ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA - FGV DIREITO...

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GRADUAÇÃO 2017.1 ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA GRANDE EMPRESA AUTOR: JOÃO PEDRO BARROSO DO NASCIMENTO COLABORADORES: AMANDA PERES FERNANDES (Graduação FGV Direito Rio – 2016.2); ANA CAROLINA MELMAN (Graduação FGV Direito Rio – 2014.2); PEDRO ARMANDO CASTELAR PINHEIRO (Graduação FGV Direito Rio – 2014.1); LARISSA CAMPOS (Graduação FGV Direito Rio – 2018.2)

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GRADUAÇÃO 2017.1

ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA

GRANDE EMPRESAAUTOR: JOÃO PEDRO BARROSO DO NASCIMENTO

COLABORADORES: AMANDA PERES FERNANDES (Graduação FGV Direito Rio – 2016.2); ANA CAROLINA MELMAN (Graduação FGV Direito Rio – 2014.2); PEDRO ARMANDO CASTELAR PINHEIRO

(Graduação FGV Direito Rio – 2014.1); LARISSA CAMPOS (Graduação FGV Direito Rio – 2018.2)

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SumárioOrganização Jurídica da Grande Empresa

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3

AULA 1: A ERA DAS GRANDES EMPRESAS .................................................................................................................. 6

AULA 2: SOCIEDADE ANÔNIMA: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, NOÇÕES GERAIS E CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS............................... 14

AULAS 3 E 4: COMPANHIA ABERTA E FECHADA. MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS — CVM. NOÇÕES GERAIS. ................................................................................. 25

AULAS 5 E 6: AÇÕES E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS. .............................................................................................. 45

AULA 7: CAPITAL SOCIAL. .................................................................................................................................... 54

AULA 8 E 9: ASSEMBLEIA GERAL. ........................................................................................................................... 70

AULAS 10 E 11: ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS: CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E DIRETORIA. ................................................ 80

AULA 12: CONSELHO FISCAL. ................................................................................................................................ 94

AULAS 13 E 14: LUCROS, RESERVAS E DIVIDENDOS. ................................................................................................. 100

AULAS 15 E 16: ACIONISTAS E ACIONISTA CONTROLADOR. ......................................................................................... 106

AULAS 17 E 18: SOCIEDADES COLIGADAS, CONTROLADAS E CONTROLADORAS. RESPONSABILIDADE. GRUPOS DE SOCIEDADES. SUBSIDIÁRIA INTEGRAL. ................................................................................................. 128

AULAS 19 E 20: ALIENAÇÃO E AQUISIÇÃO DE CONTROLE. ........................................................................................... 138

AULAS 21 E 22: GOVERNANÇA CORPORATIVA. ........................................................................................................ 152

AULAS 23 E 24: TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO. ............................................................................ 157

AULA 25: DISSOLUÇÃO, LIQUIDAÇÃO E EXTINÇÃO DA SOCIEDADE ANÔNIMA ................................................................... 171

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INTRODUÇÃO

1. EMENTA DO CURSO.

A Era das Grandes Empresas; Sociedade anônima: evolução histórica, no-ções gerais e características principais; Companhia aberta e fechada. Mercado de valores mobiliários. Comissão de Valores Mobiliários. Noções gerais; Ações e outros valores mobiliários; Capital social: formação, aumento e redução; As-sembleia Geral: Noções Gerais; Características, espécies, competência e fun-cionamento; Órgãos administrativos: Administração. Conselho de Adminis-tração e Diretoria: características, composição, funcionamento e competência. Deveres e responsabilidades dos administradores; Conselho Fiscal. Exercício Social. Demonstrações financeiras; Lucros, reservas e dividendos. Dividendos obrigatórios e dividendos intermediários. Dissolução, liquidação e extinção da sociedade anônima; Acionistas e Acionista Controlador: Noções Gerais; Direitos e obrigações; Poder de controle; Acordos de acionistas; Sociedades coligadas, controladoras e controladas. Responsabilidade. Grupos de socie-dades. Subsidiária integral; Alienação de Controle e Aquisição de controle Governança Corporativa Transformação, incorporação, fusão e cisão; Disso-lução, Liquidação e Extinção da Sociedade Anônima.

2. OBJETIVOS GERAIS.

Esta disciplina tem como objetivos: (i) proporcionar aos alunos aprendizado de diversos institutos do Direito Societário, com especial enfoque às sociedades anônimas; (ii) provocar o interesse dos alunos para questões jurídicas atinentes ao ambiente empresarial e à dinâmica econômica, abordando questões jurídi-cas à luz da aplicação prática das mesmas; e (iii) desenvolver as habilidades dos alunos para identificar e compreender problemas inerentes à situações concre-tas e conceber soluções para superá-las.

3. METODOLOGIA.

Suporte teórico, através do estudo de material didático (sugestão de livros, artigos, pareceres, comentários à legislação, dentre outros).

Suporte prático, através do estudo de casos concretos (selecionados de acor-do com diversas operações societárias). Incentivo ao envolvimento e participa-ção dos alunos, em método socrático.

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4. PROGRAMA.

Número da Aula Assunto

Aula 1 A Era das Grandes Empresas.

Aula 2Sociedade Anônima: Evolução História, Noções Gerais e Características

Principais.

Aulas 3 e 4Companhia Aberta e Fechada. Mercado de Valores Mobiliários. Comis-

são de Valores Mobiliários — CVM. Noções Gerais.

Aulas 5 e 6 Ações e Outros Valores Mobiliários.

Aula 7 Capital Social.

Aulas 8 e 9 Assembleia Geral.

Aulas 10 e 11 Órgãos Administrativos: Conselho de Administração e Diretoria.

Aula 12 Conselho Fiscal.

Aulas 13 e 14 Lucros, Reservas e Dividendos.

Aulas 15 e 16Acionistas e Acionista Controlador.

Casos Geradores: Frigoríficos e Lannistark

Aulas 17 e 18Sociedades Coligadas, Controladas e Controladoras. Responsabilidade.

Grupo de Sociedades. Subsidiária Integral.

Aulas 19 e 20Alienação e Aquisição de Controle.

Casos Geradores: Braskem e Suzano

Aulas 21 e 22 Governança Corporativa.

Aulas 23 e 24 Transformação, Incorporação, Fusão e Cisão.

Aula 25 Dissolução, Liquidação e Extinção da Sociedade Anônima.

5. AVALIAÇÃO.

Serão realizadas 02 (duas) provas escritas, em sala de aula, compreenden-do toda a matéria ministrada até a data de cada prova. Os alunos poderão consultar os textos de lei sem comentários ou anotações. Poderão, também, ser feitas avaliações baseadas em atividades complementares ou em trabalhos sobre temas específicos a serem indicados pelo professor. A média aritmética referente à disciplina será obtida com base em tais avaliações

O aluno que obtiver média aritmética inferior a 7 (sete) deverá realizar uma terceira prova, que compreenderá toda a matéria do semestre.

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6. ATIVIDADES COMPLEMENTARES.

Poderão ser propostas atividades adicionais que valerão pontos para a mé-dia aritmética (obtida com base nas duas primeiras provas) referente à disci-plina, a critério do professor.

7. BIBLIOGRAFIA BÁSICA.

PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I e II.

8. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR.

Será indicada bibliografia complementar específica em relação a cada um dos tópicos do Programa deste Curso, ao final de cada aula da presente apostila.

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1 Tal foi a afirmação de J. X. Carvalho de Mendonça, autor que propôs co-nhecidíssima classificação dos atos de comércio, nos seguintes termos: “Os códigos e tratados de direito comercial não oferecem conceito jurídico unitário e completo sobre os atos de comércio. Legislação e doutrina não se harmoni-zam em tão relevante assunto, o que multiplica os embaraços à construção de sólido sistema científico.” (J.X. Carvalho de Mendonça, “Tratado de Direito Co-mercial Brasileiro”, vol. I, livro I, 6ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1957, p. 419). Na mesma obra, o autor revela a amplitude do problema no direito comparado, citando entre os que compartilham de seu entendimento Lyon Caen et Renault, na França, Vidari, Vivante e Navarrini, na Itália, além do suíço Muzinger, do espanhol Estaséne e do argentino Segovia (pp. 419-421).

AULA 1: A ERA DAS GRANDES EMPRESAS

LEITURA BÁSICA:

LAMY FILHO, Alfredo e Al. A Lei das S.A. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 1995, Vols. I — pp. 139— 152

HANSMANN, Henry e KRAAKMAN, Reinier. The End of History for Cor-porate Law. Harvard Law School, 2000. Disponível em: <http://www.law.harvard.edu/programs/olin_center/papers/pdf/280.pdf>.

LEITURA COMPLEMENTAR:

Fábio Konder Comparato. Aspectos Jurídicos da Macroempresa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1970.

ROTEIRO DA AULA:

Para que possamos analisar a organização jurídica mais correntemente uti-lizada pelas grandes empresas, temos que, inicialmente, revisitar o conceito de “empresa”, discutido nos períodos anteriores à luz da Teoria Geral da Empresa.

1. O QUE É EMPRESA?

Observada a imprecisão científica e a insuficiência da teoria dos atos de comércio1, fez-se necessária a construção de um novo sistema, que se ade-quasse aos avanços da economia e que delimitasse o âmbito de aplicação das normas comerciais, de forma a adaptar a disciplina às necessidades das socie-dades contemporâneas.

De fato, é inquestionável a importância do papel econômico e social atu-almente exercido pela empresa — em especial a grande empresa —, tendo se tornado imprescindível na ordem econômica globalizada. Tal relevância é salientada por economistas e juristas dos mais renomados, chegando-se a afirmar, com todo acerto, que:

“A evolução da empresa representa, na realidade, um elemento básico para a compreensão do mundo contemporâneo. Do mesmo modo que, no passado, tivemos a família patriarcal, a paróquia, o Município, as corpo-

1. Tal foi a afirmação de J. X. Carvalho de Mendonça, autor que propôs co-nhecidíssima classificação dos atos de comércio, nos seguintes termos: “Os códigos e tratados de direito comercial não oferecem con-ceito jurídico unitário e com-pleto sobre os atos de comér-cio. Legislação e doutrina não se harmonizam em tão rele-vante assunto, o que multipli-ca os embaraços à construção de sólido sistema científico.” (J.X. Carvalho de Mendonça, “Tratado de Direito Comercial Brasileiro”, vol. I, livro I, 6ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1957, p. 419). Na mesma obra, o autor revela a amplitude do problema no direito comparado, citando entre os que compartilham de seu entendimen-to Lyon Caen et Renault, na França, Vidari, Vivante e Navarrini, na Itália, além do suíço Muzinger, do espanhol Estaséne e do argentino Segovia (pp. 419-421).

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2 WALD, Arnoldo. O Espírito Empresarial, a Empresa e a Reforma Constitucional. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro nº 98/51-57. São Paulo: Ed. RT, abril/junho, 1995. P. 55.

3 COMPARATO, Fábio Konder. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990. P. 3.

4 LIPPKANN, Walter. A Cidade Livre. 1938. P. 329 apud Georges Ripert, As-pectos Jurídicos do Capitalismo Moder-no. Campinas: RED livros, 2002. P. 67.

5 Tullio Ascarelli vê a manutenção de um critério objetivo, pela importância que se dá à atividade na qualificação do empresário (“O empresário” (Tradução de Fábio Konder Comparato, in “Corso di Diritto Comerciale — Introduzione e Teoria dell’Impresa”, 3ª ed., Milano: Giuff rè, 1962; pp. 145-160). Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econô-mico e Financeiro n.º 109/183-189, São Paulo: Malheiros, janeiro/março, 1998).

6 Constata Rubens Requião que “são juristas italianos os que mais se dedi-cam ao estudo da empresa. Já sabemos que o moderno direito privado da Itália funda-se sobre a teoria da empresa. Mas, antes mesmo da reforma de 1942, os comercialistas peninsulares indaga-vam, como Vivante, sobre o seu conceito, em face das referências a ela feitas na enumeração dos atos de comércio” (RE-QUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comer-cial. Vol. I. 24ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2000. P. 53).

7 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Sa-raiva, 2000. P. 50.

8 O jurista italiano Vivante igualou o conceito jurídico ao conceito econô-mico, consoante apontado por Rubens Requião. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 53.

rações profissionais, que caracterizam um determinado tipo de sociedade, a empresa representa, hoje, a célula fundamental da economia de mercado”2

No mesmo sentido, Fábio Konder Comparato resume bem a importância da empresa nos dias atuais, da seguinte forma:

“Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, di-namismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e defini-dor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa”3

Tal constatação é também com frequência apontada por diferentes econo-mistas. Referindo-se especificamente às sociedades anônimas, assevera-se que “o capitalismo moderno não teria podido se desenvolver se a sociedade por ações não existisse”4.

No entanto, sob a égide da Teoria Objetiva, diversas atividades de caráter intrinsecamente empresarial eram ignoradas pelo Direito Comercial, visto não se enquadrarem nas acepções legais de ato de comércio. Apenas para citar um, entre diversos exemplos admissíveis, o desenvolvido setor de serviços, por exemplo, por não se enquadrar nas definições elaboradas para os atos de comércio, não se encontrava regulado pelas normas comerciais, o que per si demonstrava a necessidade de uma nova sistemática.

Como já citado, a Teoria Subjetiva moderna apresenta como núcleo fun-damental o conceito de empresa5. Ocorre que mesmo entre os adeptos da “Teoria da Empresa”, em especial os italianos, marcados pelo seu pioneiris-mo6, tem-se encontrado dificuldades para definir o seu conceito jurídico, não obstante sua pacífica conceituação nas ciências econômicas. A esse propósito, vale registrar a lição de Rubens Requião:

“Em vão, os juristas têm procurado construir um conceito jurídico pró-prio para tal organização. Sente-se em suas lições certo constrangimento, uma verdadeira frustração por não lhes haver sido possível compor um conceito jurídico próprio para a empresa, tendo o comercialista que se valer do conceito formulado pelos economistas. Por isso, persistem os juristas no afã de edificar em vão um original conceito jurídico de empresa, como se fosse desdouro para a ciência jurídica transpor para o campo jurídico um bem elaborado conceito econômico”7

Ensina Giuseppe Ferri que a noção econômica de empresa, sob a qual deve se assentar o seu conceito jurídico8, incorpora-se na organização dos fatores de produção, baseada em princípios técnicos e leis econômicas, propondo-se

2. WALD, Arnoldo. O Espírito Empresarial, a Empresa e a Reforma Constitucional. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro nº 98/51-57. São Paulo: Ed. RT, abril/junho, 1995. P. 55.

3. COMPARATO, Fábio Konder. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990. P. 3.

4. LIPPKANN, Walter. A Cidade Livre. 1938. P. 329 apud Georges Ripert, Aspectos Jurídicos do Capitalismo Moderno. Campinas: RED livros, 2002. P. 67.

5. Tullio Ascarelli vê a manutenção de um critério objetivo, pela impor-tância que se dá à atividade na quali-ficação do empresário (“O empresário” (Tradução de Fábio Konder Comparato, in “Corso di Diritto Comerciale — Intro-duzione e Teoria dell’Impresa”, 3ª ed., Milano: Giuff rè, 1962; pp. 145-160). Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n.º 109/183-189, São Paulo: Malheiros, janeiro/março, 1998).

6. Constata Rubens Requião que “são juristas italianos os que mais se dedicam ao estudo da empresa. Já sabemos que o moderno direito privado da Itália funda-se sobre a teoria da empresa. Mas, antes mes-mo da reforma de 1942, os comercialistas peninsulares indagavam, como Vivante, sobre o seu conceito, em face das referências a ela feitas na enumeração dos atos de co-mércio” (REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2000. P. 53).

7. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 50.

8. O jurista italiano Vivante igualou o conceito jurídico ao conceito econômico, consoante apontado por Rubens Requião. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 53.

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9 MARCONDES, Sylvio. Questões de Direi-to Mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977. P. 8. No mesmo sentido, temos a lição de Waldírio Bulgarelli, nos seguintes termos: “Os economistas vêm se esfor-çando desde a Revolução Industrial em conceituar a empresa, nem sempre com êxito. Hoje, contudo, é quase unânime a ideia de que a empresa é uma unidade organizada de produção e comercializa-ção de bens e serviços para o mercado”. BULGARELLI, Waldírio. Sociedades, Empresa e Estabelecimento. São Paulo: Atlas, 1980. P. 19. O mesmo autor, em obra diversa, demonstra o seu aceite pelo conceito econômico de empresa: “Uma vez, portanto, que há verdadeira unanimidade em relação ao conceito econômico de empresa, como aliás assinala muito bem Sylvio Marcondes, nada há de errado na sua aceitação por parte do Direito, e foi nessa conformida-de que a legislação veio regulando os seus vários aspectos (...)”.BULGARELLI, Waldírio. Estudos e Pareceres de Direito Empresarial: o Direito das Empresas. São Paulo: Ed. RT, 1980. P. 17.

10 Apud MARCONDES, Sylvio. Questões de Direito Mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977. P.8.

11 Apud REQUIÃO, Rubens. Curso de Di-reito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 55.

12 Referida tese foi publicada na Rivista del Diritto Commerciale, fascs. 1 e 2, em 1943, sob o titulo “Profi lidell’Imprensa”, conforme REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Pau-lo: Saraiva, 2000. P. 71. Em português, a tese foi publicada, com tradução de Fábio Konder Comparato, na Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n.º104/109-126, São Pau-lo: RT, outubro/ dezembro, 1996.

13 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

14 Art. 2.082 do Codice Civile italiano de 1942: “Imprenditore — È imprendi-tore chi esercita professionalmente una attività economica organizzata al fi ne della produzione o dello scambio di beni o di servizi”.

15 Art. 966 do Novo Código Civil: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circu-lação de bens ou de serviços”.

16 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Sa-raiva, 2000. P. 55.

à satisfação de necessidades alheias, vale dizer, do mercado. A este propósito, vale citar, pela clareza, os ensinamentos de Sylvio Marcondes:

“O conceito econômico de empresa está na organização dos fatores de produção de bens ou de serviços para o mercado, coordenada pelo empre-sário, que lhe assume os resultados. Sobre este conceito econômico ninguém põe dúvida. Mas, como o Direito trata este conceito econômico?”9

Para responder à indagação formulada pela doutrina, deve-se atentar para uma observação feita por Alberto Asquini, o qual com muito acerto indicou que as dificuldades da conceituação jurídica de empresa derivam do fato de esta ser um “fenômeno poliédrico”.

Com esta afirmação, o comercialista italiano demonstra que a empresa apresenta um conceito econômico unitário, o mesmo não ocorrendo com o seu conceito jurídico, recebendo a empresa tratamentos legislativos diver-sos10.

Firmado esse entendimento, sugere o jurista italiano que se abdique da tentativa de elaboração de um conceito jurídico de empresa, devendo-se fo-car no estudo dos “aspectos jurídicos da empresa econômica”, na expressão de Giuseppe Ferri11.

Sob esses argumentos, Asquini elabora a sua difundida Teoria dos Perfis da Empresa12, bem resumida por Rubens Requião:’

“Vislumbra, então, Asquini a empresa sob quatro diferentes perfis: a) o perfil subjetivo, que vê a empresa como o empresário; b) o perfil funcional, que vê a empresa como atividade empreendedora; c) o perfil patrimonial ou objetivo, que vê a empresa como estabelecimento; d) o perfil corporativo, que vê a empresa como instituição”13

O Codice Civile italiano de 1942, pioneiro ao sugerir um modelo que superasse o sistema francês, não chega a estabelecer um conceito jurídico de empresa, preferindo definir o seu perfil subjetivo — o empresário — em seu art. 2.08214, como sendo aquele que exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens ou serviços.

O legislador brasileiro, inspirado pelo modelo italiano, não apresenta ino-vações em relação ao Codice Civile de 1942, ao definir, em seu artigo 966, o empresário como sendo “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.15

Das definições legais supracitadas decorrem os elementos essenciais à em-presa, quais sejam, no entendimento de Rubens Requião: (i) o sujeito de di-reito, (ii) a sua atividade particular, (iii) a finalidade produtiva e (iv) o caráter profissional16. Waldírio Bulgarelli também faz referência a quatro elementos.

9. MARCONDES, Sylvio. Questões de Direito Mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977. P. 8. No mesmo sentido, temos a lição de Waldírio Bulgarelli, nos seguintes termos: “Os econo-mistas vêm se esforçando des-de a Revolução Industrial em conceituar a empresa, nem sempre com êxito. Hoje, con-tudo, é quase unânime a ideia de que a empresa é uma uni-dade organizada de produ-ção e comercialização de bens e serviços para o mercado”. BULGARELLI, Waldírio. Sociedades, Empresa e Estabelecimento. São Paulo: Atlas, 1980. P. 19. O mesmo autor, em obra diversa, demonstra o seu aceite pelo conceito econômico de empresa: “Uma vez, portanto, que há verdadeira unanimi-dade em relação ao conceito econômico de empresa, como aliás assinala muito bem Syl-vio Marcondes, nada há de errado na sua aceitação por parte do Direito, e foi nessa conformidade que a legisla-ção veio regulando os seus vários aspectos (...)”.BULGARELLI, Waldírio. Estudos e Pareceres de Direito Empresarial: o Direito das Empresas. São Paulo: Ed. RT, 1980. P. 17.

10. Apud MARCONDES, Sylvio. Questões de Direito Mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977. P.8.

11. Apud REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 55.

12. Referida tese foi publicada na Rivista del Diritto Commerciale, fascs. 1 e 2, em 1943, sob o titulo “Profi lidell’Imprensa”, conforme RE-QUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 71. Em português, a tese foi publicada, com tradução de Fábio Konder Comparato, na Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n.º104/109-126, São Pau-lo: RT, outubro/ dezembro, 1996.

13. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

14. Art. 2.082 do Codice Civile italia-no de 1942: “Imprenditore — È imprenditore chi esercita pro-fessionalmente una attività economica organizzata al fi ne della produzione o dello scambio di beni o di servizi”.

15. Art. 966 do Novo Código Civil: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

16. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 55.

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17 BULGARELLI, Waldírio. Sociedades, Empresa e Estabelecimento. São Paulo: Atlas, 1980. P. 22.

18 LAMY FILHO, Alfredo. A reforma da Lei de Sociedades Anônimas. IN: Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Reno-var, 2006. P. 18.

19 Disponível em <http://www.se-braecom.br/br/aprendasebrae/estu-dosepesquisas.asp.> Acesso em 2 de fevereiro de 2016.

Contudo, o renomado comercialista os apresenta como sendo (i) a organiza-ção, (ii) a atividade econômica, (iii) o fim lucrativo e (iv) a profissionalida-de17. Bugarelli acrescenta o fim lucrativo como elemento essencial à empresa, posto que não há empresa que não vise a obtenção de lucro.

Por esse contexto, cabe observar que, no esforço de construir um conceito jurídico de empresa, pouco se afastou da noção econômica. A esse propósito, é incisiva a conclusão de Waldírio Bulgarelli, centralizando o conceito de em-presa no seu perfil subjetivo, seguindo a opção legislativa italiana e brasileira:

“Dessume-se, assim, o conceito de empresa daquele de empresário, po-dendo-se conceituá-la como a organização da atividade econômica para o fim de produção ou de troca de bens ou serviços. Verifica-se, portanto, a transmutação que ocorreu no conceito econômico na sua passagem para o âmbito jurídico, sob a égide do empresário, ou seja, de organização da ati-vidade econômica para o de exercício profissional da atividade econômica organizada”18

2. O QUE É A GRANDE EMPRESA?

Relembrado o conceito de empresa, cabe, neste momento, uma indaga-ção: o que é precisamente a grande empresa? É notório que a grande empresa exerce atualmente influência dominante no cenário econômico-social con-temporâneo, igualando ou, em muitos casos, superando o poder antes atribu-ído aos Estados. Mas quais são os critérios para definir uma grande empresa? O que a diferencia da pequena empresa?

Diversos critérios podem ser utilizados. Por exemplo, o SEBRAE classifica a empresa em função do número de pessoas empregadas. Ao definir a micro e pequena empresa, entender-se-ia, a contrario sensu, que o SEBRAE classifica como grandes empresas aquelas que, na indústria e na construção, empregam mais de 100 (cem) pessoas, e que, no comércio e serviços, empregam mais de 50 (cinquenta)19 pessoas.

Também, por via indireta, a interpretação conjunta da Lei nº 9.841/1999 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte) com o Decreto nº 5.028/2004 levaria à conclusão de que são grandes empresas aquelas que obtiverem uma receita bruta anual superior a R$ 2.133.222,00 (dois mi-lhões, cento e trinta e três mil, duzentos e vinte e dois reais).

A Lei 11.638/2007, que estende às sociedades de grande porte as dispo-sições da Lei das Sociedades Anônimas sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, define como sendo de grande porte “a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social ante-rior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de

17. BULGARELLI, Waldírio. Sociedades, Empresa e Estabelecimento. São Paulo: Atlas, 1980. P. 22.

18. LAMY FILHO, Alfredo. A reforma da Lei de Sociedades Anônimas. IN: Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 18.

19. Disponível em <http://www.sebraecom.br/br/aprendasebrae/estudosepesquisas.asp.> Acesso em 2 de fevereiro de 2016.

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reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais)”. Seria essa, então, a grande empresa no Brasil? É um critério.

A título de exemplo de uso do critério acima apresentado pela Lei 11.638/2007, será falado abaixo sobre o caso da empresa XPTO na hora do cumprimento do Edital de Concorrência Pública da Prefeitura do Município X.

Esse edital, no item 13.3, determinava que os licitantes, para se habili-tarem para o procedimento licitatório, precisavam apresentar “balanço pa-trimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei”. Como a XPTO era uma empresa recente na época, constituída a menos de 1 ano, o item (i) da cláusula 13.3 deixava explícito no subitem “a)” qual era a forma com que ela deveria apresentar o balanço patrimonial. Contudo, depois desse período de 1 ano de constitui-ção, era preciso importante saber se a XPTO se enquadrava no conceito de Sociedade de Grande Porte porque isso determinaria a sua exigência e forma de elaboração de balanço e demonstrações contábeis para fins de editais pú-blicos.

Na hora do enquadramento foi utilizada a Lei 11.638/2007 que delimita o conceito de Grande Empresa com base no ativo total e na receita bruta anual da companhia. Observou-se que a XPTO não se enquadrava em ne-nhuma das duas delimitações, contudo, a XPTO é controlada pela empresa KYZ, que possui ativos totais superiores aos parâmetros propostos pela Lei nº 11.638/2007, de modo que tanto a KYZ quanto a XPTO são sociedades de grande porte (cf. art. 3º, §único da Lei nº 11.638/2007).

A partir desse enquadramento, a XPTO sabe que deverá elaborar suas demonstrações financeiras na forma da Lei nº 6.404/1976 e submetê-las à auditoria por auditor independente registrado na Comissão de Valores Mo-biliários. Contudo, o art. 3º da Lei 11.638/2007 é omisso quanto à neces-sidade de publicação das demonstrações financeiras das sociedades limitadas de grande porte, razão pela qual havia muita instabilidade no entendimento da doutrina sobre esta matéria.

Após grandes discussões sobre o tema da necessidade (ou desnecessidade) de publicação das demonstrações financeiras, impetrou-se um Mandado de Segurança Coletivo no qual foi decidido não caber interpretação ampliativa do art. 3º da Lei 11.638/2007 que obrigasse as sociedades de grande porte a publicarem suas demonstrações financeiras.

Desde a referida decisão no MS, este tem sido o entendimento aplicável à questão da não necessidade da publicação das demonstrações financeiras por sociedades de grande porte, que sejam sociedades limitadas. Sendo assim, a XPTO não tem a obrigação legal de publicar as suas demonstrações financeiras.

No entanto, é importante ressaltar que estes critérios exemplificativos são insuficientes para definir o fenômeno que se pretende analisar, por não coa-

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20 LAMY FILHO, Alfredo. A Reforma da Lei de Sociedades Anônimas. IN: Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 39.

dunarem com a realidade socioeconômica. O conceito de grande empresa é histórico, variando de acordo com cada época e lugar. Na verdade, constata--se que, apesar da noção quase intuitiva acerca do que é a grande empresa, é difícil a tarefa de apresentar critérios objetivos e precisos que a definam. Em geral, podemos utilizar parâmetros comparativos: compara-se uma empresa com outra de uma mesma região, ou, ainda, faz-se uma confrontação com os dados do país ou do mundo. A grande empresa de Moçambique poderá ser uma pequena ou média empresa nos Estados Unidos.

Em geral, as sociedades anônimas são o instrumental adequado para a constituição da grande empresa. Isso se deve a diversos motivos: (i) tem meca-nismos para capacitação de recursos sem necessidade de pagamento de juros, nem de constituição de dívidas; (ii) limita a responsabilidade da sociedade e de seus participantes e (iii) a livre transferibilidade do papel que incorpora essa participação torna-o extremamente atraente porque possibilita liquidez imediata. Para Alfredo Lamy Filho:

“(...) admitindo a limitação de responsabilidade de todos os sócios, a S/A tornou possível a mobilização de recursos em montante ilimitado, através de junção de capitais das mais variadas procedências de grandes e pequenos investidores, movidos pelas mais diversas inspirações, embora com o deno-minador comum da colimação de lucros. Por outro lado, a livre transferibi-lidade do papel que incorporava essa participação tornava-o extremamen-te atraente porque possibilitava liquidez imediata. Com esses atributos, revela-se a S/A dotada de explosiva força de expansão”20

Embora a sociedade anônima seja a forma jurídica mais adotada para a grande empresa, não é a única. São muitas as grandes empresas no Brasil que adotam a forma de limitadas e até mesmo de consórcios, cooperativas e sociedades profissionais.

As grandes empresas têm um relevante papel na economia mundial. Em algumas situações, o poderio econômico de determinadas empresas é tama-nho que ultrapassa o PIB de inúmeros países. Nas palavras de Gustavo Fran-co:

“Países e empresas vivem em dimensões diferentes, e são medidos com es-calas próprias, os primeiros por meio do PIB, ou seja, pelo valor adicionado total gerado dentro de suas fronteiras, enquanto o tamanho das empresas é medido pelo faturamento. Conciliando as escalas, um cálculo para o ano 2000, feito pela Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o De-senvolvimento (Unctad), mostrou que, entre os cinquenta maiores países e empresas, há apenas duas empresas, mas, dentro dos cinquenta seguintes, 27 são empresas. Ou seja, para o total dos 100 maiores países e empresas,

20. LAMY FILHO, Alfredo. A Reforma da Lei de Sociedades Anônimas. IN: Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 39.

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21 FRANCO, Gustavo. Globalização e Poder. IN: VEJA, Edição 1857, de 09 de junho de 2004. IN: <http://www.econpuc-rio.br/gfranco/VEJA121.htm> Acessado em 2 de fevereiro de 2016.

22 COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos Jurídicos da Macroempresa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1970. Pp. 4 e 5.

29 eram empresas, sendo que a maior delas, a Exxon Mobil, tinha um “PIB” estimado em cerca de 63 bilhões de dólares, ligeiramente inferior ao do Chile e das Filipinas e maior que o do Paquistão”21.

Percebe-se que o poder econômico das grandes empresas pode, em última instância, influenciar social e politicamente uma determinada sociedade e, até mesmo, a ordem mundial.

Esta constatação se mostra ainda mais presente quando se verifica a expan-são do fenômeno da concentração. A concentração, em seu sentido econô-mico, representa a aquisição de mais meios de produção. A tendência à con-centração e à necessidade de crescimento de empresas refere-se, em última instância, à capacidade de realizar de forma mais adequada os investimentos de que determinada empresa necessita para a realização da sua atividade.

De acordo com Fábio Konder Comparato:

“(...) a evolução da economia capitalista nos últimos 40 anos, e no-tadamente a partir da Segunda Guerra Mundial, tem sido comandada pelo fenômeno da concentração empresarial. Desde a primeira Revolução Industrial as vantagens da constituição dessas ‘economias internas de es-cala’, segundo expressão consagrada por Alfred Marshall, eram de todos conhecidas: baixa do custo unitário de produção com o aumento do volume de unidades produzidas; possibilidade de autofinanciamento, libertando a empresa das injunções do mercado financeiro; multiplicação de estabe-lecimentos, permitindo que atingissem diretamente os diferentes centros de consumo, com a supressão dos intermediários; estocagem de matéria-prima, atenuando as variações de preços; estudos de mercado e publicidade em larga escala”.22

Quanto maior uma empresa, mais vantagens, portanto, ela retira de sua posição dominante no mercado, pois maior é a sua capacidade de diminuir custos de produção, angariar lucros e aumentar seus investimentos.

Atualmente, além do processo de integração econômica internacional, por meio das grandes empresas e da concentração, percebe-se uma nova onda de crescimento das empresas, por meio do fenômeno da pulverização de capi-tal, em que se estabelece uma difusão das ações entre milhares de acionistas, sendo o controle da companhia exercido não mais por acionistas, mas por meio de órgãos de administração, fenômeno que classicamente se denomina “controle gerencial”.

A pulverização do controle acionário existe em todos os países em que há um mercado de valores mobiliários forte, que atrai a poupança popular e que é acessado em grande escala pelas sociedades anônimas locais (as corporations americanas, ou public limited companies inglesas).

21. FRANCO, Gustavo. Globalização e Poder. IN: VEJA, Edição 1857, de 09 de junho de 2004. IN: <http://www.econpuc-rio.br/gfranco/VEJA121.htm> Acessado em 2 de fevereiro de 2016.

22. COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos Jurídicos da Macroempresa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1970. Pp. 4 e 5.

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23 COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos Jurídicos da Macroempresa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1970. Pp. 4 e 5.

Em geral, as empresas nascem por iniciativa e capacidade de um líder, o empreendedor sob a qual crescem e se afirmam. Para se expandirem, con-tudo, precisam de recursos financeiros, recorrendo ao mercado de capitais, onde encontram capital farto e barato23.

Mas com quem essas grandes empresas devem alinhar os seus interesses? O meu grupo de pessoas que vem às nossas mentes é o dos acionistas dessas sociedades. Mas será que apenas os interesses deles devem ser respeitados? Será que a lei deve condutas que contrariem esses interesses?

O artigo “The End of History of Corporate Law” deixa claro que as socie-dades devem se organizar e operar para servirem aos interesses da sociedade como um todo e que os interesses dos seus acionistas não devem pesar mais do que os interesses de qualquer outro membro da sociedade.

Contudo, a partir de um raciocínio baseado na lógica e na experiência, é de comum entendimento de que a melhor maneira de se buscar o bem-estar social é alinhando os interesses da companhia com os de seus acionistas, e (pelo menos em certos sentidos) apenas aos esses interesses.

Isso não quer dizer que o resto da sociedade ficará desprotegida. Isso ape-nas indica que o mecanismo legal mais eficiente para proteger os interesses de todos – trabalhadores, consumidores, público em geral – é alinhando os seus interesses com o de seus acionistas.

Os únicos que não teriam os seus interesses protegidos seriam os credores, mas a exclusão dos interesses dos credores já é uma prática no meio corporati-vo. Com exceção do momento de falência, incluir os credores na governança corporativa não é algo costumeiro e nem estimulado pela legislação.

Importante destacar que quando se menciona os interesses dos acionistas, inclui tanto os dos majoritários quanto os dos minoritários. Há, inclusive, uma preocupação especial com os interesses daqueles acionistas que não pos-suem qualquer poder de controle na empresa.

Essa preocupação deriva de duas razões baseadas unicamente na eficiência. O primeiro motivo é que a ausência de proteção aos acionistas sem poder de controle dificulta que aquela empresa tenha um aumento de oferta de capital no mercado acionário. A segunda razão é que os meios pelos quais os acionistas controladores contraem para si uma parcela desproporcional dos benefícios corporativos geralmente envolvem escolhas de investimento e políticas de gestão ineficientes.

23. COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos Jurídicos da Macroempresa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1970. Pp. 4 e 5.

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AULA 2: SOCIEDADE ANÔNIMA: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, NOÇÕES GERAIS E CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

LEITURA BÁSICA:

LAMY FILHO, Alfredo et Al. A Lei das S.A. Rio de Janeiro: Editora Reno-var. 1995, Vols. I — pp. 19-60 e pp. 203-219

ROTEIRO DE AULA:

Na aula anterior, foi avaliada a importância da grande empresa no atual cenário econômico e social. Ainda, concluiu-se que a sociedade anônima é a principal forma jurídica adotada, em escala mundial, pelas grandes organiza-ções empresariais.

Passaremos, agora, a analisar as principais características que distinguem as sociedades anônimas — também denominadas “companhias” — dos de-mais tipos societários no ordenamento jurídico brasileiro.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA.

A doutrina diverge quanto à origem das Sociedades Anônimas. Em um breve resumo, há quem diga que a Casa di San Giorgio, uma associação de credores da cidade de Gênova, criada para financiar a guerra contra Veneza na Renascença italiana foi o “embrião” da Sociedade Anônima, na medida em que os credores trocaram seus créditos por frações ideais dessa associação e passaram a administrar seus créditos conjuntamente. Muitos, contudo, re-jeitam a ideia que a Casa di San Giorgio foi a origem das S.A.s, assemelhan-do-se mais a uma comunhão de credores.

Na verdade, a Sociedade Anônima como conhecemos hoje se originou nas grandes sociedades coloniais do Século XVII, que financiaram o comércio com o oriente e a exploração de colônias, empreendimentos com custos ele-vadíssimos e forte interesse do Estado. A primeira dessas grandes empresas foi a Companhia das Índias Orientais holandesa, fundada em 1602. Em 1621 foi fundada a Companhia das Índias Ocidentais, que teve grande importân-cia na história do Brasil, tendo patrocinado a invasão holandesa no Nordeste brasileiro.

Várias sociedades similares foram criadas na França, Inglaterra e Portugal, sempre com o intuito de financiar grandes empreendimentos ultramarinos. O primeiro grande movimento especulativo com ações de uma sociedade

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anônima aconteceu em 1720 com as ações da South Sea Company, uma com-panhia formada para explorar o monopólio do comércio entre a Inglaterra e a América espanhola. Esse movimento especulativo, conhecido como “South Sea Bubble”, gerou o famoso “Bubble Act”, obrigando todas as novas empre-sas a serem formadas apenas mediante um ato de outorga do parlamento.

No seu início, portanto, as sociedades anônimas começaram como verda-deiras sociedades de economia mista, com forte participação e interesse esta-tal, buscando a poupança privada para financiar grandes empreendimentos de interesse público. As sociedades eram criadas por outorga estatal, criando um mecanismo de controle da captação de recursos da poupança popular.

No Brasil, exemplos de sociedades constituídas sob o regime de outorga são a Companhia Geral do Grão Pará, criada para colonizar o norte do país e o Banco do Brasil.

Na França, o Código Civil napoleônico instituiu, em 1807, um sistema de autorização governamental para a constituição de uma sociedade por ações, que passou a vigorar em todo o continente. Para a constituição de uma so-ciedade anônima não era mais necessária a outorga estatal, mas apenas uma autorização regulatória.

Em meados do Século XIX, Inglaterra e Estados Unidos, em plena Re-volução Industrial, buscavam maneiras de facilitar o acesso ao capital para o financiamento dos empreendimentos, o que fizeram mediante a abolição do sistema de outorga, substituindo-o por um sistema de regulamentação. Em outras palavras, desde que seguisse a regulamentação vigente, a constituição de uma sociedade anônima não dependia mais da autorização governamen-tal. Esse sistema foi adotado pela França em 1867, após o acordo de livre comércio com a Inglaterra firmado em 1862, que fez com que as sociedades anônimas constituídas na França ficassem em desvantagem comercial em re-lação às sociedades anônimas constituídas na Inglaterra.

No Brasil, o regime de outorga da colônia e do primeiro reinado foi subs-tituído pelo regime de autorização primeiro por Decreto de 1849, confirma-do depois no Código Comercial de 1850. Em 1882 o regime de autorização foi abolido e o Brasil passou a adotar o regime de regulamentação, sendo necessária autorização apenas em casos excepcionais, como bancos, segura-doras, sociedades estrangeiras, etc.

Com a Lei das S.A., de 1976, e a criação da CVM, o Brasil passou a con-viver com um regime dualista: regulamentação para as sociedades fechadas e autorização para as companhias abertas, que precisam de autorização prévia da CVM para se constituírem ou terem suas ações negociadas em bolsa de valores.

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24 Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Fi-lho definem capital social como “a cifra, fixada no estatuto social, do montante das contribuições prometidas pelos só-cios para formação da companhia que a lei submete a regime cogente, cujo fim é proteger os credores sociais. Os funda-dores (na constituição da companhia) e os órgãos sociais (durante a vida da sociedade) estipulam no estatuto o valor do capital social, que somente pode ser modificado com observância das normas legais. PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I, p.193. Este será um tema melhor abordado na Aula 7.

2. SOCIEDADE ANÔNIMA: DEFINIÇÃO LEGAL.

Segundo o art. 1º da Lei das S.A., Lei Federal nº 6.404/76, companhia é a pessoa jurídica de direito privado, cujo capital social é dividido em ações e na qual a responsabilidade de cada sócio é limitada ao preço de emissão das ações que subscreveu ou adquiriu. Companhia e sociedade anônima são termos sinônimos.

A divisão do capital social24 em ações, conforme aludido pelos arts. 1º da LSA e 1.088 do Código Civil, significa que “as participações societárias desig-nadas ações são padronizadas e incorporadas em valores mobiliários”, conforme ensina José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho.

Junto com a sociedade em comandita por ações, a sociedade anônima forma o gênero das “sociedades por ações”. Ambas, independentemente de seu objeto, são consideradas empresárias, em conformidade com o §único do art. 982 do CC/02.

3. CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DA SOCIEDADE ANÔNIMA.

Como toda forma de sociedade, a companhia possui características mar-cantes que a diferenciam das demais e, em seu caso particular, fazem dela o modelo jurídico mais sofisticado e completo no direito brasileiro para união de capital proveniente de indivíduos desconhecidos, os quais, no entanto, desejam a concretização de um fim comum.

Eis, a seguir, breves considerações acerca das características mais básicas das sociedades por ações.

3.1. Divisão do Capital Social em Ações.

Os direitos e obrigações dos acionistas, nascidos de contribuições para o capital social, são incorporados em valores mobiliários, organizados de forma jurídica padronizada, dos quais se abstrai a identidade dos titulares das ações.

É importante tem em mente que a ação é um conjunto padronizado de direitos e obrigações. A divisão do capital social em ações permite: a alocação de risco, a livre circulação das participações e facilita um 2º mercado. Por se tratar de uma mesma unidade para todos, a transferência é facilitada, o que permite o comércio e a acumulação de riquezas.

A diferença entre o acionista majoritário e o minoritário não está ligada a alguma característica intrínseca de uma ação, já que as ações são padroni-zadas. O elemento que distingue esses dois é o acúmulo das ações, que dão àquele acionista mais poder nas decisões.

24. Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy FIlho definem capital social como “a cifra, fixada no estatuto social, do montante das contribui-ções prometidas pelos sócios para formação da companhia que a lei submete a regime cogente, cujo fim é proteger os credores sociais. Os fun-dadores (na constituição da companhia) e os órgãos so-ciais (durante a vida da socie-dade) estipulam no estatuto o valor do capital social, que somente pode ser modificado com observância das normas legais. PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I, p.193. Este será um tema melhor abor-dado na Aula 7.

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3.2. Padronização das Posições de Sócio.

A padronização das posições de sócio significa conferir igualdade de direi-tos às ações da mesma classe e espécie.

3.3. Posições de Sócios não Personalizadas.

Nas sociedades por ações, o Estatuto Social fixa o número, espécies e clas-ses das ações sem identificar a pessoa do acionista.

Nesse contexto, o acionista pode transferir a ação para outra pessoa sem a necessidade de se alterar o estatuto da companhia. Por isso, não se considera, nas sociedades anônimas, diferentemente de outros tipos societários, perso-nalizadas as posições dos sócios, o que revela o seu caráter institucionalista.

3.4. Natureza Corpórea da Ação.

Em relação às ações, veja-se que elas são incorporadas em título de crédito (em sentido lato), designado valor mobiliário, o que lhe confere natureza corpórea. A função dos títulos de crédito é facilitar a circulação de direitos. Nesse sentido, a incorporação da ação em título de crédito funciona como excelente instrumento para reunir capitais de grande número de pessoas e desenvolver o mercado.

Também vale registrar que a sociedade anônima está autorizada, por lei, a emitir outros títulos, além das ações, que conferem ao seu titular o direito de participar nos lucros (partes beneficiárias), o direito de subscrever ações (bô-nus de subscrição), ou créditos pecuniários contra a companhia (debêntures).

3.5. Livre Circulação das Ações.

As ações e demais títulos emitidos pela companhia seguem a regra da livre circulação, sem a identificação da pessoa de seu titular.

3.6. Limitação dos Riscos do Acionista.

Como se disse, o art. 1º da LSA limita a responsabilidade do acionista perante terceiros ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Por assim dizer, limita-se o risco financeiro do acionista. Essa característica incen-tiva o empresariado.

3.7. Sociedade de Capital vs. Sociedade de Pessoas.

Qualifica-se, de uma maneira geral, a sociedade anônima como “sociedade de capitais”, isto é, intuitu pecuniae, pois nela o vínculo entre os sócios tem

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por base a aglutinação de recursos, independentemente da pessoa de seus só-cios. Neste tipo societário a figura dos sócios não predomina para a formação do vínculo societário, tal como ocorre nas sociedades limitadas, por exemplo. A relação entre os sócios nas sociedades anônimas ancora-se, precipuamente, na disposição para aporte de capital visando a obtenção de resultados econô-micos, independente das características pessoais de seus sócios.

Em oposição às sociedades de capitais, as sociedades de pessoas são aque-las em que a pessoa do sócio tem papel fundamental na realização do objeto social. As sociedades de pessoas são constituídas com intuitu personae, razão pela qual o desentendimento entre os membros, quando torna insuportável a vida em sociedade, implica a quebra da affectio societatis. As sociedades de pessoas estão previstas no Código Civil.

Nas sociedades anônimas fechadas, isto é, aquelas cujos valores mobili-ários não estão admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários, cf. art. 4º da Lei 6.404/76, embora de cunho eminentemente patrimonial, em diversas ocasiões concentra-se na pessoa de seus sócios um de seus ele-mentos fundamentais. Exemplo disso são as sociedades anônimas familiares, inacessíveis a estranhos, cujas ações circulam entre os poucos acionistas que as adquirem.

Na realidade, essas sociedades são constituídas intuitu personae, uma vez que o animus que se requer dos sócios não é só material: a realização do ob-jeto social depende fundamentalmente dos atributos individuais dos sócios.

Fábio Konder Comparato entende que a companhia fechada, tanto inter-na quanto externamente, é uma verdadeira sociedade de pessoas, dominada pelo princípio da identificação dos acionistas (sejam eles pessoas físicas ou jurídicas), de sua colaboração pessoal no exercício da empresa e da boa-fé em seu relacionamento recíproco. No mesmo sentido, entendem Rubens Re-quião e Sérgio Campinho.

A distinção das sociedades em de pessoas/contratuais ou de capitais/insti-tucionais traz relevantes consequências, como é o caso de se saber se o insti-tuto da dissolução parcial, em razão da quebra da affectio societatis, aplicado às sociedades de pessoas do Código Civil, pode ou não ser aplicado às socie-dades anônimas de capital fechado. Ainda, a distinção é relevante para saber se o instituto da exclusão de sócio, previsto no art. 1.085 do Código Civil, pode ser aplicado às sociedades anônimas fechadas.

A Lei das S.A., ao cuidar dos casos de dissolução da sociedade anônima, a partir do art. 206, sempre pressupõe a dissolução integral da companhia. Com efeito, a regra prevista em lei para esse tipo societário é a dissolução total, tendo em vista a sua natureza e estruturação jurídica. Portanto, não há dúvidas de que as sociedades anônimas abertas estão sujeitas à dissolução total, nos termos do referido artigo.

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25 Recurso especial nº 917.531/RS, Quarta Turma, acórdão publicado em 01.02.2012.

Contudo, no que se refere às sociedades anônimas fechadas, a doutrina e a jurisprudência não encontram óbices à adoção da dissolução parcial, fundada na quebra da affectio societatis.

O instituto da dissolução parcial erigiu-se baseado nas sociedades de pes-soas/contratuais, como alternativa à dissolução total, como medida mais con-sentânea ao princípio da preservação da sociedade e sua função social. Con-tudo, com a complexa realidade das relações negociais, vem se admitindo a extensão do referido instituto às sociedades anônimas fechadas, que ostentem caráter familiar, nas quais as qualidades pessoais dos sócios adquirem relevân-cia para o desenvolvimento das atividades sociais.

A posição que tem prevalecido, atualmente, é a possibilidade de disso-lução parcial de uma sociedade anônima fechada, com traço nitidamente personalista, fundada na quebra da affectio societatis. Assim, possibilita-se ao acionista dissidente a sua retirada do empreendimento, mediante o justo pa-gamento de seus haveres, sem que a companhia e a empresa por ela desenvol-vida sofram solução de continuidade.

Em julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça25 reconheceu--se que:

“Caracterizada a sociedade anônima como fechada e personalista, o que tem o condão de propiciar a sua dissolução parcial — fenômeno até recen-temente vinculado às sociedades de pessoas —, é de se entender também pela possibilidade de aplicação das regras atinentes à exclusão de sócios das sociedades regidas pelo Código Civil, máxime diante da previsão contida no art. 1.089 do CC: “A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código”.

Em seu voto, o Ministro Luis Felipe Salomão reconheceu que, em regra, as sociedades anônimas são sociedades de capital (intuitu pecuniae), mas que, diante da complexidade das relações negociais, não é possível enquadrá-las de forma apriorística numa ou noutra classificação.

Nesse sentido, reconheceu o STJ a possibilidade tanto da aplicação do instituto da dissolução parcial às sociedades anônimas de capital fechado, que apresentem natureza personalista, quanto a possibilidade de aplicação do instituto da exclusão de sócios, previsto no art. 1.085 do Código Civil, àquelas sociedades.

Diante disso, pode-se concluir que, em relação às sociedades anônimas de capital aberto, prevalece o entendimento de que estão são sociedades de capital, com feição institucional, sujeitas, portanto, apenas às disposições da Lei das S.A. Entretanto, em relação às sociedades de capital fechado, atual-mente não é mais possível um rígido enquadramento destas como sociedades

25. Recurso especial nº 917.531/RS, Quarta Turma, acórdão publicado em 01.02.2012.

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de capitais, pois, dependendo de sua feição, se personalista, poderão a ela ser aplicados institutos próprios das sociedades de pessoas.

