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ORFEÃO UNIVERSITÁRIO DO PORTO

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ANO II DEZEMBRO DE 1 9 6 3 N." 5

P u b l i c a ç ã o m e n s a l d o O r f e ã o U n i v e r s i t á r i o d o P o r t o

DIRECTOR E EDITOR ISMAEL VENTURA DE OLIVEIRA CAVACO

REDACTOR-CHEFE RALIL GUIMARÃES LOPES

ADMINISTRADOR-CHEFE JAIME ANTÓNIO SANTOS COUTINHO LANHOSO

ADJUNTOS

FERNANDO AMARAL AGOSTINHO BAPTISTA

ôu mar ic HOMENAGEM DO OUP A GONÇALO SAMPAIO

Apresentação — por R. Guimarães Lopes — o Cientista — por Prof. Dr. Arnaldo Rozeira — o Folclorista — por Dr. José Vilaça Músicas recolhidas por Gonçalo Sampaio ... Homenagem — por Prof. Dr. A. Pires de Lima — o Homem — por Hugo Rocha — o Musicólogo— por R. Guimarães Lopes

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T E A T R O

Entrevista com A. Poli

P O E S I A

por Sebastião O. Carneiro

Gonçalo Sampaio — «IN MEMORIAM»—por Dr. Luís de Andrade Saudade — por Barros Leite Antigo Testamento — por Moura Pacheco ...

C O N T O

Encontro com a vida — por Sampaio Faria Pai Natal — por Barros Leite

R E P O R T A G E M

Dos mais castiços de todos — por Beirão Reis Abertura solene das aulas

Redactorial Página do OUP

10. 10 II

12 13

14 16

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A S S I N A T U R A

1 ano (5 números) — Continente e [lhas 1 ano (5 números) — Ultramar Venda avulso

10$00 15$00 2$50

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CORO DAS MAÇADEIRAS Póvoa de Lanhoso

Õ minha mãe dos trabalhos, Para quen trabalho eu? Trabalho, mato meu corpo, Nun tenho nada de meu.

(Estribilho) Maçadeiras lá de baixo, Maçai-me o meu lindo ben; Nun olheis par 'ó portelo, Que a merenda logo ben.

(Estribilho)

UílÇâ âdipâlÛ

Comemorar-se-á dentro de dois anos o Centenário do nasci­mento de Mestre Gonçalo Sampaio. E, dizemos comemorar-se-á, pois estamos certos que a Universidade do Porto não deixará passar esquecida tal data, pelo significado e prestígio que ela tem, não meramente para o Norte do País, mas para todo o mundo Português.

Para que essas comemorações possam reflectir um pouco de brilho inapagável do que foi e fez o Mestre, o Orfeão Uni­versitário do Porto põe-se, desde já, à inteira disposição da Uni­versidade, dando a sua colaboração em tudo o que se fizer nesse sentido.

Gonçalo António da Silva Ferreira Sampaio nasceu em S. Gens de Calvos, Póvoa do Lanhoso, a 29 de Março de 1865, tendo falecido no Porto a 24 de Julho de 1937.

Frequentou a Escola Normal do Porto, a Universidade de Coimbra e a Academia Politécnica do Porto.

Em 1901, foi nomeado naturalista — adjunto de Botânica aquando das nomeações de Augusto Nobre para a Zoologia e de Rocha Peixoto para a Mineralogia. Para a Academia Politécnica essas três nomeações marcaram, sem dúvida, «o início duma época de grande esplendor nos estudos naturalísticos».

Mais tarde (1912) foi nomeado, por distinção, Professor de Botânica, da Faculdade de Ciências (antiga Academia Politécnica) e em homenagem à sua notabilíssima carreira de investigador o Gabinete de Botânica foi elevado, em 1921, à categoria de Insti­tuto de Investigação Científica.

Gonçalo Sampaio evidenciou-se primariamente como inves­tigador e naturalista — que melhor testemunha tal facto que as sete dezenas de trabalhos por ele publicados, o seu Manual da Flora Portuguesa, e a consagração do seu nome em espécies no­vas de plantas por vários botânicos?

Mas parte da glória de Gonçalo Sampaio também está na intensa actividade que desenvolveu como Folclorista e Musicólogo — é bem digna dum Povo, duma Cultura, aquela preciosa obra intitulada «Cancioneiro Minhoto».

É a este Botânico, Folclorista e Musicólogo que o Orfeão Universitário do Porto com o seu modesto contributo pretende homenagear.

R, Guimarães Lopes

R E D A C T O R I A L

Es t á em vossas mãos o primeiro número — do presente ano lectivo — da Revista do O. U. P .

Uma simples leitura do sumário bas tará para mostrar o número desusado de páginas dedicadas a um único tema: «Homenagem do OUP a Gonçalo Sampaio».

Gostaríamos de consagrar todo este nú­mero a tão insigne Mestre. Razões óbvias disso nos impedem.

O porquê desta at i tude? Quem conhecer a história do OUP com­

preenderá os profundos laços afectivos que nos unem ao saudoso Mestre e de que muito nos orgulhamos.

E também por que não dar a conhecer ao universitário portuense—tantas vezes tão alheio às coisas de espírito — um dos vultos mais prestigiosos da nossa Universidade?

E por que não 'dar a conhecer ao leitor ocasional da nossa Revista um pouco dum HOMEM que tanto amou o seu País — desde os rasteiros símplices da sua t e r ra até uma das mais a l tas abstracções do espírito sim­ples do seu Povo: a sua Música — dum HOMEM, enfim, que tão bem e tão exem­plarmente soube ser PORTUGUÊS?

Fizemos tudo o que nos foi possível para que o leitor mais desinteressado, ou mais apressado, «ache que 1er» entre os diferentes artigos — mesmo um poema — sobre G. S.. Atentem na sua diversidade.

En t re outros, dois jus tos agradecimentos: o primeiro pa ra o nosso mui querido Director Artístico, Maestro Afonso Valentim — ele nos deu a ideia e pôs os seus álbuns de re­cordações à nossa inteira disposição.

O segundo para o Sr. Prof. Dr. Arriando Rozeira, pela amabilidade com que nos rece­beu e pela permissão que nos deu para a utilização das zincogravuras das músicas recolhidas por Gonçalo Sampaio.

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H O M E N A G E M D O O U P A G O N Ç A L O S A M P A I O

Pede­me o Orfeão Universitário do Porto algumas linhas para a sua Revista em homenagem ao saudoso Professor que foi Gonçalo Sampaio. Nada de mais agradável para mim que tive a felicidade de ser ainda um dos seus alunos, de modo nenhum brilhante, embora lhe ficasse a dever sempre a amizade e atenção com que me tratou e atendeu às minhas, por vezes, imper­

tinências de aluno, e isto se passasse já quase na parte final da sua longa vida de professor e de cientista. Mais grato se me torna ainda tomar parte nesta home­

nagem, porque, a menos de trinta anos da sua morte, tenho a subida honra de o substituir na Direcção do Instituto de Botânica, Instituto de Investigação Cientí­

fica que para ele, pelo seu enorme labor na Botânica, foi criado em 1921 e que hoje o tem por patrono.

Nasceu Gonçalo Sampaio a 29 de Março de 1865.

Faltam menos de dois anos para se passar o centená­

rio de um dos Professores que deu grande impulso à Botânica portuguesa. Bom é que a Universidade do Porto se prepare para comemorar condignamente esta data.

É tempo de se começar a fazer juízo seguro acerca da obra de Gonçalo Sampaio. De génio por vezes irras­

cível, sempre pronto a defender os seus pontos de vista porque Os supunha justos, nas discussões e polémicas que teve de travar era duro e por vezes parecia agres­

sivo. Esta maneira de ser, simbolizada pela dureza dos penhascos graníticos do seu Minho natal que ele tanto amava, trouxe­lhe incompreensões — e tantas vezes ini­

mizades — daqueles que o não conheciam bem. Agora, quase trinta anos passados desde a sua

morte em 27 de Julho de 1937, tombados todos, ou quase todos, os do seu tempo, podemos com serenidade e segurança apreciar as suas ideias sobre muitos pontos controvertidos, e fazer a devida justiça a todos os que, com Gonçalo Sampaio, passaram a sua vida a elevai bem alto o facho da investigação científica portuguesa.

Sob o ponto de vista científico, Gonçalo Sampaio

pode caracterizar­se pelo desejo constante de conhecer bem os assuntos que versava. Fundamentalmente um sistemata, publicou obras sobre diversos grupos vege­

tais. Desde as Desmidias, que lhe mereceram um pe­

queno estudo, aos líquenes, em que foi mestre reco­

nhecido pelos especialistas do seu tempo, às plantas vasculares a que dedicou a maior partes da sua vida e da sua atenção, todos os grupos vegetais foram estu­

dados por ele nos seus representantes portugueses. A sua projecção científica tanto nos meios nacio­

nais como internacionais pode verificar­se pelas plantas que lhe foram dedicadas. Nas plantas vasculares, por exemplo, Rubus Sampaianus pelo rubulogista Sudre, considerado como um dos melhores do seu tempo; nos Musgos, Pterygoneurum Sampaianum A. Mach,; nos Fungos, além do Gen. Sampaioa Frag. diversas outras

espécies; nos líquenes, por exemplo, Microglaena Sam-

paiana B. de Lesd., etc. Não é aqui a ocasião para citar todas as obras que

este Botânico publicou. Depois da sua morte vários autores lhe dedicaram artigos em que estudaram a sua vida e a sua obra. Um dos mais completos e interes­

santes por fazer ressaltar o seu trabalho e a maneira de pensar, deve­se ao seu sucessor na Direcção do Ins­

tituto de Botânica, Prof. Doutor A. Pires de Lima. A parte da Botânica em que Gonçalo Sampaio

mais sobressaiu foi indiscutivelmente a Sistemática das plantas vasculares do nosso continente. Conhecendo­as como poucos, tinha um critério taxanómico por vezes particular e diferente do normalmente usado. Tendo estudado os problemas nomenclaturais que no seu tem­

po estavam em discussão, conhecendo, como poucos as publicações pré­Lineanas, de que conseguiu para o seu Instituto uma grande quantidade das mais importantes, emitiu critérios próprios que nem sempre foram segui­

dos. Mantendo­os, foi considerado como heterodoxo principalmente por não seguir muitas vezes os ditames da ciência mais seguida por alguns dos Botânicos na­

nas vésperas

do

centenário

do

nascimento de

Gonçalo jampaio ■mi­ Gonçalo Sampaio

por

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2 — ORFEÃO

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H O M E N A G E M D O O U P A G O N Ç A L O S A M P A I O

cionais. E, como é muito mais fácil recusar do que dis­cutir, a sua obra foi menosprezada por alguns dos res­ponsáveis do País.

A morte a todos iguala, diz a sabedoria das na­ções. Aos cientistas como aos outros sucede o mesmo. Apagadas as preferências ou os ódios, só fica para a posteridade a obra que se efectuou. Nas revisões que têm sido feitas, muitas das suas conclusões sob o ponto de vista sistemático têm sido aceites. Não falo já dos discípulos mais ou menos dilectos que têm tra­tado do assunto, mas somente dos outros, que por pro­

cessos vários, muitas vezes divergentes, lhe vieram dar razão em casos controversos.

