. Como o modelo “desde-então-porque”, de Riddle e Mitchell, ele é dinâmico e descritivo do processo de aprendizagem de um modo que o de Toulmin não parece ser (e não pretende ser). Mas como Toulmin, há o potencial para a declaração original ou hipótese - por exemplo, “a luz viaja em linha reta” - para ser transformada em conhecimento comum por meio de testagem e retestagem científicas, e assim fornecer parte do novo fundamento ou apoio para a atuação de novas declarações e dados, ligados a garantias. 2.7.1 Argumentação e Falácia A falácia é um conceito promissor para a análise do discurso, segundo Lauerbach (2007). É compreensível que analistas do discurso queiram encontrar na teoria da argumentação um procedimento de avaliação da aceitabilidade ou da insuficiência de argumentos em seus dados, bem como da reação imediata dos próprios participantes; esse procedimento se torna mais imprescindível porque, em textos monológicos e em alguns textos dialógicos da mídia, os analistas não têm acesso a essas reações. Bardone e Magnani (2010) mostram como alguns argumentos, embora falaciosos, podem parecer atraentes e úteis para nós. Eles afirmam que os argumentos falaciosos não deveriam ser tratados como inteiramente maus, pois podem ser sintomáticos do modo como a cognição humana se desenvolveu e funciona. Em termos gerais, as falácias são importantes porque avisam-nos quando a lógica falha acopla-se à cognição, isto é, quando a descrição normativa ideal da lógica do ser humano prescreve certos padrões de raciocínio que não podem ser correspondidos. Contudo, essa falha pode ser sintomática, primeiro, dos limites do sistema da lógica que os homens desenvolveram; e segundo, as falácias podem ser também consideradas sintomáticas do modo como a cognição humana manipula seus vários recursos (inclusive a lógica) para fazer decisões e resolver problemas. É difícil chegar a uma lista definitiva e completa de falácias típicas, e assim Bardone e Magnani (2010) acatam a lista fornecida por Woods (2004, p. 20). Woods

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lista 18 itens – a chamada Gangue dos Dezoito, mas Bardone e Magnani (2010) concentram-se em 3 delas: (i) argumentum ad hominem (argumento contra a pessoa), (ii) argumentum ad verecundiam (apelo à autoridade), (iii) argumentum ad populum (apelo à popularidade ou por estar na moda). Essas três falácias são consideradas como exemplos de uma categoria mais ampla chamada ignoratio elenchi (WALTON 2004) que se utilizam do conhecimento sobre os outros, o que é um recurso cognitivo fundamental. As três falácias empregam um padrão geral de raciocínio baseado na introdução de alguma irrelevância que não se referem ao assunto em discussão. Essas falácias compartilham da mesma estratégia cognitiva da fofoca: a exploração da dimensão social como uma fonte para transmitir e manipular informações. Em vez de ser apenas uma conversa sem um propósito, a fofoca constitui um modo de transmitir uma informação e de manipular grupos, papel esse que é importante na evolução da língua e da cognição. Argumentum ad verecundiam – O argumentum ad verecundiam está baseado no apelo a uma autoridade para apoiar ou promover um certo posicionamento e não outro. Um público bem informado, diz Keen (2007), não deveria depender de amadores, mas confiar apenas nos intermediários talentosos, como editores e jornalistas profissionais. Keen dá o seguinte exemplo, que diz respeito a um filme chamado Loose Change sobre as teorias de conspiração do 11/09:

As “alegações” feitas por Loose Change foram completamente descartadas no relatório final da Comissão do 11/09, um relatório que tomou dois anos para ser compilado, custou 15 milhões de dólares, e foi escrito por dois governadores, quatro congressistas, três ex-funcionários da Casa Branca, e os dois conselhos especiais (KEEN, 2007, p.69).

A alegação de Keen é uma falácia baseada no apelo aos experts. É falaciosa porque ele não rejeita a teoria apresentada no filme referindo-se às evidências e incoerências; ele simplesmente afirma que a teoria de conspiração apresentada no filme é falsa, porque a Comissão do 11/09 relatou exatamente o contrário. Na ciência, também se emprega com frequência o argumentum ad verecundiam. De forma geral, o argumentum ad verecundiam segue um padrão comum de raciocínio que pode ser assim descrito:

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- Uma certa pessoa P pensa que b seja verdadeiro; - Acredita-se que P seja um expert na área a qual b pertença; - Então, nós temos uma boa razão para pensar que b é verdadeiro Argumentum ad hominem – Consideremos outra falácia chamada argumentum ad hominem (argumento contra uma pessoa), tomando como exemplo, um documentário sobre o aquecimento global chamado O Grande Golpe do Aquecimento Global. Contra a tese apresentada no documentário, Bill Butler investigou o histórico dos experts que foram entrevistados no filme e que alegaram que o aquecimento global é uma farsa baseada em ciência ruim. Eis o que ele escreveu:

O pseudodocumentário dá a entender que as pessoas que apareceram sejam experts capacitados em seus campos. Na prática, a melhor experiência que essas pessoas têm parece ser a de disputar pagamentos de grandes companhias de energia – especialmente organizações antiambientais.

Ele então relacionou os currículos desses 'pretensos' experts que apareceram no filme:

[...] Apesar da legenda no programa, Singer se aposentou da Universidade de Virgínia e não teve um único artigo aceito para publicação científica por 20 anos. Seu trabalho principal foi o de elementos contratado com interesses comerciais para comprometer pesquisas científicas sobre o meio-ambiente e questões de saúde [...].

Na realidade, este tipo de argumentação é falaciosa, uma vez que introduz algumas informações irrelevantes na discussão da questão sobre o aquecimento global. De forma geral, o argumentum ad hominem segue esse padrão comum: - Uma dada pessoa P acredita em b; - informação desfavorável sobre P é apresentada;

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- Então, b não é aceitável. Argumentum ad populum – As pessoas tendem a acreditar naquilo em que a maioria acredita. Quando apelam para essa crença, elas estão usando um argumentum ad populum. Suponha que uma pessoa viesse a alegar:

Não há publicações científicas negando o aquecimento global. Portanto, eu acho que o aquecimento global esteja realmente ocorrendo e nós deveríamos agir para prevenir futuros danos.

Essa falácia está baseada no apelo àquilo que a maioria das pessoas diz: nesse caso, o argumento está meramente baseado no apelo ao consenso entre os cientistas. De certa forma, o que a pessoa sugere é que provavelmente o aquecimento global seja verdadeiro e merece a atenção pública, já que toda comunidade científica concorda que nosso planeta está ficando cada vez mais quente. Esse argumento pode ser retomado dessa forma: - A maioria das pessoas M pensa que b seja verdade; - então, temos uma boa razão para pensar que b seja verdadeiro. Esse tipo de argumento é falacioso por duas razões principais. Primeiro, até mesmo cientistas podem estar errados, porque a ciência é falível. Em segundo lugar, o fato de toda comunidade científica ter concordado com uma determinada teoria é uma declaração que não tem nada a ver com o aquecimento global; não há uma ligação causal entre o consenso científico e o aumento da concentração de CO2 na atmosfera por exemplo. Do ponto de vista científico, é simplesmente irrelevante. Mas a ciência é ainda falível e os cientistas podem estar errados. 2.7.2 Argumentação e Legitimização No enquadre interdisciplinar ancorado na análise do discurso crítica e usando os instrumentos da LSF, Reyes (2011) trata de um uso importante da linguagem na sociedade: o processo de legitimização, um tipo de falácia, com o qual os locutores

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esperam convencer seus interlocutores. O artigo explica alguns modos linguísticos específicos pelos quais a língua representa um instrumento de controle (BOURDIEU, 2001) no discurso e na sociedade. Levando em conta estudos anteriores sobre a legitimação (i.e. MARTIN ROJO; VAN DJJK, 1997; VAN DIJK, 2005; VAN LEEUWEN, 1996, 2007, 2008; VAN LEEUWEN; WODAK, 1999), Reyes desenvolve e propõe algumas estratégias-chave da legitimização empregadas por atores sociais para justificar o curso da ação. Essas estratégias podem ser usadas individualmente ou em combinação com outras, e justificam as práticas sociais por meio de: (1) emoções (em particular, o medo), (2) futuro hipotético, (3) racionalidade, (4) vozes de especialistas e (5) altruísmo. O artigo explica como essas estratégias são construídas e formatadas linguisticamente. Do latim “legitimus” (ex., legal), a palavra “legitimização” relaciona-se com “lex/legis” (ex. lei, acordo). Hoje, a palavra é também usada fora do jargão legal e em geral envolve a semântica de “justificação”. Em teoria e origem, “legitimização” significa tornar algo legal ou legalizado. Assim, a legitimização (doravante, LEG) refere-se ao processo pelo qual os falantes dão crédito ou licenciam um tipo de comportamento social (mental ou físico). O processo de LEG atua por meio da argumentação, e relaciona-se a um objetivo, que, na maioria dos casos, é a procura de apoio e aprovação do interlocutor, podendo ter diferentes motivos: obtenção ou manutenção do poder, alcance de aceitação social, aumento de relações na comunidade, popularidade ou fama etc. “Certo” ou “apropriado” devem ser entendidos como “conceptualizações socioculturais” (SILVERSTEIN, 2004), formatados e definidos ideologicamente por um grupo social. Argumentos de diferentes naturezas podem ser apresentados na procura da LEG, desde a informação objetiva, como a evidência científica para construir a verdade (MCCANN-MORTIMER et al, 2004, apud REYES, 2011) até experiências pessoais para legitimizar generalizações culturais (TUSTING et al, 2002). Os políticos sancionam o poder simbólico (BOURDIEU, 2001) latente no uso da língua para “naturalizar” seus objetivos políticos (FAIRCLOUGH, 2002). Chouliaraki (2005) classifica a ação da LEG, em relação aos discursos sobre a guerra do Irã, como exemplo de poder soft (simbólico). Assim, os políticos exercem seu poder, por meio de seu status. Para tratar da relação entre práticas sociais e discurso, Reyes enfoca as escolhas linguísticas usadas na mensagem. Ele aplica os instrumentos metodológicos

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da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) para analisar as representações linguísticas da LEG no discurso. Ele considera, e além disso desenvolve, um conjunto de categorias propostas por Van Leeuwen (1996, 2007) com referência à LEG no discurso. Van Leeuwen trata de quatro categorias principais de LEG: autorização (referente às figuras de autoridade ou à tradição), avaliação moral (referente ao sistema de valores), racionalização (referente a metas e usos de ação social institucionalizada) e mitopoesia (narrativa que elogia ações legitimadas) (VAN LEEUWEN, 2007, p. 92). Essas categorias têm sido aplicadas à análise do discurso de oficiais políticos, por exemplo quando eles justificam a rejeição de pedidos de imigrantes para serem reunidos com seus parentes na Áustria (VAN LEEUWEN; WODAK, 1999). 1. A LEG através de emoções: O apelo às emoções permite aos atores sociais enviesar a opinião da audiência sobre um determinado assunto. A representação negativa de atores sociais e a atribuição de qualidades negativas a personalidades ou suas ações permitem aos falantes criar dois lados de uma estória/evento, em que o falante e a audiência estão no “grupo-nós” e os atores sociais descritos negativamente constituem o “grupo-eles” (VAN LEEUWEN; WODAK, 1999, p. 2). 2. A LEG através de futuro hipotético: Colocar uma ameaça no futuro que requeira uma ação iminente no presente é outra estratégia expressa no discurso político (DUNMIRE, 2007), o que se faz, por exemplo, com o emprego de escolhas léxico-gramaticais específicas, tais como sentenças condicionais do tipo: “este perigo só crescerá, se a Al-Qaeda puder operar com impunidade” (OBAMA, 1/12/09). 3. A LEG através de racionalidade hipotética: A LEG é apresentada como decorrente de processo em que as decisões teriam resultado de um procedimento examinado, avaliado e pensado. Nesse sentido, ela pode ser considerada “racional” por consultar outras fontes e explorar todas as opções antes da tomada de decisão. Consequentemente, essa estratégia de LEG é articulada linguisticamente por orações como “Após consultas com nossos aliados”, ou verbos denotando processos mentais e verbais (THOMPSON, 2004) como “explorar” e “consultar”. 4. A LEG através das vozes de experts: A LEG refere-se aqui à “autorização” (VAN