4. SISTEMA JURÍDICO DAS COMPANHIAS.

O sistema jurídico da companhia é formado pelo conjunto de todas as normas jurídicas que se aplicam a cada companhia existente, compreenden-do as normas:

(i) do seu estatuto social;(ii) da LSA e sua regulamentação;(iii) de outras leis; e(iv) estipulações de contratos parassociais ou preliminares.

Fala-se em sistema porque suas normas se acham inter-relacionadas por referência a uma mesma companhia.

4.1. Conceito e Espécies de Normas.

A primeira tarefa para se conhecer o sistema jurídico de determinada com-panhia é ler e interpretar o seu estatuto social. Além do estatuto social, o sistema de cada companhia compreende também as normas cogentes da LSA e sua regulamentação. Geralmente, o estatuto social da companhia reproduz apenas algumas dessas normas.

Por esse motivo, a segunda tarefa para conhecer o sistema jurídico da com-panhia é comparar o estatuto social com a LSA e sua regulamentação, a fim de verificar se o estatuto contém dispositivos inválidos (porque incompatíveis com normas cogentes ou por ultrapassarem os limites de normas legais) e in-terpretar as estipulações estatutárias à luz das normas da LSA, pois essa inter-pretação sistemática pode modificar o conteúdo das estipulações estatutárias consideradas de forma individual.

O conhecimento do sistema jurídico da companhia pode requerer, ainda, uma terceira tarefa, consistente na verificação dos efeitos da interpretação sistemática que abranja leis gerais (como, por exemplo, o Código Civil), as leis especiais sobre institutos referidos na LSA e as leis de direito público que contenham normas aplicáveis à classe a que pertence a companhia, ou à ati-vidade que constitua seu objeto social.

O conhecimento do sistema jurídico da companhia poderá compreen-der, por fim, uma quarta tarefa, no caso de haver contratos coligados ao da companhia, ou dele dependentes, ou se a constituição da companhia foi pre-

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cedida de contrato preliminar, que consiste na interpretação sistemática que tenha em conta as estipulações desses contratos.

4.2. Normas do Estatuto Social.

As normas do estatuto social formam o chamado sistema jurídico parti-cular da companhia. A LSA dispõe, no art. 83, que o estatuto social “deverá satisfazer a todos os requisitos exigidos para os contratos das sociedades mercantis em geral e aos peculiares à companhia, e conterá as normas pelas quais se regerá a companhia”.

O estatuto social compreende as normas particulares ou individuais cria-das pelas partes do contrato de companhia, como ocorre em qualquer outro contrato, mas apresenta duas peculiaridades:

(i) a LSA, além de regular o contrato de companhia, é a legislação de organização das companhias; e

(ii) suas normas são genéricas, no sentido de que não são dirigidas a pessoas identificadas.

Tais peculiaridades resultam da característica de que os direitos e as obri-gações dos acionistas são definidos no estatuto como elementos das ações, com abstração de seus titulares. O acordo de vontades que cria a companhia tem por destinatários quaisquer pessoas que ocupem e venham a ocupar as posições jurídicas de acionistas ou os cargos dos órgãos sociais.

Pode-se dizer, portanto, que o estatuto social tem a mesma natureza do di-reito objetivo, no sentido de que é um sistema de normas jurídicas genéricas, obrigatórias e permanentes, que somente podem ser modificadas ou extintas com a observância das normas jurídicas que regulam sua produção, vigência e eficácia.

A Lei das S.A. reserva aos subscritores das ações (na constituição) e à As-sembleia Geral dos acionistas (durante a existência da companhia) a compe-tência para, respectivamente, criar e modificar o estatuto.

A norma do estatuto somente deixa de viger:

(i) por nova deliberação da Assembleia Geral, adotada com a obser-vância dos preceitos legais aplicáveis; ou

(ii) por decisão judicial que declare a sua invalidade.

4.3. Normas da Lei das S.A.

As normas da Lei das S.A. consistem em um sistema de normas que regu-lam o contrato de sociedade e integram o estatuto legal da organização social. Algumas dessas normas são cogentes (definem características essenciais das

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companhias ou excluem a autonomia de vontade das partes contratantes); dispositivas (sua aplicação pode ser afastada pelas partes ao exercerem a li-berdade de contratar); supletivas (aplicam-se na ausência da manifestação de vontade dos contratantes) ou interpretativas dos preceitos legais e das estipu-lações contratuais.

4.4. Outras Normas Legais.

O Código Civil integra o sistema jurídico da companhia, na medida em que contém disposições sobre diversos institutos que se aplicam à companhia (pessoas jurídicas, negócios jurídicos, atos ilícitos, prescrição e decadência, direitos das obrigações, responsabilidade civil, entre outros).

Há, ainda, leis de direito público que contêm normas aplicáveis às com-panhias, como as que regulam os mercados de valores mobiliários (lei nº 6.385/76) e dispõem sobre companhias abertas, e as do Código Penal, cujo art. 177 tipifica os crimes praticados pelos fundadores, administradores e acionistas de companhias.

4.5. Contratos Parassociais.

A expressão “contratos parassociais” significa gênero de contratos coliga-dos ao de sociedade, ou dele dependentes, pelos quais os sócios contraem obrigações sobre exercício de seus direitos de sócio e de dispor de suas parti-cipações societárias, ou sobre obrigações de prover recursos à sociedade. São contratos distintos do contrato de sociedade, mas a ele acessórios. A modali-dade de contrato parassocial mais estudada é o acordo de acionista.

Na definição de Carlos Augusto da Silveira Lobo, os acordos de acionistas são modalidades de “contrato parassocial”, que compreendem contratos em que as partes regulam ou complementam seus direitos e obrigações como sócios de determinada sociedade e por isso são considerados coligados ao contrato social, ou acessórios deste.

Por força de expressa disposição legal (art. 118 da LSA), o acordo de acio-nistas integra o sistema jurídico da companhia quando arquivado na sua sede. A lei 10.303/2001 reforçou a eficácia da referida norma ao acrescentar ao art. 118 da LSA o parágrafo 8º que determina que: “o presidente da assembleia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado”.

Ainda, o parágrafo 9º define que:

“O não comparecimento à assembleia ou às reuniões dos órgãos de ad-ministração da companhia, bem como as abstenções de voto de qualquer parte de acordo de acionistas ou de membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura à parte prejudicada o

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FGV DIREITO RIO 23

26 Lei 6.404/76: “Artigo 138. A adminis-tração da companhia competirá, con-forme dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria.

§1º O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada, sendo a representação da companhia privati-va dos diretores.”

§ 2º As companhias abertas e as de capital autorizado terão, obrigatoria-mente, conselho de administração.”

direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte prejudicada.”

5. ÓRGÃOS SOCIAIS.

A sociedade anônima, como qualquer outra pessoa jurídica, manifesta a vontade social através de seus órgãos. Nesse sentido, a LSA prevê a existência de, ao menos, quatro órgãos sociais:

(a) Assembleia Geral;(b) Diretoria; e(c) Conselho Fiscal, o qual, entretanto, não precisa funcionar conti-

nuamente; e (d) Conselho de Administração nas companhias aber-tas (art. 138,§2º, LSA), nas sociedades de capital autorizado (art. 138,§2º, LSA) e de economia mista (art. 239 LSA) (na sociedade anônima fechada, o conselho de administração é facultativo)26.

Ainda, de acordo com o art. 160 da LSA, permite-se que o estatuto crie outros órgãos com funções técnicas ou de aconselhamento.

Melhor análise desse tema se dará nos tópicos 5 e 6. Por ora cabe men-cionar brevemente o seguinte a respeito da cada um dos órgãos sociais legal-mente previstos:

5.1. Assembleia Geral.

É o órgão supremo da sociedade, no qual reside a fonte maior de todo o poder. Formada pela reunião de todos os acionistas, tem competência irres-trita para deliberar sobre todos os assuntos de interesse da sociedade. Subdi-vide-se em ordinária ou extraordinária, de acordo com os temas abordados.

5.2. Diretoria.

É o órgão executivo da sociedade, sendo seus membros detentores do po-der da representação social, competindo, além disso, a direção da sociedade, desde o desenvolvimento dos negócios e abertura de mercados ao comando dos empregados.

5.3. Conselho Fiscal.

É o órgão da companhia destinado a fiscalizar os atos dos administradores e o cumprimento dos seus deveres estatutários e legais. A Lei não impõe o seu

26. Lei 6.404/76: “Artigo 138. A ad-ministração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao con-selho de administração e à diretoria.

<nota3>§1º O conselho de adminis-tração é órgão de deliberação colegia-da, sendo a representação da compa-nhia privativa dos diretores.”

§ 2º As companhias abertas e as de capital autorizado terão, obrigatoria-mente, conselho de administração.”

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funcionamento permanente, podendo o estatuto dispor sobre o mesmo. Este órgão social será melhor abordado na aula 12.

5.4. Conselho de Administração.

Sua existência só é exigida pela lei nas companhias abertas, de capital au-torizado e nas sociedades de economia mista, sendo opcional na sociedade anônima fechada. Trata-se de órgão colegiado, deliberativo, que se coloca entre a assembleia geral e a diretoria na estrutura hierárquica da companhia, tendo como função orientar os negócios da companhia, eleger, acompanhar e fiscalizar os diretores, entre outras atribuições definidas no art. 142 da LSA.

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FGV DIREITO RIO 25

27 Nesse sentido, oportunas são as lições de Alfredo Lamy Filho: “As característi-cas da companhia — incorporação dos direitos dos acionistas em títulos de massa e responsabilidade limitada dos sócios — têm origem e fundamento em sua função no mercado de capitais:é modelo de organização de grupo empre-sário que as economias de livre empresa desenvolveram, adaptado ao funciona-mento desse mercado, cuja expansão moderna é, por sua vez, efeito da difusão do modelo de companhia. As demais formas de sociedade comercial foram inventadas e são reguladas como esque-mas de associação de pequeno número de pessoas e não se prestam à captação de capitais no mercado.” PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Compa-nhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I, P. 203.

28 O mercado de valores mobiliários brasileiro / Comissão de Valores Mobili-ários. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2014. P. 122.

AULAS 3 E 4: COMPANHIA ABERTA E FECHADA. MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS — CVM. NOÇÕES GERAIS.

LEITURA BÁSICA:

LAMY FILHO, Alfredo et Al. A Lei das S.A. Rio de Janeiro: Editora Reno-var. 1995, Vols. I — pp. 129-183

EIZIRIK, Nelson et Al. Mercado de Capitais— Regime Jurídico, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2011, Capítulos 1 e 2 pp.1-24

ROTEIRO DA AULA:

Na aula passada, vimos algumas noções gerais e características próprias das sociedades anônimas. Também identificamos a importância estratégica, do ponto de vista econômico, social e político, da constituição de uma sociedade anônima quando comparada com a sociedade limitada27.

Assim, passaremos ao exame mais detido da Sociedade Anônima, suas classificações e tipos, bem como sua forma de constituição. O conceito de valores mobiliários e as suas noções gerais serão aprofundados nas aulas sub-sequentes.

1. COMPANHIAS ABERTAS VS. COMPANHIAS FECHADAS.

O art. 4 da LSA considerou a existência de duas espécies de sociedade anô-nima: sociedade anônima de capital aberto e sociedade anônima de capital fechado. Segundo o referido dispositivo, “a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários”. É o que se verifica no esque-ma abaixo28:

27. Nesse sentido, oportunas são as lições de Alfredo Lamy Filho: “As ca-racterísticas da companhia — incorporação dos direitos dos acionistas em títulos de mas-sa e responsabilidade limita-da dos sócios — têm origem e fundamento em sua função no mercado de capitais:é modelo de organização de grupo empresário que as economias de livre empresa desenvolveram, adaptado ao funcionamento desse merca-do, cuja expansão moderna é, por sua vez, efeito da difusão do modelo de companhia. As demais formas de sociedade comercial foram inventadas e são reguladas como esque-mas de associação de peque-no número de pessoas e não se prestam à captação de capitais no mercado.” PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Al-fredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Edito-ra Forense. 2009, Vols. I, P. 203.

28. O mercado de valores mobiliários brasileiro / Comissão de Valores Mobiliários. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2014. P. 122.

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FGV DIREITO RIO 26

29 No mesmo sentido, dispõe o artigo 22 da Lei 6.835/76: “Art. 22. Considera-se aberta a companhia cujos valores mo-biliários estejam admitidos à negociação na bolsa ou no mercado de balcão.”

30 Artigo 2º da Lei 6.385/76: Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: 

I — as ações, debêntures e bônus de subscrição; 

II — os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobra-mento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II; 

III — os certificados de depósito de valores mobiliários; 

IV — as cédulas de debêntures; V — as cotas de fundos de inves-

timento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; 

VI — as notas comerciais; VII — os contratos futuros, de op-

ções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; 

VIII — outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subja-centes; e

IX — quando ofertados publica-mente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

§ 1o Excluem-se do regime desta Lei:         I — os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal; 

II — os títulos cambiais de respon-sabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures. 

§ 2o Os emissores dos valores mobili-ários referidos neste artigo, bem como seus administradores e controladores, sujeitam-se à disciplina prevista nesta Lei, para as companhias abertas. 

§ 3o  Compete à Comissão de Valo-res Mobiliários expedir normas para a execução do disposto neste artigo, podendo:

I — exigir que os emissores se constituam sob a forma de sociedade anônima;

II — exigir que as demonstrações financeiras dos emissores, ou que as informações sobre o empreendimento ou projeto, sejam auditadas por auditor independente nela registrado;

III — dispensar, na distribuição pú-blica dos valores mobiliários referidos neste artigo, a participação de socie-dade integrante do sistema previsto no art. 15 desta Lei; 

IV — estabelecer padrões de cláusulas e condições que devam ser adotadas nos títulos ou contratos de investimento, destinados à negocia-ção em bolsa ou balcão, organizado ou não, e recusar a admissão ao mercado da emissão que não satisfaça a esses padrões. 

Portanto, a distinção entre uma companhia “aberta” e uma “fechada” re-pousa basicamente numa situação formal, representada pela admissão de tí-tulos da companhia em bolsa.

Por sua vez, a admissão de negociação dos títulos em bolsa dá-se por meio do respectivo registro da companhia na Comissão de Valores Mobiliários — CVM, consoante dispõe o art. 4, §1º, da LSA, nos seguintes termos: “So-mente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser negociados no mercado de valores mobiliários.”29 Exige-se o Registro de Emissão Pública e o Registro de Companhia Aberta para negociação em Bolsa ou no Mercado de Balcão Organizado, consoante discriminados nas Instruções CVM nº 13/80 e 202/93.

Além das ações, outros valores mobiliários são passíveis de emissão para negociação no mercado, consoante expressa lista feita no artigo 2º da Lei 6.385/7630.

2. DISTRIBUIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS.

Como se viu, a sociedade anônima confere diversos mecanismos para o financiamento da atividade empresarial, mediante a emissão e distribuição de títulos e valores mobiliários.

Nesse sentido, a distribuição de valor mobiliário pode ser feita de forma pública ou privada. A distribuição “privada” consiste na distribuição de títu-los voltada para um grupo restrito, com ou sem intermediação financeira, e dispensada de registro na CVM, podendo, portanto, ser realizada por com-panhias fechadas.

29. No mesmo sentido, dispõe o artigo 22 da Lei 6.835/76: “Art. 22. Considera-se aberta a compa-nhia cujos valores mobiliários estejam admitidos à negocia-ção na bolsa ou no mercado de balcão.”

30. Artigo 2º da Lei 6.385/76: Art. 2o  São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: 

<nota3><nota3>I — as ações, debêntures e bônus de subscrição; 

<nota3>II — os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II; 

<nota3>III — os certificados de depósito de valores mobiliários; 

<nota3>IV — as cédulas de de-bêntures; 

<nota3>V — as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quais-quer ativos; 

<nota3>VI — as notas comerciais; <nota3>VII — os contratos fu-

turos, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; 

<nota3>VIII — outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e

<nota3>IX — quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

<nota3>§ 1o Excluem-se do regime desta Lei:         I — os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal; 

<nota3>II — os títulos cambiais de responsabilidade de instituição finan-ceira, exceto as debêntures. 

<nota3>§ 2o  Os emissores dos valores mobiliários referidos neste ar-tigo, bem como seus administradores e controladores, sujeitam-se à disciplina prevista nesta Lei, para as companhias abertas. 

<nota3>§ 3o  Compete à Comissão de Valores Mobiliários expedir normas para a execução do disposto neste ar-tigo, podendo:

<nota3>I — exigir que os emisso-res se constituam sob a forma de socie-dade anônima;

<nota3>II — exigir que as de-monstrações financeiras dos emis-sores, ou que as informações sobre o empreendimento ou projeto, sejam auditadas por auditor independente nela registrado;

<nota3>III — dispensar, na distri-buição pública dos valores mobiliários referidos neste artigo, a participação de sociedade integrante do sistema previsto no art. 15 desta Lei; 

<nota3>IV — estabelecer padrões de cláusulas e condições que devam ser adotadas nos títulos ou contratos de investimento, destinados à negociação em bolsa ou balcão, organizado ou não, e recusar a admissão ao mercado da emissão que não satisfaça a esses padrões. 

<nota3>§ 4o  É condição de vali-dade dos contratos derivativos, de que tratam os incisos VII e VIII do caput, celebrados a partir da entrada em vigor da Medida Provisória no 539, de 26 de julho de 2011, o registro em câmaras ou prestadores de serviço de compen-sação, de liquidação e de registro auto-rizados pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários.

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FGV DIREITO RIO 27

§ 4o  É condição de validade dos contratos derivativos, de que tratam os incisos VII e VIII do caput, celebrados a partir da entrada em vigor da Medida Provisória no  539, de 26 de julho de 2011, o registro em câmaras ou pres-tadores de serviço de compensação, de liquidação e de registro autorizados pelo Banco Central do Brasil ou pela Co-missão de Valores Mobiliários.

A distribuição pública de valores mobiliários, por seu turno, afigura-se o meio pelo qual as companhias ou os titulares de valores mobiliários de sua emissão, realizam, mediante apelo ao público, a colocação destes ativos no mercado de capitais. Nesse caso, a companhia deverá ser de capital aberto. O termo utilizado para identificar a primeira vez em que uma companhia emite valores mobiliários ao mercado é IPO — Initial Public Offer. As ofertas de ações podem ser primárias ou secundárias.

A oferta pública primária ocorre mediante a emissão de novas ações, oferta-das ao mercado, cujo ingresso de novos recursos, em contrapartida à aquisição das novas ações emitidas, destina-se à própria companhia emissora. Este tipo de oferta atende a principal função econômica do mercado de capitais, consistente no financiamento de médio e longo prazo da sociedade e é denominada subs-crição de ações. A aquisição dessas ações dá-se por meio de subscrição (cash-in).

Já a oferta pública secundária acontece quando são ofertadas ao mercado ações já existentes, pertencentes, geralmente, aos seus sócios. Nesse caso, os recursos pa-gos, em contrapartida da aquisição dessas ações, destinam-se aos sócios vendedo-res. A aquisição dessas ações dá-se por meio de compra e venda de ações (cash-out).

Para facilitar a visualização do que está escrito acima, segue uma tabela ilustrativa.

Distribuição Privada Distribuição Pública

— Voltada para um grupo espe-cífico

— Com ou sem intermediação financeira

— Dispensa registro na CVM (por isso pode ser realizada por Cia. Fechadas)

— Não há formalidade adicional

— Colocação de ativos no mercado de capitais— Companhias abertas (ou seja, precisa do registro da CVM). Para in-

vestir em Cia. Aberta é preciso corretor.— IPO — Inicial Public Offer (primeira vez que uma companhia emite

valores mobiliários ao mercado)

Oferta Pública Primária Oferta Pública Secundária

Muda o capital social da Cia. Emissão de novas ações que se-rão ofertadas ao mercado, com ingresso de recursos na própria companhia emissora (subscrição de ações). O dinheiro aportado vai para o caixa da Cia. Atende a fun-ção do financiamento de médio e longo prazo da sociedade.

São ofertadas ações já exis-tentes. Os recursos vão para os acionistas vendedores e não para a companhia em si (com-pra e venda). É o que promove a liquidez (faz os grandes milio-nários).

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FGV DIREITO RIO 28

3. MERCADO DE CAPITAIS: O ACESSO À POUPANÇA POPULAR.

A admissão da negociação de valores mobiliários de uma companhia no mercado de capitais apresenta uma série de vantagens à companhia, nota-damente relacionadas à captação de recursos. Isso porque no mercado de capitais (ou mercado de valores mobiliários) são efetuadas operações que não apresentam a natureza de negócio creditício, nas quais a companhia contrai dívidas perante instituições financeiras, obrigando-se a devolver os recursos à taxas de juros expressivas.

No mercado de capitais, a canalização de recursos da companhia ocorre, em regra, mediante a aquisição de participação acionária (aquisição das ações admitidas à negociação em bolsa). Por conta disso, o retorno do investimento está, a rigor, relacionado à lucratividade da companhia e à valorização dos títulos. Tem-se um novo sócio, em vez de um credor, ao contrário do que ocorre quando o financiamento dá-se mediante assunção de mútuos para com instituições financeiras.

Daí decorre a natureza do mercado de capitais como um mercado de “ris-co”, uma vez que seus investidores não possuem qualquer garantia de retorno do investimento, o qual dependerá do resultado positivo da companhia.

E mesmo nos casos em que a companhia oferta papéis que não conferem aos investidores participação acionária, mas verdadeiro direito de crédito, v. g. debêntures, a emissora pode, consoante dispõe o art. 56 da LSA, espe-cificar as condições de remuneração do título de acordo com o seu perfil e capacidade financeira, em contraste com as duras condições impostas pelas instituições financeiras no mercado de créditos.

Além disso, diversamente do que ocorre no mercado de crédito, no mer-cado de capitais, a mobilização de poupança é realizada diretamente entre a unidade econômica deficitária — entidade emissora — e a unidade econô-mica superavitária — o investidor. Inexiste, nesta hipótese, intermediação financeira, porquanto os recursos fluem diretamente dos adquirentes dos va-lores imobiliários para as empresas que os emitem. Confere-se o acesso direto à poupança popular.

4. A COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS.

Por conta do acesso direto à poupança popular conferido pelo mercado de capitais às companhias emissoras, criou-se a Comissão de Valores Mobi-liários — CVM, a fim de regular o mercado de capitais, tendo por princípio básico defender os investidores e o mercado de valores mobiliários em geral. Nesse sentido, conforme apontam Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira:

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31 PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I, P. 210-211.

“Essa orientação é originária dos Estados Unidos, no nível dos Estados--Membros, como prolongamento da legislação sobre companhias que, na-quele país, é de competência dos Estados. As leis estaduais que regularam a oferta e venda de valores mobiliários ficaram conhecidas como “blue sky laws”, porque objetivavam coibir esquemas especulativos que não tinham maior base do que uma pequena área de “céu azul”.

A legislação federal de caráter geral, com o objetivo de proteger os inves-tidores, surgiu em 1933, como conseqüência do grande “crash” financeiro de outubro de 1929 e da depressão econômica que se seguiu. Os prejuízos extraordinários sofridos pelo público investidor, após longo período de su-pervalorização do mercado, e os baixos padrões técnicos e éticos revelados em inquéritos públicos realizados naquela época conduziram, no governo de Franklin Roosevelt, à intervenção do Governo federal no mercado de capitais, com o fim de regular a venda de valores mobiliários e proibir as manipulações de preços.

Por iniciativa de Roosevelt e como conseqüência das investigações do Congresso foram editados o Securities Atc, de 1933, e o Security Exchange Act, de 1934, aos quais se seguiram pouco depois o Public Utility Holding Company Act, de 1935, o Trust Indenture Act, de 1939, o Investment Company Act, de 1940 e o Investment Advisors Act, de 1940, todos ad-ministrados pela Security Exchange Commision, criada pela lei de 1934.

Essa solução de criar órgão público especializado para policiamento do mercado de valores mobiliários — veio, depois da Grande Guerra, influen-ciar diversas outras legislações, inclusive a brasileira.”31

A CVM é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda com personalidade jurídica e patrimônio próprio. Foi criada pela Lei nº 6.385/76, que fixou suas funções especificas, sempre correlacionadas ao mercado de títulos emitidos pelas sociedades anônimas.

A CVM visa a consolidar o mercado de valores mobiliários como instru-mento dinâmico e eficaz na (i) formação de poupanças; (ii) capitalização de companhias abertas; e (iii) dispersão de renda e propriedade. Busca a parti-cipação do público de forma crescente, assegurando acesso às informações sobre valores mobiliários negociados e sobre os emitentes.

A CVM tem como atribuições disciplinar e fiscalizar as atividades previs-tas no art. 1º da Lei nº 6.385/76, a saber: I — a emissão e distribuição de va-lores mobiliários no mercado; II— a negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários; III — a negociação e intermediação no mercado de derivativos; IV — a organização, o funcionamento e as operações das Bolsas

31. PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I, P. 210-211.

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de Valores; V — a organização, o funcionamento e as operações das Bolsas de Mercadorias e futuros; VI — a administração de carteiras e a custódia de valores mobiliários; VII — a auditoria das companhias abertas; e VIII — os serviços de consultor e analista de valores mobiliários.

Por sua vez, as competências da CVM estão estabelecidas no art. 8º da Lei nº 6.385/76: I — regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias expressamente previstas nesta Lei e na lei de sociedades por ações; II — administrar os registros instituídos por esta Lei; III — fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o Art. 1º, bem como a veicu-lação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados; IV — propor ao Conselho Monetário Nacional a eventual fixação de limites máximos de preço, comissões, emolumentos e quaisquer outras vantagens cobradas pelos intermediários do mercado; V — fiscalizar e inspecionar as companhias abertas.

5. CANCELAMENTO DE REGISTRO (I.E., FECHAMENTO DE CAPITAL).

De outra ponta, caso a companhia pretenda cancelar o registro junto à CVM, regressando à condição de sociedade anônima fechada, hipótese na qual seus valores mobiliários não serão mais admitidos à negociação em bol-sa, exige-se que a companhia emissora proponha oferta pública para aquisi-ção da totalidade das ações em circulação, assim como o resgate das debên-tures, bônus de subscrição ou outros valores mobiliários levados ao mercado.

Também devem ser cumpridas as exigências da Instrução CVM nº 361/2002, a qual exige a aceitação da oferta ou a concordância com o fecha-mento do capital por no mínimo dois terços do total correspondente às ações que de alguma forma se manifestaram sobre o tema.

A esse respeito, vale registrar também, a inclusão do §4º ao art. 4º da LSA, por meio da Lei nº 10.303 de 2001:

“§ 4o O registro de companhia aberta para negociação de ações no mer-cado somente poderá ser cancelado se a companhia emissora de ações, o acionista controlador ou a sociedade que a controle, direta ou indireta-mente, formular oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação no mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito

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32 EIzIRIK, Nelson. Lei das S.A Comen-tada. Vol. I. Quartier Latin: São Paulo, 2011. Pp. 75-76.

33 2002, Parecer CVM/SJU/Nº361 P. 20.

pela Comissão de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade com o disposto no art. 4o-A.”

O referido dispositivo optou por não estabelecer um único critério para a mensuração do preço da ação da companhia que pretenda o cancelamento de seu registro. A Lei apenas impôs que o preço seja justo, procurando impedir qualquer mensuração arbitrária e vil das ações, em proteção aos acionistas minoritários.

Sobre o dispositivo legal em comento assevera Nelson Eizirik:

“Um dos objetivos essenciais das normas que regulam os procedimen-tos de fechamento de capital, além de assegurar o direito de saída, é o de conferir aos minoritários titulares de percentual relevante das ações em cir-culação no mercado a possibilidade de impedir o cancelamento de registro de companhia aberta. A pessoa que investe em determinada companhia aberta tem a expectativa de que os valores mobiliários adquiridos poderão ser, a qualquer momento, negociados no mercado. Logo, seria extremamen-te prejudicial ao próprio desenvolvimento do mercado de capitais se tal expectativa pudesse ser frustrada por decisão discricionária dos acionistas controladores ou dos administradores da companhia.32”

Apesar da notória preocupação com os acionistas minoritários, tão im-portantes para o desenvolvimento do mercado de capitais, por se tratar de um conceito jurídico indeterminado, a definição de “preço justo” pode gerar graves desentendimentos.

6. SQUEZEE OUT (RESGATE COMPULSÓRIO).

Já o novo § 5º do artigo 4º da Lei das S.A. determina o resgate compulsó-rio das ações pertencentes aos acionistas minoritários, se, terminado o prazo da oferta pública referido no § 4º, remanescerem em circulação menos de 5% do total das ações emitidas pela companhia. A decisão de resgate compulsó-rio é tomada em assembleia geral, e o preço de resgate é o da oferta pública, devendo ser depositado em estabelecimento bancário autorizado pela CVM, à disposição dos seus titulares.

Norma Parente33 esclarece e justifica a implementação do instituto:

“Encerrada a oferta pública, se remanescerem em circulação menos de 5% do total das ações emitidas pela companhia, a assembleia geral poderá deliberar o resgate dessas ações pelo mesmo valor da oferta de fechamento de capital. A lei parte do princípio de que a aprovação de 95% dos acionistas

32. EIzIRIK, Nelson. Lei das S.A Comentada. Vol. I. Quartier Latin: São Paulo, 2011. Pp. 75-76.

33. 2002, Parecer CVM/SJU/Nº361 P. 20.

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referenda os termos da oferta. Evita-se, assim, que, numa sociedade em que 95% dos sócios aceitaram a oferta, esta se veja obrigada a manter pequena quantidade de acionistas, em situações, como, por exemplo, quando se des-conhece o paradeiro dos acionistas.”

A preocupação deste artigo é fazer valer a decisão da grande maioria do capital social que deseja fechar o capital. Afinal, se a grande maioria dos acio-nistas aceitou o valor deliberado para o resgate, entende-se que esta vontade deve predominar em detrimento dos 5% que não desejam vender suas ações.

7. NORMAS ESPECIAIS DA LEI DAS S.A. EM RELAÇÃO ÀS COMPANHIAS ABERTAS.

As normas a seguir aplicam-se, unicamente, às companhias abertas.

7.1. Registro e classificação das companhias abertas.

Lei das S.A., Art. 4º e parágrafos.

Todos os valores mobiliários que a companhia queira negociar ou distribuir no mercado devem ser registrados na CVM (art. 4º, §§ 1º e 2º, LSA). Feito isso, o registro apenas pode ser cancelado após oferta pública para compra da totalidade dos valores em circulação no mercado (art. 4º, §§ 4º e 5º, LSA).

Caso um determinado acionista ou sociedade controladora adquira ações de companhia, elevando sua participação além das margens fixadas pela CVM, configurando aquisição de controle, é obrigado a fazer oferta pública para compra das ações remanescentes no mercado (art. 4º, §§ 4º, LSA).

A CVM pode classificar as companhias abertas em categorias e especificar as normas aplicáveis a cada categoria (art. 4º, § 3º, LSA).

7.2. Ações.

De acordo com o parágrafo 1º do art. 17 da Lei 6.404/76, as ações pre-ferenciais sem direito de voto ou com restrição ao exercício deste direito, somente serão admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários se a elas for prevista pelo menos uma das preferências ou vantagens previstas nos incisos seguintes do referido dispositivo.

As ações a serem negociadas devem, claro, obedecer às normas da CVM (art. 30, § 2º, LSA) e estarão admitidas para tal uma vez realizados 30% do preço de emissão.

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7.3. Constituição e Livros Sociais.

A constituição da companhia deverá ser feita por subscrição pública, regu-lada nos artigos 82 e seguintes da LSA.

Seus fundadores e a instituição financeira que participar da subscrição pública responderão, no âmbito das respectivas atribuições, pelos prejuízos resultantes da inobservância de preceitos legais. Os primeiros, além disso, responderão solidariamente pelo prejuízo decorrente de culpa ou dolo em atos ou operações anteriores à constituição.

A companhia precisa, de modo a registrar suas operações, possuir determi-nados livros, afora àqueles já obrigatórios aos comerciantes, listados no art. 100 da LSA. Os livros sociais de registro e transferência de ações poderão ser substituídos por registros mecanizados ou eletrônicos, consoante disponham as regras da CVM a respeito (art. 100, § 2º, LSA).

7.4. Acionistas e Acordo de Acionistas.

Dando efetividade ao dever de informação a que estão intitulados os acio-nistas, principalmente os minoritários, a lei societária prevê que os acionistas controladores e aqueles que elegerem membros do conselho de administra-ção ou fiscal deverão informar imediatamente as modificações na sua parti-cipação acionária (art. 116-A, LSA) e, ainda, que os órgãos da companhia devem informar anualmente o disposto no acordo de acionistas a respeito de reinvestimento de lucros e distribuição de dividendos (art. 118, § 5º, LSA).

7.5. Assembleia Geral.

Os prazos de convocação para as assembleias serão de 15 dias (em 1ª con-vocação) e 8 dias (em 2ª convocação — art. 124, § 1º, LSA). No entanto, é lícito à CVM aumentar o prazo de convocação da assembleia que tiver por objeto deliberar sobre operações complexas ou suspender os prazos mencio-nados, observado o disposto no art. 124, § 5º, I e II, LSA.

Pode a CVM, também, reduzir o quórum qualificado de deliberação da assembleia, atendendo ao contido no art. 136, §§ 2º e 3º, da LSA.

Os documentos postos à disposição dos acionistas para fins de deliberação da assembleia de acionistas deverão ser entregues à bolsa de valores na data da publicação do anúncio de convocação da assembleia (art. 124, § 6º, LSA).

A representação de acionistas poderá ser feita por procurador que seja ins-tituição financeira (art. 126, § 1º, LSA).

O direito de retirada não poderá ser exercido pelos sócios que detiverem ações de espécie ou classe que tenha liquidez no mercado (art. 137, II, LSA), nos casos de fusão, incorporação ou participação em grupo de sociedades pela companhia.

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7.6. Conselho de Administração.

As companhias abertas são obrigadas a terem um conselho de administra-ção (art. 138, § 2º, LSA), cujas funções estão enumeradas no art. 142 da LSA.

Visando a proteger os acionistas minoritários, incluiu-se na Lei Societária o instituto do voto em separado, que permite aos acionistas que o requererem (cuja participação em relação ao capital social deve ser de pelo menos 15% das ações com direito a voto ou 10% das ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito) o poder de eleger ou a faculdade de destituir um membro do conselho de administração e seu suplente (art. 141, §§ 4º a 6º e 8º, LSA).

7.7. Administradores.

Nas companhias abertas, são inelegíveis para os cargos de administração as pessoas inabilitadas por ato da CVM (art. 147, § 2º, LSA).

O administrador da companhia possui diversos deveres e obrigações, tais como o dever de sigilo sobre qualquer informação não divulgada (art. 155, §§ 1º a 4º, LSA). Isso inclui, ainda, o dever de não utilizar essas informações para obter vantagens na compra e venda de valores mobiliários, o que carac-terizaria o chamado Insider Trading.

A) Caso Ambev — Processo Administrativo CVM nº 13/2000, Rel. Dir. Marcelo Fernandez Trindade, j. em 17.04.2002: Trecho do re-latório: “O presente processo administrativo sancionador foi ins-taurado para “apurar o eventual uso de informação privilegiada rela-cionada aos negócios com ações de emissão da Companhia de Bebidas das Américas — AMBEV realizados no período de maio de 2003 a março de 2004, e ao fato relevante por ela divulgado em março de 2004” e teve por origem oscilações significativas de preço, volume e quantidade de negócios das ações de emissão da AMBEV, ocorridas em 27/02 e 03/03/04, detectadas pela Gerência de Acompanha-mento de Mercado — GMA-2, envolvendo notícias divulgadas nos meios de comunicação com referência à possível fusão da empresa com a cervejaria belga INTERBREW e fato relevante publicado pela AMBEV em 03/03/04.”

(...)Absolvição, diante da ausência de indícios que permitissem a procedência

da ação.B) Caso Bahema — Processo Administrativo CVM nº 24/2005, Rel.

Dir. Sergio Weguelin, j. em 07.10.2008: “Suposta prática de insider trading. Eventual uso indevido de informação privilegiada na aquisição de ações da Bahema Equipamentos S.A. Os acusados teriam adquirido

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as opções sabendo antecipadamente que estava em curso a negociação do controle da companhia e o fechamento de seu capital. Advertência a um dos acursados (arts. 10 e 11 da ICVM nº 31/84, art. 13, caput, da ICVM nº 358/02, e 155 § 1º da LSA). Multa a 3 dos acusados (art. 155, § 4º, da LSA e §1º do art. 13 da ICVM nº 358/02). Meros indí-cios foram suficientes para a configuração do insider.”

C) Caso Sadia-Perdigão — Processo Administrativo CVM nº 07/2007, Rel. Dir. Marcos Barbosa Pinto, j. em 16.03.2009: “Su-posta prática de insider trading. Eventual uso indevido de informa-ção privilegiada em negócios com ações de emissão de Sadia S.A. e Perdigão, ocorridos na Bovespa, nos dias anteriores ao lançamento, pela Sadia, de uma oferta pública de aquisição do controle acioná-rio da Perdigão. Condenação do acusado, por infração ao art. 155, § 4º, da LSA, ao pagamento de multa no valor de R$ 500.000,00.”• Dever de prestar informação aos acionistas a respeito dos valores

móveis da companhia que porventura detenha e de outros direi-tos a ela ligados, caso haja pedido de acionistas que representem, no mínimo, 5% do capital social (art. 157, §1º, LSA).

• Dever de comunicar fato relevante à Bolsa de Valores e à impren-sa (art. 157, §§ 4º e 5º da LSA).

• Dever de informar as modificações em suas posições acionárias na companhia (art. 157, §§ 6º, LSA).

Por fim, a responsabilidade solidária do administrador (art. 158, §§ 3º e 4º, LSA) é restrita àqueles que, por disposição expressa do estatuto, tenham atribuição específica de cumprimento de deveres de que depende o funciona-mento normal da companhia (art. 158, §§ 3º e 4º, LSA).

7.8. Modificação do Capital Social

O órgão competente para deliberar sobre emissão de ações mediante subs-crição particular deverá dispor sobre as sobras de valores mobiliários não subscritos (art. 171, § 7º, LSA).

Se no estatuto da companhia houver autorização para aumento de capital, este poderá prever, também, a emissão (sem direito de preferência ou com redu-ção do prazo de preferência) de ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, que terão a colocação referida no art. 172 e incisos I e II da Lei.

7.9. Demonstrações Financeiras e Dividendo Obrigatório.

As demonstrações financeiras das companhias abertas serão feitas de acor-do com as normas contábeis expedidas pela CVM, e serão auditadas por auditores independentes (art. 177, § 3º, LSA).

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Somente as companhias abertas exclusivamente para a captação de recur-sos por debêntures não conversíveis em ações podem distribuir dividendo inferior ao obrigatório (art. 202, LSA) ou deixar de distribuir lucros (art. 202, § 3º, LSA).

A companhia pode deixar de distribuir dividendos obrigatórios também quando isto for incompatível com a sua situação financeira, devendo enca-minhar à CVM exposição justificada contida na ata da assembleia que assim deliberou.

7.10. Incorporação, Fusão e Cisão

Nas operações societárias acima, quando envolverem companhia aberta, as sociedades que as sucederem deverão observar o disposto no art. 223, § 3º:

“Art. 223, § 3º: Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem com-panhia aberta, as sociedades que a sucederem serão também abertas, de-vendo obter o respectivo registro e, se for o caso, promover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo de cento e vinte dias, contados da data da assembleia-geral que aprovou a operação, observando as normas pertinentes baixadas pela Comissão de Valores Mobiliários.”

Caso não seja observado o procedimento acima, aos acionistas é garantido o direito de retirada (art. 223, § 4º, LSA).

7.11. Sociedade de Economia Mista.

Estão sujeitas às normas expedidas pela CVM (art. 235, §1º, LSA). Os de-veres, responsabilidades e obrigações de seus administradores são os mesmos dos administradores de companhias abertas (art. 239,parágrafo único, LSA).

7.12. Sociedades Coligadas, Controladoras e Controladas.

A CVM poderá solicitar informações adicionais a respeito de sociedades controladoras e coligadas da companhia aberta, que deverá prestá-las, como dispõe o art. 243, § 3º da LSA.

Além disso, a CVM poderá expedir normas sobre demonstrações finan-ceiras consolidadas (art. 249, par. único). Nesse campo, há que se registrar também que, na avaliação do investimento em coligadas e controladas, a di-ferença entre o valor do investimento e o custo de aquisição somente poderá ser registrada como resultado do exercício observadas as normas da CVM a respeito (art. 248, III, ‘c’, LSA).

Quanto à alienação/compra de controle dessas companhias:

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FGV DIREITO RIO 37

• A alienação ficará sujeita à condição de oferta pública para aquisição das ações com direito de voto de propriedade dos minoritários, de modo que lhes seja assegurado preço mínimo de 80% do valor pago por ação integrante do bloco de controle (art. 254-A e parágrafos).

• Em se tratando de companhia aberta que dependa de autorização go-vernamental, a alienação está sujeita à prévia autorização do órgão competente para aprovar a alteração do seu estatuto.

• A compra, por companhia aberta, do controle de qualquer sociedade mercantil dependerá de deliberação da assembleia geral da comprado-ra para os casos listados no art. 256, ressalvando-se o disposto no § 1º do citado artigo. Verificada a hipótese do § 2º do referido dispositivo, o acionista dissidente poderá exercer o direito de retirada.

Tanto no caso de oferta pública para aquisição de controle de companhia aberta quanto no caso de incorporação, pela controladora, de controlada, há necessidade de participação de outras empresas para, respectivamente, garan-tir o cumprimento das obrigações assumidas pelo ofertante no primeiro caso (arts. 257 a 263, LSA) e avaliar os dois patrimônios (art. 264, § 1º, LSA), no segundo.

7.13. Publicações.

Obedecendo à onda de inovação tecnológica, a Lei Societária passou a auto-rizar a disponibilização de suas comunicações na internet (art. 289, § 7º, LSA).

7.14. Redução de porcentagem

Segundo o artigo 291 da Lei das S.A., “A Comissão de Valores Mobiliários poderá reduzir, mediante fixação de escala em função do valor do capital social, a porcentagem mínima aplicável às companhias abertas”, estabelecida nos se-guintes artigos da Lei:

• Art. 105à exibição de livros;• Art. 123, §único, ‘c’ à convocação da assembleia geral pelos acionis-

tas;• Art. 141, caput à pedido de votação pelo voto múltiplo na eleição

de conselheiros;• Art. 157, § 1º à pedidos de informações de acionistas na assembleia

geral;• Art. 159, § 4º à propositura de ação de responsabilidade contra ad-

ministradores;

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FGV DIREITO RIO 38

• Art. 161, § 2º à pedido de instalação do conselho fiscal, quando seu funcionamento não for permanente;

• Art. 163, § 6º à pedido de informações ao conselho fiscal;• Art. 246, § 1º, ‘a’ à ação contra sociedade controladora;• Art. 277 à pedido de instalação do conselho fiscal das filiadas do

grupo de sociedades; e• Art. 249 à valor do patrimônio líquido da companhia aberta que

torna obrigatória a elaboração de demonstrações consolidadas (art. 291, par. único, LSA).

8. NORMAS ESPECIAIS DA LEI DAS S.A. EM RELAÇÃO ÀS COMPANHIAS FECHADAS.

As normas a seguir aplicam-se, por sua vez, somente às companhias fechadas.

8.1. Ações.

Podem ser de uma ou mais classes nesse tipo de companhia, observado o art. 16 da Lei Societária (art. 15, § 1º, LSA).

8.2. Limitações à Circulação das Ações.

O estatuto da companhia fechada pode limitar a circulação das ações no-minativas, observado o art. 36 da LSA.

8.3. Convocação da Assembleia Geral.

Primeira convocação à 8 dias de antecedência (art. 124, § 1º, LSA). O acionista que representar mais de 5% do capital social será convocado por carta ou telegrama, caso ele assim o requeira, observado o art. 124, § 3º, LSA.

8.4. Assembleia Geral Ordinária.

Os diretores da companhia fechada podem votar os documentos da admi-nistração se forem os únicos acionistas (art. 134, § 6º, LSA).

8.5. Direito de Preferência.

As ações restantes por ocasião da subscrição de ações deverão ser rateadas nos termos do art. 171, § 8º, LSA.

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8.6. Exclusão do Direito de Preferência.

É possível em apenas uma hipótese: na subscrição de ações nos termos de lei especial sobre incentivos fiscais (art. 172, par. único, LSA).

8.7. Demonstração das Origens e Aplicação dos Recursos.

A companhia fechada com patrimônio líquido não superior a R$1.000.000,00 (um milhão de reais) não é obrigada a elaborar nem muito menos a publicar as referidas demonstrações (art. 176, § 6º, LSA).

8.8. Companhia de Pequeno Porte.

As companhias fechadas, que tiverem menos de 20 (vinte) acionistas e, ao mesmo tempo, possuírem patrimônio líquido inferior a R$1.000.000,00 (um milhão de reais), poderão valer-se das normas especiais previstas no art. 294 da LSA, que simplifiquem requerimentos relacionados às convocações de suas assembleias, da mesma forma em que simplificam exigências de regis-tros e publicidade de atos societários.

9. COMPANHIAS ABERTAS: BM&F-BOVESPA.

A BM&F-Bovespa é a principal instituição brasileira de intermediação para operações do mercado de capitais, que desenvolve, implanta e provê sis-temas para a negociação de ações, derivativos de ações, títulos de renda fixa, títulos públicos federais, derivativos financeiros, moedas à vista e commodities agropecuárias.

Tendo em vista sua área de atuação, a BM&F-Bovespa está sujeita à regu-lação e à supervisão da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central do Brasil.

9.1. Adesão Voluntária.

Para que as sociedades sejam listadas na BM&F-Bovespa, é necessário que sejam, primeiramente, companhias abertas registradas na CVM. Paralela-mente a este registro, devem as sociedades solicitar a listagem na BM&F--Bovespa de acordo com o segmento desejado (Tradicional, Novo Mercado, Nível 1 e Nível 2).

Ressalta-se que o registro é imprescindível para que a companhia tenha suas ações e debêntures negociadas em Bolsa (note-se que, caso não queiram se registrar, as sociedades sempre possuem a opção de negociar seus ativos em mercado de balcão).

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34 As aulas 21 e 22 tratarão exclusiva-mente da “Governança Corporativa”.

A adesão a qualquer um destes segmentos é absolutamente voluntária, o que gera a possibilidade de a companhia optar por aquele que melhor se adequar ao seu perfil e objetivos.

9.2. Novo Mercado, Nível 1 e Nível 2.

Os chamados segmentos especiais de listagem do mercado de ações (Novo Mercado, Nível 2, Nível 1) foram criados pela BM&F-Bovespa há mais de 10 anos, no momento em que a Bolsa percebeu que, para desenvolver o mercado de capitais brasileiro, atraindo novos investidores e novas socieda-des, seria preciso ter segmentos de listagem com regras rígidas de governança corporativa.

Essas regras vão além das obrigações que as companhias têm perante a Lei das Sociedades por Ações. Com isso, disponibilizam maior transparência aos investidores, agregando-se valor à companhia, segundo as pesquisas realiza-das pela BM&F-Bovespa.

Além disso, as regras mais rígidas para as sociedades reduzem o risco dos investidores que decidem adquirir suas ações, graças aos direitos e garantias asseguradas aos acionistas e às informações mais completas divulgadas, que reduzem as assimetrias de informações entre acionistas controladores, gesto-res da companhia e os participantes do mercado.

O Novo Mercado e os Níveis Diferenciados de Governança Corporativa34 — Nível 1 e Nível 2 — são segmentos especiais de listagem desenvolvidos com o objetivo de proporcionar um ambiente de negociação que estimulasse, ao mesmo tempo, o interesse dos investidores e a valorização das companhias.

Embora tenham fundamentos semelhantes, o Novo Mercado é direcio-nado principalmente à listagem de sociedades que venham a abrir capital, enquanto os Níveis Diferenciados 1 e 2 destinam-se a sociedades que já pos-suem ações negociadas na Bolsa BM&F-Bovespa.

Cada segmento possui exigências específicas para a admissão de uma so-ciedade, relacionadas à divulgação de informações (financeiras ou não), à es-trutura societária, à estrutura acionária, ao percentual de ações em circulação e aos aspectos de Governança Corporativa. As normas do Novo Mercado são mais rígidas, variando entre os segmentos de Nível 2, Nível 1 e Tradicional.

O site do IBGC apresenta de forma clara e sintética diferenciação entre os segmentos:

“Basicamente, o segmento de Nível 1 caracteriza-se por exigir práticas adicionais de liquidez das ações e disclosure. Enquanto o Nível 2 tem por obrigação práticas adicionais relativas aos direitos dos acionistas e conselho de administração. O Novo Mercado, por fim, diferencia-se do Nível 2 pela exigência para emissão exclusiva de ações com direito a voto. Estes dois últi-

34. As aulas 21 e 22 tratarão exclusivamente da “Governança Corporativa”.

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FGV DIREITO RIO 41

mos apresentam como resultado esperado a redução das incertezas no processo de avaliação, investimento e de risco, o aumento de investidores interessados e, consequentemente, o fortalecimento do mercado acionário. Resultados que trazem benefícios para investidores, empresa, mercado e Brasil.”