Não é esta Revista o local mais próprio para ex­planar estes assuntos. Basta verificar as conclusões.

Como Professor, Gonçalo Sampaio foi sempre o Amigo dos seus alunos que defendia em todos os casos possíveis. As suas aulas eram claras, as conclusões de uma lógica irrefutável. Morrendo com 72 anos comple­tos — há dois anos, por impedimento legal, separado das aulas e dos alunos — o seu funeral foi uma sentida manifestação de pesar da parte dos estudantes que ainda o tinham conhecido. Marcou perfeitamente qual o pesar de todos os que com ele tinham tido convi­vência.

Mas o espírito de Gonçalo Sampaio não se deixava totalmente absorver por nenhum assunto particular, por mais do seu agrado que fosse. Teve sempre tempo para tratar de alguma coisa de diferente da sua Botânica e das suas aulas. Recolheu as músicas que depois da sua morte foram publicadas no Cancioneiro Minhoto e nos 20 postais que ele publicou. Da sua acção como Musi-cógrafo e na formação do Orfeão Universitário outros tratarão com mais conhecimento.

Teve colaboradores dedicados que não deixaram que se perdesse a parte incompleta da sua Obra. De justiça é de destacar, entre tantos, o seu sucessor na Direcção do Instituto de Botânica, de que ele é o legí­

timo patrono, o Prof. Dr. Américo Pires de Lima. Pelos seus esforços pessoais, pela congregação de trabalho de tantos outros, conseguiu que se terminasse e publi­casse a Flora Portuguesa que, a gadanha da Morte não tinha permitido a Gonçalo Sampaio concluir, assim como a Iconografia Selecta da Flora Portuguesa, uma óptima reprodução de plantas de Portugal, algumas de interpretação controvertida. Isso permite a todos os que se dedicam a estes estudos, conhecer qual era, a esse respeito, o pensamento do grande Mestre.

Quando assim, depois da morte, se vê uma tão

grande congregação de esforços para salvar a parte da obra que ficou incompleta, quando assim se vê, tantos anos já passados, relembrar com saudade a memória de uma pessoa, é sinal que ela possui as mais altas quali­dades de Homem, que soube sacrificar os seus interes­ses pela consecução de uma Obra útil e aliou a tudo isto a Bondade.

Todas estas virtudes, como verificamos, Gonçalo Sampaio as possuía em alto grau.

Arnaldo Rozeira

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ORFEÃO — 3

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H O M E N A G E M D O O U P

Ao receber o convite para colaborar em homena­

gem ao Mestre Gonçalo Sampaio na revista do «Orfeão Universitário do Porto», interroguei­me: — Eu, por­

quê?... É certo que tive a honra, o prazer e o proveito da

sua amizade. E ao recordar pela vida fora a inteireza do seu carácter, o brilho da sua inteligência penetrante, a lhaneza de trato, o talentoso poder de observação, a cultura aliada a uma requintada sensibilidade de artis­

ta, tudo envolto ■— escondido, melhor diríamos —■ em

Qcnçaic Sampaio O FOLCLORISTA

manto espesso de modéstia e simplicidade, a saudade sobe em admiração.

Talvez só por ter conhecido G. S. na intimidade, os actuais orfeonistas universitários desejassem algu­

mas palavras, à guisa de depoimento, sobre o «botânico­

­músico» de renome e eu faltaria a ditame de consciên­

cia se pensasse em esquivar­me. Eis porque aqui estou, na esperança de ser breve.

G. S. foi um catedrático na plena posse da cátedra, direito garantido pelo prestígio da sua obra científica de cuja extensão e profundidade alguém vos falará com mais autoridade. Todavia, aos confrades, aos alu­

nos, em toda a parte, apresentava­se tal qual era na intimidade, sem artifícios, sem reclames, simples, bon­

doso, alma aberta a todas as boas­vontades e o sorriso irónico ante qualquer pretensiosismo.

A par da paixão científica outra paixão o domina­

va no campo cultural — era a música. Desde novo a cultivou, de começo por divertimen­

to, depois como encanto de espírito para acabar por utilizar a aptidão musical — aliás extraordinária — e

C A S C A S M A D U R E I R A ARTIGOS PARA ESTOFOS

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RUA DAS CARMELITAS, 20 . PORTO

Uma casa que dá que falar!

4 — ORFEÃO

A G O N Ç A L O S A M P A I O

os profundos conhecimentos teóricos em labor científico de alto interesse nacional, na sua obra de folclorista.

O Minho tem — ia dizer teve, pois está a perder­

­se dia­a­dia — um extraordinário folclore musical, produto de evolução através dos séculos a contar desde a nossa pré­história. Este rico manancial artístico e científico que pela variedade e quantidade são de orgu­

lhar um povo, estava somente nas vozes que o vento dos anos levaria a perder­se para sempre.

Ora G S. era minhoto, nascido na Póvoa de La­

nhoso. Esses velhos cantares bailavam­lhe nos ouvidos e nas lembranças da mocidade.

Sentiu a necessidade de os escrever, arquivando todos os géneros, principalmente os célebres corais de original contextura harmónica. Na totalidade seria evi­

dentemente impossível; mas, ao menos, o bastante para demonstrar a sua riqueza musical e fundamentar o es­

tudo etnológico do povo seu credor. Porém, logo constatou a grande, a enorme dificul­

dade — é que não obedeciam às leis da música culta. Não desistiu e ao fim de dez anos de pertinácia, obser­

vando, comparando, sistematizando, conforme os méto­

dos que lhe eram familiares, encontrou as regras da harmonia dos cantares minhotos.

Foram mais de 200 partituras recolhidas que no

D r . J o s é V i l a ç a

seu «Cancioneiro Minhoto» constituem a mais rica co­

lectânea do género publicada em Portugal. Nesta obra se encontram arquivados todos os géneros desde as simples toadas às modas de terno e música religiosa, incluindo a música coreográfica, as modas de romaria, os velhos romances, os coros de trabalho, as carnava­

lescas, os anfiguris. Perante trabalho sério de tal vulto podemos afir­

mar que se G. S. honrou a cátedra, a Universidade do Porto e a Nação como botânico, não menor honrou e serviu o País como folclorista. Honra lhe seja.

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H O M E N A G E M D O O U P A G O N Ç A L O S A M P A I O

ÚSICAS DO FOLCLORE NACIONAL RECOLHIDAS p o r M e s t r e G o n ç a l o S a m p a i o

Õ Rosa mimosa

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C o r o A r c a i c o d e M u l h e r e s

Ponte de Lima — S. MARTINHO

í^uen me dera ver agora Quen agora me lembrou. Estribilho: Mas ó ai, la­ri­ló­lé­la Quen agora me lembrou

Era ver o meu amor Que tan longe dele estou Estribilho: Mas ó ai, la­ri­ló­lé­la Que tan longe dele estou

Redondo — ALENTEJO

Õ rosa mimosa Õ rosa encarnada Tu és no meu peito A mais estimada.

Õ rosa mimosa Rosa mimosinha Dentro do meu peito Só tu és rainha

La - r i - ló - lé - la S

E^^-gspa^g CUA*W a ­ A o ­ r u a *v»vt \t/v\\

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orangueira

C o r o A r c a i c o de M u l h e r e s

0 'Vwtm , eu/ "vuwv ><M, oVa, ­ a<M. ;

í t / ­ w a / CUM tvyw­povv Vvwv­p<VLrV a/ í t . que . v w w b o t ­ t ' a , ­U, q­ue V v v w ^ ­ t ' o , 4v ? 0 w u u A

MN

2 ^ RIBEIRA­DE­PENA — Vila Verde

meu ben, eu nun sou daqui, A minha terra que te importa a ti ? Õ meu ben, eu sou morangueira; Vendo morangos no Cais da Ribeira

ORFEÃO — 5

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orfeão Umvezsitázíc do cPcitc TERÇA-FEIRA, 29 de MARÇO de 1938

S A L l O NOBRE DA FACULDADE DE [ l E M U S

)arau de Homenagem à memória do eminente Botânico

e Folclorista Dr. Gonçalo jampaio

Breves palavras pelo Exmo. Sr. Prof. Doutor Américo Pires de Lima.

I PARTE

1 — Pi-peripi 2 — Trai-trai 3 — Chora-Videira 4 — Linda Rosa 5 — Rosa-Mimosa

u C/ \ f ão há muito

tempo, fazia, precisa­mente, seis meses que se apagara a luz do seu grande espírito, a Universidade do Porto, por intermédio da minha débil i/oz, prestou homenagem à memória do grande botânico que foi Gonçalo Sampaio. Com isso, cumpriu a Universi­dade e cumpri eu na estreita medida das minhas forças, uni dever sagrado. No entanto, quem conheceu o seu feitio desprendido de todas as vaidades, o sincero des­dém por todas as honrarias vãs, bem compreende que ele não era muito sensível àquela espécie de homena­gens. O que interessava sim, é que a sua obra não fosse esquecida, que o esforço da sua vida inteira em favor da ciência e da arte não fosse, finalmente perdido e apagado.

Que as verdades que defendeu não seguissem amor­talhadas à sua sepultura. Que a Nação para sua pró­pria honra e estímulo de trabalhadores desinteressados não desse razão àqueles espertos que apenas cuidam dos próprios interesses e alimentam os próprios ape­tites. Prouvera a Deus que nunca fosse queimado incenso em honra de divindades falsas como Judas e, apenas, dignas dos seus fingidos admiradores, os quais levantando altares à mediocridade ou à torpeza reflexa­mente prestam homenagens às suas próprias virtudes.

Outro motivo de sincero prazer seria a presença e a acção do seu dilecto Afonso Valentim a quem tri­butava a mais sincera estima e uma admiração sem reservas. Quantas vezes já muito doente e afastado do

II PARTE

6 — S. João 7 — Re-pin-pin 8 — Maria Nova 9 _ Vira

10 — Misericórdia, Senhor

convívio escolar, por ter atingido o limite de idade, me dizia com o maior interesse e a mais profunda e deci­dida convicção: «Tra­

balhe para que organizem o Orfeão, que tamanho valor tem como elemento estético e educativo. Mas que ponham à [rente dele o Afonso Valentim /». Na opinião autorizada de Gonçalo Sampaio ninguém como o nosso «maestro» possui o talento inato de congregar e disciplinar as vozes, as vontades e os corações. Facil­mente, aceitei como boas as razões de Gonçalo Sampaio. Antes de morrer, teve Gonçalo Sampaio a grande ale­gria de ver organizado o Orfeão sob a regência de Afonso Valentim.

É tempo de se apagarem no espaço os ecos disso­nantes e ásperos da minha voz, para dar lugar às har­monias aladas da música; desta música triplamente amada por Gonçalo Sampaio: Por ser música, por se­rem canções populares que ele recolheu, por serem can­tadas pelos generosos rapazes do Orfeão.