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LEEUWEN, 2007) que o falante traz para o contexto imediato da fala corrente para fortalecer sua posição. A autorização é também expressa em contexto formal, com a produção de um discurso oficial e institucional (MARTIN ROJO; VAN DIJK, 1997, p. 530). A fala de autoridade é uma fala associada a pessoas com autoridade; desse modo, o “falante é mais persuasivo, mais convincente e mais ouvido” (PHILIPS, 2004, p. 475). Veja maiores detalhes na seção 1.3.3. 5. A LEG através do altruísmo: Os falantes públicos, em particular, e atores sociais, em geral, garantem que suas propostas não representam interesses pessoais. Eles se apresentam, por exemplo, como estando a serviço de outros, e assim eles legitimizam as propostas como um bem comum que melhorarão as condições de uma comunidade. “Ações e políticas institucionais são tipicamente descritas como benéficas para o grupo ou para a sociedade como um todo” (MARTIN ROJO; VAN DIJK, 1997, p. 528). 2.7.3 Argumentação e Entimema Segundo Lauerbach (2007), a teoria da argumentação interessa à análise do discurso principalmente com respeito ao conceito de entimema ou premissa implícita de um argumento. O entimema proporciona à análise do discurso um procedimento sistemático para a reconstrução de um tipo específico de significado implícito, ou seja, a premissa não-expressa de um argumento. O entimema é um silogismo abreviado, um argumento incompleto ao qual a audiência provê inconscientemente a premissa que falta. A premissa implícita, subjacente, é frequentemente expressa linguisticamente em forma condensada via conjunções de contraste, causalidade, condicionalidade, concessão, comparação ou graduação (ex. Ele é pobre, mas é limpinho.). Esses silogismos abreviados baseiam-se em premissa avaliativa (todo pobre é sujo), que é pragmaticamente inferido pelos falantes como sendo um conhecimento - frame, ou enquadre mental - indiscutivelmente compartilhado entre eles.

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2.7.4 Argumentação e Ironia Segundo Burgers et al (2011), a ironia pode ser usada de vários modos. Alguns pesquisadores sugerem que a ironia envolva vários subtipos (GIBBS; COLSTON, 2007). Contudo, poucos estudos têm focalizado a ironia em uso, e os estudos que assim o fazem discordam sobre as distinções que podem ser feitas nos enunciados irônicos. Assim, Gibbs (2000) analisa a hipérbole, a jocosidade e os enunciados implícitos como subtipos de ironia, enquanto que Whalen et al (2009) afirmam que nenhum desses tipos de fala seja necessariamente irônico. Dado o fato de que a ironia é de uso relativamente frequente (+ 8% dos turnos em conversa entre amigos, Gibbs, 2000; 7.4% de e-mails enviados para amigos, Whalen et al., 2009; 72.8% de blogs, Whalen, Pexman, Gill; Nowson, no prelo, apud Burgers et al (2012), descobrir os modos pelos quais a ironia é usada em situações comunicativas é um dos maiores desafios da pesquisa nos estudos da ironia (GIBBS; COLSTON, 2007). Burgers et al (2012) investigam o modo como a ironia é usada em diferentes situações comunicativas na modalidade escrita, já que a maioria dos estudos sobre ironia em uso focaliza a comunicação falada (BRYANT et al, 2002; GIBBS, 2000). Essa distinção é importante porque a ironia pode diferir de modo sutil e importante entre a comunicação falada e a escrita. Por exemplo, em contraste com a ironia em conversas (GIBBS, 2000), os escritores não podem "reparar" seus textos para melhor compreensão do leitor, se este não entender a ironia. Além disso, a comunicação escrita também fornece uma boa maneira de usar a ironia em situações comunicativas diferentes: um enunciado irônico escrito é sempre produzido em um texto que, por sua vez, pertence a um gênero específico. Os diferentes gêneros envolvem suas características e expectativas próprias (ex. BIBER, 1993; STEEN, 1999 apud Burgers et al, 2012) e a questão de o que é "linguagem típica" varia de gênero a gênero (BIBER, 1993). Contudo, a definição de ironia está longe de ser estabelecida, dizem Burgers et al, e tem sido um tópico de muito debate entre os estudiosos (Attardo, 2000b; GRICE, 1978; GIORA, 1995; WILSON; SPERBER, 1992, e muitos outros, apud Burgers et al, 2012). Em um estudo prévio, Burgers et al compararam as diferentes definições de ironia e descobriram que essas definições concordavam em cinco pontos, que, assim, podem diferenciar a ironia da não-ironia. Ela deve:

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(a) ser avaliativa; (b) ser baseada em incongruência entre o enunciado irônico e o co-texto ou contexto; (c) ser baseada em inversão da valência entre o literal e o significado pretendido; (d) visar algum alvo; (e) ser relevante para a situação comunicativa de algum modo (BURGERS et al, 2011). O enunciado irônico precisa apresentar todos esses cinco fatores para ser qualificado como irônico, fato que serve para diferenciar a ironia da não-ironia. Os fatores irônicos apresentam níveis que diferem de um enunciado irônico a outro. Assim, a ironia deve incluir a valência invertida, que pode ser alcançada de dois modos. É possível que o significado literal da ironia seja positivo (elogio: "Essa é uma boa ideia" se a ideia é pobre) ou negativo (depreciação: "essa é uma má ideia" se a ideia é muito boa). Isso significa que o fator da inversão da valência inclui sub-níveis de elogio ou de depreciação. Em outras palavras, embora qualquer enunciado irônico deva conter o inverso da valência avaliativa, a exata natureza dessa inversão pode variar de um enunciado irônico a outro. 2.7.5 Argumentação e Papéis do Falante A noção de dialogismo, de Mikhail Bakhtin (BAKHTIN, 1981 [1935]) proporcionou aos teóricos literários e linguistas a consciência da característica profundamente endereçadora dos chamados textos monológicos. Nessa perspectiva, os textos escritos estabelecem um diálogo virtual com os leitores conforme o desenrolar do processamento do texto. Goffman (1981) decompõe os papéis de falante (e também de ouvinte) em que focaliza a distinção feita pelo autor do papel de falante em animador, autor e principal. Para Goffman, o animador é “a caixa sonora em uso, a máquina que fala, ou, se quiserem, um indivíduo ativo no papel de produzir enunciados”. Distintos desse papel são os papéis de autor, “alguém que selecionou os sentimentos que estão sendo expressos e as palavras que são ouvidas” e de principal (responsável), “alguém cuja

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posição é estabelecida pelas palavras que são faladas, alguém cujas crenças são verbalizadas, alguém que está comprometido com o que as palavras expressam”. Geralmente, quando utilizamos o termo “falante”, entendemos que os três papéis coincidem e que esse fato seja normal. Contudo, as divergências não ocorrem somente no que Goffman intitula de “exceções institucionalizadas”, eventos nos quais os falantes atuam como, por exemplo, presidentes, juízes, professores, entrevistadores ou como apresentadores de talk show. Essas divergências também são abundantes na conversa diária, quando citamos alguém ou nós mesmos, quando nós nos autocorrigimos, avaliamos ou modalizamos, zombando ou contando estórias e piadas. Goffman fala também na figura. Como falantes, na maioria das elocuções, representamos a nós mesmos através do emprego de um pronome pessoal, em geral "eu", sendo assim figura – um protagonista numa cena descrita, alguém que pertence ao universo sobre o qual se está falando, não ao universo no qual a fala ocorre (não é o verdadeiro animador). Em todas essas atividades está envolvida uma mudança de footing (de alinhamento com o interlocutor), fato que afeta não somente o alinhamento entre nossos papéis de produção, como animador, autor e principal, mas, ao mesmo tempo, também realinha o papel de recepção dos nossos ouvintes. Especificamente, cada vez que o falante muda de alinhamento, ele percorre uma distância para estabelecer uma base recíproca correspondente de identificação com aqueles a quem o enunciado é dirigido. De certa forma, então, para selecionar a capacidade de atuação, é necessário selecionar a capacidade em que estão os receptores de nossas ações (GOFFMAN, 1981). Como Goffman afirma, uma mudança de posição é uma tentativa de realinhar as relações entre os participantes. Como tal, não terá necessariamente de ser aceita pelo destinatário, a não ser, evidentemente, que seja imposta unilateralmente devido a grandes diferenças de poder e status e/ou restrições institucionais. Mas, sim, tentativas de mudança de posição podem ser aceitas, negociadas, desafiadas, rejeitadas e/ou podem enfrentar uma contra mudança. Para que uma mudança seja bem-sucedida e, consequentemente, para que um novo frame de interação seja estabelecido, a tentativa precisa ser aceita pelos destinatários. Nessa perspectiva, FlØttum (2010) indica a polifonia como um recurso persuasivo efetivo, com a inclusão de traços explícitos ou implícitos de diferentes

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vozes como, por exemplo, a presença de múltiplos pontos de vista, típica do discurso político. Essa presença pode ser efetivada com a atribuição da autoria a fontes distintas ou confusas. A abordagem polifônica pode, assim, revelar algumas interações sutis por meio de vozes e argumentos implícitos, segundo a autora. Waugh (1995) trata do discurso relatado (reported speech) (doravante DR) no discurso jornalístico, afirmando que no relato de notícias, o DR funciona de maneira diferente do modo como funciona, por exemplo, em narrativas ficcionais ou na conversa. Isto se deve ao fato de que o relato de notícias está focado na comunicação de informação e preocupado com questões de referencialidade, verdade, confiabilidade e responsabilidade – que nem sempre são fatores primordiais em outros gêneros. Trata-se, segundo a autora, de uma questão que não tem recebido a atenção dos teóricos, que é o fato de o gênero/tipo de discurso estabelecer o enquadre que determina a natureza funcional do DR usado nesse enquadre. A natureza funcional das categorias usadas em artigos jornalísticos, incluindo o DR, continua a autora, tende a se submeter a esse tipo de foco em relação ao mundo fora do texto. Nesse particular, o uso jornalístico do DR baseia-se na relação não só entre: (a) um evento do discurso relatador (reporting speech event) e (b) um evento do discurso relatado (reported speech event), mas também - contrariamente a outros usos do DR - na representação de (c) um texto original – afirmado como realmente existente – fora do texto que o cita (quoting text). O que caracteriza o DR é que, no discurso, não só se pode falar dos enunciados de um outro discurso, mas também se pode representá-los. Na realidade, o DR é o meio principal pelo qual representamos, abertamente, os enunciados de outro discurso. Como seres humanos, podemos falar sobre algo que nos interessa, podemos falar de qualquer coisa do mundo conceitual e perceptual (real ou imaginário, possível ou impossível) que quisermos. Mais importante, podemos falar sobre a fala, podemos comunicar sobre comunicação. Em outras palavras, o DR não é “fala sobre fala, enunciado sobre enunciado” (VOLOSINOV, 1973, p. 115 [ênfase no original]; JAKOBSON, 1957, p. 130; STERNBERG, 1982a: 107), discurso sobre discurso, mas também, e isso é o que o afasta de outros tipos de discurso, “fala dentro

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da fala, enunciado dentro do enunciado” (VOLOSINOV, 1973, p. 115), discurso dentro do discurso. 2.8 O mercado e sua segmentação A questão da segmentação de mercado, que Kotler (2003) traz para a área do marketing de produtos, em especial à venda de produtos em massa, mas creio poder ser ampliada para abranger a área da mídia jornalística. Segundo Kotler (2003), atualmente as empresas não podem apelar para todos os compradores de mercado – ou pelo menos para todos eles da mesma maneira. Eles são muito numerosos, amplamente dispersos e muito variados no que diz respeito às necessidades e práticas de compra. Assim, em vez de tentar competir em todo o mercado, muitas vezes com concorrentes superiores, elas identificam quais os segmentos que podem melhor atender de maneira mais lucrativa. Portanto, muitas empresas estão mais exigentes com relação aos clientes com os quais querem se associar. Grande parte delas tem deixado de lado o marketing de massa (produção, distribuição e promoção em massa do mesmo produto) e partido para a segmentação e a identificação (identificação de segmentos de mercado, seleção de um ou mais deles e desenvolvimento de produtos e programas de marketing sob medida para cada um dos mercados selecionados). Em vez de expandir seus esforços de marketing (abordagem pulverizada), as empresas estão se voltando para os compradores que têm grande interesse nos valores que elas criam melhor (abordagem direcionada). O quadro 3 mostra as principais etapas no marketing de alvo. A primeira é a segmentação de mercado – divisão de um mercado em grupos menores de compradores com necessidades, características ou comportamentos diferentes que poderiam requerer produtos ou mixes de marketing distintos. A empresa identifica diferentes maneiras de segmentar o mercado e desenvolvem perfis de segmentos resultantes. A segunda etapa é a identificação de mercado - avaliação da atratividade de cada segmento e seleção de um ou mais segmentos de mercado para atuar. A terceira etapa é o posicionamento de mercado – estabelecimento da posição competitiva para o produto e a criação de uma gama variada de estratégias detalhadas de marketing.