Segue, abaixo, quadro comparativo extraído do site da BM&F-Bovespa que sintetiza as principais diferenças entre cada segmento:

 NOVO

MERCADONÍVEL 2 NÍVEL 1 BOVESPA MAIS TRADICIONAL

Características das Ações Emi-

tidas

Permite a existência

somente de ações ON

Permite a existência de ações ON e PN

(com direi-tos adicio-

nais)

Permite a existência de ações ON e PN

(conforme legislação)

Somente ações ON podem ser negociadas e

emitidas, mas é permitida a exis-

tência de PN

Permite a existência de ações ON e PN (conforme legisla-

ção)

Percentual Míni-mo de Ações em Circulação (free

float)

No mínimo 25% de free float

25% de free float até o 7º ano de

listagem, ou condições míni-mas de liquidez

Não há regra

Distribuições públicas de

açõesEsforços de dispersão acionária Não há regra

Vedação a dis-posições estatu-tárias (a partir de

10/05/2011)

Limitação de voto inferior a 5% do capital, quorum qualificado e “cláusulas pétreas”

Não há regra

Composição do Conselho de

Administração

Mínimo de 5 membros, dos quais pelo me-nos 20% devem ser independentes com

mandato unificado de até 2 anos

Mínimo de 3 membros (conforme legislação)

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FGV DIREITO RIO 42

NOVO MERCADO

NÍVEL 2 NÍVEL 1 BOVESPA MAIS TRADICIONAL

Vedação à acumulação de cargos (a partir de 10/05/2011)

Presidente do conselho e diretor presiden-te ou principal executivo pela mesma pes-soa (carência de 3 anos a partir da adesão)

Não há regra

Obrigação do Conselho de

Administração (a partir de

10/05/2011)

Manifestação sobre qual-quer oferta pública de aquisição de ações da

companhia

Não há regra

Demonstrações Financeiras

Traduzidas para o inglês Conforme legislação

Reunião pública anual e calendá-

rio de eventos corporativos

Obrigatório Facultativo

Divulgação adi-cional de infor-

mações (a partir de 10/05/2011)

Política de negociação de valores mobiliá-rios e código de conduta

Não há regra

NOVO MERCADO

NÍVEL 2 NÍVEL 1 BOVESPA MAIS TRADICIONAL

Concessão de Tag Along

100% para ações ON

100% para ações ON e

PN 80% para ações ON (conforme legislação)

100% para ações ON

80% para ações ON (conforme

legislação)

100% para ações ON

e 80% para PN (até

09/05/2011)

Oferta pública de aquisição de ações no míni-mo pelo valor

econômico

Obrigatoriedade em caso de fechamento de capital

ou saída do segmento

Conforme legislação

Obrigatorieda-de em caso de fechamento de capital ou saída

do segmento

Conforme legis-lação

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FGV DIREITO RIO 43

35 Neste sentido, destacamos especial-mente: (i) MUNHOz, Eduardo Secchi. Desafios do Direito Societário Brasileiro na Disciplina da Companhia Aberta: Avaliação dos Sistemas de Controle Dilu-ído e Concentrado. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro; ARAGÃO, Leandro Santos de (coord.). Direito Societário: Desafios Atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009. Pp. 119-155; e (ii) AzEVEDO, Luis André Negrelli de Moura. A Oferta Pública para Aquisição de Controle sob a Perspectiva da Companhia Aberta Ofertante. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro; ARA-GÃO, Leandro Santos de (coord.), op. cit., Pp. 74-114.

36 HOPT, Klaus J. Deveres Legais e Con-duta Ética de Membros do Conselho de Administração e de Profissionais. Tradu-ção de Erasmo Valladão A. e N. França e Mauro Moisés Kertzer. RDM. São Paulo: Malheiros, n. 144. Pp. 107-119, out./dez. 2006, P. 117.

37 (WALD, Arnoldo. O governo das em-presas. RDB. São Paulo: RT, n. 15, jan./abr. 2002, p. 53)

9.3. Governança Corporativa.

O fortalecimento do mercado de capitais brasileiro, especialmente no pe-ríodo compreendido entre 2004 e 2008, inseriu-se em contexto de prosperi-dade econômica global e abundância de investimentos em países emergentes (notadamente Brasil, Rússia, Índia e China), mas, como pondera a doutrina nacional35, tal fortalecimento também deve ser creditado a uma série de ini-ciativas coordenadas.

Dentre elas, destacam-se o esforço empreendido nas reformas das Leis nº 6.404/76 e 6.385/76 para aprimorar e fortalecer os direitos dos acionis-tas minoritários, e a criação, pela BM&F-Bovespa, de segmentos especiais de negociação de ações, de adesão voluntária, reservados para companhias que adotem práticas diferenciadas de governança corporativa, com a gradu-al e crescente adoção de tais práticas diferenciadas pelas companhias abertas brasileiras.

O emprego da expressão “governança corporativa” é severamente criticado pela doutrina. Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França e Mauro Moisés Kertzer36, por exemplo, sustentam que a expressão “governança corporativa” não é tradução adequada para corporate governance, propondo que tal expres-são estaria traduzida de forma mais adequada para o nosso vernáculo pela expressão “governação compartilhada da companhia” ou mesmo “governo das sociedades”, tal como este conceito é utilizado em Portugal.

Arnold Wald37 também critica a utilização do termo “governança corpo-rativa”, por tratar-se “de um anglicismo condenável, não só por respeito à língua nacional como também pela associação de ideia que pode acarretar. Na língua portuguesa, corporação tem o sentido de associação profissional, sendo inclusive uma reminiscência medieval”. E conclui ser “mais adequado usar a expressão ‘governo das empresas’, que é corrente nos países de língua latina, nos quais a corporação não se confunde com a sociedade anônima.

Entretanto, nesta apostila, tendo em vista a consolidação deste jargão na prática empresarial do Brasil, quando fizermos referência aos Regulamentos do Novo Mercado, Nível 1 e Nível 2 da BM&F-Bovespa, licenciar-nos--emos para utilizar a expressão “governança corporativa”, ainda que conta-minada de imprecisão conceitual, a fim de seguir a terminologia adotada pela BM&F-Bovespa.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa — IBGC tem adotado a seguinte definição em relação ao conceito de “governança corporativa”:

“Governança Corporativa é o sistema que assegura aos sócios-proprietá-rios o governo estratégico da empresa e a efetiva monitoração da diretoria executiva. A relação entre propriedade e gestão se dá através do conselho de administração, a auditoria independente e o conselho fiscal, instrumentos fundamentais para o exercício do controle. A boa Governança assegura aos

35. Neste sentido, destacamos especialmente: (i) MUNHOz, Eduar-do Secchi. Desafios do Direito Societário Brasileiro na Disci-plina da Companhia Aberta: Avaliação dos Sistemas de Controle Diluído e Concentra-do. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro; ARAGÃO, Leandro Santos de (coord.). Direito Societário: Desafios Atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009. Pp. 119-155; e (ii) AzEVEDO, Luis André Negrelli de Moura. A Oferta Pública para Aquisição de Controle sob a Perspectiva da Companhia Aberta Ofertante. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro; ARA-GÃO, Leandro Santos de (coord.), op. cit., Pp. 74-114.

36. HOPT, Klaus J. Deveres Legais e Conduta Ética de Membros do Conselho de Administra-ção e de Profissionais. Tradução de Erasmo Valladão A. e N. França e Mauro Moisés Kertzer. RDM. São Pau-lo: Malheiros, n. 144. Pp. 107-119, out./dez. 2006, P. 117.

37. (WALD, Arnoldo. O governo das empresas. RDB. São Paulo: RT, n. 15, jan./abr. 2002, p. 53)

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FGV DIREITO RIO 44

sócios eqüidade, transparência, responsabilidade pelos resultados (accoun-tability) e obediência às leis do país (compliance). No passado recente, nas empresas privadas e familiares, os acionistas eram gestores, confundindo em sua pessoa propriedade e gestão. Com a profissionalização, a privatização, a globalização e o afastamento das famílias, a Governança Corporativa colocou o Conselho entre a Propriedade e a Gestão.”

Destaque-se que, a tendência moderna no que tange à aplicação da gover-nança corporativa é transpô-la também às relações institucionalistas (e não apenas às contratualistas, que se restringem ao relacionamento dos sócios enquanto sócios).

Na abordagem institucionalista da governança corporativa, há uma pre-ocupação, cada vez maior, com os “stakeholders”, que são todos aqueles ter-ceiros que mantém relacionamento com a sociedade (i.e., credores, traba-lhadores, comunidade, consumidores e sociedade civil em geral, na qual a companhia se insere).

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AULAS 5 E 6: AÇÕES E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS.

LEITURA BÁSICA:

EIZIRIK, Nelson et Al. Mercado de Capitais— Regime Jurídico, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2011, pp. 25-59

1. VALORES MOBILIÁRIOS — NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Na última aula foram estudadas as principais classificações das sociedades anônimas, suas características mais significativas e alguns aspectos acerca da regulação do mercado de capitais.

Assim, observou-se que a sociedade anônima possui duas alternativas principais no que tange à obtenção de recursos para o desenvolvimento de sua atividade econômica, quais sejam, (i) contrair financiamento junto a terceiros ou (ii) buscar recursos adicionais dos sócios ou de investidores no mercado de capitais. Em regra, a segunda hipótese se viabiliza pela emissão dos chamados valores mobiliários, que são títulos emitidos pelas companhias — sejam abertas ou fechadas — para a captação de recursos e financiamento da companhia.

A Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, enumera as diversas espécies de valores mobiliários, nos seguintes termos:

“Art. 2º: São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:I — as ações, debêntures e bônus de subscrição;II — os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobra-

mento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;III — os certificados de depósito de valores mobiliários; IV — as cédulas

de debêntures;V — as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de

clubes de investimento em quaisquer ativos;VI — as notas comerciais;VII — os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos

subjacentes sejam valores mobiliários;VIII — outros contratos derivativos, independentemente dos ativos sub-

jacentes; eIX — quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou con-

tratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de par-ceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.”

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FGV DIREITO RIO 46

38 Na definição de Fabio Ulhoa Coelho:“Valores mobiliários são instru-mentos de captação de recursos pelas sociedades anônimas emissoras e re-presentam, para quem os subscreve ou adquire, um investimento” (Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial. Vol. 2. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 137)

39 Conforme elucida Nelson Eizirik, o Colegiado da CVM, no julgamento do Processo CVM nº RJ 2003/0499, Rel. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, jul-gado em 28.08.2003, já se manifestou favoravelmente ao entendimento de que a lista de valores mobiliários con-tida no artigo 2° da Lei no 6.385/1 976 é exemplificativa. Confira-se: “Esse novo conceito pode-se dizer que representou verdadeira revolução copérnica na regu-lação do mercado de valores mobiliários — muito embora não se tenha atenta-do para toda a sua extensão — , pois significa o abandono de uma concepção fechada de valor mobiliário, para a ado-ção de uma concepção funcional-instru-mental do que seria valor mobiliário, acabando por alargar sobremaneira sua definição, bem como a competência da CVM. Incorporou-se, então, na realidade brasileira substancialmente o conceito de security do direito norte-americano, sem maiores inovações, o que não signi-fica nenhuma crítica, neste particular. (. . .) a definição do art. 2° tem conteúdo meramente instrumental, para fins de, conjugado com os demais artigos da Lei nº 6.385, e principalmente o seu art. 1 °, conferir competência à CVM para regular a negociação dos títulos e instrumentos ali mencionados quando realizada no mercado ou quando se inserir em oferta pública. “ EIzIRIK, Nelson et Al. Merca-do de Capitais — Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2011. P. 57.

40 EIzIRIK, Nelson et al. Mercado de Capi-tais — Regime Jurídico, Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2011. P. 57.

Apesar do extenso rol acima apresentado, as principais espécies de valores mobiliários emitidas pela sociedade anônima são (i) ações, (ii) debêntures, (iii) partes benefi ciárias, e (iv) bônus de subscrição.

Vale destacar que o tipo de valor mobiliário emitido apresenta relevantes consequências práticas. Com efeito, dependendo da espécie subscrita, o in-vestidor pode, por exemplo, se tornar acionista da companhia ou, então, pas-sar a deter outros direitos perante a companhia emissora, não se confundindo com os direitos assegurados aos acionistas.

2. VALORES MOBILIÁRIOS: CONCEITO

A doutrina define38 os valores mobiliários como ações de companhia e tí-tulos emitidos por companhia ou pelo Estado, representativos de direitos de participação ou créditos a longo prazo. Significa, portanto, o gênero dos títu-los de emissão pela companhia. Sua natureza jurídica é de título de crédito.

Uma vez que são emitidos em larga escala, têm por finalidade precípua servir como instrumentos de investimento de capital para gerar renda. Suas características são a emissão em massa (não são emitidos singularmente) e a fungibilidade (podem ser trocados uns pelos outros porque têm igual valor).

Entretanto, o conceito legal de valores mobiliários precisa ser comple-mentado pelo doutrinário39, uma vez que aquele passou a representar, além de títulos, outros negócios jurídicos que, quando ofertados ao público, ficam sujeitos à disciplina legal do mercado de valores mobiliários fiscalizado pela CVM. Sua natureza jurídica deve, portanto, ser precisada a partir do concei-to doutrinário de títulos de crédito.

Com efeito, além dos títulos expressamente previstos no artigo 2° da Lei nº 6.385/1 976, também deverão ser considerados valores mobiliários, se-gundo Nelson Eizirik40, aqueles incluídos no conceito de contrato de investi-mento coletivo, a que se refere o inciso IX do artigo 2º da Lei nº 6 385/ 1 9 76, os títulos ou contratos que apresentem as seguintes características:

“(a) caracterizem modalidade de investimento coletivo;(b) em que haja fornecimento de recursos (dinheiro ou outros bens sus-

cetíveis de avaliação econômica) por parte do investidor;(c) em que haja gestão dos recursos por parte de terceiros, não controlan-

do o investidor o negócio no qual seus recursos foram empregados;(d) tratem de um empreendimento comum, cujo sucesso é almejado tan-

to pelo investidor quanto pelo gestor, havendo entre ambos uma comunhão de interesses econômicos interligados juridicamente;

38. Na definição de Fabio Ulhoa Coelho:“Valores mobiliários são instrumentos de captação de recursos pelas sociedades anônimas emissoras e repre-sentam, para quem os subs-creve ou adquire, um investi-mento” (Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial. Vol. 2. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 137)

39. Conforme elucida Nelson Eizirik, o Colegiado da CVM, no julgamento do Processo CVM nº RJ 2003/0499, Rel. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, jul-gado em 28.08.2003, já se manifestou favoravelmente ao entendimento de que a lista de valores mobiliários con-tida no artigo 2° da Lei no 6.385/1 976 é exemplificativa. Confira-se: “Esse novo conceito pode-se dizer que representou verdadeira revolução copérnica na regu-lação do mercado de valores mobiliários — muito embora não se tenha atentado para toda a sua extensão — , pois significa o abandono de uma concepção fechada de valor mobiliário, para a adoção de uma concepção funcional--instrumental do que seria valor mobiliário, acabando por alargar sobremaneira sua definição, bem como a competência da CVM. Incor-porou-se, então, na realidade brasileira substancialmente o conceito de security do direito norte-americano, sem maio-res inovações, o que não sig-nifica nenhuma crítica, neste particular. (. . .) a definição do art. 2° tem conteúdo me-ramente instrumental, para fins de, conjugado com os demais artigos da Lei nº 6.385, e principalmente o seu art. 1 °, conferir competência à CVM para regular a negociação dos títulos e instrumentos ali mencionados quando realiza-da no mercado ou quando se inserir em oferta pública. “ EIzI-RIK, Nelson et Al. Mercado de Ca-pitais — Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2011. P. 57.

40. EIzIRIK, Nelson et al. Mercado de Capitais — Regime Jurídico, Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2011. P. 57.

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FGV DIREITO RIO 47

41 “Art. 11. O estatuto fixará o número das ações em que se divide o capital so-cial e estabelecerá se as ações terão, ou não, valor nominal.”

(e) em que exista uma expectativa de obter lucros, ou seja, o investidor, ao decidir pela alocação de seus recursos em um valor mobiliário, visa à obtenção de algum tipo de ganho, benefício ou vantagem econômica, em função do contrato de investimento de risco realizado. Esses lucros podem ser auferidos através de participação, parceria ou remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços; e

(f ) em que o investidor assuma os riscos de financiador do negócio(ou os riscos do empreendimento), que são diversos dos riscos comuns comerciais, ou seja, os riscos poderão resultar na perda total ou parcial dos recursos investidos.”

Ainda, os títulos da dívida pública dos entes da federação foram expres-samente excluídos da definição legal (art. 2º, parágrafo único da Lei nº 6.385/76), continuando sob fiscalização direta do BACEN — diferentemen-te dos valores mobiliários, cuja regulação é feita pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Abaixo, uma abordagem superficial sobre os principais valores mobiliários usualmente utilizados pela prática societária no Brasil:

3. VALORES MOBILIÁRIOS EM ESPÉCIE.

3.1. Ações.

Base Legal: Art. 2º, inciso I da Lei nº 6.385/76:

“Art. 2º — São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:I — as ações, debêntures e bônus de subscrição;”

Neste tópico, pretende-se explorar as classificações das ações e sua relevân-cia prática. Conforme mencionado, a ação representa uma fração do capital social de uma sociedade anônima, por meio da qual se atribui ao seu titular a qualidade de acionista41.

Existem vários critérios para classificação das ações de emissão de uma companhia. Inicialmente, cabe assinalar que as ações podem ter ou não valor nominal, conforme dispuser o estatuto de cada sociedade anônima.

De um modo geral, cada ação tem um valor ideal, resultado da divisão do capital social pelo número de ações emitidas. Se este valor é declarado estatu-tariamente, tem-se uma ação com valor nominal. Caso contrário, trata-se de ação sem valor nominal.

Na prática empresarial, difundiu-se a adoção da ação sem valor nominal, tendo em vista a simplificação que tal opção representa na operacionalização de sociedades com grande número de acionistas. Isso porque a ausência do 41. “Art. 11. O estatuto fixará o número das ações em que se divide o capital social e estabelecerá se as ações terão, ou não, valor nominal.”

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FGV DIREITO RIO 48

42 O parágrafo 2º do artigo 15 da Lei das S.A. dispõe que “o número de ações pre-ferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinquenta por cento) do total das ações emitidas”.

valor nominal das ações dispensa a constante atualização de tal informação nos documentos das companhias, além de permitir uma maior flexibilidade nos aumentos de capital social da companhia.

Com efeito, nas companhias cujas ações possuem valor nominal, a Lei das S.A. veda a emissão de ações por preço inferior ao seu valor nominal, embora seja expressamente admitida a possibilidade de emissão de ações com preço de emissão superior ao valor nominal. Uma das principais formas de classi-ficação das ações gira em torno de suas diferentes espécies. Embora a Lei das S.A. estabeleça três espécies diversas — ações ordinárias, preferenciais e de fruição —, interessa-nos, tendo em vista a sua importância prática, apontar as características gerais aplicáveis às ações ordinárias e às ações preferenciais.

Segundo definição de José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho:

“Ação é o valor mobiliário emitido pela companhia que confere ao seu titular o conjunto de direitos e obrigações de uma participação societária na companhia, ou seja, de uma posição jurídica de acionista”

3.1.1. Ações Ordinárias.

As ações ordinárias são aquelas que conferem ao acionista os direitos de um sócio comum. Não possuem, em regra, vantagens ou restrições no que tange aos direitos e deveres normalmente atribuídos aos acionistas da socie-dade anônima. Desta forma, em geral faz-se desnecessária a previsão estatutá-ria de suas prerrogativas, já que estas decorrem diretamente da lei.

3.1.2. Ações Preferenciais.

As ações preferenciais conferem necessariamente aos seus titulares alguma espécie de vantagem relativamente às ações ordinárias, embora o seu direito de voto possa ser limitado ou excluído42. Faculta-se a cada companhia, seja aberta ou fechada, ter uma ou mais classes de ações preferenciais, bem como simplesmente não emitir tal espécie de ações.

3.2. Debêntures.

Art. 2º, incisos I e IV da Lei nº 6.385/76:

“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:I — as ações, debêntures e bônus de subscrição;(...)IV — as cédulas de debêntures;”

42. O parágrafo 2º do artigo 15 da Lei das S.A. dispõe que “o número de ações preferenciais sem direi-to a voto, ou sujeitas a restri-ção no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinquenta por cento) do total das ações emitidas”.

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FGV DIREITO RIO 49

A debênture é o valor mobiliário que confere ao seu titular direito de cré-dito contra a companhia que o emite, nos termos da escritura de emissão. É semelhante a um mútuo e se constitui em importante forma de financiamen-to de curto e médio prazo para a companhia.

3.3. Bônus de Subscrição.

Art. 2º, inciso I da Lei nº 6.385/76:

“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:I — as ações, debêntures e bônus de subscrição;”

Art. 75 da Lei das S.A:

“Art. 75. A companhia poderá emitir, dentro do limite de aumento de capital autorizado no estatuto (artigo 168), títulos negociáveis denomina-dos “Bônus de Subscrição”.

Parágrafo único. Os bônus de subscrição conferirão aos seus titulares, nas condições constantes do certificado, direito de subscrever ações do capital social, que será exercido mediante apresentação do título à companhia e pagamento do preço de emissão das ações.”

Segundo José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho:

“Bônus de subscrição é o valor mobiliário que confere a seu titular o di-reito de subscrever, mediante pagamento de preço de emissão determinado ou determinável, certo número de ações da companhia de capital autoriza-do emitente do título.”

O bônus de subscrição é um direito de uma ação para o futuro; dá direito ao seu titular de subscrever suas ações no futuro por um preço pré-determi-nado. Isso é bom para uma empresa que ainda vai crescer e é uma aposta na valorização da Companhia. Vantagem para a Cia: fomentar um novo merca-do. Ex. fomentar o mercado de ações preferenciais (“Comprando uma ação preferencial ganha um bônus de subscrição de uma ação ordinária”).

3.4. Partes Beneficiárias.

Segundo José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho:

“Partes beneficiárias são valores mobiliários emitidos pela companhia, sem valor nominal e estranhos ao capital social, que conferem a seus titula-

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res direito de crédito eventual contra a companhia consistente na participa-ção dos lucros anuais (art. 46, § 1º [LSA]).”

Por serem títulos estranhos ao capital social, não conferem direitos de acionista a seus proprietários, apenas os direitos de participação nos (eventu-ais) lucros e de fiscalização.

3.5. Cupons, Direitos, Recibos de Subscrição e Certificados de Desdobramentos.

Art. 2º, inciso II da Lei nº 6.385/76:

“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:(...)II — os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobra-

mento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;”

3.6. Certificados de Depósito de Valores Mobiliários (Depositary Receipts).

Art. 2º, inciso III da Lei nº 6.385/76.

“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:(...)III — os certificados de depósito de valores mobiliários;”

3.7. Cotas de Fundos de Investimento em Valores Mobiliários ou de Clubes de Inves-timento em Quaisquer Ativos.

Art. 2º, inciso V da Lei nº 6.385/76:

“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:(...)V — as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de

clubes de investimento em quaisquer ativos;”

3.8. Notas Comerciais (Commercial Papers).

Art. 2º, inciso VI da Lei nº 6.385/76:

“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:(...)VI — as notas comerciais;”

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3.9. Contratos Futuros, de Opções e Outros Derivativos, cujos Ativos Subjacentes sejam Valores Mobiliários.

Art. 2º, inciso VII da Lei nº 6.385/76:

“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:(...)VII — os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos

subjacentes sejam valores mobiliários;”

3.10. Outros Contratos Derivativos.

Art. 2º, inciso VIII da Lei nº 6.385/76:

“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:(...)VIII — outros contratos derivativos, independentemente dos ativos sub-

jacentes;”

4. CONCEITO ABERTO.

Art. 2º, inciso IX da Lei nº 6.385/76:

“Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:(...)IX — quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou con-

tratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de par-ceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.”

O rol legal de valores mobiliários é meramente exemplificativo, uma vez que a lei se refere a “quaisquer outros títulos ou contratos de investimento cole-tivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração” (art. 2º, I, Lei nº 6.385/76).

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5. CASO PRÁTICO.

1. CCB (Cédula de Crédito Bancário) é valor mobiliário?

Processo Administrativo CVM nº RJ 2007/11593.Voto do Diretor Marcos Pinto

“O Diretor Marcos Pinto observou, em primeiro lugar, que a análise do pedido suscitou a questão de poder as CCBs serem consideradas valores mo-biliários. Após discorrer sobre o assunto, o Diretor concluiu, em síntese, que as CCBs serão valores mobiliários caso a instituição financeira em favor das quais elas foram emitidas: (i) realize uma oferta pública de CCBs; e (ii) exclua sua responsabilidade nos títulos.

No entanto, as CCBs não serão valores mobiliários e não estarão sujeitas ao regime imposto pela Lei nº 6.385/76 caso: (i) não sejam objeto de oferta pública; ou (ii) a instituição financeira permaneça responsável pelo seu adim-plemento, hipótese em que poderão circular no mercado sem estar sujeitas à regulamentação e fiscalização da CVM, assim como os demais títulos de emissão de instituições financeiras, como os certificados de depósito bancário (“CDBs”).”

2. Crédito de carbono é valor mobiliário?

Processo Administrativo CVM nº RJ 2009/6346Voto do Diretor Otavio Yazbek

“Ante o exposto, entendo que:i. as RCEs não são, hoje, passíveis de caracterização como valores mo-

biliários, não estando, desta maneira, sujeitas ao regime estabelecido pela Lei nº 6.385/76 para tais instrumentos;

ii. não há necessidade, ante o processo de emissão de créditos de carbo-no e a natureza dos títulos, de buscar tal caracterização por força de legislação superveniente;

iii. outros instrumentos eventualmente relacionados às RCEs, como cer-tificados, instrumentos sintéticos ou derivativos, poderão vir a ser caracteri-zados como valores mobiliários, tendo em vista a sua natureza, aplicando-se a eles, nestes casos, os regimes estabelecidos na regulamentação em vigor;

iv. em qualquer hipótese, a utilização de sistemas de prestação de servi-ços sujeitos a regulamentação específica pela CVM e a atuação de entidades administradoras de mercados organizados deverão ser precedidas das corres-pondentes autorizações;

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v. os fundos de investimento são autorizados a adquirir RCEs, nos ter-mos do art. 2º, inc. VIII, da Instrução CVM nº 409/04, observado, como se tratam de ativos emitidos no exterior, o disposto nos § 5º e 8º do mesmo dispositivo;

vi. no caso de certificados de créditos de carbono ou derivativos, a pos-sibilidade de aquisição, pelos fundos de investimento, decorre também do disposto no inciso VIII do art. 2º da Instrução CVM nº 409/04, observado, caso se tratem de ativos ou de derivativos emitidos no Brasil, o disposto no § 3º do mesmo dispositivo; e

vii. o mercado brasileiro já dispõe de alguns mecanismos hábeis ao fi-nanciamento e estruturação de projetos destinados à emissão de créditos de carbono.

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AULA 7: CAPITAL SOCIAL.

LEITURA BÁSICA:

PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I. Pp. 193-209.

PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I. Pp. 1367-1385 e 1461-1500.

FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; ADAMEK, Marcelo Vieira von. A Proteção aos Credores e aos Acionistas em Aumento de Capital. Revista do Advogado, v. 96, 2008. Pp. 32-40.

1. CAPITAL SOCIAL.

Conforme clássica lição de Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedrei-ra, os “direitos dos acionistas estão organizados em conjuntos padronizados de direitos e obrigações” (i.e., as ações) nas companhias. As ações são os valo-res mobiliários em que se subdivide o capital social.

1.1. Conceito.

Segundo José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho:“[É] a cifra, fixada no estatuto social, do montante das contribuições

prometidas pelos sócios para formação da companhia que a lei submete a regime cogente, cujo fim é proteger os credores sociais”.

“Os fundadores (na constituição da companhia) e os órgãos sociais (du-rante a vida da sociedade) estipulam no estatuto o valor do capital social, que somente pode ser modificado com observância das normas legais.”

1.2. Origem do Capital Social.

O capital social surgiu como ficção jurídica capaz de separar o patrimônio dos sócios e da sociedade, em resposta à necessidade de investimentos, cada vez maiores à medida que o capitalismo mercantil e industrial foi se conso-lidando.

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43 BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Fi-nanças e Demonstrações Financeiras da Companhia: Conceitos e Fundamentos. Rio de Janeiro, Forense, 1989, p. 419.

Isso porque, antigamente, os sócios respondiam com seus bens pessoais pelas obrigações da sociedade. O conceito de separação patrimonial decor-reu, em grande parte, da noção de capital social.

O capital social é capaz de, idealmente, corresponder aos valores do ativo da sociedade, constituindo-se em verdadeira garantia de credores. Contudo, será que é de fato uma garantia para os credores? Na verdade, a garantia de um credor é a capacidade de solvência da empresa. Essa capacidade de sol-vência não pode ser observada com o capital social, mas com o patrimônio líquido. O patrimônio líquido, ao contrário do capital social, varia de acordo com o mercado.

1.3. Noção Jurídica e Contábil.

O capital social é uma “cifra convencional fixa”, diferentemente do patri-mônio social, que é mutável. Tem existência de direito, diferentemente do patrimônio social, que tem existência fática. É fixado no ato de constituição da sociedade, e pode ser aumentado ou reduzido ao longo de sua vida, uma vez cumpridas as formalidades legais. Deve ser inscrita no lado passivo do balanço patrimonial da sociedade, por tratar-se de “cifra de retenção”.

Traduz-se, portanto, em uma noção jurídica e contábil capaz de, ideal-mente, corresponder aos valores do ativo da sociedade, constituindo-se em verdadeira garantia de credores. Senão, vejamos as palavras de Bulhões Pe-dreira:

“Se os sócios tivessem liberdade ilimitada de promover a transferência de bens da sociedade para seus patrimônios, inclusive em prejuízo dos credores sociais, o regime de responsabilidade patrimonial deixaria de ser eficaz nas sociedades. Daí as disposições sobre responsabilidade solidária dos sócios de alguns tipos de sociedade, e sobre o capital social — como mecanismo de garantia dos credores — nos tipos de sociedade em que a responsabilidade de todos os sócios é limitada”43

Assim, há uma série de princípios que regem o instituto do Capital Social e que o tornam um conceito jurídico complexo, cujo estudo é de grande im-portância para o direito societário.

1.4. Fundo Social e Patrimônio.

Fundo Social é o conjunto de bens inicialmente contribuídos pelos sócios.Patrimônio é o conjunto de bens e dívidas da pessoa, compreende o capi-

tal social.Sobre a diferenciação entre capital social e patrimônio, esclarece Ascarelli:

43. BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia: Conceitos e Fundamentos. Rio de Janeiro, Forense, 1989, p. 419.

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44 ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Compa-rado. São Paulo: Quorum, 2008. P. 469.

“Temos, pois, de um lado, o conjunto dos bens da sociedade, isto é, o seu patrimônio; o valor real desses bens muda necessariamente com as oscilações do mercado e com o andamento dos negócios; a sua avaliação, juntamente com a indicação do passivo, é fixada nos balanços sociais; de outro lado, o capital social, resultante não só dos balanços, mas do estatuto social, e que não pode ser modificado a não ser que observadas as normas a respeito. Se os sócios tivessem liberdade ilimitada de promover a transferência de bens da sociedade para seus patrimônios, inclusive em prejuízo dos credores so-ciais, o regime de responsabilidade patrimonial deixaria de ser eficaz nas sociedades. Daí as disposições sobre responsabilidade solidária dos sócios de alguns tipos de sociedade, e sobre o capital social — como mecanismo de garantia dos credores — nos tipos de sociedade em que a responsabilidade de todos os sócios é limitada.”44

1.5. Princípios do Capital Social.

Explicam e condicionam as funções exercidas pelo capital social no meca-nismo das sociedades anônimas.

• Unidade: Toda sociedade deve ter apenas um capital social, mesmo que tenha diversos estabelecimentos e/ou filiais.

• Fixidez: O capital social estipulado no estatuto é fixo, somente po-dendo ser alterado por ato solene, nos casos previstos em lei e com observância das normas legais. Visa a proteger os credores contra a redução do capital pelos acionistas.

• irrevogabilidade: O capital social constitui fundo perpétuo e, por isso, não pode ser devolvido aos sócios, total ou parcialmente, antes de pagos todos os credores, mesmo na hipótese de liquidação da so-ciedade (arts. 206-219, LSA).

• realidade: O capital social fixado no estatuto social deve efetivamen-te existir no ativo da companhia, a partir das contribuições dos subs-critores das ações. Há necessidade de efetiva correspondência entre a cifra representativa do capital e o total subscrito e o valor real das pres-tações a que se obrigaram os sócios. Exemplos de corolários: art. 80, I, LSA (subscrição integral do capital para a constituição da sociedade); e art. 8º, LSA (avaliação dos bens para incorporação ao capital social).

• intangibilidade: O capital social deve permanecer intangível, isto é, insuscetível de apropriação, enquanto a sociedade continuasse ope-rando e seus credores não tivessem sido pagos. Uma das funções do capital social é garantir a proteção dos credores contra atos dos acio-nistas e administradores que resultem na transferência de bens do ativo para o patrimônio dos acionistas, em prejuízo da solvência da companhia.

44. ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. São Paulo: Quorum, 2008. P. 469.

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FGV DIREITO RIO 57

1.6. Subscrição de Ações (Art. 7º da Lei das S.A.).

Aplicável tanto na formação do capital social, por ocasião da constituição da companhia, quanto no seu aumento posterior. Subscrever o capital é pro-meter o aporte de capital. A subscrição já permite que a empresa possa cobrar o aporte (caso nunca integralize, torna-se sócio remisso). A subscrição pode se dar em dinheiro ou em bens.

a) Em dinheiro:

Feita a subscrição por meio de contribuição em dinheiro, deve ser equi-valente ao valor nominal da ação ou, caso não haja, ao preço de emissão ou a parte dele destinada à formação do capital social. Se o preço de emissão for maior do que a contribuição para o capital, a diferença constitui reserva de capital.

Deve ser prestada no ato da subscrição, salvo estipulada integralização a prazo (art. 106, LSA), quando devem ser pagos ao menos 10% do preço de emissão da ação (art. 80, II e art. 170,§ 6º, LSA), estando o acionista obri-gado a realizar o saldo nas condições previstas no estatuto ou no boletim de subscrição (art. 106, LSA).

b) Em bens:

Realizada, de outro lado, por meio de bens (ou seja, tudo o mais que não seja dinheiro), deve-se ter em mente a dificuldade de mensuração do valor do bem subscrito — o que pode colocar em risco a realidade do capital social, afetando acionistas e terceiros que contratem com a companhia.

Diante disso, a lei prescreveu diversas formalidades, destinadas a coibir fraudes e assegurar, da melhor maneira possível, que o bem corresponda à sua avaliação.

Exemplos de normas criadas com esse fim são:a. avaliação isenta do bem por três peritos (art. 8º e 170, § 3º, LSA)

escolhidos pelos subscritores ou acionistas;

b. laudo fundamentado, com indicação de critérios e elementos de comparação adotados (art. 8º, § 1º, LSA);

c. subscritor que confere bens não pode votar o laudo de avaliação (art. 115, § 1º, LSA);

d. responsabilidade civil e penal dos avaliadores e subscritores perante a companhia, acionistas e terceiros, pelos danos causados por culpa ou dolo na avaliação dos bens (art. 8º, § 6º, LSA); e

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FGV DIREITO RIO 58

e. bens não poderão ser incorporados ao patrimônio da companhia por valor superior ao de avaliação.

A integralização do capital já é um segundo momento em que há efetiva-mente o aporte do capital. Para integralização do capital social, admitem-se quaisquer bens suscetíveis de avaliação em dinheiro, em conformidade com o artigo 7º da Lei das S.A.

A lógica da integralização do capital se altera dependendo se é uma empre-sa S.A. ou Ltda. Nas limitadas, se 1 sócio não integralizou, os outros sócios respondem solidariamente pelo capital não integralizado. Já nas S.A., caso 1 sócio não integralize os outros não respondem pelo capital não integralizado; respondem apenas ao limite do seu aporte.

Discussão: (i) bens gravados com direitos reais de garantia?; (ii) direitos de uso?

A deliberação sobre sua avaliação compete, privativamente, à assembleia geral, à luz do artigo 122, inciso IV da Lei das S.A.

1.7. Capitalização de Recursos já Existentes no Patrimônio da Empresa.

Na companhia em funcionamento, o capital social pode ser formado com a capitalização de recursos financeiros que já existem no ativo patrimonial da sociedade. Essa modalidade é chamada de “incorporação ao capital social” e há apenas a troca do regime jurídico a que estão submetidos o dinheiro ou os bens incorporados.

Exemplos: incorporação de lucros ou de reserva de capital.

1.8. Capital Social Mínimo: Brasil.

Alguns países estabeleceram, em suas respectivas legislações societárias, que há uma limite mínimo de capital social necessário à constituição e/ou à manutenção de uma sociedade anônima (i.e., requisito de capital social mínimo).

A legislação brasileira não prescreve essa exigência, no pressuposto de que muitas companhias apenas conseguiram sucesso porque, tendo sido constitu-ídas anônimas, lhes foi mais fácil captar recursos para a expansão.

1.9. Questão para Discussão.

O Capital Social é necessário a uma Companhia?

A doutrina internacional há muito vem discutindo a questão a respeito da (des) necessidade do conceito do capital social para o direito societário. Com efeito, Rubens Requião sintetiza o debate:

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45 REQUIÃO, Rubens. “Curso de Direito Comercial”. Vol. II. 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2003.

46 Tais questões foram parte do pro-blema de pesquisa trazido em: MELO FILHO, Augusto Rodrigues Coutinho de. A (Des)necessidade do Conceito de Capi-tal Social no Direito Societário Brasileiro: Uma Análise à Luz dos Direitos Norte--Americano e Europeu. In Coleção Jo-vem Jurista / Marjorie Gressler Afonso. [et al.]. Rio de Janeiro: Escola de Direito FGV Direito Rio.

“Em seu livro sobre Legal Capital, Capítulo V, diz o Prof. Bayless Ma-ning que se pode afirmar, com segurança, que a maquinaria do capital so-cial produz pouca ou nenhuma proteção aos credores, e eles, sabendo disso, buscam outras garantias. E as razões seriam muitas entre as quais aponta: a) a cifra que traduz, num balanço, o lucro, é fruto de um sem-número de prévias decisões contábeis, que, se houver interesse, serão facilmente frau-dadas; b) os credores não são ouvidos sobre as decisões de alterar a cifra do capital social, e esta é sempre arbitrária e irrelevante c) não há nenhuma lógica em tomar-se um número qualquer (o capital) e fazê-lo de medida para distribuição de dividendos e bonifi cações a acionistas; d)o sistema contábil não leva em conta a dimensão do tempo, e não distingue entre um crédito a realizar-se em 20 anos e o realizável na próxima semana”45

Assim, levando em consideração os princípios do Capital Social e as suas funções, reflita acerca das seguintes questões:

(i) as funções atribuídas ao capital social são efetivamente desempe-nhadas por ele?;

(ii) os benefícios associados ao capital social superam seus custos para prática empresarial?;

(iii) as funções do capital social são desempenhadas por outros institu-tos societários de maneira mais eficiente?46

2. AUMENTO DE CAPITAL.

O capital social das companhias pode sofrer aumentos (com aporte e sem aporte de novos recursos).

Os aumentos de capital sem aportes de novos recursos ocorrem:(i) mediante capitalização de lucros ou reservas (art.169 LSA), quando

os acionistas ao invés de distribuírem lucros, os incorporam ao ca-pital social, preservando-se as proporções das participações acioná-rias de cada um deles. Caso as ações de emissão da companhia não tenham valor nominal não será preciso mudar o número de ações existentes (art.169, §1º, LSA). Como não há alteração no número de contribuidores, não ocorre diluição; e

(ii) mediante conversão de debêntures ou partes beneficiárias em ações (art. 171, §3º, LSA). Nesse caso pode haver diluição.

45. REQUIÃO, Rubens. “Curso de Direito Comercial”. Vol. II. 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2003.

46. Tais questões foram parte do problema de pesquisa trazido em: MELO FILHO, Augusto Rodrigues Cou-tinho de. A (Des)necessidade do Conceito de Capital Social no Direito Societário Brasi-leiro: Uma Análise à Luz dos Direitos Norte-Americano e Europeu. In Coleção Jovem Jurista / Marjorie Gressler Afonso. [et al.]. Rio de Janeiro: Escola de Direito FGV Direito Rio.

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FGV DIREITO RIO 60

Os aumentos de capital com aporte de novos recursos ocorrem:(i) com a subscrição de ações para integralização em dinheiro e/ou

bens (inclusive capitalização de créditos) (art. 171, §2º, LSA);

(ii) com exercícios de diretos relativos à bônus de subscrição ou opção de compra de ações (apenas nas companhias de capital autorizado).

Os aumentos de capital social para aporte de novos recursos poderão ser re-alizados para subscrição pública e/ou subscrição privada, dependendo de quais sejam os destinatários das ações a serem emitidas, esclarecendo-se que somente as companhias abertas devidamente registradas na CVM (registro de compa-nhia aberta) estão autorizadas a promover aumentos de capital para subscri-ção pública, os quais deverão ser igualmente submetidos ao registro perante a CVM (registro de emissão de ações / registro de oferta pública de ações).

Ao menos 3/4 (três quartos) do capital social deverá estar integralizado para que a companhia possa realizar novo aumento de capital (art. 170, ca-put, LSA).

O preço de emissão das ações em aumentos de capital deverá ser fixado sem diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, observando--se os parâmetros previstos no art. 170, §1º, LSA, quais sejam: (a) perspectiva de rentabilidade da companhia; (b) valor de patrimônio líquido da ação; e (c) cotação de suas ações em Bolsa de Valores e/ou mercado de balcão orga-nizado.

Caso o aumento de capital venha a ser realizado para a subscrição com bens, far-se-á necessária a realização de avaliação na forma do art. 8º da LSA (em observância, dentre outros, aos Princípios da Integridade e Realidade do Capital Social), devendo os acionistas deliberarem posteriormente sobre o laudo de avaliação destes bens, sendo certo que o acionista cujos bens estive-rem sendo avaliados para contribuição ao capital social da companhia estará proibido de votar nesta deliberação, na forma do art. 115, §1º, LSA.

A competência para deliberar sobre o aumento de capital é ordinariamen-te da Assembleia Geral, que é o órgão social responsável por deliberar sobre eventuais reformas/alterações estatutárias (art. 122 LSA). Entretanto, o esta-tuto social poderá conter autorização para aumento do capital social inde-pendentemente de reforma estatutária (art. 168 LSA), estabelecido com base em limite de aumento fixado em valor de capital ou em número de ações (i.e., capital autorizado).

Nas companhias com capital autorizado (i.e., autorização para aumento de capital sem reforma estatutária, observadas as regras do art. 168 LSA), o Conselho de Administração poderá ser competente para deliberar sobre o aumento de capital, conforme dispuser o Estatuto Social.

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Na hipótese de o Conselho Fiscal estar em funcionamento, este deverá ser previamente consultado em todos os casos de aumento de capital (exceto o disposto no art. 166, inc. III, LSA — i.e., aumento de capital para conversão de debêntures ou partes beneficiárias e/ou exercício de direitos conferidos por bônus de subscrição ou opção de compra de ações).

Nas companhias em que houver capital autorizado poderá ocorrer a emis-são de bônus de subscrição (art. 75 e seguintes LSA), valores mobiliários que conferirão aos seus titulares o direito de subscrever ações do capital social da companhia. Estes valores mobiliários têm como finalidade, dentre outras, a captação de recursos para a companhia e/ou o incentivo/liquidez para a subscrição de outros valores mobiliários da companhia (podem ser atribuídos como vantagem adicional, por exemplo, na subscrição de outros valores mo-biliários admitidos à negociação no mercado). Quando a companhia lança bônus de subscrição, antigos acionistas têm preferência para comprá-los.

Também nas companhias com capital autorizado, existe a possibilidade de a companhia outorgar opções de compra de ações aos seus administradores, empregados e/ou pessoas que prestem relevantes serviços para a companhia (art. 168, §3º, LSA). O propósito neste caso é envolver os beneficiários destas opções de compra no crescimento/desenvolvimento/valorização da compa-nhia. O plano de outorga da opção de compra de ações (Stock Option Plan) deverá ser aprovado pela Assembleia Geral.

Nos bônus de subscrição, assim como na opção de compra, os benefi-ciários possuirão o direito de subscrever ações em aumentos de capital da companhia, por valores usualmente pré-estabelecidos, seja no âmbito do lan-çamento dos bônus de subscrição e/ou na outorga das opções de compra. Os beneficiários deverão aportar os recursos correspondentes ao aumento.

Em regra, os acionistas da companhia terão direito de preferência para a subscrição das ações emitidas no âmbito dos aumentos de capital (art. 171 LSA), exceto nos casos em que este direito é expressamente afastado por lei (art. 172 LSA), sendo certo que o direito de preferência é direito essencial do acionista, conforme previsto no art. 109 LSA, os quais não podem ser exclu-ídos pelo estatuto social e/ou pela assembleia geral.

Conforme previsto no art. 171, §3º, LSA, não haverá direito de preferên-cia na conversão de debêntures ou partes beneficiárias ou no exercício de bô-nus de subscrição, sendo certo que já haverá existido o direito de preferência no momento da aquisição das debêntures ou partes beneficiarias ou bônus de subscrição. Da mesma forma, não há preferência na outorga nem no exercí-cio das opções de compra de ações, que serão atribuídos aos administradores ou empregados de acordo com plano aprovado pela assembleia geral (Art. 171 §3o LSA).

No caso de aumento de capital com capitalização de créditos e/ou subs-crição e integralização com bens, os acionistas que exercerem o direito de

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FGV DIREITO RIO 62

preferência deverão pagar o valor proporcionalmente ao acionista que estiver aportando o crédito e/ou o bem.

O prazo para o direito de preferência, o qual não pode ser inferior a 30 (trinta) dias, é (a) decadencial (não se interrompe nem suspende e fulmina o direito material); (b) definido pelo estatuto social, conforme previsto no §4º art. 171 da LSA.

2.1. Aumento de Capital e Modificação do Estatuto Social.

Caso a companhia não possua capital autorizado, o capital social somente poderá ser modificado mediante alteração estatutária da assembleia geral.

O art. 166 da LSA lista as hipóteses em que isso pode ocorrer:

“Art. 166: O capital social pode ser aumentado:I — por deliberação da assembleia-geral ordinária, para correção da

expressão monetária do seu valor (artigo 167);II — por deliberação da assembleia-geral ou do conselho de administra-

ção, observado o que a respeito dispuser o estatuto, nos casos de emissão de ações dentro do limite autorizado no estatuto (artigo 168);

III — por conversão, em ações, de debêntures ou parte beneficiárias e pelo exercício de direitos conferidos por bônus de subscrição, ou de opção de compra de ações;

IV — por deliberação da assembleia-geral extraordinária convocada para decidir sobre reforma do estatuto social, no caso de inexistir autoriza-ção de aumento, ou de estar a mesma esgotada.

§ 1º Dentro dos 30 (trinta) dias subsequentes à efetivação do au-mento, a companhia requererá ao registro do comércio a sua averbação, nos casos dos números I a III, ou o arquivamento da ata da assembleia de reforma do estatuto, no caso do número IV.

§ 2º O conselho fiscal, se em funcionamento, deverá, salvo nos casos do número III, ser obrigatoriamente ouvido antes da deliberação sobre o aumento de capital.”

2.2. Capital Autorizado.

Desde que haja previsão expressa no estatuto, poderá haver aumento do capital social dentro do limite autorizado mediante capitalização de reserva de lucros ou de capital. Neste caso, diz-se que a companhia tem capital autorizado.

Previsto no art. 168 da LSA, o capital autorizado tem sido uma impor-tante ferramenta de capitalização de recursos, conferindo maior agilidade às companhias, pois permite que a decisão sobre aumento de capital mediante emissão de ações ocorra por decisão do conselho de administração, sem a necessidade de deliberação assemblear e alteração estatutária.

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Dispensando a realização de assembleia geral (com todas as formalidades inerentes à realização da mesma), reduz-se o prazo verificado entre a decisão de aumentar o capital e a efetiva emissão de ações, possibilitando à compa-nhia aproveitar o momento mais apropriado do mercado de capitais.

Registre-se, entretanto, que o conselho de administração poderá deliberar sobre aumento de capital, desde que haja previsão estatutária.

O capital social, por deliberação da assembleia geral ou do conselho de ad-ministração, poderá ser majorado sucessivamente até alcançar o teto previsto no estatuto social. Alcançado o limite do capital autorizado, caso a compa-nhia tenha interesse em continuar usando essa ferramenta, será necessária alteração do estatuto, para que se estabeleça novo limite.

2.3. Modalidades de Aumento de Capital.

(i) Subscrição de Ações: O subscritor aceita a oferta da companhia para adquirir as ações, contribuindo para o aumento do capital so-cial em dinheiro ou bens, ou mediante capitalização de crédito con-tra a companhia;

(ii) Conversão de Debêntures em Ações: A cláusula de conversibi-lidade (art. 57, LSA) assegura ao titular das debêntures a opção de substituir o seu investimento em título de dívida por ações da companhia emissora. Essa conversão implica aumento de capital da companhia emissora, para criar as ações que caberão ao debenturis-ta que exercer o direito à conversão, e extinção do crédito incorpo-rado na debênture que possuía;

(iii) Exercício de Bônus de Subscrição e Opção de Compra: Com o exercício do direito e pagamento do preço de emissão das ações completa-se o contrato de subscrição subjacente à emissão do títu-lo e, tal como previsto no art. 166, item III, o capital é aumentado pelo seu exercício. Na opção de compra e venda, negócio jurídico pelo qual a companhia outorga direito de adquirir ações a outros, há aumento do capital social quando da emissão das ações objeto da opção, caso em que há negócio de alteração do contrato da companhia;

(iv) Capitalização de Lucros e Reservas: “Art. 169: O aumento me-diante capitalização de lucros ou de reservas importará alteração do valor nominal das ações ou distribuições das ações novas, corresponden-tes ao aumento, entre acionistas, na proporção do número de ações que possuírem”

“§ 1º Na companhia com ações sem valor nominal, a capitalização de lucros ou de reservas poderá ser efetivada sem modificação do núme-ro de ações”; e

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(v) Efeitos de Outras Operações: Na incorporação de sociedade, a incorporada subscreve aumento de capital da incorporadora para criar as ações que substituirão as ações extintas da incorporada, e o aumento do capital da incorporadora dá-se pela versão do patrimô-nio líquido da incorporada. O mesmo ocorre no caso de cisão com transferência de parcela do patrimônio líquido da incorporada.

2.4. Parâmetros para Aumento de Capital.

Legítimo vs. Abusivo.

Reputar-se-á legítimo o aumento de capital quando realizado em circuns-tâncias em que a companhia esteja precisando do aporte de tais recursos, de tal modo que, em sentido contrário, será considerado abusivo o aumento de capital realizado em ocasiões nas quais não há a necessidade da realização do aumento de capital.

O art. 117 da Lei das S.A. prevê que:

“Art. 117 O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:(...)c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou

adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da com-panhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que traba-lham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;”

Tanto o acionista quanto o administrador, seja em deliberações de assem-bleias ou em reuniões do conselho de administração, tem o dever legal de votar e agir no interesse da companhia (arts. 115 e 154 da LSA).

Na votação em que se discute majoração do capital social, não é diferente: a deliberação pelo seu aumento só é legítima se e quando tomada no interesse da companhia (art. 115; e 117, §1º, LSA). Do contrário, entende-se que a mesma é abusiva, respondendo o acionista controlador pelo danos causados.