Muitas vezes as mães cantam, com vontade de chorar.

O povo chora cantando: cantando ri, cantando ama, cantando reza. Agora... por meio dos seus can­tares é a saudade que chora!

Palavras do Sr. Prof. Dr. A. Pires de Lima quando da Homenagem prestada pelo Orfeão a G. S. em Março de 1938.

« ORFEÃO » jbeóefa a boâos os seus leitores

^oas-festas e pwsfew 1964

6 — ORFEÃO

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H O M E N A G E M D O O U P A G O N Ç A L O S A M P A I O

I"* R A um homem simples de aspecto e modos. Esta tura normal. Trajava sem distinção, ou, antes; o seu traje distin-guia-se pela deselegância. A culpa não era, com certeza, do alfaiate, por mais desajeitado que tosse no manejo da tesoira; era dele, que fazia gala em quase se confundir, na roupa, com a gente rústica da província em que nascera. Conheciam-se-lhe, porém, dois luxos, dois únicos luxos com que completava e adornava o indumento cotidiano e que, por estabelecerem con­traste entre o homem fiel à aldeia e o homem avezado à cidade, o tornavam notado. Eram o chapéu de coco e a bengala. Não estes atributos urbanos, mas o seu tipo rural, ostensivamente, orgulhosamente rural , predominaria em tudo — e impôr-se-ia a quem o visse.

onçalo q)arrLpaío -O HOMEM

Que a quem o ouvisse, impunhava-se, com certeza. Na fala, nunca deixara de ser o minhoto de gema. Linguajava como a gente de pé descalço da sua terra, como o povo humilde de todo o Minho, afinal. Letrado como os mais letrados, pode­ria, se quisesse, contrariar e vencer o pendor inato para o sotaque da região natal. Não o quis — e preferiu, até ao fim da vida, trocar os v v pelos b b, para não se diferençar dos

trabalhadores de enxada da província querida, cujo português era para ele o mais puro — e o mais verdadeiro. Proclamava a existência dum dialecto minhoto e dava dele vivo exemplo. Assim, ao recolher da tradição oral os cantos populares que haviam de fazer a sua glória de folclorista, foi no fruste e rude português do Minho que lhes escreveu a letra. Como Catulo da Paixão, não consentiu em privar a língua em que falava e os seus conterrâneos cantavam, da expressão original que as escolas não reconhecem e as academias desprezam. Fo­lhear o seu «Cancioneiro Minhoto» é contactar com as fontes naturais da língua, duma língua que pode fazer-nos sorrir, mas que é, sem dúvida, a mais próxima da falada e escrita pelos nossos ancestros da fundação de Portugal. Perante discípulos ou mestres, sábios ou ignorantes, não abdicava do direito de falar à sua moda, de falar à moda do Minho. Quando o con­vidaram, solenemente, para ingressar na Academia das Ciên­cias de Lisboa, a ele que sempre manifestara soberana indi­ferença pelo areópago português dos imortais da cultura, re­matou as suas considerações de recusa com esta frase cate­górica de sentido e minhota de prosódia: «l Num bale a pena!»

Fisionòmicamente, assemelhava-se um tanto a Herculano. 0 mesmo rosto seco e duro de contornos, os mesmos olhos inquietos e perscrutantes, a mesma altivez e o mesmo desas­sombro de ati tudes. Não nascera para diplomata. Era a antí­tese do homem amaneirado e maleável. Na intimidade, quando se entusiasmava a criticar e a censurar, era tão malcriado como sincero. «Meu caro:» — afirmava-nos, uma vez, entre

dois goles de café, a bebida i i tadina que estimava tanto como o vinho verde da região natalícia — «os labregos da minha terra, cando se zangam, num falam a tchorar. Botam de rijo cá pra fora o que tenhem lá dentro!» Por isso, ele dizia, sempre, o que tinha «lá dentro» — e nunca ninguém, em boa verdade, lhe conheceu papas na língua.

Como inimigo, era implacável, sem jamais ser rancoroso Quando amigo, não havia nem mais dedicado nem mais leal. Não tinha a espinha dorsal flexível, a não ser quando precisava de curvar-se para o chão, em busca das ervinhas — que fize­ram a sua glória de botânico. Então, fazia mais do que dobrar--se; punha-se de rojo, naquela posição em que Goethe nos mostra o Werther, quando confidenciava seus devaneios e pe­sares à terra fresca e cheirosa dos prados . . . Tinha as pernas sólidas dos almocreves antigos, afeito, desde garoto, a percor­rer, pedibus calcantibus, montes e vales, por onde quer que o seu faro de naturalista rastreasse líquen ou erva ainda alheios à sua enorme colecção científica. Era o mestre, em tudo e por tudo, desprendido das grandezas, que não das misérias hu­manas. Não pretendia transcender a sua própria condição hu­mana — e, por isso, não ocultando defeitos e virtudes ineren­tes à espécie, mostrava-se, sempre, homem, sujeito às paixões dos homens, embora fervoroso na defesa das que considerava boas e justas . A política interessara, também, ao seu espírito varonil e forte e proporcionara-lhe, como a todos os que a servem com devoção e desinteresse, mais povoações que benes­ses. Foi republicano e monárquico, atraindo, pelo vigor das convicções, malquerenças e hostilidades dos adversários das

causas em que, sucessivamente, militou. Convencido de que só os irracionais não são susceptíveis de mudar de opinião, não hesitou em rever e rectificar a sua, quando julgou asado o momento. Eis o que lhe concitou ataques. Excedeu-se na exteriorização dos seus sentimentos e pensamentos políticos? Que o julgue quem puder julgá-lo. No que nunca se excedeu, certamente, foi no amor que votou à Pátria. Português dos melhores — e, também, por seu renome de cientista e artista, dos maiores — que conhecemos, incarnou bem muitas das vir­tudes por que mais se assinala o povo português.

por H u g o R o c h a

Como ele amou o povo português! Houve quem lhe cha­masse «o maníaco das ervinhas» e, também, «o maníaco das cantigas». Abençoadas manias que o tornaram, no juízo de nacionais e, sobretudo de estrangeiros, o maior botânico por­tuguês e um dos maiores do mundo no seu tempo, digno su­cessor do insigne Brotero. Como pesquisador dos cantares do povo português — do minhoto, principalmente — quem lhe leva a palma? Quem, nos últimos tempos, estudou, mais pro­funda, mais exaustivamente, a flora e o folclore nacionais e a ambos ergueu monumentos que a cultura científica e artís­tica nacional deve, por modo especial, considerar?

In «O Comércio do Porto' ao quul agradecemos assim como a Hugo Rocha a permissão-da publicação deste artigo

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ORFEÃO — 7

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CjM Julho passado, recebia o Orfeão Universitário um ofício do Orfeão Português do Rio de Janeiro comunicando que «Viajando sob bandeira do Orfeão Português segue para Portu­gal o jovem actor e universitário brasileiro, Alberto Poli que apresentará o célebre monólogo de Pedro Bloch — AS MÃOS DE F.URÍDICE —» e oferecendo-nos a oportunidade de apre­sentarmos, em ante-estreia na Cidade do Porto, o actor Alberto Poli.

Se o facto de ser um jovem e brasileiro não bastasse para

Entrevista com nos obrigar a conceder a este honroso oferecimento, toda a nossa atenção, a circunstância de Alberto Poli ser universitário, estudante da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, constituía credencial bastante para que empregássemos o maior entusiasmo na sua apresentação.

Nesse sentido se desenvolveu o trabalho da Direcção do OUP e foi com a maior satisfação que a 16 e 17 de Agosto deste ano o «Orfeão Universitário do Porto de colaboração com o Orfeão Português do Rio de Janeiro apresenta na Sala do Teatro Experimental do Porto o famoso monólogo de Pedro Bloch — As mãos de Eurídice — numa interpretação do jovem mas consagrado Actor brasileiro ALBERTO POLI».

Foi assim, prezados leitores, que o Colega Poli penetrou no ambiente orfeónico e é com este afável e despretencioso rapaz que ao subir ao palco se transforma com espantosa facilidade no eloquente e desvairado personagem de Pedro Bloch, o Sr. Gumercindo Soares, que vamos trocar trocar al­gumas breves impressões.

Antes de começar-os esta entrevista, permitam-nos que vos apresentemos o nosso Amigo Poli.

B I O G R A F I A

CTT) J lbe r to da Costa Godinho, conhecido art ist icamente por Alberto Poli, nasceu em Dezembro de 1940 na Cidade do Rio de Janeiro. Iniciou a sua carreira artística aos 14 anos de idade, como actor profissional no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, na comédia musical de Artur Azevedo «O MAMBEMBE».

Actor jovem, porém, de grandes possibilidades dramá­ticas, Alberto Poli colaborou ainda na representação de peças como «Os FUSIS DA SR." CARRAT», «O NOVIÇO», «DEUS

LHE PAGUE», entre outras em que o seu indiscutível talento brilhou a grande altura. A sua rápida carreira ascensional veio a culminar, em 1959, com a consagração, apresentando «AS MÃOS DE EURÍDICE». Conta actualmente com 320 apresentações desta obra do grande teatrólogo brasileiro Dr. Pedro Bloch.

Q/ El TA a apresentação, passemos à «conversa» que trava­mos com o Colega Alberto Poli, na véspera da sua partida para Lisboa, onde vai exibir-se no Teatro Avenida.

— Podes dar-nos uma ideia geral do panorama universi­tário brasileiro, sua organização, tradições, actividade cultural, e, se quiseres, compará-lo com o que já conheces da nossa vida universitária ?

— Posso comparar o panorama universitário brasileiro com o crescimento do próprio Brasil. Todos os governos têm prestado ao ensino universitário a atenção e o auxilio que fa­zem dele uma força. Uma força que já traz, dos bancos da Faculdade, a intensidade dos problemas que atingem o povo brasileiro. São futuros médicos, engenheiros, advogados, enfim, os dirigentes de amanhã, que trabalham e sonham com u m Brasil gigante. Sonho que nasceu com o próprio Brasil, vem do berço, quando do descobrimento do Brasil pelos incompará-

á mo U Actor e universitário brasileiro

por O l i v e i r a C a r n e i r o

veis civilizadores que são os Portugueses. Quanto à organização estudantil, posso referir que o órgão máximo é a União Nacional dos Estudantes, entretanto, temos em cada Faculdade Associa­ções de alunos que se dividem em alas part idárias, cada uma seguindo linhas de trabalho diferentes e, portanto, dando opor­tunidade a cada um de expressar e agir segundo as suas ideias. Estas Associações têm uma ctividade intensa, pois é a elas que cabe a direcção do restaurante da respectiva Faculdade e é por intermédio dos seus directores sociais que se promovem

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8 — ORFEÃO

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actividades culturais, reuniões sociais e se procuram no Comér­cio e Companhias de Transporte descontos especiais para os alunos da respectiva Faculdade.

Resumindo, uma vida social intensa, um aconchego fami­liar onde as ideias e discussões se fundem num só lema: «Por um Brasil Melhor».