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Quadro 3 – Etapas na segmentação, identificação e posicionamento de mercado. Segmentação de mercado 1. Identificação de bases para a segmentação. 2. Desenvolvimento de perfis de segmento

Identificação de mercado 1. Desenvolvimento de avaliação da atratividade do segmento 2. Seleção dos segmentos- Alvo

Posicionamento de mercado 1. Desenvolvimento do posicionamento para os segmentos-alvo 2. Desenvolvimento de uma gama variada de ações de marketing para cada segmento

Fonte: Kotler (2003) 2.8.1 Níveis de segmentação de mercado Cada comprador é potencialmente um mercado separado devido a seus desejos e necessidades singulares. Assim, idealmente, um vendedor poderia desenvolver um programa de marketing único para cada comprador. Entretanto, apesar de algumas empresas tentarem atender os clientes de maneira personalizada, outras têm um grande número de pequenos compradores e acham que não vale a pena uma segmentação muito completa. Em vez disso, procuram categorias mais amplas de compradores que diferem em suas necessidades de produto ou suas respostas de compra. Portanto, a segmentação de mercado pode ser efetuada em diferentes níveis. A empresa que pratica o marketing de segmento isola os amplos setores que constituem o mercado e adapta suas ofertas de modo que elas atendam com maior precisão às necessidades de um ou mais segmentos. Assim, por exemplo, um hotel trabalha com uma variedade de público, sendo estes: pessoas que viajam a trabalho, famílias e outros, oferecendo pacotes adaptados às necessidades específicas. O marketing de segmento oferece muitos benefícios em relação ao marketing de massa. A empresa pode trabalhar de maneira mais eficiente, concentrando seus produtos ou serviços, seus canais e seus programas de comunicação somente para os consumidores que pode atender melhor e de maneira mais lucrativa. Também pode trabalhar de maneira mais produtiva ajustando seus produtos, preços e programas às necessidades dos segmentos definidos cuidadosamente. Assim como enfrentar uma menor concorrência, caso poucos concorrentes estejam voltados para este segmento de mercado.

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2.8.2 Segmentação do mercado consumidor Não há uma maneira única de segmentar o mercado. Há diferentes variáveis de segmentação – sozinhas ou combinadas – para descobrir a melhor maneira de visualizar a estrutura do mercado. A seguir explicaremos as principais variáveis: geográfica, demográfica, psicográfica e comportamental. A segmentação geográfica implica em dividir o mercado em diferentes unidades geográficas, como países, regiões, estados, cidades ou bairros. A empresa pode decidir atuar em uma, algumas ou em todas as áreas, atentando para as diferenças geográficas relacionadas às necessidades e desejos. Atualmente, muitas empresas estão regionalizando seus produtos, campanhas publicitárias, promoções e esforços de vendas para atender às necessidades de cada região, cidade ou mesmo bairro. A segmentação demográfica divide o mercado em grupos com base em variáveis como sexo, idade, tamanho da família, ciclo de vida da família, renda, ocupação, grau de instrução, religião, raça e nacionalidade. Os fatores demográficos constituem a base mais popular para a segmentação de diferentes grupos de clientes. Uma razão para isso é o fato das necessidades, desejos e índices de utilização geralmente mudarem de acordo com as variáveis demográficas. Uma outra razão está no fato destas variáveis serem mais facilmente mensuradas do que qualquer outro tipo. Mesmo quando os segmentos de mercado são definidos utilizando-se em primeiro lugar outras bases, como benefícios e comportamento, suas características demográficas devem ser conhecidas em geral para se avaliar o tamanho do mercado – alvo para atingi-lo de maneira mais eficiente. As necessidades e desejos dos consumidores mudam com a idade. Algumas empresas utilizam a segmentação por idade e ciclo de vida, oferecendo diferentes produtos ou utilizando diferentes abordagens de marketing para grupos distintos em relação ao ciclo da vida e a idade. Os profissionais devem ter cuidado com os estereótipos na hora de utilizar a segmentação por idade e ciclo da vida. A segmentação por sexo tem sido bastante utilizada para roupas, cosméticos e revistas. Grandes empresas como a Merrill Lynch, oferecem um manual financeiro, o Financial Handbook for Women Investor, para mulheres que queiram ‘melhorar suas finanças’. O setor automobilístico também utiliza a segmentação de mercado por sexo.

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As mulheres compram metade dos carros novos vendidos nos Estados Unidos, por exemplo, e influenciam 80 por cento das decisões de compra de novos automóveis. A segmentação por renda tem sido amplamente utilizada por profissionais de marketing que trabalham com produtos e serviços como carros, barcos, roupas, cosméticos, serviços financeiros e viagens. Muitas empresas atendem consumidores ricos com bens luxuosos e serviços de conveniência. Entretanto, nem todas as empresas que utilizam a segmentação de mercado por renda têm como alvo os consumidores de alta renda. Segmentação psicográfica divide os compradores em diferentes grupos com base na classe social, no estilo de vida e na personalidade. Pessoas de um mesmo grupo demográfico podem ter características psicográficas bastante diferentes. A segmentação comportamental divide os compradores em grupos com base no conhecimento em relação a determinado produto, nas atitudes direcionadas a ele, no uso que se faz desse produto e nas respostas. Muitos profissionais de marketing acreditam que as variáveis comportamentais constituem o melhor ponto de partida para o desenvolvimento de segmentos de mercado. Os compradores podem ser agrupados de acordo com as ocasiões, quando eles têm a ideia de comprar, realizam de fato a compra e utilizam o item comprado. A segmentação por ocasião pode ajudar as empresas a expandir o uso do produto. Uma forma poderosa de segmentação é agrupar os compradores de acordo com os diferentes benefícios que eles buscam no produto. A segmentação por benefício requer descobrir as principais vantagens que as pessoas procuram em uma classe de produtos, os tipos de pessoas que procuram cada um destes benefícios e as principais marcas que oferecem as vantagens procuradas. Os mercados podem ser segmentados em grupos de não-usuários, usuários potenciais, usuários iniciantes e usuários regulares do produto. A posição de mercado da empresa também influencia seu foco. As empresas líderes em participação de mercado enfocam os usuários potenciais, enquanto as empresas menores enfocam os usuários regulares da líder do mercado. 2.9 As metafunções da LSF

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Para a LSF, conforme já nos referimos, a língua está estruturada para construir três tipos de significados simultâneos: ideacional, interpessoal e textual. A seguir, as metafunções ideacional e a interpessoal serão explicitadas, com vistas à minha análise do editorial. A metafunção textual não será incluída na análise. 2.9.1 A Metafunção ideacional A metafunção ideacional, diz Halliday (1994), tem a função de representar padrões de experiência. As línguas capacitam o ser humano a construir um quadro mental da realidade, para que ele entenda o que acontece ao seu redor e no seu interior (1994, p. 106). Aqui novamente a oração tem um papel central, porque ela incorpora um princípio geral de modelagem da experiência – ou seja, o princípio de que a realidade é feita de processos. Nossa impressão mais poderosa da experiência é de que ela consiste de 'eventos' – acontecer, fazer, sentir, significar, ser e tornar-se. Todos esses eventos estão distinguidos na gramática da oração, continua o autor. A oração é também um modo de reflexão, de ordenação da variação infinita do fluxo de eventos. O sistema gramatical pelo qual isso é alcançado é o da transitividade. O sistema de transitividade constrói o mundo da experiência em um conjunto manipulável de tipos de processo. A análise da transitividade pode, examinando as escolhas feitas no texto referentes a estados de ser, ações, eventos e situações referentes a dada sociedade, mostrar o viés e a manipulação envolvidas nessas representações. Halliday (1994) sugere que os processos semânticos representados na oração têm potencialmente três componentes: o próprio processo, que é expresso pelo grupo verbal da oração; os participantes envolvidos no processo, realizados pelos grupos nominais da oração; e as circunstâncias associadas com o processo, expressas por grupos adverbiais ou preposicionais. Halliday ainda sugere a classificação dos processos, conforme representem ações, eventos, estados da mente ou estados de ser. Material, mental e relacional são os três tipos principais no sistema da transitividade do inglês, referindo-se respectivamente a ações ou eventos do mundo externo, a experiência interna da consciência e os processos que classificam e identificam, respectivamente. Nos limites entre esses eles estão os processos: comportamental (que representam manifestações de atividades

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internas), verbal (relações simbólicas construídas na consciência humana e em estados fisiológicos) e existencial (processos relacionados à existência), resumidos no Quadro (4) e explicados mais detalhadamente a seguir.

Quadro 4 – Relação Processos/Participantes/Circunstâncias

Processos Participantes Circunstância

MATERIAL Lula OFERECEU café da manhã aos blogueiros Ator Meta Beneficiário

O mensalão DESFILAVA sob seu nariz. Ator Extensão

em seu instituo.

COMPORTAMENTAL Ele DESABAFOU inconformado Comportante Comportamento

diante da acusação.

MENTAL Ele se EMPOLGA com a própria voz. Experienciador Fenômeno

EXISTENCIAL O escândalo do petrolão se FAZIA PRESENTE. Existente

na política.

RELACIONAL Ele ERA o ex-presidente. (a) Atributivo: Portador Atributo O delator ERA o ex-senador. (b) Identificativo: Identificado Identificador

VERBAL Lula FALOU a ele sobre a carreira política. Dizente Receptor Verbiagem

Fonte: Halliday (1994) O Quadro 4 mostra o sistema da transitividade, da metafunção ideacional, que representa os eventos das orações, envolvendo: processos, participantes e circunstâncias. 2.9.2 A Metafunção Interpessoal: A Modalidade Para a LSF, a oração, além de informar (metafunção ideacional), está organizada como um evento interativo, envolvendo falante (ou escritor) e audiência, função denominada de metafunção interpessoal. Os tipos interpessoais fundamentais de papel de fala são apenas dois, esclarece o autor: dar e pedir informação ou bens

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& serviços, que se relacionam com a natureza do produto permutado: proposição (para informação) e proposta (para bens & serviços), conforme o Quadro 5.

Quadro 5 – Papéis de fala

DAR PEDIR Informação

ex. São duas horas. ex. Quem você viu lá? Bens e Serviços

ex. Deu-lhe flores. ex. Me empresta isso? Fonte: Halliday (1994) A metafunção interpessoal é constituída por mood (sujeito + finito) + resíduo, conforme mostra o Quadro 6.