Na subscrição de novas ações ocorre aumento do estoque de recursos pró-prios da sociedade, mas nem por isso deve-se concluir que todo aumento de capital social é realizado no interesse da companhia, pois o fim da sociedade empresária não é acumular recursos próprios, e sim auferir lucro em prol dos acionistas.

Logo, concluem Bulhões Pedreira e Lamy Filho, o interesse social somente requer o aumento de capital quando (a) a sociedade sofre perdas extraordi-nárias; (b) ocorrem modificações nas condições de operação que obrigam

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ou recomendam a redução do grau de endividamento; ou (c) a empresa em-preende expansão da capacidade instalada ou da produção que não pode ser financiada apenas com reinvestimento de lucro e empréstimos.

Caso o aumento planejado não se enquadre em nenhuma das três hipó-teses acima, o aumento é abusivo, e seu objetivo velado cinge-se em esmagar o acionista minoritário, eliminando o incômodo de prestar contas e consoli-dando-se no poder isolado.

Em razão disso que a deliberação a esse respeito é cercada de formalidades, tais como:

(i) quorum especial para instalação da assembleia geral extraordi-nária que altera o estatuto: art. 135, LSA;

(ii) direito de preferência assegurado: art. 171, LSA;(iii) fixação de regras para o exercício de voto, inclusive dos adminis-

tradores, quando lhe é delegada essa função: arts. 115; 168, LSA.

Diluição Justificada x Injustificada.

É intuitivo que o aumento do número de ações em que se divide o capital reduz a fração do lucro e do patrimônio líquido cabível a cada ação, o que acarreta a diminuição de seu valor econômico. A esta diminuição se dá o nome de diluição.

Nem mesmo o direito de preferência para subscrever novas ações (art. 109, IV, LSA) evita a diluição das ações antigas, mas apenas permite que o acionista preserve o valor de sua participação societária caso ele deseje realizar o investimento adicional.

A diluição justificada, a contrariu sensu, ocorre quando o aumento de capi-tal for justificável do ponto de vista do interesse da companhia.

Não basta que o valor econômico das ações seja formado sem observância de um dos três critérios elaborados com esse fim (tópico 6.1). Isso porque é normal para a companhia que a mesma — a fim de obter subscritores para as novas ações — seja obrigada a fixar o preço de emissão abaixo do valor econômico da ação.

Esse tipo de diluição a lei não veda, ao contrário daquela com o objetivo de fraudar o interesse social.

2.5. Órgão Competente.

O aumento de capital pode ser deliberado pela Assembleia Geral ou pelo Conselho de Administração (no caso de companhias com capital autorizado, em que a competência para aprovação dos aumentos de capital tenha sido atribuída ao Conselho de Administração, na forma do art. 168, §1º, alínea “b”, da LSA).

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2.6. Direito de Preferência.

“Art. 171 Na proporção do número de ações que possuírem, os acionis-tas terão preferência para a subscrição do aumento de capital.”

O direito de preferência (para subscrever ações) é um dos direitos essen-ciais dos acionistas (art. 109, IV, LSA) e só pode ser suprimido pelo estatuto da companhia aberta nos casos listados no art. 172.

“Art. 172 O estatuto da companhia aberta que contiver autorização para o aumento do capital pode prever a emissão, sem direito de prefe-rência para os antigos acionistas, ou com redução do prazo de que trata o § 4o do art. 171, de ações e debêntures conversíveis em ações, ou bônus de subscrição, cuja colocação seja feita mediante:

I — venda em bolsa de valores ou subscrição pública; ouII — permuta por ações, em oferta pública de aquisição de controle, nos

termos dos artigos 257 a 263.II — permuta por ações, em oferta pública de aquisição de controle, nos

termos dos arts. 257 e 263.Parágrafo único. O estatuto da companhia, ainda que fechada, pode

excluir o direito de preferência para subscrição de ações nos termos de lei especial sobre incentivos fiscais.”

Nos casos de aumento de capital, sempre se dá esse direito de preferência aos sócios já existentes na companhia. Ou seja, esses sócios poderão subscre-ver as ações emitidas em igual proporção o valor que eles participavam.

Só há direito de preferência com relação a novas ações. Não se aplica à tro-ca de ações já emitidas (compra e venda). Isso é diferente quando se trata de debêntures conversíveis em ações. No caso das debêntures, na hora em que elas foram emitidas, os acionistas tinham o direito de preferência para subs-crever debêntures. Como já houve no momento da emissão, isso não ocorre também no momento a conversão.

3. REDUÇÃO DE CAPITAL

O capital social da companhia poderá ser reduzido, por deliberação da Assembleia Geral, (a) se houver perda, até o limite dos prejuízos acumulados; ou (b) se julgá-lo excessivo em relação ao objeto social (art. 173 LSA).

Na primeira hipótese (redução de capital para reconhecer perdas), os acio-nistas visam a reduzir a cifra do capital social para sanear as perdas observadas e adequar o valor do capital social, em observância ao Princípio da Realidade do Capital Social. O propósito é sanear a contabilidade da companhia para

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legitimá-la a promover distribuições de lucros que provierem a partir de en-tão, o que não seria possível sem a referida redução de capital, em virtude do Princípio da Recomposição do Capital Social (referindo-se neste ponto à clássica lição de Cesare Vivante em seu famoso exemplo da “caixa d’água” ou “silo de trigo”).

Na segunda hipótese (redução de capital excessivo em relação ao objeto social), os acionistas projetaram o capital social acima do necessário, tor-nando-se antieconômico mantê-lo excessivo, por diversas razões (inclusive contábeis e operacionais). Nesta hipótese de redução de capital, ou haverá restituição (devolução) aos acionistas de parte do investimento realizado na companhia ou haverá dispensa de montantes que eventualmente ainda não tenham sido aportados.

Nesta segunda hipótese de redução do capital social (excessivo em relação ao objeto social), a redução ficará condicionada à não oposição dos credores (art. 174, §1º, LSA), os quais poderão se opor em até 60 dias após a publica-ção da ata da assembleia que aprovar a redução do capital social. A redução de capital é válida, mas ainda não é plenamente eficaz (condição suspensiva de eficácia é a não oposição dos credores no prazo legal).

Nestas duas hipóteses de redução de capital (por perda ou por excesso), a operação de redução do capital social opera-se de forma voluntária (são os acionistas que deliberam/aprovam). Quando de iniciativa dos administrado-res, deverá ser ouvido o Conselho Fiscal (quando em funcionamento) antes da realização da Assembleia Geral. Se a iniciativa for da Assembleia Geral, isso não é necessário (Art. 173, §1o, LSA).

Há ainda as hipóteses obrigatórias de redução do capital social, quais sejam: (a) reembolso dos acionistas em caso de recesso (Art. 45, §6º, LSA). Se a companhia não possuir reservas de lucros para fazer o reembolso aos acio-nistas, deverá fazê-lo às custas de redução do capital; e (b) acionista que não integraliza suas ações (Art. 107, §4º, LSA). Se a Companhia não conseguir executar nem vender as ações na bolsa, após 01 (um) ano, as ações caem em comisso e deverá ser reduzido o capital na razão do capital não integralizado.

Veja-se o artigo 173 da LSA, conforme abaixo:

“Art. 173 A assembleia-geral poderá deliberar a redução do capital social se houver perda, até o montante dos prejuízos acumulados, ou se julgá-lo excessivo.”

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3.1. Modalidades.

A. Absorção de Prejuízo.

Neste caso, o capital da sociedade é superior ao seu patrimônio, gerando uma irrealidade, uma vez que esse capital não tem correspondência patrimo-nial. A sociedade é, portanto, deficitária.

B. Restituição aos Acionistas de Capital Excessivo.

Traduziria uma situação em que a sociedade estaria mantendo, na conta de capital social, valores muito superiores às suas necessidades, em prejuízo de sua utilização, levando-se em conta o objeto social e a atividade desenvolvida.

3.2. Redução voluntária vs. Obrigatória.

São voluntárias as modalidades de redução deliberadas pela assembleia ge-ral em razão da perda ou excesso de capital (art. 173, LSA) e, ainda, no caso de outras deliberações assembleares, tais como cancelamento de ações em te-souraria (art. 30, § 1º, ‘b’, LSA); resgate de ações com redução do capital (art. 44, § 1º, LSA); e extinção de ações adquiridas nas operações de incorporação, fusão ou cisão (art. 226, § 1º, LSA).

São obrigatórias as reduções do capital nos casos de ações caídas em co-misso (art. 107, LSA) ou reembolsadas (art. 45, § 6º, LSA).

3.3. Oposição de Credores.

A princípio, não seria possível a restituição aos acionistas de parte do capi-tal social, em respeito ao princípio da intangibilidade do capital social — que somente a admite a título de distribuição do lucro ou restituição de capital com lucros apurados pela sociedade, sem prejuízo do capital social. Essa é a ratio do art. 174 da LSA, abaixo transcrito, que prevê que a redução ficará subordinada à não oposição dos credores, que deverão manifestar-se em até 60 dias:

“Art. 174 Ressalvado o disposto nos artigos 45 e 107, a redução do capi-tal social com restituição aos acionistas de parte do valor das ações, ou pela diminuição do valor destas, quando não integralizadas, à importância das entradas, só se tornará efetiva 60 (sessenta) dias após a publicação da ata da assembleia-geral que a tiver deliberado.

§ 1º Durante o prazo previsto neste artigo, os credores quirografá-rios por títulos anteriores à data da publicação da ata poderão, median-

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FGV DIREITO RIO 69

te notificação, de que se dará ciência ao registro do comércio da sede da companhia, opor-se à redução do capital; decairão desse direito os credores que o não exercerem dentro do prazo.

§ 2º Findo o prazo, a ata da assembleia-geral que houver deliberado à redução poderá ser arquivada se não tiver havido oposição ou, se tiver havido oposição de algum credor, desde que feita a prova do pagamen-to do seu crédito ou do depósito judicial da importância respectiva.

§ 3º Se houver em circulação debêntures emitidas pela companhia, a redução do capital, nos casos previstos neste artigo, não poderá ser efetivada sem prévia aprovação pela maioria dos debenturistas, reuni-dos em assembleia especial.”

3.4. Eficácia da Redução.

Como dito acima, a eficácia da redução do capital fica sujeita à condição suspensiva consistente no transcurso do prazo de 60 dias da publicação da ata que a tiver deliberado, caso não haja oposição ou se tiver havido oposição de algum credor desde que feita a prova do pagamento do seu crédito ou do depósito judicial da importância respectiva. No decurso do prazo, a eficácia da deliberação fica sob efeito suspensivo.

Quanto ao momento em que a redução do capital passa a gerar efeitos, a despeito de antiga controvérsia doutrinária, a questão encontra-se hoje relati-vamente pacificada em razão dos §§ 2º e 3º do art. 174 e pode ser resumida da seguinte maneira:

• Após o prazo de 60 dias, não havendo notificação de nenhum credor, a deliberação produz seus efeitos e a companhia pode iniciar a restitui-ção do capital; salvo se houver debêntures em circulação, caso em que a eficácia depende da aprovação da assembleia geral de debenturistas, ainda que após o decurso dos 60 dias; e

• Se a companhia tiver recebido, durante o prazo mencionado, alguma notificação de oposição de credor, a eficácia apenas ocorre (verificado o transcurso do prazo) após o depósito judicial do crédito ou do paga-mento da quantia respectiva.

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FGV DIREITO RIO 70

47 PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009. Vol. I. P. 873.

AULA 8 E 9: ASSEMBLEIA GERAL.

LEITURA BÁSICA.

LAMY FILHO, Alfredo et Al. A Lei das S.A. Rio de Janeiro: Editora Reno-var. 1995, Vols. I. Pp. 871-1.029.

Relatório de Análise Audiência Pública SDM nº 09/2014 — Processo CVM nº RJ-2011-13930 Objeto: Alterações na Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, e na Instrução CVM n° 481, de 17 de dezembro de 2009 — Participação e votação a distância em assembleias gerais (Disponível no Site da autarquia).

1. ASSEMBLEIAS GERAIS — NOÇÕES GERAIS.

Inicialmente, cumpre esclarecer que existem duas espécies de Assembleia: Geral e Especial.

A diferença básica entre uma e outra é quanto aos membros que as com-põem. Das Assembleias Gerais podem participar todos os acionistas, inclusive aqueles sem direito a voto (art. 125, §único), aos quais é dada a oportunidade de manifestar-se durante a congregação. Em sentido contrário, são chamadas de Especiais as assembleias destinadas a reunir os acionistas de uma mesma classe, como, por exemplo, os detentores das ações preferenciais, chamados a deliberar nos casos do § 1º do art. 136.

A Assembleia Geral é o órgão supremo da sociedade. Forma-se pela reu-nião dos acionistas, inclusive daqueles sem direito a voto, convocada e insta-lada na forma da lei e do estatuto, para deliberar sobre qualquer assunto de interesse da companhia (art. 121).

Nesse sentido, é importante ressaltar que a soberania da Assembleia Geral encontra-se limitada pelo objeto social, pelas normas da lei, bem como pelo Estatuto Social da companhia.

As Assembleias Gerais, por sua vez, subdividem-se em Ordinárias e Ex-traordinárias, de acordo com as matérias que serão objeto de deliberação. Conforme nitidamente se apreende do caput do artigo 131 da LSA, será ordinária a assembleia que tenha em sua ordem do dia as matérias indicadas no artigo 13247.

47. PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009. Vol. I. P. 873.

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2. COMPETÊNCIA DAS ASSEMBLEIAS GERAIS.

O artigo 121 da Lei das Sociedades Anônimas dá à Assembleia Geral am-plíssimos poderes ao permiti-la deliberar e decidir sobre “todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento”.

Hierarquicamente, a Assembleia Geral se põe acima dos demais órgãos sociais, que possuem, portanto, competência residual.

O artigo 122 da LSA, cuja natureza é de norma cogente, enumerou as ma-térias de competência privativa da Assembleia Geral, sob as quais não podem deliberar os demais órgãos sociais:

“Art. 122. Compete privativamente à assembleia geral:I — reformar o estatuto social;II — eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais

da companhia, ressalvado o disposto no inciso II do art. 142;III — tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar

sobre as demonstrações financeiras por eles apresentadas;IV — autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto nos §§

1o, 2o e 4o do art. 59;V — suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120);VI — deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer

para a formação do capital social;VII — autorizar a emissão de partes beneficiárias;VIII — deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da

companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; e

IX — autorizar os administradores a confessar falência e pedir concor-data.

Parágrafo único. Em caso de urgência, a confissão de falência ou o pe-dido de concordata poderá ser formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver, convocando-se imediata-mente a assembleia-geral, para manifestar-se sobre a matéria.”

Esse rol privativo pode ainda ser alargado por disposição legal ou estatutá-ria, sendo pacífica a jurisprudência em torno da sua indelegabilidade, que só cede diante de norma legal expressa.

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FGV DIREITO RIO 72

48 Art. 19, parágrafo único, inciso II da instrução CVM nº 202 de 1993.

49 Ricardo Tepedino entende que a dispensa deve ser aprovada pela una-nimidade dos acionistas presentes, bastando o inconformismo de apenas um acionista para inviabilizar a dispen-sa: “A dispensa do comparecimento em questão só será validamente concedida pela unanimidade dos acionistas pre-sentes ao conclave. Ou seja, tenho que basta que um dos presentes, mesmo que titular de uma ação sem direito a voto, mostre seu inconformismo com a falta de umas dessas pessoas para determinar o adiamento da reunião.” TEPEDINO, Ricardo. Assembleia Geral. In: LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões (coord.). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, Vol. 1. P. 1000.

50 Direito das companhias p. 873.

3. ESPÉCIES DE ASSEMBLEIAS GERAIS.

3.1. Assembleia Geral Ordinária (AGO).

A Assembleia Geral Ordinária (AGO) obrigatoriamente deve se reunir uma vez por ano, sendo nula qualquer disposição estatutária, ou deliberação de acionistas, em contrário.

Segundo o art. 132 da LSA, a reunião anual deve ocorrer nos quatros pri-meiros meses seguintes ao fim do exercício social. Caso este prazo transcorra sem que esta seja realizada, a apreciação dos temas continua sendo necessária e, consoante o entendimento da doutrina majoritária, sua realização intem-pestiva não à torna extraordinária.

De qualquer forma, vale observar que, independentemente da espécie adotada, o atraso na realização do conclave pode acarretar responsabilização dos administradores por eventuais prejuízos (art. 155), bem como sanções à companhia impostas pela CVM48.

Segundo o caput do art. 133, além da obrigação de convocar a AGO, os administradores deverão disponibilizar aos acionistas os documentos que serão objeto de deliberação, com antecedência mínima de 1 mês à realização da assembleia, bem como publicá-los em órgãos da imprensa. A necessidade da publicação é dispensada nas companhias fechadas de que cuida o art. 294 (patrimônio líquido inferior a R$ 1.000.000,00), desde que os documentos sejam arquivados no registro de comércio, juntamente com a ata da AGO cinco dias antes da reunião.

A lei também torna indispensável o comparecimento de algumas pessoas encarregadas de prestar esclarecimentos aos acionistas na AGO, são elas: a) os administradores, ou ao menos um deles; b) o auditor independente (art. 134, § 1º); c) os membros do conselho fiscal, ou ao menos um deles (art. 164). A ausência de uma das pessoas mencionadas, salvo dispensados acionistas, acarreta o adiamento das deliberações dependentes dos esclarecimentos dos ausentes e enseja a sua responsabilização pelos prejuízos causados à compa-nhia em decorrência de sua falta. A aprovação da dispensa deve ser feita pela maioria dos acionistas presentes à assembleia49.

Quanto às atribuições da AGO, como já mencionado, estão taxativamen-te definidas no art. 132 da LSA, a saber:

(i) tomar as contas dos administradores;(ii) votar as demonstrações financeiras do exercício social;(iii) deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e distri-

buição de dividendos;(iv) eleger os administradores e membros do Conselho Fiscal, quando

for o caso; e(v) aprovar a correção da expressão monetária do capital social.50

48. Art. 19, parágrafo único, inciso II da instrução CVM nº 202 de 1993.

49. Ricardo Tepedino entende que a dispensa deve ser aprovada pela unanimidade dos acionistas pre-sentes, bastando o inconformismo de apenas um acionista para inviabilizar a dispensa: “A dispensa do com-parecimento em questão só será validamente concedida pela unanimidade dos acio-nistas presentes ao conclave. Ou seja, tenho que basta que um dos presentes, mesmo que titular de uma ação sem direi-to a voto, mostre seu incon-formismo com a falta de umas dessas pessoas para determi-nar o adiamento da reunião.” TEPEDINO, Ricardo. Assembleia Ge-ral. In: LAMY FILHO, Alfredo; PEDREI-RA, José Luiz Bulhões (coord.). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, Vol. 1. P. 1000.

50. Direito das companhias p. 873.

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FGV DIREITO RIO 73

3.2. Assembleia Geral Extraordinária (AGE).

A Assembleia Geral Extraordinária tem competência residual em relação às matérias objeto de deliberação pela AGO, cabendo-lhe discutir sobre qual-quer tema que não esteja elencado em um dos incisos do art. 132 (v.g. modi-ficar o estatuto, criar valores mobiliários, aumentar o capital social).

Conclave “extraordinário”, não só não tem um objeto de deliberação de-limitado, como também não tem data marcada para sua realização, podendo ser convocada a qualquer tempo, no momento em que houver necessidade.

De acordo com o parágrafo único do artigo 131, uma AGE pode ser con-vocada e realizada cumulativamente com uma AGO, no mesmo local, data e hora, instrumentadas em ata única. Na prática, haverá uma única reunião acumulando todas as matérias a serem tratadas, sendo, contudo, obedecidas as regras próprias de cada uma.

Quanto ao regime jurídico aplicável, pouco difere a AGE da AGO, ca-bendo apenas algumas ressalvas: (a) o quorum de instalação da AGE que con-templar na ordem do dia a alteração do estatuto será distinto da regra geral do art. 125; (b) o quorum de deliberação também será diverso do previsto no art. 129, caso trate de matéria presente no art. 136. Além disto, a realização da assembleia geral extraordinária não é obrigatória.

O art. 135 especifica que a AGE que tiver como proposta a modificação do estatuto social deve observar a regra do quorum de instalação de dois terços, no mínimo, do capital votante, na primeira convocação. A exigência do artigo justifica-se na medida em que a reforma do estatuto social pode afetar as bases das relações sociais e a estrutura da sociedade. Não obstante, frustrada a primeira tentativa, a assembleia pode ser instalada com qualquer número de presentes.

A respeito disto, convém lembrar que o § 1º do mesmo artigo impõe que os atos de alteração do estatuto para serem oponíveis contra terceiros devem ser arquivados na junta comercial.

O outro ponto de distinção se refere ao quorum de deliberação qualificado de metade, no mínimo, das ações com direito a voto, exigido para delibera-ção sobre as matérias elencadas no art. 136. Parece evidente que a justifica-tiva para isto é o fato do legislador ter entendido que as matérias tratadas no dispositivo são de extrema importância para a companhia e seus acionistas. Neste sentido, vale lembrar que a maioria delas, caso aprovadas, conferem o direito de recesso (art. 137).

3.3. Assembleia Especial.

Em poucas palavras, a Assembleia Especial é a reunião que tem como membros apenas os detentores de uma determinada classe de ações. Desta

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FGV DIREITO RIO 74

51 “Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre: 

I — criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto;

II — alteração nas preferências, van-tagens e condições de resgate ou amorti-zação de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida; (…)”

forma, seu objeto de deliberação serão as matérias de interesse específico des-ses acionistas.

Exemplo recorrente é a Assembleia Especial dos proprietários de ações preferenciais da companhia, nos termos do § 1º do art. 136. O dispositivo determina que a eficácia das deliberações sobre as matérias de que tratam os incisos I e II — exclusivamente acerca do regime de ações preferenciais —, encontra-se sujeita à aprovação de mais da metade dos titulares de ações pre-ferenciais, cuja deliberação ocorre em Assembleia Especial51.

4. CONVOCAÇÃO DAS ASSEMBLEIAS.

A convocação, segundo a precisa definição de Valverde “é o convite feito pela imprensa aos acionistas para se reunirem, em Assembleia Geral, no lugar, dia e hora designados, a fim de discutirem e deliberarem sobre determinadas matérias de interesse social.” Note-se que a convocação afigura-se um dever, não uma faculdade à administração ou a quem quer que seja legitimado para convocar a assembleia.

4.1. Regularidade na Convocação.

A regularidade na convocação, cuja observância afigura-se de caráter co-gente, baseia-se em três requisitos:

(i) legitimidade de quem a convoca;(ii) publicidade da convocação; e(iii) delimitação das matérias que serão objeto de discussão.

4.2. Legitimidade para Convocar.

A legitimidade para convocar a Assembleia Geral originariamente perten-ce ao Conselho de Administração. Inexistindo este órgão, os diretores passam a ser os legitimados, observando-se no que couber o estatuto social (art. 123 da LSA).

Eventualmente, se a companhia não possuir um Conselho de Administra-ção e os cargos da diretoria encontrarem-se vacantes, estão aptos a efetuar a convocação o Conselho Fiscal, porventura instalado, ou qualquer acionista.

Também, vale registrar que o art. 123,§ único, da LSA permite às seguin-tes pessoas convocar a assembleia, nas seguintes hipóteses excepcionais:

51. “Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mí-nimo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre: 

<nota3>I — criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar pro-porção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto; II — alteração nas preferên-cias, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favoreci-da; (…)”

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FGV DIREITO RIO 75

52 “Art. 124. A convocação far-se-á me-diante anúncio publicado por 3 (três) ve-zes, no mínimo, contendo, além do local, data e hora da assembleia, a ordem do dia, e, no caso de reforma do estatuto, a indicação da matéria.

§ 1o A primeira convocação da assembléia-geral deverá ser feita:

I — na companhia fechada, com 8 (oito) dias de antecedência, no mínimo, contado o prazo da publicação do pri-meiro anúncio; não se realizando a as-sembléia, será publicado novo anúncio, de segunda convocação, com antecedên-cia mínima de 5 (cinco) dias;

II — na companhia aberta, o prazo de antecedência da primeira convocação será de 15 (quinze) dias e o da segunda convocação de 8 (oito) dias.”

(a) Conselho Fiscal, nos casos previstos no número V, do artigo 163;(b) Qualquer acionista, quando os administradores retardarem, por

mais de 60 (sessenta) dias, a convocação nos casos previstos em lei ou no estatuto;

(c) Acionistas que representem cinco por cento, no mínimo, do capital social, quando os administradores não atenderem, no prazo de oito dias, a pedido de convocação que apresentarem, devidamente fun-damentado, com indicação das matérias a serem tratadas; e

(d) Acionistas que representem cinco por cento, no mínimo, do capital votante, ou cinco por cento, no mínimo, dos acionistas sem direi-to a voto, quando os administradores não atenderem, no prazo de oito dias, o pedido de convocação de assembleia para instalação do conselho fiscal.

Já na hipótese de liquidação da companhia, compete ao liquidante convo-car a Assembleia (art. 210, IV c/c 213, caput).

Pode, ainda, a própria Assembleia, na qualidade órgão supremo, deliberar nova convocação determinando que os administradores tomem as providên-cias que se fizerem necessárias para tanto.

4.3. Publicidade da convocação.

O artigo 124 da LSA exige a publicação do anúncio da convocação por, no mínimo, três vezes, no diário oficial e num jornal de grande circulação (art. 289 da LSA), observando-se a antecedência mínima prevista no art. 124, § 1º, da LSA.

Pode-se, no entanto, excepcionar a exigência de publicação da convocação quando se tratar de companhia fechada que tenha menos de 20 acionistas e cujo patrimônio líquido seja de até R$ 1 milhão, consoante prevê o art. 294 da LSA.

Especificamente nesta situação, a publicação do edital de convocação po-derá ser substituída por aviso entregues a todos os sócios, com a mesma ante-cedência prevista no §1º do art. 124.52

5. CARACTERÍSTICAS E FUNCIONAMENTO DAS ASSEMBLEIAS GERAIS.

5.1. Delimitação das Matérias que Serão Objeto de Deliberação.

A Assembleia só poderá deliberar sobre as matérias constantes do edital de convocação, salvo as exceções previstas em Lei. O objetivo da norma consiste em proteger os interesses dos ausentes, permitindo-lhes ter a segurança de que a Assembleia não tratará de matérias estranhas ao edital de convocação, para qual não fora intimado.

52. “Art. 124. A convocação far-se-á mediante anúncio publicado por 3 (três) vezes, no mínimo, contendo, além do local, data e hora da as-sembleia, a ordem do dia, e, no caso de reforma do estatu-to, a indicação da matéria.

<nota3><nota3>§ 1o A pri-meira convocação da assembléia-geral deverá ser feita:

<nota3>I — na companhia fechada, com 8 (oito) dias de antecedência, no mínimo, contado o prazo da publica-ção do primeiro anúncio; não se realizando a assembléia, será publicado novo anúncio, de segunda convocação, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias;

<nota3>II — na companhia aberta, o prazo de antecedên-cia da primeira convocação será de 15 (quinze) dias e o da segunda convocação de 8 (oito) dias.”

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53 Conforme art. 127 da Lei das S.A.

Se determinada convocação deixar de observar os requisitos acima, será considerada irregular e, portanto, passível de anulação. Já se inexistir con-vocação, a assembleia será considerada nula, salvo no caso em que todos os acionistas compareçam à mesma (art. 286 da LSA).

5.2. Instalação da Assembleia.

Feita a convocação de acordo com a Lei, a instalação da assembleia ainda dependerá de outras formalidades:

(i) a identificação dos acionistas ou de seus representantes, que devem assinar o livro de presença, de forma não só a confirmar sua legiti-midade, mas também

(ii) garantir que o quorum de instalação tenha sido atingido; e(iii) a eleição da mesa que dirigirá os trabalhos, caso o estatuto não es-

pecifique seus integrantes.

Consoante esclarece o artigo 125 da LSA, o quórum para instalação da assembleia geral, em primeira convocação é, em regra, de um quarto do ca-pital votante, prevendo-se a instalação com qualquer número em segunda convocação.

Se, porventura, a Assembleia Geral tiver por objeto a reforma do Estatu-to Social, aplicar-se-á o artigo 135 da LSA, sendo que a instalação somente ocorrerá, em primeira convocação, se contar com a presença de acionistas que representem 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital com direito a voto. Em segunda convocação, a assembleia instala-se em qualquer número.

Entende a melhor doutrina que a exigência da Lei para o quorum mínimo para a instalação da assembleia tem caráter protetivo. Por esse motivo, não se pode reduzir estatutariamente o quorum exigido para a primeira, nem elevar o dá segunda, pois estar-se-ia cerceando o direito do acionista de participar da Assembleia, ou o interesse geral no funcionamento eficiente da compa-nhia, respectivamente.

A confirmação do quorum para instalação da Assembleia Geral se dá me-diante a assinatura do Livro de Presença, procedimento obrigatório descrito no artigo 127 da LSA. Os acionistas para efeito de identificação devem indi-car “o seu nome, nacionalidade e residência, bem como a quantidade, espécie e classe das ações de que forem titulares.”

5.3. Mesa.

A mesa compõe-se, salvo disposição diversa no estatuto, com o presidente e o secretário, escolhidos pelos acionistas presentes53. Sua função consiste em disciplinar, dirigir a Assembleia e redigir a ata. 53. Conforme art. 127 da Lei das S.A.

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54 COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 16.

5.4. Legitimação para Participar da Assembleia.

Impõe o artigo 126 da LSA que apenas acionistas podem participar da Assembleia, salvo os seguintes casos em que devem estar presentes: o auditor independente e pelo menos um dos administradores (art. 134, §1º); um dos membros do Conselho Fiscal, quando instalado (art. 163).

Além disso, no entendimento de Ricardo Tepedino, com a concordância da maioria, podem também participar “empregados, prestadores de serviços da sociedade ou pessoas que mantenham negócios ou queiram negociar com a com-panhia, desde que necessário ao esclarecimento de temas relacionados à ordem do dia.”

5.5. Representação do Acionista.

Segundo o §1º, do art. 126 da LSA, os acionistas podem ser represen-tados “por procurador constituído há menos de 1 (um) ano, que seja acionista, administrador da companhia ou advogado; na companhia aberta, o procurador pode, ainda, ser instituição financeira, cabendo ao administrador de fundos de investimento representar os condôminos.”

A esse respeito, é pacífico o entendimento de que uma mesma pessoa pode receber procurações de dois ou mais acionista e, inclusive, votar de forma diferente nas deliberações postas em pauta.

Naturalmente, os representantes legais dos acionistas (p. ex., pais do me-nor impúbere, curador ou tutor de incapaz, administrador de sociedade, etc) também são legitimados para participar da Assembleia em seu nome. Caio Mario da Silva Pereira admite ainda a participação daquilo que classificou como representação imprópria: inventariante, administrador da massa falida, curador de herança jacente.

5.6. Boletim de Voto a Distância — ICVM 561.

O poder de controle de uma Companhia está diretamente ligado ao exercí-cio de voto dos seus acionistas. Conforme assinala Fabio Konder Comparato:

“Ao contrário do que se sucede nos demais tipos societários, a economia interna da sociedade anônima não é deixada à livre decisão de seus funda-dores ou acionistas. O legislador discriminou poderes-funções considerados fundamentais, atribuindo-os a órgãos próprios, insuprimíveis e inconfun-díveis: o poder-função deliberante à assembleia geral, o poder-função ad-ministrativo à diretoria, o poder-função sindicante ao conselho fiscal. A liberdade negocial dos particulares, na organização de uma companhia, é, pois, limitada pelo respeito devido a essa estrutura básica”54

54. COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 16.

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55 Informações retiradas do site da CVM, disponível em <http://w w w.c vm.gov.br/noticias/arqui-vos/2015/20150407-1.html>. Acesso em 2 de fevereiro de 2016.

Assim, a participação dos detentores de ações ordinárias nas assembleias gerais é de importância vital para que uma Sociedade Anônima ofereça aos seus acionistas a oportunidade de participar da vida da companhia.

Nesse sentido, para que as Assembleias Gerais tenham a efetividade dese-jada, é importante que a legislação e o órgão regulador do Mercado de Ca-pitais forneçam mecanismos que possibilitem a participação daqueles acio-nistas que tenham dificuldade em estar presentes no local de instalação da assembleia.

Sendo assim, em abril de 2015, foi criada a Instrução CVM 561, altera-dora da Instrução CVM 481, para permitir o voto a distância em assembleias gerais. Com efeito, a ICVM prevê:

a) a criação de um boletim de voto a distância, por meio do qual o acionista poderá exercer seu direito de voto previamente à data de realização da assembleia;

b) a possibilidade de inclusão de candidatos e propostas de deliberação de acionistas minoritários no referido boletim, observados determi-nados percentuais de participação societária, como forma de viabi-lizar a participação de acionistas nas assembleias; e

c) os prazos, os procedimentos e as formas de envio desse documento, que poderá ser encaminhado pelo acionistai. diretamente à companhia ouii. a seu custodiante (caso as ações que detiver sejam objeto de

depósito centralizado) ou ao escriturador das ações de emissão da companhia (caso tais ações não sejam objeto de depósito centralizado).

Sobre a norma, a Diretora Luciana Dias afirmou: “Nosso intuito é facilitar a participação dos acionistas em assembleia gerais, tanto por meio do voto quanto por meio de apresentação de propostas. Desta forma, também aprimoramos os instrumentos de governança corporativa no mercado brasileiro”55

5.7. Princípio Majoritário e o Quorum de Deliberação.

O art. 129 da LSA consagrou o princípio majoritário para as deliberações tomadas em assembleia: “Art. 129. As deliberações da assembleia-geral, ressal-vadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco.”

Já na companhia fechada, consoante dispõe o parágrafo segundo do art. 129 da LSA, “O estatuto da companhia fechada pode aumentar o quorum exi-gido para certas deliberações, desde que especifique as matérias.”

55. Informações retiradas do site da CVM, disponível em <http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2015/20150407-1.html>. Acesso em 2 de fevereiro de 2016.

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No entanto, a LSA estabeleceu quorum qualificado, consistente na metade do capital votante para aprovar sobre as seguintes matérias, com maiores re-percussões no âmbito da companhia:

“I — criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações pre-ferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto;

II — alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida;

III — redução do dividendo obrigatório;IV — fusão da companhia, ou sua incorporação em outra;V — participação em grupo de sociedades (art. 265);VI — mudança do objeto da companhia;VII — cessação do estado de liquidação da companhia;VIII — criação de partes beneficiárias;IX — cisão da companhia;X — dissolução da companhia.”

O quorum de metade do capital pode levar ao empate. Neste caso, resolve--se o problema seguindo a orientação do parágrafo segundo do art. 129, segundo a qual: “se o estatuto não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver norma diversa, a assembleia será convocada, com intervalo mínimo de 2 (dois) meses, para votar a deliberação; se permanecer o empate e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao Poder Judiciário decidir, no interesse da companhia.

5.8. Local de Realização.

O lugar de realização da assembleia deve ser o edifício-sede da sociedade (art. 124, §2º, da LSA), salvo os casos de força maior em que se admite a sua transferência para outro local.

5.9. Ata de Assembleia.

Dispõe o artigo 130, caput, da LSA, que os trabalhos e o resultado das deliberações devem ser lavrados em ata, em livro próprio, a ser assinada por todos os membros da mesa e acionistas presentes.

A ata de realização da Assembleia é, nas palavras de Carvalho de Men-donça, a “memória escrita das ocorrências”, a prova documental do que se sucedeu na reunião, nas relações entre os acionistas e entre estes e a sociedade anônima, detendo assim, presunção relativa de veracidade.

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56 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, Vol. II., 23ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2003, P. 166.

57 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercia”, Vol. II., 23ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2003, P. 166. e por Comparato em: COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 16.

AULAS 10 E 11: ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS: CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E DIRETORIA.

LEITURA BÁSICA.

PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I, pp. 775-808 e 1084/1255.

1. ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS.

A sociedade anônima é estruturada em órgãos sociais que funcionam como centros de poderes. A distribuição de atribuições específicas aos diver-sos órgãos da companhia visa promover maior eficiência administrativa. O termo “centros de poderes”, utilizado frequentemente pela doutrina56, remete à ideia de que diante da complexidade da administração das empresas, é ne-cessário fracioná-las em órgãos, distribuindo-se entre cada órgão determina-das atribuições, a fim de tornar a dinâmica social mais eficiente.

Essa noção da sociedade anônima como um grande corpo dividido em vá-rios órgãos sociais decorre da adoção pela LSA da teoria organicista. Os órgãos não são sujeitos de direito nem tampouco possuem personalidade jurídica própria, de modo que as obrigações pactuadas e a eventual responsabilização por quaisquer atos praticados por algum deles é imputável unicamente à so-ciedade anônima.

Como se disse, embora o estatuto social possa criar outros órgãos, a LSA prevê a existência de quatro órgãos sociais na sociedade anônima: (i) assem-bleia geral, (ii) conselho de administração, (iii) diretoria e o (iv) conselho fiscal.

A LSA impõe a obrigatoriedade de todos os órgãos acima listados, com a exceção do conselho de administração, o qual somente será obrigatório nas companhias abertas, na sociedade com capital autorizado e na sociedade de economia mista (art. 138, § 2º e 239 respectivamente), sendo facultativo nas sociedades anônimas de capital fechado.

Em relação ao conselho fiscal existe uma particularidade, pois a sua exis-tência é sempre obrigatória, mas o seu funcionamento é facultativo, exceto no caso das sociedades de economia mista (art. 240).

Os órgãos sociais podem ser classificados57 a partir do tipo de poder que deles emana: a) órgão de deliberação, que reflete a vontade da sociedade; b) órgão de execução, que realiza a vontade social; c) órgão de controle, que fiscaliza a fiel execução da vontade social. Outra classificação doutrinária apli-

56. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, Vol. II., 23ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2003, P. 166.

57. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercia”, Vol. II., 23ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2003, P. 166. e por Comparato em: COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 16.

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58 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 14ª Ed. São Paulo: Sa-raiva, 2010, P. 201.

59 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 14ª ed. São Paulo: Sa-raiva, 2010, P. 201.

60 COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 16.

cada pela doutrina58 aos órgãos sociais refere-se à forma como pode ocorrer a sua atuação, assinalando-os como órgãos divisíveis e indivisíveis.

Nesse sentido “são divisíveis os que podem atuar tanto como colegiado como mediante iniciativa individual de seus membros; e são indivisíveis os órgãos que atuam somente como colegiado.”59 O conselho fiscal é órgão di-visível, e seus membros podem atuar, observadas as delimitações legais, como colegiado ou por atuação individual, ao passo que a assembleia geral e o con-selho de administração são sempre órgãos indivisíveis. Em relação à diretoria ela é, via de regra, um órgão divisível, entretanto, o estatuto pode estabelecer determinadas matérias em que sua atuação será indivisível.

Por último é importante destacar que entre os órgãos da companhia existe uma estrutura hierarquizada. A Assembleia Geral é o órgão supremo, com poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto social (art. 121), exercendo poder hierárquico sobre o Conselho de Administração e o Conse-lho Fiscal.

Em relação aos poderes da assembleia ressalta Fabio Konder Comparato60:

“No modelo legal, é, incontestavelmente, a assembleia geral o órgão primário, ou imediato, que investe os demais, elegendo seus membros e podendo demiti-los. Nesse sentido estritamente jurídico, nem sempre coin-cidente com a realidade econômica, ela é, sem dúvida, o poder supremo da companhia.”

Eis, adiante, a descrição mais fundamentada das competências e funções de cada um dos órgãos da companhia, com a exceção da assembleia geral, para a qual se reservou tópico específico.

2. CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO.

O Conselho de Administração, como já dito, é opcional, exceto para as companhias de capital aberto, autorizado (art. 138, §2º), ou misto (art. 239 da LSA; art. 173, §1º, da CF).

Este órgão social, também deliberativo, é eleito pela Assembleia Geral. Hierarquicamente ele se posiciona entre a Assembleia Geral e a Diretoria.

Os conselheiros formam um colegiado com a função de orientar os ne-gócios da companhia, eleger, acompanhar e fiscalizar os diretores, os quais detêm o poder executivo. Uma das razões para a existência do órgão é a limi-tação da Assembleia, que se reúne poucas vezes, para exercer com eficiência a função de orientação e controle da administração da sociedade.

Sua composição se dá em número fixado no estatuto, sendo este, no mí-nimo, de três membros. A lei exige que o estatuto defina também o prazo de

58. COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, P. 201.

59. COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, P. 201.

60. COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 16.

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gestão, que será de, no máximo, três exercícios sociais, e o modo de substitui-ção dos conselheiros, assim como disponha sobre a convocação, instalação e modo de funcionamento do órgão (art. 140, I a IV).

Por se tratar de um órgão colegiado, a grande maioria de suas atribui-ções se realiza por deliberação. O quorum necessário para aprovações, igual à maioria dos votos, é fixado pelo art. 140, IV, sendo facultada ao estatuto a exigência de quorum qualificado em certas situações.

Sua competência está delimitada pelo artigo 142 da LSA que lista como principais atribuições do órgão:

“Art. 142. (...)I — fixar a orientação geral dos negócios da companhia;II — eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribui-

ções, observado o que a respeito dispuser o estatuto;III — fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os

livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebra-dos ou em via de celebração, e quaisquer outros atos;

IV — convocar a assembleia-geral quando julgar conveniente, ou no caso do artigo 132;

V — manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria;

VI — manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o es-tatuto assim o exigir;

VII — deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição;

VIII — autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros;

IX — escolher e destituir os auditores independentes, se houver.”

3. DIRETORIA.

A diretoria é o órgão executivo da sociedade, sendo, seus membros, ne-cessariamente pessoas físicas residentes no Brasil, os detentores exclusivos da representação social. Compete-lhes a direção da sociedade, desde o desenvol-vimento dos negócios e abertura de mercados ao comando dos empregados.

Trata-se de órgão, obrigatório, criado pela lei. Sua composição, prazo de gestão de seus membros, modo de substituição dos diretores, atribuições e poderes de cada diretor, assim como modo de funcionamento devem estar regulamentadas no Estatuto Social (art. 143 da LSA).

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A diretoria deve ser composta por, no mínimo dois membros eleitos, e passíveis de destituição a qualquer tempo, pela Assembleia Geral ou, se hou-ver, pelo Conselho de Administração. Em princípio, os membros da diretoria têm amplos poderes para praticar todos os atos que sejam compatíveis com o objeto social e com o interesse da empresa. Suas atribuições são indelegáveis.

O Estatuto ou o Conselho de Administração podem disciplinar os po-deres dos diretores, fixando as atribuições de cada um ou especificando e outorgando denominações às respectivas áreas de atuação, tal como: diretor financeiro, diretor operacional, diretor comercial, dentre outros.

Neste sentido, pode, ainda, o Estatuto exigir a assinatura de um ou mais membros da diretoria para a prática de determinado ato.

O mandato do administrador tem prazo máximo de três anos, sendo ad-mitida sua reeleição. Além disso, de acordo com o art. 143, §3º, da LSA, até um terço dos membros do conselho de administração podem integrar também a administração.

A remuneração dos diretores é fixada pela Assembleia Geral, levando-se “em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua compe-tência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado”, consoante prescreve o art. 152 da LSA.

4. CONSELHO FISCAL.

O Conselho Fiscal é o terceiro órgão de existência obrigatória em todas as companhias e tem como função fiscalizar os administradores. Deve, por-tanto, acompanhar a atuação da empresa, verificando a regularidade dos pro-cedimentos e dos negócios, opinando sobre os relatórios financeiros, assim como sobre eventuais operações, como modificação do capital, emissão de debêntures, distribuição de dividendos, etc (art. 163 da LSA).

Para execução de seu papel, faculta-se ao conselho a possibilidade de soli-citar esclarecimentos dos administradores, denunciando à assembleia ou ao conselho de administração, os erros, fraudes ou crimes descobertos.

O conselho fiscal será composto por no mínimo, três e, no máximo, cinco membros. A LSA exige que os membros do Conselho Fiscal sejam brasileiros, possuam nível universitário ou experiência mínima de três anos como admi-nistrador de empresa ou conselheiro fiscal. Ademais, os conselheiros fiscais estão impedidos de atuar como membros de órgãos de administração ou em-pregados de outra companhia ou de sociedade controlada ou do mesmo gru-po, nem cônjuge ou parente até terceiro grau do administrador da companhia.

A remuneração dos conselheiros é fixada pela assembleia geral, observado o limite mínimo fixado em lei (art. 162, §3º), igual a dez por cento da média da remuneração dos administradores.

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61 EIzIRIK, Nelson; GAAL, Ariádina B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais – Regime Jurídico. 3ª Ed. revista e ampliada – Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

Os deveres dos conselheiros são iguais aos dos administradores, podendo ser responsabilizados por seus atos de omissão quanto à estes, assim como pelos atos de violação à lei ou ao estatuto (art. 165).

4.1. Funcionamento e Convocação.

Este órgão, embora obrigatório, jamais funcionou eficientemente na prá-tica societária. Grande parte das empresas adota o funcionamento não per-manente, optando frequentemente pelas auditorias independentes, as quais, inclusive, são obrigatórias nas companhias abertas (art. 177, §3ª).

Sendo seu funcionamento não permanente, o pedido de instalação pode ser formulado em qualquer Assembleia Geral, por 10% das ações com direi-to de voto ou 5% das ações sem direito a voto (art. 161, §2º), devendo esta imediatamente eleger seus membros (art. 161, §3º).

5. DEVERES E RESPONSABILIDADES DOS ADMINISTRADORES.

Como acima exposto, os administradores são eleitos pelos acionistas, ou grupo de acionistas da sociedade. Apesar disso, os administradores devem agir sempre no interesse da sociedade, devendo cumprir com os deveres e as responsabilidades previstas na legislação. Na classificação dos deveres dos administradores, o legislador adotou um critério misto, descrevendo-os de forma específica em alguns casos, bem como utilizando standards ou referên-cias abstratas em outros.61

Os principais deveres estipulados pela LSA, e previstos nos artigos 153 a 157 são: (i) dever de diligência (art. 153) ;(ii) dever de lealdade (art.155); (iii) o dever de informar (art. 157); (iv) o de cumprimento das finalidades da companhia (art.154) ; e (v) o de evitar situações de conflito.

5.1. Dever de Diligência.

O dever de diligência decorre do Art. 153 da LSA e determina basica-mente que o administrador aja com a competência, a honestidade e cuidado que poderia se esperar do homem ativo e probo, do bom pai de família, na condução dos negócios. Atualmente, contudo, exige-se dos administradores uma atuação mais competente e profissional, tendendo a afastar-se cada vez mais da diligência usual de um bom pai de família.

De forma a simplificar a verificação do cumprimento do dever de dili-gência pelos administradores, a doutrina, especialmente a partir da análise e estudos dos precedentes americanos, dividiu esse dever em cinco pontos diferentes:

61. EIzIRIK, Nelson; GAAL, Ariádina B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais — Regime Jurídico. 3ª Ed. revista e ampliada — Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

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62 PARENTE, Flávia. O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anô-nimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. Pp. 102.

(a) o dever de se qualificar para o exercício do cargo de administrador, cabendo a este possuir ou adquirir o conhecimento mínimo neces-sário para o desenvolvimento de suas atividades junto à sociedade;

(b) o dever de bem administrar, que consiste na consecução do interes-se social da companhia;

(c) o dever de se informar, cabendo ao administrador buscar todas as in-formações necessárias para o bom desenvolvimento de suas atividades;

(d) o dever de investigar, segundo o qual os administradores devem avaliar criticamente as questões que lhe são apresentadas; e

(e) o dever de vigiar, o qual impõe aos administradores o dever de, constantemente, monitorar o desenvolvimento das atividades so-ciais.62

O dever de se qualificar determina a necessidade do administrador possuir ou adquirir os conhecimentos mínimos sobre as atividades que são ou serão exercidas pela sociedade. O dever de bem administrar evidencia-se na atua-ção buscando a consecução do interesse social pelo administrador.

O dever de se informar, por sua vez, consiste na necessidade de o adminis-trador buscar e obter as informações e os dados necessários para atingir o fim social da companhia. O dever de investigar determina a necessidade de uma análise crítica pelo administrador dos dados e informações que lhe foram fornecidas. Por fim, o dever de vigiar constitui o dever de monitoramento do desenvolvimento das atividades pela sociedade.

Desta forma, é possível verificar que o conceito de dever de diligência não é claro nem delimitado, mas um conceito abstrato, cabendo à doutrina e a jurisprudência delinear padrões e limites de comportamento. Buscando garantir maior segurança jurídica e delinear de forma mais clara os padrões de comportamento dos administradores, foi desenvolvido nos EUA a teoria do business judgment rule.

Esta teoria desenvolveu-se a partir da análise pelos tribunais do cumpri-mento dos deveres de diligência dos administradores. Segundo essa teoria, se as decisões dos administradores foram tomadas de forma (i) independente, (ii) desinteressada, (iii) informada e (iv) no interesse da companhia elas não podem ser revistas pelo judiciário e o os administradores não poderão ser responsabilizados, ainda que tais decisões venham a ser mal-sucedidas.

A ideia por trás da teoria do business judgment rule é que as regras não podem ser tão rígidas a ponto de afastar a vontade das pessoas de serem admi-nistradores. Há uma certa presunção de boa-fé. Os administradores não po-dem ser punidos pelos atos que não tiveram êxito, mas que foram cumpridos de forma adequada (diligente, leal, bem informada). Em resumo, a obrigação não pode ser de resultado, mas de meio. Afinal, o empreendedorismo está ligado à tomada de risco. 62. PARENTE, Flávia. O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. Pp. 102.

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63 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2011. P.321.

5.2. Dever de Lealdade.

O dever de lealdade, por sua vez, decorre do artigo 155 da LSA e com-preende a reserva que deve ser feita sobre os negócios da companhia, não havendo aproveitamento do cargo em beneficio próprio ou de outrem. As-sim, é vedado usar em benefício próprio ou de outrem, com prejuízo para companhia, oportunidades comerciais que surjam em decorrência do exer-cício do cargo. Importante ressaltar que só estará configurada violação à lei quando a companhia possui interesse, real ou potencial, na operação ou deve estar em condições de aproveitá-la. Desse modo, o administrador deverá, na condução dos negócios da companhia, exercer suas atividades sempre obser-vando a boa-fé os interesses da sociedade. Sobre o dever de lealdade, afirma MODESTO CARVALHOSA:

“O dever de lealdade (duty of loyalty) decorre basicamente da obri-gação de agir de acordo com o interesse comum dos acionistas. Ainda que exista um interesse particular que possa ser atendido conjuntamente com o interesse dos acionistas, o administrador deve desconsiderar o primeiro para atender exclusivamente ao segundo. Recomenda-se, igualmente, que o ad-ministrador não se envolva em situações em que deva negociar consigo mes-mo, ou seja, em transações em que, de um lado, deva agir de acordo com seu interesse particular e, do outro, de acordo com o interesse dos acionistas.”63

A forma mais comum da quebra do dever de lealdade em companhias abertas é a pratica de insider trading, que consiste na utilização de informa-ções privilegiadas e que possa influenciar na cotação do preço das ações, para benefício próprio ou de outrem (art. 155, § 1º).