Como podes verificar, existem várias diferenças entre a organização universitária brasileira e a vossa, entretanto, e no que diz respeito ao O. U. P., dentro da sua actividade artística e cultural e mesmo social, acho que vocês podem sentir orgu­lho no vosso trabalho.

— Já que, além de universitário de Direito és também artista teatral, queres dar-nos algumas impressões sobre o Tea­tro do Brasil, principalmente sobre o Teatro praticado por estudantes que, a avaliar pelo seu exemplo, deve ser de nível excepcional ?

— Entendo que a tradução da palavra «Teatro» se resume em amor, luta e sacrifício. Como homem de palco, tenho sen­tido, nos países que conheço, a diminuição, dia a dia, do nosso público e, por conseguinte, a restrição numérica das compa­nhias de Teatro. No Brasil o problema é idêntico ao que sei existir aqui : falta de interesse do público, falta de estímulo para os actores. No que diz respeito ao Teatro Universitário, digo-te que ele é muito fraco, pois que os que nasceram real­mente para o palco ou que sentem esta vocação, procuram, desde início, as companhias de profissionais.

Quanto às referências que fizeste à minha pessoa, consi­dero muita gentileza tua os qualificativos que empregaste. Ape­nas procuro entregar-me, de corpo e alma, ao meu trabalho; acredita, sinceramente, esqueço estar dentro de um teatro, diante de um público e talvez esteja aqui a única justificação para as tuas palavras.

— Tu, qu te encontras entre nós há já algum tempo, e quando digo nós refiro-me não apenas aos Portugueses mas, principalmente ao Orfeão, dentro do qual tens vivido desde que chegaste, deves ter uma opinião formada acerca do ambiente orfeónico. Muito francamente, queres dizer o que pensas dele ?

— Poucas seriam as linhas, faltariam sempre palavras, se

eu tentasse exprimir algo sobre o que tenhe visto, sobre o que tenho sentido do espírito orfeónico. Sabes que sou, acima de tudo, um sentimental e, embora o tenha já compreendido, não encontro palavras que possam definir o que para um Orfeonista significa uma capa e batina. Pude observar que vocês, assim como amam e vibram pela vossa Pátria, assim amam e vibram pelo Orfeão e pelas tradições que vocês carinhosamente respei­tam. Sinceramente, foi isto o que pude 1er no coração de cada Orfeonista.

— E para finalizar esta curta e despretensiosa entrevista que mais parece «um bate-papo gostoso e familiar», quais são, cm resumo, os teus próximos projectos ?

— Trouxe a Portugal um trabalho de sacrifício de que agora começo a colher os frutos. Entretanto, para os colher, precisei de uma escada e eu a encontrei ao chegar a Portugal. Nela encontrei três degraus e em cada degrau uma letra: 0 . U. P.

Já que esta entrevista é um bate-papo familiar, desejo e exijo que nela conste que usei esta escada para iniciar a minha temporada artística por Terras Portuguesas. É graças ao Orfeão Universitário do Porto que eu poderei apresentar aos portu­gueses o meu trabalho sincero, feito com carinho e vontade de agradar.

Os meus projectos são vários; neste momento encontro-me a poucos dias da minha estreia em Lisboa, no Teatro Avenida. Depois das minhas actuações em Lisboa virei para o Teatro S. João, no Porto, depois do que procurarei levar ao público da província o meu espectáculo.

Ao terminar este «bate-papo» só posso dizer que estou feliz, pois jovens como eu, que não são brasileiros, uniram-se e desta união nasceu a ajuda que eu necessitava.

Quero dizer a todos, do fundo do coração, que neste mo­mento transborda de alegria: OBRIGADO, ORFEÃO.

— Não tens que nos agradecer Poli. É com o maior prazer que te desejamos os maiores êxitos nesta digressão artística a Por­tugal. Obrigado nós, pelas tuas palavras para a Revista ORFEÃO.

OLIVEIRA CARNEIRO

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ORFEÃO — 9

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«In M e m o r i a m »

GONÇALO SAMPAIO

Ele foi meu mestre, já velhinho, e ainda Com a alma alegre, de quem fez da vida

Eterna primavera. Para os seus alunos era - 5 eph^la q*>c«da, Que os icyndtrzia, st i>#-#

^ i j los sóis da sua e! (X Jk>Cu-r\\ - Oj

taya-esfëra

Co -ÍWIO axú vo - ÍVU, — -íô, Ï

%1 í>tv\. A€/W-C£> /WO-VC

t.= ÍS.

*u-<r f t~ r e b r i f f i a r n a W a - c % - «x! E com que orgulho e sem vã quimera, Ele a contempla, refulgente, heróica,

Por toda a nossa história!...

Folclore do Minho, tão grandioso e belo, Amou-o muito; devoção de crente,

Tinha por ele até. Não mais se perderá; eternamente, O transmitiu às gerações futuras,

Cp m toda AI afana e £é £ ^

E essas íCançõesy^ue o noçso povo canta,

SAUDADE ¥ -To-Ao* OMS.-WA t> *»-á.o» As^tirefepeias ^elo^eSpaço^'eoUK) b1*- - Tu^-da/.

Miríades de estrelas.

Saudade, que moras nos olhos, Nos olhos profundos Do amor que eu perdi, Mora sempre Lá nos olhos Desse sonhos que eu não vivi. Saudade, que moras nos olhos, Nos olhos profundos Do amor que eu perdi.

Meus olhos andam sozinhos Vazios do sonho Quem nos teus morou. Só me resta em meu peito A saudade que ficou Dos olhos vazios do sonho Que nos teus morou.

Barros Leite (Letra de um Fado)

E o mestre querido, como grande que era Plàcidamente, com a alma em flor,

Alegre as vai ouvindo. Deixando a colectânea em louvor, Da sinfonia, a retinir além

P'lo ceu azul, tão lindo!... K. = H6.

?Q JfcJftido Sporjiygy^Sv - / vu . - rv\j<^\

Botânico eminente, ele estudou. Do berço ao túmulo, foi grande. Grande

A obra que traduz Uma vida de sábio, que se expande Sempre a subir, e cada vez mais alto

A procurar a luz.

10 — ORFEÃO

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Dias inteiros percorreu e viu, Montes e vales e vergéis em flor

Em busca de verdades. Partia logo ao primeiro alvor, E regressava lá p'rá tarde, quando

Se ouviam as trindades.

Legou­nos um passado de honradez. Saibamos respeitá­lo, veneremos

O grande professor. Na alma dos minhotos, nós o vemos, Saudosamente vivo e relembrado, Com entranhado amor.

Catalogou com seu saber infindo, Quase toda a flora dum país inteiro,

Em chispas de fulgores. Da nossa geração foi o primeiro. Como a Brotero, os que hãfe­de vir um dia

Lhe p r e s t o l o w o ^ , _ _ p ^ ­ ^ g ^ ^ ^

Mal rompe o dia lá está «îe contente ^"7 ^^~ , _ , *—, L . . „ . . i H 1 ­k̂ ív­ <*>«,­&. >«*»• ­v­wat e^>­̂ 0 .̂­¾ nosl'os­ «ews 'alunos^"ce» isaudade sentado a mesa dum trabalho honrado n i J­ ­

­, Respeitamos do mestre a tradição, 8«Aj | . j n j 0 0 s e u ideal.

Preito de gratidão p'ra com aquele, Que muito os venerou por toda a parte,

Os rústicos do Minho. Coleccionou suas canções com arte, E adulou a terra onde nasceu,

E a con A obra grande A «Flora Portôgtues^»,,,?— fcukninâjjjlgia

Dum cérebro gigante.

A «Flora Portuguesa» o grande livro A grande meta dum trabalho ingente

Ficou por acabar, Mas assim mesmo eloquentemente, Nos falará duma grandeza igual

A' vastidão do mar.

Febricitante, olhar em chama, estuda Sem descansar, a nossa flora rica

De espécies tão variadas. Mas a doença vai minando e fica, Preso por ela, sem poder seguai£0

Nas últimas jo

. E asim co'os olhos postos no clarão Da sua vida, com certeza a nossa,

Triunfará do mal.

Morreu o grande mestre, mas a alma Há­de ficar eternamente aberta,

A praticar o bem. Luz dum farol, sempre a brilhar, e aberta Aos que se perdem, neste mar da vida,

P'lo infinito além.

Luiz Roberto de Andrade

Aluno do 5.° ano de Medicina quando escreveu o poema acima.

Não pôde mais; o c o A ç ã o ^ S t e f I" Y LT lJ ? Li ' f f Li ' f Y ' Lí Foi­se extinguindo a pouco eSpotUoo^oo EimCã.w^ -tão, W­<J?>a. Xíu> u*-A'a.-^0^--0--^-0-, wvJía,

rim brevie­^se­ mostrou Como um vaiggTo defcnftnçft, àsiftm p Plàcidamente, rnumaiioite triste. „

VOO A\A\ -Or O- VUXA. ­ a* — ^uv ■

Em êxtase expirou. Estudou muito, com fervor. Viveu Noutras paragens, sonhador altivo,

A procurar o ideal. E lá permaneceu sempre cativo, P'ra honra nossa e p'ra glória eterna

Dum nome: Portugal.

Ele foi grande e modesto como as flores. Sem honras prosseguiu a vida inteira

De dor e de alegria.

^m ANTIGO TESTAMENTO a A N T Ó N I O D E S O U S A

E r a preciso que ele morresse Em nome de um princípio enorme e singular. E o Senhor Omnipotente Matou­o cientificamente Como convém, devagar.

Mas a lua que ele namorava às escondidas Ia beijá­lo de noite à sepultura E molhava a cidade inteira de luar A carpir a morte do amado.

Então o Senhor Omnipotente decretou: «Em nome de um princípio enorme e singular É proibido a lua chorar».

MOURA PACHECO

(Lisboa)

ORFEÃO —11

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Aquela hora de fim de tarde, onde nem a mais pequena brisa fazia oscilar as folhas das árvores do jardim, mesmo postado em frente de meus olhos, eu, sentado numa incómoda cadeira de café, gozava daquela calma que as tardes quentes de Verão parecem exercer no corpo e no espírito dum simples mortal. Nem os automóveis que continuamente cruzavam o meu campo visual, nem as pessoas que vozeavam alternada­mente à minha volta me conseguiam desviar daquele mergulho no pensamento, de que sou tão sôfrego quando o «estiranço» do meu ser é total.

Pensava na notícia que me t inham dado. Lembrava-me da Maria Luísa a quem chamávamos int imamente Milucas. Transportáva-me para alguns anos atrás. Sempre admirei aque­la rapariga.

A Milucas era tão constante de suavidade como de equi­líbrio. Sabia sorrir, sabia conversar e tudo impregnava de simplicidade e serena compreensão. Foram sempre umas ines­quecíveis horas aquelas em que no meio da algazarra folgazã duma reunião, eu me escapava para o fundo duma cadeira e me punha observá-la e a ouvi-la atentamente.