Quadro 6 - Metafunção Interpessoal

MOOD RESÍDUO

Sujeito Finito (a) João precisa (modalidade) estudar a lição (b) João -va (tempo primário) estuda- a lição

Fonte: Halliday (1994) O elemento finito, segundo Halliday (1994), traz a proposição para a realidade, para que possa ser objeto de discussão. O finito liga a proposição ao seu contexto do evento da fala, o que pode ser feito pela referência ao tempo da fala – o tempo primário - ou pela referência ao julgamento do falante – a modalidade. O tempo primário significa passado, presente ou futuro em relação ao momento da fala. A modalidade significa o julgamento do falante sobre as probabilidades ou as obrigações envolvidas na proposição. Assim, uma proposição pode se tornar objeto

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de discussão ao ter sua relevância no evento da fala especificado em termos temporais ou modais, expressos, respectivamente, por um operador verbal temporal (as flexões verbais) ou operador verbal modal e adjunto modal. Mas há uma outra feição que é um concomitante essencial da finitude, e esta é a polaridade, que é a escolha entre positivo e negativo. Assim, além de expressar tempo primário ou modalidade, o elemento Finito também realiza a feição da polaridade. Cada um dos operadores aparece tanto na forma positiva quanto na negativa: fiz/não fiz, pude/não pude e assim por diante.

Quadro 7 – Modalidade (Entre o SIM e o NÃO) Produto MODALIDADE

Proposição → (Informação)

Modalização Probabilidade (epistêmica): talvez

Frequência: geralmente, sempre

Proposta → (Bens & Serviços)

Modulação Obrigação (deôntica): deve, precisa

Desejabilidade: quero

Fonte: Halliday (1994) A modalidade expressa a avaliação dos interlocutores sobre o conteúdo da mensagem, e abrange a modalização (incluindo probabilidade e frequência) e a modulação (incluindo obrigação e desejabilidade). No Quadro 7, procurei reunir as referidas categorias. A metafunção interpessoal têm recebido várias contribuições que ampliaram seu alcance analítico, como as de: (a) Thompson e Thetela (1995), que propuseram a separação entre mood e modalidade da metafunção interpessoal já que se referem a funções diferentes: pessoal (modalidade) e interacional (mood); além disso, acrescentaram a função interativa (para guiar o leitor por meio do texto: por exemplo, em resumo, como dissemos antes, etc.); (b) Martin (2000), que propõe a noção de avaliatividade, que apresento a seguir, uma noção já prevista por Halliday (1994), mas que não foi desenvolvida por ele.

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2.9.2.1 A Metafunção Interpessoal: A Avaliatividade Martin (2000) e seus colaboradores ampliaram o alcance da metafunção interpessoal com a noção de avaliatividade (tradução de Appraisal), desenvolvendo um sistema reticular de descrições de opções semânticas para avaliar pessoas, coisas e fenômenos. Referindo-se à metafunção interpessoal, argumenta Martin (2000) que a LSF, uma tradição-baseada-na-gramática, tem focalizado o diálogo como apenas uma troca de bens & serviços ou informação. O que tendeu a ser omitido pelas abordagens da LSF, continua o autor, é a semântica da avaliação – como os interlocutores estão sentindo, os julgamentos que eles fazem e a apreciação de vários fenômenos de sua experiência. Na essência, explicam Coffin e O’Hallloran (2006), a avaliatividade é um enquadre localizado na LSF, que mapeia os recursos que usamos para avaliar a experiência social (MARTIN, 2000; MARTIN; WHITE 2005; WHITE, 2003 apud COFFIN; O’HALLORAN, 2006), e que podem se realizar por meio de várias estruturas léxico-gramaticais. A análise da avaliatividade é um modo de capturar de maneira compreensiva e sistemática os padrões avaliativos globais que ocorrem num texto, conjunto de textos ou discursos institucionais, afirmam as autoras. O sistema da avaliatividade é constituído por três subsistemas, a saber: ATITUDE, que abrange: afeto (expressão de emoções), julgamento (avaliação ética), apreciação (avaliação estética) e avaliação social (avaliação de processos e fenômenos sociais); ENGAJAMENTO e GRADUAÇÃO, conforme mostra o Quadro 8. Quando a avaliação está explicitamente realizada, como, por exemplo, em: (1) Felizmente/Infelizmente, o Brasil desafiou os EUA na ALCA, é fácil a análise da Avaliatividade de ATITUDE em positiva ou negativa. Porém há casos em que a avaliação não está inscrita explicitamente, como em: (2) O Brasil desafiou os EUA na ALCA. Esse fato levou Martin (1995) a postular a seguinte distinção: inscrita (explícita: com palavras de sentido avaliativo, como em As crianças estavam falando alto.); evocada (implícita: sem palavras de sentido avaliativo, como em As crianças conversavam enquanto ele dava aula.) Martin (2000) fala em pareamento do significado ideacional com o interpessoal presente na avaliação na linguística. Assim, surge um item complicador que é o fato de que o que conta como a avaliatividade depende do campo do discurso.

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Quadro 8 - O sistema da Avaliatividade

AVALIATIVIDADE (APPRAISAL)

ENGAJAMENTO

Monoglóssico (sem negociação): Isto está errado. Heteroglóssico (com negociação): Talvez esteja errado.

ATITUDE Afeto (emotivo): Adorei esta joia. Julgamento (ético): Ele foi correto. Apreciação (estética): Mora numa bela casa. Avaliação Social (fen.sociais) O SUS está decadente.

GRADUAÇÃO FORÇA Aumenta: Completamente

devastado. Diminui : Um pouco chateado.

FOCO Aguça: Um policial de verdade.

Suaviza: Cerca de quatro pessoas. Fonte: Martin (2003) Por isso, significados ideacionais que não usam léxico avaliativo podem ser usados para evocar afeto, julgamento e apreciação. Nesse sentido, o autor propõe a noção de token de atitude para denominar o modo pelo qual o significado informacional pode ser “saturado” em termos avaliativos, ou seja, interpessoais. Toda instituição está carregada com pareamentos desse tipo, esclarece Martin, e a socialização em uma disciplina envolve tanto um alinhamento com as práticas institucionais envolvidas, quanto uma afinidade com as atitudes que se espera que tenhamos em relação a essas práticas. Talvez devesse ser enfatizado que os analistas da avaliatividade deveriam declarar sua posição de leitura – já que a avaliação por evocação depende da posição institucional que se toma ao ler um texto. A avaliatividade, a negociação e o envolvimento constituem as relações de poder e de solidariedade entre os interlocutores. Para ele, a expressão de atitude não é simplesmente uma questão de posicionamento pessoal, mas uma questão interpessoal, pois a razão básica de adiantar uma opinião é provocar uma resposta do interlocutor. A avaliatividade também explica os modos pelos quais padrões de significado avaliativo se acumulam dinamicamente através do texto, no que se chama de

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prosódia. Macken-Horarik (2003) mostra como os recursos linguísticos para a construção de emoção e de ética são dispostos de maneira específica para cocriar complexos de significados de ordem superior, ou metarrelações, que posicionam os leitores a adotar atitudes específicas em relação aos personagens no decorrer de um texto. Um dos fatores que contribuem para o desvelamento da avaliatividade implícita é a noção de frame. De acordo com Minsky (1975, p. 215 apud Bednarek, 2005), um frame pode ser considerado uma representação mental do nosso conhecimento de mundo, uma estrutura de dados que está localizada na memória humana e pode ser selecionada ou recuperada quando necessária. Tais estruturas de conhecimento não são inatas, mas adquiridas através da socialização, “construída” a partir da experiência (da nossa experiência ou relatos de experiência por outros etc.), e são, portanto, tanto dependentes diacronicamente quanto culturalmente. Os frames ajudam a criar coerência ao permitir ao ouvinte identificar o referente correto. O frame é um poderoso auxiliar da persuasão já que permite ao falante ir ao encontro das expectativas do interlocutor e dessa forma dizer o que este aceitaria sem questionar. 2.10 As Metarrelações A avaliatividade trata das expressões de Atitude evocadas (implícitas) e inscritas (explícitas), que entram numa espécie de dança através do texto criando um espaço semântico mais amplo que, por si, se torna avaliativo. Sobre a questão, Macken-Horarik (2003) fala de metarrelação, que, segundo ela, possibilita interpretar a copadronização de escolhas de avaliatividade em certas fases e construir as relações semânticas entre uma fase e outra. Assim, podemos tratar não somente de formas explícitas de avaliação como a avaliatividade inscrita, mas também de escolhas de avaliatividade implícita através de longos trechos do texto. Podemos ver os modos pelos quais as combinações de escolhas conspiram, para criar atitudes específicas no leitor ideal, conforme ele processa o texto. E podemos ver como certas configurações de metarrelações co-ocorrem em diferentes aspectos no posicionamento do leitor. Enquanto a empatia favorece a seleção de confirmações, as oposições e avaliações internas, percepção ética, favorece as avaliações externas, internas e transformações.

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Ambas tendem a articular o mundo externo do “deviam” e projeta-o para o mundo interno focalizador dos “queros”. Naturalmente, nem todas as avaliações externamente projetadas são globais em seu alcance; nem todos entram nas relações semânticas através do texto. Para tornar-se “meta-“ do significado, precisam relacionar-se e harmonizar-se com as metarrelações em algum lugar no texto.

Quadro 9 - As Metarrelações Metarrelação Significado semântico Confirmação Fase que cria equivalência em relação a fase(s) anterior(es) por meio de

escolhas similares de Avaliatividade. Oposição Fase que cria contraste em relação a fase(s) anterior(es) por meio de

escolhas opostas de Avaliatividade. Transformação Fase que cria mudança em significado em relação a fase(s) anterior(es) por

meio de mudança nas escolhas de Avaliatividade. Avaliação interna Fase que projeta a visão interior da personagem. Avaliação externa Fase que verbaliza a visão e os sentimentos da personagem.

Fonte: Macken-Horarik (2003) Na pesquisa de Macken-Horarik, há dois aspectos da axiologia textual relevantes a uma explicação do destinatário da narrativa. Primeiro, o leitor é convidado a uma posição de empatia ― solidariedade emocional com, ou, ao menos, compreensão das motivações de um dado personagem. Segundo, espera-se que o leitor assuma uma postura de julgamento dos valores éticos adotados por um personagem. A autora sugere que a narrativa ensina por meio de dois tipos de subjetividade ― a intersubjetividade (a capacidade de “sentir com” um personagem) e a supersubjetividade (a capacidade de “supervisionar” um personagem e avaliar eticamente suas ações). Mas a leitura relacional exige um exame passo a passo das escolhas léxico-gramaticais feitas pelo autor do texto. Nesse sentido, Li (2010) propõe a relação entre a microestrutura do texto com a macroestrutura do discurso. Guiado por propostas de análise do discurso crítica e com o apoio do contexto analítico oferecido pela LSF, Li (2010) investiga as relações entre escolhas de certas formas linguísticas e as ideologias e relações de poder que subjazem a essas formas. Ele se apoia na

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abordagem de Van Dijk (1993, 1997), que tenta relacionar a noção macro da ideologia às noções micro dos discursos e das práticas sociais de membros de grupo, estabelecendo um elo entre o social e o individual, o macro e o micro, o social e o cognitivo. Em minhas análises, ao apontar os recursos retóricos de persuasão feitas pelas categorias de avaliatividade, em especial, as implícitas, tenho em mente algumas propostas de Fowler (1991), em sua Linguística Crítica, que apresento a seguir. Nela, fica evidente a importância da noção de escolha, como já foi mencionado na apresentação da LSF. Assim, para Fowler, qualquer aspecto da estrutura linguística carrega significação ideológica - seleção lexical, opção sintática, etc. – todos têm sua razão de ser. 2.11 A Linguística Crítica A análise do discurso crítica é, segundo Fairclough (1992b), uma orientação no estudo da língua que associa a análise do texto linguístico a uma teoria social do funcionamento da língua. Embora Voloshinov tenha estabelecido em fins dos anos vinte os princípios para uma análise crítica, e Firth tenha sugerido por volta de 1935 que a língua é um modo de uma pessoa se comportar, mas também de fazer os outros se comportarem, somente na década passada a orientação crítica começou a se impor. A abordagem crítica inclui a “linguística crítica”, de Fowler et al (1979, 1991), o trabalho de Fairclough sobre linguagem e poder (1989, 1992a, 1992b), a abordagem da análise do discurso desenvolvida por Pêcheux (1982), estudos culturais desenvolvidos mais recentemente (SCANELL, 1991) e os trabalhos sobre linguagem e gênero (CAMERON, 1985, 1990, CALDAS-COUTHARD; COUTHARD, 1996, entre outros). A linguística crítica é uma abordagem que foi desenvolvida por um grupo da Universidade de East Anglia na década de 1970 (FOWLER et al., 1979; KRESS; HODGE, 1979). Eles tentaram casar um método de análise linguística textual com uma teoria social da linguagem em processos políticos e ideológicos, recorrendo à teoria conhecida como Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1994).