5.3. Dever de Evitar Conflito de Interesses.

O dever de evitar conflito de interesses veda que o administrador interfira em operação social que possua interesses conflitantes. Trata-se de uma obri-gação de não fazer, de abster-se, que decorre do dever de lealdade (art. 156).

5.4. Dever de Informar.

O dever de informar encontra seu fundamento em manter a isonomia de informações que é divulgada ao mercado em geral, impedindo o uso de informações privilegiadas para benefício de poucos e para manter os acionis-tas informados dos negócios da sociedade, de modo que tenham o subsídio necessário para a tomada de decisão de investir ou não em determinada com-panhia (art. 157).

63. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2011. P.321.

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64 Neste sentido, verificar AC 700006446447, Rel. Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, j. 15.10.2003, TJRS, 6ª Câmara.

65 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, P. 370. Em julgamento proferido pelo colegiado da CVM foi proferido voto no seguinte sentido: “Com efeito, a própria definição de prática não-eqüitativa prevista na Instrução CVM nº 08, traduz, na essên-cia, em que consiste o “insider trading”, que nada mais é do que uma negociação com valores mobiliários em que uma das partes, por ser conhecedora de informa-ção privilegiada, coloca-se em posição de vantagem em relação à outra que, por não deter essa mesma informação, encontra-se em uma indevida posição de desequilíbrio ou de desigualdade” (CVM. Processo Administrativo Sancionador nº 17/02. Relator Diretor Wladimir Castelo Branco Castro. Julgamento em 25.10.2005)

O cumprimento desse dever exige do administrador que, ao tomar posse, declare os valores mobiliários de emissão da companhia e de outras empresas do mesmo grupo de que seja titular, ficando, daí por diante, obrigado a revelar à assembleia geral, a pedido de 5% dos acionistas, os negócios em torno destes.

Além disso, os administradores são obrigados a comunicar à bolsa de va-lores e à CVM, assim como divulgar pela imprensa todas as deliberações ou fatos ocorridos que possam influir na cotação das ações (157 §4º, LSA). Não há aqui conflito algum com o dever de sigilo, pois este evita o vazamento para pessoas específicas, enquanto aquele estimula a difusão geral.

5.5. Deveres do Acionista Controlador Administrador.

Conforme disposto no art. 117, § 3º, da Lei 6.404/1976, o acionista con-trolador que exerce cargo de administrador ou fiscal terá os deveres e respon-sabilidades próprios do cargo.64

Neste sentido, caso o acionista controlador venha a também acumular funções na administração da sociedade, ser-lhe-ão aplicáveis igualmente os deveres atribuíveis aos administradores de companhia, conforme previstos nos artigos 153 a 157 da LSA (i.e., dever de diligência; dever de cumprimen-to das finalidades da sociedade; dever de lealdade; dever de evitar conflitos de interesses; e o dever de informar).

A este respeito, a Lei nº 6.404/1976 estabelece um louvável sistema des-critivo dos deveres dos administradores, por meio dos artigos 153 a 157 da LSA, para na sequência disciplinar a responsabilidade dos administradores no artigo 158 da LSA e tratar da ação de responsabilidade, que é o mecanis-mo jurídico próprio para a responsabilização in casu dos administradores, conforme artigo 159 da LSA.

6. INSIDER TRADING.

No caso de sociedade de capital aberto, as informações não divulgadas, e que podem influir sobre a cotação das ações no mercado, devem ficar sob ab-soluto sigilo, exceto quando escapar do controle ou houver oscilação atípica das ações (conforme o artigo 6º da Instrução Normativa da CVM nº 358, de 2002). Conforme Modesto Carvalhosa:

“Insider trading é toda negociação de compra e venda de valores mobili-ários feita pelos administradores ou por quem deles obteve de qualquer for-ma informações relevantes, no período em que tais informações não foram ainda divulgadas junto ao mercado, de forma ordinária ou extraordinária, conforme as circunstâncias”65

64. Neste sentido, verificar AC 700006446447, Rel. Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, j. 15.10.2003, TJRS, 6ª Câmara.

65. CARVALHOSA, Modesto. Co-mentários à Lei de Socieda-des Anônimas. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, P. 370. Em julgamento proferido pelo colegiado da CVM foi proferido voto no seguinte sentido: “Com efeito, a própria defini-ção de prática não-eqüitativa prevista na Instrução CVM nº 08, traduz, na essência, em que consiste o “insider tra-ding”, que nada mais é do que uma negociação com valores mobiliários em que uma das partes, por ser conhecedora de informação privilegiada, coloca-se em posição de van-tagem em relação à outra que, por não deter essa mes-ma informação, encontra-se em uma indevida posição de desequilíbrio ou de desigual-dade” (CVM. Processo Administrativo Sancionador nº 17/02. Relator Diretor Wladimir Castelo Branco Castro. Julga-mento em 25.10.2005)

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66 EIzIRIK, Nelsom; GAAL, Ariádina B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais – Regime Jurídico. 3ª Ed. Revista e Ampliada – Rio de Janeiro: Renovar, 2011. P. 468.

Com efeito, o uso de informação privilegiada, ainda não divulgada no mercado, enseja, a depender do caso, responsabilidades nas esferas civis, ad-ministrativas e até penais.

Além dos deveres ressaltados, são expostas pela lei algumas expressas proi-bições. O parágrafo 2º do artigo 154 da LSA veda ao administrador:

(i) a prática de ato de liberalidade à custa da companhia;(ii) sem autorização da assembleia geral ou do conselho de adminis-

tração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito;

(iii) sem autorização estatutária ou da assembleia geral, receber de terceiro qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indi-reta, em razão do exercício de seu cargo.

A proibição do item (i) só pode ser afastada quando se tratar de liberalida-de razoável, que tenha como beneficiários os empregados ou a comunidade de que participa a empresa, por deliberação do conselho ou da diretoria.

Caberá ao administrar, ainda, o exercício do cargo objetivando o cumpri-mento das finalidades da companhia. Desta forma, o administrador deverá exercer suas atividades de forma a atender ao bem público e a função social da empresa, mas sempre observando as finalidades e os interesses da companhia.

Tal dever se traduz em duas obrigações:

(i) Produção de lucros para a partilha entre seus acionistas;(ii) Atender aos interesses da sociedade.

Assim, se por um lado o administrador deve buscar o lucro na condução dos negócios, deverá também atender aos interesses dos stakeholders.

Por fim, o dever de evitar situações de conflito consiste na obrigação do administrador em se abster de atos que possam vir a caracterizar hipóteses de conflito de interesses. “Configura-se o conflito de interesses quando a satis-fação do interesse meramente individual somente poderá ocorrer mediante o sacrifício do interesse coletivo, e vice-versa” 66.

Desta forma, quando houver um duplo interesse na decisão a ser tomada pelo administrador (interesse social e particular) recomenda-se a abstenção da prática de tal ato. O conflito pode ser formal ou substancial. O primeiro é aquele em que o administrador e a companhia são as partes contratantes, e, portanto, possuem interesses diversos. Já o conflito substancial é caracterizado quando a tomada de decisão do administrador é realizada com desvio de finalidade, objetivando inte-resses particulares em detrimento e/ou incompatíveis com os fins sociais.

66. EIzIRIK, Nelsom; GAAL, Ariádina B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais — Regime Jurídico. 3ª Ed. Revista e Ampliada — Rio de Janeiro: Renovar, 2011. P. 468.

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67 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Respon-sabilidade Civil dos Administradores de S/A (e as Ações Correlatas). São Paulo: Saraiva, 2009.

7. RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES.

Os administradores, agindo dentro dos padrões de regularidade exigidos pela lei e dos limites de suas respectivas atribuições, não respondem pessoal-mente pelos atos praticados, mesmo que venham a causar prejuízo à socieda-de. Haverá, no entanto, responsabilidade caso atuem com dolo ou culpa, mes-mo que dentro de suas atribuições, e/ou quando violarem a Lei ou o Estatuto.

Antes de adentrarmos mais especificamente nas formas de responsabiliza-ção dos administradores, é importante ressaltar que a responsabilidade dos ad-ministradores perante a sociedade, em vista a teoria organicista, não constitui uma obrigação contratual ou negocial, mas sim uma obrigação extracontratu-al (ou aquiliana), com regras e princípios distintos. Isto é, não é necessário que o Estatuto Social das sociedades repita os deveres legais, específicos ou gerais, para que os imperativos legais sejam exigíveis dos administradores67.

Como visto acima, caso os administradores atuem com dolo ou culpa ou violem a Lei ou o Estatuto Social, eles podem vim a ser responsabilizados. A análise dessas condutas deve ser avaliada sob três óticas:

7.1. Responsabilidade Administrativa:

Decorre da má gestão pura e simples, podendo acarretar, por exemplo, a destituição do administrador. Esta medida, embora no campo da responsabi-lização, não exige um processo formal, visto que pode ser tomada a qualquer tempo pela sociedade.

7.2. Responsabilidade Penal:

A irregularidade cometida pelo administrador pode se enquadrar também em uma das condutas tipificadas em lei como criminosas. A título de exem-plo, têm-se os crimes financeiros (Lei nº 7.492, de 16.06.86), os crimes con-tra a ordem tributária (Lei nº 8.137 de 27.10.92), crimes no mercado de ca-pitais, como uso de informação privilegiada ou manipulação de mercado, os crimes contra o patrimônio, previstos no Código Penal, entre muitos outros.

7.3. Responsabilidade Civil.

Consiste na obrigação do administrador de indenizar aquele que sofreu um dano por perdas e danos, nos casos em que proceda com violação da lei ou do Estatuto ou, dentro de suas atribuições e poderes, com culpa ou dolo, causando prejuízos à sociedade, aos acionistas ou a terceiros. A seguir analisa-remos as responsabilidades decorrentes do prejuízo a cada um desses sujeitos.

67. ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A (e as Ações Correlatas). São Paulo: Saraiva, 2009.

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68 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Respon-sabilidade Civil dos Administradores de S/A (e as ações correlatas). São Paulo: Saraiva, 2009, pg. 200.

7.3.1. Responsabilidade Civil Perante a Sociedade.

Visa a que o exercício das atribuições dos administradores seja direcio-nado ao desenvolvimento correto das atividades da sociedade. Abaixo vere-mos quem são os legitimados para propositura desta ação, que possui como exemplos de atos ilícitos: (i) a prática de atos de liberalidade à custa da companhia (art. 154, §2º, a da LSA); (ii) o descumprimento das vedações expressamente impostas pelo dever de lealdade em detrimento da socieda-de (art. 155, I, II e III da LSA); (iii) a venda de bens sociais por preços inferiores ao valor de mercado ou sem estar devidamente autorizado, (iv) a distribuição indevida de dividendos, atividade que resulta na responsabili-dade solidária (art. 201 da LSA), (v) o favorecimento indevido de sociedade coligada, controladora ou controlada (art. 245 da LSA); (vi) a elaboração de contas e demonstrações financeiras falsas ou viciadas, para, com exemplo, com base nelas, dentre outros.68

7.3.2. Responsabilidade Civil Perante os Acionistas.

Decorrente da violação dos deveres legais, esta responsabilidade perante danos diretos causados aos acionistas apresentar como exemplos as seguin-tes condutas: (i) impedimento ilícito de ingresso de acionista ou procurador em assembleia (art. 125, par. ún. e 126 da LSA); (ii) exclusão ilegítima do acionista na distribuição dos dividendos; (iii) impedimento do exercício de direito de preferência (art. 109, IV da LSA), dentre outros.

7.3.3. Responsabilidade Civil Perante Terceiros em Geral.

Os terceiros que tenham relação preexistente com a sociedade (ex. credo-res, contratantes, empregados e fornecedores) e que sofreram danos decor-rentes de uma conduta ilícita por parte de qualquer administrador poderá ser indenizado, sendo exemplo de condutas que ensejam tal responsabilidade:

(i) uso indevido de informação ainda não divulgada, do qual resulte dano a investidores do mercado de capitais (art. 155, § 3º da LSA);

(ii) a divulgação de balanço falso ou inexato com base no qual terceiros sejam induzidos a subscrever valores mobiliários de emissão da so-ciedade por valor superior ao real;

(iii) a criação de condições artificiais de mercado, para manipular o pre-ço dos títulos em negociação;

(iv) dissolução e liquidação irregular da sociedade;(v) a emissão e a distribuição irregular de valores mobiliários, além de

outros.

68. ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A (e as ações correlatas). São Paulo: Saraiva, 2009, pg. 200.

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69 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Respon-sabilidade Civil dos Administradores de S/A (e as Ações Correlatas). São Paulo: Saraiva, 2009, P. 306.

7.4. Ação de Responsabilidade Civil Contra os Administradores.

Uma vez analisado os deveres dos administradores, estudaremos agora como se dá o sancionamento nos casos de eventuais descumprimentos desses deveres. Existem duas espécies de ação de responsabilidade civil dos adminis-tradores: (i) ação social; e (ii) ação individual. Estas duas espécies de ação se diferenciam pela “titularidade do patrimônio diretamente atingido pela atuação ilícita dos administradores; o sujeito prejudicado” 69.

Desta forma, tendo sido o prejuízo sofrido pela sociedade estaremos dian-te de uma ação social, cuja titularidade competirá à sociedade; já se o sujeito prejudicado tiver sido um acionista ou qualquer terceiro, a ação será indivi-dual, competindo a titularidade àquele que sofreu o dano.

O objeto das ações sociais será sempre a recomposição do patrimônio so-cial, enquanto nas ações individuais o objeto será a reembolso dos prejuízos diretamente sofridos pelos acionistas ou terceiros. Importante ressaltar que a ação social não exclui a possibilidade da propositura de ação individual, já que os titulares e o objeto da ação são diferentes.

São legitimados para propor a ação de responsabilidade civil dos adminis-tradores: (i) a própria sociedade — ação social ut universi — ou os acionistas, na condição de substitutos processuais — ação social ut singuli, que poderá ser proposta na condição de substitutos processuais originários (art. 159, §4º da LSA) ou derivados (art. 159, §3º da LSA). (ii) os acionistas e terceiros que tenham sido diretamente prejudicados.

A sociedade tem o prazo de três meses para propor a ação de reparação civil em face do administrador, cabendo à assembleia deliberar sobre o tema. Tal ação busca o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela sociedade em de-corrência dos atos dos administradores e possui como fundamento a manu-tenção dos interesses sociais, não sendo possível a persecução de interesses individuais dos acionistas (ação social ut universi). Se for deliberada a propo-situra da ação em face do administrador, este será declarado automaticamen-te impedido, fato semelhante ao impeachment na seara política.

Passado o prazo trimestral previsto acima, e caso a sociedade não tenha deliberado acerca da ação de responsabilização do administrador, qualquer acionista adquire legitimidade extraordinária para fazê-lo em nome próprio e em benefício da sociedade (ação social ut singuli substitutiva). Se, todavia, a sociedade tiver deliberado pela não propositura da ação, podem ainda, acio-nistas representantes de, pelo menos, cinco por cento do capital social, ajui-zar a ação, como substitutos processuais da sociedade (ação social ut singuli derivada).

Os administradores respondem ainda perante os terceiros e os acionistas a quem causem prejuízos diretos, (i.e. que não sejam reflexos dos danos auferi-dos pela sociedade) hipótese na qual o interessado terá ação individual contra o culpado. 69. ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A (e as Ações Correlatas). São Paulo: Saraiva, 2009, P. 306.

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A responsabilidade dos administradores, em regra, é pessoal, exceto quan-do houver conivência ou negligência em relação às irregularidades de que os demais administradores tiverem conhecimento. Quanto às providências necessárias para o funcionamento da empresa, salvo nas companhias abertas, todos os administradores são solidariamente responsáveis, assim como nos casos de distribuição irregular de dividendos.

A exclusão da responsabilidade é prevista na lei, sempre que ação tenha sido realizada de boa-fé e com vista ao interesse da empresa (art. 159, §6º), circunstância que, embora a redação do artigo diga que deve ser reconhecida pelo juiz, pode também provir da assembleia.

7.5. Renúncia do Administrador.

A renúncia torna-se eficaz contra a companhia, desde o momento em que lhe for entregue a comunicação escrita do renunciante, mas só produzirá efeitos em relação a terceiros, após o respectivo arquivamento no Registro do Comércio (art. 151).

7.6. Seguros.

É bastante comum a contratação de seguros de responsabilidade civil (co-nhecidos como D&O — directors and officiers) para administradores de so-ciedades, especialmente em sociedades abertas. Por meio desses contratos, em caso de eventuais sinistros, a seguradora estaria obrigada a recompor o patrimônio dispendido pelos administradores em indenizações, gastos com processos judiciais e administrativos, termos de compromisso e outros.

Outro mecanismo de proteção dos administradores, ainda que bastante controverso, são os contratos de indenidade. Por meio desses instrumentos, firmados entre os administradores e a própria sociedade, esta estaria obriga-da a ressarcir aqueles em caso de gastos não cobertos nas apólices de seguro contratada. Diferente dos contratos de seguros, os contratos de indenidade são raros no Brasil, mas já levantam discussões acerca dos limites de proteção dos administradores.

Os contratos de seguro, em regra, servem como um mecanismo para in-centivar o regular exercício das atividades dos administradores, tendo em vista que eles se encontram resguardados em caso de eventuais responsabi-lidades. Todavia, se a blindagem for excessiva demais, pode-se estimular a tomada de decisões e a conduta sem a observância atenta aos deveres legais exigidos.

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70 Pesquisa realizada por Viviane Mul-ler Prado e Renato Vilela do Núcleo de Estudos em Mercados e Investimentos — Direito GV. Disponível em <http://media.wix.com/ugd/66710c_e1b69e-3f3f6843b092456f8551464531.pdf>. Acessado em 2 de fevereiro de 2016.

8. CASO PRÁTICO:

Insider Trading

Em pesquisa realizada pela Direito GV70 foi constatado que entre 2003 e 2011, ao total, foram 171 indiciados pelo uso de informação privilegiada, dos quais 38 foram punidos e 133 absolvidos.

Além disso, verificou-se que o ilícito de insider trading, não representa mais do que 5% da atividade punitiva do regulador do mercado de valores mobiliários

Considerando o conteúdo aprendido em sala de aula, a jurisprudência da CVM, a doutrina nacional e estrangeira, identifique quais são os critérios necessários a configuração da prática de insider trading em uma S.A e quais são os desafios do regulador para prevenir e/ou punir essa prática.

70. Pesquisa realizada por Vi-viane Muller Prado e Renato Vilela do Núcleo de Estudos em Merca-dos e Investimentos — Direito GV. Disponível em <http://media.w i x . c o m / u g d / 6 6 7 1 0 c _ e 1 b 6 9 e -3f3f6843b092456f8551464531.pdf>. Acessado em 2 de fevereiro de 2016.

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71 PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vol. I, P. 1.270.

AULA 12: CONSELHO FISCAL.

LEITURA BÁSICA:

PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I, pp. 1.263-1.293

EIZIRIK, Nelson. Conselho fiscal. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 453-471.

1. CONSELHO FISCAL

O Conselho Fiscal é o órgão fiscalizador da companhia. Embora sua exis-tência seja obrigatória, seu funcionamento se dá conforme a vontade dos acionistas, estabelecendo-se de forma permanente ou não.

Conforme determina a Lei das S.A, o Conselho Fiscal é composto de, no mínimo, 3 e no máximo, 5 membros, e suplentes em igual número, acionis-tas ou não, eleitos pela Assembleia Geral (art. 161, § 1°)71.

Da mesma forma, estabelece a Lei das S.A. quorum para que (i) acionis-tas minoritários detentores de ações com direito a voto (10%) e (ii) titu-lares de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito (5%) elejam, respectivamente, um conselheiro cada. Garante a lei, no entanto, ao acionista controlador o direito de eleger sempre a maioria dos membros do conselho fiscal.

O Conselho Fiscal é instalado a pedido de voto dos acionistas (art. 161, §2º, LSA e Instrução CVM 324). Costuma ser pedido pelos minoritários ou pelos preferenciais. O majoritário não costuma pedir porque o Conselho Fiscal torna as ações mais controladas e formalizadas. A instalação pode ser requerida em qualquer AGO ou em qualquer AGE, se for uma consequência dos temas do dia.

A primeira e evidente observação que se deve fazer é a de que o direito de fiscalizar é desdobramento necessário do direito de participar nos resultados e no acervo social. Isto é, interessa aos acionistas de uma sociedade fiscalizar a atuação dos seus administradores, pois é esta atuação que possibilitará o alcance de determinado resultado e a sua repartição entre todos os acionistas.

Desta constatação, retira-se que, para o acionista majoritário, este poder de fiscalização não é, em regra, de todo essencial, haja vista que é o próprio majoritário que tem, em última instância, o poder de indicar e eleger os administradores de uma sociedade. Os maiores interessados no poder fisca-

71. PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vol. I, P. 1.270.

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72 BULGARELLI, Waldirio. Regime Jurí-dico do Conselho Fiscal das S/A. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. P. 58.

lizatório são, portanto, os acionistas minoritários, que, em tese, encontram no Conselho Fiscal um mecanismo para garantir que a administração atenda também a seus interesses. Neste sentido, afirma Waldírio Bulgarelli:

“não se pode deixar de notar que a fenomenologia societária revela que quem, na verdade, costuma estar interessado em fiscalizar a administração é o minoritário, já que evidentemente o controlador confia em si mesmo quando dirige a companhia pessoalmente ou nos administradores que es-colheu.”72

Ocorre que, tendo em vista a predominância de membros eleitos pelo acionista controlador, a atuação do Conselho Fiscal é, na grande maioria das vezes, residual e desprestigiada.

Ainda que haja a possibilidade de participação de membros eleitos por acionistas minoritários em sua composição — e que, conforme será indicado a seguir, permite-se, em certos casos, uma atuação individual dos conselhei-ros —, o Conselho Fiscal em geral atua de forma não permanente e sem uma efetiva atividade fiscalizatória.

2. ELEIÇÃO, REMUNERAÇÃO E RESTRIÇÕES.

No caso de o Conselho Fiscal ser colocado em funcionamento em razão de pedido formulado pelos acionistas, os conselheiros serão eleitos na mesma assembleia em que tal pedido for formulado, e o mandato dos mesmos per-durará até a próxima Assembleia Geral Ordinária.

Cumpre assinalar que os conselheiros serão remunerados com um salá-rio de, no mínimo, um décimo do salário médio atribuído aos diretores da companhia126. Busca-se, assim, assegurar maior efetividade à atuação dos membros do Conselho Fiscal. Nas palavras de Fran Martins:

Só poderão ser eleitos para o cargo de conselheiro fiscal pessoas físicas, residentes no país, com diploma universitário ou experiência de três anos, no mínimo, no cargo de administrador de empresa ou conselheiro fiscal128.

No tocante aos impedimentos para exercício do cargo de membro do Conselho Fiscal, além do previsto no artigo 147 da Lei das S.A.129, também estarão proibidos de exercer as funções de conselheiro fiscal os administrado-res ou empregados de qualquer sociedade controladora, controlada ou coli-gada à companhia, bem como os cônjuges ou parentes, até o terceiro grau, de administrador da companhia.

Estes impedimentos visam a resguardar o interesse da companhia em de-trimento dos interesses individuais de seus acionistas, de maneira genérica, e de seus conselheiros, de forma específica.

72. BULGARELLI, Waldirio. Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. P. 58.

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73 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Reno-var, 2007. P. 433.

3. COMPETÊNCIAS.

Percebe-se pelo que já foi exposto que compete ao Conselho Fiscal fis-calizar a atuação dos órgãos administrativos da companhia. Segundo Ta-vares Borba:

“Compete-lhe acompanhar a atuação da empresa, afim de verificar a re-gularidade dos procedimentos adotados e dos negócios realizados, opinando sobre o relatório anual dos administradores, as demonstrações financeiras da companhia e, especialmente, sobre propostas de modificação do capital, emissão de debêntures ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos de capital, distribuição de dividendos, transformação, incorpo-ração, fusão e cisão.”73

Importa ressaltar que a atuação do conselheiro deve ser orientada de for-ma a sempre atender aos interesses da companhia, pois, apesar de ser eleito por um grupo de acionistas, sua atuação deve ser em prol e no interesse da sociedade.

Se a atuação do conselheiro for abusiva — como, por exemplo, se privile-giar os interesses de determinado grupo de acionistas em prejuízo da socieda-de ou agir com o intuito de obter vantagens para si ou para terceiros —, surge para ele individualmente o dever de reparar eventuais prejuízos que tenham sido causados à sociedade e a outros.

Assim assevera Nelson Eizirik:

(...) se o Conselheiro Fiscal age exclusivamente no interesse dos acionis-tas que o elegeram, sacrificando o interesse social e impedindo ou dificul-tando acompanhia de atingir seu objeto social e lograr seus fins lucrativos, evidentemente, pode ser responsabilizado pelos prejuízos causados por tal conduta antijurídica.”

E resume o autor:

“para configurar-se o abuso do conselheiro fiscal deve ficar demonstrado que a sua atuação visa a: causar dano à companhia, aos seus acionistas controladores ou minoritários, ou aos seus diretores e membros do Conselho de Administração; ou a obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia, seus acionistas ou administradores. Em qualquer das hipóteses deve estar pre-sente o elemento subjetivo, ou seja, a utilização dos poderes legais inerentes à função com a intenção de causar dano ou de obter vantagem indevida.”

73. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. P. 433.

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74 PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I, P. 1.500.

4. EXERCÍCIO SOCIAL.

O exercício social constitui determinado período que se destaca da vida da sociedade para a verificação do resultado econômico e financeiro de sua atividade e para aferição do resultado do fim social.

O exercício é delimitado a um prazo de 12 meses. Embora não coincida necessariamente com o ano civil, na prática o exercício social da maioria das companhias inicia-se em 1º de janeiro e termina em 31 de dezembro.

Deve-se destacar, entretanto, que certas companhias — por questões estra-tégicas ou em razão da sazonalidade característica de suas operações (como, por exemplo, em virtude de safras agrícolas) — optam por delimitar o exer-cício social de forma diversa, devendo observar sempre o referido período de 12 meses. Nesse sentido, aponta BULHÕES PEDREIRA:

“A melhor época do ano-calendário para apurar o resultado da empresa é o término de cada ciclo operacional, e na grande maioria das atividades esse ciclo é igual ou inferior a um ano. Há, todavia, empresas em que é mais longo, como em alguns tipos de agricultura, fabricação de grandes equi-pamentos ou contratos de empreitada. Nesses casos a contabilidade adota critérios que permitem determinar o resultado em períodos inferiores ao do ciclo operacional. Ciclo operacional é o período de uma série completa das etapas do processo produtivo da empresa. Na empresa comercial, cuja atividade consiste em comprar e revender mercadorias, o ciclo operacional (medido em função dos fluxos de moeda) inicia-se com o pagamento do cus-to de aquisição das mercadorias e termina quando a receita de venda dos produtos é recebida em dinheiro. Na empresa industrial, inicia-se com o pagamento do custo de aquisição das matérias-primas, bens intermediários e serviços produtivos aplicados na produção e termina quando o valor dos produtos vendidos é recebido em dinheiro”74

5. DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS: NOÇÕES GERAIS.

Em sucintas palavras, as demonstrações financeiras são a expressão da situ-ação econômico-financeira da companhia e as mutações patrimoniais ocorri-das em um determinado espaço de tempo.

De acordo com Rubens Requião:

“as demonstrações financeiras constituem, pois, claras peças que deixam retratar a real situação econômico-financeira da sociedade, para informa-ção dos seus próprios órgãos, dos acionistas, dos credores e do público em geral. Por isso, serão elas complementadas por notas explicativas e outros

74. PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I, P. 1.500.

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75 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 236.

76 Apud REQUIÃO, Rubens. Op. cit., Pp. 237-238.

77 O Mercado de Valores Mobiliários Brasileiro / Comissão de Valores Mobili-ários. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2014135.

78 O Mercado de Valores Mobiliários Brasileiro / Comissão de Valores Mobili-ários. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2014135

quadros analíticos ou demonstrações contábeis necessárias para esclareci-mento da situação patrimonial e dos resultados do exercício.”75

As demonstrações financeiras são compostas por quatro documentos:

a) balanço patrimonial;b) demonstração de lucros ou prejuízos acumulados;c) demonstração do resultado do exercício; ed) demonstração das origens e aplicações de recursos. Estes documen-

tos, por sua vez, são apresentados aos acionistas para fins de es-crituração mercantil da companhia de forma a dar publicidade da higidez da sociedade, demonstrando se o resultado de determinado período configura um lucro ou um prejuízo.

O primeiro destes documentos — o balanço patrimonial — é composto por créditos e débitos que deverão ser recebidos ou pagos pela sociedade. O resultado do somatório de um com o outro representa a existência de um ativo ou um passivo. Segundo leciona Túlio Ascarelli:

“(...) visa, com efeito, o balanço, a verificar o ativo e o passivo da socie-dade, à vista da gestão do exercício; os lucros (ou a perdas) realizados; os lucros distribuíveis. (...) A aprovação do balanço é, de um lado, o pressu-posto para que se aperfeiçoe o direito do acionista à distribuição do lucro do exercício; de outro lado, enquanto não seja anulado, deverá o balanço ser atendido na disciplina jurídica das relações sociais que respeitam ao exercí-cio ao qual se refere (disto resultando o caráter negocial da deliberação que o aprova, apesar da declaratoriedade de sua função) (...).”76

6. DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS E A LEI 11.638/07

O crescente impacto da globalização da economia e a necessidade de cap-tação de recursos financeiros internacionais levam a uma exigência cada vez maior de uniformidade na apresentação das informações financeiras e con-tábeis.77

Reconhecendo a necessidade do Mercado de Capitais brasileiro em se ade-quar a dinâmica internacional, foi editada a lei 11.638/07 que trouxe uma série de invoações aos dipositivos da lei das S.A que tratavam das demonstra-ções financeiras.

Podem ser citados como principais objetivos desta lei:78

75. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 236.

76. Apud REQUIÃO, Rubens. Op. cit., Pp. 237-238.

77. O Mercado de Valores Mobiliários Brasileiro / Comissão de Valores Mobiliários. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2014135.

78. O Mercado de Valores Mobiliários Brasileiro / Comissão de Valores Mobiliários. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2014135

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a) Adequar os dispositivos contábeis da Lei das S.A. de forma a pro-porcionar maior transparência e qualidade às informações contá-beis;

b) Adequar a lei às melhores práticas contábeis internacionais, confor-me disposições do International Accounting Standards Board (IASB);

c) Eliminar ou diminuir as dificuldades de interpretação e de aceita-ção das informações contábeis utilizadas no Brasil;

d) Reduzir o custo e o risco provocado por essas dificuldades de inter-pretação e aceitação.

Com efeito, ainda em 2007, foi publicada a Instrução CVM 457, que es-tabeleceu em seu art. 1º que “As companhias abertas deverão, a partir do exer-cício findo em 2010, apresentar as suas demonstrações financeiras consolidadas adotando o padrão contábil internacional, de acordo com os pronunciamentos emitidos pelo International Accounting Standards Board — IASB.”

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AULAS 13 E 14: LUCROS, RESERVAS E DIVIDENDOS.

LEITURA BÁSICA:

LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. A Lei das S.A., Vol. I — 3ª edição. Rio de Janeiro, Renovar, 1997, pp. 156 a 164; pp.249-251.

PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I, pp. 1.663-1.737.

1. CONCEITO DE LUCRO, RESERVA E DIVIDENDOS.

Os conceitos que trataremos se referem ao resultado do empreendimento societário e são necessários para que se compreenda como é realizada a distri-buição de lucros entre os acionistas.

Note-se, assim, a relevância prática do tema, tendo em vista que um dos objetivos primordiais de uma sociedade, seja ela limitada ou anônima, é a obtenção de lucros.

Toda exploração econômica pode ser associada, em algum momento, a um resultado positivo. Entretanto, estes ganhos não se traduzem automati-camente em lucratividade. Antes de se contabilizar o lucro final da operação, existem itens obrigatórios e necessários na agenda financeira, como a folha de pagamentos, o investimento em novas atividades ou a melhoria da própria estrutura da companhia.

Em todo caso, a finalidade lucrativa é elemento permanente na estrutura societária, sendo, inclusive, garantido legalmente, como se observa do dispos-to no artigo 2º da Lei nº 6.404/76. Não apenas o lucro, mas a partilha deste entre os acionistas139. É o que se denomina interesse comum. Vamos anali-sar, portanto, as denominações usualmente utilizadas para qualificar o estado econômico-financeiro de determinada sociedade, assim como suas funções.

Resultado do exercício: O resultado do exercício é obtido por meio da diminuição das receitas pelas despesas de uma companhia, em um determi-nado exercício.

Lucro: O lucro pode ser final (após a liquidação da sociedade) ou de exer-cício (resultado do balanço contábil das contas no fim do exercício social). Note-se que o lucro do exercício “é o sobre valor que a sociedade pode pro-duzir, como resultado da aplicação do capital e outros recursos na atividade produtiva”

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7 9REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v. II. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 239.

Já o lucro líquido do exercício é a parcela do resultado do exercício que re-manescer após a dedução dos prejuízos acumulados, provisão para o imposto sobre a renda e participações estatutárias previstas no artigo 190 da Lei das S.A.

Dividendo é a parcela do lucro da companhia que é distribuída aos acio-nistas. A principal fonte dos dividendos é o lucro do exercício, ou aquele auferido pela companhia em períodos anteriores e que estejam contabilizados sob a forma de reservas de lucros.

Verificado o lucro líquido da companhia, a administração da sociedade deve propor à assembleia geral o destino que se lhe deva dar. Se esse lucro for distribuído aos acionistas, de acordo com sua participação acionária, nasce o dividendo. Deve-se observar, no entanto, que, na advertência da doutrina:

“A sociedade anônima não é inteiramente livre para decidir sobre o destino dos seus ganhos. A lei determina que uma parcela destes deve ser repartida entre os acionistas (os dividendos obrigatórios), e que outra deve permanecer em seu patrimônio (as reservas). A companhia decide, com liberdade, o destino de seus ganhos apenas após o atendimento dessas desti-nações forçadas”79

2. DIVIDENDO OBRIGATÓRIO (ARTIGO 202, LEI DAS S.A.):

O dividendo obrigatório representa a parcela do lucro líquido que deve ser obrigatoriamente distribuída aos acionistas em cada exercício, desde que o lucro líquido exista em montante suficiente para tal distribuição. Note-se que, eventualmente, mesmo na existência de lucro líquido, não haverá a distribuição de dividendos entre os acionistas em prol da higidez financeira da sociedade que, para atingir seu fim social, necessitará dos recursos obtidos no exercício social para, por exemplo, reinvestir na consecução dos objetivos da sociedade, conforme disposto nos parágrafos 3º e 4º do mencionado artigo 202.

3. RESERVAS OU RETENÇÃO DE LUCROS:

Segundo classificação doutrinária corrente, as reservas ou retenção de lu-cros podem ser divididas em (i) legal, (ii) estatutária e (iii) assemblear.

79. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v. II. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 239.

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4. RESERVA LEGAL (ART. 193, LEI DAS SA):

A reserva legal possui a função de assegurar a integridade do capital social, sendo limitada a 20% desse capital. Chama-se legal por ser estabelecida em lei e, portanto, obrigatória.

Deve-se alocar à reserva legal 5% do lucro líquido do exercício, até que se atinja o montante equivalente a 20% do capital social. Cumpre assinalar que a reserva legal somente poderá ser utilizada para compensar prejuízos ou para aumentar o capital social.

Cumpre assinalar que a reserva legal somente poderá ser utilizada para compensar prejuízos ou para aumentar o capital social.

5. RESERVAS ESTATUTÁRIAS (ART. 194, LEI DAS SA):

A Lei das S.A. faculta aos acionistas a possibilidade de introduzir no esta-tuto da sociedade a previsão de reservas de lucros, desde que se indique a sua finalidade, a parcela dos lucros que será destinada à sua constituição e o seu limite máximo.

6. RESERVAS ASSEMBLEARES:

As reservas assembleares são aquelas criadas na própria assembleia de acio-nistas que deliberar sobre a alocação do lucro líquido. Essas reservas devem ser aprovadas pela assembleia geral, por proposta justificada dos órgãos da administração. São três as espécies de reservas assembleares: reserva para con-tingências, retenção de lucros e reserva de lucros a realizar.

7. RESERVA PARA CONTINGÊNCIAS (ART. 195, LEI DAS SA):

A reserva para contingências tem por finalidade compensar a diminuição do lucro decorrente da perda julgada provável, cujo valor possa ser estimado, e durará enquanto existirem as razões que justificaram a sua constituição. O saldo da reserva para contingências será revertido no exercício em que deixa-rem de existir as razões que justificaram a sua constituição, ou será dada baixa quando ocorrer a perda.

No exemplo de Fábio Ulhôa Coelho:

“Imagine que a sociedade anônima esteja respondendo a um processo de indenização por acidente de capital, desde que o orçamento total seja

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80 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial, v. 2. 6. ed. São Paulo: Sarai-va,2003. p. 352.

previamente aprovado em assembleia de quantia considerável. Para fazer frente a essa eventualidade, ela pode reservar, dos seus lucros, a parte cor-respondente à estimativa da perda provável. Claro que ela pode ganhar o processo, e, assim, não ser condenada a desembolsar nem um centavo. Nesse caso, a reserva deve ser revertida, deliberando, então, a companhia sobre a sua destinação.”80

8. RETENÇÃO DE LUCROS A REALIZAR (ART. 196, LEI DAS SA):

A companhia pode reter lucros para aplicar em orçamento de capital, desde que o orçamento total seja previamente aprovado em assembleia de acionistas, com base em proposta dos órgãos da administração, contendo a justificativa da retenção de lucros proposta com todas as fontes de recursos e aplicações de capital, fixo ou circulante.

O orçamento de capital deve ter sua duração limitada a 5 exercícios, salvo para projetos de investimento com prazo maior.

Note-se que, sempre que o orçamento de capital tiver duração maior que um exercício social, deverá ser revisado anualmente pela assembleia geral ordinária.

9. RESERVA DE LUCROS A REALIZAR (ART. 197, LEI DAS SA):

A reserva de lucros a realizar tem por finalidade impedir a distribuição de dividendos sobre lucros que não tenham sido efetivamente realizados — como, por exemplo, se a companhia houver alienado uma grande quanti-dade de determinado produto, mas o pagamento somente for realizado em um momento futuro. A reserva de lucros somente poderá ser utilizada para absorção de perdas em exercícios subseqüentes, e, ainda, para pagamento do dividendo obrigatório.

10. LIMITES DAS RESERVAS DE LUCROS:

As reservas estatutárias e a retenção de lucros somente poderão ser cons-tituídas após a dedução da parcela relativa ao dividendo obrigatório (artigo 198 da Lei n. 6.404/76). Adicionalmente, nos termos do artigo 199 da Lei das S.A., “o saldo das reservas de lucros, exceto as para contingências e de lucros a realizar, não poderá ultrapassar o capital social”.

80. COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial, v. 2. 6. ed. São Paulo: Saraiva,2003. p. 352.

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11. DESTINAÇÃO DO SALDO REMANESCENTE:

Os lucros não destinados à constituição de reservas deverão ser distribuí-dos como dividendos discricionários ou utilizados para aumento de capital, com ou sem emissão de ações.

12. DIVIDENDO PRIORITÁRIO DAS AÇÕES PREFERENCIAIS:

Os titulares de ações preferenciais podem ter, entre suas vantagens, o rece-bimento prioritário de dividendos, ou seja, devem recebê-lo antes dos titula-res de ações ordinárias, e antes da constituição das reservas de lucros, exceto a legal, na forma do estipulado no artigo 203 da Lei das S.A.

13. DIVIDENDOS INTERMEDIÁRIOS:

Além do dividendo anual distribuído com base no resultado do exercício, o artigo 204 da Lei nº 6.404/76 prevê outras possibilidades de distribuição de dividendos, que podem ser assim definidas: (i) dividendos distribuídos com base no resultado de balanço semestral; (ii) dividendos distribuídos com base no resultado de balanços levantados em períodos inferiores143; e (iii) dividendos distribuídos à conta de lucros acumulados e/ou reservas de lucros apurados constantes do último balanço levantado pela companhia.

14. PAGAMENTO DE DIVIDENDOS (ART. 205, LEI DAS SA):

Os dividendos deverão ser pagos à pessoa que, na data da declaração do di-videndo, estiver inscrita como proprietária ou usufrutuária da ação, no livro de registro de ações da companhia, no prazo de 60 dias da data em que for declarado, salvo se a assembleia geral estipular outro prazo, que não poderá exceder o exercício social em que foi declarado.

15. BREVE RESUMO DO FIM DO EXERCÍCIO SOCIAL:

Caso o Exercício Social termine com prejuízo à Prejuízos Acumulados;Caso o Exercício Social termine com lucro, duas opções:

1) Se o lucro não superar o prejuízo acumulado à Amortização do Lucro

2) Se o lucro superar o prejuízo acumulado, há lucro líquido. Então, seguem as opções:

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a. Dividendosb. Reinvestimentoc. Capitalização

Contudo, antes de escolher a sua “opção” acima, há a destinação obri-gatória legal (Reserva Legal, art. 193, LSA). Além disso, o Estatuto Social (destinação obrigatória estatutária) pode criar (a criação é voluntária) reservas (art. 194, LSA). Uma opção de reserva é uma Reserva de Reinvestimento com o objetivo de fomentar a atividade da empresa. Outra reserva possível é a Reserva de Contingências.

Depois das destinações obrigatórias, o que sobrar é que pode ser distribuí-do. O que sobrar precisa ser distribuído 100% (ou, caso exista, parte pode ser destinada ao Orçamento de Capital). Orçamento de Capital é uma proposta da Administração aceita pelos acionistas que visa a criação de um plano de retenção de lucros da Cia. Esse plano de retenção uma vez criado passa a ser uma Reserva Assemblear Momentânea.

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AULAS 15 E 16: ACIONISTAS E ACIONISTA CONTROLADOR.

LEITURA BÁSICA.

COMPARATO, Fábio Konder e SALOMÃO FILHO, Calixto. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2008. 5ª Ed. Pp. 51-103.

NASCIMENTO, João Pedro Barroso do. Medidas defensivas à tomada de controle de companhias. São Paulo: Quartier Latin, 2011, pp. 33-48

PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vols. I, pp. 441/503.

1. ACIONISTA.

É intuitiva a noção de que o acionista é o titular de ações de emissão de determinada sociedade. Da mesma forma, percebe-se que são do interesse do acionista — em diferentes gradações, de acordo com seu perfil 145 — o desenvolvimento e a prosperidade da companhia, podendo ser esta um ins-trumento de renda permanente, de lucros imediatos ou, então, de poder e influência social.

Ao passar a ser titular de participação acionária, o acionista passa a gozar de uma série de direitos, os quais podem se apresentar de forma essencial ou não-essencial, conforme sejam inerentes à condição de titular de participação acionária ou não.

Os direitos essenciais dos acionistas não podem ser afastados nem pelo estatuto nem pela assembleia geral. Conforme dispõe o artigo 109 da Lei das S.A., os direitos essenciais dos acionistas são:

(i) participar dos lucros sociais;(ii) participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;(iii) fiscalizar a gestão dos negócios sociais;(iv) ter preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias con-

versíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição; e

(v) retirar-se da sociedade nos casos previssem lei.

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81 TAVARES BORBA, José Edwaldo. Di-reito Societário. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. P. 347. No entanto, as ações preferenciais sem direito a voto adquirem o exercício desse direito se a companhia deixar de pagar aos seus ti-tulares os dividendos fixos ou mínimos no prazo previsto no estatuto, não su-perior a 3 (três) exercícios consecutivos, consoante previsto no art. 111, § 1º, da Lei das S.A.

82 O artigo 107 da Lei das S.A. estabele-ce que, “verificada a mora do acionista, a companhia pode, à sua escolha:

I — promover contra o acionista, e os que com ele forem solidariamente responsáveis (artigo 108), processo de execução para cobrar as importâncias devidas, servindo o boletim de subscri-ção e o aviso de chamada como título extrajudicial nos termos do Código de Processo Civil; ou

II — mandar vender as ações em bolsa de valores, por conta e risco do acionista”.

Nesse contexto, percebe-se que o direito de voto dos acionistas nas assem-bleias gerais da companhia não é considerado um direito essencial, uma vez que a lei faculta, em certos casos, a possibilidade de o estatuto restringi-lo146.

Tal fato se realça com o fortalecimento do fenômeno de dispersão acioná-ria, em que o acionista, cada vez mais preocupado com a renda de suas ações, perde o interesse nos processos decisórios da companhia. Sobre a limitação do direito de voto nas deliberações sociais de uma companhia, José Edwaldo Tavares Borba afirma:

“No silêncio do estatuto, todas as ações terão direito de voto, inclusive as preferenciais. Permite-se, no entanto (art. 111), que o estatuto retire às ações preferenciais, ou a uma classe destas, o direito de voto, ou ainda que, embora admitindo-o, faça-o com restrições, estabelecendo matérias ou situ-ações em que essas ações não votarão”81

Ocorre que a propriedade das ações não assegura apenas direitos aos acio-nistas.Com efeito, todos os titulares de ações de emissão de uma companhia possuem diversas e relevantes obrigações.

Entre as obrigações dos acionistas estipuladas em lei ou no estatuto social, destaca-se aquela referente à integralização das próprias ações. De acordo com o artigo 106 da Lei das S.A., “o acionista é obrigado a realizar, nas condições previstas no estatuto ou no boletim de subscrição, a prestação corresponden-te às ações subscritas ou adquiridas”.

O acionista que não cumprir com tais obrigações financeiras fica constitu-ído em mora, de pleno direito, sujeitando-se ao pagamento de juros, correção monetária e da multa que o estatuto determinar, além das sanções previstas em lei.82

O artigo 107 da Lei das S.A. estabelece que,

“verificada a mora do acionista, a companhia pode, à sua escolha:I — promover contra o acionista, e os que com ele forem solidariamente

responsáveis (artigo 108), processo de execução para cobrar as importâncias devidas, servindo o boletim de subscrição e o aviso de chamada como título extrajudicial nos termos do Código de Processo Civil; ou

II — mandar vender as ações em bolsa de valores, por conta e risco do acionista”.

2. PODER DE CONTROLE.

De acordo com Luiz Gastão Paes de Barros Leães:

81. TAVARES BORBA, José Edwaldo. Direito Societário. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. P. 347. No entanto, as ações preferenciais sem di-reito a voto adquirem o exercício desse direito se a companhia deixar de pagar aos seus titulares os dividendos fixos ou mínimos no prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios conse-cutivos, consoante previsto no art. 111, § 1º, da Lei das S.A.

82. O artigo 107 da Lei das S.A. es-tabelece que, “verificada a mora do acionista, a companhia pode, à sua escolha:

<nota3><nota3>I — pro-mover contra o acionista, e os que com ele forem solida-riamente responsáveis (artigo 108), processo de execução para cobrar as importâncias devidas, servindo o boletim de subscrição e o aviso de cha-mada como título extrajudi-cial nos termos do Código de Processo Civil; ou

<nota3>II — mandar ven-der as ações em bolsa de valores, por conta e risco do acionista”.

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83 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Poder de Controle. In: Estudos e Pare-ceres Sobre Sociedades Anônimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, Pp. 279-283.

”Embora só tenha sido identificado no seio das sociedades anônimas, com o advento da Lei 6.404/76, o poder de controle se faz presente em toda e qualquer sociedade. Pois todas as sociedades pressupõem uma certa orga-nização dos poderes sociais — umas mais, outras menos estruturadas. Nas sociedades anônimas, a lei impõe rígida distribuição de poderes-funções a órgãos próprios: o órgão de deliberação, que expressa a vontade da socieda-de; o órgão de execução, que realiza a vontade social; e o órgão fiscalizador, que vela pela fiel execução da vontade social. Dotados de poderes próprios, esses órgãos básicos se ordenam hierarquicamente, sendo o órgão supremo a assembleia geral dos acionistas. Nem sempre, porém, esse modelo coincide com a realidade econômica subjacente: muitas vezes, o poder supremo da companhia se localiza fora da assembleia, embora as decisões nela se forma-lizem. Com frequência, esse poder de comando é exercido pelos acionistas em outra instância, no seio da administração, ou à margem dos órgãos so-cietários [... ] A esse poder supremo de comando da companhia, que trans-cende as prerrogativas legais da assembleia geral, dá-se o nome de poder de controle. [... ] para a configuração do poder de controle, exige a lei que: 1°) quando ele for exercido por duas ou mais pessoas, essas pessoas devem estar vinculadas por acordo de voto ou sob controle comum; 2°) essa vinculação ou subordinação devem ser de tal ordem que seus direitos de sócios assegu-rem, de modo permanente, a maioria das deliberações sociais; e 3°) esse comando das atividades sociais, para representar o controle, deve ser efeti-vamente exercido. Outras conclusões podem ser extraídas desses dispositivos: a lei brasileira 1°) exclui, da sua regulamentação, o controle externo e o controle interno administrativo e gerencial; 2°) faz uma equiparação entre `maioria dos votos nas deliberações sociais’, a fim de enfatizar que o fenô-meno do controle é comum a todo tipo social; 3°) abrange, em qualquer das hipóteses, o chamado controle minoritário, posto que não exige, para a sua caracterização, a detenção da maioria do capital votante”83.

Berle e Means: Clássica Separação entre Propriedade e Gestão. Fenômeno da dissociação entre propriedade e gestão nas companhias:

à Gestão (usar e fruir) X Propriedade (dispor).

Claude Champaud: De modo a precisar a noção de controle é, necessá-ria, antes de mais nada, a existência de um patrimônio, cujo titular encontra--se na impossibilidade de geri-lo. Existência de três níveis de poder nas com-panhias: (i) Participação no Capital Social/Investimento; (ii) Direção; e (iii) Controle.

83. LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Poder de Controle. In: Estudos e Pareceres Sobre Sociedades Anônimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, Pp. 279-283.

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2.1. Conceitos Básicos.

a) Poder de controle, por José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho:

“É o poder supremo da estrutura hierárquica da companhia exercido pelo acionista controlador — titular da maioria pré-constituída dos votos na Assembleia Geral.”

O poder de controle é uma situação de fato e não de direito. É preciso usar efetivamente esse controle. Isso (situação de fato) não existe na Socie-dade Controlada (art. 243, §2º, LSA) porque ela é o sujeito passivo (ela não precisa fazer nada).

b) Controlar: governar, dirigir ou pilotar.c) Poder: capacidade de um agente de intencionalmente fazer algo ou pro-

duzir um resultado. Pressupõe (i) relação entre o agente que detém o poder e o objeto a ele submetido e (ii) uma fonte de poder.

d) Companhia: grupo de pessoas que se associam com o fim de exercer a função empresarial. Possui uma estrutura hierarquizada. Seu órgão supremo é a Assembleia Geral, ao qual competem as decisões mais importantes. Órgãos de administração são subordinados à Assembleia Geral que pode destituí-los a qualquer tempo.

e) Discussão: como é a relação da Assembleia com os administradores nos EUA? E no mundo?

f ) Acionista controlador:

“Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou ju-rídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e

b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orien-tar o funcionamento dos órgãos da companhia.”

“Art. 243 LSA:(...)§ 2º. Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora,

diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.”

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A redação dos dispositivos da LSA que conceituam o acionista controla-dor e a sociedade controlada adotam, em essência, o conceito de titularida-dede direitos de sócios que assegurem, de modo permanente, a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. Mas para a caracterização do controle, consoante a alínea ‘b’ do art. 116, é necessário o efetivo dos direitos de sócio para dirigir as atividades sociais e orientar os rumos da companhia. Isso se dá porque o poder de controle decorre não só de uma relação jurídica, mas pressupõe um estado de fato.

g) Poder Político:Nas companhias, o poder político compete à Assembleia Geral — e, den-

tro desse órgão — à maioria dos acionistas com direito de voto. Convoca-se, regularmente a assembleia para deliberar acerca de diversos temas, o que se faz por meio do voto (claro, quando este direito é conferido pelas ações que têm essa prerrogativa).

A soma dos votos que majoritariamente prevalecerem apontará para uma ou outra deliberação, definindo a vontade social. Há hipóteses em que o quórum para a tomada de decisões afigura-se qualificado — isto é, exige-se a aprovação da maioria do capital votante, mas a ideia é atender ao interesse da maioria predominante dos acionistas presentes nas Assembleias Gerais.

O poder de controle existe, portanto, quando a maioria da Assembleia Geral é pré-constituída mediante reunião, na mesma pessoa ou grupo de pessoas, da titularidade de direitos de voto que asseguram permanentemente a maioria nas reuniões a Assembleia Geral. Obtido o controle, o acionista (ou grupo de acionistas) tem a capacidade de determinar as deliberações da As-sembleia Geral, eleger e destituir os administradores da companhia (ou, pelo menos, sua maioria) e orientar ou determinar as ações praticadas por eles no exercício das respectivas funções.

à Sociedades de capital pulverizado X sociedades anônimas concretas (caso das companhias brasileiras).

h) Bloco de controle — natureza jurídicaO bloco de controle é outra forma de se referir ao controle da companhia,

consoante menciona o art. 116 da LSA. O bloco significa o conjunto de ações de propriedade do acionista controlador, considerado como coisa cole-tiva. Esse conjunto, por sua vez, pode ser fonte de poder de controle.

Para que exista efetivamente, é necessário haver vinculação das ações que asseguram a maioria dos votos nas deliberações da Assembleia Geral. Pode nascer tanto da reunião das ações em um mesmo patrimônio quanto de acordo de acionistas ou até mesmo a titularidade por pessoas distintas, mas sob controle comum, como no caso de subsidiária integral e empresa con-troladora.

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O bloco de controle é uma universalidade de fato. É considerado coisa coletiva apenas em razão da identidade da pessoa titular das ações que o compõem.

i) Fonte do Poder de ControleA fonte do poder de controle é o próprio bloco de controle, e não as ações

dele componentes (consideradas singularmente), nem seus respectivos direi-tos de voto (considerados singularmente), uma vez que cada ação do capital social é objeto distinto de direito de propriedade, que permanece inalterado ainda que um acionista possua diversas delas.

O que importa para a sua configuração é a titularidade da maioria dos di-reitos de voto nas deliberações da Assembleia Geral (e não a propriedade das ações). Assim, por exemplo, o nu-proprietário de ações gravadas com usufru-to de direito de voto poderá não ser o controlador, mas sim o usufrutuário no caso em que se lhe confere o direito de voto.

j) Poder de Controle — Natureza JurídicaO poder de controle é um poder de fato e não um poder de direito. Nas-

ce, portanto, não de uma prescrição legal que o confira ou assegure, mas de uma situação fática, qual seja, a reunião, em uma pessoa (ou grupo de pes-soas — o bloco de controle) da quantidade de ações cujos direitos de voto, quando exercidos no mesmo sentido, formam a maioria nas deliberações da assembleia geral.

Além disso, o poder de controle não pode ser objeto de direito, no sentido de que não pode ser adquirido nem transferido independentemente do bloco de controle (sua fonte), nem é direito subjetivo, pois o acionista controlador não pode pedir a tutela do estado-juiz para ver respeitado esse poder, salvo quando ele é manifestado nas deliberações de voto na Assembleia Geral.

Pode ter natureza transitória, uma vez que a composição do bloco de con-trole está sujeito às oscilações naturais do mercado ou prazo de vigência de determinado acordo.

3. ACORDO DE ACIONISTAS.

Os acordos de acionistas são contratos parrassociais (i.e., paralelos ao Es-tatuto Social e demais atos societários das companhias), por meio do qual os acionistas signatários dos mesmos estabelecem termos e condições gerais para regrar o relacionamento dos mesmos, enquanto acionistas da companhia a que o acordo de acionistas se referir.

Os acordos de acionistas possuem caráter convencional, com efeitos tanto na esfera do Direito Civil quanto do Direito Empresarial (em que se insere o Direito Societário), dizendo-se, inclusive, que os direitos e obrigações decor-rentes de acordos de acionistas são regulados substancialmente pelo Direito

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FGV DIREITO RIO 112

84 Entendimento sutilmente diferente apresenta Modesto Carvalhosa: “Assim, embora a fonte formal seja a lei socie-tária, a fonte substancial do acordo de acionistas, nas suas três categorias, está no Direito das Obrigações. Não obstante, o acordo de controle tem sua fonte subs-tancial também no próprio Direito Socie-tário. Isto porque o acordo de acionistas que tem por objeto o voto minoritário e o de disponibilidade das ações pertence à esfera privada dos seus subscritores, não obstante, neste último, poder tam-bém vincular-se como parte a própria sociedade (art. 30 da lei societária) (...)” CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acio-nista: Homenagem a Celso Barbi Filho. São Paulo: Saraiva, 2011. P.164.

85 Na visão de Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira: “A expres-são acordo de acionistas não significa um único negócio jurídico típico, que apresente sempre a mesma natureza e estrutura e as mesmas modalidades de prestação, mas uma categoria de negó-cios jurídicos de diferentes espécies, cuja característica comum é o fato de que uma ou mais partes assumem obri-gações sobre o modo de exercer direitos conferidos por ações da companhia.” LAMY FILHO, Alfredo e BULHÕES PE-DREIRA, José Luiz. A Lei das S.A. Parece-res, Vol. I. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2ª Ed., 1996, P. 287.

86 MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Revista e atualizada por Roberto Papini. – 4ª Ed., ver. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2010. P. 419.

Civil e não pelo Direito Societário84, embora seus efeitos jurídicos sejam re-lativos à participação acionária em determinada companhia. A qualificação jurídica do acordo de acionistas, aliás, é de um contrato nominado típico.85

Apesar do carácter convencional dos acordos de acionistas, a lei, através do caput do artigo 118 da LSA, determinou as matérias que serão observa-das pela sociedade sempre que o acordo de acionistas estiver devidamente arquivado na sede social. Desta forma, não é qualquer matéria estipulada no acordo de acionistas que terá efeitos perante a sociedade nem oponíveis a terceiros. Ao analisar o tema, Fran Martins concluiu que:

“Não significa isso que os acionistas não possam estabelecer normas ul-trapassando essa limitação; apenas, em tais casos, ainda mesmo que a socie-dade arquive acordos com as cláusulas não mencionadas na lei, tais acordos não serão observados pela sociedade nem oponíveis a terceiros quando aver-bados nos livros de registro e nos certificados de ações se emitidos (art. 118 §1º da LSA)”86

O “acordo de acionistas”, conforme previsto na atual lei societária, é aque-le celebrado entre acionistas da companhia, os quais poderão ser titulares de ações ordinárias ou preferenciais. Se outras pessoas que não acionistas da companhia forem parte integrantes do acordo, não se estará diante de um acordo de acionistas.

Além disso, nos casos em que a companhia figura como interveniente do acordo (como ocorre, por exemplo, em “acordos de controle” e “acordos de bloqueio”), embora a companhia seja signatária, a mesma não é considerada parte do acordo, para os fins e efeitos de se descaracterizar o acordo de acio-nistas.

Como bem analisado por Modesto Carvalhosa, os acordos entre acionistas e administradores, bem como aqueles entre a sociedade e os acionistas, são considerados ilícitos, já que tais avenças constituem fraude à lei (chamadas pela doutrina de “consórcios de administração”).

Tal conclusão decorre do fato de que, com o crescimento de companhias abertas com dispersão acionária no mercado de capitais (i.e., companhias em que a estrutura de capital está tão distribuída entre os acionistas que não há a prevalência de nenhum acionista controlador definido), os administradores, por meio desses acordos de acionistas, poderiam assumir o controle das po-líticas empresariais da companhia (i.e., controle gerencial), com o continuís-mo deles no exercício de seus cargos.

Situação análoga ocorre nos acordos entre os acionistas e a sociedade, já que, por meio dessas avenças, a vontade prevalecente seria, indiretamente, a dos administradores. Nas palavras de Modesto Carvalhosa:

84. Entendimento sutilmente dife-rente apresenta Modesto Carvalhosa: “Assim, embora a fonte for-mal seja a lei societária, a fonte substancial do acordo de acionistas, nas suas três categorias, está no Direito das Obrigações. Não obstante, o acordo de controle tem sua fonte substancial também no próprio Direito Societário. Isto porque o acordo de acionistas que tem por objeto o voto mi-noritário e o de disponibilida-de das ações pertence à esfera privada dos seus subscritores, não obstante, neste último, poder também vincular-se como parte a própria socie-dade (art. 30 da lei societária) (...)” CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionista: Homenagem a Celso Barbi Filho. São Paulo: Sarai-va, 2011. P.164.

85. Na visão de Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira: “A ex-pressão acordo de acionistas não significa um único negócio jurídico típico, que apresente sempre a mesma natureza e estrutura e as mesmas mo-dalidades de prestação, mas uma categoria de negócios jurí-dicos de diferentes espécies, cuja ca-racterística comum é o fato de que uma ou mais partes assumem obrigações sobre o modo de exercer direitos conferidos por ações da companhia.” LAMY FILHO, Alfredo e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. A Lei das S.A. Pareceres, Vol. I. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2ª Ed., 1996, P. 287.

86. MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Revista e atualizada por Roberto Papini. — 4ª Ed., ver. e atual. — Rio de Janeiro: Forense, 2010. P. 419.

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87 CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionista: Homenagem a Celso Barbi Filho – São Paulo: Saraiva, 2011. P. 32.

88 MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Revista e atuali-zada por Roberto Papini. – 4ª Ed., ver. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2010.

“Não se trataria, no caso, de mera cessão do direito de voto. Na espécie, o acordo celebrado entre os administradores ou a companhia, de um lado, e acionistas, de outro, configuraria claramente o tráfico de voto, estando, no caso, inserida uma vantagem qualquer, direta ou indireta, presumida ou efetiva, como contrapartida à submissão de acionistas minoritários aos interesses pessoais daqueles.”87

Por força do art. 114 da L.S.A., o entendimento sobre a qualidade de acio-nista de que trata o art. 118, é visto de forma extensiva, de modo a abranger, também, o usufrutuário a quem tenha sido atribuído o direito a voto quando da constituição do usufruto.

Frise-se que, pelo princípio da funcionalidade, somente as ações expres-samente mencionadas encontrar-se-ão vinculadas ao acordo (i.e., esclareça-se que, em inúmeros casos, os acordos de acionistas contemplam previsão de que seus efeitos serão extensivos e igualmente aplicáveis às ações das quais os signatários vierem a se tornar titulares após a assinatura do contrato).

Outra característica importante dos acordos de acionistas diz respeito à sua oponibilidade erga omnes e à sua observação e cumprimento pela compa-nhia. Para tanto, na forma do art. 118, caput e §1º da LSA, deve-se cumprir dois requisitos, respectivamente: (i) arquivar o acordo na sede da companhia (art. 118, caput, LSA); e (ii) averbar o livro de ações (art. 118, §1º, LSA).

Ainda nesse sentido, o art. 118, §4º, LSA estabelece que “as ações averba-das nos termos deste artigo não poderão ser negociadas em bolsa ou no mercado de balcão”, de tal forma que as ações de companhias abertas que estejam efetivamente circulando no mercado de capitais não estejam vinculadas a acordos de acionistas, cujas regras, termos e condições não estarão sujeitas ao conhecimento dos potenciais investidores de mercado.

Também é válida a constituição de mandatário para representação dos acionistas signatários dos acordos nas Assembleias Gerais, para proferir votos nos termos do acordo de acionistas (art. 118, §7º, da LSA). Em relação ao prazo de vigência, conforme estipulou o artigo 118, §6º, da LSA, os acordos podem ter prazos indeterminado ou determinados em função de termos ou condições resolutivas. O referido dispositivo veda a denúncia unilateral do acordo de acionista sempre que o prazo for fixado em função do termo, ou de condição resolutiva, reforçando o argumento de que é possível a renúncia unilateral sempre que o acordo for por prazo indeterminado88.

Quanto à forma do acordo de acionistas, a lei não determina nenhuma especificidade, apenas aponta a necessidade da forma escrita para que seja devidamente arquivada na sede da companhia e averbada no livro de registro e certificados de ações e, mesmo assim, tal determinação é feito no sentido de evitar que tal contrato produza efeitos apenas entre os seus signatários.

87. CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionista: Homenagem a Celso Barbi Filho — São Paulo: Saraiva, 2011. P. 32.

88. MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Revista e atualizada por Roberto Papini. — 4ª Ed., ver. e atual. — Rio de Janeiro: Forense, 2010.

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89 O artigo 177 do Código Penal prevê expressamente condutas lesivas que podem vir a ser caracterizadas como criminosas e, inclusive, contempla no §2º, previsão de que: “incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, ne-gocia o voto nas deliberações de assem-bleia geral”.

Em relação ao exercício do direito de voto, a LSA requer que o voto ma-nifeste a vontade do acionista e não de terceiros. Neste sentido não é válida a venda, a cessão ou transferência de votos a terceiros e, a depender da forma e das características como tal negociação do voto vier a ser realizada, a mesma poderá caracterizar inclusive uma conduta delituosa tipificada no Código Penal89.

Como vimos acima, é vedada a manifestação de voto de modo que, no futuro, este voto venha a ser determinado por outro acionista, pela admi-nistração da companhia ou por terceiro. Deve-se ressaltar a possibilidade do acionista pactuar em linha com seus direitos individuais. Contudo, deve-se lembrar que não é permitida a violação do dever legal do acionista em votar em acordo com os interesses da companhia, por ser, os interesses desta, o que deve ser perseguido em último grau (cf. artigo 115 da LSA).

Por fim, destaca-se que o direito de voto e do poder de controle são regu-lados pela Lei das S.A. e, portanto, os acionistas somente podem validamente se obrigar com relação a esse exercício se observados as normas legais, ou seja, não podem dispor sobre questões contra legem.

O art. 118, § 3º, da LSA, prevê expressamente a possibilidade de os acio-nistas promoverem a execução específica das obrigações constantes de acordo de acionistas. Em outras palavras, a parte prejudicada pelo descumprimento do acordo poderá postular sentença judicial com os mesmos efeitos cons-tantes do cumprimento integral ao acordo, por exemplo, o computo ou a abstenção de determinado voto. Trata-se de tutela significativamente mais efetiva do que a recomposição patrimonial, sobretudo nos casos de “acordo de voto”.

A previsão legal afigura-se louvável, pois o mero ressarcimento em perdas e danos da parte prejudicada, na maioria das vezes, não se mostra suficiente para sanar os danos causados por inadimplementos a acordos de acionistas.

O objeto do acordo de acionistas deve estar adstrito à previsão no art. 118 LSA, de tal modo que se refira aos direitos conferidos pela propriedade de determinada ação.

Usualmente, sob a perspectiva acadêmica, os acordos de acionistas são usualmente classificados em 3 (três) classes específicas, quais sejam:

(i) Acordos de Voto (i.e., exercício de direitos políticos);(ii) Acordos de Controle (i.e., coordenação de acionistas que, em con-

junto e mediante a formalização do acordo de acionistas, assumem a condição de controladores da companhia; e

(iii) Acordos de Bloqueio (que também são usualmente referidos como Acordo sobre Restrição à Circulação de Ações).

89. O artigo 177 do Código Penal prevê expressamente condutas lesivas que podem vir a ser caracterizadas como criminosas e, inclusive, contem-pla no §2º, previsão de que: “incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembleia geral”.

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90 Interessante destacar que, em re-gra, antes das reuniões do conselho de administração da companhia, os conselheiros eleitos pelos acionistas pertencentes ao acordo de acionistas deliberam acerca da ordem do dia em reuniões prévias, de forma a tomar de-cisões de modo uniforme.

91 Como bem ressaltou Modesto Carva-lhosa, a vinculação não poderá abarcar matérias da administração ordinária, já que, neste caso prevalece o “poder-de-ver de independência dos administra-dores”. CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionista: Homenagem a Celso Barbi Filho – São Paulo: Saraiva, 2011.

Sob o ponto de vista prático, o que se observa é que usualmente os acor-dos de acionistas combinam elementos e características de cada uma destas espécies, sendo esta divisão importante para a compreensão do tema, porém pouco relevante na aplicação efetiva dos acordos de acionistas.

3.1. Acordo de Voto.

O acordo de voto é a obrigação que assume o acionista perante um ou mais acionistas da companhia sobre seu direito de voto. A obrigação estipu-lada tem natureza de facere: o voto deve ser proferido estritamente em conso-nância com o previsto no acordo.

O mais usual dentro de um acordo de voto, formando por acionistas mi-noritários, é a formação de um bloco. Por serem muitas as partes, o objetivo do bloco é uma união entre os acionistas para que se tenha uma atuação con-junta dentro da sociedade (no direito norte-americano: pooling agreements).

Há algumas cláusulas que são características dos chamados Acordos de Voto, como, por exemplo, previsão de “Reunião Prévia”; “Quorum Qualifi-cado” e/ou “Direito de Veto”.

3.2. Reunião Prévia.

Os acordos de acionistas que contemplam cláusula de reunião prévia, usu-almente, preveem que antes da realização de Assembleia Geral e/ou Reunião do Conselho de Administração da companhia (i.e., antes de qualquer de-liberação societária colegiada), os acionistas signatários do acordo deverão realizar Reunião Prévia, a fim de determinar o conteúdo e a forma do voto a ser proferido e exercido, em bloco e de forma consistente, pelos mesmos em Assembleia Geral e/ou pelos membros do Conselho de Administração, que tenham sido indicados por eles, em Reunião do Conselho de Administração.

Há inúmeras variações possíveis em tal cláusula, que, inclusive, pode pre-ver que a coordenação previa do voto só é necessária em relação a matérias especificas (e não em toda e qualquer Assembleia Geral e/ou Reunião do Conselho de Administração).

Os administradores eleitos pelos acionistas pertencentes ao acordo estarão vinculados às deliberações das Reuniões Prévias.90-91

Como exemplo prático, a Cláusula de Reunião Prévia é usualmente refle-tida da seguinte maneira em acordos de acionistas:

“Os Acionistas [pertencentes ao acordo] concordam e se obrigam a rea-lizar uma reunião prévia antes de qualquer assembleia geral e/ou reunião do conselho de administração da Companhia, que venha a deliberar sobre qualquer das matérias (“Reunião Prévia”), de forma a definir e vincular o voto a ser proferido pelos Acionistas ou, conforme o caso, pelos membros do

90. Interessante destacar que, em regra, antes das reuniões do conselho de administração da companhia, os conselheiros eleitos pelos acionistas pertencentes ao acordo de acionistas deliberam acerca da ordem do dia em reuniões prévias, de forma a tomar de-cisões de modo uniforme.

91. Como bem ressaltou Modesto Carvalhosa, a vinculação não poderá abarcar matérias da administração ordinária, já que, neste caso prevalece o “poder-dever de indepen-dência dos administradores”. CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionista: Homenagem a Celso Barbi Filho — São Paulo: Saraiva, 2011.

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conselho de administração eleitos pelos Acionistas nos termos deste Acordo, sempre em bloco e de modo uniforme, na respectiva assembleia geral e/ou reunião do conselho de administração.

Os Acionistas reconhecem e concordam, em caráter irrevogável e irre-tratável, que as deliberações tomadas em Reuniões Prévias vincularão a todos os Acionistas, ainda que tais Acionistas (a) tenham sido dissidentes em relação à deliberação tomada em Reunião Prévia; (b) tenham se ausen-tado da respectiva Reunião Prévia; ou (c) tenham se abstido em relação à deliberação tomada.

As deliberações tomadas nas Reuniões Prévias constituirão acordos de voto e vincularão o voto de todos os Acionistas na respectiva assembleia geral e membros do conselho de administração eleitos com base neste Acordo na respectiva reunião do conselho de administração, devendo ser rigorosa-mente observadas pela Companhia, sendo certo que:

a) os votos exercidos em assembleia geral ou reunião do conselho de ad-ministração em descumprimento à instrução de voto havida em Reunião Prévia serão considerados nulos de pleno direito e não poderão ser computa-dos pelo Presidente da assembleia geral ou do conselho de administração; e

b) a instrução de voto estabelecida em Reunião Prévia funcionará como mandato legal e autorizará os Acionistas a exercerem o direito de voto das ações pertencentes ao outro Acionista na assembleia geral, na hipótese des-te último se ausentar ou se omitir na assembleia geral, sendo esse mesmo procedimento aplicável aos conselheiros de administração eleitos na forma prevista neste Acordo.”

3.3. Quorum Qualificado

Outra cláusula bastante comum em Acordos de Voto é a cláusula que estabelece um quórum qualificado (i.e., superior ao previsto em lei) para a aprovação de determinadas matérias a serem submetidas à Assembleia Geral e/ou à Reunião do Conselho de Administração.

Por meio destas cláusulas, os acionistas pactuantes determinam que certas matérias relevantes, somente poderão ser aprovadas se acionistas represen-tando participação acionária superior a determinado quórum de deliberação houverem sido favoráveis à aprovação das mesmas.

O ideal seria que todos os acionistas fossem signatários. Nas companhias abertas esse quórum não pode ser superior ao determinado em lei, já nas fechadas, o quórum pode ser alterado. Como em nenhum dos dois casos o quórum pode ser menor do que o estipulado em lei porque um acordo pri-

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vado não pode se opor a uma norma pública, conclui-se que essa cláusula só pode existir nas companhias fechadas.

Como exemplo, pode-se conceber a seguinte hipótese de cláusula de Quó-rum Qualificado sendo refletida nos acordos de acionistas:

“As deliberações em assembleias gerais da Companhia seguirão as regras de quórum de deliberação previstas na Lei nº 6.404/76, bem como as nor-mas estabelecidas no Estatuto Social e neste Acordo.

Todas as matérias serão deliberadas por maioria de votos dos acionistas presentes, não sendo computados os votos em branco, exceto as matérias sujeitas a quorum qualificado por força de lei ou do Estatuto Social.

As matérias a discriminadas nos itens [XPTO] serão necessariamente submetidas à aprovação da assembleia geral e/ou das reuniões de conselho de administração da Companhia e/ou das Controladas, conforme o caso, e somente serão aprovadas nas Reuniões Prévias mediante o voto afirmativo de acionistas representando x% do capital social da companhia.”

3.4. Direito de Veto.

As cláusulas de Direito de Veto são bastante semelhantes àquelas de quó-rum qualificado, mas possuem características e sistemática de funcionamento diferente das cláusulas de quórum qualificado.

Em vez de estipularem que determinada matéria a ser submetida à delibe-ração em Assembleia Geral e/ou em Reunião do Conselho de Administração somente reputar-se-ão aprovadas se contarem com o voto favorável de acio-nistas representando participação acionária superior a determinado quórum de deliberação houverem sido favoráveis à aprovação das mesmas, tais cláu-sulas de Direito de Veto usualmente preveem que em relação a tais matérias determinado acionista em específico e/ou acionistas que venham a ser titu-lares de participação acionária superior a determinado percentual julgado relevante poderão vetar e impedir que tal matéria seja julgada apresentada. Trata-se de atribuição de um direito negativo (o poder de vetar e proibir!).

“Enquanto a [ACIONISTA XPTO] detiver ao menos [15%] do capi-tal social da Sociedade, a ARGO terá direito de veto em relação à apro-vação das seguintes matérias a serem submetidas à deliberação em Assem-bleia Geral:

[LISTAR MATÉRIAS]

Para exercer o direito de veto em qualquer das matérias listadas acima, a [ACIONISTA XPTO] deverá comparecer à respectiva Assembleia Geral,

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92 CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionista: Homenagem a Celso Barbi Filho – São Paulo: Saraiva, 2011. P. 214.

que venha a deliberar sobre tal matéria e, de modo fundamentado, rejeitar a matéria, expondo as razões pelas quais entende que a mesma deverá ser revisada e novamente submetida à deliberação da Assembleia Geral.”

3.5. Acordos de Controle.

Os Acordos de Controles são aqueles que tem por objetivo principal esta-bilizar o exercício do poder de controle em relação à companhia. A lei permi-te que o poder de controle da sociedade esteja expresso em único patrimônio ou pulverizado em diversos, porém unificado através de acordo de acionistas (art. 116 da LSA).

O acordo de controle é necessariamente um acordo de voto. Contudo, a isto não se resume, pois, o acionista, além de regular seu voto na assembleia geral, pode também dispor sobre o funcionamento dos órgãos da administra-ção da companhia. Sobre esse tema, Modesto Carvalhosa assim dispõe:

“Temos assim que o acordo de controle, na conformidade do caput e dos parágrafos do art. 118, tem por objeto o exercício do poder-dever de controle, que é exercido, primeiro nos órgãos da administração da compa-nhia para, depois, exprimir-se na assembleia geral. Em consequência, estão vinculados ao acordo, no que respeita a seus votos sobre matérias relevantes e extraordinárias, os membros do conselho de administração eleitos pela comunhão dos controladores e também os diretores, em reunião regular da diretoria (art. 143, §2º, da Lei nº 6.404, de 1976).” 92

Em regra, o acordo de voto, como se disse, é ajustado em reunião prévia à assembleia. Contudo, se eventualmente algum acionista vinculado ao acordo, devidamente arquivado, ou administrador da companhia, eleito pelo bloco de controle, não votar em conformidade com a comunhão dos controladores, o presidente do conselho de administração (ou o diretor presidente, caso não haja conselho de administração) deverá desconsiderar o voto proferido (art. 118, §9º, da LSA).

3.6. Acordos Sobre Restrições à Circulação de Ações.

Acordos sobre restrições à circulação de ações, ou acordos de bloqueio, nada mais são do que os direitos e obrigações contratados pelas partes relati-vos à compra e venda, ao direito de preferência ou criação de ônus reais sobre as ações da sociedade.

Antes de analisarmos mais profundamente as características dessa terceira classe de acordos, é necessário ter em mente que tanto o termo compra e ven-da quanto o direito de preferência devem ser interpretado de forma extensiva.

92. CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionista: Homenagem a Celso Barbi Filho — São Paulo: Saraiva, 2011. P. 214.

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93 Sobre o assunto, ver CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionista: Home-nagem a Celso Barbi Filho – São Paulo: Saraiva, 2011. P. 122, e MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anôni-mas. Revista e atualizada por Roberto Papini. – 4ª Ed., ver. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2010. P. 420.

Desta forma, inclui-se no termo compra e venda qualquer ato regular que implique na transferência de propriedade das ações ou de títulos conversíveis em ações, seja ela de forma onerosa ou não. Na mesma linha segue o termo direito de preferência, que inclui a perempção, a opção e o prévio consenti-mento subjetivo (cláusula de aceitação pessoal).

Em regra, os acordos de bloqueio são celebrados para assegurar o caráter pessoal dos acionistas, seja por questões econômicas, familiares ou para resolver impasses caso uma das partes pretenda se desfazer da sua partici-pação acionária. Todavia, as cláusulas previstas no acordo devem observar alguns princípios, de forma a não violar direitos fundamentais de quaisquer acionistas.

Neste sentido, por exemplo, o acordo de bloqueio que verse sobre a alie-nação de ações não poderá, em observância ao princípio da livre transmis-sibilidade das ações, vedar a venda de ações dos acionistas pactuantes. Pode, entretanto, exigir o prévio consentimento dos demais acionistas do acordo, sempre com a previsão de uma cláusula liberatória em caso de impasse.93

Os acordos sobre restrições à circulação de ações, muitas vezes, afiguram--se acessórios aos acordos de voto ou de controle.

De forma a torna o presente estudo mais prático, analisaremos abaixo as principais cláusulas presentes em acordos de bloqueio,

3.7. Restrição à Transferência de Ações (Lock-Up).

A cláusula de Lock-Up, quando prevista em acordos de acionistas, estabe-lece que os acionistas pactuantes estão impedidos de alienar e/ou de qualquer outra forma transferir as suas ações durante determinado período contratu-almente previsto.

Durante a vigência deste prazo, caso qualquer acionista deseje alienar suas ações deverá notificar os demais acionistas pactuantes. Caso os demais pactu-antes não desejem adquirir essas ações, o acionista vendedor estará proibido de alienar suas ações.

Importante ter em mente que quanto menor o período contratualmente previsto, maior é a sua força de enforcement. E o ideal é que este período esteja relacionado a alguma situação operacional da empresa.

Como exemplo, pode-se conceber a adoção da seguinte de cláusula de Lock-Up:

“Durante o prazo de [nº de meses / anos] contados desta data (“Período do Lock-Up”), nenhum Acionista (“Acionista Bloqueado”) poderá Alienar, sob qualquer forma, direta ou indiretamente, suas Ações, total e/ou par-cialmente, entre si e/ou para quaisquer terceiros, sem a prévia e expressa

93. Sobre o assunto, ver CARVALHO-SA, Modesto. Acordo de Acionis-ta: Homenagem a Celso Barbi Filho — São Paulo: Saraiva, 2011. P. 122, e MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anôni-mas. Revista e atualizada por Roberto Papini. — 4ª Ed., ver. e atual. — Rio de Janeiro: Forense, 2010. P. 420.

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concordância dos demais Acionistas Bloqueados, na forma desta Seção I (“Lock-Up”).

Para todos os fins e efeitos desta Seção I, se qualquer Acionista Bloque-ado desejar Alienar suas Ações, total e/ou parcialmente, durante o Período de Lock-Up (“Acionista Bloqueado Ofertante”), este deverá notificar por es-crito os demais Acionistas Bloqueados (“Acionistas Bloqueados Ofertados”).

Caso qualquer dos Acionistas Bloqueados Ofertados responda negati-vamente ou não responda a Notificação de Transferência no Período de Lock-Up, rejeitando assim a Alienação proposta pelo Acionista Bloqueado Ofertante, este último estará expressamente proibido de promover a referida Alienação. Adicionalmente, ainda que os Acionistas Bloqueados aprovem a Alienação, esta não poderá ser realizada sem a observância das disposições acerca do direito de preferência e de venda conjunta.”

3.8. Direito de Preferência.

O direito de preferência previsto em acordos de acionistas não é o mesmo direito previsto no art. 109 da Lei das S.A. e nos diversos dispositivos atinen-tes às regras sobre aumento de capital (i.e.,a LSA somente regula o direito de preferência para a subscrição de novas ações em aumentos de capital, que no regime anglo saxão é referido como preemptive right, mas não possui nenhu-ma estipulação em relação a eventual preferência em transferências de ações).

O direito de preferência cria uma dupla obrigação ao ofertante, quais sejam:

(i) de comunicar aos demais pactuantes a intenção de vender, em con-corrência com terceiros; e

(ii) a de preferir o os demais convenentes como beneficiários.

Portanto, o acionista vendedor obriga-se a oferecer as ações ofertadas an-tes aos signatários do acordo, nas mesmas condições do que foi oferecida a terceiros.

O direito de preferência é gênero, que contempla a existência de 02 (duas) espécies distintas, quais sejam:

(i) o Direito de Primeira Recusa (Right of First Refusal), que é o direito de preferência clássico em circulações de ações; e

(ii) o Direito de Primeira Oferta (Right of First Offer).

Essas duas espécies de direito de preferência estão ligadas a um terceiro. Esse terceiro pode ser um acionista não signatário do acordo, um signatário do acordo ou até um não acionista.

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3.9. Direito de Primeira Recusa (Right of First Refusal).

Consiste na obrigação de oferecer aos acionistas pactuantes as ações que foram alvo de uma oferta de compra por um terceiro. Neste caso, o acionista vendedor deve oferecer as ações ao demais acionistas membros do acordo, nos mesmos termos e condições da oferta do terceiro. Ou seja, os signatários dão o lance em momento posterior.

O Direito de Primeira Recusa prejudica a liquidez da companhia porque os signatários do acordo podem criar dificuldades para que ocorra a venda.

Em regra, a cláusula estipulando o direito de preferência apresenta a se-guinte redação:

“Os Acionistas terão direito de preferência nas Alienações de Ações rea-lizadas por qualquer dos Acionistas, seja em relação às Alienações de Ações realizadas entre os próprios Acionistas ou naquelas realizadas entre Acio-nistas e eventuais terceiros (o “Direito de Preferência”).

Caso qualquer dos Acionistas deseje Alienar suas Ações e/ou direitos de subscrição, os demais Acionistas terão o Direito de Preferência para adqui-rir estas Ações ou direitos de subscrição ofertados, na mesma proporção de suas respectivas participações no capital social da Companhia (excluída, para fins e efeitos de determinação de tal participação societária, as ações de propriedade do Acionista Ofertante), pelo mesmo preço e demais condições negociais.”

3.10. Direito de Primeira Oferta (The Right of First Offer).

Ocorre quando o acionista vendedor deseja alienar suas ações, sem que tenha sido proposta a aquisição delas por terceiros. Neste caso, o acionista alienante deve oferecer as ações aos acionistas pactuantes antes de terceiros.

“(…) a Transferring Shareholder must provide written notice (a “Firs-tOfferNotice”) to the Beneficiary of its intention to make a Permitted Transfer of its HoldCo shares to a Third Party, setting forth the number of HoldCo shares it proposes to Transfer as part of the proposed Permitted Transfer (the “ProposedShares”).

The Beneficiary shall have thirty (30) days (the “Offer Period”) in whi-ch to deliver an offer setting forth the cash price per share that the Benefi-ciary proposes to pay for all (but not less than) the Proposed Shares and any other material terms sought by the Beneficiary (the “Offer”). If the Benefi-ciary fails to deliver an Offer prior to the expiration of the Offer Period, the Beneficiary shall be deemed to have declined to exercise its rights under this Section with respect to the Proposed Shares.”

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O Direito de Primeira Oferta não garante muito “affectio societatis” porque depois da oferta dos signatários, qualquer valor mais alto de terceiros já leva.

3.11. Direito de Venda Conjunta (Tag Along).

É o direito conferido aos acionistas signatários do acordo (ou somente a parte deles) de, caso um acionista signatário decida vender suas ações a tercei-ro, ter estendida a oferta, geralmente nas mesmas condições, às ações detidas pelos demais signatários. Desta forma, ao invés de, por exemplo, exercer o direito de preferência, os demais acionistas pactuantes exigem o direito de alienar suas ações em conjunto com a do acionista vendedor. De forma geral, a cláusula de tag along apresenta as seguintes características:

“Cada um dos Acionistas Ofertados terá a faculdade de, ao invés de exercer o Direito de Preferência que lhes é assegurado, exigir que o Acionista Ofertante aliene, juntamente com as Ações Ofertadas, as Ações de proprie-dade dos Acionistas Ofertados (as “Ações do Tag Along”), pelo mesmo preço por ação e nas mesmas condições constantes da Notificação de Oferta (“Di-reito de Venda Conjunta”).

O Acionista Ofertado que desejar exercer o seu Direito de Venda Conjun-ta deverá comunicar ao Acionista Ofertante, com cópia para os demais Acio-nistas, no mesmo prazo previsto para o exercício do Direito de Preferência.

Havendo o exercício do Direito de Venda Conjunta, a Alienação passará a ter por objeto não apenas as Ações Ofertadas, mas também as Ações do Tag Along, sob pena de invalidade da operação, que não poderá ser reali-zada, devendo a administração da Companhia recusar-se a lançá-la nos livros societários correspondentes.”

3.12. Direito de Obrigar a Venda em Conjunto (Drag Along).

Neste caso, o acionista que pretende vender suas ações, tem direito a obri-gar, “arrastar”, os demais acionistas signatários do acordo consigo, na venda, nas mesmas condições de oferta de suas ações. Geralmente, estipula-se um preço mínimo. Esta modalidade facilita a venda se o comprador condiciona a aquisição à totalidade das ações vinculadas ao acordo. Em termos gerais, a cláusula de drag along assim dispõe:

“Caso qualquer dos Acionistas obtenha de um terceiro interessado uma proposta firme, irrevogável e irretratável para adquirir a totalidade das Ações, por valor igual ou superior a R$ [•], este Acionista (“Acionista Pro-ponente”) estará investido do direito de exigir que todos os demais Acionis-tas alienem, juntamente com o Acionista Proponente, a totalidade das suas Ações, observado o disposto nesta Seção X (“Direito de Obrigar a Venda em

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Conjunto”), de modo a que o terceiro interessado possa adquirir a totali-dade das Ações.”

3.13. Opção de Compra (Call Option).

A Opção de Compra (call) é a prerrogativa de que o beneficiário de tal opção (i.e., o outorgado) possa, na forma estipulada no acordo e sujeito às eventuais condições previstas, comprar as ações daqueles demais acionistas (i.e., dos outorgantes), por preço determinado e/ou determinável, de acordo com as regras do acordo.

O outorgado (titular da opção de compra) pode exercê-la para obrigar que os demais acionistas (outorgantes) lhe vendam as ações que possuem, sendo que em tal hipótese os outorgantes estarão obrigados a fazê-lo.

3.14. Opção de Venda (Put Option).

A Opção de Venda (put) é a prerrogativa de que o beneficiário de tal opção (i.e., o outorgado) possa, na forma estipulada no acordo e sujeito as condi-ções eventuais previstas, vender as ações que detém na companhia para os demais acionistas (i.e., para os outorgantes), com base em preço determinado e/ou determinável de acordo com as regras do acordo.

O outorgado (titular da opção de venda) pode exercê-la para obrigar que os demais acionistas (outorgantes) lhe comprem as ações, sendo que em tal hipótese os outorgantes estarão obrigados a fazê-lo.

3.15. Resolução de Impasse mediante Buy or Sell (Shotgun).

Os acordos de acionistas usualmente preveem regras tendentes a lidar com situações em que, durante a vigência do acordo, caso os acionistas estejam em discordâncias recorrentes em relação a questões que são essenciais ao relacio-namento societário dos mesmos enquanto acionistas da companhia, de tal maneira que seja instaurado impasse na companhia, há previsão de solução contratual tendente a evitar que tal situação se prolongue no tempo indefi-nidamente.

Usualmente, a solução tradicional é a previsão da cláusula de shotgun (também referida como buy or sell), em que qualquer dos acionistas pode iniciar um procedimento para comprar e/ou vender a sua participação acio-nária para o outro, de acordo com preço definido pelo acionista que iniciar tal procedimento.

O Shotgun é problemático quando há uma grande diferença financeira (capacidade econômica) entre as partes porque nesses casos essa cláusula aca-ba se tornando uma opção de compra.

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“Section II — Deadlock Resolution (Shot Gun)6.7. In case, by any means, the Shareholders or the Directors, as the

case may be, are unable to reach a corporate decision on a Significant Mat-ter submitted to Shareholders’ Meetings or Board Meetings, as the case may be, when exercising their voting rights with respect to the Company, this will be characterized as a deadlock between the Shareholders (“Deadlock”).

6.8. In case of a Deadlock, each Shareholder will designate a senior executive with corporate authority to resolve the Deadlock. The designated executives will meet in person and attempt to resolve the Deadlock in good faith. If the designated executives are unable to resolve the Deadlock within thirty (30) days after their in-person meeting, then each Shareholder shall have the option, exercisable within thirty (30) days after the end of the foregoing 30-day period, to trigger the process to purchase all, and not less than all, of the Shares that the other Shareholder holds or to sell all and not less than all of its Shares (“Buy-Sell Process”).

6.9. Either Shareholder (“Initiating Shareholder”) may deliver a no-tice to the other Shareholder (“Receiving Shareholder”) triggering the Buy--Sell Process (“Option Notice”), in which the Initiating Shareholder must communicate to the Receiving Shareholder the price per share, which shall necessarily be paid in cash and in a lump sum, for which it is willing to purchase all (and not less than all) of the Shares held by the Receiving Sha-reholder (“Receiver’s Holding”).

6.9.1. Once an Option Notice is served by the Initiating Shareholder, the right of the Receiving Shareholder to initiate a Buy-Sell Process shall no longer be applicable in respect of the relevant Deadlock.

6.9.2. In accordance with the provisions of item 6.9.1 above, if both Shareholders issue an Option Notice, the Option Notice that will trigger the Buy-Sell Process shall be the one received first as evidence by proof of receipt from the overnight courier. In any such case the other Option Notice shall be consider null and void.

6.10. The Receiving Shareholder shall have right to sell the Receiver’s Holding in accordance with the Option Notice or to purchase the Initia-ting Party’s Shares on the same terms contained in the Option Notice and this Agreement.

6.11. The Receiving Shareholder shall have thirty (30) days from the date of receipt of the Option Notice to respond to the Initiating Sharehol-der, electing if it will buy the Initiating Shareholder’s Shares or sell the Receiver’s Holding, on the same terms and conditions contained in the Option Notice, and such election shall be binding upon the Shareholders. In any case, the sale of the Shares and payment of the purchase price shall be completed within sixty (60) days from the date of receipt of the Option Notice.

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FGV DIREITO RIO 125

6.12. In the absence of such response from the Receiving Shareholder, the Receiving Shareholder shall be obliged to sell the Receiver’s Holding to the Initiating Shareholder in accordance with the Option Notice.”

4. ESTRUTURA SOCIAL DE UM ACORDO DE ACIONISTAS

5. CASO GERADOR 1: FRIGORÍFICOS

Enredo do caso:

Los Pollos Hermanos Frigoríficos S.A. é uma sociedade anônima brasilei-ra, de capital fechado, que atua no ramo de frigoríficos (“Pollos Hermanos”). A atividade, de forma geral, é desenvolvida no Brasil através de pequenas empresas familiares, que mantêm produção de frangos em pequena escala. Quando de qualidade, seus produtos ganham pequenos nichos de mercado nas cidades vizinhas.

A Pollos Hermanos tem, nos últimos anos, adquirido diversas outras so-ciedades de frigoríficos, seja por meio de incorporações, fusões, aquisições e demais formas de combinação de negócios.

Heisenberg Frigoríficos Ltda. é uma sociedade limitada familiar que ex-plora a produção de frangos há décadas (“Heisenberg”). Atualmente, a so-ciedade enfrenta dois grandes desafios: (a) apesar do grande crescimento e reconhecimento no mercado local da qualidade de seus produtos, a sociedade está crescendo para além da expertise dos sócios, e (b) o maquinário e infra-estrutura para otimizar a produção é de alto custo.

Recentemente, Heisenberg e Pollos Hermanos iniciaram tratativas para combinação de negócios. Os principais pontos de negociação são:

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1. Os sócios de Heisenberg desejam permanecer atuantes e com poder decisório sobre a criação de frangos que desenvolveram, tendo em vista, entre outros, a sua criação e consolidação de cunho familiar;

2. A Pollos Hermanos, apesar de aceitar conferir certo poder deci-sórios aos sócios da Heisenberg, deseja ter poder gerencial sobre as demais criações de frango que já possui, e sobre a criação da Hei-senberg.

3. As partes acordaram, inicialmente, que a operação seria realizada mediante (a) a transformação da Heisenberg de sociedade limitada em sociedade anônima e (b) a incorporação de ações da Heisen-berg pela Pollos Hermanos.

Com a incorporação de ações, os sócios da Heisenberg passariam a deter 30% do capital social total e votante da Pollos Hermanos, e os atuais sócios da Pollos Hermanos passariam a deter ações representativas de 70% do ca-pital social total e votante da Pollos Hermanos.

Diante do exposto, a Pollos Hermanos lhe procura para, na qualidade de seu advogado:

a. Enunciar quais os atos societários necessários à operação; eb. Elaborar Acordo de Acionistas e apontar, de forma justificada, as

principais cláusulas que deverão ser elaboradas.

Premissas do caso:

a. Há acionista controlador?b. Como é o relacionamento entre os acionistas?c. Há concessão de prerrogativas aos minoritários pelo acionista con-

trolador?d. De que forma seria possível harmonizar os interesses em Assembleia

Geral?e. Como seria o Conselho de Administração da Companhia?

Questões envolvendo o caso (cláusulas para um acordo de acionistas):

a. Quais seriam as principais cláusulas a serem inseridas no Acordo e por quê?

b. Tag-Along?c. Drag-Along?d. Direito de veto?e. Indicações dos membros do Conselho de Administração?f. Quais outras seriam úteis ou convenientes?

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6. CASO GERADOR 2: LANNISTARK

A Lannistark Armas S.A., sociedade anônima de capital fechado que ex-plora a indústria de armamentos bélicos (“Companhia”), conta com apenas 2 acionistas: Stark e Lannister. Cada um detém 50% do capital social total e votante da Companhia.

Stark é conhecido no mercado pela qualidade de seus serviços, pela sua ótima reputação, prestígio e respeitabilidade. Desta forma, promove a Com-panhia na conquista de novos clientes, consegue melhores preços dos forne-cedores e atribui valor à marca da Companhia.

De outro lado, a Lannister always pays his debts! Com grande número de recursos, Lannister tem plena capacidade de capitalizar e injetar recursos necessários à Companhia, seja para aumentar a produção, investir na distri-buição dos produtos ou diversificar investimentos.

Os Lannister e os Stark o procuram para celebrar Acordo de Acionistas da Companhia, a fim de disciplinar sua interação na qualidade de seus acionis-tas.

Considerando que:a. Não há acionista controlador nem acionista minoritário na Com-

panhia;b. Os acionistas têm conflitos de forma recorrente; ec. Nenhum dos acionistas tem interesse de, em um primeiro momen-

to, alienar sua participação na Companhia;Elabore o Acordo de Acionistas, apontando suas principais cláusulas e

explicando qual a utilidade de cada uma delas para ambos.

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94 COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. Pp.355-356.

AULAS 17 E 18: SOCIEDADES COLIGADAS, CONTROLADAS E CONTROLADORAS. RESPONSABILIDADE. GRUPOS DE SOCIEDADES. SUBSIDIÁRIA INTEGRAL.

LEITURA BÁSICA:

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2003. Pp. 267-278.

1. CONCEITOS E NOÇÕES GERAIS.

O movimento de concentração do capital já era observado na segunda metade do século XIX, na forma de trustes e cartéis. Entretanto, é apenas a partir da II Guerra Mundial, com a economia capitalista moderna, que ob-servamos a concentração empresarial e a formação dos grupos econômicos, movidos pela racionalização da produção, ou seja, aumento da produtividade e redução dos custos.

Com o mundo em acelerada transformação e progresso e multinacionais com receitas superiores a orçamentos de vários Estados, é natural que tam-bém tenha havido, ao logo do tempo, mudanças na estrutura das sociedades anônimas de modo a se adequarem às novas necessidades.

Um dos fenômenos societários de maior relevância para o desenvolvimen-to econômico e para o incremento da qualidade da administração societária é a coligação entre companhias, isto é, a agregação de empresas em torno de um ou vários objetos sociais.

De acordo com Fábio Konder Comparato:

“[...]os grupos econômicos foram criados exatamente para racionalizar a exploração empresarial, harmonizando e mesmo unificando as atividades das várias empresas que os compõem. É graças a essa racionalização ad-ministrativa que o lucro marginal é elevado, com baixa do custo unitário de produção. Eles propiciam a criação de ‘economias internas de escala’, já assinaladas pelos economistas desde fins do século XIX. Todos os sistemas econômicos, qualquer que seja o regime político que os acompanha, tendem a esse mesmo objetivo de agrupamento e coordenação empresarial. A em-presa isolada é, atualmente, uma realidade condenada, em todos os setores, máxime naqueles em que o progresso está intimamente ligado à pesquisa tecnológica”94

As holdings são sociedades — que podem se constituir sob a forma de qualquer dos tipos societários existentes — as quais possuem, como ativida- 94. COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. Pp.355-356.

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95 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Acordo de Acionistas Sobre Controle de Grupo de Sociedades. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitra-gem, 15/226, São Paulo, 2002. Apud WALD, Arnold. Caracterização do Grupo Econômico de Fato e Suas Consequências Quanto à Remuneração dos Dirigentes de Suas Diversas Sociedades Compo-nentes. Revista do Direito Bancário e do Mercado de Capitais, nº 25, Ano 7, jul.--set. 1994, Revista dos Tribunais, P. 148.

de principal, a participação acionária majoritária em uma ou mais empresas. Podem ser também conceituadas como holdings as sociedades que possuem a maioria das ações de emissão de outras sociedades e que detêm o controle de sua administração e políticas empresariais.

A respeito do tema, José Edwaldo Tavares Borba:

“Existem sociedades que não têm nenhuma outra atividade que não seja a de controlar sociedades, sendo por isso chamadas holdings puras. Outras, além das atividades de controle, desenvolvem operações de natureza diversa (comerciais, industriais, financeiras), recebendo a designação de holdings mistas ou operativas.”