Para um jovem estudante de Medicina como eu predes­tinado à perda de muitas horas na observação profunda de outras pessoas, a curiosidade de tentar vislumbrar através do pouco que elas nos mostram, o segredo e o porquê de tanta diversidade de comportamento atrai-me. E essa é uma das mi­nhas predilectas distracções.

Uma excelente rapariga aquela Milucas. Caminhava com passos miudinhos e sempre fez deles o segredo para os grandes passos da existência.

Ainda a recordo no dia do seu casmento. A Milucas sorria com aquele sorriso satisfeito que exprime os tranquilos prazeres da alma e que parecia dizer:

«Como sou feliz ! . . . Sim, como sou feliz!» E agora a notícia de que ia ser mãe, que a Maria Luísa estava no Hos­pital a contas com um parto difícil. Não sei porquê em mim nada ensombrava a certeza íntima de que tudo correria bem e a minha calma satisfação do momento parecia ser uma an­tevisão consoladora da felicidade que a ela em breve estaria destinada.

Ainda repassando de outras recordações, o meu divagante pensamento voltei-me mais para a rua e ao mesmo tempo que distendia as pernas e me recostava mais na cadeira, vi um colorido grupo de jovens em volta de um excelente carro sport vermelho — não sei se dando 200 ou 300 k/h. Alguns deles começaram a dirigir-se na minha direcção no meio de acenos e saudações tão berrantes como os seus trajes. Ao mesmo tempo que a distância se ia encurtando reconheci a Nela, a Mimi e o Jaime. Fazendo muita algazarra sentaram-se e ali estivemos conversando de muitas coisas e de nada.

Dizia a Nela num alarido gutural simbiosado com um alarido de gestos e movimentos pendulares das longas madei­xas de cabelo que lhe encobriam ora sim ora não os olhos:

— Sabes Zé, o Jaime deixou-me guiar o carro e consegui somar 150 na recta do Carvalhal. Uma «bestialidade» não achas « p á » ? . . .

Disse que sim admirado e continuei com os olhos pre­gados nos dela o que lhe devia ter dado ponto de part ida para continuar.

— O carro ao entrar na curva derrapou e passou a milí­metros dum poste e dum homem que puxava uma carroça — ou lá o que era. Como acho giras estas emoções fortes! — concluiu num largo sorriso.

E ria, dando palmadas em todos os companheiros e em mim! Tive a sensação de toda aquela gente que nos rodeava, olhava obliquamente para nós.

— Sabes que a Milucas vai ter um bébé e parece que . . .? Voltei a dizer que sim mas que esperava tudo corresse

bem, pois não devia ser caso de sérias apreensões. — Que doida foi a Milucas! . . . Ai esta liberdade! . . . —

e logo a seguir lançou um suspiro que me pareceu fazer mexer as próprias árvores do jardim. Todos se r i ram e eu . . . Tam­bém, embora enquanto o riso deles se espraiava ainda num largo sorriso, o meu há muito que devia ter desaparecido, pois logo a seguir a Nela voltando-se para os companheiros disse:

— Vámo-nos embora que este tipo está «morto». Lá te esperamos na festa do Jonas! . . .

Verdadeiramente eu estava como que especado no final desta torrente de palavras, de sentenças e gesticulações.

Saudaram-me efusivamente e lá foram em conjunto for­mando o mesmo colorido da chegada. Ainda ouvi a Nela dizer:

por

S a m p a i o F a r i a

«Jaime deixas-me guiar amanhã na auto estrada? . . . fiquei tão emocionada hoje pá».

Acenei um adeus furtivo e fui-os vendo desaparecer no fundo da rua até que tudo acabou quando a mancha vermelha do automóvel se sumiu na primeira curva.

Encolhi as pernas, pedi um «pingo» e fiquei de novo a pensar nos flagrantes que a vida real nos pode most rar em tão curto espaço de tempo.

Sim, num curto espaço de tempo arranjei material novo para o meu pensamento e para pôr à prova o meu juízo crí­tico: A emoção de Nela e a emoção da Milucas. Como eram diferentes, meu Deus! . . .

A Nela buscava-as totalmente. Uma desequilibrada, uma fútil, e uma inútil era o que ela era. Quando começaria a pensar na verdadeira Beleza da Vida?

A Milucas não as buscava, sabia que a própria vida lhe traria tantas emoções, as maiores e mais belas emoções. Sim, desta vez iria ou não ser mãe? Seria ou não uma mulher feliz?

Estava já escuro quando dei por mim e apressadamente levantei-me. Enquanto pagava, arrumei também mais este fla­grante no seu «arquivo» e afastei-me lentamente embrenhando--me aos poucos no bulício da cidade.

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»2 — O R F E Ã O

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6 éPai Matai Naquele dia tinha sido o diabo lá em casa ! Desde

a avó até à velha Margarida, tudo andava numa fona, nem que tivessem visto bicho! Mas o Miguel sabia bem a razão, e guiado por aquele cheirinho, foi di­reito à cozinha, a ver se encontrava algum tacho de «formigos» mal rapado e fazer mais uma colheita de pinhões para a noite...

Todos os anos pelo Natal era aquilo. Tudo tra­balhava minha gente! Até ele, embora a avó o não quisesse por aqueles lados...

— Vá! Toca a andar, que a cozinha não é para homens !

Mas qual! Ela distraía-se e quando voltava a olhar... Nem mais ! Lá estava ele !

— Õ avó ! Pois não vê que estou a ajudar ? ! Dei-xe-me descascar os pinhões...

E lá ia mais uma mão cheia de pinhões para o bolso! Mas a velhota virava-lhe as costas a rir-se. Diabo do rapaz!...

— Oh! Ponho-me para aqui a dar-te atenção e as «rabanadas» a queimarem-se! Margarida! Acuda depressa, que se queimam as «rabanadas»!...

Mas as «rabanadas» salvaram-se e os pinhões ainda sobraram para à noite se jogar o «rapa» e o «par-ou-pernão». Só o Miguel destoava na calma que reinava ao redor da braseira. Desde o jantar que ele, constantemente, olhava o relógio grande que, lenta­mente, ia rilhando o tempo no seu seu tique-taque monótono. E se algum galo adiantado esticava o pes­coço para repenicar o seu grito, todo ele estremecia e voltava a olhar, receoso de se ter enganado.

— Parece que tens bichos carpinteiros! Era o pai, a julgar saber a razão daquele ner­

vosismo. Mas não sabia. A razão era outra. Estava naquele riso do João, o filho do merceeiro, quando à tarde se tinham junto todos na Pedra Grande do jardim, para jogar os pinhões. Quando o Miguel se levantou para ir embora, o outro zombou:

—-Olha, olha! Escrever ao Pai Natal! Isso é para as crianças!...

A verdade é que ele pouco mais velho era, mas os mais novos consideravam-no como chefe, porque sempre sabia mais do que eles. Uma vez veio dizer que a gente antes de nascer, andava dentro da mãe ! Que não acreditassem! Bem o tinha ouvido à Engrá-cia, a criada do senhor Guimarães, que tinha ido à loja do pai... Bem lhes custou a engolir essa... Agora era o Pai Natal!...

— Então tu não sabes que não há Pai Natal?! E lá vinha para confirmar, a enorme defesa do

nome do senhor Augusto, que era o padrinho do irmão.

—Mas, claro, tu ainda és pequeno. Para não se fazer fraco, lá aguentou mais um

bocado, a fingir que acreditava, mas logo que pôde,

p o r B A R R O S LE ITE

deitou a correr pelo largo fora, para ir mesmo escre­ver ao Pai Natal.

Que não havia Pai Natal!... Essa agora! Então quem é que dava aqueles brinquedos todos que apa­reciam nos sapatos à beira da chaminé? Deixá-lo, que quando ele aparecesse com o automóvel grande que ia pedir, um igual ao do senhor Guimarães, eles haviam de ver...

Mas... e se não houvesse Pai Natal?... Uma agulha invisível fez-lhe doer o peito... Se não hou­vesse Pai Natal...

Por fim o pai anunciou que o Pai Natal devia estar a chegar e toda a gente tinha que ir para a cama. Mas o Miguel não queria. Lá para o quarto foi ele, mas para a cama!... Nem que ele pudesse dormir!... Mas aquilo era assunto lá dele, não era para contar.

De repente sentiu barulho na cozinha. Assustou--se a princípio, mas depois ganhou forças. Era agora! Abriu a porta do quarto e viu tudo escuro. Mas lá no fundo do corredor, por baixo da porta da cozinha, havia uma réstea de luz. Lembrou-se dos ratos que sempre lhe meteram medo, dos ladrões, mas corajo­samente continuou. Quando chegou à porta, susteve a respiração, contou até três e espreitou.

Lá dentro, junto à grande chaminé, o pai e a mãe liam uma carta. O pai sorria.

— Imagina que não se contenta com pouco! Queria um automóvel a sério... «igual ao do senhor Guimarães»... E logo um espada daqueles!...

E a mãe, sorrindo também, punha dentro do sapato pequenino um automóvel de corda, todo pin­tado e cromado, quase tal e qual o automóvel grande do senhor Guimarães.

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ORFEÃO — 1 3

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Q)os mais castiços Não queremos ser vaidosos, mas temos razões para afir­

mar que os Fados constituíram o número de maior êxito no espectáculo de Moçâmedes. Basta dizer-vos que no dia seguinte o jornal da cidade, «O Namibe», nos dedicou uma notícia espe­cial, situada em destaque na últ ima página. Ei-la:

«Como as coisas 'stão mudadas houve, p'ra nosso conforto, uns fados e guitarradas agora à moda do Porto»

A notícia dispensa comentários, suficiente na sua elo­quência. Só não compreendi o alcance do primeiro verso, uma vez que a situação se mantinha! . . .

Dia 2 de Setembro. Na noite anterior o Orfeão batera com o pé à Comissão Central e deliberou permanecer em Mo­

çâmedes. Era este o seu primeiro dia de descanso, após duas semanas de correrias por terras de Angola.

Enquanto almoçávamos, ouvíamos distraídos, o noticiário difundido por «Rádio Moçâmedes».

« . . . m e d i d a essa de grande alcance para o desenvol­vimento da indústria petrolífera de Angola. Notícias de Moçâ­medes: Hoje, depois da sessão de cinema, realiza-se diante do Palácio da Justiça, grandiosa Serenata Monumental dedicada à Cidade. As autoridades . . .»

Olhei para o Tião: — Ouve lá, existirá aqui, em Moçâ­medes, algum grupo de Fados que nos queira fazer concor­rência? — inquiri-lhe, num tom eivado de falsa inocência.

— Palerma ! — retorquiu o Tião maliciosamente — Não vês que isto é mais uma inovação da nossa Direcção? Agora até se dá ao luxo de avisar os Orfeonistas pela Rádio ! . . . Logica­mente, quem vai fazer a Serenata, logo à noite, somos nós. Percebeu, «minino» Beirão?!

— Perceber não percebi, mas já decorei, «minino» Tião! Olha lá! A Serenata será «Monumental» para não destoar da nossa exibição de anteontem que foi uma «barraca» monu­mental?

Envergonhado, o Rui baixou a cabeça e passou a preocu-pai-se exclusivamente com o bife que tinha no prato . . .

No início da madrugada realizámos a Serenata Monu­mental. Embora a hora fosse já tardia, a escadaria que dava acesso ao Palácio da Justiça estava pejada de pessoas, entre as quais se distinguiam as capas traçadas dos colegas que, naquele momento, manifestavam, com a sua presença, incon­dicional apoio aos «fadistas boémios». O ambiente que nos rodeava era, de facto, propício à nossa actuação: o público

silencioso, dominado por atenta espectativa, os colegas cochi­chando alegremente, dirigindo-nos de quando em vez ditos galhofeiros . . . a cidade adormecida estendida a nossos pés, tenuemente iluminada pela lua cheia . . . tudo se conjugava para que a Serenata decorresse em nível aceitável.

E sem dúvida que decorreu! A oportunidade de desvane­cer a má impressão deixada pelo Conjunto de Fados no pri­meiro espectáculo fora plenamente aproveitada! A honra estava salva !

E perante o êxito da nossa exibição, não pude deixar de pensar : «Amanhã tenho de comprar também uma caneta nova . . . para assinar autógrafos ! . ..»

/ / Se da primeira vez que estivemos em Sá da Bandeira

deixámos fraca impressão das nossas qualidades de «boémia», dado o estado de tensão nervosa e cansaço físico provocado pela série contínua de espectáculos em cidades distantes de muitas centenas de quilómetros, o mesmo se não pode dizer quando por lá passámos a fim de tomar o avião que nos conduziria a Luanda. Nessa noite não havia qualquer respon­sabilidade a c o n s i d e r a r . . . a não ser a de mostrar aos «cas­tiços» de Sá da Bandeira, alguns dos quais antigos orfeonistas, que o espírito boémio não morrera dentro do Orfeão e que aquela apatia que manifestáramos dias antes não fora mais que mero acidente.

Não tivera contestação a ideia, ditada pelo sentimenta­

lismo do Rogério, de dedicarmos uma Serenata a uma simpática cachopa (muito mais que simpática, a ajuizar pelo daguerreó-tipo ! . . .) que conhecera anos atrás, aquando da sua primeira visita a Angola. Não esqueçamos, é hábito do Conjunto de Fados ajudar a cimentar a «amizade» entre as pessoas . . . desde que «metade» delas obedeçam a determinadas características e padrão !

Lá fomos . . . guiados pelo Rogério, bússola infalível dos caminhos escuros de Angola, cujo sentido de orientação nunca,

de todos... - "Ml"" ( C o n c l u s ã o d o n ú m e r o a n t e r i o r )

nunca dera a menor prova de estar avariado!!! Atravessámos pinhais e descampados, ribeiros, terrenos firmes e lodaçais, saltámos muros c sebes, num autêntico e estafante corta-mato. Finalmente, quando já julgávamos ter atingido a costa orienta) da África, numa aventura que em nada invejaria a proeza at. Capelo e Iveis, deparou-se-nos uma casinha isolada, envolta no mais profundo silêncio.

Sem hesitação, Rogério dirigiu-se para a moradia do lado esquerdo: — «É aqui, malta, não façam apreciações muito alto que ela está a ouvir!» — e sem dúvida que se sentia emocionado!

Abancamos frente à janela da «escolhida», esforçámo-nos por fazer o nosso melhor: a moça merecia-o! Eis senão quando

Ontem ccrtio hoje,

hoje como amanhã, o

conjunto de &ados

mantém bem aceso e vivo

c espíiitc académico da

Juventude cifecnistaí

14 — ORFEÃO

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se abre a janela e . . . francamente, no retrato a moça não tinha bigode nem barbas , nem uma figura tão esguia de «nada por todos os lados»! E então a voz ! — «Agradeço-lhes muito terem vindo fazer-me uma serenata mas essas coisas já não são para a minha idade! Além disso, levanto-me todos os dias às quat ro da manhã para trabalhar e pedia-lhes que não me incomodassem mais!»

Assarapantado por tão insólito acontecimento, supus, muito logicamente: «Diabo, o valdevinos do Rogério enganou--se outra vez e trouxe-nos para debaixo da janela do pai da miúda! Quando é que aquele rapaz ganha juízo?!» Sim, porque me recusava terminantemente a admit ir que a rapariga dor­misse no quarto do pai! . . .

Na realidade, porém, o engano fora muito pior, pois a dama dos sonhos desse momento do Rogério vivia, afinal, na casa pegada e, decerto, poderia pensar tudo menos que o Ro­gério a trocasse por um velhote com muito menos encantos pessoais!

Coisas da vida, o «ir buscar lã e vir tosquiado»! Mas prometi a mim mesmo que, quando fôssemos fazer outra Sere­nata a pedido do Rogério, antes de a iniciarmos havia de bater à porta e chamar a menina para lhe ver bem a carinha e, assim, evitar equívocos daquele género! Não, não !!! Desde esse dia que deixei de confiar no . . . bom gosto do Rogério! . . .

• * *

Embora iniciada sob o signo do azar, a noite, afinal, acabou por constituir uma expressiva manifestação de comu­nhão de sentimentos e saudade que jamais será esquecida, creio-o bem, por quantos nela part iciparam.

Após termos corrigido a inesperada situação criada pelo apurado «sentido de desorientação» do nosso fadista, dirigimo--nos para o «Casino do Monte» onde os orfeonistas confrater­nizavam alegremente com os «boémios castiços» — sim, porque também há boémios que de castiços nada têm! as palavras não são sinónimas ! — confraternizavam, como dizia, com os boémios castiços de Sá da Bandeira que não quiseram perder a oportunidade de conviver connosco.

E se, na ausência do Conjunto de Fados, correra já muita cerjeva, a nossa presença fez correr muitas lágrimas de emo­ção que caíam dos olhos de pessoas que, provavelmente, já nem sabiam o que era chorar! Só quem os escutou «No nosso Portugal é uso antigo». «O meu menino é d'oiro» e muitos fados mais é que poderá compreender, porque o viveu, o estado colectivo de espírito dos presentes. Se alguns choravam apenas exteriorizando sentimentalmente a saudade que os i n v a d i a . . . outros choravam em face da realidade que lhes dizia, nas entrelinhas dos versos cantados : «Os tempos de tua juventude passaram inexoravelmente, jamais voltarão e o que agora vives não é mais que uma recordação que amanhã terás de esque­cer !»

Nada mais acrescentarei: é duro ter que pensar que a nossa hora um dia chegará também . . .

* * *

Luanda constituiu o terminus da inesquecível digressão a Angola. Cidade maravilhosa, em muitas características supe­rior a qualquer cidade metropolitana, onde tudo é amplo e desafogado porque espaço não falta, onde a variedade e diver sidade de aspectos adquire uma riqueza especial, mistura do gosto ocidental com o tipicismo africano, influenciada pelo clima ardente que exalta a imaginação e o poder criador das pessoas.

É uma cidade que favorece a dispersão de um grupo nu­meroso como o Orfeão, dado ainda o facto de grande par te dos orfeonistas estar alojada em casa de familiares ou pessoas amigas; no entanto, o espírito de união continuou firme e são numerosas as peripécias que deixaram funda lembrança em nossa mente.

Um dos episódios mais castiços e que vou recordar passou-se numa das típicas «casas de fado», denominada «Retiro da Saudade», onde se procura manter as velhas tradições do fado lisboeta. Foi na noite do último espectáculo: após este, cada um seguiu seu caminho, pensando divertir-se da melhor maneira nas últ imas horas a passar em terras angolanas. Tudo parecia indicar que a «boémia artística» terminara.

Acompanhados por algumas pessoas amigas, eu e «minha menina» percorremos alguns «cabarés», br indando por todo e qualquer pretexto e acabámos por entrar no «Retiro da Sau­dade» onde, segundo diziam, existiam umas «fadistas» de muita

classe, isto é . . . com voz agradável e muito sentimento no cantar. Na verdade, não fui só eu a aceitar como verdadeira tal opinião pois, após mim, outros orfeonistas — os «habitués» após espectáculo, entre os quais, como não podia deixar de ser, os componentes do Conjunto de Fados — entravam em pequenos grupos e se vinham abancar nas mesas próximas

Curioso, por um acaso que mais parecia ter sido combi­nado, tinham-se reunido os fadistas, acompanhados pelas res­pectivas «armas de combate». O ambiente puxava, os aplausos dirigidos aos «castiços de boné e samarra» pareciam protestar, troçar mesmo do nosso mutismo! E, em certo momento, aceso o rastilho, deu-se a explosão: instrumentos afinados, gargantas a postos, rompemos em despique com os «senhores da casa».

Batemo-nos galhardamente com o Fado de Lisboa durante toda a noite, al ternando as actuações; finalmente, à laia de tréguas, já que nenhum dos adversários dava mostras de retro­ceder, iniciámos em conjunto uma série de «Quadras ao Desa­fio» que tiveram o condão de condimentar devidamente o am­biente— qualquer delas mais «picante» que o próprio ««jin-dungo»!

Sem dúvida que a proprietária do «Retiro da Saudade» apreciou aquele espectáculo, inédito em sua casa! Os orfeonis­tas comeram e beberam sem se preocuparem com o último prato da refeição: aquele que traz a conta! Imaginem, até o Sampaio Faria comeu! . . .

Era já manhã quando saímos a vaguear pela cidade adormecida. E, quando chegámos à baía, entrava no porto o «Infante D. Henrique» . . . o vapor que nos traria de regresso ã Metrópole !

* * * Muitos outros episódios ficam por narrar ; sem dúvida

que é impossível transcrever com fidelidade e realismo tudo quanto nos disse respeito nas andanças do grupo fadista por Angola. A narração por escrito peca desse defeito: nem sempre consegue transmitir aquele colorido, aquela variedade e riqueza de pormenores que, em certos acontecimentos, constituem o essencial. É preferível, então, fixar um ligeiro apontamento e deixar ao cuidado e . . . à imaginação dos protagonistas o con­tar de «como as coisas se passaram». Se Camões nos tivesse acompanhado ao Ultramar, talvez tivesse escrito

«Mais vale experimentá-lo que ouvir contá-lo, Mas oura-o quem não pôde experimentá-lo!»

Mas creio ter atingido a finalidade que me propus ao iniciar esta despretenciosa crónica: não permit ir que ura? série de factos aparentemente sem valor, na essência traduzindo um esforço contínuo no sentido de prestigiar o nome do Orfeão, uma vontade firme de levar ao Ultramar o espírito tradiciona­lista académico, fossem esquecidos.

Como grupo organizado, o nosso Conjunto de Fados dei­xou de existir quando desembarcámos em Lisboa. Ainda cum­priu a sua missão a bordo do «minino Infante», actuando nos dois espectáculos que oferecemos aos passageiros e tripulação. Desta vez, as culpas das fífias couberam à «baldeação»! . . .

Foi o «canto do cisne» . . . Mas o espírito que nos animou durante aqueTe5"~dias todos

não morreu! Continuou, existe ainda e, se algum dia for pre­ciso . . . os «dos mais castiços de todos» tomarão, firmes como dantes, o seu antigo posto!

A L E L U I A A V E I R O

A Z U L E J O S L O U Ç A S

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ORFEÃO — 1 5

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P E L A U N I V E R S I D A D E

Abertura Solene das Aulas No passado dia 16 de Outubro do corrente ano, os

Srs. Ministro e Sub-Secretário da Educação Nacional, proce­deram à abertura solene das aulas da nossa Universidade.

Sendo um acontecimento sempre de grande significado tanto para os que iniciam a sua carreira universitária como para aqueles que entre as labutas académicas se esforçam por concluir os seus cursos não nos é possível deixar de referir tão importante facto embora que resumidamente.

Ao acto presidiu o Sr. Professor Dr. Inocêncio Galvão Teles, ministro da Educação Nacional, que era ladeado à sua

Falou em primeiro lugar o Sr. Prof. Dr. Manuel Correia de Barros, Reitor da Universidade que antes de 1er o seu bem elaborado relatório se dirigiu ao Sr. Ministro da Educação Nacional com palavras de agradecimento pela honra da sua presença e saudou o Sr. Prof. Alberto Carlos de Brito, Sub--Secretário da Educação Nacional, cuja presença classificou de «familiar», embora desta vez tenha sido subida honra recebê--lo como Sub-Secretário da pasta da Educação.

Agradecendo a presença de todos, dirigiu-se em especial ao O. U. P. a quem dirigiu as seguintes palavras : — «Agradeço

O Senhor Ministro da Educação Nacional preside à Sessão

direita, na mesa de honra, pelos Exmos. Srs. Professores, Dr. Alberto Carlos de Brito, Sub-Secretário da mesma pasta, Dr. Arnaldo Madureira, Director da Faculdade de Ciências, Eng.° Farina de Almeida, Director da Faculdade de Engenharia e tendo à sua esquerda o Sr. Professor Dr. Manuel Correia de Barros Reitor da Universidade, Professor Dr. Gonçalves de Aze­vedo Director da Faculdade de Medicina e Professor Dr. Laroze Rocha Director da Faculdade de Farmácia.

Nos seus lugares habituais, ladeando a mesa de honra, encontravam-se todos os professores catedráticos. No estrado, os representantes dos alunos de todas as faculdades, exibindo as respectivas insígnias académicas, ocupavam os seus lugares.

Agradeço ao Orfeão Universitário do Porto o ter vindo, mais uma vez, emprestar a este acto o brilho da sua Arte e da sua Juventude...

O Salão Nobre encontrava-se completamente cheio, vendo--se nas primeiras filas da assistência entidades civis, militares e religiosas.

O grupo coral do Orfeão Universitário do Porto estava instalado ao fundo da sala e deu início à sessão entoando sob a regência do Maestro Afonso Valentim, o Hino Nacional, que toda a assistência escutou de pé.

ao 0. U. P. o ter vindo mais uma vez emprestar a este acto o brilho da sua arte e da sua juventude, com sacrifício que se aprecia, sabendo o pouco tempo que tem para ensaios e em pleno período de exames».

Em algumas FacuMades, os planos de estudo são antiquados.

Passou em seguida à leitura do relatório acerca do ano escolar transacto tendo bem uma introdução em seguida ao que se referiu à eficiência do ensino, de que destacamos as seguintes palavras : — «Em algumas Faculdades, os planos de estudo são antiquados» — na Faculdade de Ciências por exem­plo, salvo algumas alterações de pormenor, têm mais de 50 anos». Mais adiante ao referir-se ao comportamento da parte docente da Universidade apontou: — «O principal vício que noto é o abandono das aulas teóricas, conjugado com um es­tudo feito à última da hora por textos das lições, muitas vezes mal recolhidos e velhos de vários anos. Para evitar que os estudantes adquiram o mau hábito de que estou a falar, pode convir que se torne menos brusca a passagem do regime de cursos presos em vigor nos Liceus para o de cursos livres que existe na Universidade.

16 — ORFEÃO

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Construir um curso intermediário entre os Liceus e a Universidade.

Isso poderá talvez fazer-se quando, a exemplo de tantos países estrangeiros passar a pertencer ao curso dos liceus, devidamente alongado a matéria inicial dos actuais universitá­rios; ou como tantas vezes se tem sugerido, constituir um curso intermediário entre os Liceus e a Universidade. Poderiam então intercalar-se, entre os dois regimes actualmente em vigor, um ou dois anos de transição com assistência obrigatória às aulas teóricas, mas sem chamadas orais para interrogatório». Mais diante, o Sr. Prof. Dr. Correia de Barros, depois de se referir à Universidade e à educação, apreciou a actividade das diversas Faculdades. Acerca da Faculdade de Ciências disse a certo trecho : —

Análise dos problemas concernentes às di­versas Faculdades pelo Magnífico Reitor da Universidade do Porto.

Efectivamente, a Faculdade de Ciências não tem podido mais do que adiar, de ano para ano, a crise gravíssima que a ameaça desde que a sua frequência aumentou fortemente e que pode precipitar-se nos anos mais próximos, por estarem no limite de idade bastantes professores. É indispensável que se entre rasgadamente, pelo caminho das reformas que as actuais condições da Faculdade exigem : — aumento do quadro, modificação do regime de recrutamento e contrato de assis­tentes. Em referência à Faculdade de Medicina foi dito: «Quan­to às necessidades mais prementes no que se refere às exigên­cias do ensino, não pode deixar de se frisar quanto este se ressente na Disciplina de Medicina Legal onde esse ensino é ministrado».

Sobre a Faculdade de Engenharia foram apontadas as cinco necessidades mais instantes :

a) Adaptação do Quadro Docente aos novos planos de estudo em vigor

b) Revisão do regime de estudos c) Equipamento conveniente dos laboratórios d) Aumento de certas dotações orçamentais e) Ampliação do Laboratório de Química Industrial.

Na Faculdade de Farmácia, conforme acentua com satis­fação «nada há a dizer das nossas relações com os alunos e do comportamento destes senão que foram exemplares o que confere a toda a vida da Faculdade um ambiente de sã e agra­dável convivência. Contribui para tal a atitude sempre ponde­rada da Direcção da Associação de Estudantes.

D U A S C A S A S

que tudo o que fabricam e vendem é bom

P R I M A R C O N F E I T A R I A

— SALÃO DE CHÁ

R U A D O C A R M O

FILIAL : --Rua Mártires da Liberdade, 139-145

Tel. P.P.C. 25858 - 28458 - PORTO

Quase a terminar, o orador referiu-se ainda nos seguintes termos à Faculdade de Economia e de Letras: «Outra dificul­dade vai também encontrar a Faculdade de Economia a partir do próximo ano lectivo: Por ter completado dez anos de exis­tência deixa, nos termos do diploma que a criou, de poder contratar encarregados de cursos». A terminar disse ainda refe-rindo-se à Faculdade de Letras:

Por causa do aumento do número de anos de cada curso que nela serão versados, será preciso resolver sem demora acerca da futura instalação da Faculdade».

Depois da leitura do relatório pelo Exmo. Senhor Pro­fessor Dr. Manuel Correia de Barros procedeu-se à distribuição de prémios que foram entregues pelo Senhor Ministro da Edu­cação Nacional, tendo a destacar entre outros a nossa distinta colega orfeonista Maria Antonieta Vieira Aveiro que foi galar­doada com o prémio «Associação dos Antigos Alunos da Uni­versidade do Porto». Não podemos deixar de nos congratular com o facto que tanto significado tem para a família orfeónica.

«Sobre a evolução histórica do pensamento científico. Nótulas interpretativas». — Foi o tema da Oração de Sapiência.

O Orfeão Universitário do Porto entoou a «Proposição d'Os Lusíadas», começando logo após isso o Sr. Prof Dr. Antó­nio de Mendonça Monteiro a 1er a sua «Oração de Sapiência» subordinada ao título: — «Sobre a evolução Histórica do Pensa­mento Científico — Nótulas Interpretativas», onde fez então uma pormenorizada e clara dissertação do valor histórico acerca daquilo a que os historiadores chamam «milagre Grego», aquele surto de civilização que se localizou geograficamente na parte do Mediterrâneo Oriental e que ocorreu entre o ano 650 antes da nossa Era até meados do Séc. V depois de Cristo.

Continua o Sr. Professor Mendonça Monteiro a historiar a evolução do pensamento científico, tendo dito quase no final da sua «oração»:

«O renascimento científico é a antecâmara actual. Iniciou--se em Itália, com Leonardo de Vinci e em Portugal com o Infante D. Henrique. A cronologia dá-nos prioridade. Aos de­tractores profissionais ou gulosos da fazenda alheia, que quei­ram negar o espírito científico renascentista da Escola do Infante, dir-se-á que se não bastam as obras de Garcia de Orta, D. João de Castro, Duarte Pacheco Pereira e Pedro Nunes, a viagem do português Fernão de Magalhães, ensinado naquela escola, é a verificação da imagem da esfericidade da Terra que a observação tinha sugerido aos astrónomos de Alexandria e que constituiu uma conquista fundamental para a ciência».

A sessão foi encerrada em seguida em nome do Sr. Mi­nistro da Educação Nacional.

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ORFEÃO —17

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P Á G I N A D O O R F E Ã O

Festa òe recepção No passado dia 18 de Novembro, realizou­se no

Salão Nobre da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, uma festa de recepção aos caloiros do Orfeão Universitário do Porto.

Simples, mas de valioso e interessante significado constituiu um acontecimento que certamente jamais sairá da memória daqueles que este ano pela primeira vez entraram no seio da «família orfeonista».

Com a sala cheia de público, na maioria família de actuais elementos orfeonistas ou antigos orfeonis­

tas, o espectáculo iniciou­se com o Hino Nacional, que o grupo coral do O. U. P. entoou sob a regência do Maestro Afonso Valentim, enquanto a assistência o escutava de pé.

Falou em seguida o Presidente do O. U. P. — Ismael Cavaco^que num breve mas oportuno improviso explicou a todos os presentes a finalidade e significado daquela festa, afirmando em dado momento: «— É uma festa da família orfeónica e permitam­me portanto que nos consideremos em família neste momento.»

Depois seguiu­se o grupo coral que distinguiu o público com várias peças do seu reportório. Antes de «A Proposição de Os Lusíadas» com que terminou a sua actuação, falou o orfeonista mais antigo, Flávio Serzedello, que em ligeiras mas significativas pala­

vras apelou para que os caloiros meditassem um pouco na dura tarefa e responsabilidades que sobre eles re­

caíam a partir daquele momento. Em determinada al­

tura disse: — «O Orfeão está dependente de vós, em breve sereis vós os seus dirigentes, os responsáveis pelo seu destino.» Mais adiante e ainda dirigindo­se aos ca­

loiros afirmou: — «Sobre cada um de vós pesam mais de 50 anos de tradições, que sobre aquele estrado, em qualquer parte, tereis de manter com dignidade para honra e glória do meu e vosso «Orfeão».

Foram então chamados ao palco, um a um, todos os «caloiros» a quem os Directores entregaram o em­

blema do O. U. P., como que a simbolizar o momento solene em que pela primeira vez subiam ao palco em representação do Orfeão.

Como de costume foram chamados ao palco os antigos Orfeonistas presentes e então, todos juntos —­

antigos, actuais e caloiros ■— entoaram a Proposição de «Os Lusíadas» com que terminou a actuação do coral.

A n t i g o O r f e o n i s t a i n sc r eve ­ t e c o m o sóc io c o n t r i b u i n t e a u x i l i a r d o O. U. P .

18 — O R F E Ã O

aos caloiros òo 0. ( I . P. Seguiu­se o grupo de Fados do O. U. P. que pe­

rante uma assistência interessada mas silenciosa — conforme «manda» a praxe ■— entoou uma serenata que foi dedicada às colegas caloiras.

A festa continuou com o habitual Noticiário — sempre tão apreciado pelo público — e diversos núme­

ros de graça académica. Chegou então o momento tão ansiosamente espe­

rado por todos: ia entrar no palco para a sua primeira actuação em público o grupo de Mornas do O. U. P.. No final os aplausos da assistência foram mais que suficientes para confirmar o êxito da sua actuação. Realmente o brilho foi tal que tiveram de bisar um dos números executados.

O espectáculo aproximava­se do fim. A Tuna ser­

viu de chave para o encerramento e realmente fê­lo com o esperado luzimento. Será um espectáculo que certamente nenhum componente da Tuna esquecerá. A comprovar esta afirmação está o facto de ter sido a última vez que o regente José Belarmino Soares, esteve no palco nessa função, atendendo a que está presente­

mente a cumprir serviço militar. Foi no meio da maior comoção que o fez e ainda mais por lhe ter sido dedi­

cada a actuação da Tuna naquele dia. No meio dos abraços de todos os componentes da Tuna e de quase fo !os os Orfeonistas, o colega José Belarmino não conseguiu esconder uma lágrima de saudade.

E assim terminou num ambiente deveras acolhe­

dor c familiar a festa de recepção aos caloiros do Or­

feão Universitário do Porto.

A, A. Baptista

O r f e o n i s t a

USA O E M B L E M A D O O. U. P .

AGÊNCIA EDITORIAL

SUCR. AUG. VALENTE, SUCR. REPRESENTANTE DAS CASAS EDITORAS DE PARIS:

LIVRARIA MALOINE, LIVRARIA LAROUSE E A R I S T I D E S Q U I L L E T

R. DA FÁBRICA, 38 ­3." ­ SALA 37 TELEF. 20785 PORTO

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N O T I C I Á R I O PROGRAMA RADIOFÓNICO DO OUP

— Graças à gentileza e compreensão do conhecido locutor e produtor do programa «Última Hora», Sr. Carlos Silva, o O. U. P. envia para o ar o seu Programa Radiofónico, todos os quinze dias, às 0 ho­ras e 30 minutos de quinta-feira, nos Emissores do Norte Reunidos, C. S, B. 4, o Orfeão comunica com o público rádio - ouvinte oferecendo-lhe os seus can­tares, a sua música e a sua boa «disposição».

Dos Antigos Orfeonistas a quem principalmente se dedicam estes programas, esperámos o melhor aco­lhimento por esta iniciativa e principalmente o calor do seu nunca desmentido carinho, que estamos certos, se manifestará pelas sugestões e colaboração que en­viarão aos Serviços Radiofónicos do O. U. P. — Orfeão Universitário do Porto — Faculdade de Letras — Porto.

O próximo programa, o 3.° da série, tem lugar no próximo dia 26 pelas Oh. e 30 m.

NOVOS CALOmOS

— Garantindo a continuação do organismo através das gerações, entraram este ano para o nosso Orfeão cerca de 70 novos orfeonistas, que foram carinhosa-mente recebidos pelos «velhos», sendo-lhes oferecido um Sarau de Recepção no passado dia 18 de Novembro, do qual damos notícias pormenorizadas, neste número de «Orfeão».

«Orfeão», na certeza de interpretar o sentido de todos os Orfeonistas, dirige aos caloiros as suas me­lhores saudações e o desejo de que depressa se trans-formem nos Orfeonistas que todos desejámos.

ALBERTO POLI

— Por grata incumbência do Orfeão Português do Rio de Janeiro, teve o O. U. P. a honra e o prazer de apre­sentar ao público teatral portuense, o categorizado actor universitário brasileiro Alberto Poli.

Nas duas sessões de ante-estreia realizada no Salão do T. E. P. em 16 e 17 de Agosto passado, este jovem

D a n k a l — Induto plástico para uma boa deco­ração do seu prédio.

Dankal — Não pinta—embeleza os prédios onde foi aplicada.

Dankal — A sua real publicidade encontra-se dentro das suas embalagens.

Dankal — Não há problemas na decoração. Dankal — E m 200 cores fixas e garantidas. Dankal — Garante o que fabrica.

PORTO RUA DO CAMPO LINDO, 335

TELEF. 491106

mas categorizado actor apresentou-nos o conhecido e apreciado monólogo de Pedro Bloch, Mãos de Eurídice, tendo merecido da crítica as mais elogiosas referências.

Ao colega Poli que agora inicia a sua digressão artística em Portugal, deseja «Orfeão» os melhores êxitos.

Actividade Artística da OUP — Além do mencionado Sarau de Recepção aos Novos Orfeonistas, realizado no dia 18 de Novembro último, o O. U. P. colaborou no Sarau de Recepção aos Ca­loiros Ultramarinos, realizado no passado dia 13 no Salão Nobre da Faculdade de Engenharia e na Aber­tura Solene da Exposição dos Artistas Médicos, come­moração do 25." Aniversário da Ordem dos Médicos, realizado no dia 14 do corrente, no Salão Nobre da Faculdade de Letras, com a honrosa presença do Sr. Ministro das Corporações.

Integrando-se nas festas da Quadra do Natal o O. U. P., realizou ainda um Sarau na Casa Abrigo do «Lar do Comércio» em Catassol, dedicado aos benefi­ciários daquela associação e no próximo dia 18 do corrente, efectuar-se-á outro no Hospital Escolar de S. João, este dedicado aos doentes e funcionários da­quele estabelecimento Hospitalar.

De destacar esta intensa actividade, sinal seguro de que o O. U. P. caminha para o futuro com passos seguros e confiantes.

— Entre as principais realizações e empreendimentos do O. U. P. para o prórimo ano lectivo, conta-se a realização de um Sarau em Lisboa e a digressão Artístico-Cultural ao Brasil.

Esta iniciativa que das Autoridades Portuguesas e Brasileiras tem recebido o melhor acolhimento, foi um dos motivos da recente deslocação a Lisboa de uma representação da Direcção do O. U. P.

PREVISÃO

Prevê-se para 1964 «bichas» ainda mais com­pridas. . . lá...

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ORFEÃO —19

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musicólogo «Já não tenho horas vagas, nem vida bastante

para escrever o que tenho na cabeça. Depois da mi­nha morte ser-lhe-ão entregues... Faça delas o que quiser... se assim entender e puder, publique-as e junte-lhes uns coros recolhidos pelo Valentim e uns outros que me mandou a filha do meu amigo Pires de Lima».

Foram as palavras que Gonçalo Sampaio diri­giu ao Dr. José Vilaça quando lhe entregou as par-tinturas que tinha coligido durante mais de meio sé­culo por todo o Portugal e em particular no seu Mi­nho natal, que na sua opinião era a província portu­guesa mais rica em música popular.

Pondo de parte cantos religiosos e toadas pouco características, Gonçalo Sampaio divide a música po­pular minhota em:

1.° — Cantos dos velhos romances. 2.0 — Cantos coreográficos — entre os quais se

destacam os belos viras minhotos, os animados fan­dangos do Alto Minho, as chulas, as vararas, as ca-

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Ei...i lá... bo...i!!! E... ei... boi...i...i!!! e que ressoam de quebrada em quebrada, até o sino da alva capelinha tocar o Angelus como ponto final no trabalho do dia.

Vai-os encontrar nas danças das romarias, nas esfolhadas feitas ao luar e mesmo dentro das Igrejas a alternarem com o canto do Padre.

Gonçalo Sampaio extasia-se com esses ritmos, não sabe como exprimir o seu vibrar íntimo síncrono com o que ouve. Aquela voz de mulher materializa-se no retinir dos sons que não se lhe extinguem dos ouvidos e desabafa:

«Nesta encantadora província, onde tudo é lindo, quem mais canta não são as aves: é a mulher. Tra­balha cantando, ama cantando, reza cantando».

E a prova deixa-a aqui e ali, nos seus papéis de música: o Coro das Maçadeiras, as toadilhas de aboiar, os viras e fandangos, os cantos a Nossa Se­nhora.

Toque de mestre na sua obra musical foi a forma ortográfica que deu aos versos que acompanham as músicas recolhidas.

Gonçalo Sampaio chegou mesmo a delinear um trabalho sobre a Hnguagem minhota baseado nas nótulas feitas ao longo dos anos pelo seu iminente espírito observador. E assim lemos o b em vez de v, o há-des em vez de hás-de, o tch em vez de eh, o num a substituir por vezes (não indiscriminada-mente) não.

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nas verdes, os malhões —por vezes acompanhadas por rondas (orquestras populares).

3.0 — Modas de romaria — cantadas em ranchos. 4.0 — Modas de terno (ou de lote).

Estes cantos são em bordão — escreveu Gonçalo Sampaio — «com a melodia por baixo e as vozes har­mónicas por cima como na primitiva forma de har­monizar o cantochão da Igreja», diferentes dos can­tos em fá-bordão à maneira Alentejana.

Gonçalo Sampaio procura — com o mesmo sen­tido que lhe deu nome como botânico — dar forma a ritmos ainda vividos pelo seu povo ou mesmo es­quecidos pelo tempo. Vai-os encontrar nas reminis­cências, prestes a perderem-se, duma anciã, sentada ao sol, que outrora tinha ouvido, quando o linho era ainda maçado por mulheres. Vou-os encontrar nos incitamentos dirigidos ao gado:

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Sim, porque seguir os tribos gastos de uma orto­doxia que nos livrará de acerbas críticas mas que nos marcará com o indelével cunho da banalidade? —é a grande lição que tiramos da vida e obra do grande Mestre. E, fiel a si mesmo, Gonçalo Sampaio defende também o seu povo, quando ele transgride as regras da música chamando a atenção para as heterodoxias musicais de Beethoven, Wagner, Mo­zart, Bach, e perguntando agressivamente:

«—Que pretensioso e ridículo critério é este de censurar nas composições do povo aquilo que se admite ou admira, mesmo, nos grandes mestres?»

Sim, porque não ver as coisas como elas são e não como nos é dito que devem ser. Nós não ensina­mos a vida, é ela que nos ensina a nós — é para o que, em resumo, Gonçalo Sampaio nos quer chamar a atenção.

R. GUIMARÃES LOPES

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