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Mais tarde, os linguistas críticos fizeram sua própria crítica do trabalho anterior (KRESS, 1989; FOWLER, 1988a), e alguns membros do grupo envolveram-se muito com o desenvolvimento de uma abordagem um pouco diferente (HODGE; KRESS, 1988; KRESS; THREADGOLD, 1988), que denominam “semiótica social”. Em oposição à linguística crítica, há preocupação com uma variedade de sistemas semióticos, como a linguagem, e com a inter-relação entre linguagem e semiose visual. Os processos discursivos de produção e interpretação textual tornaram-se uma preocupação central, e há mais atenção explícita ao desenvolvimento de uma teoria social do discurso, que se centra em uma tentativa de desenvolver uma teoria do gênero de discurso. A posição padrão dos estudiosos da mídia considera o jornal como sendo um construto que deve ser entendido em termos sociais e semióticos. Todos reconhecem a importância da língua nesse processo de construção, mas na prática, segundo Fowler, a língua recebe um tratamento relativamente pequeno. Por isso, é seu objetivo dar à língua a devida importância, não somente como um instrumento de análise, mas também como um modo de expressar uma teoria geral da representação. O ponto teórico principal na análise de Fowler é de que qualquer aspecto da estrutura linguística carrega significação ideológica. Há sempre modos diferentes de dizer a mesma coisa, e esses modos não são alternativas acidentais. Diferenças em expressão trazem distinções ideológicas (e assim diferenças de representação).

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3 METODOLOGIA Trata-se de uma abordagem qualitativa de análise com base na Linguística Crítica, suplementada por métodos da análise do argumento. O uso da análise do argumento é motivado pelo fato de as disputas políticas – e nesse caso envolvendo questões como o impeachment e os crimes da lava-jato – serem, por natureza, eventos argumentativos conflitantes e competitivos caracterizados por alegações e contra-alegações, por debates acalorados e retórica mordaz. Para tanto, a escolhas léxico-gramaticais feitas na microestrutura do texto são analisadas pela proposta teório-metodológica da Linguística Sistêmico-Funcional. 3.1 Dados O editorial analisado é “O asceta de Garanhuns”, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 21/01/16. O editorial de jornal, explica Reynolds (2000), contextualmente, é reconhecível por seu posicionamento no jornal. É frequentemente colocado numa página central, interna, proeminentemente marcado dos demais, tais como cartas e artigos de opinião. Tem em geral um layout diferenciado e de rotina, desacompanhado de ilustrações, e – mais significativo de tudo – não é assinado. O objetivo do editorial é afirmar a visão do jornal a respeito de algum assunto. Assim, isto parece ser o caso, porque o editorial não é assinado. É também o objetivo do editorial persuadir o leitor sobre o ponto de vista do jornal a respeito da questão em foco. Mas essa noção pode ser demasiado idealística num mundo comercialmente competitivo de guerras de corte de preços, etc. O objetivo do editorial pode ser munir os leitores (os consumidores) de preconceitos, e assim contribuir para manter o hábito do leitor. É nesse ponto que a ideologia entra no editorial, na medida em que como parte de suas funções está a atingir e a confirmar os interesses dos leitores, preocupações e pontos de vista. A ideologia aqui é nas palavras de Thompson (1984:1), “o pensamento de outros” pois é uma interpretação pelo jornal daquilo que o leitor quer ler”.

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Finalmente, em termos (modais) de um discurso mais estreito, a função de um editorial é comentar, via modo argumentativo, os eventos correntes, expressos por meio dos modos narrativos e descritivos. Nas palavras de Vestergaard (2000, p.102):

[...] um artigo prototipicamente de destaque é um texto que descreve um problema corriqueiro, tipicamente político, sugere uma ou duas soluções, e pesa seus méritos relativos à luz de possíveis consequências. O artigo de destaque prototípico será [...] persuasivo ou expositivo, dependendo se contem apelo direto para a adoção da solução propagada.

Em termos do modo textual, o editorial é predominantemente um modo argumentativo fundido com a narrativa e a descrição. A razão para tal fusão deriva da necessidade de apoiar o argumento com evidência. Isso porque a natureza da verdade das afirmações expressas no discurso deve passar pelo seguinte teste: a verdade é verificável literalmente ou não? Se a resposta é “sim”, então é narrativa ou descrição; se “não”, é um argumento, já que se trata do posicionamento do autor. 3.1.1 Análise do contexto situacional ou registro Para diminuir a subjetividade da análise, Goatly (1997) sugere apresentar o contexto situacional de produção do texto, ou registro, em especial, no caso da análise da avaliatividade. Assim, o registro dessas publicidades são respectivamente os seguintes, de acordo com a teoria de Registro, que envolve os itens: Campo (assunto), Relações (os interactantes) e Modo (o tipo de texto: gênero, modalidade, formalidade), como mostra o Quadro 10:

Quadro 10 – O Registro do Editorial CAMPO: O Ex-presidente Lula, em café da manhã em seu instituto, adere à campanha para desmoralizar a Operação Lava Jato, que procura acabar com a impunidade de poderosos corruptos no Brasil. Lula não está oficialmente envolvido nas investigações sobre o assalto generalizado aos cofres públicos, mas, segundo o editorial, o fato inacreditável é que, como presidente da República e dono do PT,

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Lula não tivesse conhecimento do mensalão e do petrolão, que aconteciam sob seu governo. RELAÇÕES: Editorialista do jornal e leitores do jornal, em relação de distância social máxima. Quem assina o texto é o Jornal, quem lê são pessoas, que na sua maioria, são da classe média paulistana e adeptos de partidos ditos de direita, como PSDB, e contra o governo do PT. Texto aparentemente monoglóssico, mas dialoga com o frame do leitor. TEXTUAL: Modalidade escrita, formal, gênero dissertativo-argumentativo.

3.2 Procedimentos de Análise Apresento, inicialmente, o editorial na íntegra e, a seguir, os trechos da argumentação selecionados para a análise são examinados sob a ótica das metafunções da LSF, o que nos dá: (a) a informação sobre o assunto (metafunção ideacional), por meio da análise do sistema da Transitividade, examinando, em cada oração, o tipo de Processo (verbo) e o esquema de casos (Participantes) a ele ligado, além das Circunstâncias que envolvem o evento narrado; (b) o modo retórico com que o autor aborda a informação (metafunção Interpessoal), por meio da análise do sistema da Avaliatividade e da Modalidade.

Para facilitar o acompanhamento da análise, sigo a seguinte codificação:

• Caixa alta – indicação do Processo • Sublinhado – Participantes e Circunstâncias • O participante indicado pelo morfema de pessoa é recuperado entre

parênteses, como por exemplo: (Pirulito) agradeceu num sorriso...

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• Negrito – análise da Avaliatividade e da Modalidade • (+) ou (-) se a Avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente. • (↑) ou (↓) se a Avaliatividade for aguçada ou suavizada

Quadro 11 – Exemplo de análise Nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério Público, nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da Igreja Evangélica. Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido.” Lula [Experienciador] continua ACHANDO [Processo Mental] que o brasileiro [Portador] é idiota [Atributo] [Julgamento (-)].

(c) Após essa análise, segue-se uma Discussão em que as questões retóricas que cercam o argumento são discutidas tendo em vistas o processo persuasivo que se desenrola. O Quadro 12 mostra as teorias e as categorias de análise que sugerem essas questões: OBS.: Os termos técnicos da LSF serão grafados com inicial maiúscula para facilitar a distinção.

Quadro 12 – Teorias e Categorias de análise

A PERSUASÃO EXPLÍCITA E IMPLÍCITA EM EDITORIAIS DE JORNAL

(a) Análise das escolhas léxico-gramaticais Análise crítica sob a perspectiva da Linguística Sistêmico-Funcional

Transitividade e Modalidade/Avaliatividade (Metarrelações) Gênero e Registro

(b) Interpretação da análise PERSUASÃO Meios de persuadir - Frame

ARGUMENTAÇÃO Dialética-Pragmática – Teoria de Toulmin – Falácia – Entimema – Ironia – Papéis do Falante - Apito do cão – Contrabando de Informação

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4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 4.1 Análise do editorial “O asceta de Garanhuns” Apresento, a seguir, o editorial na íntegra:

O Asceta de Garanhuns OESP (21.01.16)

“Se tem uma coisa que eu me orgulho, neste país, é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu. Nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério Público, nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da Igreja Evangélica. Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido.” Lula continua achando que o brasileiro é idiota. Reuniu ontem blogueiros amigos para um café da manhã em seu instituto e, a pretexto de anunciar que vai participar “ativamente” do próximo pleito municipal, aderiu pessoalmente – já o havia feito por intermédio de seu pau-mandado Rui Falcão – à campanha promovida por prósperos advogados e seus clientes, apavorados empresários e figurões da política, para desmoralizar a Operação Lava Jato, que procura acabar com a impunidade de poderosos corruptos. Lula conseguiu escapar penalmente ileso do escândalo do mensalão e, por enquanto, não está oficialmente envolvido nas investigações sobre o assalto generalizado aos cofres públicos. Os dois casos juntam-se numa sequência das ações criminosas que levaram dinheiro sujo para os cofres do PT e aliados e “guerreiros” petistas como José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares para a cadeia. O que é inacreditável é que, como presidente da República e dono do PT, Lula não tivesse conhecimento do mensalão e do petrolão que desfilavam sob seu nariz. Assim, é notável o atrevimento – talvez mais estimulado pelo desespero do que por sua índole de ilusionista – com que o personagem, que ficou rico na política, se apresenta como monopolista das mais prístinas virtudes. Só mesmo alguém empolgado pelo som da própria voz e pelas reações da plateia amiga cairia no ridículo de se colocar como referência máxima e insuperável em matéria de honestidade. “Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido.” Apesar de inebriado com as próprias virtudes, Lula encontrou espaço para a modéstia – infelizmente de braços dados com a mendacidade, que alguns chamam de exagero retórico – ao se referir ao combate à corrupção. Fez questão de dar crédito a sua sucessora, deixando no ar a pergunta sobre a razão pela qual os petistas esperaram oito anos, até que o chefão deixasse a Presidência, para se preocuparem com os corruptos: “O governo criou mecanismos para que nada fosse jogado embaixo do tapete nesse país. A presidente Dilma ainda será enaltecida pelas condições criadas para punir -quem não andar na linha nesse país”. E arrematou, falando sério: “A apuração da corrupção é um bem nesse país”. Lula não se conforma, no entanto, com a mania que os policiais e procuradores têm de o perseguirem, obstinados pela absurda ideia fixa de que ele tem alguma coisa a ver com a corrupção que anda solta por aí: “Já ouvi que delação premiada tem que ter o nome do Lula, senão não adianta”. Ou seja, os homens da Lava Jato ou da Zelotes não vão sossegar enquanto não obrigarem alguém a apontar o dedo para o impoluto Lula. Mas, confiante, o chefão do PT garante que não tem o que temer: “Duvido que tenha um promotor, delegado, empresário que tenha coragem de afirmar que eu me envolvi em algo ilícito”. Lula falou também sobre a fase mais financeiramente próspera de sua carreira política, quando, depois de ter deixado o governo, na condição de ex-presidente faturou alto com palestras aqui e no exterior patrocinadas por grandes empresas. Explicou que é comum ex-chefes de governo serem contratados para transmitir suas experiências ao mundo. Quanto a palestrar no exterior para levantar a bola de

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empreiteiras que para isso lhe pagam regiamente, Lula tem a explicação que só os mal-intencionados se recusam a aceitar: “As pessoas deveriam me agradecer. O papel de qualquer presidente é vender os serviços do seu país. Essa é a coisa mais normal em um país”. De fato, é muito louvável que um ex-presidente da República se valha de seu prestígio para “vender” os serviços e produtos de grandes empresas brasileiras aptas a competir no mercado internacional. Resta definir quando essa benemerência se transforma em tráfico de influência. Nesse país”, porém, qualquer um que manifeste dúvidas em relação à absoluta integridade moral do asceta de Garanhuns é insano ou mal-intencionado.” 4.1.1 Análise de Gênero Retomo a sugestão de Lee (2008) de que, do ponto de vista linguístico, a ausência da consciência da audiência manifesta-se por meio de problemas relacionados com o componente estrutural, e passo a analisar a estrutura do gênero editorial, em estágios e finalidades, seguindo o esquema seguinte:

Quadro 13 – Estágios genéricos segundo Martin/Hoey/Porta SITUAÇÃO PROBLEMA

HIPÓTESE DE SOLUÇÃO ARGUMENTOS

TESE/AVALIAÇÃO

O Asceta de Garanhuns

OESP (21.01.16)

Estágios e Finalidades

(1º. estágio) “Se tem uma coisa que eu me orgulho, neste país, é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu. Nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério Público, nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da Igreja Evangélica. Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido.” Lula continua achando que o brasileiro é idiota. Reuniu ontem blogueiros amigos para um café da manhã em seu instituto e, a pretexto de anunciar que vai participar “ativamente” do próximo pleito municipal, aderiu pessoalmente – já o havia feito por intermédio de seu pau-mandado Rui Falcão – à campanha promovida por prósperos advogados e seus clientes, apavorados empresários e figurões da política, para desmoralizar

Situação Lula e PT contra a Operação Lava Jato

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a Operação Lava Jato, que procura acabar com a impunidade de poderosos corruptos. (2º. estágio) Lula conseguiu escapar penalmente ileso do escândalo do mensalão e, por enquanto, não está oficialmente envolvido nas investigações sobre o assalto generalizado aos cofres públicos. Os dois casos juntam-se numa sequência das ações criminosas que levaram dinheiro sujo para os cofres do PT e aliados e “guerreiros” petistas como José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares para a cadeia.

Problema Lula escapa penalmente

ileso

(3º. estágio) O que é inacreditável é que, como presidente da República e dono do PT, Lula não tivesse conhecimento do mensalão e do petrolão que desfilavam sob seu nariz. Assim, é notável o atrevimento – talvez mais estimulado pelo desespero do que por sua índole de ilusionista – com que o personagem, que ficou rico na política, se apresenta como monopolista das mais prístinas virtudes.

Argumento

Lula alega desconhecer as falcatruas

(4º. estágio) Só mesmo alguém empolgado pelo som da própria voz e pelas reações da plateia amiga cairia no ridículo de se colocar como referência máxima e insuperável em matéria de honestidade. “Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido.”

Argumento

Lula alega honestidade

(5º. estágio) Apesar de inebriado com as próprias virtudes, Lula encontrou espaço para a modéstia – infelizmente de braços dados com a mendacidade, que alguns chamam de exagero retórico – ao se referir ao combate à corrupção. Fez questão de dar crédito a sua sucessora, deixando no ar a pergunta sobre a razão pela qual os petistas esperaram oito anos, até que o chefão deixasse a Presidência, para se preocuparem com os corruptos: “O governo criou mecanismos para que nada fosse jogado embaixo do tapete nesse país. A presidente Dilma ainda será enaltecida pelas condições criadas para punir quem não andar na linha nesse país”. E arrematou, falando sério: “A apuração da corrupção é um bem nesse país”.

Argumento Lula alega que o

PT criou mecanismos

para combater a corrupção.

(6º. estágio) Lula não se conforma, no entanto, com a mania que os policiais e procuradores têm de o perseguirem, obstinados pela absurda ideia fixa de que ele tem alguma coisa a ver com a corrupção que anda solta por aí: “Já ouvi que delação premiada tem que ter o nome do Lula, senão não adianta”. Ou seja, os homens da Lava Jato ou da Zelotes não vão sossegar enquanto não obrigarem alguém a apontar o dedo para o impoluto Lula. Mas, confiante, o chefão do PT garante que não tem o que temer: “Duvido que tenha um promotor, delegado, empresário que tenha coragem de afirmar que eu me envolvi em algo ilícito”.

Argumento Lula alega que tem sido perseguido.

(7º. estágio) Lula falou também sobre a fase mais financeiramente próspera de sua carreira política, quando, depois de ter deixado o governo, na condição de ex-presidente faturou alto com palestras aqui e no exterior patrocinadas por grandes empresas. Explicou que é comum ex-chefes de governo serem contratados para transmitir suas experiências ao mundo. Quanto a palestrar no exterior para levantar a bola de empreiteiras que para isso lhe pagam regiamente, Lula tem a explicação que só os mal-intencionados se recusam a aceitar: “As

Argumento

Lula alega que deixou o país

próspero e que enriqueceu

graças às suas palestras.

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pessoas deveriam me agradecer. O papel de qualquer presidente é vender os serviços do seu país. Essa é a coisa mais normal em um país”. (8º. estágio) De fato, é muito louvável que um ex-presidente da República se valha de seu prestígio para “vender” os serviços e produtos de grandes empresas brasileiras aptas a competir no mercado internacional. Resta definir quando essa benemerência se transforma em tráfico de influência.

Avaliação

Benemerência ou tráfico de influência?

(9º. estágio) Nesse país”, porém, qualquer um que manifeste dúvidas em relação à absoluta integridade moral do asceta de Garanhuns é insano ou mal-intencionado.”

Sem solução?

Somos nós os insanos?

4.1.1.1 Discussão da Análise de gênero A análise de gênero mostra que o editorial “O asceta de Garanhuns” apresenta uma estrutura genérica constituída por nove estágios, como mostro a seguir: SITUAÇÃO: O editorial aproveita-se das palavras de Lula, ao se proclamar ser a alma mais honesta do mundo, para criar um contexto situacional em que apresenta sua campanha promovida por prósperos advogados e seus clientes, apavorados empresários e figurões da política. Tudo isso para desmoralizar a Operação Lava Jato, que procura acabar com a impunidade de poderosos corruptos. Assim, construído o contexto, o editorial apresenta o problema. PROBLEMA: Lula tem conseguido escapar penalmente ileso de vários escândalos como o escândalo do mensalão, as investigações de assalto aos cofres públicos, que levaram dinheiro sujo aos cofres do PT e aliados petistas para a cadeia. HIPÓTESE DE SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA: Não está explícita.

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ARGUMENTOS: Seguem-se, então, cinco argumentos para comprovar o Problema reivindicado pelo editorial. Em termos da teoria de Toulmin4, são os dados que comprovam a veracidade da reivindicação feita, ou seja, a caracterização do problema. E esses dados devem apresentar a garantia que, no caso, são os argumentos expostos a seguir. Ou seja, uma vez garantidos os dados que apoiam a reivindicação, a proposta de solução (no caso, implícita) pode surgir como consequência desse fato, como veremos no final desta discussão. (a) Lula nega ter conhecimento de fatos que “desfilaram sob seu nariz”, o que parece ser impossível, já que tudo aconteceu em seu ambiente; (b) Lula alega honestidade. Fato difícil de acreditar, já que estava cercado por aqueles que hoje estão na prisão; (c) Lula alega que o PT criou mecanismos de combate à corrupção. Ocorre que esses mecanismos surgiram quando todo o esquema de corrupção foi descoberto, no governo de Dilma; (d) Lula alega que é perseguido. Assim deve sentir, pois está cercado de pessoas que a qualquer momento podem fazer delações premiadas; (e) Lula alega que deixou o país próspero e que, se enriqueceu, foi graças às suas palestras divulgando o País no exterior. O montante do que recebeu por essas palestras ficam longe do imenso rombo financeiro causado à Petrobrás, por exemplo. Segundo Toulmin (2006), a argumentação é uma prática discursiva essencialmente dialógica: reivindicação e desafio, reivindicação e contra-reivindicação, são prototipicamente realizados de forma dialógica. É o que acontece nessas cinco fases da argumentação: ora é a voz de Lula, ora é a voz do editorial, que no final, fazem vencer as reivindicações fundadas em dados que contam com a necessária garantia. AVALIAÇÃO: Resta definir, argumenta o editorial, quando essa benemerência se transforma em tráfico de influência. Assim avalia as reivindicações de Lula, sem garantia de dados que as amparem. 4 Teoria de Toulmin: Reivindicação – Dados – Garantia – Qualificação – Refutação – Apoio.

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SOLUÇÃO?: Nesse país, porém, “qualquer um que manifeste dúvidas em relação à absoluta integridade moral do asceta de Garanhuns é insano ou mal-intencionado”, Qualificação do editorial, que assim termina o texto. Parece não haver solução. Porém, esse último estágio parece mostrar que, diante dos argumentos apresentados, não há, na situação corrente, uma solução para o problema. Mas o editorial, escrito em janeiro de 2016, deixa evidente a gravidade da situação que envolvia o Brasil nessa data. E, sem apresentar nitidamente a Solução para o problema reivindicado, o editorial aponta, na sua subjacência, os responsáveis, cujos nomes são facilmente recuperados pelo leitor, já que presentes no seu frame, e que deveriam ser condenados pela justiça do país. Esta é a proposta de solução/reivindicação, implicitamente apontada pelo editorial. 4.1.2 Análise das Metafunções5 Feita a análise estrutural da argumentação, passo a examinar as escolhas léxico-gramaticais feitas na microestrutura do texto para captar a macroestrutura das relações de poder e da ideologia presentes no discurso.

O Asceta de Garanhuns

ESP 21.01.16

Comentário: O título soa à ironia, reunindo “asceta” e “Garanhuns”, isto é, uma pessoa dedicada a práticas de devoção e penitência e uma cidadezinha modesta, sem grandes pretensões. O leitor imediatamente reconhece Lula como sendo o asceta de Garanhuns, bem como já consegue antever o teor do editorial, devido ao frame que tem em mente, decifrando a informação que lhe vem por meio

5 Nos estágios mais longos, fizemos a análise dividindo-os em algumas partes, tentando, assim, facilitar a leitura.

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do apito do cão (COFFIN; O'HALLORAN, 2006), a informação acessível ao público “alvo”.

Primeiro Estágio: Situação “Se tem uma coisa que eu me orgulho [Julgamento (-) token], neste país, é que não tem uma viva alma mais honesta [Julgamento (-) token] do que eu [Portador]. Nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério Público, nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da Igreja Evangélica [Circunstância]. Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido.”

Comentário: O editorial inicia o texto, na voz do Animador, com uma declaração de Lula, na voz de autor da fala (GOFFMAN, 1998, declaração que pode ser considerada irônica devido ao contexto do momento, em que ele é avaliado exatamente por sua desonestidade. Trata-se do recurso do “apito do cão”, uma forma implícita de avaliação, em que significados aparentemente neutros, podem ser interpretados como uma mensagem negativa devido ao frame, do interlocutor. Notemos o exagero dessa declaração, em engajamento monoglóssico, expresso no participante circunstância: Nem dentro da PF [...] mas mais do que eu, duvido.”, que é citado pelo editorial não sem uma boa razão, como veremos.