2. GRUPO DE SOCIEDADES: GRUPO DE FATO E DIREITO.

As sociedades mudam, seguindo a tendência da evolução do capitalismo global. Cada vez mais, observa-se uma aglomeração societária, forma de orga-nização que retrata o desafio da atual conjuntura: aumentar a produtividade e lucratividade ao mesmo tempo em que os riscos e custos devem ser reduzidos.

Nestes grupos, as sociedades seguem relação de subordinação ou coorde-nação, podendo ser, respectivamente, do tipo controlada ou coligada, confor-me visto acima. A este respeito, pondera Bulhões Pedreira:

“A vinculação de duas ou mais sociedades por relações de participação dá origem a uma estrutura de sociedades, e quando essa estrutura é hie-rarquizada (ou seja, uma sociedade tem o poder de controlar as outras), é designada ‘grupo de sociedades’, que pode ser ‘de fato’ (baseado apenas nas relações de participação societária e de controle) ou ‘de direito’ (se, além disso, é regulado por uma convenção de grupo acordada entre sociedades)”95

De forma resumida, as sociedades controladoras são aquelas que exercem efetivamente o poder de controle. As controladas são sobre quem se exerce o poder de controle. E as coligadas são sociedades em que há apenas uma influ-ência. A participação é significativa, mas não é forte o suficiente para possuir controle (art. 1099, CC e art. 243, §1º, LSA).

Os grupos de sociedades podem ser classificados em grupos de fato e gru-pos de direito. São grupos de fato as sociedades que mantêm entre si parti-cipação acionária recíproca, sem que haja a necessidade de se organizarem juridicamente. Há “de fato” uma relação de subordinação/coordenação entre as empresas, mas não há nenhuma convenção assinada entre elas.

De acordo com Rubens Requião, estes grupos “relacionam-se segundo o regime legal de sociedades isoladas, sob forma de coligadas, controladoras e

95. PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Acordo de Acionistas Sobre Controle de Grupo de Socie-dades. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, 15/226, São Paulo, 2002. Apud WALD, Arnold. Caracterização do Gru-po Econômico de Fato e Suas Consequências Quanto à Re-muneração dos Dirigentes de Suas Diversas Sociedades Componentes. Revista do Direito Bancário e do Mercado de Capitais, nº 25, Ano 7, jul.-set. 1994, Revista dos Tribunais, P. 148.

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96 Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de socie-dades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou es-forços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.

97 EIzIRIK, Nelson. Op. cit., p. 39.171

controladas, no sentido de não terem necessidade de maior estrutura organi-zacional”

Já os grupos de direito — regulados nos artigos 26596 e seguintes da Lei das S.A. — requerem uma organização jurídica, determinada por meio de uma convenção celebrada entre a sociedade controladora e suas controladas, pela qual se obrigam a conjugar recursos e/ou esforços para a realização dos seus respectivos objetos sociais, ou para participação em atividades ou empre-endimentos comuns.

Destaque-se, por relevante, que a sociedade controladora do grupo, tam-bém denominada de sociedade de comando, deve ser brasileira e exercer, direta ou indiretamente e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas.

Entretanto, é da natureza do grupo de sociedades a independência das personalidades jurídicas de seus componentes, conservando assim patrimô-nios distintos. A respeito do grupo de sociedade propriamente dito, assinala Nelson Eizirik:

“(...) somente no grupo de direito existe a possibilidade de uma adminis-tração centralizada de todo o grupo, o que retira a autonomia de gestão de cada um dos seus integrantes. Ademais, somente no grupo de direito existe a possibilidade de, uma vez previsto na convenção, ter uma das companhias preteridos seus interesses em favor de outra integrante do mesmo grupo.”97

Ainda sobre o mesmo tema, oportunas são as palavras da Min. Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 1.259.018 — SP julgado pela 3ª Turma do STJ em 09.08.2011:

“Entretanto, o próprio professor Fábio Ulhôa Coelho reconhece no pare-cer que, mesmo nos países de modelo contratual, seria possível identificar a coexistência de duas categorias: os grupos de fato e os grupos de direito. Para ele, “embora elejam certas formalidades cujo cumprimento é indispensável à configuração jurídica do grupo, eles [os países que adotam o modelo con-tratual] não podem ignorar a existência de sociedades que, de fato, estão articulando seus esforços na realização de seus respectivos objetivos sociais sem o atendimento daquelas” (fl. 2611, e-STJ). Um grupo de fato, assim, “seria aquele que atender às mesmas características de um grupo de direito, exceto as de ordem formal” (fl. 2613, e-STJ)”.

96. Art. 265. A sociedade controlado-ra e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos res-pectivos objetos, ou a participar de ati-vidades ou empreendimentos comuns.

97. EIzIRIK, Nelson. Op. cit., p. 39.171

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3. SUBSIDIÁRIA INTEGRAL.

Como vimos em nossas aulas anteriores, em regra, as sociedades anônimas constituem-se com, no mínimo, 02 (dois) acionistas. Admite-se, no entanto, a constituição, por escritura pública, de subsidiária integral que é uma socie-dade — anônima, por exigência legal — cujo capital pertence integralmente a outra sociedade.

Cumpre observar que a subsidiária integral se apresenta como a única situação, não patológica, em que se permite que a totalidade do capital social de uma sociedade pertença a um só acionista, o qual deverá ser necessaria-mente uma sociedade brasileira. Além da referida constituição originária por escritura pública, a subsidiária integral pode ser criada por meio da conversão de uma companhia mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252 da Lei das S.A.

4. JURISPRUDÊNCIA.

PROCESSO CIVIL. FALÊNCIA. EXTENSÃO DE EFEITOS. SOCIE-DADES COLIGADAS. POSSIBILIDADE. AÇÃO AUTÔNOMA. DES-NECESSIDADE. DECISÃO INAUDITA ALTERA PARTE. VIABILIDA-DE. RECURSO IMPROVIDO.

1. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em torno de um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos mas com intuito substancial de desviar patrimônio de empresa em situação pré-falimentar, é necessário que o Poder Judiciário também inove sua atua-ção, no intuito de encontrar meios eficazes de reverter as manobras lesivas, punindo e responsabilizando os envolvidos.

2. É possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de socieda-de falida a empresas coligadas na hipótese em que, verificando claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para desvio patrimonial. Inexiste nulidade no exercício diferido do direito de defesa nessas hipóteses.

3. A extensão da falência a sociedades coligadas pode ser feita indepen-dentemente da instauração de processo autônomo. A verificação da existên-cia de coligação entre sociedades pode ser feita com base em elementos fáticos que demonstrem a efetiva influência de um grupo societário nas decisões do outro, independentemente de se constatar a existência de participação no capital social.

4. Na hipótese de fraude para desvio de patrimônio de sociedade falida, em prejuízo da massa de credores, perpetrada mediante a utilização de com-plexas formas societárias, é possível utilizar a técnica da desconsideração da

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FGV DIREITO RIO 132

98 No mesmo sentido: STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.266.666. RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. 3ª Turma. Julgamento em 09.08.2011. Unânime.

personalidade jurídica com nova roupagem, de modo a atingir o patrimônio de todos os envolvidos.5. Recurso especial não provido.98

[Trecho do Voto]: A caracterização de coligação de empresas, por sua vez, é, antes de mais nada, uma questão fática. Portanto, o que tiver decidido o Tribunal a esse respeito não pode ser revisto nesta sede por força do óbice da Súmula 7/STJ.

De todo modo, para além de seus contornos fático, a coligação consubs-tancia um conceito societário. A coligação se caracteriza, essencialmente, na influência que uma sociedade pode ter nas decisões de políticas financeiras ou operacionais da outra, sem controlá-la.

Antigamente, a Lei das S/A dispunha, em seu art. 243, §1º, acerca de um montante fixo de participação no capital para que fosse automaticamente caracterizada coligação entre empresas.

Dizia que “são coligadas as sociedades quando um participa, com 10% (dez por cento) ou mais, do capital da outra, sem controlá-la”. Esse percen-tual, contudo, era fixado para estabelecer, consoante a disposição contida no caput desse artigo, a obrigatoriedade de menção dos investimentos nessa sociedade no relatório anual da administração. Na prática, contudo, inde-pendentemente de um percentual fixo, o conceito de coligação está muito mais ligado a atitudes efetivas que caracterizem a influência de uma sociedade sobre a outra. Há coligação, por exemplo, sempre que se verifica o exercício de influência por força de uma relação contratual ou legal, e em muitas situ-ações até mesmo o controle societário é passível de ser exercitado sem que o controlador detenha a maioria do capital social. Basta pensar, nesse sentido, na hipótese de uma empresa com significativa emissão de ações preferenciais sem direito a voto.

No parecer subscrito pelo i. Prof. Fábio Ulhoa Coelho, juntado pela recor-rente aos autos a e-STJ fls. 2.594 a 2.632, os grupos econômicos são tratados pela legislação interna dos diversos países que os reconhecem segundo dois amplos modelos: o modelo orgânico, segundo o qual o grupo é caracterizado mediante a análise de meras circunstâncias de fato que evidenciem a exis-tência de direção econômica unitária para diversas sociedades formalmente autônomas; e o modelo contratual, segundo o qual, em vez disso, o grupo se formaria mediante um acordo expresso de vontades.

O Brasil teria adotado o modelo contratual para a caracterização de um grupo econômico, de modo que sua caracterização, nos termos do art. 265 e seguintes da Lei das S.A., submete-se à convenção celebrada para sua caracte-rização, cuja celebração é regulada pelo art. 269 da mesma lei. Assim, no Bra-sil a caracterização do grupo econômico seria jurídica, não meramente fática.

Entretanto, o próprio professor Fábio Ulhôa Coelho reconhece no pa-recer que, mesmo nos países de modelo contratual, seria possível identi-ficar a coexistência de duas categorias: os grupos de fato e os grupos de

98. No mesmo sentido: STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.266.666. RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. 3ª Turma. Julgamento em 09.08.2011. Unânime.

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FGV DIREITO RIO 133

direito. Para ele, “embora elejam certas formalidades cujo cumprimento é indispensável à configuração jurídica do grupo, eles [os países que adotam o modelo contratual] não podem ignorar a existência de sociedades que, de fato, estão articulando seus esforços na realização de seus respectivos obje-tivos sociais sem o atendimento daquelas” (fl. 2611, e-STJ). Um grupo de fato, assim, “seria aquele que atender às mesmas características de um grupo de direito, exceto as de ordem formal” (fl. 2613, e-STJ).

Os grupos, ainda segundo Fábio Ulhoa Coelho, também podem ser sub-divididos em grupos de subordinação e de coordenação. Nos primeiros, de subordinação, a estrutura é piramidal, com uma sociedade exercendo o con-trole sobre as demais. Nos segundos, de coordenação, há apenas articulação de atividades e investimentos (fl. 2612, e-STJ). Mas a caracterização de gru-po repousa na característica essencial de combinação de esforços das socieda-des para realização dos respectivos objetivos ou participação em atividades ou empreendimentos comuns (art. 265 da Lei das S/A).

Essa característica, que já estava presente na Lei das S/A desde antes das reformas implementadas mais recentemente, hoje se encontra prevista de maneira clara. Ao tratar de coligação de sociedades, a Lei modificou o crité-rio anterior, de atribuição de montante fixo de participação no capital social. Com a modificação empreendida pela Lei 11.941/2009, o art. 243, §1º da Lei das S/A passou a simplesmente prever que “são coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa”. Tal influência, segundo o §5º desse artigo, incluído pela mesma Lei 11.941/2009 em consonância com a redação anteriormente dada pela MP 449/2008, é presumida “quando a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la”, mas a influência significativa, para além disso, caracteriza-se “quando a investidora detém ou exerce o poder nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem controlá-la”STJ. RE-CURSO ESPECIAL Nº 1.259.018 — SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. 3ª Turma. Julgamento em 09.08.2011. Unânime

* * *

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DE DISPOSI-TIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. PREQUESTIONA-MENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211⁄STJ. INDICAÇÃO DO DISPO-SITIVO LEGAL VIOLADO. AUSENTE. SÚMULA 284⁄STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO INCIDENTAL DA PERSONALI-DADE JURÍDICA DA SOCIEDADE EXECUTADA. POSSIBILIDADE.

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FGV DIREITO RIO 134

REEXAME DE FATOS. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CON-TRATUAIS. INADMISSIBILIDADE.

1— Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.

2— A interposição de recurso especial não é cabível quando ocorre vio-lação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, “a” da CF⁄88.

3— A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.

4— O recurso especial não pode ser provido quando a indicação expressa do dispositivo legal violado está ausente.

5— As conclusões do acórdão recorrido — quanto (i) ao cabimento da desconsideração da personalidade jurídica em razão da confusão patrimonial detectada; (ii) à admissibilidade da adoção dessa medida incidentalmente no processo de execução; e (iii) à possibilidade de se atingir o patrimônio de sociedades integrantes do mesmo grupo econômico quando evidenciado que sua estrutura é meramente formal — se coadunam com a jurispru-dência consolidada deste Superior Tribunal.

6— O reconhecimento da formação de grupo econômico e a verifica-ção da presença dos pressupostos exigidos paradesconsideração da perso-nalidade jurídica decorreram de detida análise do acervo fático-probató-rio que integra os autos, circunstâncias que não podem ser reexaminadas em recurso especial. Incidência dos óbices das Súmula 5 e 7 do STJ.

7— Recursos especiais não providos.[Trecho do Voto]: Alterar as conclusões alcançadas pelo Tribunal de ori-

gem, conforme se percebe diante de tudo que foi exposto, depende de in-cursão no acervo fático-probatório constante dos autos, sobretudo de análise dos diversos contratos firmados entre as sociedades empresárias devedoras, os quais serviram de substrato para o reconhecimento da ocorrência de confu-são patrimonial e de seu propósito fraudulento.

Verifica-se, como consequência, que o exame da pretensão dos recorren-tes — no que se refere à presença ou não dos requisitos autorizadores do deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, bem como acerca da formação de grupo econômico — exige o reexame de fatos, de provas e de cláusulas contratuais, o que é vedado em recurso especial por expressa previsão das Súmulas 5 e 7 do STJ. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.326.201 — RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. 3ª Turma. Julgamento em 07.05.2013. Unânime.

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FGV DIREITO RIO 135

* * *

EXECUÇÃO FISCAL — DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS — PE-NHORA DE BENS DE EMPRESA QUE NÃO FIGURAVA INICIAL-MENTE NO PÓLO PASSIVO — NECESSIDADE DE MANIFES-TAÇÃO JUDICIAL A RESPEITO DA EXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO — VIOLAÇÃO DO ART. 535, II DO CPC.

1 — O art. 30, IX da Lei n. 8.212⁄91 determina que a responsabilidade do grupo econômico por débitos previdenciários é solidária, motivo pelo qual, no caso concreto, é de fundamental importância saber se as empresas do agravante fazem parte de um conglomerado empresarial.

2 — O Tribunal de origem limitou-se a analisar a questão posta, apenas sob o enfoque da não-existência de confusão patrimonial. Silenciou-se, con-tudo, quanto à eventual configuração de grupo econômico formado pelas empresas do agravante, violando o art. 535, II do CPC.

3 — A fundamentação do acórdão, de que as empresas do agravante pos-suem personalidade jurídica distintas, em nada, nem implicitamente, enfren-tou a questão da existência, ou não-existência, de grupo econômico entre elas, principalmente quando se sabe que uma das principais caracterís-ticas do grupo é justamente a existência de entidades autônomas, com personalidades jurídicas distintas, sob o comando de uma única direção.

4 — Desta forma, a questão de se saber se as empresas do agravante constituem grupo econômico apresenta-se imprescindível para o deslinde da controvérsia, motivo pelo qual necessário se faz o retorno do autos ao Tribunal de origem para que seja suprida omissão sobre referido ponto.

Agravo regimental improvido. STJ. AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.097.173 — RS. Rel. Min. Humberto Martins. 2ª Turma. Julgamento em 23.04.2009. Unânime

***

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INEXISTÊNCIA DE OMIS-SÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO RECOR-RIDO. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. REVISÃO. SÚMULA N. 7 DO STJ. GRUPO ECONÔMICO. COMANDO ÚNICO. EXIS-TÊNCIA DE FATO. SOLIDARIEDADE. ART. 124, INC. II, DO CTN C/C ART. 30, INC. IX, DA LEI N. 8.212/91. TRIBUTO SUJEITO A LAN-ÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PAGAMEN-TO ANTECIPADO. LANÇAMENTO DE OFÍCIO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO.

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TERMO INICIAL. ARTIGO 173, I, DO CTN. AJUDA DE CUSTO. DIÁRIAS. DESCARACTERIZAÇÃO. NATUREZA SALARIAL CONFI-GURADA. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 306 DO STJ.

1. Não havendo no acórdão omissão, contradição ou obscuridade capaz de ensejar acolhimento da medida integrativa, tal não é servil para forçar a reforma do julgado nesta instância extraordinária. Com efeito, afigura-se despicienda, nos termos da jurisprudência deste Tribunal, a refutação da to-talidade dos argumentos trazidos pela parte, com a citação explícita de todos os dispositivos infraconstitucionais que aquela entender pertinentes ao desate da lide.

2. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que não cons-titui cerceamento de defesa o indeferimento da produção de prova teste-munhal e pericial quando o magistrado julgar suficientemente instruída a demanda, esbarrando no óbice da Súmula n. 7 do STJ a revisão do contexto fático-probatórios dos autos para aferir se o acervo probatório é ou não satis-fatório. Precedentes.

3. O Tribunal de origem declarou que “é fato incontroverso nos autos que as três embargantes compartilham instalações, funcionários e veículos. Além disso, a fiscalização previdenciária relatou diversos negócios entre as empresas como empréstimos sem o pagamento de juros e cessão gratuita de bens, que denotam que elas fazem parte de um mesmo grupo econômico. O sócio-gerente da Simóveis, Sr. Écio Sebastião Back tem um procuração que o autoriza a praticar atos de gerência em relação às outras empresas, sendo irmão do sócio-gerente delas. Ou seja, no plano fático não há separação entre as empresas, o que comprova a existência de um grupo econômico e justifica o reconhecimento da solidariedade entre as executadas/embar-gantes” (grifei).

4. Incide a regra do art. 124, inc. II, do CTN c/c art. 30, inc. IX, da Lei n. 8.212/91, nos casos em que configurada, no plano fático, a existên-cia de grupo econômico entre empresas formalmente distintas mas que atuam sob comando único e compartilhando funcionários, justificando a responsabilidade solidária das recorrentes pelo pagamento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração dos trabalhadores a serviço de todas elas indistintamente.

5. “O prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tri-butário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previ-são legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação

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do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito” (REsp 973733/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 18.9.2009, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Res. STJ n. 8/08).

6. A Corte a quo, soberana no delineamento das circunstâncias fáticas, observou que, apesar de denominadas como diárias e ajuda de custo, as ver-bas eram pagas de forma habitual, em valores fixos e expressivos, aos mesmos empregados e sem que fosse comprovada a execução dos serviços a que elas se destinavam ou a realização de viagens, “simplesmente para aumentar a sua remuneração”. Correta, pois, a conclusão pela natureza salarial para fins de incidência da contribuição previdenciária.

7. “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à exe-cução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte” (Súmula n. 306 do STJ).

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.144.884 — SC. Rel. Min. Mauro Cam-pbell Marques. 2ª Turma. Julgamento em 07.12.2010

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AULAS 19 E 20: ALIENAÇÃO E AQUISIÇÃO DE CONTROLE.

LEITURA BÁSICA.

GRAVA, J. William. Fusões e Aquisições: Motivadores Econômicos e Estratégicos. In: SADDI, Jairo (Org.). Fusões e Aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. São Paulo: IOB, 2002. Pp. 5-42.

ROTEIRO DA AULA.

Nessa aula, trataremos brevemente da relevância jurídica da aquisição do controle de sociedades, assim como analisaremos algumas das possíveis for-mas através das quais tal operação pode ser implementada.

Inicialmente, deve-se destacar a importância do fenômeno, tendo em vista que o adquirente do controle de determinada sociedade passa a deter o poder de eleger a maioria dos seus administradores e de dirigir as atividades sociais, orientando, assim, o funcionamento dos órgãos da sociedade. Assim, o novo titular do poder de controle passa a ter tanto os direitos quanto as obrigações inerentes ao controlador.

1. AQUISIÇÃO, TRANSFERÊNCIA E PERDA DO CONTROLE.

Adquirir, transferir ou perder o bloco de controle é adquirir, transferir ou perder a propriedade das ações, coisas singulares que formam o bloco de controle, enquanto universalidade de fato.

1.1. Formas de Aquisição e Transferência do Poder de Controle.

Adquirir o poder de controle é obter, assumir ou passar a ter o poder de fato de controlar a companhia.

Sua verificação pressupõe a aquisição de um bloco de controle, mas os conceitos não se confundem: o acionista pode ser membro do bloco de con-trole sem tê-lo adquirido, apenas sendo proprietário de parte das ações que o compõem.

A aquisição do poder de controle pode ser originária ou derivada.É originária quando resulta da formação, no patrimônio do acionista con-

trolador, de bloco de controle que não existia previamente, como universali-dade, no patrimônio daquela pessoa.

São exemplos de aquisições originárias do poder de controle:

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(i) a compra, por um acionista que já detinha algumas ações de uma companhia, sem ter seu controle, de quantidade apta a, em conjun-to com as que já possuía, formar um bloco de controle;

(ii) constituição de sociedade holding; e(iii) formação mediante acordo de acionistas.

É derivado o modo de aquisição, por outro lado, quando uma pessoa já detinha o controle e apenas transfere a propriedade das ações componentes do bloco de controle. Nessas hipóteses, onde há (i) um bloco de controle, como universalidade, no patrimônio de pessoa(s), e (ii) um fato jurídico cujo efeito seja a transmissão da propriedade desse conjunto de ações, ocorre a transferência do poder de controle.

A distinção entre a aquisição originária e a derivada é relevante em diver-sos momentos da vida societária. Um deles, e que será explorado nos casos gerados dessa aula, é para saber se a Oferta Pública de Aquisição (OPA) de ações é obrigatória ou facultativa.

A Instrução 361 da CVM prevê 6 modalidades de ofertas públicas, sendo 3 obrigatórias e 3 facultativas. As obrigatórias são: (i) OPA para cancela-mento de registro, (ii) OPA para aumento de participação e (iii) OPA por alienação de controle. As facultativas são: (i) OPA voluntária, (ii) OPA para aquisição de controle de companhia aberta e (iii) OPA concorrente.

A distinção entre aquisição originária e derivada é relevante nesse caso porque a alienação de controle só terá OPA obrigatória se a aquisição for derivada. Se for originária, a OPA será facultativa. Como será observado nos casos geradores dessa aula, nem sempre a classificação da aquisição em origi-nária ou derivada é simples.

1.2. Perda do poder de controle

É modificação da situação de fato que pode ocorrer independentemente de negócio jurídico de transmissão de ações. Exemplo: o acionista que con-trola a companhia com menos da metade das ações com direito de voto (sen-do que as demais são titularizadas por diversos acionistas) e vê seu controle perdido em razão da união original de outros acionistas ou concentração de ações em um novo acionista.

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2. CONTROLE INTERNO E EXTERNO

O poder de controle é, portanto modalidade de poder próprio da estru-tura interna da companhia, que tem por fundamento os direitos de voto conferidos pelas ações.

A doutrina distingue em duas as formas de controle:

Controle Interno: O titular exerce o poder de controle e atua in-ternamente a sociedade. Funda-se, na maioria das vezes, na propriedade acionária.

Controle Externo: Poder de dominação exercido externamen-te (ab extra), por pessoa que não componha qualquer órgão social. Casos Clássicos: credor relevante; dependência no suprimento de ma-téria-prima; dependência no escoamento da produção; dívida creditaria.

Segundo Fabio Konder Comparato:

“À primeira vista, o controle interno, isto é, aquele cujo titular atua no interior da própria sociedade, parece fundar-se, unicamente, na proprie-dade acionária. Sua legitimidade e intensidade dependeriam, em última análise, do número de ações ou votos de que se é titular, proporcionalmente à totalidade dos sufrágios possíveis.”

De acordo com Orcesi da Costa:

“Em suma, o controle interno (natureza associativa) redunda no exercí-cio de uma soberania, enquanto que o controle externo (natureza contratu-al) outorga ao credor o exercício de um poder naturalmente contratual ou às vezes legal de constrição, o que implica tão-somente na possibilidade de responsabilização do controlador externo, por danos causados à sociedade em geral, quando e se houver agido além de seus limites contratuais.”

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2.1. Controle Interno (Subdivisões).

Totalitário:

Caracterizado pela concentração da totalidade das ações com direito de voto na propriedade de uma única pessoa. Ex: Subsidiária Integral (artigo 251 da LSA).

Majoritário:

Caracterizado pelo controle exercido por quem é titular de mais da me-tade das ações com direito de voto. Pode ser isolado ou em conjunto (joint control):

(a) Isolado: Acionista detém mais de 50% das ações votantes.(b) Conjunto: Acionistas se unem para exercer o controle conjunta-

mente, através de diversas técnicas. Uma das técnicas mais usuais é o Acordo de Acionistas (Exemplo: 3 acionistas juntos, cada um com 20% do capital votante. Unindo-se suas participações acionárias alcançam a maioria do capital votante podendo exercer o controle da companhia).

Também pode ser simples ou absoluto:

(a) Simples: Decisões que exigem quorum de maioria simples (artigo 129 LSA) (mais de 50% das ações votantes presentes na Assembleia Geral).

(b) Absoluto: Decisões que exigem quorum de maioria qualificada (ar-tigo 136 LSA) (mais de 50% do capital social votante).

Minoritário (working control ou minority control):

O acionista/conjunto de acionistas que possuem menos da metade do capital votante, mas dirigem os negócios sociais e elegem a maioria dos admi-nistradores. Este fenômeno ocorre nas grandes companhias, com alto grau de dispersão de ações e decorre do “absenteísmo” nas Assembleias Gerais.

Gerencial (management control):

Também em decorrência do alto grau de dispersão acionária somado ao absenteísmo nas assembleias possibilitam o controle gerencial da companhia. Nessas condições, os próprios administradores assumem o controle da com-

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panhia e perpetuam-se nos seus respectivos cargos. É característico de em-presas norte-americanas, nas quais ocorre o fenômeno da “proxy machinery” (maquinismo das procurações).

Mediante Expediente Legal (through a legal device):

Poder de dominação exercido através de algum artifício legal. Problema: altamente discutido e criticado no ambiente doutrinário. Exemplos citados por Berle Means: controle piramidal; ações sem direito de voto; ações com número de votos limitados; e voting trust).

2.2. Técnicas de Organização do Controle Interno

Institucional:

Criação de organismo, personalizado ou não, com o objetivo de consoli-dar a titularidade do poder soberano na sociedade e disciplinar-lhe o exercí-cio. Exemplos citados por F.K. Comparato:

(a) comunhão acionária;(b) voting trust; e(c) sociedade holding.

Estatutário:

Disposições estatutárias para assegurar estabilização do exercício do con-trole. Exemplos citados por F.K.Comparato:

(a) cláusulas restritivas à circulação de ações;(b) limitações de votos das ações;(c) voto censitário e dispensa de comparecimento em assembleias; e(d) privilégios de eleição de administradores e fiscais.

Contratual:

Decorre de contratos, de pactos parassociais, com eficácia limitada às par-tes que o celebram (ex: Acordo de Acionistas).

2.3. Controle Direto e Indireto.

Controle direto:

Modalidade de poder própria da estrutura interna da sociedade. Art. 116, LSA.

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Controle indireto:

Art. 243, § 2º, LSA. Hipótese do grupo de sociedades.

3. VALOR DO CONTROLE.

O bloco de controle, por ter a vantagem intrínseca do poder de dirigir a companhia, tem valor em regra maior do que a mera soma das ações que lhe compõem. Isso porque o controle constitui, para o investidor, fator de segu-rança do seu investimento. Ele está disposto a pagar um valor maior pelo blo-co de controle do que pelas ações singularmente consideradas porque assim adquire a capacidade de influir decisivamente — mediante determinação das deliberações sociais e escolha dos administradores — no seu investimento, ao invés de esperar que terceiros o façam.

Não é apenas, portanto, a soma do valor das ações, como coisas singulares. No entanto, esse valor somente pode ser quantificado mediante alienação, no mercado, do bloco de controle.

Corresponde, por definição, à diferença entre o valor econômico das ações que o compõem e o preço que o mercado se dispõe a pagar pelo bloco de controle.

4. EXERCÍCIO DO PODER DE CONTROLE.

Pode revestir-se de formas diversas, ainda que não excludentes, como por exemplo:

(a) nas matérias de competência privativa da assembleia geral ou sub-metidas à sua deliberação à voto;

(b) acionista controlador é também administrador à atos de adminis-tração;

(c) ordens aos órgãos de administração ou fiscalização.

5. O ACIONISTA CONTROLADOR ADMINISTRADOR.

O art. 116 da Lei 6.404/1976 estabelece como requisitos para a carac-terização do poder de controle: (i) a titularidade de direitos de sócios; (ii) o caráter permanente do exercício da maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral; (iii) o poder de eleger a maioria dos administradores; e (iv) o uso efetivo deste poder para dirigir e orientar os negócios da companhia.

O exercício do poder de controle se manifesta, mormente, de três formas: (i) nas deliberações da assembleia geral; (ii) nos atos de administração, quan-

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99 PEDREIRA, José Luiz Bulhões; e FILHO, Alfredo Lamy (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, Vol. I. P. 834.

100 PEDREIRA, José Luiz Bulhões; e FI-LHO, Alfredo Lamy (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, Vol. I. P. 850.

101 Neste sentido, o clássico Parecer CVM/SJU n. 088/82.

102 LAMY FILHO, Alfredo e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz, A Lei das S.A., Re-novar, 1992, p.471.

103 MAGALHÃES, Rodrigo Almeida. O Controlador e Sua Reponsabilidade na Sociedade Anônima em: Sociedades Anônimas e Mercados de Capitais. São Paulo: Editora Quarter Latin do Brasil, 2011. P.236.

do o acionista controlador for também o administrador da companhia; e (iii) nas instruções e comandos aos órgãos da administração, quando o controla-dor não for administrador.99

O exercício abusivo do poder de controle é tratado de forma exemplifi-cativa no Art. 117 da LSA, mas, para além das hipóteses específicas previs-tas exemplificativamente no art. 117, § 1º, da Lei 6.404/1976 (e, conforme aplicável, no art. 1º da Instrução CVM n. 323/2000), o tratamento dedicado pelo Código Civil ao abuso de direito (de acordo com os artigos 186 a 188 do Código Civil) serve como parâmetro para a interpretação e identificação dos casos em que, na esfera do direito societário, há abuso do poder de controle.

José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho100 ensinam que:

“O abuso do poder do controlador somente pode existir, ser conhecido e ter efeitos jurídicos, quando se manifesta sob a forma de atos dos órgãos sociais: a Lei não dispõe sobre ilicitude de uma política, considerada abs-tratamente, ou apenas formulada, mas de atos concretos que são ilícitos porque orientados para fins extras sociais; o caput do artigo 117 é expresso em declarar que o acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder, e não pela formulação e políticas glo-bais cuja execução ou adoção não se manifesta sob a forma de atos ilícitos.”

A responsabilidade do acionista controlador consubstanciada nos artigos 116 e 117 da Lei 6.404/1976 é de ordem civil e administrativa101.

A responsabilidade pelos atos praticados em abuso do poder de controle é do acionista controlador e não da companhia, sendo certo que a correspon-dente obrigação de reparar eventuais perdas e danos é atribuível ao acionista controlador e não à companhia. Ao estudar o tema, Alfredo Lamy Filho e José Bulhões Pedreira, assim dispuseram: “A lei é expressa, no art. 117, quanto à responsabilidade do controlador pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. Não declarou, por supérfluo, que tais atos, sempre que violadores da lei, importam em anulabilidade”.102

A ação para responsabilizar o acionista controlador também guarda analo-gia com a responsabilização dos administradores, tratada pelo art. 159 da Lei n.6.404/1976 e se enquadra nesse dispositivo legal por conta da regra contida no art. 160 da mesma Lei.

Tal analogia busca garantir aos acionistas minoritários e à própria compa-nhia a possibilidade de ajuizarem ação de responsabilidade frente a ato ilícito do acionista controlador. Se assim não o fosse ter-se-ia que transpor obstácu-lo intransponível, já que o controlador, agindo em prol de seus interesses ex-clusivamente pessoais, deve responder perante a companhia e os minoritários que não teriam contra ele legitimidade extraordinária prevista na regra. 103

99. PEDREIRA, José Luiz Bulhões; e FILHO, Alfredo Lamy (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, Vol. I. P. 834.

100. PEDREIRA, José Luiz Bulhões; e FILHO, Alfredo Lamy (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, Vol. I. P. 850.

101. Neste sentido, o clássico Parecer CVM/SJU n. 088/82.102. LAMY FILHO, Alfredo e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz, A Lei das S.A., Renovar, 1992, p.471.103. MAGALHÃES, Rodrigo Almeida. O Controlador e Sua Reponsabilidade na Sociedade Anônima em: Sociedades Anônimas e Mercados de Capitais. São Paulo: Editora Quarter Latin do Brasil, 2011. P.236.

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Além da equiparação para efeitos de responsabilização, o artigo 246 da LSA estabelece os procedimentos para a promoção da ação de responsabili-zação do acionista controlador. Contudo, antes de analisarmos em detalhes o procedimento para responsabilização do acionista controlador, é necessário atentarmo-nos aos requisitos essenciais para responsabilização do acionista controlador.

Preliminarmente, quando se fala em responsabilização do acionista con-trolador, condiciona-se esta ação à prova de qualidade de controlador, direto ou indireto, da companhia, de acordo com a definição do art. 116 da Lei 6.404/1976.

O segundo ponto a se observar consiste em determinar os sujeitos que, em decorrência de ato do acionista controlador, incorreram em dano. Neste sentido, o ato do acionista controlador poderá ter prejudicado a própria so-ciedade, os acionistas minoritários ou outros stakeholders (i.e., empregados, fornecedores, credores, comunidade em geral, dentre outros), sendo certo que, em relação aos stakeholders, tal como mencionamos anteriormente, não há sistema jurídico próprio para a responsabilização do acionista controlador.

Além dessas duas condições prévias, na ação de reponsabilidade civil do acionista controlador, dever-se-á observar os requisitos necessários para a res-ponsabilidade civil, quais sejam:

(i) a prática do ato ilícito;(ii) o nexo causal entre a conduta e o dano reclamado; e(iii) o dano efetivo.

Neste sentido (e em consonância com o exposto anteriormente acerca da aplicação das regras do Código Civil sobre abuso de direito), caso o acionista controlador “por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”, viole direito e cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, terá cometido ato ilícito, na forma do art. 186 do Código Civil e, consequente-mente, ficará obrigado a reparar, na forma do art. 927 do Código Civil.

O abuso do poder de controle, na maioria dos casos, verifica-se em hi-póteses em que há excesso por parte do acionista controlador no exercício de direitos de que é titular, ultrapassando os limites impostos pelo fim eco-nômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, de tal maneira que o conhecimento do comando legal do art. 187 do Código Civil é de grande importância à correta compreensão da matéria.

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6. CASO GERADOR 1: BRASKEN (PAS CVM Nº RJ2007/7230)

Pergunta Central:

“Há alteração do Controle quando ele deixa de ser exercido por Acordo de Acionistas firmado entre o Braskem e o IPQ e passa a ser exercido apenas pelo Braskem (através de participação direta e indireta)?”

Parte Legal do Caso:

– Arts. 254-A e 116 da Lei das S.A– IN CVM 361/02, art. 29

Imagens para ilustrar o caso:

Imagem 1:

Imagem 2:

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7. CASO GERADOR 2: SUZANO (PAS CVM Nº RJ-2008-4156)

Pergunta Central:

“Deverá haver Oferta Pública de Aquisição nos casos de incorporação? O art. 254-A se aplica a casos de alienação indireta de controle?”

Cenários para ilustrar o caso:

Cenário 1:

Cenário 2: Aquisição do Controle da Pramoa pela Petrobrás

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FGV DIREITO RIO 148

Cenário 3: Incorporação da Pramoa pela Petrobrás

Cenário 4: Sociedade Petroquímica entre Petrobrás e Unipar: Aporte de Ativos

Cenário 5: Sociedade Petroquímica entre Petrobrás e Unipar: Incor-poração da Fasciatus pela Dapean

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Cenário 6: Controle Indireto da Suzano pela Unipar

8. JURISPRUDÊNCIA.

SOCIEDADE ANÔNIMA. TRANSFERÊNCIA DO PODER DE CONTROLE. CONTEÚDO ECONÔMICO. SOBRE VALOR PRETEN-DIDO EM FAVOR DE HOLDINGS ABERTAS, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE LHES FOI USURPADA A OPORTUNIDADE COMERCIAL DE ALIENAR O CONTROLE DIRETAMENTE AO COMPRADOR. CONTROLE INDIRETO. EXERCÍCIO REGULAR DA FUNÇÃO DE CONTROLADOR. INEXISTÊNCIA.DE.DANOS

Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, direta-menteou por meio de outras controladas, é titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas delibera-ções sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.

Ao controlador indireto é permitido apropriar-se do sobrevalor cor-respondente ao seu poder de controle, bem de conteúdo econômico autônomo e independente. Inexistência no caso de venda a non do-mino, tampouco da alegadasubtração de oportunidade comercial, de que seriam titulares as holdings abertas. Exercício regular da função de controlador.

Não ocorrência de dano, quer das holdings abertas, querdos acionistas minoritários. Sem a prova da existência de prejuízo, não há lugar para a inde-nização pretendida. Existência dos danos alegados a depender do reexame de matéria fático-probatório (Súmula n. 7.-STJ).

Recurso especial não conhecido. (RECURSO ESPECIAL Nº 556.265 — RJ (2003/0115717-2, RELATOR: MINISTRO BARROS MONTEIRO Quarta turma— STJ Brasília, 4 de outubro de 2005)

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RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO SOCIETÁRIO. ART. 117, § 1.º, DA LEI N.º 6.404 /76 (LEI DAS SOCIE-DADES). MODALIDADES DE ABUSO DE PODER DE ACIONISTA-CONTROLADOR. FORMA EXEMPLIFICATIVA. CARACTERIZA-ÇÃO DO ABUSO DE PODER. PROVA DO DANO. PRECEDENTE. MONTANTE DO DANO CAUSADO PELO ABUSO DE PODER DO ACIONISTACONTROLADOR. FIXAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. POSSIBILIDADE. — O § 1.º, do art. 117, da Lei das Socie-dades Anônimas enumera as modalidades de exercício abusivo de poder pelo acionista controlador de forma apenas exemplificativa. Doutrina. — A Lei das Sociedades Anônimas adotou padrões amplos no que tange aos atos caracterizadores de exercício abusivo de poder pelos acionistas controla-dores, porquanto esse critério normativo permite ao juiz e às autoridades administrativas, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), incluir outros atos lesivos efetivamente praticados pelos controladores. — Para a caracterização do abuso de poder de que trata o art. 117 da Lei das So-ciedades por ações, ainda que desnecessária a prova da intenção subjetiva do acionista controlador em prejudicar a companhia ou os minoritários, é indispensável a prova do dano. Precedente. — Se, não obstante, a ini-ciativa probatória do acionista prejudicado, não for possível fixar, já no processo de conhecimento, o montante do dano causado pelo abuso de poder do acionista controlador, esta fixação deverá ser deixada para a liquidação de sentença. Recurso especial provido. (STJ REsp 798264 SP 2005/0190864-1 Ministro CARLOS

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ALBERTO MENEZES DIREITO T3 — TERCEIRA TURMA STJ DJ 16/04/2007)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. DESCONSIDERA-ÇÃO DA PERSONALIDAE JURÍDICA. SOCIEDADE ANÔNIMA. ACIONISTA MINORITÁRIO. PARTICIPAÇÃO EM ASSEMBLEIAS. ACIONISTA CONTROLADOR E ADMINISTRADORES. RESPON-SABILIDADE. DECISÃO REFORMADA.

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE SOCIEDADE ANÔNIMA NÃO PODE ATINGIR PATRIMÔNIO PES-SOAL DE ACIONISTA MINORITÁRIO, QUE NÃO OCUPA CARGO DE DIREÇÃO OU ADMINISTRAÇÃO, E CUJA P ARTICIPAÇÃO EM ALGUMAS ASSEMBLEIAS LIMITOU-SE A DELIBERAÇÕES CON-

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CERNENTES A ASPECTOS FORMAIS DA SOCIEDADE..A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA — DIS-REGARD DOCTRINE — FICA POSITIVADA NO NOVO CÓDIGO CIVIL MANTIDOS OS PARÂMETROS EXISTENTES NOS MICROS-SISTEMAS E NA CONSTRUÇÃO JURÍDICA SOBRE O TEMA. INTE-LIGÊNCIA DO ENUNCIADO 51, APROVADO NA I JORNADA DE DIREITO CIVIL — STJ. NOS TERMOS DA LEI Nº 6.404/76, QUE DISPÕE SOBRE AS SOCIEDADES POR AÇÕES, OS ACIONISTAS CONTROLADORES, QUE DETÉM A MAIORIA DOS VOTOS NAS DELIBERAÇÕES EM ASSEMBLEIAS, E OS RESPECTIVOS ADMI-NISTRADORES, É QUE DEVERÃO RESPONDER, PESSOALMENTE, PELOS ATOS DE MÁ GESTÃO QUE OCASIONARAM PREJUÍZOS A TERCEIROS, EM DECORRÊNCIA DE OBRIGAÇÕES CONTRAÍ-DAS EM NOME DA SOCIEDADE. (TJDF AI 252663720118070000 DF 0025266-37.2011.807.0000, GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, 30/05/2012, DJ)

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104 Assim observam João Laudo de Ca-margo e Maria Isabel do Prado Bocater: “[A governança corporativa] desperta interesse, portanto, não apenas dentre os estudiosos do Direito, mas também entre os que se dedicam a outros cam-pos, como Economia, Administração e Finanças” (Conselho de administração: seu funcionamento e participação de membros indicados por acionistas mi-noritários e preferencialistas. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002; p. 387). Reconhecendo a interdisciplinaridade da matéria, a doutrina Ibérica aponta que “não se trata [...] de um tema estritamente ju-rídico” (SAN PEDRO, Luis Antonio Velas-co. O governo das sociedades cotadas (corporate governance) em Espanha: o “Relatório Olivencia”. Boletim da Fa-culdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. 75, p. 279-314, Coimbra, 1999, p. 279).

AULAS 21 E 22: GOVERNANÇA CORPORATIVA.

LEITURA BÁSICA.

CAMPESTRIN, Flavio. Governança Corporativa: Fundamentos Jurídicos e Regulação. São Paulo: Quartier Latin, 2008, Pp. 19-30 (Capítulo 1: Gover-nança Corporativa, Conceituação).

LEITURA COMPLEMENTAR.

BETTARELLO, Flavio PARGENDLER, Mariana, “O Estado Brasileiro como Acionista”, in Evolução do Direito Societário: Lições do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, Pp. 169-222.

1. CONTEXTO HISTÓRICO.

Nos últimos anos, o tema da governança corporativa invadiu o universo jurídico e econômico104, ensejando discussões acaloradas, diversificada pro-dução acadêmica e relevantes reformas legislativas.

Apesar de criticada por alguns por ser apenas um novo rótulo para o sis-tema de relacionamentos entre os acionistas e a administração da empresa, é inegável sua relevância prática, tendo em vista que a adoção de boas práticas de governança corporativa tem atraído a atenção dos investidores na hora de direcionar suas aplicações no mercado de valores mobiliários.

As raízes da governança corporativa ligam-se à tradição anglo-saxônica, embora se possam verificar distinções entre as abordagens da Inglaterra e dos Estados Unidos ao tema. A explicar tal pioneirismo, exsurgem dois fatores, quais sejam, a força do mercado de capitais norte-americano e a ocorrência de diversos escândalos financeiros no seio das companhias.

Evidenciou-se, assim, a necessidade de serem revistas as atribuições e as responsabilidades dos agentes das companhias. Nesse cenário, surgiram di-versos códigos ao redor do mundo visando a estudar e propagar as práticas de boa governança corporativa. Tais códigos, embora lhes falte coercibilidade legal, vêm se tornando cada vez mais necessários para uma atuação compe-titiva no mercado acionário globalizado, em face da pressão exercida pelos investidores.

Embora muito se comente acerca da importância da boa governança cor-porativa, escassos são os estudos em que efetivamente se define seu signifi-cado184. Com efeito, não é simples a tarefa de delimitar o conceito da ex-

104. Assim observam João Laudo de Ca-margo e Maria Isabel do Prado Bocater: “[A governança corporativa] desperta interesse, portanto, não apenas dentre os estudiosos do Direito, mas também entre os que se dedicam a outros cam-pos, como Economia, Administração e Finanças” (Conselho de administração: seu funcionamento e participação de membros indicados por acionistas mi-noritários e preferencialistas. In: LOBO, Jorge (Coord.). Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002; p. 387). Reconhecendo a interdisciplinaridade da matéria, a doutrina Ibérica aponta que “não se trata [...] de um tema estritamente ju-rídico” (SAN PEDRO, Luis Antonio Velas-co. O governo das sociedades cotadas (corporate governance) em Espanha: o “Relatório Olivencia”. Boletim da Fa-culdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. 75, p. 279-314, Coimbra, 1999, p. 279).

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105 No original, “Corporate governance is the system by which companies are directed and controlled. Boards of direc-tors are responsible for the governance of their companies” (Cadbury Report, section 2.5). Já na definição do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa: “Governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relaciona-mentos entre Acionistas/ Cotistas, Con-selho de Administração, Diretoria, Audi-toria Independente e Conselho Fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capi-tal e contribuir para a sua perenidade” (disponível em: <www.ibgc.org.br>. Acessado em 2 de fevereiro de 2016).

pressão ‘governança corporativa’, tanto que ainda não se encontra uma noção jurídica do termo, apesar do esforço envidado pela doutrina.

O conciso conceito proposto pelo Cadbury Report — um dos importan-tes códigos de governança corporativa — é talvez um dos que melhor traduz a abrangência do termo: “Governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são administradas e controladas”105.

Já segundo o IBGC, Governança Corporativa pode ser definida como:

“Governança Corporativa é o sistema que assegura aos sócios-proprietá-rios o governo estratégico da empresa e a efetiva monitoração da diretoria executiva. A relação entre propriedade e gestão se dá através do conselho de administração, a auditoria independente e o conselho fiscal, instrumentos fundamentais para o exercício do controle. A boa Governança assegura aos sócios eqüidade, transparência, responsabilidade pelos resultados (accoun-tability) e obediência às leis do país (compliance). No passado recente, nas empresas privadas e familiares, os acionistas eram gestores, confundindo em sua pessoa propriedade e gestão. Com a profissionalização, a privatização, a globalização e o afastamento das famílias, a Governança Corporativa colocou o Conselho entre a Propriedade e a Gestão.”

Busca-se com as boas práticas de governança corporativa garantir trans-parência às relações de poder nas companhias, de forma a assegurar maior controle (prestação de contas, ou accountability) e equilíbrio societário (eqüi-dade). Tudo visando melhorar o desempenho e, com isso, o acesso da em-presa ao capital. Trata-se de um olhar mais acentuado ao controle e direção dos negócios, que, em última instância, ajuda a trazer novos investimentos, ao mesmo tempo em que atrai novos sócios. Ou seja, facilita o cumprimento da finalidade da sociedade. A Governança Corporativa tem como princípios básicos o seguinte:

• Transparência: mais do que a obrigação de informar é o desejo de disponibilizar informações;

• Equidade: tratamento justo de todos os stakeholders;• Accountability: prestação de contas pelos agentes de governança por

sua atuação;• Responsabilidade Corporativa: zelar pela sustentabilidade da orga-

nização, visando a sua longevidade, incorporando considerações de ordem social e ambiental nos negócios e operações;

Entre as boas práticas de governança corporativa, podem-se destacar, den-tre inúmeras outras:

• É recomendável que a assembleia geral ordinária realize-se na data mais próxima possível ao fi m do exercício fi scal a que ela se refere;

105. No original, “Corporate governance is the system by which companies are directed and controlled. Boards of di-rectors are responsible for the governance of their compa-nies” (Cadbury Report, section 2.5). Já na definição do Instituto Brasi-leiro de Governança Corporativa: “Go-vernança corporativa é o sis-tema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamen-tos entre Acionistas/ Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Indepen-dente e Conselho Fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da so-ciedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade” (disponível em: <www.ibgc.org.br>. Acessado em 2 de fevereiro de 2016).

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• A companhia deve tornar plenamente acessíveis a todos os acionistas quaisquer acordos de seus acionistas de que tenha conhecimento, bem como aqueles em que a companhia seja interveniente;

• O conselho de administração deve ter de cinco a nove membros tecni-camente qualificados, com pelo menos dois membros com experiência em finanças e responsabilidade de acompanhar mais detalhadamente as práticas contábeis adotadas. O conselho deve ter o maior número possível de membros independentes da administração da companhia;

• O conselho deve adotar um regimento com procedimentos sobre suas atribuições e periodicidade mínima das reuniões, além de dispor sobre comitês especializados para analisar certas questões em profundidade, notadamente relacionamento com o auditor e operações entre partes relacionadas;

• As decisões de alta relevância devem ser deliberadas pela maioria do capital social, cabendo a cada ação um voto, independentemente de classe ou espécie;

• O conselho de administração deve se certificar de que as transações entre partes relacionadas estão claramente refletidas nas demonstra-ções financeiras e foram feitas por escrito e em condições de mercado; e

• O estatuto da companhia deve estabelecer que as divergências entre acionistas e companhia ou entre acionistas controladores e acionistas minoritários serão solucionadas por arbitragem;

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2. WORKSHOP: GOVERNANÇA EM EMPRESAS ESTATAIS

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106 Disponível em: <http://exame.abril.com.br/economia/noticias/cvm-esta--envolvida-em-questoes-de-gover-nanca-diz-pereira>. Acessado em 2 de fevereiro de 2016.

Considerando as informações do texto106 acima, a bibliografia indicada e as discussões em sala de aula, em grupos, formule uma proposta de Estatuto Social que se alinhe as práticas mais eficientes e respeitadas pelo mercado e que possa ser utilizada como modelo para sociedades de economia mista, que atuem na exploração de atividade econômica.

106. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/economia/noticias/cvm-esta-envolvida-em-questoes-de-governanca-diz-pereira>. Acessado em 2 de fevereiro de 2016.