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Lula [Experienciador] continua [Modalidade de Frequência] ACHANDO [Mental] que o brasileiro [Portador] é idiota [Atributo] [Julgamento (-)].

Comentário: Por meio do discurso relatado - meio pelo qual representa-se, abertamente, os enunciados de outro discurso, o editorial expressa a suposta opinião de Lula sobre o brasileiro, já o faz com o uso de processo mental “acha”. Esse processo tem o efeito de legitimizar (não legitimar) (REYES, 2011) um fato que na realidade não ocorreu, servindo, no caso, para conseguir a adesão do leitor. A atribuição a Lula dá ideia de “achar que o brasileiro é idiota” pode sugerir sutilmente que o petista não está enxergando a realidade.

Reuniu ontem blogueiros [Meta] [Avaliação Social (-)] amigos para um café da manhã em seu instituto [Circunstância] [Avaliação Social (-) token] e, a pretexto [Circunstância] [Apreciação (-)] de anunciar que vai participar “ativamente” do próximo pleito municipal, aderiu pessoalmente – já o havia feito por intermédio de seu pau-mandado [Julgamento (-)] Rui Falcão – à campanha promovida por prósperos advogados [Avaliação Social (-) token] e seus clientes, apavorados empresários [Avaliação Social (-)] e figurões da política [Avaliação Social (-)], para DESMORALIZAR [Material] [Avaliação Social (-)] a Operação Lava Jato [Meta] [Avaliação Social (+)], que procura [Modalização de Probabilidade] ACABAR [Material] [Avaliação Social (+)] com a impunidade [Meta] [Avaliação Social (-)] de poderosos corruptos [Avaliação Social (-)].

DISCUSSÃO SOBRE O PRIMEIRO ESTÁGIO: Após relatar a fala de Lula e expressar sua opinião, o editorial passa a avaliar todos os atos aí descritos, todas as pessoas envolvidas com o ex-presidente, os quais recebem avaliatividade negativa, e mesmo as que em outra situação seriam positivas, são sentidas como negativas, via tokens de atitude (avaliatividade

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implícita, recuperada pelo contexto). Notemos o editorial lançar mão do modo textual de narração, que por sua característica de poder ser verificada, pode emprestar veracidade à argumentação, não sem acrescentar aqui e ali as opiniões do jornal por meio de avaliações sociais negativas. Pode-se notar a presença do entimema, um silogismo abreviado, um tipo específico de significado implícito, um argumento incompleto ao qual a audiência provê inconscientemente a premissa que falta (a 1ª.) e a conclusão, como mostro a seguir:

1ª. premissa: Todo aquele envolvido em situações e com pessoas criminosas é culpado 2ª. premissa: Lula está envolvido em situações e com pessoas criminosas. Conclusão: Ele é culpado.

Segundo Estágio: Problema Lula [Ator] CONSEGUIU [Modalidade de Probabilidade] ESCAPAR [Material] [Meta] [Julgamento (-) token] penalmente ileso [Circunstância] [Julgamento (-)] do escândalo do mensalão [Avaliação Social (-)] e, por enquanto [Circunstância] [Avaliação Social (-) token], (Lula) não ESTÁ [Relacional] oficialmente [Circunstância] envolvido [Atributo] [Julgamento (-)] nas investigações sobre o assalto generalizado [Avaliação Social (-)] aos cofres públicos [Circunstância] [Avaliação Social (-) token].

Comentário: O editorial afirma que “Lula conseguiu escapar penalmente ileso”, mas a seguir cita os fatos em que poderia ter estado ligado, descritos com avaliatividade negativa como “escândalo”, “assalto generalizado aos cofres públicos”, com os quais a mídia tem envolvido os petistas quase que diariamente. Observa-se aqui o fenômeno do “contrabando de informação”, em que a menção de

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alguns itens lexicais (tais como “Lula”, “petista”) desencadeiam no frame do leitor uma vasta carga de informação negativa.

Os dois casos [Ator] JUNTAM-SE [Material] numa sequência das ações criminosas [Circunstância] [ Julgamento (-)] que LEVARAM [Material] dinheiro sujo [Avaliação Social (-)] para os cofres do PT [Avaliação Social (-) token] e aliados [Avaliação Social (-) token] e “guerreiros” petistas [Julgamento (-) token] como José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares para a cadeia [Avaliação Social (-)].

Comentário: Mesmo Lula tendo saído “ileso”, o editorial continua a enumerar fatos criminosos e pessoas do governo do ex-Presidente, envolvidas em escândalos sobre assalto aos cofres públicos, tentando, assim, envolver Lula nessas falcatruas.

DISCUSSÃO SOBRE O SEGUNDO ESTÁGIO: As ações que envolvem Lula e o PT recebem avaliação negativa explícita e implícita (token). O editorialista conta com o frame do leitor para insinuar as ações criminosas do PT, trazendo para o texto expressões como “‘guerreiros’ petistas”, que em outras circunstâncias poderia ser classificado como uma avaliação social positiva. Algumas escolhas léxico-gramaticais denotam o cuidado do editorial em fazer algumas reinvindicações, tais como: “não está por enquanto”, “não está oficialmente envolvido”, embora incluam, mesmo assim, as falcatruas relacionadas a esses termos. De qualquer modo, esteja ou não Lula envolvido nesses crimes, o fato é que várias avaliatividades negativas vão aos poucos criando – pelo processo prosódico (a avaliação geral é a soma de avaliações particulares) um quadro extremamente desfavorável ao quadro do PT. Em termos de prosódia da avaliatividade, observa-se o processo da metarrelação, em que a avaliação é tecida sucessivamente no decorrer do texto. O leitor é exposto a variadas situações

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avaliativas que ora se confirmam, ora se opõem, ora se transformam (MACKEN-HORARIK, 2003), por meio das quais vai construindo a sua interpretação do texto. A metarrelação contribui implicitamente no processo persuasivo fazendo o leitor concluir pela culpabilidade, no caso, de Lula.

Terceiro Estágio: Argumento O que é inacreditável [Apreciação (-) token] é que, como presidente da República e dono [Julgamento (-) token] do PT, Lula [Experienciador] não tivesse CONHECIMENTO (= conhecesse) [Mental] do mensalão e do petrolão [Fenômenos] [Avaliação Social (-)] que DESFILAVAM [Material] sob seu nariz [Circunstância] [Julgamento (-)].

Comentário: Iniciam-se a fase da argumentação composta de cinco etapas. Nesta primeira, o editorial diz ser “inacreditável” a alegação de Lula de desconhecer fatos que aconteceram à sua volta, em seu governo.

Assim, é notável [Graduação (↑)] o atrevimento [Julgamento (-)] – talvez [Modalização de Probabilidade] mais estimulado pelo desespero [Afeto (-) ] do que por sua índole de ilusionista [Julgamento (-) token] – com que o personagem [Julgamento (-) token], que [Ator] ficou rico (= enriqueceu) [Existencial] [ Julgamento (-) token] na política [Circunstância] [Avaliação Social (-) token], se APRESENTA [Material] como monopolista [Julgamento (-)] das mais prístinas [Graduação (↑)] virtudes [Julgamento (-) token].

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Comentário: Para justificar o epíteto “inacreditável” relativo às declarações de Lula, o editorial passa a enumerar fatos avaliados negativamente que tendem a mostrar o petista carente de equilíbrio emocional de dois tipos: de desespero (diante da possibilidade de ser envolvido por alguma delação premiada) ou de ilusão (julgando-se extremamente virtuoso).

DISCUSSÃO DO TERCEIRO ESTÁGIO: Neste estágio, o editorial acrescenta mais uma avaliatividade de julgamento negativo calcado nas declarações de Lula, e o apresenta como alguém carente de raciocínio lógico, premido pelo desespero e pelo devaneio. É mais uma etapa do processo de metarrelação, que, aos poucos, somando as várias avaliatividades negativas, constroem o perfil do petista. Poder-se-ia explicar esse fato pela falácia do argumentum ad verecundiam, segundo a qual tendemos a aceitar a opinião da voz envolta por autoridade, com o é o caso de um editorial.

Quarto Estágio: Argumento Só mesmo alguém [Meta (de empolgar) e Ator (de cair)] empolgado pelo som da própria voz e pelas reações da plateia amiga [Julgamento (+)] CAIRIA [Material] no ridículo [Circunstância (+) Julgamento (-) ] de se colocar como referência máxima [Julgamento (+) Força (↑)] e insuperável [Julgamento (+) Força (↑)] em matéria de honestidade [Julgamento (+)]. “Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido.”

DISCUSSÃO DO QUARTO ESTÁGIO: A argumentação insiste em criar uma imagem de Lula como a de uma pessoa iludida e empolgada, que não vê a realidade além do que mostra a

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sua própria voz e a dos amigos. Notemos que “alguém” (ou seja, Lula) é meta de EMPOLGAR, ou seja, é vítima de si mesmo, e é ator de CAIR, na expressão “cair no ridículo”, que nos remete a ideia de pessoa cujo o comportamento está fora do convencionalmente aceito, que tem pouco valor moral, insignificante.

Quinto Estágio: Argumento Apesar de inebriado [Julgamento (-) token] com as próprias virtudes [Julgamento (-) token], Lula [Ator] ENCONTROU [Material] espaço para a modéstia – infelizmente [ Afeto (-)] de braços dados com a mendacidade [Julgamento (-) ], que alguns chamam de exagero retórico [Julgamento (-) Força (↑)] – ao se [Dizente] REFERIR [Verbal] ao combate à corrupção. Fez questão de dar crédito a sua sucessora, deixando no ar a pergunta sobre a razão pela qual os petistas esperaram oito anos, até que o chefão [Ator] [Julgamento- token] DEIXASSE [Material] a Presidência, para se [Experienciador] PREOCUPAREM [Mental] com os corruptos [Julgamento (-)]: “O governo criou mecanismos para que nada fosse jogado embaixo do tapete nesse país. A presidente Dilma ainda será enaltecida pelas condições criadas para punir quem não andar na linha nesse país”. E arrematou, falando sério: “A apuração da corrupção é um bem nesse país”.

DISCUSSÃO DO QUINTO ESTÁGIO: Na mesma linha percorrida até aqui, o editorial, escolhendo o termo “inebriado” reforça a ideia da existência de incoerência nas declarações de Lula. Neste estágio, acrescenta a estranheza que causa a espera de oito anos para, finalmente, para iniciar o combate à corrupção. Assim, o editorial tece a argumentação alternando o comportamento de modéstia de Lula, atribuindo a Dilma a apuração da corrupção, mas ressaltando o caráter hipócrita desse fato; ou salientando a saída do “chefão” da Presidência para que esse combate tivesse lugar, o que sugere que não havia interesse de Lula para dar início ao processo.

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Sexto Estágio: Argumento Lula [Experienciador] não se CONFORMA [Mental], no entanto, com a mania [Julgamento (-) token] que os policiais e procuradores [Portadores] TÊM [Relacional] de o perseguirem, obstinados pela absurda [Julgamento (-)] ideia fixa [Julgamento (-)] de que ele [Portador] TEM [Relacional] alguma coisa a ver com a corrupção [Julgamento (-)] que anda solta por aí: “Já ouvi que delação premiada tem que ter o nome do Lula, senão não adianta”. Ou seja, os homens [Experienciador] da Lava Jato ou da Zelotes não VÃO SOSSEGAR [Mental] enquanto (os homens) [Ator] não OBRIGAREM [Material] alguém [Ator] a APONTAR [Material] o dedo para o impoluto [Jugamento (-) token] Lula. Mas, confiante, o chefão [Dizente] [Julgamento- token] do PT GARANTE [verbal] que não tem o que temer: “Duvido que tenha um promotor, delegado, empresário que tenha coragem de afirmar que eu me envolvi em algo ilícito”.

DISCUSSÃO DO SEXTO ESTÁGIO: O exame da persuasão na linha seguida pelo editorial para incriminar Lula, conforme vem fazendo até aqui, parece preferir mostrá-lo, como alguém que se faz de inocente, como alguém deslocado no meio das investigações policiais que, dia a dia, vão conseguindo delações premiadas que se aproximam do centro, local em que ele se encontra. Para tanto, as avaliatividades recorrem a escolhas de julgamento negativo (“absurda”, “ideia fixa”) para assim caracterizá-lo. Lula coloca-se como vítima dos homens da Lava Jato, mas garante em engajamento monoglóssico que jamais será acusado de ato ilícito. Porém, essa face de vítima inocente foi precedida por vários fatos altamente negativos à imagem do petista, o que faz soar este estágio como uma tentativa implícita do editorial em, assim fazendo, mostrar o absurdo da situação. Lula, cercado de evidências criminosas, mas ainda acreditando que sempre escapará ileso. Ele julga, ainda, que pode apoiar-se na falácia do argumentum ad verecundiam, pelo qual as pessoas tendem a seguir as declarações de uma

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autoridade. Os fatos aqui amparados no modo textual de narração, tendem a justificar a imagem de Lula como um homem em estado de desespero, tentando ainda manipular os adversários.

Sétimo Estágio: Argumento

Lula [Dizente] FALOU [Verbal] também sobre a fase mais financeiramente próspera [Julgamento (-) token] de sua carreira política, quando, depois de ter deixado o governo, na condição de ex-presidente, FATUROU [Material] alto [Julgamento (-) token – Força (↑)] com palestras aqui e no exterior patrocinadas [Julgamento (-) token] por grandes empresas. (Lula) EXPLICOU [Verbal] que é comum ex-chefes de governo serem contratados para transmitir suas experiências ao mundo. Quanto a palestrar no exterior para LEVANTAR [Material] a bola [Julgamento (-) token] de empreiteiras que para isso lhe (empreiteiras) PAGAM [Material] regiamente [Julgamento (-) token], Lula TEM A EXPLICAÇÃO [Verbal] que só os mal-intencionados [Ator] [Julgamento (-)] se RECUSAM [Material] a ACEITAR [Material]: “As pessoas deveriam me agradecer. O papel de qualquer presidente é vender os serviços do seu país. Essa é a coisa mais normal em um país”.

DISCUSSÃO DO SÉTIMO ESTÁGIO: O editorial introduz, então, outra questão que tem sido divulgado pela mídia e que trata da fortuna que Lula teria acumulado nesses anos. A explicação de Lula aponta para as palestras a que foi convidado após deixar a Presidência. Para quem acompanha a mídia sobre os escândalos da Lava Jato, da Zelotes e outros, fica difícil igualar a diferença que cerca as fortunas envolvidas entre que envolvem as palestras e os escândalos investigados.

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Sem discutir esse fato, o editorial limita-se a novamente citar as palavras de Lula: “As pessoas deveriam me agradecer. O papel de qualquer presidente é vender os serviços do seu país. Essa é a coisa mais normal em um país”, deixando para o leitor a conclusão.

Oitavo Estágio: Avaliação De fato [Afeto (+)], é muito louvável [Julgamento (+) Força (↑)] que um ex-presidente da República [Ator] se VALHA [Material] de seu prestígio para VENDER [Material] os serviços e produtos de grandes empresas brasileiras aptas a competir no mercado internacional. RESTA [Mental] DEFINIR [Mental] quando essa benemerência [Julgamento (-) token] se TRANSFORMA [Material] em tráfico de influência [Julgamento (-)].

DISCUSSÃO DO OITAVO ESTÁGIO: O editorial inicia o estágio, concordando com Lula, por meio de Avaliatividades positivas, as quais, porém, pelo apito do cão, soa irônico para o leitor. O editorial termina o estágio, adivinhando o pensamento do leitor, com escolhas de processos Mentais “resta” e “definir”, que estabelecem a diferença entre “benemerência” que Lula julga estar prestando ao País, e “tráfico de influência”, o que de fato estaria acontecendo.

Nono Estágio: Solução?

Nesse país, porém, qualquer um [Portador] que (qualquer um) [Ator] MANIFESTE [ Material] dúvidas em relação à absoluta integridade moral [Julgamento (-) token Força

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(↑)] do asceta de Garanhuns É [Relacional] insano ou mal-intencionado [Julgamento (-)].”

DISCUSSÃO DO NONO ESTÁGIO: O editorialista nos faz entender que estamos vivendo uma ditadura ideológica, em que ninguém pode expressar, contestar e questionar as ações do governo. Assim, o leitor é persuadido pela legitimização da emoção pelo medo a entender que não há solução para corrupção porque o governo não dá espaço para a voz da justiça. E nesse clima em que se misturam termos como “insano” e “mal-intencionado” que podem ser, de acordo com a argumentação que vinha sendo desenvolvida, aplicadas não ao povo, sua vítima, mas ao “chefão”. Nesse contexto criado pelo editorial, o leitor só pode chegar à conclusão insinuada pelo discurso: a Solução é a de não mais deixar Lula “escapar ileso”, pois ele é culpado, ele é o mentor dos escândalos que têm abalado a Nação. 4.1.3 Discussão geral dos resultados A pesquisa visa a responder as seguintes perguntas: (a) como é a estrutura de uma argumentação: como começa, como é percebida, desenvolvida e como termina? (b) que papel exerce a avaliatividade na persuasão que percorre o editorial? (c) como é feita a persuasão implícita? O editorial “O asceta de Garanhuns”, após este título que faz o leitor identificar o “asceta” com Lula, graças ao seu frame, em que a cidade de Garanhuns, talvez nunca citada em aulas de geografia, traz hoje imediatamente a figura do ex-presidente, inicia a tentativa de envolver Lula nos escândalos da Lava Jato, Zelotes e outros, diariamente presentes na mídia do País e do Exterior. Em relação ao problema (Lula escapa ileso das acusações), o editorial parece não apresentar a proposta de solução ao problema, ou hipótese, no estágio adequado do esquema Martin/Hoey/Porta. Assim, os cinco estágios de argumentação visam a examinar os fatores que constituem o problema: (a) Lula nega fatos que aconteceram “sob seu nariz”; (b) Lula, cercado de investigados pela PF, que portam avaliatividade negativa, alega honestidade; (c) Lula diz que combateu a corrupção (embora oito anos

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depois de seu governo); (d) Lula se diz vítima de perseguição; e (e) Lula afirma que sua fortuna decorre de suas palestras após seu governo. A análise dos estágios do gênero editorial, acrescenta a esses estágios, a avaliação da atuação de Lula e, finalmente, apresenta a solução que faltava, na forma de “não-solução”, deixando a cargo do leitor apontas a verdadeira solução. A vantagem do esquema de gênero, distinguindo estágios e suas finalidades, é um recurso que atende as exigências da mente humana, pois coloca uma ordem na explicação de uma ocorrência, estabelecendo (repito aqui o Quadro 13):

Quadro 13 – Estágios genéricos segundo Martin/Hoey/Porta SITUAÇÃO PROBLEMA

HIPÓTESE DE SOLUÇÃO ARGUMENTOS

TESE/AVALIAÇÃO Assim é que, no caso da presente análise, a inserção implícita da solução é percebida mesmo não sendo apresentada no terceiro estágio, seu lugar pré-estabelecido. Quanto à argumentação, o editorial mescla o comportamento de Lula, cercado de petistas investigados pela PF e entregando delações premiadas, entre ousadia ao extremo de suas declarações que o coloca como um homem que constrói para si um mundo irreal e o “desespero” de ver aproximar-se o círculo que poderá fechar sobre si. As avaliatividades negativas contribuem para compor esse quadro, tornando difícil acreditar que Lula tenha trabalhado em prol da riqueza do País, lutando sempre contra a corrupção que invade o Brasil. As metarrelações, somando essas avaliatividades ao longo da argumentação, constroem uma imagem de Lula que dificilmente o livram de escapar ileso futuramente. O editorial, sem poder apontar e afirmar claramente o mentor das ações criminosas, espera do leitor – pertencente ao segmento específico do jornal O Estado de São Paulo, e já devidamente formatado pelas opiniões cotidianas do jornal, é facilmente persuadido pelas opiniões aí contidas. E dessa forma, de maneira implícita, tendo em vista o frame do leitor, as

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escolhas enviesadas das declarações de Lula e o clima policial de prisões e delações premiadas, amparado por avaliatividades negativas, o jornal por meio do editorial dá a cartada final, deixando ao leitor apontar a solução deixada implícita.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A conclusão desta dissertação nos leva a perceber a relevância que a Linguística Sistêmico-Funcional, de Halliday (1985; 1994) e de seus colaboradores, e suas teorias complementares têm para análise da Persuasão e de que forma essas teorias podem suprir ou preencher os vácuos deixados por outras análises linguísticas mais genéricas. As análises dão base para que sejam respondidas as perguntas que sustentam essa pesquisa, a saber:

(a) como é a estrutura de uma argumentação: como começa, como é percebida, desenvolvida e como termina?

(b) que papel exerce a avaliatividade na persuasão que percorre o editorial?

(c) como é feita a persuasão implícita? Por meio dos resultados, constata-se que a persuasão implícita ocorre na camada subjacente do texto, e que para a sua revelação é necessário o enfoque na relação entre as escolhas léxico-gramaticais feitas na microestrutura do texto com os valores que se encontram na macroestrutura do discurso. No que diz respeito a primeira pergunta, o editorial não apresenta uma proposta aparente de solução do problema no estágio adequado do esquema, segundo Martin/Hoey/Porta. Quanto à argumentação, o texto envolve o comportamento de Lula, cercado de petistas investigados pela PF e entregando delações premiadas, entre ousadia ao extremo de suas declarações que o coloca como um homem que constrói para si um mundo irreal e o “desespero” de ver aproximar-se o círculo que poderá fechar sobre si. A narração e a descrição constituem a argumentação, constituída de escolhas lexicogramaticais relacionadas a transitividade, realizadas por processos relacionais, mentais, materiais e avaliações negativas sobre Lula, PT e seus aliados. A segunda pergunta pode ser respondida ao concluir que a persuasão se dá, principalmente, pela inserção da Avaliatividade implícita por meio de recursos como ironia, contrabando de informações, Apito do cão, tokens de julgamento e avaliação. Neste editorial analisado, a Avaliatividade se dá, prioritariamente, de forma implícita,

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sendo que os recursos persuasivos não podem ser facilmente evidenciados, se o leitor não compartilhar do mesmo Frame do editorialista. No que concerne a terceira pergunta, conclui-se que a ironia mascara a opinião e a narração/descrição criam um efeito de neutralidade ao texto, como se o autor fosse um mero observador sem filtros ideológicos, sem pontos de vista, etc. Assim, o terreno fica livre para o autor impor sua ideia, fazendo o leitor pensar que compartilha da mesma tese do jornal e criando a imagem que quiser sobre o fato, o que propicia a persuasão. A persuasão implícita fica evidente quando é feita a análise das avaliações e se verifica que os tokens, que são avaliações implícitas, tem presença marcante e em maior quantidade no texto. A pesquisa e os resultados obtidos foram significativos para mim, uma vez que, com base nelas, desenvolvi um trabalho em sala de aula, o que aumentou a proficiência dos estudantes do Ensino Médio em produção textual e em interpretação de textos opinativos. Isso comprova o quanto a Linguística Sistêmico-Funcional é relevante para o desenvolvimento do trabalho com produção textual e interpretação de textos opinativos. E isso foi viável porque a LSF oferece uma abordagem muito significativa em termos de estudos gramaticais. Unir a Linguística a propósitos pedagógicos mostra a grande relevância desta pesquisa para Linguística Aplicada. Desejo que esse trabalho possibilite e dê suporte para que surjam novas pesquisas, que complementem esta, a fim de ampliar a discussão sobre o assunto aqui tratado. Espero ter correspondido aos propósitos da Pontifícia Universidade Católica, da Linguística Aplicada Estudos da Linguagem e do CNPq, que fomentou esta dissertação e possibilitou sua feitura.

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