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AULAS 23 E 24: TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO.

LEITURA BÁSICA.

PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vol. II, Pp. 1737-1811.

LEITURA COMPLEMENTAR.

CANTIDIANO, Luiz Leonardo. Incorporação de Sociedade e Incorporação de Ações. In. CASTRO, Rodrigo R. Moteiro de; MOURA AZEVEDO, Luiz André N. de (Coord.). Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais.São Paulo: Quartier Latin, 2010. Pp. 135-158.

1. INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO.

A consolidação do modelo econômico capitalista, especialmente após a 2ª Guerra Mundial, a evolução dos mercados de capitais internacionais, a modernização das economias de mercado e, até mesmo, os avanços tecno-lógicos que encurtaram distâncias e propiciaram mecanismos eficientes para que agentes de mercado, localizados em regiões diferentes, praticassem negó-cios entre si, são alguns dos fatores que impulsionaram o desenvolvimento e destacaram a importância do direito empresarial.

A concentração empresarial firmou-se como uma das principais tendên-cias do capitalismo moderno. Os fenômenos econômicos da globalização e da extensão e/ou exclusão das “fronteiras mercantis e comerciais” estimulam para que as companhias se associem e concentrem empresas, a fim de ganha-rem escala e competitividade no mercado capitalista.

Como consequência deste movimento, a atividade das companhias passou a influenciar e fazer parte do cotidiano da vida de todos. Prova disso são as ope-rações societárias frequentemente noticiadas nos veículos da mídia. Contudo:

1. Como essas operações são realizadas?2. Quais medidas são importantes para a implementação dessas ope-

rações?3. Qual é a participação dos advogados nessas operações?4. Como saber diferenciar os diferentes tipo de operações societárias?

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107 “Art. 223. A incorporação, fusão ou cisão podem ser operadas entre socie-dades de tipos iguais ou diferentes e deverão ser deliberadas na forma pre-vista para a alteração dos respectivos estatutos ou contratos sociais.”

É, neste contexto, que se inserem as operações societárias de fusão, cisão, transformação, incorporação e incorporação de ações, que são instrumentos jurídicos oriundos de um fenômeno econômico.

Estas operações podem envolver sociedades de tipos societários diferentes, devendo ser respeitadas as disposições constantes do estatuto ou contrato social das sociedades envolvidas, de acordo com o caput do artigo 223 da LSA107.

Anteriormente ao advento da Lei nº 10.406/02 (“CC 2002”), a Lei nº 6.404/76 (“LSA”) funcionava como lei geral das sociedades empresárias, re-gulando as referidas operações societárias (incorporação, fusão, cisão e trans-formação), independentemente do tipo societário que estivesse envolvido em tais operações.

Entretanto, o CC 2002 (severamente criticado pela melhor doutrina, pela ausência de tecnicismos e maneira assistemática como regula o Direito de Empresas) pretendeu capitular a integra das sociedades empresarias, atribuin-do à LSA a condição de lei especial.

Devido ao fato do CC 2002 ser incompleto, assistemático e inadequado à regulação deste tópico, embora não se possa negar sua aplicação às operações de reorganização societária, recorre-se à LSA em qualquer hipótese. Além disso, é inegável a aplicação da LSA sempre que as operações envolveram sociedades anônimas.

O artigo 223, §3º, da LSA, uma das regras previstas na LSA que se aplica tão somente às companhias abertas, prevê que no caso da incorporação, fusão ou cisão envolver companhia aberta, as sociedades que a sucederem serão também abertas, devendo obter o respectivo registro e, se for o caso, pro-mover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo de cento e vinte dias, contados da data da assembleia geral que aprovou a operação, observadas as normas pertinentes baixadas pela CVM, notadamente a Instrução CVM nº 319/1999, que disciplina as operações de incorporação, fusão e cisão envolvendo companhias abertas, e a Instru-ção CVM nº 480/2009, que dispõe sobre o registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários.

Em relação às operações de incorporação, fusão e cisão envolvendo com-panhias abertas, a Instrução CVM nº 319/99 regula, especialmente:

i. a divulgação de informações (conforme a Instrução CVM nº 358/2002, essas operações configuram Fatos Relevantes);

ii. aproveitamento econômico e o tratamento contábil do ágio e deságio;iii. relação de substituição das ações dos acionistas não controladores,

nas operações de incorporação;

107. “Art. 223. A incorporação, fusão ou cisão podem ser operadas entre sociedades de tipos iguais ou diferentes e deverão ser deliberadas na forma prevista para a altera-ção dos respectivos estatutos ou contratos sociais.”

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iv. obrigatoriedade de auditoria independente das demonstrações fi-nanceiras;

v. conteúdo do relatório da administração;vi. hipóteses de exercício abusivo do poder de controle; evii. fluxo de dividendos dos acionistas não controladores.

Ainda que no que diz respeito à legislação aplicável às companhias abertas, tem-se o Parecer de Orientação CVM nº 34/2008, mera recomendação, não sendo, portanto, norma.

Ele visa a estabelecer parâmetros em relação ao tratamento do “impedi-mento de voto em casos de benefício particular em operações de incorpo-ração e incorporação de ações em que sejam atribuídos diferentes valores para as ações de emissão de companhia envolvida na operação, conforme sua espécie, classe ou titularidade”.

Esse parecer tem causado muita “polêmica na doutrina jurídica”, uma vez que conforme muda a composição do Colegiado da CVM, a interpretação desta recomendação também é alterada.

2. PROTOCOLO E JUSTIFICAÇÃO.

Segundo a Exposição de Motivos da LSA, tanto o Protocolo quanto a Jus-tificação visam a assegurar “o conhecimento de todas as condições da operação, das repercussões que terá sobre os direitos (dos acionistas) e do valor de reembolso que lhes caberá, caso prefiram usar o direito de retirada”.

2.1. Protocolo.

O protocolo é o documento, firmado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, por meio do qual são apresentados os ter-mos e condições das operações de incorporação, fusão ou cisão com incorpo-ração em sociedade existente.

É, desta forma, o instrumento de manifestação da vontade das sociedades elaborado por seus administradores e obriga, por força de sua natureza pré--contratual, as sociedades envolvidas a avaliar seus patrimônios líquidos e submeter seus termos para deliberação da assembleia geral e/ou dos sócios das sociedades envolvidas, conforme o caso.

De acordo com o artigo 224 da LSA, no Protocolo deverão constar obri-gatoriamente as seguintes disposições, observado que eventuais valores ainda sujeitos a determinação serão indicados por estimativa:

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“I — o número, espécie e classe das ações que serão atribuídas em substi-tuição dos direitos de sócios que se extinguirão e os critérios utilizados para determinar as relações de substituição;

II — os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patri-mônio, no caso de cisão;

III — os critérios de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a avaliação, e o tratamento das variações patrimoniais posteriores;

IV — a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das sociedades possuídas por outra;

V — o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital das sociedades que forem parte na operação;

VI — o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações estatutárias, que deverão ser aprovados para efetivar a operação;

VII — todas as demais condições a que estiver sujeita a operação.”

Essas informações representam o conteúdo mínimo que deve constar no Protocolo, sendo possível a adição de informações suplementares.

2.2. Justificação

Além do Protocolo, as operações de incorporação, fusão e cisão serão submetidas à deliberação da assembleia geral das companhias interessadas mediante justificação, contendo todos os esclarecimentos necessários a uma tomada de posição.

Com base no artigo 225 da LSA, os seguintes esclarecimentos deverão constar do documento:

“I — os motivos ou fins da operação, e o interesse da companhia na sua realização;

II — as ações que os acionistas preferenciais receberão e as razões para a modificação dos seus direitos, se prevista;

III — a composição, após a operação, segundo espécies e classes das ações, do capital das companhias que deverão emitir ações em substituição às que se deverão extinguir;

IV — o valor de reembolso das ações a que terão direito os acionistas dissidentes.”

Assim como no Protocolo, outras informações além daquelas previstas no art. 225 da LSA podem constar na Justificação.

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108 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A. 2º Volume, 2ª Edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, P. 562.

3. FORMAÇÃO DO CAPITAL NAS OPERAÇÕES DE REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA.

O artigo 226 da LSA dispõe que as operações de incorporação, fusão e cisão somente poderão ser efetivadas nas condições aprovadas se os peritos nomeados determinarem que o valor do patrimônio ou patrimônios líquidos a serem vertidos para a formação de capital social é, ao menos, igual ao mon-tante do capital a realizar.

Tal medida visa à proteção dos credores. Isto porque as sociedades são livres para convencionar a relação de substituição de ações e o valor atribuído ao patrimônio líquido da sociedade a ser incorporada.

Entretanto, em obediência ao princípio da realidade do capital social, a lei requer que a avaliação do patrimônio líquido da incorporada seja realizada com as mesmas cautelas adotadas na avaliação para a formação/subscrição de capital em bens, em conformidade com as disposições do art. 8º da LSA.

O objetivo da lei foi o de impedir que o patrimônio líquido forme capital social por valor superior ao real. Caso as sociedades acordem em transmiti-lo por valor inferior, não há o que impedir, uma vez que, quanto mais o patri-mônio líquido tiver o seu valor subestimado, maior a garantia dos credores, que é a razão de ser do requisito legal de avaliação108. De qualquer forma, o valor do patrimônio líquido a ser vertido não poderá ser inferior ao montante do capital a realizar.

Conforme o art. 226, §3º, LSA, nas operações envolvendo incorporação, fusão e cisão, os ativos e passivos a serem incorporados ou decorrentes de fusão e cisão devem ser avaliados a preço de mercado quando realizadas entre partes independentes e vinculadas à efetiva transferência de controle.

A tendência internacional nas operações de combinação de empresas (bu-siness combination) é:

i. reconhecer o patrimônio da sociedade adquirida pelo seu valor de negociação; e

ii. mensurar os negócios por “valor justo”.

No Brasil, o Pronunciamento Técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis — CPC nº 15, tem por objetivo fundamental definir o trata-mento contábil aplicável ao reconhecimento, à mensuração e às divulgações decorrentes de operações de “combinação (ou concentração) de negócios”, sendo elas a aquisição de participações societárias, aquisição de negócios, fu-são, incorporação, incorporação de ações, cisão e alteração de controle.

De acordo com o CPC nº 15, a entidade adquirente deverá reconhecer o valor justo dos ativos e passivos da entidade fusionada ou incorporada ou deri-vada de uma cisão, no momento da transação de fusão, incorporação ou cisão.

108. LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A. 2º Volume, 2ª Edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1996, P. 562.

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109 Ver artigo 227 da Lei das S.A.

110 Em relação a este último caso, Eg-berto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro ensinam que: (...) “Evidentemente, se esse acionista vier a incorporar a subsidiária integral, ter--se-á a hipótese de incorporação sem qualquer aumento de capital por parte da sociedade incorporadora, limitando--se a operação a uma modificação em seus registros ativos.” TEIXEIRA, Egberto de Lacerda: GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro. Vol. 2. São Paulo: José Bushastsky, 1979, P. 670.

Por fim, ainda no que toca às operações de combinação de empresas, a partir da nova Lei do CADE (Lei nº 12.529/2011), as operações de fusão que resultarem em concentração econômica deverão observar as determinações do direito concorrencial. Dentre as principais alterações, tem-se o controle prévio desses tipos de operações pelo CADE.

Na antiga lei, a operação poderia ser submetida ao órgão de defesa da concorrência somente após a sua efetivação. Hoje, é necessária a autorização do CADE para que a operação possa se consolidar. Além disso, via de regra, os atos societários de operações de fusões e incorporações que impliquem em concentração econômica sujeitam-se também à aprovação da Secretaria Nacional de Defesa Econômica (SNDE).

4. TIPOS DE OPERAÇÕES DE REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA.

4.1. Incorporação

A incorporação é a operação através da qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede universalmente em todos os direitos e obrigações109. Do ponto de vista econômico, por meio da incorporação busca-se o aproveitamento de sinergias entre as sociedades, o ganho de escala e competitividade no mercado em que se inserem as sociedades envolvidas na operação de incorporação.

Como resultado da incorporação, a sociedade que vier a ser incorporada será extinta, para todos os fins e efeitos legais, operando-se a sua sucessão universal pela incorporadora. Ou seja, a transferência patrimonial resultante da incorporação efetua-se não em relação aos acionistas, mas sim em relação à sociedade incorporadora (ou sobrevivente), que se torna sucessora, por força de lei, da sociedade incorporada (e agora extinta).

Como regra geral, a incorporação implementa-se com o aumento de capi-tal na sociedade incorporadora, no valor correspondente ao acervo líquido da sociedade incorporada (que está sendo absorvido). Os acionistas da sociedade incorporada receberão ações de emissão da sociedade incorporadora, em con-formidade com a relação de troca estabelecida.

Em tese, só não ocorrerá o aumento de capital na: (i) controvertida hipó-tese de incorporação de sociedade com patrimônio líquido negativo; e (ii) na incorporação de subsidiária integral110.

Nas companhias, assumindo que a incorporação envolverá modificação do estatuto social, a mesma deverá ser deliberada em Assembleia Geral Extra-ordinária, com quorum de instalação de acionistas representando 2/3 (dois terços) do capital social com direito a voto, em 1ª convocação, e com qual-quer número em 2ª convocação, conforme prevê o artigo 135, caput, da LSA.

109. Ver artigo 227 da Lei das S.A.

110. Em relação a este último caso, Egberto Lacerda Teixeira e José Ale-xandre Tavares Guerreiro ensinam que: (...) “Evidentemente, se esse acionista vier a incorporar a subsidiária integral, ter-se-á a hipótese de incorporação sem qualquer aumento de capital por parte da sociedade incor-poradora, limitando-se a ope-ração a uma modificação em seus registros ativos.” TEIXEIRA, Egberto de Lacerda: GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasilei-ro. Vol. 2. São Paulo: José Bushastsky, 1979, P. 670.

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111 Ver artigo 137, inciso IV da Lei das S.A.

112 Ver artigo 137, inciso II da Lei das S.A.

Para sua aprovação, o quorum de deliberação necessário será de acionistas representando a maioria absoluta do capital votante da companhia (i.e., 50% +1), se maior quorum não for exigido pelo estatuto social, conforme prevê o artigo 136, inciso IV, da LSA.

Não obstante as proteções específicas previstas na legislação aplicável, a incorporação ainda enseja o direito de retirada dos acionistas da sociedade in-corporada111, exceto nas hipóteses em que as ações de emissão da companhia incorporada tiverem liquidez e dispersão no mercado112. O direito de retira-da, no entanto, não é conferido aos acionistas da sociedade incorporadora.

Sem prejuízo destas hipóteses de exclusão do direito de recesso, há quem sustente que mesmo nas demais hipóteses somente haverá direito de recesso na incorporação se desta operação resultar “prejuízo” para os acionistas da sociedade incorporada.

Quadro demonstrativo:Incorporação da Sociedade B na Sociedade A:

Resultado Final:

111. Ver artigo 137, inciso IV da Lei das S.A.

112. Ver artigo 137, inciso II da Lei das S.A.

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4.2. Incorporação de Companhia Controlada.

Outra situação peculiar que merece destaque é a incorporação, pela con-troladora, de sociedade controlada, a qual está prevista no artigo 264 da LSA. Nesta operação, somente serão incorporadas as ações não pertencentes ao controlador.

Por essa razão, para salvaguardar o minoritário, o caput do referido artigo estabelece que os valores dos patrimônios líquidos das sociedades deverão ser calculados pelos mesmos critérios e na mesma data, a preços de mercado ou com base em outro critério aceito pela CVM, no caso das companhias aber-tas, para o fim de se determinar qual é a relação de substituição das ações. Sobre este tema, há o Parecer de Orientação CVM nº 35/2008 que faz reco-mendações acerca dos deveres legais dos administradores nas incorporações de controladas.

No que diz respeito à aplicabilidade do artigo 264 da LSA às operações entre sociedades coligadas e/ou sociedades sobre controle comum, há muita discussão. O Parecer CVM/SJU nº 16/1985 recomenda a obrigatoriedade da avaliação de dois patrimônios somente nos casos envolvendo incorporação de controlada.

Consta no parecer que “A lei societária não estabeleceu para a incorporação de companhia não-controlada, a avaliação do patrimônio da incorporadora. A avaliação relativa dos dois patrimônios, a preços de mercado, apenas é mandató-ria nas incorporações de companhias controladas, conforme previsto no caput do art. 264”.

Assim, quando se tratar da incorporação de companhia controlada, dois cálculos devem ser apresentados aos acionistas das companhias envolvidas na incorporação. São eles: i. o cálculo da relação de troca segundo os crité-rios avençados entre as companhias contratantes da operação, e ii. o cálculo da relação de troca segundo o valor patrimonial das companhias a preço de mercado.

Seguindo entendimento semelhante, o Parecer CVM/PJU nº 08/2001 recomenda que o art. 264 da LSA tenha sua aplicação restrita à hipótese de incorporação, pela controladora, de companhia controlada.

O parecer recomenda ainda que “Incorporação de companhia sem relação de controle uma(s) com a(s) outra(s) não se sujeita ao art. 264, ainda que as companhias integrantes da operação estejam sobre controle comum de tercei-ra companhia (holding), que, entretanto, não tomará parte da incorporação.”

Assim, se observados ambos os pareceres, conclui-se pela inaplicabilidade das regras do art. 264 da LSA às operações entre sociedades coligadas e/ou sociedades sob controle comum.

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4.3. Incorporação de Ações.

É muito importante fazermos a distinção entre duas operações societárias absolutamente diferentes, mas que muitas vezes são comparadas em virtude da semelhança entre as nomenclaturas que as designam, quais sejam: (a) a in-corporação de sociedades (artigo 227 da LSA); e (b) a incorporação de ações (artigo 252 da LSA).

De um lado, a “incorporação de sociedades”, conforme já abordamos aci-ma, caracteriza-se pela absorção de uma ou mais sociedades pela sociedade incorporadora, deixando de existir as sociedades incorporadas.

De outro lado, a “incorporação de ações” consiste na incorporação de todas as ações do capital social de uma determinada companhia, ao patrimô-nio de outra companhia brasileira, passando a companhia incorporada a ser subsidiária integral da companhia incorporadora.

Na prática, na incorporação de ações, os acionistas de determinada com-panhia conferem as ações de que são titulares ao patrimônio de outra com-panhia, necessariamente brasileira, em processo de substituição de aumento de capital desta última. Ocorre que a sociedade incorporada não se extingue, mas continua a existir como subsidiária integral, nos termos do caput do artigo 252 da LSA.

É interessante notar que na incorporação de ações haverá direito de reces-so para os acionistas de ambas as sociedades (incorporada e incorporadora), conforme preveem os §§1º e 2º do artigo 252 da LSA.

Quadro demonstrativo:

Incorporação das ações de emissão da Sociedade B pela Sociedade A.

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Resultado Final:

4.4. Fusão.

A fusão é a operação pela qual duas ou mais sociedades se unem para formar uma sociedade nova, que lhes sucederá universalmente em todos os direitos e obrigações (artigo 228 da LSA).

A operação de fusão possui diversas semelhanças procedimentais com a in-corporação, aplicando-se a esta igualmente a necessidade do já referido Protoco-lo e Justificação e o mesmo procedimento de direito de recesso referido acima.

Na prática de mercado, as operações de fusão são menos usuais do que as operações de incorporação, por gerarem a extinção de todas as sociedades envolvidas (que perdem inclusive suas inscrições e CNPJ), elemento que gera dificuldades procedimentais para condução dos negócios.

Além disto, a incorporação de sociedades muitas vezes é capaz de alcançar os mesmos propósitos pretendidos com a fusão, com vantagens de aproveita-mentos de benefícios fiscais e planejamentos tributários.

Quadro Demonstrativo:Fusão da Sociedade A com a Sociedade B:

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Resultado Final:

4.5. Cisão.

De acordo com o artigo 229 da LSA, a cisão é a operação pela qual a com-panhia se divide e transfere seu acervo líquido para duas ou mais sociedades.

A cisão poderá ser:

(i) total, que importará na extinção da sociedade cindida que resultará em duas ou mais novas sociedades; ou

(ii) parcial, preservando-se a sociedade cindida, que será dividida e re-duzida pela parcela que houver sido cindida. Em tal caso, a parcela cindida poderá ser utilizada para a formação de sociedade nova, na forma do artigo 229, §2º, da LSA, ou poderá ser incorporada em sociedade existente, na forma do artigo 229, §3º, da LSA (i.e., cisão parcial com incorporação de parcela cindida).

Igualmente as operações de incorporação e fusão, far-se-ão necessários na cisão os documentos de Protocolo e Justificação da operação.

A cisão poderá ser proporcional (quando os acionistas participarem da parcela cindida na mesma proporção em que participavam da sociedade cin-dida) ou desproporcional (quando os acionistas participarem da parcela cin-dida em proporção diferente da que participavam da sociedade cindida). A cisão parcial desproporcional é matéria de unanimidade na LSA, tal como dispõe o artigo 229, §5º, LSA.

De acordo com o §1º do artigo 229 da LSA, a sociedade que absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a esta nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão, sendo que no caso de cisão com extinção da companhia cindida (i.e., cisão total) as sociedade que absor-verem parcelas do patrimônio da companhia cindida sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não relacionados.

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Em conformidade com o art. 233, § único da LSA, os atos de cisão parcial poderão estipular que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida.

A operação de cisão ensejará direito de recesso, na forma do artigo 137 combinado com o artigo 136, inciso IX, da LSA. O direito de recesso na cisão foi reintroduzido na reforma à LSA promovida pela Lei nº 10.303/01, uma vez que havia sido suprimido na reforma à LSA promovida pela Lei nº 9.457/97, por conta de interesses relacionados às privatizações.

É importante esclarecer que somente haverá direito de recesso na cisão nas hipóteses referidas no artigo 137, inciso III, LSA (i.e., quando resultar em mudança do objeto social da sociedade cindida, redução do dividendo obrigatório ou participação em grupo de sociedade).

Quadros Demonstrativos:Quadro 1 — Cisão Total da Sociedade A:

Resultado Final:

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Quadro 2 — Cisão Parcial Proporcional da Sociedade A com a conse-quente incorporação da Parcela Cindida pela Sociedade B

Resultado Final:

4.6. Transformação.

Por fim, referimo-nos à operação de transformação (arts. 220 a 222 da LSA), que é aquela em que a sociedade muda de tipo societário, indepen-dentemente de dissolução e liquidação, obedecendo os preceitos aplicáveis à constituição do tipo societário para o qual a sociedade está se transformando.

A transformação é matéria de unanimidade na LSA (art. 221 LSA), exceto se expressamente previsto em sentido diverso no estatuto social, hipótese em que os acionistas estarão investidos do direito de recesso se disentirem da deliberação.

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4.7. Drop-Down de Ativos (Conferência de Ativos ao Capital Social).

Devido a inúmeras razões, principalmente as relacionadas às questões tri-butárias-contábeis e comerciais-mercadológicas, em muitos casos, em vez de se realizar a cisão parcial com incorporação da parcela cindida, promove-se a capitalização de ativos entre sociedades envolvidas em reorganizações.

Nestes casos, aplica-se o regime da “subscrição de ações mediante capitali-zação de créditos ou subscrição em bens”, tal como disposto no art. 171, §2º da LSA. As formalidades exigidas a fim de promover a exata estimação dos bens a serem contribuídos ao capital social são aquelas previstas nos artigos 7º e 8º da LSA. O intuito dessas formalidades é assegurar o cumprimento do princípio da realidade do capital social.

5. DIREITOS DOS CREDORES.

Os direitos dos credores são tutelados tanto nas operações de fusão e in-corporação quanto na cisão.

De acordo com o artigo 232 da LSA, que regula os direitos dos credores na incorporação e na fusão, até 60 (sessenta) dias depois de publicados os atos relativos à incorporação ou à fusão, o credor anterior por ela prejudicado poderá pleitear judicialmente a anulação da operação; findo o prazo, decairá do direito o credor que não o tiver exercido. A depender do caso, o valor do crédito poderá ser consignado em pagamento em juízo de modo a evitar anulação (art. 232, §1º da LSA).

De acordo com o artigo 233 da LSA, que regula os direitos dos credores na cisão, na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão.

Em caráter excepcional, o artigo 233, parágrafo único, da LSA prevê que o ato de cisão parcial poderá estipular que as sociedades que absorverem par-celas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer credor anterior poderá se opor à estipulação, em relação ao seu crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da publicação dos atos da cisão.

Mais uma vez, ressalta-se que nas operações de fusão e incorporação que resultarem em concentração econômica deverão ser observadas as determina-ções do direito econômico concorrencial (i.e., Lei nº 12.529/2011 — Nova Lei do CADE)

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AULA 25: DISSOLUÇÃO, LIQUIDAÇÃO E EXTINÇÃO DA SOCIEDADE ANÔNIMA

LEITURA BÁSICA.

PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009, Vol. II, pp.

LEITURA COMPLEMENTAR.

JACKSON, Thomas H. The Logic and Limits of Bankruptcy Law. Washing-ton, D.C: Beard Books,1986 [reimpressão de 2001].

KIRSCHBAUM, Deborah. Cláusula Resolutiva Expressa por Insolvência nos Contratos Empresariais: uma Análise Econômico— Jurídica. Revista Di-reito GV, v.2 n.1. p.037-054.

CAVALLI, Cassio e AYOUB, Luiz Roberto. A Construção Jurispruden-cial da Recuperação Judicial de Empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.219.

1. INTRODUÇÃO.

Em geral, manter uma sociedade por longo período exige saber admi-nistrar bem variações externas na economia, sustos internos decorrentes de atritos entre os sócios, falta de capital de giro e tantos outros problemas e dificuldades que podem surgir.

Supondo impossível levar a sociedade adiante — seja por incapacidade de se atingir o fim social ou outro motivo qualquer —, os acionistas podem optar por sua dissolução, que poderá ser:

(i) Total, como contemplado na Lei das S.A., ou(ii) Parcial, tentativa observada na prática, em certos casos, para que

seja mantido o funcionamento da sociedade.

A dissolução total costuma representar um caso extremo: põe fim a to-das as atividades geradoras de lucro, pode comprometer o desenvolvimento econômico da região e gerar perda de empregos, dentre outros prejuízos que devem ser previamente estudados.

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113 LUCENA, José Waldecy. Dissolução e Liquidação de Sociedades. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 794. Apud BRITO, Cristiano Gomes de. Dissolução Parcial de Sociedade Anônima. Revista de Direito Privado, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 7, ano 2, jul.-set. 2001, P. 18.

114 Artigo 207 da Lei das S.A.: “Art. 207. A companhia dissolvida conserva a per-sonalidade jurídica, até a extinção, com o fim de proceder à liquidação.”

115 TEIXEIRA, Egberto Lacerda; GUER-REIRO, José Alexandre Tavares. Das So-ciedades Anônimas no Direito Brasileiro. Vol. 2. São Paulo, Bushatsky, 1979. P. 612.

Já a dissolução parcial, em regra, não tem efeitos tão radicais: atende-se ao interesse do sócio descontente, mas é assegurada a manutenção da função social da empresa.

Neste sentido, sobre a dissolução parcial, José Waldecy Lucena afirma: “dissolução parcial de uma sociedade deve-se entender como dissolução da relação social limitada a um sócio, com liquidação da quota social”.113

A companhia totalmente dissolvida conserva a sua personalidade jurídica até a sua extinção, para que se possa realizar sua liquidação, como estabeleci-do pelo legislador no artigo 207 da Lei das S.A114. Vejamos cada um dos dois tipos de dissolução a seguir.

2. DISSOLUÇÃO TOTAL.

A dissolução das pessoas jurídicas encontra-se regulada pela Lei das S.A. e, também, pelo artigo 51 do Código Civil.

Como já mencionado, na hipótese de dissolução total a sociedade cessa suas atividades e o patrimônio dos sócios é inteiramente liquidado.

A dissolução é a primeira fase do processo de extinção de uma dada socie-dade, que abrange a dissolução propriamente dita, a liquidação e a extinção, podendo conceituar-se como o “momento da vida social em que se desfazem as relações associativas decorrentes do contrato plurilateral”115.

2.1. Modalidades.

O artigo 206 da Lei nº 6.404/76 enumera as causas de dissolução das sociedades anônimas, utilizando como critério classificatório a forma de rom-pimento da convenção social, da seguinte forma:

“Art. 206. Dissolve-se a companhia:I — de pleno direito:a) pelo término do prazo de duração;b) nos casos previstos no estatuto;c) por deliberação da assembleia-geral (art. 136, X);d) pela existência de 1 (um) único acionista, verificada em assembleia-

-geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não for reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no artigo 251;

e) pela extinção, na forma da lei, da autorização para funcionar.II — por decisão judicial:a) quando anulada a sua constituição, em ação proposta por qualquer

acionista;

113. LUCENA, José Waldecy. Dissolu-ção e Liquidação de Socieda-des. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 794. Apud BRITO, Cristiano Gomes de. Dissolução Parcial de Socieda-de Anônima. Revista de Direito Pri-vado, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 7, ano 2, jul.-set. 2001, P. 18.

114. Artigo 207 da Lei das S.A.: “Art. 207. A companhia dissolvida conserva a personalidade jurídica, até a extinção, com o fim de proceder à liquidação.”

115. TEIXEIRA, Egberto Lacerda; GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro. Vol. 2. São Paulo, Bushatsky, 1979. P. 612.

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116 Artigo 136, inciso X da Lei das S.A.: “Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior  quorum  não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre:

(...)X — dissolução da companhia.”

117 Artigo 117, §1º, alínea “b” da Lei das S.A.: “ Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:

(...)b) promover a liquidação de com-

panhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da com-panhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investido-res em valores mobiliários emitidos pela companhia;”

118 Artigo 251 da Lei das S.A.: “Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira.

§ lº A sociedade que subscrever em bens o capital de subsidiária integral deverá aprovar o laudo de avaliação de que trata o artigo 8º, respondendo nos termos do § 6º do artigo 8º e do artigo 10 e seu parágrafo único.

§ 2º A companhia pode ser conver-tida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252.”

b) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social;

c) em caso de falência, na forma prevista na respectiva lei;

III — por decisão de autoridade administrativa competente, nos casos e na forma previstos em lei especial.”

A dissolução, portanto, pode se dar de pleno direito por decisão judicial e por decisão administrativa. A dissolução de pleno direito é a que se realiza por motivos estabelecidos em lei ou no estatuto social. Pode ocorrer pelos seguintes fatores:

• Término do prazo de duração: o estatuto social deve prever o prazo de duração da sociedade, estabelecendo se indeterminado ou determina-do. Nesta última hipótese, define-se uma data para que a companhia cesse suas atividades, a partir da qual se pode iniciar a sua liquidação.

• Nos casos previstos no Estatuto Social: O estatuto da companhia pode prever, de forma facultativa, causas de dissolução da sociedade, como, por exemplo, a conclusão de determinado projeto ou obra.

• Por deliberação da Assembleia Geral: Por quórum qualificado (art. 136, X116), pode a assembleia geral deliberar no sentido de dissolver a sociedade, observada a responsabilidade para o acionista controlador, na forma do art. 117, § 1º, b117.

• Pela redução do quadro social a um único acionista: A companhia será dissolvida caso verificada, em assembleia-geral ordinária, a existência de apenas um acionista, e se o mínimo de dois não for reconstituído até a AGO do ano seguinte. Tal dispositivo, porém, não se aplica às subsidiárias integrais, previstas no artigo 251118 da Lei das S.A.

• Pela extinção, na forma da lei, da autorização para funcionar: Se a companhia depender de autorização do governo para funcionar, a cas-sação dessa autorização determina o fim da sociedade.

Já a dissolução por decisão judicial dar-se-á em casos em que for reque-rida, judicialmente, a desconstituição de determinada sociedade. Depende, portanto, de sentença judicial transitada em julgado. Pode ocorrer pelos se-guintes fatores:

• Por anulação da sua constituição: Qualquer acionista pode propor ação para ver declarada a existência de vícios ou defeitos na constitui-ção da sociedade. Uma vez anulada, por decisão judicial, a constitui-ção da companhia, é esta dissolvida.

116. Artigo 136, inciso X da Lei das S.A.: “Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mí-nimo, das ações com direito a voto, se maior  quorum  não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negocia-ção em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre:

<nota3><nota3>(...)

<nota3>X — dissolução da companhia.”

117. Artigo 117, §1º, alínea “b” da Lei das S.A.: “  Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos pra-ticados com abuso de poder.

<nota3><nota3>§ 1º São modali-dades de exercício abusivo de poder:

<nota3>(...)

<nota3>b) promover a liquida-ção de companhia próspera, ou a transformação, incor-poração, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em preju-ízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valo-res mobiliários emitidos pela companhia;”

118. Artigo 251 da Lei das S.A.: “Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritu-ra pública, tendo como único acionista sociedade brasileira.

<nota3><nota3>§ lº A sociedade que subscrever em bens o capital de subsidiária integral deverá aprovar o laudo de avaliação de que trata o artigo 8º, respondendo nos termos do § 6º do artigo 8º e do artigo 10 e seu parágrafo único.

<nota3>§ 2º A companhia pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade bra-sileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252.”

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• Quando a companhia não puder preencher o seu fim: Em ação pro-posta por acionistas que representem, no mínimo, 5% do capital so-cial, pode-se determinar a dissolução de uma companhia, se ficar ple-namente provado que ela não preenche o seu fim social. Note-se que não se exige, para fins de legitimidade de tal pleito, que os acionistas sejam titulares de ações com direito a voto.

• Em caso de falência: Não havendo por parte da companhia como efe-tuar de maneira regular e pontual o pagamento de suas dívidas, abre--se o processo de falência da sociedade. Uma vez decretada a falência, a companhia é dissolvida.

Por fim, a dissolução pode se dar por decisão administrativa, isto é, quan-do há deliberação extrajudicial por parte de autoridade governamental com-petente em retirar da sociedade a sua autorização para funcionamento. É o que ocorre, por exemplo, com as instituições financeiras, que podem ser liquidadas extrajudicialmente pelo Banco Central.

3. DISSOLUÇÃO PARCIAL.

Inicialmente, importante apontar que o instituto da dissolução parcial foi, a priori, elaborado como mecanismo de aplicação exclusiva às sociedades li-mitadas. Entretanto, aos poucos a jurisprudência passou a considerar possível a execução de dissolução parcial em casos envolvendo sociedades anônimas.

Na hipótese de um acionista pretender dissolver determinada sociedade anônima por entender que não mais existe a affectio societatis, a doutrina e jurisprudência nacionais vêm reconhecendo, em certos casos, a possibilidade de se promover uma dissolução parcial da sociedade, permitindo, desta for-ma, a continuidade das atividades sociais.

A aplicação deste instituto às sociedades anônimas é tema bastante polê-mico, já que, para alguns doutrinadores, a affectio societatis não é um elemen-to determinante para a formação do vínculo societário das companhias.

Outros doutrinadores, no entanto, entendem que podem existir tanto so-ciedades anônimas de pessoas como sociedades anônimas de capital. Assim, sustentam que naquele tipo de companhia, em que a affectio societatis é carac-terística essencial da sociedade, seria possível a dissolução parcial.

A partir da vigência do novo Código de Processo Civil, de 16 de março de 2015, o ordenamento jurídico brasileiro passará a autorizar a aplicação da disso-lução parcial das sociedades anônimas de capital fechado nos seguintes termos:

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119 Nas sociedades de prazo determina-do, a retirada do sócio só poderá ocorrer mediante justificativa, em conformida-de com o artigo 1.077 do CC/02: “Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorpora-ção de outra, ou dela por outra, terá o só-cio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o dispos-to no  art. 1.031”. Quando tratar-se de sociedade por prazo indeterminado, a dissolução parcial poderá ocorrer mes-mo sem a apresentação de qualquer justificativa, À luz do artigo 1.029 do CC/02: “Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notifica-ção aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa”.

120 Com relação ao direito de recesso, Modesto Carvalhosa ensina que: “o recesso é a faculdade legal do sócio de retirar-se da sociedade mediante o recebimento de seus haveres. Trata-se de um negócio jurídico em virtude do qual a sociedade é obrigada a pagar ao sócio dissidente o valor de suas quotas. Constitui resolução unilateral ou denún-cia. Trata-se de instituto nitidamente contratualista, próprio das sociedades de pessoas, nas quais se incluem, ainda que atenuadamente, as limitadas”. CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195). Vol. 13. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 248.

“Art. 599:(...)§ 2º — A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter também por

objeto a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim.”

Importante apontar que a hipótese trazida pelo Novo CPC não é a mesma hipótese construída pela doutrina e jurisprudência com relação à quebra da affectio societatis.

Observando a sociedade da perspectiva de sua função social, fica clara a vantagem deste tipo de dissolução, em detrimento da dissolução total, pois fica garantida a manutenção das riquezas geradas, dos empregos e do ciclo econômico local, em respeito, ainda, à função social da empresa. Ademais, equacionam-se os interesses tanto dos sócios retirantes e contratantes, como da própria companhia.

Para que seja requerida a dissolução parcial, dois são os pré-requisitos:

a) Que a sociedade tenha sido constituída por tempo indetermina-do119; e

b) Que não se trate de exercício de direito de recesso120.

Em companhias com baixo grau de liquidez a solicitação de dissolução parcial é mais recorrente, uma vez que é mais difícil, para o acionista que deseja retirar-se da companhia, vender suas ações no mercado secundário.

Além disso, tal pedido também é comum em casos de sociedades com pequeno número de acionistas, sociedades de capital fechado e sociedade em que se caracteriza a falta de efetivo poder deliberativo.

Contudo, são inúmeros os obstáculos legais e conceituais para a aceita-ção da dissolução parcial para as sociedades anônimas. Em primeiro lugar, a sociedade anônima é constituída visando a segurança patrimonial, e não os interesses individuais dos acionistas, de modo que tal companhia consiga atingir sua finalidade lucrativa.

Ainda, é possível argumentar que, nas companhias, exatamente por sua natureza capitalista e não pessoal, há ausência da affectio societatis entre os acionistas. E, mesmo que se argumentasse o caráter pessoal — como, por exemplo, ocorre em muitas das sociedades anônimas de capital fechado, de caráter estritamente familiar—, o regime jurídico próprio impediria a adoção da dissolução parcial.

Apesar dos argumentos supracitados e em que pese o rol do artigo 206 da Lei das S.A., a jurisprudência vem concedendo, em determinadas situações, decisões favoráveis à dissolução parcial de companhias.

119. Nas sociedades de prazo deter-minado, a retirada do sócio só poderá ocorrer mediante justificativa, em conformidade com o artigo 1.077 do CC/02: “Art. 1.077. Quando houver modificação do con-trato, fusão da sociedade, in-corporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar--se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031”. Quan-do tratar-se de sociedade por prazo indeterminado, a dissolução parcial poderá ocorrer mesmo sem a apresen-tação de qualquer justificativa, À luz do artigo 1.029 do CC/02: “Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da socie-dade; se de prazo indetermi-nado, mediante notificação aos demais sócios, com ante-cedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa”.

120. Com relação ao direito de recesso, Modesto Carvalhosa ensina que: “o recesso é a faculdade legal do sócio de retirar-se da socieda-de mediante o recebimento de seus haveres. Trata-se de um negócio jurídico em virtude do qual a sociedade é obriga-da a pagar ao sócio dissidente o valor de suas quotas. Cons-titui resolução unilateral ou denúncia. Trata-se de institu-to nitidamente contratualis-ta, próprio das sociedades de pessoas, nas quais se incluem, ainda que atenuadamente, as limitadas”. CARVALHOSA, Mo-desto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195). Vol. 13. 2ª Ed. São Paulo: Sa-raiva, 2005. p. 248.

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121 Princípio extraído pela doutrina e jurisprudência do caput do artigo 170 da CRFB/88, que estabelece como um dos fundamentos da ordem econômica a livre iniciativa, e que ganhou maiores contornos através do artigo 47 da Lei nº 11.101/05 (Lei de Falências e Recupera-ção Judicial).

Por fim, outro aspecto a ser considerado é o montante a ser recebido pelo sócio retirante quando do momento da apuração de haveres e liquidação das suas ações. A depender do caso concreto, o pagamento de tais valores pela companhia pode ser de tal forma onerosa, que inviabilizaria a continuidade da sociedade. Nestes casos, de forma geral, costuma prevalecer o Princípio da Preservação da Empresa121.

4. LIQUIDAÇÃO.

A liquidação é a continuidade do processo iniciado com a dissolução.Na liquidação, apura-se o ativo (bens, direitos, créditos e valores perten-

centes à companhia), paga-se o passivo (conjunto das exigibilidades e origem dos recursos dos sócios de uma sociedade), rateando-se, ao final, os ativos remanescentes entre os acionistas na proporção de suas respectivas participa-ções.

Ao longo da liquidação, as dívidas da sociedade são pagas gradativamente, proporcionalmente, considerando-se tanto as vencidas como as vincendas.

O procedimento de liquidação de uma Companhia, em regra, assume grande relevância não só em momentos de dissolução da sociedade, mas tam-bém na falência e na recuperação judicial da Sociedade.

Neste sentido, é interessante destacar os aspectos econômicos que justifi-cam a existência de tais procedimentos jurídicos.

5. ASPECTOS ECONÔMICOS.

Uma companhia pode ser acometida por crises passageiras e, portanto, superáveis. Sem embargo, muitas vezes os obstáculos para se manter no mer-cado serão intransponíveis. Em ambos os casos, o Direito Concursal confere subsídios para que os reflexos dessas crises impactem os credores da empresa da forma menos danosa possível.

Neste sentido, aduzem Rasmunssen e Skeel:

“at the heart of the economic analyses of corporate bankruptcy law is the direction between economic distress and financial distress. A firm that is experiencing economic distress is one in which its operating revenues are less than it operating costs. Such a firm should not continue in business. Its con-tinued existence drains the economy. Indeed, in some instances, allowing the firm to continue in operation under the protection of the bankruptcy law may lead to widespread losses in the industry in which operates.”

121. Princípio extraído pela doutrina e jurisprudência do caput do artigo 170 da CRFB/88, que estabelece como um dos fundamentos da ordem econômica a livre iniciativa, e que ganhou maiores contornos através do artigo 47 da Lei nº 11.101/05 (Lei de Falências e Recupe-ração Judicial).

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122 CAVALLI, Cassio e AYOUB, Luiz Ro-berto. A Construção Jurisprudencial da Recuperação Judicial de Empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.219

123 “Going Concern” é uma projeção de natureza contábil. Foi incorporada no American Institute of Certified Public Accountants’ Statement on Auditing Standards No. 1 Codification of Auditing Standards and Procedures, Section 341, da seguinte forma: “The Auditor’s Consi-deration of an Entity’s Ability to Continue as a Going Concern”(AU Section 341). The ‘going concern’ concept assumes that the business will remain in existence long enough for all the assets of the bu-siness to be fully utilized. Utilized assets means obtaining the complete benefit from their earning potential. (i.e. if you recently purchased equipment costing $5,000 that had 5 years of productive/useful life, then under the going concern assumption, the accountant would only write off one year’s value $1,000 (1/5th) this year, leaving $4,000 to be treated as a fixed asset with future economic value for the business).”

124 KORDANA, Kevin, POSNER, Eric A;. A Positive Theory of Chapter 11. Jonh M. Olin & Economics Working Paper nº61. (2nd Series) Disponível no endereço: <http://www.law.uchicago.edu/files/files/61.Eposner.Chpt11.complete.pdf>. Acesso em 2 de fevereiro de 2016.

Neste cenário, quando a reestruturação da Empresa não se mostrar viável, a melhor opção oferecida pelo Direito Concursal, para que cumpra o seu objetivo, é o processo de Falência da Empresa.

No caso de a crise ser contornável por meio de alguma das alternativas de reestruturação do Devedor, a Recuperação Judicial será o procedimento mais adequado na persecução do objetivo do Direito Concursal.

O procedimento da Falência ou Liquidation é aquele no qual todos os ativos da empresa são arrecadados e alienados para o pagamento dos credores do Devedor. A soma obtida com tal alienação é conhecida por Liquidation Value (valor de liquidação). A avaliação de uma empresa também pode ser dimensionada conforme sua previsão de fluxo de caixa, decorrente do seu conjunto de ativos operacionais122.

O resultado desta análise é conhecido como Going Concern Value da em-presa. As empresas que demonstram um Going Concern maior do que o Li-quidation Value são aquelas que têm alguma chance de reerguimento, e por isso podem/devem ser submetidas ao processo de Recuperação Judicial.

Para esclarecer tais conceitos, convém recordar a parábola da peixaria:Em um primeiro cenário, a venda da totalidade dos peixes da peixaria

geraria uma receita de R$100.000,00 (cem mil reais). Porém, tal alienação impossibilitaria a continuidade da pesca.

Paralelamente, a venda da propriedade, sem os peixes, geraria um ganho financeiro de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

Assim, a operação que representaria a liquidação do Açude geraria uma receita total de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) ao seu dono.

Por outro lado, a manutenção dos peixes na peixaria permitiria um be-nefício financeiro, em dez anos, de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), que, descontados a valor presente, representariam digamos, R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais).

Portanto, se o seu dono desistisse da pesca para trabalhar no mercado fi-nanceiro e quisesse vender a peixaria, com todos os seus peixes, poderia fazê--lo por um preço maior do que pelo valor de liquidação.

Com efeito, esse seria o valor de going concern123 da peixaria. Desta for-ma, manter o açude em atividade geraria um beneficio maior do que liquidá--lo, ou seja, seu going concern é maior do que o seu liquidation value.

Para os fins da Análise Econômica do Direito concursal, os valores de going concern e liquidation value são essenciais na tomada de decisão entre os processos de Falência ou Recuperação Judicial.

Essa questão é esclarecida pelos ensinamentos de Kordana e Posner124:

“The standard justification for a bankruptcy system is that it maxi-mizes the value of the debtor’s assets in case of default. In the absence of a bankruptcy system, creditors would exercise their state court remedies

122. CAVALLI, Cassio e AYOUB, Luiz Roberto. A Construção Jurisprudencial da Recuperação Judicial de Empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.219

123. “Going Concern” é uma projeção de natureza contábil. Foi incorporada no American Institute of Certi-fied Public Accountants’ Sta-tement on Auditing Standards No. 1 Codification of Auditing Standards and Procedures, Section 341, da seguinte forma: “The Auditor’s Consideration of an Entity’s Ability to Continue as a Going Concern”(AU Sec-tion 341). The ‘going concern’ concept assumes that the business will remain in exis-tence long enough for all the assets of the business to be fully utilized. Utilized assets means obtaining the comple-te benefit from their earning potential. (i.e. if you recently purchased equipment costing $5,000 that had 5 years of pro-ductive/useful life, then under the going concern assump-tion, the accountant would only write off one year’s value $1,000 (1/5th) this year, lea-ving $4,000 to be treated as a fixed asset with future econo-mic value for the business).”

124. KORDANA, Kevin, POSNER, Eric A;. A Positive Theory of Chapter 11. Jonh M. Olin & Economics Working Paper nº61. (2nd Series) Disponível no endereço: <http://www.law.uchicago.edu/files/files/61.Eposner.Chpt11.complete.pdf>. Acesso em 2 de feve-reiro de 2016.

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individually, and this would result in the debtor being liquidated in piece-meal fashion although sometimes value would be maximized if the debtor’s assets were sold together or the debtor were reorganized(…) If the liquida-tion value exceeds the going concern value, the firm should be liquidated; otherwise the firm should be reorganized. The optimal system of corporate reorganization captures the going concern surplus, if any, and distributes the firm’s value to the creditors in the form of money or securities (without at the same time increasing the probability of bankruptcy or causing other ex ante distortions). How might a system of reorganization maximize the going concern surplus? It must ensure that information is aggregated pro-perly. The debtor, the creditors, and independent parties like examiners and trustees will generally have incomplete and only partly overlapping information about the value of the firm. If they can be forced to reveal their information, the latter can be used todetermine whether the firm should be liquidated or reorganized, and if reorganized, how.”

Por fim, importante ressaltar que a liquidação da empresa aos “pedaços” (ou por partes) (piece meal) é prejudicial do ponto de vista da satisfação dos créditos da maior parte dos credores, uma vez que, em regra, há um valor agregado aos ativos quando analisados conjuntamente.

Em suma, o processo da falência deverá dispor de meios para maximizar o liquidation value da empresa, enquanto que, o processo de Recuperação Judi-cial será útil na medida em que auxiliar na preservação do seu going concern.

6. EXTINÇÃO.

Na expressão da doutrina, “a extinção da companhia é (...) o encerramento final e definitivo de suas atividades e de suas responsabilidades, salvo as decorren-tes da liquidação, quando for o caso”.

O artigo 219 da Lei das S.A. prevê as possibilidades de extinção da socie-dade, da seguinte maneira:

“Art. 219. Extingue-se a companhia:I — pelo encerramento da liquidação;II — pela incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o pa-

trimônio em outras sociedades.”

Vale destacar que, na hipótese elencada no inciso II, a extinção se dá sem que haja um processo de liquidação da companhia.

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7. QUESTÃO PARA REFLEXÃO: INOVAÇÃO LEGISLATIVA.

Conforme aduzem Humberto Dalla e Paulo Cezar Pinheiro Carneiro:

“Finalmente, resta positivado que não só as sociedades empresárias con-tratuais ou simples podem ser parcialmente dissolvias em juízo, mas, tam-bém, em visão excepcional, a sociedade anônima de capital fechado — ge-ralmente com caráter familiar — em condições especiais.”

O dispositivo em comento determina que:

“A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter também por objeto a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim.”

À luz do discutido nesta aula, elabore parecer direcionado ao juízo empre-sarial da Comarca da Capital fixando orientação interpretativa acerca deste novo dispositivo legal.

Quais seriam os requisitos necessários à aplicação do instituto da dissolu-ção parcial a sociedade anônima fechada?

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JOÃO PEDRO BARROSO DO NASCIMENTOMestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Pós-Graduado em Direito Empresarial, com concen-tração em Direito Societário e Mercado de Capitais, pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ). PIL em Harvard Law School. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).Coordenador da Seccional do Rio de Janeiro do Instituto Brasileiro de Di-reito Empresarial (IBRADEMP). Docente dos Cursos de Graduação e de Pós-Graduação da FGV Direito RioProfessor das Disciplinas: “Direito Societário Avançado”; “Ofertas Públicas, Tomadas de Controle e Medidas Defensivas”; e “Contratos Empresariais”.Autor do livro “Medidas Defensivas à Tomada de Controle de Compa-nhias” e de diversos artigos em obras coletivas e revistas especializadas.

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

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Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAçÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAçÃO

André Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURíDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Marília AraújoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAçÃO