Ordem de Exterminio - Maze Runn - James Dashner

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  • Editora: Flavia LagoEditora assistente: Marcia AlvesPreparao: Alessandra Miranda de SReviso: Bia Nunes de Sousa / Maria Alice GonalvesDireo de arte: Paula FernndezDiagramao: Linea Editora Ltda.Capa: Marcelo Orsi Blanco

    Ttulo original: The Kill Order

    2011 James Dashner 2013 Vergara & Riba Editoras S/Awww.vreditoras.com.br

    Todos os direitos reservados. Proibidos, dentro dos limites estabelecidos pela lei, areproduo total ou parcial desta obra, o armazenamento ou a transmisso pormeios eletrnicos ou mecnicos, fotocpias ou qualquer outra forma de cessoda mesma, sem prvia autorizao escrita das editoras.

    Rua Capital Federal, 263CEP 01259-010 | Bairro Sumar | So Paulo | SPTel.| Fax: [55 11] [email protected]

    ISBN 978-85-7683-490-8

    Impresso e acabamento: RR DonnelleyImpresso no Brasil Printed in Brazil

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Dashner, James Maze runner : Ordem de extermnio / James Dashner ; traduo Magda

    Lopes. So Paulo : Vergara & Riba Editoras, 2013.

    Ttulo original: Maze runner : The kill order. ISBN 978-85-7683-490-8

  • 1. Fico Literatura juvenil I. Ttulo.

    13-02909 CDD-028.5

    ndices para catlogo sistemtico:1. Fico : Literatura juvenil 028.5

  • Para Kathy Egan.Sinto demais sua falta.

  • TPRLOGO

    eresa olhou para seu melhor amigo e pensou como seria esquec-lo.A princpio, parecia ser impossvel, embora j tivesse visto o efeito do

    Dissipador em dezenas de garotos antes de Thomas. Cabelos claros, olhospenetrantes e um constante olhar contemplativo como aquele garoto poderia setransformar em algum que no lhe fosse familiar? Como poderiam estar nomesmo lugar e comentar a respeito de algum cheiro desagradvel ou zombar dealgum que tivesse um andar desengonado nas proximidades? Como ela poderiaficar diante dele e no tomar a iniciativa perante a chance de se comunicaremtelepaticamente?

    Impossvel.E, no entanto, faltava apenas um dia.Para ela. Para Thomas, era uma questo de minutos. Ele estava deitado na

    mesa de cirurgia, os olhos fechados, o peito subindo e descendo em umarespirao leve e regular. J vestido com o uniforme obrigatrio da Clareira,parecia uma foto do passado um menino como tantos outros, tirando o cochilohabitual aps um dia em uma escola comum, antes de as chamas solares e adoena terem transformado o mundo em qualquer coisa, exceto algo comum.Antes de a morte e a destruio tornarem necessrio o roubo de crianas etambm de suas lembranas e o envio delas a um lugar to assustador quanto oLabirinto. Antes de se atribuir ao crebro humano o nome de Zona de ConflitoLetal e ele precisar ser observado e estudado tudo pelo bem da cincia e damedicina.

    Um mdico e uma enfermeira haviam preparado Thomas e agora colocavamuma mscara em seu rosto. Ouviram-se cliques, silvos e apitos; Teresaobservava enquanto os fios e os tubos de plstico deslizavam sobre a pele doamigo e eram inseridos nos canais auditivos de Thomas; viu quando as mos delese contraram automaticamente nas laterais do corpo. De alguma maneira, deviasentir dor, apesar das drogas, mas jamais se lembraria disso. A mquina iniciouseu trabalho, extraindo imagens da memria de Thomas. Apagou sua me, seupai e toda a sua vida. Apagou Teresa.

    Uma pequena parte dela sugeria que se enfurecesse. Que berrasse, gritasse ese recusasse a ajudar um segundo a mais sequer. Mas a maior parte era toslida quanto as rochas fora dali. Sim, a maior parte dentro dela endurecera-sena certeza profunda do que sofreria logo depois, quando o mesmo fosse feitocom ela. Ela e Thomas provavam sua convico submetendo-se ao que haviasido solicitado aos demais. E, caso morressem, que assim fosse. O CRUELencontraria a cura, milhes seriam salvos, e a vida na Terra algum dia voltariaao normal. Teresa estava convicta disso bem dentro de si, tanto quanto como deque os humanos envelheceriam e as folhas cairiam das rvores no outono.

  • Thomas soltou um suspiro contido, depois emitiu um gemido e seu corpo semexeu. Por um segundo aterrorizante, Teresa pensou que ele levantaria, histricodevido agonia havia substncias fazendo sabe-se l o qu com o crebro dele.Mas o amigo se tranquilizou e voltou a respirar suavemente. Os cliques e silvoscontinuavam, as lembranas dos melhores amigos sumindo como ecos ao longe.

    Tinham feito a despedida oficial, e as palavras Nos vemos amanh aindasoavam em sua cabea. Por alguma razo, Teresa ficara realmente abaladaquando Thomas as proferira, tornando o que estava prestes a acontecer aindamais surreal e triste. Eles se veriam no dia seguinte, embora ela fosse estar emcoma e ele no fosse ter a menor ideia de quem era ela, alm de umainquietao mental que talvez a tornasse familiar. Amanh. Depois de tudo o quehaviam passado todo o medo, o treinamento e o planejamento , a situaochegara a um ponto crtico. O que havia sido feito a Alby , Newt e Minho, e atodo o resto, seria feito a eles. No havia volta.

    Mas a calma era como uma droga dentro dela. Estava em paz, uma sensaotranquilizadora mantinha acuado o temor dos Verdugos e dos Cranks, porexemplo. O CRUEL no tinha escolha. Ela e Thomas... eles no tinham escolha.Como algum poderia ter escolha? No havia tempo para piedade, tristeza oudesejo. As coisas eram o que eram; o que estava feito estava feito; e o queestivesse por vir... viria.

    No tinha volta. Ela e Thomas haviam ajudado a construir o Labirinto; aomesmo tempo, ela se esforara muito para construir uma muralha quecontivesse suas emoes.

    Ento esses pensamentos desapareceram, parecendo flutuar numa expectativasuspensa enquanto aguardava o procedimento de Thomas se completar. Quandoenfim terminou, o mdico pressionou vrios botes na tela e os bipes e silvosganharam um ritmo acelerado. O corpo de Thomas se agitou um pouco enquantotubos e fios serpenteavam, saindo das posies invasivas at a mscara. Logodepois, ele voltou a ficar tranquilo e a mscara foi desativada, todo tipo de som emovimento cessou. A enfermeira se inclinou para a frente e retirou o objeto dorosto de Thomas. A pele dele estava vermelha e marcada com as linhas de apoioda mscara. Os olhos ainda se encontravam fechados.

    Por um breve momento, a muralha que continha a tristeza de Teresa pareceu beira de um desmoronamento. Se Thomas se levantasse agora, no selembraria dela. Teresa sentia medo quase pnico de saber que logo se veriamna Clareira, mas que no se reconheceriam. Era um pensamento insuportvelque lhe lembrava vivamente, antes de mais nada, de por que havia construdoaquela muralha. Como um construtor empilhando tijolo aps tijolo earrematando a estrutura com cimento, ela fechou a fenda. Com solidez econsistncia.

    No havia volta.

  • Dois homens da equipe de segurana vieram ajudar a mover Thomas.Levantaram-no da cama, erguendo-o como se fosse um saco de batatas. Umdeles segurou o menino inconsciente pelos braos, o outro pelos ps, e ocolocaram em uma maca. Sem dirigirem o olhar para Teresa sequer por umsegundo, dirigiram-se porta da sala de cirurgia. Todos sabiam para ondeThomas estava sendo levado. O mdico e a enfermeira passaram ao trabalho dalimpeza o servio deles tinha terminado. Teresa acenou com a cabea paraeles, embora nenhum dos dois estivesse olhando, e depois seguiu os homens pelocorredor.

    Mal conseguiu olhar para Thomas enquanto percorriam a longa jornadaatravs dos corredores e elevadores do quartel-general do CRUEL. A muralhahavia enfraquecido de novo. Thomas estava muito plido, e seu rosto, coberto degotas de suor. Era como se estivesse, em algum nvel de conscincia, reagindo sdrogas, sabendo das coisas terrveis que o aguardavam pela frente. Muralhaestpida aquela. Para que servia, afinal? No seria retirada dela junto com todasas demais lembranas?

    Atingiram o poro, sob o complexo do Labirinto, e andaram pela despensa aolongo das fileiras de prateleiras com suprimentos para os Clareanos. Estavaescuro e frio ali, e Teresa sentiu os braos se arrepiarem. Estremeceu ao deslizara mo sobre eles. Thomas se contorcia e dava solavancos na maca medida queesta se aproximava da superfcie de concreto, um semblante de terror aindatentando romper a aparente tranquilidade do rosto adormecido.

    Chegaram ao fosso do elevador, no qual havia o grande cubo de metal.A Caixa.Havia apenas poucos andares sob a estrutura da Clareira, mas seus habitantes

    eram manipulados a acreditar que a viagem para cima era uma jornadaimpossvel, longa e rdua. Tudo visava estimular uma srie de emoes epadres cerebrais, desde confuso at desorientao, passando pelo horrorabsoluto. Um incio perfeito para aqueles que mapeavam a Zona de ConflitoLetal de Thomas. Teresa sabia que ela mesma passaria pela experincia no diaseguinte, levando um bilhete amassado na mo. Mas pelo menos estaria emestado comatoso, poupada daqueles instantes de trevas em movimento. Thomasno; ele acordaria na Caixa, totalmente sozinho.

    Os dois homens o conduziram para perto da Caixa. Houve um rangido terrvelde metal contra cimento quando um deles arrastou uma escadinha para perto docubo. Alguns momentos de dificuldade enquanto subiam juntos os degraus e aomesmo tempo seguravam Thomas de novo. Teresa poderia ter ajudado, masrecusou-se, obstinada o bastante para apenas se manter em p ali, olhando,enquanto reforava ao mximo as fendas de sua muralha.

    Com alguns resmungos, os homens conduziram Thomas at a extremidade daCaixa. O corpo dele foi posicionado de tal maneira que os olhos fechados se

  • voltaram para Teresa uma ltima vez. Embora soubesse que ele no poderiaouvir, ela se aproximou e falou com o amigo mentalmente.

    Estamos fazendo o que certo, Thomas. Vejo voc do outro lado.Os homens se inclinaram e baixaram Thomas pelos braos at onde foi

    possvel; depois, soltaram-no pelo restante da trajetria. Teresa ouviu o rudo docorpo desmoronando l dentro no ao frio da superfcie. Seu melhor amigo.

    Deu meia-volta e se afastou. Atrs dela, o som distinto de metal deslizandosobre metal, depois um estrondo alto e vibrante quando as portas da Caixa sefecharam. O destino de Thomas, seja qual fosse, j estaria selado.

  • TREZE ANOS ANTES

  • M1

    ark tremia de frio, algo que no acontecia com ele h muito tempo.Tinha acabado de acordar, os primeiros sinais do amanhecer entraram pelas

    frestas das toras empilhadas que compunham a parede de sua pequena cabana.Quase nunca usava a manta. Sentia orgulho dela fora feita com a pele de umalce gigantesco que ele mesmo havia caado dois meses antes , mas, quando avestia, era mais pelo conforto do tecido que para se aquecer. Afinal, habitavamum mundo assolado pelo calor. Mas talvez aquele fosse um sinal de mudana; defato, naquela manh, sentia tambm um ar fresco penetrar as frestas, no apenasluz. Puxou a manta at o queixo e se virou para deitar de costas, vociferando umbocejo que durou uma eternidade.

    Alec ainda dormia no catre do outro lado da cabana a pouco mais de ummetro de distncia e roncava como se emitisse uma srie de troves. Brusco emais velho, era um ex-militar duro que raramente sorria e, se o fazia, emgeral tinha algo a ver com gases rugindo em seu estmago. Mas Alec tinha umcorao de ouro. Aps mais de um ano juntos, lutando para sobreviver emcompanhia de Lana, Trina e os demais, Mark no se sentia intimidado peloveterano. E, s para provar esse fato, inclinou-se e pegou um sapato no cho,atirando-o no homem adormecido. O calado o atingiu no ombro.

    Alec rugiu e se sentou, anos de treinamento militar acordando-oinstantaneamente.

    O que... berrou o soldado, mas Mark o interrompeu, arremessando nele ooutro sapato, desta vez atingindo em cheio o peito.

    Seu monte de titica Alec respondeu com frieza. No se esquivou nem semoveu depois do segundo ataque; apenas estreitou os olhos e encarou Mark. Mashavia um lampejo de humor por trs daquele olhar. Gostaria que me desseuma boa razo por ter arriscado sua vida ao me acordar desse jeito.

    Hum... retrucou Mark, esfregando o queixo como se considerasse o assuntoseriamente. Ento estalou os dedos. Ah, j sei. Foi principalmente para deter osterrveis rudos que saam de dentro de voc. Srio, cara, voc precisa se deitarde lado ou algo parecido. Roncar desse jeito no pode ser saudvel. Um diadesses voc vai parar de respirar.

    Alec rugiu e rosnou algumas vezes, murmurando palavras quase indecifrveisenquanto saltava do catre e se vestia. Proferiu alguns sons que Mark entendeucomo gostaria de nunca..., melhor voc... e ano dos infernos, mas nadaque fosse mais compreensvel que isso. A mensagem, contudo, era clara.

    Vamos l, sargento completou Mark, sabendo que agora estava a trssegundos de ter ido longe demais. Alec j estava h anos fora da vida militar erealmente, realmente, odiava quando Mark o chamava assim. Na ocasio dodesastre das chamas solares, Alec trabalhava para o Departamento de Defesa.

  • Voc nunca teria feito disso aqui uma moradia no fosse para tentarmos mant-lo longe de suas confuses todos os dias. Que tal um abrao para fazermos aspazes?

    Alec tirou a camiseta e encarou Mark. As sobrancelhas cerradas e grisalhas dohomem mais velho estavam unidas, como insetos peludos tentando se acasalar.

    Gosto de voc, garoto. Seria uma pena ter de coloc-lo sob sete palmos deterra. A camiseta atingiu a lateral da cabea de Mark, o gesto mais prximo deafeio que o soldado j havia demonstrado.

    Soldado... Fazia tanto tempo, mas Mark ainda gostava de pensar naquelehomem dessa maneira. Isso o fazia se sentir melhor, de algum modo maisseguro. Sorriu quando Alec saiu pisando duro da cabana para enfrentar mais umdia. Um sorriso de verdade. Algo que enfim se tornava um pouco mais comumaps o ano de morte e terror que os levara quele lugar, no alto dos MontesApalaches, a leste da Carolina do Norte. Decidiu que, custasse o que custasse,deixaria de lado as coisas ruins do passado e teria um excelente dia. Custasse oque custasse.

    O que significava inserir Trina naquele cenrio antes que os prximos dezminutos passassem. Vestiu-se apressadamente e foi procur-la.

    Encontrou-a perto do riacho, um dos locais calmos aonde ela gostava de irpara ler um dos livros resgatados de uma velha biblioteca pela qual tinhampassado em suas andanas. A garota adorava ler como ningum e compensavaagora os meses em que haviam corrido de um lado para outro a fim de salvar aprpria vida, poca em que os livros eram raros. Os de tipo digital havia muitono existiam mais, segundo Mark acreditava, destrudos quando todos oscomputadores e servidores tinham fritado com o calor. Trina lia os de papel,aqueles de antigamente.

    A caminhada at onde estava foi vagarosa como sempre, cada passoenfraquecendo sua resoluo de ter um bom dia. Olhar para aquele amontoadode cabanas e tocas subterrneas que compunham o lugar onde viviam tudofeito de toras, cordas e lama seca, construes que pendiam ora esquerda, ora direita era responsvel por isso. No era possvel passar pelas vielas e peloscaminhos sem se lembrar dos bons dias em que havia morado na cidade grande,quando a vida era prspera e repleta de promessas, tudo no mundo era de fcilalcance, pronto para ser tomado entre as mos. E ele nunca tinha se dado contadisso.

    Passou por hordas de pessoas esquelticas e sujas que pareciam beira damorte. No tinha tanta pena delas quanto dio por saber que sua aparncia eraexatamente igual. Eles tinham comida suficiente recolhida das runas, caadana floresta, trazida s vezes da Cidade das Cinzas , mas racionamento era otermo em voga, e todos pareciam estar sempre com uma refeio a menos por

  • dia. E no era possvel morar na floresta sem ficar com um odor ftido de umjeito ou de outro, no importava com que frequncia se banhasse no riacho.

    O cu estava azul, com um indcio do alaranjado que assombrava a atmosferadesde que as chamas devastadoras do sol haviam atacado sem aviso. Um anotinha se passado, e ele ainda pairava por l, um anncio sombrio destinado ajamais deix-los esquecer. Quem poderia afirmar quem algum dia as coisasvoltariam ao normal? O ar fresco que Mark sentira ao se levantar parecia umapiada agora... j transpirava devido temperatura que se elevava medida que osol brutal ascendia da escassa linha de rvores dos picos montanhosos.

    Mas no era de todo ruim. Quando deixava a confuso do acampamento eadentrava a floresta, percebia vrios sinais promissores. Novas rvorescrescendo, velhas rvores se recuperando, esquilos correndo em meio aospinheiros, brotos e botes de flor em toda parte. Chegou mesmo a ver a distnciaalgo que se assemelhava a uma flor de laranjeira. Sentiu-se tentado a colh-lapara Trina, mas tinha certeza de que ela o repreenderia sem d nem piedade seousasse impedir de qualquer maneira o progresso da floresta. Quem sabe seu diano seria, afinal, muito melhor do que esperava? No haviam sobrevivido ao piordesastre da histria humana? Talvez a crise tivesse sido superada.

    Mark respirava pesadamente devido ao esforo de subir a encosta damontanha quando chegou ao local aonde Trina adorava ir para fugir de tudo, emparticular pela manh, quando a possibilidade de encontrar algum l em cimaera muito pequena. Deteve-se atrs de uma rvore e a observou, sabendo que elao tinha ouvido se aproximar, mas contente por fingir no t-lo escutado.

    Como era bonita! Encostada em uma enorme pedra de granito que parecia tersido acomodada ali por um decorador gigante, tinha ao colo um livro grosso.Virou a pgina, os olhos verdes seguindo as palavras. Vestia uma camiseta pretae um jeans gasto, alm de um tnis que aparentava ter cem anos. O cabelo loiroe curto balanava com o vento, e ela parecia a paz e o conforto personificados.Tal como quando pertencia ao mundo que existia antes de tudo ter sidoqueimado.

    Mark sempre a considerara sua por uma simples questo de circunstncia.Grande parte das pessoas que ela um dia conhecera estavam mortas; ele fora oque lhe restara, a nica alternativa alm de ficar sozinha para sempre. Mas Markassumira o papel com satisfao, e at se considerava afortunado... No sabia oque faria sem ela.

    Este livro seria muito melhor se no houvesse um sujeito me espiandoenquanto tento seguir com a leitura Trina comentou sem o mais leve vislumbrede um sorriso. Virou a pgina e continuou a ler.

    Sou eu respondeu Mark. Metade do que dizia perto dela saa como umabelssima tolice. Saiu detrs da rvore.

    Ela riu e s ento o encarou.

  • J estava na hora de vir aqui! Estava prestes a conversar comigo mesma.Estou lendo desde antes do amanhecer.

    Ele se aproximou e largou-se no cho ao lado dela. Enlaaram-se em umabrao apertado, quente e repleto da promessa que fizera ao se levantar.

    Afastou-se e a fitou, sem se importar com o sorriso idiota que muitoprovavelmente estampava no rosto. Sabe de uma coisa?

    O qu? ela perguntou. Hoje vai ser um dia perfeito.Trina sorriu, e as guas do riacho continuaram a correr, como se as palavras

    de Mark nada significassem.

  • N

    2

    o tenho um dia perfeito desde que fiz dezesseis anos respondeu Trina.Dobrou o canto da pgina que lia e depositou o livro a seu lado. Trs diasdepois, voc e eu corramos por um tnel mais quente que o prprio sol parasalvar nossas vidas.

    Bons tempos aqueles... ponderou ele e se acomodou melhor recostando-sena mesma pedra que ela, as pernas cruzadas frente. Bons tempos...

    Trina o olhou de soslaio. Minha festa de aniversrio ou o desastre das chamas solares? Nenhum dos dois. Voc gostava daquele idiota do John Stidham. Lembra?Uma expresso de culpa tomou o rosto dela. Hum... sim. Mas parece que isso aconteceu h trs mil anos. Foi preciso metade do mundo ser devastado para que voc finalmente

    prestasse ateno em mim. Mark sorriu, mas era um sorriso vazio. A realidadeera muito angustiante, mesmo que se brincasse com ela. Uma nuvem escuracomeou a tomar forma sobre sua cabea. Vamos mudar de assunto.

    De acordo. Ela fechou os olhos e recostou-se. No quero pensar nesseassunto nem mais um segundo.

    Mark concordou, embora Trina no pudesse ver. De repente, havia perdido odesejo de falar, e os planos para um dia perfeito tinham sido levados pelo rio.Lembranas. Elas nunca o deixavam, nem mesmo por meia hora. Semprevoltavam, trazendo de novo todo o horror.

    Tudo bem? perguntou Trina. Estendeu a mo e segurou a dele, mas Mark aretirou, consciente do quanto estava suada.

    Sim, estou bem. S queria que pudssemos passar um dia sem algum detalheque nos fizesse lembrar... Poderia ser perfeitamente feliz neste lugar seconsegussemos esquecer. As coisas esto melhorando. Tudo o que precisamos... deixar o passado para trs! Ele quase berrou a ltima parte, mas no faziaideia de para onde a raiva fora direcionada. S odiava as coisas que povoavamsua mente. Imagens. Sons. Cheiros.

    Vamos conseguir, Mark. Sei que vamos. Ela tornou a lhe estender a mo, edessa vez ele aceitou o gesto.

    melhor descermos. Ele sempre agia assim. Quando as lembranaschegavam, mudava para o tema da obrigao. Cumprir com as tarefas, trabalhare parar de usar o crebro. Era a nica coisa que ajudava. Tenho certeza de queAlec e Lana tm umas quarenta tarefas para ns.

    E tudo tem de ser feito hoje acrescentou Trina. Hoje! Seno o mundoacaba!

    Ela sorriu, o que tornou o clima mais leve. Pelo menos um pouco. Voc pode continuar a ler seu livro entediante mais tarde. Levantou-se,

  • trazendo-a junto. Depois desceram a trilha da montanha, dirigindo-se aldeiaimprovisada que chamavam de lar.

    Foi o cheiro que atingiu Mark primeiro. Era sempre assim quando iam aoBarraco Central. Vegetao rasteira em decomposio, carne cozinhando, seivade pinheiro. Tudo misturado ao fedor de queimado que definia o mundo aps oataque das chamas solares. Na verdade, no era desagradvel; apenasassustador.

    Ele e Trina seguiam pelas runas de construes, mais parecendo umassentamento primitivo. A maioria delas, naquele lado do acampamento, haviasido erigida nos meses anteriores, antes de encontrarem pessoas que tivessemexercido a funo de arquitetos e empreiteiros e coloc-los frente desseplanejamento. Cabanas feitas de troncos de rvore e barro, alm de cerdas defolhas de pinheiro. Orifcios vazios constituam janelas e soleiras de portas emformatos bizarros. Em alguns lugares, no havia nada seno buracos no cho, asuperfcie coberta com uma lona, alguns troncos amarrados juntos para cobri-loquando as chuvas chegassem. Bem diferente dos altssimos arranha-cus e dapaisagem de concreto onde havia crescido.

    Alec saudou Mark e Trina com um grunhido quando passaram pela entradadisforme da estrutura de troncos do Barraco Central. Antes que pudessem dizerol, Lana veio marchando com vigor na direo deles. Era uma mulher robustade cabelos negros sempre puxados para trs e amarrados em um coque. Haviasido enfermeira do exrcito e era mais moa que Alec, embora mais velha queos pais de Mark; ela e Alec estavam juntos quando Mark os encontrara nos tneissob a cidade de Nova York. Na poca, ambos trabalhavam para o Departamentode Defesa. Alec era chefe dela, e naquele dia encaminhavam-se para umareunio. Antes que tudo mudasse.

    Onde vocs dois estavam? perguntou Lana ao se aproximar, a apenasalguns centmetros do rosto de Mark. Hoje devamos ter comeado demadrugada. Temos de ir at o vale ao sul e procurar outro local para oassentamento. Mais algumas semanas e vai haver superlotao por aqui, e ficareiuma fera.

    Bom dia disse Mark como resposta. Voc parece mais animada hoje.Ela sorriu diante do comentrio dele; Mark sabia que reagiria assim. Tenho tendncia a ir direto ao ponto, no ? Embora falte muito para ficar

    to ranzinza quanto Alec. O sargento? Sim, voc tem razo.Ouvindo a indireta, o velho soldado grunhiu. Desculpe por termos nos atrasado respondeu Trina. Tinha inventado uma

    grande desculpa, mas a honestidade sempre a melhor alternativa. Mark me fezir ao riacho e ns... voc sabe.

  • Era preciso muito para surpreender Mark naqueles dias, e ainda mais parafaz-lo corar, mas Trina tinha capacidade de sobra para ambos. Ele fez menode gaguejar uma resposta, enquanto Lana revirava os olhos.

    Oh, poupe-me dos detalhes replicou ela, levantando a mo em um gesto deprotesto. Em seguida, acrescentou: Vo tomar caf, se ainda no tomaram, edepois vamos embalar as coisas para partir. Quero estar de volta em umasemana.

    Uma semana na floresta, vendo coisas novas, respirando um pouco de arfresco... Isso tudo soava maravilhoso para Mark, exceto pelo seu humor, quehavia despencado em algum buraco horas antes. Havia prometido manter amente focada no presente enquanto viajassem e apenas desfrutar da caminhada.

    Viram Darnell e o Sapo? perguntou Trina. E a Sombria? Os Trs Patetas? perguntou Alec, entregando-se depois a um ataque de

    riso. O homem achava engraadas as coisas mais esquisitas. Pelo menos, elesse lembraram do plano. J comeram e foram preparar a bagagem. Devem estarde volta num instante.

    Mark e Trina estavam na metade das panquecas com salsicha de cervoquando ouviram o som familiar dos outros trs amigos que haviam conhecido nostneis de Nova York.

    Tire isso da cabea! ouviu-se uma voz queixosa, pouco antes de umadolescente aparecer porta com uma cueca enfiada no cabelo castanho comose fosse um chapu. Darnell. Mark estava convencido de que o garoto jamaishavia levado nada a srio em toda a vida, nem mesmo quando o sol tentaracozinh-lo vivo um ano atrs. Ele parecia estar sempre com uma piada na pontada lngua.

    Mas eu gosto dela! ele dizia ao adentrar o Barraco. Ajuda a ajeitar meucabelo e me protege de elementos-surpresa. Mato dois coelhos com umacajadada s!

    Uma garota entrou depois dele, alta, magra e com um longo cabelo ruivo, umpouquinho mais nova que Mark. Eles a chamavam de Sombria, embora nuncativesse revelado qual era seu verdadeiro nome. Ela encarava Darnell com ummisto de repugnncia e divertimento. O Sapo, baixinho e atarracado, comosugeria o apelido, passou por ela correndo e tentou puxar a cueca da cabea deDarnell.

    Me d isso aqui! gritou ele, dando um salto para mais uma investida. Era ojovem de dezenove anos mais baixinho que Mark j vira, mas troncudo como umcarvalho, todo msculos, tendes e veias. O que, por alguma razo, fazia osoutros acharem normal provoc-lo, uma vez que, se quisesse de verdade, elepodia faz-los se borrar de medo. Mas Sapo gostava de ser o centro das atenes.E Darnell, de ser um bobo irritante.

    Por que voc sempre quer colocar essas coisas nojentas na cabea?

  • perguntou Sombria. Voc sabe onde essa pea de roupa deve ser colocada, nosabe? para cobrir as partes baixas do Sapo.

    Excelente observao replicou Darnell com ar fingido de nojo, quandoSapo, enfim, conseguiu arrancar a cueca da cabea dele. Realmente, foi umerro de julgamento de minha parte disse Darnell, dando de ombros. Na horame pareceu engraado.

    Sapo enfiava na mochila o pertence recm-capturado. Bem, quem ri por ltimo sou eu. No lavo essa coisa h pelo menos duas

    semanas. E comeou a soltar aquele seu riso, um rudo que sempre fazia Markpensar em um cachorro rosnando por um pedao de carne. Quando Sapocomeava a rir, ningum ao redor conseguia deixar de se juntar a ele, muitasvezes achando graa apenas dos sons emitidos pelo rapaz. De qualquer maneira,esses momentos eram raros, e era bom rir daquele jeito, assim como ver o rostode Sombria se iluminar.

    At Alec e Lana riam, o que fez Mark considerar que, afinal, talvez aquelefosse ser um dia perfeito.

    Mas ento os risos foram interrompidos por um som estranho, algo que Markno ouvia havia um ano, e que certamente no esperava ouvir de novo.

    O som de mquinas no cu.

  • O3

    rudo estrondoso e inusitado abalou o Barraco de cima a baixo. Rajadas depoeira entraram pelas frestas entre os troncos empilhados e amarrados. Umretumbante espasmo sonoro perpassou a cabea deles. Mark tampou os ouvidosat o som diminuir o suficiente para no sacudir mais o Barraco. Alec j estavade p e se encaminhava para a porta antes que qualquer outra pessoa comeassea processar o que estava acontecendo. Lana o seguiu com rapidez, os demaisatrs deles.

    Ningum disse uma palavra sequer at estarem todos do lado de fora, o solbrilhante da manh agora baixando. Mark tentou avistar alguma coisa, a moprotegendo os olhos da claridade, enquanto procurava no cu a fonte do barulho.

    um Berg anunciou Sapo desnecessariamente. Que diabos...Era a primeira vez que Mark via uma daquelas enormes aeronaves desde o

    episdio das chamas solares, e a viso foi chocante. No conseguia pensar emnenhuma razo para um Berg um dos que tivessem sobrevivido ao desastre sobrevoar as montanhas. Mas ali estava ele, enorme, reluzente e redondo, ospropulsores azuis quentes e ruidosos, parecendo prestes a aterrissar noassentamento.

    O que esse negcio est fazendo aqui? perguntou Trina, enquanto opequeno grupo andava apressado pelas ruelas abarrotadas da aldeia, seguindo atrajetria efetuada pelo Berg. Costumavam deixar suprimentos nosassentamentos maiores, como na Cidade das Cinzas.

    Talvez... comeou Sombria. Ser que eles vieram para recrutar algunsde ns ou algo assim? E nos levar para outro lugar?

    De jeito nenhum zombou Darnell. Se eles quisessem, j teriam feito issoh muito tempo.

    Mark no comentou nada e se contentou em seguir o grupo, aindaimpressionado pelo surgimento repentino do imenso Berg. Os demaiscontinuaram a se referir a misteriosos eles, embora ningum soubesse quem elesfossem. Havia rumores de que algum tipo de governo central se organizava,porm nenhuma notcia que fosse realmente confivel. E com certeza ainda nofora feito nenhum contato oficial. Era verdade que haviam trazido suprimentos ecomida aos acampamentos nos arredores da Cidade das Cinzas, e as pessoas del em geral os compartilhavam com os assentamentos mais afastados.

    O Berg parou, os propulsores azuis apontavam agora para baixo enquantopairava cerca de trinta metros acima da Praa da Cidade uma rea emformato quadrado que tinham deixado vazia ao construir o assentamento. Ogrupo apressou o passo e chegou Praa para descobrir ali uma multidoreunida, as pessoas olhando para a mquina voadora l em cima como se fosseuma besta mtica. Com seu rugido e exibio ofuscante em luz azul, quase

  • parecia mesmo uma figura mitolgica. Em particular aps tanto tempo desdeterem visto qualquer sinal de tecnologia avanada.

    A maior parte da multido se reuniu no centro da Praa, os rostos estampandoexpectativa e excitao. E todos haviam chegado mesma concluso deSombria: o Berg estava ali para resgat-los ou, pelo menos, para lhes dar umaboa notcia. No entanto, Mark era todo desconfiana. Depois do ano que haviapassado, fora levado seguidamente a no ter esperana.

    Trina puxou a manga da camisa dele, depois se inclinou para falar: O que esto fazendo? No h espao suficiente para aterrissar aqui. No sei. No h nenhum sinal que nos diga de quem esse Berg ou de onde

    ele vem.Alec estava prximo e de algum modo ouviu a conversa deles em meio ao

    rudo estridente dos propulsores. Provavelmente o fizera com a ajuda da audiosuperdesenvolvida de soldado.

    Dizem que aqueles que deixam suprimentos na Cidade das Cinzas tm asletras CPC pintadas bem grandes na aeronave. Coalizo Ps-Chamas. Elepraticamente berrava. Parece estranho que este no tenha nada escrito.

    Mark encolheu os ombros em resposta ao que ele dissera, incerto sobre se ainformao de Alec realmente significava alguma coisa. Sentia-se atordoado.Olhou de novo para cima, ponderando quem estaria dentro da nave e qual seriaseu propsito. Trina apertou a mo dele, e ele retribuiu o gesto. Ambas as palmasestavam midas.

    Talvez Deus esteja l dentro anunciou Sapo em um tom agudo; sua vozsempre soava assim quando gritava. Veio para dizer que lamenta muito pelonegcio das chamas solares.

    Pelo canto do olho, Mark percebeu Darnell tomando flego, a bocasemiaberta, provavelmente se preparando para retrucar com algo inteligente eengraado ao comentrio de Sapo. Mas a ao foi interrompida por um somlancinante vindo de cima, seguido pelo ronco e pelo guincho agudo do sistemahidrulico. Mark olhava fascinado enquanto um alapo grande e quadrado aofundo do Berg se abria, as dobradias girando para baixar uma espcie derampa. Estava escuro l dentro, e pequenos filetes de nvoa saram do local,espiralando-se enquanto a abertura aumentava de tamanho.

    Suspiros e gritos surgiram em ondas pela multido; mos se erguiam e dedosapontavam para cima. Mark desviou o olhar do Berg por um momento paracaptar a reao geral, impressionado pela sensao de pavor que o cercava.Haviam se tornado pessoas desesperadas, vivendo cada dia com a sensaoopressiva de que o prximo poderia ser o ltimo. E ali estavam todas eles,mirando o cu como se a piada de Sapo tivesse um fundo de verdade. Podiaperceber a ansiedade nos olhares, como se a multido realmente considerasse ofato de estarem sendo salvos por algum poder divino. Essa percepo fez Mark se

  • sentir um pouco tonto.Um novo burburinho percorreu a Praa, e Mark novamente olhou para cima.

    Cinco pessoas emergiram da escurido do Berg, vestidas em trajes queprovocaram um calafrio em sua espinha. Espcies de macaces em verde,emborrachados e volumosos, cobriam os estranhos da cabea aos ps. As roupastinham visores transparentes no capacete, pelos quais os seres que trajavamverde podiam v-los, embora o brilho ofuscante e a distncia impossibilitassemMark de discernir o rosto deles. Desceram com cuidado, calando grandes botaspretas sobrepostas ao traje inteirio, at os cinco se enfileirarem na extremidadeexterior da rampa, a linguagem corporal tensa mostrando o esforo requeridopara manterem o equilbrio.

    Cada um segurava nas mos um tubo preto, como se fosse um revlver. Masos tubos no se pareciam com nenhum revlver j visto por Mark. Eram finos ecompridos, com uma conexo na extremidade que os fazia se assemelharem afragmentos de um encanamento que algum houvesse arrancado de uma bombaindustrial. E, quando os estranhos se acomodaram em suas posies, ergueramaqueles instrumentos e os direcionaram s pessoas abaixo.

    Mark percebeu que Alec berrava a plenos pulmes, empurrando e se jogandocontra a multido para que se afastassem. Tudo ao redor havia se tornado umcaos gritos e pnico por todo lado , mas Mark cara em transe e observava osestranhos com seus trajes esquisitos e armas ameaadoras postados no Bergenquanto os demais enfim acordavam para o fato de que as pessoas da aeronaveno estavam ali para salvar ningum. O que havia acontecido com aquele Markque era to gil; que havia sobrevivido ao ano de inferno aps as chamas teremdevastado a Terra?

    Ainda se encontrava paralisado, praticamente sem piscar, quando o primeirotiro foi disparado l de cima. Um movimento indistinto, um flash rpido de algoescuro, pequeno e rpido irrompeu de um daqueles tubos. Os olhos de Markseguiram sua trajetria. Ouviu um som abafado e assustador, a cabea virandopara o lado a tempo de ver que Darnell tinha um dardo de um metro e meio decomprimento saindo do ombro, a haste de metal fina inserida em profundidadedentro do msculo. Brotava sangue do ferimento. O garoto soltou um gemidoestranho e despencou no cho.

    Aquilo finalmente tirou Mark do transe.

  • G4

    ritos rasgavam o ar enquanto pessoas em pnico fugiam em todas as direes.Mark se inclinou, agarrando Darnell e inserindo os braos sob as axilas do garoto.O som de dardos voando e cortando o ar esquerda e direita, caando alvos,estimulou-o a se apressar, apagando quaisquer outros pensamentos que pudessemestar em sua mente.

    Mark puxou Darnell, arrastando o corpo dele pelo cho. Trina havia cado,mas Lana j a ajudava a levantar. As duas correram para auxili-lo, cada umapegando um dos ps de Darnell. Contando at trs, ergueram-no e se afastaramda Praa, deixando o campo aberto. Era um milagre que ningum mais de seupequeno grupo tivesse sido atingido por um dardo.

    Ai!, oh!, ah! tum, tum, tum. Gritos e corpos caindo.Os projteis continuavam a chegar, atingindo tudo ao redor, e Mark, Trina e

    Lana se afastavam o mais rpido possvel, carregando Darnell desajeitadamente.Passaram por trs de um grupo de rvores Mark ouviu fortes rudos quandodardos se enterraram em ramos e troncos , depois estavam de novo em campoaberto. Apressaram o passo ao atravessar uma pequena clareira e entraram emuma ruela entre vrias cabanas de troncos construdas aleatoriamente. Haviagente por toda parte, cerrando freneticamente as portas, saltando atravs dosorifcios que eram janelas.

    Ento Mark ouviu o rugido dos propulsores e uma brisa morna soprou em seurosto. O rugido ficou mais alto, e o vento, mais forte. Olhou para cima, seguindoo rudo, e observou que o Berg havia mudado de posio, perseguindo a multidofugitiva. Avistou Sapo e Sombria. Ambos estimulavam as pessoas a fugir, osgritos se perdendo no rudo estrondoso do Berg em funcionamento.

    Mark no sabia o que fazer. Encontrar abrigo era a melhor sada, mas haviagente demais tentando fazer a mesma coisa, e, se se juntassem ao caos levandoDarnell, s iriam conseguir ser atropelados. O Berg deteve-se de novo, e maisuma vez os estranhos em seus trajes esquisitos ergueram as armas e abriramfogo.

    Ai!, oh!, ah! tum, tum, tum.Um dardo passou raspando a camisa de Mark e atingiu o cho; algum pisou

    nele, fincando-o ainda mais na superfcie. Outro dardo atingiu o pescoo de umhomem quando passava correndo por eles ele gritou e tombou para a frente,sangue em abundncia esguichava do ferimento. Depois de ir ao cho, ficouimvel, e trs pessoas saltaram sobre ele. Mark s percebeu que havia parado,horrorizado com o que acontecia sua volta, quando Lana berrou com ele para irem frente.

    Os atiradores acima obviamente haviam melhorado a pontaria. Os dardosatingiam mais pessoas, e o local foi invadido por gritos de dor e terror. Mark se

  • sentia indefeso no havia como se abrigar daquele bombardeio. Tudo o quepodia fazer era tentar, imponderavelmente, correr mais rpido que a mquinavoadora uma tarefa impossvel.

    Onde estaria Alec? O cara duro, com todos os instintos aguados para abatalha? Para onde havia fugido?

    Mark continuou a se mover, puxando com fora o corpo de Darnell eobrigando Trina e Lana a acompanharem seu ritmo. Sapo e Sombria corriam aolado deles, tentando auxiliar, no entanto, sem ficar no caminho. Os dardoscontinuavam a chover l de cima; mais gritos, mais corpos tombaram. Markvirou e tomou uma rua, descendo pela viela que conduzia de volta ao Barraco.Mantinha-se prximo construo direita para conseguir cobertura parcial.No tinha muita gente seguindo por aquele caminho, e ali havia um nmeromenor de dardos dos quais se esquivar.

    O pequeno grupo capengava na maior velocidade possvel, levando com ele oamigo inconsciente. As construes eram apinhadssimas naquela parte doassentamento, quase uma em cima da outra, e no havia como cortar caminho eescapar para a floresta ao redor das montanhas.

    Estamos quase no Barraco! gritou Trina. Depressa, antes que o Berg nosalcance.

    Mark girou o corpo, relanceando o olhar para a frente, enquanto agarravaDarnell pela camisa. Correr de costas havia deixado os msculos de sua pernaexaustos, e agora eles ardiam e ameaavam sofrer cimbras. Mas no havianada no caminho para retard-los naquele trecho, ento Mark aumentou avelocidade, Lana e Trina acompanharam seu passo, cada uma segurando umadas pernas do garoto. Sapo e Sombria se enfiaram no meio e cada um delesagarrou um dos braos de Darnell, aliviando parte do peso. Conseguiram passarpor caminhos e ruelas estreitas, sobre razes proeminentes e lixo malacondicionado, virando esquerda, direta, e depois esquerda de novo. Oronco do Berg vinha na direo deles, abafado pelas construes e rvoresentremeadas.

    Mark enfim dobrou uma esquina e avistou o Barraco em frente a umapequena clareira. Apressou-se para vencer o trecho final, no exato momento emque uma horda de moradores fugitivos surgiu, vinda do lado oposto, frentica eselvagem, espalhando-se em todas as direes e se encaminhando para qualquerporta vista. Um frio na barriga tomou Mark quando o Berg se precipitou sobre acabea deles, mais perto do solo do que nas investidas anteriores. Agora existiamapenas trs pessoas de p na rampa da nave, e o trio abriu fogo assim que o Bergestabilizou sua posio no cu.

    Pequenos fios prateados cortavam o ar, chovendo sobre as pessoas quesurgiam na clareira. Cada um dos projteis parecia encontrar seu alvo, atingindopescoo e braos de homens, mulheres e crianas. Eles berravam e desabavam

  • no cho quase instantaneamente, outros saltavam os corpos na pressa insana embusca de abrigo.

    Mark e seu pequeno grupo mantiveram-se grudados lateral da construomais prxima e colocaram Darnell no cho. A dor e o cansao tomavam contados braos e das pernas de Mark, fazendo-o desejar desmoronar ao lado doamigo inconsciente.

    Devemos deix-lo aqui disse Trina, as mos nos joelhos, lutando pararecuperar o flego. Ele est nos retardando e, de qualquer maneira, est mal.

    Morto, ao que parece resmungou Sapo.Mark lanou um olhar duro para ele, mas era bem provvel que estivesse

    certo. Podiam ter colocado em risco a prpria vida para salvar algum que jno tinha a mnima chance.

    O que vai acontecer agora? perguntou Lana, enquanto se encaminhava aum dos cantos da construo para espiar a clareira. Olhou para eles por sobre oombro. Esto atingindo gente pela esquerda e pela direita. Por que esto usandodardos em vez de balas?

    No faz sentido replicou Mark. No podemos fazer alguma coisa? perguntou Trina, o corpo estremecendo

    mais de frustrao que de medo, ao que parecia. Por que permitimos quefizessem isso?

    Mark se juntou a Lana para espreitar a clareira. Vrios corpos jaziam aliagora, dardos empalados apontavam para o cu como uma floresta emminiatura. O Berg ainda pairava pela rea, os propulsores rugindo em calorazulado.

    Onde est nosso pessoal da segurana? sussurrou Mark, para ningum emparticular. Tiraram o dia de folga ou algo parecido?

    Ningum respondeu, mas um movimento na porta do Barraco chamou aateno de Mark e ele soltou um suspiro de alvio. Era Alec, acenandofreneticamente, chamando-os para se juntarem a ele. O homem portava o quepareciam ser dois enormes rifles com ganchos de imobilizao nasextremidades, anexados a grandes extenses de corda.

    Como todo soldado mesmo aps todos aqueles anos , o sujeito tinha umplano e precisava de ajuda. Lutaria contra aqueles monstros. E Mark tambm.

    Mark se afastou um pouco da parede e olhou ao redor. Viu um pedao demadeira no outro lado da viela. Sem explicar aos outros o que pensava fazer,correu e o pegou, depois se apressou em direo clareira, a fim de lev-lo aoBarraco, para Alec, enquanto usava a madeira como escudo no caminho.

    Mark nem precisou olhar para cima conseguia ouvir o rudo dos dardosdirigidos a ele. Um deles resultou em um estampido considervel, atingindo amadeira. Ele no se deteve.

  • M5

    ark tentou variar o ritmo de seus passos, acelerando e reduzindo a velocidade,desviando para a esquerda e a direita, abrindo caminho at onde Alec seencontrava. Alguns dardos atingiram o cho, bem perto de seus ps; umasegunda leva atingiu o escudo de madeira outra vez. Enquanto Mark corria emcampo aberto, Alec ainda segurando os rifles se dirigia para a clareira. Osdois quase se chocaram exatamente sob o Berg, e Mark, de imediato, inclinou-separa proteger ambos com o escudo.

    Os olhos de Alec brilhavam de vitalidade. Com ou sem cabelos grisalhos, elede repente parecia vinte anos mais moo.

    Vamos ter de nos apressar! gritou. Antes que essa coisa decida irembora.

    Os atiradores miravam na cabea dos dois, e os dardos continuavam a atingiras pessoas ao redor deles. A gritaria era terrvel.

    O que eu fao? gritou Mark. Uma familiar mistura de adrenalina e terrorhavia invadido seu corpo, e ele aguardava as instrues do amigo.

    Quero cobertura. Use isto.Alec colocou os rifles sob um dos braos e tirou um revlver preto e

    esquisito, uma arma que Mark nunca tinha visto antes da parte de trs da cala.No havia tempo para hesitao. Mark pegou a arma com a mo livre e, pelopeso, soube que estava carregada. Mais um dardo atingiu a madeira enquantolevantava o cano do revlver. Depois outro. Os estranhos tripulantes do Berghaviam percebido as duas pessoas que confabulavam na clareira. Mais umasaraivada de dardos veio ao solo, como uma repentina tempestade de granizo.

    Dispare, garoto rosnou Alec. E mire bem, porque voc s tem dozebalas. No perca nenhuma. Agora!

    Com aquela ordem, Alec se virou e correu para um ponto a cerca de trsmetros de distncia. Mark apontou a arma para o trio na rampa do Berg edisparou dois tiros seguidos. Sabia que era preciso chamar a ateno deles, paraque no percebessem as prximas aes de Alec. Os trs de traje verderecuaram e se ajoelharam, baixando o corpo na rampa de metal que os separavado atirador. Um deles desapareceu nave adentro.

    Mark lanou o escudo de madeira para o lado. Agarrou a arma com as duasmos, preparou-se e se concentrou. Uma cabea despontou na rampa, e Markagilmente firmou a vista e disparou. As mos saltaram com o coice da arma,mas ele avistou uma nvoa vermelha, um esguicho de sangue no ar; um corpocaiu da rampa e se chocou com um grupo de pessoas abaixo. Uma nova onda degritos partiu de todas as direes quando as pessoas se deram conta do queacontecia.

    Um brao se estendeu acima da rampa do Berg, segurando o tubo nocivo para

  • disparar dardos aleatrios. Mark atirou mais uma vez, ouvindo um rudo agudoquando a bala atingiu o dispositivo de metal, e em seguida viu a arma cair aocho. Uma mulher a pegou e passou a examin-la, tentando descobrir como us-la contra os prprios tripulantes. Aquela seria uma grande ajuda.

    Mark arriscou desviar os olhos para Alec. Ele segurava a arma com o ganchode imobilizao, como se fosse um marinheiro prestes a fisgar uma baleia.Ouviu-se um rudo e, de repente, o gancho voou na direo do Berg, a corda emseu rastro como um risco de fumaa. O gancho colidiu com uma dasengrenagens hidrulicas que mantinham aberta a rampa e aninhou-se ao redordelas, girando e as contendo. Alec puxou a corda com firmeza.

    Jogue o revlver para mim! gritou-lhe o soldado.Mark olhou para cima a fim de se certificar de que ningum l dentro havia

    reaparecido para lanar outra srie de dardos; em seguida, correu a todavelocidade para onde Alec se encontrava e lhe entregou o revlver. O homemmal a pegara, quando Mark ouviu um clique e Alec se lanava em pleno curumo ao Berg, sustentando-se na corda. Ele segurou o gancho de imobilizaocom uma das mos e apontou o revlver para a rampa da aeronave. Trs tirossoaram em rpida sucesso. Mark viu o tripulante subir a rampa, os ps foram altima coisa a desaparecer de vista. Alguns segundos mais tarde, outro corpotrajando verde esgueirou-se da aeronave, atirando no vazio.

    O outro gancho! berrou Alec. Depressa, antes que mais deles apareamou eles decolem! No esperou pela resposta de Mark antes de se virar paraencarar o Berg.

    O corao de Mark acelerou, quase ferindo-o ao bater com rapidez contra ascostelas. Olhou ao redor e visualizou o outro dispositivo volumoso no cho, ondeAlec o havia deixado. Mark o pegou, examinou-o e sentiu uma onda de pnico aoperceber que no sabia como usar aquela porcaria.

    S mire aqui em cima! gritou Alec. Se no atingir o alvo, eu amarro nomeu corpo. Depressa!

    Mark ergueu o dispositivo como se fosse um rifle e o apontou para a rampa daaeronave. Puxou o gatilho. O coice foi forte, e ele se inclinou na direo daarma, sentindo uma pontada de dor no ombro. O gancho com a corda que oacompanhava disparou rumo ao Berg, rampa adentro. Ele ricocheteou e voltoupara trs, mas Alec o agarrou a tempo. Mark observou Alec se deslocar para umdos dispositivos hidrulicos e prender com firmeza o gancho em torno dele.

    Tudo certo! gritou Alec. Aperte o boto verde do retrator...Suas palavras foram abafadas quando os motores do Berg roncaram com um

    estrondo e o veculo se agitou no ar. Mark agarrou a extremidade do dispositivode combate no momento em que este o ergueu do cho e o arremessou ao ar.Ouviu Trina gritar seu nome l embaixo, mas em um segundo o solo se afastavae as pessoas se tornavam menores. O medo invadiu Mark enquanto subia, e ele

  • cerrou os punhos com tanta fora que os dedos se tornaram brancos como umpedao de osso. Olhar para baixo lhe dava tonturas e fazia o estmago revirar,portanto fixou o olhar na rampa do Berg.

    Alec recuava na extremidade da rampa, quase fora enviado para a morte.Arrastou-se em busca de segurana, usando a mesma corda qual Mark seagarrava para sobreviver. Ento, caiu de barriga no cho e encarou Mark com osolhos arregalados.

    Encontre o boto verde, Mark! gritou. E aperte!O ar envolvia o corpo de Mark, o vento mesclado potncia dos propulsores.

    O Berg subia, agora a sessenta metros do cho, e avanava na direo dasrvores. Alcanariam Mark em segundos e fariam picadinho dele, ou cortariama corda que segurava. Ele se agarrou a ela enquanto vasculhava freneticamenteo dispositivo em busca do boto.

    Ali estava ele, a alguns centmetros do detonador que havia disparado ogancho e a corda. Ele odiava a ideia de se soltar, mesmo por um segundo, masconcentrou toda a fora em sua mo direita, cerrando mais ainda os punhos, eestendeu a mo esquerda para o boto. Todo o seu corpo se agitava para frente epara trs no ar, oscilando contra o vento e balanando a cada solavanco do Berg.No conseguia se estabilizar o suficiente para pressionar o boto.

    De repente, ouviu um rudo: um som agudo de metal em movimento acimadele. Olhou para cima. A rampa do Berg se fechava.

  • D

    6

    epressa! gritou Alec l de cima.Mark tentava de novo alcanar o boto quando atingiram as rvores. Tornou a

    levar a mo esquerda ao boto, agarrando-se corda com o mximo de firmezapossvel. Encolheu o corpo e cerrou os olhos com fora. Os ramos do pinheiromais alto tocaram seu corpo, enquanto o Berg o balanava. As folhas feriam suapele, as pontas agudas dos ramos da rvore esbarrando na roupa e arranhandoseu rosto. Eram como mos de um esqueleto tentando libert-lo, impulsionando-opara a morte. Cada pedacinho de seu corpo parecia ser tocado por alguma coisa.

    Mas ele sobreviveu, os solavancos do Berg e a corda livrando-o do contatocom as rvores. Relaxou as pernas e depois impulsionou-as com violnciaenquanto a nave girava, fazendo-o prescrever no ar a trajetria de um arco. Arampa j estava fechada pela metade, e Alec se inclinava para fora dela,tentando puxar a corda, o rosto quase roxo de tanto gritar. As palavras se perdiamem meio a todo aquele barulho.

    O estmago de Mark deu um n, mas ele sabia que s tinha mais uma chance.Soltou a mo esquerda do dispositivo e tateou ao longo da lateral do corpo, atencontrar de novo o detonador, arrastando os dedos at onde supunha estar oboto verde. Sua viso perifrica mostrou mais rvores vindo em sua direo, oBerg agora baixando para evitar que sobrevivesse de novo.

    Encontrou o boto, pressionou-o, mas os dedos escorregaram. Os ramos oalcanaram, mas ele tentou de novo mesmo assim, enrodilhando-se corda parase estabilizar ainda mais, e apertou com fora o boto. Este produziu um somseco, e ele foi arremessado para cima, o corpo indo de encontro espessafolhagem das rvores. Passou voando por elas, rumo rampa l em cima, osramos aoitando seu rosto. Ouviu-se um zumbido quando a corda se recolheupara o dispositivo, lanando-o para onde estava Alec, que tinha uma das mosestendida. A placa de metal da porta estava a apenas meio metro de se fechar.

    Mark soltou o dispositivo pouco antes de atingir uma das quinas da rampa, quese erguia devagar, impulsionando-se para pegar a mo de Alec e agarrar o metalcom a outra. Perdeu o ponto de apoio, mas Alec o agarrou com firmeza,alando-o pelo espao que se estreitava. Era uma passagem apertada, e Mark secontorceu e desferiu alguns chutes, mas enfim conseguiu entrar a tempo, emboratenha precisado puxar fora a sola do sapato das mandbulas da rampa que sefechava. A porta foi selada com um rudo estrondoso, que ecoou pelas paredessombrias do interior do Berg.

    Estava frio l dentro e, quando o eco desapareceu, a nica coisa que Markconseguia ouvir era o som da prpria respirao pesada. A escurido eracompleta, pelo menos para os olhos no adaptados depois de estar l fora sob osol ofuscante. Sentiu a proximidade de Alec, tambm inspirando profundamente

  • para retomar o flego. Cada pedacinho do corpo de Mark doa, e ele sentiaescorrer sangue de vrios pontos. O Berg estacou, zumbindo ao apenas pairar nolugar.

    No consigo acreditar que acabamos de fazer isso disse Mark, a vozecoando l dentro. Mas por que ser que no h um exrcito por aqui, sesperando para nos arremessar l embaixo? E o ataque com aqueles dardos...

    Alec soltou um suspiro pesado. No sei. Eles podem ter uma tripulao de cadveres, mas acho que h pelo

    menos mais um sujeito aqui esperando por ns. Ele pode estar apontando uma daquelas armas de dardos pra minha cabea

    neste exato momento. Ah protestou Alec. Em minha opinio, aqueles caras eram de quinta

    categoria, enviados pra realizar o trabalho que deveria ter sido executado porprofissionais. Talvez tenhamos exterminado a tripulao. Todos, exceto o piloto.

    Ou talvez tenha dez caras armados esperando do outro lado da porta murmurou Mark.

    Bem, ser uma coisa ou outra respondeu Alec. Vamos, vamos. Osoldado foi para frente; Mark s conseguia acompanh-lo pelos sons que elefazia. Alec parecia rastejar.

    Mas... comeou Mark, e logo percebeu que na verdade no havia o quedizer. O que mais poderiam fazer? Ficar ali sentados e brincar de esconde-esconde no escuro at que algum se aproximasse para receb-los com biscoitose um copo de leite? Apoiou as mos nos joelhos, relaxando por um instante dasurra que seu corpo havia acabado de levar, e se ps a seguir o amigo.

    Uma luz fraca apareceu alguns centmetros frente e, quando chegaram maisperto, o que os circundava comeou a entrar em foco. Pareciam estar em algumtipo de depsito com prateleiras ao longo das paredes, com correias parasustent-las e manter tudo no lugar. Mas pelo menos a metade das prateleirasestava vazia.

    A luz vinha de um painel brilhante acima de uma pequena porta metlica comferrolhos nas extremidades.

    Ser que nos trancaram aqui? perguntou Alec, quando enfim se levantou.Caminhou at a porta e testou a maaneta. claro que ela no se moveu.

    Mark se sentiu aliviado por poder levantar a superfcie rgida machucava osjoelhos , mas os msculos protestaram quando ele se ps de p. Fazia poucotempo que havia despendido muita energia, e ter escapado de ser aniquilado porum monte de rvores fora algo realmente inusitado.

    O que est acontecendo, afinal? perguntou ele. O que esse pessoal quercom nossa aldeia? E atirando dardos em ns? O que foi aquilo?

    Bem que eu gostaria de saber. Alec puxou a maaneta com mais fora,mas sem sucesso. Aquelas pessoas caram feito moscas mortas com aqueles

  • troos enfiados nelas. Ele se afastou da porta com uma expresso frustrada,depois colocou as mos nos quadris, como uma velha.

    Caram como moscas repetiu Mark baixinho. E um deles foi Darnell.Voc acha que ele ficar bem?

    Mark lanou-lhe um olhar que dizia: Voc costuma ser mais inteligente... EMark concordava com ele. Seu corao se apertou um pouco. Haviam sidoenvolvidos por uma loucura tal desde o aparecimento do Berg que s agora ele sedera conta: era muito provvel que Darnell estivesse morto.

    Por que estamos aqui? perguntou Mark.Alec se voltou para ele, o dedo em riste. Porque o que voc faz quando algum chega sua casa e ataca a sua

    gente. Voc resiste. No vou deixar esses vampiros escaparem impunes.Mark pensou em Darnell, em todas aquelas pessoas feridas e confusas, e

    percebeu que Alec tinha razo. Est bem. Estou com voc. E ento, o que faremos? Primeiro temos de conseguir abrir esta maldita porta. Ajude-me a examinar

    melhor o local; quem sabe no encontramos algo que possa abri-la.Mark perambulou pelo aposento procura, embora a luz fosse deplorvel. Por que a aeronave est pairando no mesmo lugar neste exato momento? Voc gosta de fazer perguntas para as quais no temos resposta. Por

    enquanto, abra bem os olhos e continue procurando. Est bem, est bem.De incio, Mark s via lixo e mais lixo. Peas sobressalentes, ferramentas,

    caixas repletas de suprimentos... Tinha de tudo: desde sabo at papel higinico.Ento avistou um objeto amarrado parede que Alec adoraria: uma marreta.

    Ei, aqui! gritou Mark. Desvencilhou a marreta das correias, segurando-anas mos. bem pesada; perfeita pra voc derrubar a porta com seus braoscolossais de soldado.

    No so mais to fortes como costumavam ser.O velho soldado soltou um risinho forado, a luz fraca cintilando em seus olhos

    ao segurar o cabo de madeira do objeto. Partiu para a porta trancada e comeoua desferir golpes. No havia a mnima chance de a porta no ceder, mas Markconsiderou que Alec poderia demorar um ou dois minutos para derrub-la. Sesperava que, quando a abrissem, no houvesse um exrcito de brutamontes comtrajes verdes esperando por eles do outro lado.

    Peeeeeee... Alec continuava golpeando a porta, os amassados aumentandode tamanho.

    Mark perambulou por ali, esperando encontrar algum tipo de arma paraquando aquela porta enfim cedesse. Alec, pelo menos, tinha uma enormemarreta nas mos para se defender. Algo no canto mais escuro do aposentochamou a ateno de Mark uma seo repleta de caixas de madeira com cerca

  • de sessenta centmetros de comprimento e trinta de altura e profundidade, quepareciam ter sido feitas para proteger algo importante. Algumas estavam abertase vazias; outras, fechadas.

    Correu para l e estreitou os olhos a fim de enxergar melhor, mas estavaescuro demais para distinguir qualquer coisa. Pegou uma das caixas fechadas era mais leve do que havia imaginado e a levou para uma zona mais iluminada,depois depositou-a sobre a superfcie de metal. Inclinando-se, pde enfim daruma boa olhada.

    Havia um smbolo de advertncia colado sobre a tampa, do tipo que indica queo contedo tem alguma espcie de risco biolgico. Um rtulo abaixo do smbolodizia:

    Vrus VC321xb47Altamente Contagioso

    24 Dardos; Manusear com Extremo Cuidado

    Mark se arrependeu de ter tocado naquela coisa.

  • M7

    ark endireitou o corpo e se distanciou alguns centmetros da caixa. Noconseguia acreditar que havia tocado nela. Correra at o risco de t-la aberto seno a houvesse trazido para um local mais iluminado primeiro. Pelo queimaginava, aqueles dardos bem poderiam ter se quebrado durante o voo do Berg.Talvez o vrus tivesse escapado pelas pequenas frestas da caixa. Sem mencionaras outras abertas nas prateleiras, embora estivessem vazias.

    Esfregou as mos na cala, afastando-se ainda mais.Peeeee...Alec parou de bater, respirando pesadamente. Mais um ou dois golpes e acho que esta joa vai ceder. Precisamos estar

    prontos. Encontrou alguma arma?Mark sentia-se nauseado. Como se insetos microscpicos houvessem saltado

    da caixa direto para sua pele e agora abrissem caminho at seu sangue enquantoestava ali de p.

    No; apenas uma caixa que contm dardos infectados com um vrus mortal.Ser que podemos disparar alguns neles? Pretendia que a informao soassecomo uma piada, mas de algum modo aquelas palavras o fizeram se sentir aindapior.

    O qu? Um vrus? repetiu Alec em tom duvidoso. Dirigiu-se para ondeMark se encontrava e se inclinou para a caixa que estava no cho. Aposto que...Ento era isso que estavam disparando em ns? Quem so estas pessoas?

    Mark estava em pnico. E se estiverem esperando pela gente do outro lado da porta? perguntou.

    S aguardando para enfiar esses dardos em nosso pescoo? Afinal, o que estamosfazendo aqui em cima? Ele podia perceber o tom de alarme crescente naprpria voz e se envergonhou disso.

    Calma, garoto. J estivemos em situaes muito mais difceis que esta respondeu Alec. Encontre alguma coisa, qualquer coisa, que possa pegar e darna cabea de algum que vier nos atacar. Quer deixar estas pessoas escaparemimpunes, mesmo tendo atirado esses dardos em alguns dos nossos amigos?Estamos aqui agora. No tem volta.

    O esprito de combate na voz de Alec fez Mark se sentir melhor, mais segurode si.

    Est bem. Vou procurar. Apresse-se!Mark havia visto uma chave-inglesa amarrada na parede perto da marreta.

    Correu at l e a pegou. Esperava encontrar uma arma de verdade, mas aquelapea de metal com aproximadamente trinta centmetros de comprimento teriade funcionar.

  • Alec tinha a marreta nas mos, pronto para golpe-la mais uma vez contra amaaneta.

    Tem razo quando diz que eles podem disparar contra ns assim que estaporta se abrir. No vamos cruz-la como uma dupla de gorilas idiotas. Fique ali eespere meu comando.

    Mark fez o que ele pedira, pressionando as costas contra a parede do outro ladoda porta. Segurava com firmeza a chave-inglesa.

    Estou pronto. O medo pulsava dentro dele. Tudo bem, ento.Alec levantou bem alto a marreta e depois a baixou contra a maaneta.

    Precisou dar mais dois golpes para aquela coisa enfim se quebrar com um rudo.Mais um golpe, e a porta foi totalmente aberta, indo para o lado de fora e batendona parede. Quase imediatamente trs dardos cortaram o ar: vupt, vupt, vupt,atingindo a parede mais distante. Depois ouviu-se o som de algo colidindo com ocho e passos se afastando. Tratava-se apenas de uma pessoa.

    Alec ergueu uma das mos como se pensasse que Mark fosse atacar o sujeito.Em seguida, espiou pela beirada do batente da porta.

    Tudo livre. Esse rato deve ter ficado sem dardos, porque jogou a arma nocho. Comeo a achar que este Berg tem uma tripulao mnima. Venha, vamoscaar essa doninha.

    Alec se inclinou passagem adentro, dirigindo o olhar de um lado para o outro.Depois se deslocou para a rea pouco iluminada frente. Mark respirou fundo eo seguiu, chutando, enojado, a arma para longe. Quando ela deslizou pelasuperfcie, atingindo uma das paredes, pensou em Darnell e naquele dardo quelhe atravessara o ombro. Mark desejava ter mais que uma chave-inglesa nasmos.

    Alec segurava a marreta com as duas mos, um pouco inclinado para frenteenquanto atravessava o corredor estreito. Ligeiramente curvado assim, pareciaseguir o contorno arredondado da nave. Painis brilhantes como o que tinhamvisto antes encontravam-se colocados a alguns centmetros de distncia um dooutro, apenas para proporcionar iluminao. Passaram por vrias portas, masnenhuma se abriu quando Alec testou as maanetas.

    Mark tentava controlar a tenso enquanto andavam, desejando, contudo, estarpronto se alguma coisa saltasse sobre ele. Estava prestes a perguntar a Alec sobrea disposio espacial de um Berg lembrava-se de que ele havia sido piloto antes quando ouviu o som de uma porta se abrindo frente, e depois sons de passos.

    Vamos! gritou Alec.O corao de Mark deu uma guinada e ele passou a correr a toda velocidade

    no encalo de Alec, ambos atravessando a porta curvados. Mark s conseguiucaptar o vislumbre de um vulto correndo frente, parecendo algum naquelestrajes verdes que haviam visto antes, mas sem o capacete. A pessoa berrou

  • alguma coisa, mas as palavras tornaram-se indecifrveis ao ecoarem corredorafora. Com certeza, era um homem. Muito provavelmente aquele que haviadisparado contra eles.

    O rudo de motores entrando em ao os atingiu, e o Berg sacolejou,avanando com um solavanco. Mark perdeu o equilbrio, bateu contra a parede,deu um salto com o impacto e depois tropeou em Alec, que se encontravaesparramado no cho. Os dois se esforaram para ficar em p, ainda com asarmas na mo.

    A cabine do piloto fica l na frente gritou Alec. Apresse-se! Ele noaguardou resposta; saiu correndo pelo corredor, Mark atrs dele.

    Chegaram a uma rea mais ampla com cadeiras e uma mesa, no momentoem que o homem que perseguiam desapareceu por uma escotilha redonda ques podia ser a cabine do piloto. Ele passou a puxar a porta para fech-la, masAlec lanou a marreta naquele exato momento. O objeto atingiu a paredeprxima escotilha e caiu no cho, emperrando a porta e a impedindo de fechar.Mark no se deteve: desviou de Alec e chegou primeiro cabine, inclinando-separa dentro sem parar para pensar direito no que fazia.

    Lanando um rpido olhar para o local, avistou duas cadeiras de piloto, janelasacima de amplos painis repletos de botes, visores e telas com informaes.Uma das cadeiras estava ocupada por uma mulher que pressionavafreneticamente alguns botes, fazendo o Berg avanar, as rvores desaparecendoabaixo deles a uma velocidade crescente. Mark mal havia processado todosaqueles dados, quando algum o atacou pela direita, ambos os corpos caindo aocho.

    Mark perdeu o flego quando o oponente tentou imobiliz-lo. Mas ento ohomem foi golpeado no ombro pela marreta de Alec e arremessado longe.Aterrissou no cho com um gemido de dor, e Mark se ps de p, lutando parainspirar e levar ar aos pulmes. Alec agarrou o homem pelo traje verde e otrouxe para perto do prprio rosto.

    O que est acontecendo por aqui? gritou o ex-soldado, gotas de salivavoando pela boca.

    A mulher que pilotava continuava a acionar os controles, ignorando a cenacatica atrs dela. Mark se aproximou, incerto sobre o que fazer. Recomps-se ecolocou toda a autoridade que conseguiu na voz.

    Pare esta coisa imediatamente. Retorne e nos leve para casa.Ela continuou a agir como se no o tivesse ouvido. Fale alguma coisa! gritava Alec para o homem capturado. No somos ningum! respondeu o sujeito em meio a um resmungo

    pattico. Fomos enviados apenas para executar o trabalho sujo. Enviados? repetiu Alec. Quem os enviou? No posso lhe dizer.

  • Mark ouvia o dilogo entre os dois. E estava aborrecido pelo fato de a mulherter ignorado suas ordens.

    J lhe disse para parar esta coisa! Agora! Ele ergueu a chave-inglesa, masse sentiu completamente ridculo com aquele gesto.

    Apenas sigo ordens, filho replicou a moa. No havia nenhum vislumbrede emoo em sua voz.

    Mark tentava encontrar uma resposta altura quando o barulho de Alecsocando o homem no cho desviou sua ateno.

    Quem os mandou? repetia ele. O que havia naqueles dardos que vocsdispararam contra ns? Algum tipo de vrus?

    Eu no sei o homem respondeu em meio a um gemido. Por favor, nome machuque mais. A ateno de Mark estava agora toda concentrada nohomem de traje verde, e uma colorao cinzenta de sbito lhe cobriu o rosto,como se tivesse sido possudo por alguma presena fantasmagrica.

    Faa o que tem de ser feito disse o homem, quase mecanicamente. Derrube-a.

    O qu? perguntou Alec. O que est dizendo?A mulher virou a cabea e olhou para Mark, que agora a encarava, perplexo.

    Ela tinha os mesmos olhos vazios, parecendo os de um zumbi, que o sujeito demacaco verde.

    Estamos apenas obedecendo a ordens.Ela estendeu a mo e empurrou uma alavanca, pressionando-a para frente at

    o limite. O Berg deu uma guinada e mergulhou rumo ao solo, as janelas dacabine de repente repletas de uma paisagem verde.

    Mark voou pela cabine e se chocou contra os painis de controle. Ouviu-se umrudo horrvel de algo sendo destrudo, e o ronco dos motores encheu seusouvidos. Depois, um barulho alto, seguido de uma exploso. O Berg se agitouviolentamente antes de se deter, e algo macio passou voando pela cabine ebateu contra a cabea de Mark. Ele sentiu uma dor imensa e fechou os olhosantes que o sangue cobrisse sua viso. Ento, lentamente, foi deixando aconscincia, enquanto ouvia Alec chamando seu nome em um tnel escuro einfinito.

    Um tnel... Que apropriado, pensou, antes de perder por completo os sentidos.Afinal, fora nele que tudo comeara...

  • M8

    ark reclina a cabea para trs contra o assento do Subtrans, enquanto este partea toda velocidade. Ele fecha os olhos e sorri. A escola vinha sendo um fardo nosltimos dias, mas aquilo tinha acabado. Por duas semanas. Agora ele podiarelaxar e se acalmar s ficar na dele. Jogar o Virtualbox e comer tudo o quetinha vontade. Sair para passear com Trina, conversar com Trina, implicar comTrina. Talvez ele dissesse adeus aos pais e raptasse Trina para fugir com ela.tima ideia.

    Ele abre os olhos.Ela est sentada sua frente, ignorando-o por completo. No tem ideia de que

    est sonhando acordado com ela, ou sequer de que est louco por ela. So amigosh muito tempo, mais pelas circunstncias que por qualquer outra coisa. Quandovoc mora na casa vizinha de um garoto, ele seu amigo segundo as regras douniverso. Homem, mulher, aliengena... no importa. Mas como ele poderia teradivinhado que Trina se transformaria nesta coisa linda com um corpo atraente eolhos deslumbrantes? O nico problema, claro, era que todos os outros caras daescola tambm gostavam dela. E Trina gostava de ser admirada. Isso era bvio.

    Ei diz ele. Atravs dos tneis sob a cidade de Nova York, os trens da rededo Subtrans correm com um rudo baixo, o movimento sendo quase relaxante.Isso o faz fechar os olhos de novo. O que voc est pensando sobre aquilo l?

    Os olhos dela encontram os dele; ento seu rosto se abre num sorriso. Absolutamente nada. E isso que farei durante duas semanas. No pensar.

    Se comear a pensar, vou pensar sem parar em no pensar, at parar de pensar. Uau. Parece um grande esforo. No. S divertido. Apenas mentes geniais sabem como fazer isso.Este um daqueles momentos em que Mark sente o mpeto ridculo de dizer

    que gosta dela; de convid-la para um encontro de verdade; de estender sua moe segurar a dela. Em vez disso, saem as tolices confusas de costume. Oh, maissbia entre as sbias, talvez voc possa me ensinar este mtodo de pensar em nopensar.

    O rosto dela se franze um pouco. Voc to idiota.Oh, sim. Com certeza Trina o est manipulando. Ele se v soltando um suspiro,

    talvez desejando socar o prprio rosto. Mas eu gosto de idiotas diz ela, para suavizar o golpe.E ele se sente bem de novo. E ento... quais so seus planos? Vo pra algum lugar, vai ficar em casa ou

    fazer o qu? Talvez a gente v para a casa de minha av por alguns dias, mas logo

    estaremos de volta. Talvez eu saia com o Danny em algum momento, mas no

  • h nada certo. E voc?Faltou pouco para ser nocauteado. So muitos altos e baixos com esta garota. Humm... sim. Quero dizer, no. Apenas... Nada. Vou ficar sentado em

    algum lugar comendo salgadinhos. E soltando muitos arrotos. Quero passarbastante tempo vendo minha irmzinha ser estragada com presentes. Madison.Sim, ela mimada, e metade da culpa do prprio Mark.

    Bem, talvez possamos dar uma volta por a.O humor dele volta a melhorar. Seria fantstico. O que me diz de fazermos isso todos os dias? Esta a

    declarao mais direta que j fez para ela. Tudo bem. Talvez a gente possa at... Ela olha ao redor com cautela

    exagerada, depois volta a se concentrar nele. Trocar um beijo no seu poro.Durante um longo segundo ele acha que Trina fala srio, e seu corao para

    completamente, os pelos se eriando como soldados perfilados em sua pele.Uma onda de emoo arde em seu peito.

    Mas depois ela comea a rir como louca. Na verdade, no com malcia, etalvez no d para identificar nem mesmo um sinal de flerte real por ali. Omximo que ele pode afirmar que ela os v apenas como amigos de toda umavida, nada mais. E que a sugesto do beijo no poro pura tolice. Mark decideoficialmente abandonar por um tempo as ideias que vem tendo.

    Voc hilria diz ele. Estou me matando de rir por dentro.Ela para com as risadas e usa a mo para abanar o rosto. Eu realmente toparia, sabe?A ltima palavra mal pronunciada e as luzes se apagam.O trem perde toda a potncia e passa a reduzir a velocidade; Mark quase

    despenca do assento e vai parar no colo de Trina. Em qualquer outro momento,talvez aquela fosse uma boa coisa, mas agora ele se sente apavorado. Ouvirahistrias sobre esse tipo de situao ter ocorrido antigamente, mas durante seutempo de vida a energia do Subtrans jamais havia falhado. Esto em umaescurido absoluta, completa. As pessoas comeam a gritar. O crebro no estpreparado para imergir em tal escurido sem aviso prvio. apavorante. Enfim,a iluminao proveniente de alguns telefones de pulso a abranda um pouco.

    Trina agarra a mo dele e a aperta. O que est acontecendo? pergunta ela.Mark se sente tranquilizado, porque na verdade Trina no parece to

    apavorada. E isso o faz readquirir o controle dos sentidos. Embora nunca tivessepassado por qualquer situao semelhante, por certo o Subtrans podia falhar svezes.

    Falha mecnica, eu acho. Ele pega o palmphone; no rico o bastante parater uma daquelas coisas luxuosas de pulso. Estranhamente, est sem servio.Coloca-o de volta no bolso.

  • Luzes de emergncia amareladas se acendem, formando uma trilha no teto dovago. So fracas, mas ainda assim um alvio bem-vindo aps a completacegueira de antes. Ao redor, as pessoas esto todas de p, olhando para cima epara baixo, sussurrando furiosas umas com as outras. Sussurrar parece ser o quese deve fazer em uma ocasio como aquela.

    Pelo menos no estamos com pressa diz Trina. Sussurrando, claro.Mark no tem mais a sensao inicial de pnico. Agora, tudo o que deseja

    lhe perguntar o que ela quis dizer quando falou: Eu realmente toparia, sabe?.Mas aquele momento passou, morreu. Todo o encanto fora quebrado.

    O vago balana. Por um breve instante. Em seguida, comea a tremer muito,sob efeito de uma vibrao forte. Isso inquietante, e as pessoas gritam de novoe passam a andar de um lado para outro. Mark e Trina trocam um olhar cheio decuriosidade, com um lampejo de medo.

    Dois homens correm para as portas de sada, esforando-se para abri-las. Elasenfim cedem, e eles saltam para fora, tomando o caminho que percorre aextenso do tnel. Como um monte de ratos fugindo de um incndio, o restantedos passageiros os segue, acotovelando-se, atropelando-se e praguejando at quetodos estejam fora. Em cerca de dois ou trs minutos, Mark e Trina estosozinhos no vago do Subtrans, as luzes plidas refletindo sobre eles.

    No tenho certeza de que esse seja o certo a fazer diz Trina, por algumarazo ainda sussurrando. Estou certa de que esta coisa logo vai voltar a semovimentar.

    Pode ser Mark responde. O vago continua a balanar um pouco, o quecomea a preocup-lo um pouco mais. No sei. Na verdade, algo realmenteparece estar errado.

    Acha que devemos sair daqui?Ele reflete durante um instante. Acho. Se ficarmos sentados aqui, vou acabar enlouquecendo. Certo. Talvez voc tenha razo.Mark se levanta, Trina tambm. Caminham em direo s portas abertas e

    depois saltam para fora. O caminho estreito e no tem corrimo, o que o fazparecer muito perigoso no caso de o veculo voltar a se movimentar. As luzes deemergncia iluminam parcialmente o tnel, mas pouco fazem para romper aescurido quase palpvel de um lugar to subterrneo.

    Eles foram naquela direo diz Trina, apontando para a esquerda. E algoem seu tom o faz desconfiar de que ela pensa em seguir a direo oposta. Eleconcorda.

    Ento... vamos pela direita responde, chamando-a com um aceno decabea.

    Certo. No quero ficar perto de nenhuma daquelas pessoas. No sei explicarpor qu.

  • Bem, parecia uma multido furiosa... Vamos.Ela o puxa pelo brao e segue pelo caminho estreito. Os dois correm com uma

    das mos apoiada na parede, quase se inclinando na direo dela para secertificarem de que no cairo nos trilhos. A parede tem certa vibrao, mas nocomo a do Subtrans. Talvez o que quer que tenha causado a pane eltrica enfimcomece a se estabilizar. Talvez fosse apenas um terremoto e tudo volte logo aonormal.

    Caminham por uns dez minutos, sem falar nada um com o outro, quandoouvem gritos frente. No apenas gritos. Algo alm de gritos. Um som degenuno terror, como o de pessoas sendo abatidas. Trina para e se vira paraencarar Mark atrs dela. Quaisquer dvidas ou melhor, esperanas desaparecem.

    Algo horrvel est acontecendo ali.O instinto de Mark se virar e correr na direo oposta, mas fica

    envergonhado quando Trina abre a boca e mostra o quanto corajosa: Precisamos subir e ver o que est acontecendo... Talvez a gente possa

    ajudar.Como ele poderia dizer no a isso? Correm, to cautelosa e rapidamente

    quanto podem, at chegar ampla plataforma de uma subestao. Ento, param.A cena diante deles terrvel demais para a mente de Mark registrar. Mas eletem conscincia de que nada em sua vida, nunca, jamais, ser igual.

    Corpos forram o cho, despidos e queimados. Gritos e lamentos de dorperfuram seu tmpano e ecoam pelas paredes. Pessoas se arrastam de um ladopara o outro, braos estendidos, roupas flamejantes e rostos se derretendo comocera. H sangue por toda parte. E uma horrvel onda de calor impregna o ar,como se estivessem dentro de um forno.

    Trina se vira, agarra a mo dele com tal expresso de horror no rosto, que eleconsidera por um momento se ela no ficar gravada na mente dele parasempre. Ela o puxa pela mo, correndo de volta para o lugar de onde vieram.

    O tempo todo ele pensa em seus pais. E na irmzinha.Em sua mente, ele os v com o corpo em chamas em algum lugar. V

    Madison gritando.Seu corao fica dilacerado.

  • M

    9

    ark!A viso se foi, mas a lembrana do tnel ainda escurecia a mente dele como

    se uma espcie de lodo se infiltrasse nela. Mark! Acorde!Era a voz de Alec. Sem dvida. Berrando com ele. Por qu? O que havia

    acontecido? Acorde, droga!Mark abriu os olhos, momentaneamente cego sob a luz brilhante penetrando

    pelos ramos acima dele. Ento distinguiu o rosto de Alec, que cobria a luz, e pdeenxergar com mais clareza.

    J era hora comentou o velho soldado, soltando um suspiro exagerado. Estava comeando a entrar em pnico, garoto.

    Foi quando Mark se deu conta da dor na cabea. Por isso demorara paraacordar. A dor dentro do crnio era lancinante, parecia ocupar todo o seucrebro. Grunhiu e colocou as mos na testa, tocando a superfcie mida desangue coagulado.

    Ai! foi tudo o que conseguiu dizer antes de soltar um lamento. , voc bateu a cabea quando camos. Tem sorte de estar vivo. Sorte de ter

    um anjo da guarda como eu para cuidar de voc.Mark achou que aquilo poderia mat-lo, mas tinha de faz-lo. Tomado pela

    agonia, sentou-se. Piscou para que as manchas sumissem de seu campo de visoe esperou que a dor na cabea e no resto do corpo diminusse. Depois, olhou emvolta.

    Estavam em uma clareira cercada por rvores. Razes retorcidas abriamcaminho atravs das folhas pontiagudas dos pinheiros e de folhas cadas. Cercade trinta metros longe dali, os destroos do Berg jaziam entre dois carvalhosgigantescos, quase como se houvessem germinado ali como algum tipo de flormetlica gigantesca. Retorcido e inclinado, ele desprendia fumaa, embora nohouvesse nenhum sinal de fogo.

    O que aconteceu? perguntou Mark, ainda desorientado. Voc no se lembra? Bem... no, desde que o que quer que seja esmagou minha cabea!Alec ergueu as mos para o alto. No foi nada de extraordinrio. Camos, e arrastei voc at aqui. Depois me

    sentei e fiquei observando voc se agitar como se estivesse tendo um pesadelo.Lembra disso?

    Mark concordou com um aceno de cabea. No queria mais pensar naquilo. Inspecionei o Berg o mximo que pude contou Alec, mudando de assunto.

    Mark agradeceu o fato de ele no insistir no assunto. Mas a fumaa dos motores

  • era demais. Quando conseguir andar sem que seus olhos saiam das rbitas, querovasculhar um pouco mais. Vou descobrir quem eram aquelas pessoas e por quefizeram o que fizeram. Nem que seja a ltima coisa que eu faa.

    Certo respondeu Mark. Ento um pensamento o atingiu, seguido por umaonda de alarme. E quanto quela coisa de vrus que vimos? E se as caixas demadeira e os dardos tiverem quebrado e aquilo estiver por toda parte agora?

    Alec levantou a mo e deu um tapinha amigvel no peito de Mark. Eu sei, eu sei. No se preocupe. Tive de passar por aquele lugar para sair da

    nave e vi as caixas ainda lacradas e em segurana. Como um vrus se manifesta? Quero dizer... h alguma chance de o termos

    contrado? Seramos capazes de notar? Ele no gostava daquela situaoincerta. Que tipo de vrus voc acha que ?

    Alec soltou uma breve risada. Filho, so timas perguntas, para as quais no tenho nenhuma resposta.

    Temos de perguntar especialista quando voltarmos. Talvez Lana j tenhaouvido falar desse vrus antes. Mas acho que, a menos que voc tenha umresfriado muito forte, no me preocuparia muito com isso. Lembre-se: o tal dovrus nocauteou os outros imediatamente, e voc continua de p.

    As palavras da caixa voltaram, luminosas, mente de Mark, embora tentasserelaxar. Altamente contagioso. Vou levar isso em conta respondeu devagar. A que distncia voc acha que estamos do assentamento?

    No tenho ideia. Talvez precisemos enfrentar uma longa caminhada, masnada que seja impossvel.

    Mark deitou no cho e fechou os olhos, colocando seu brao sobre eles. D-me apenas alguns minutos. Depois podemos dar uma busca na nave.

    Quem sabe o que poderemos encontrar... isso a.

    Meia hora mais tarde, Mark estava de novo dentro do Berg, chutandoescombros, s que agora caminhava sobre uma das paredes, em vez de sobre asuperfcie metlica.

    Andar no Berg inclinado daquela maneira era desorientador... confundia amente e perturbava o estmago j embrulhado. Mas estava to determinadoquanto Alec a encontrar algo que esclarecesse a quem o Berg pertencia. Erabvio que no se encontravam mais em segurana nas pequenas cabanas damontanha.

    O maior desafio seriam os sistemas de computador, mas Alec os testou semnenhum resultado. Estavam desativados, embora houvesse uma chance de queele e Alec encontrassem um telefone ou um workpad em algum lugar entre osdestroos. E, se tivessem sorte, estaria funcionando. Fazia um sculo desde queMark havia visto tecnologia como aquela. Depois do episdio das chamas solares,

  • tinham ficado apenas com o que no fora fritado, e as baterias no durarammuito. Mas, como j sabiam, era possvel que houvesse baterias dentro do Berg.

    Um Berg. Ele estava dentro de um Berg. E comeava a se dar conta de quantoo mundo havia mudado em apenas um ano. Houvera uma poca em que ver umBerg era to excitante quanto ver uma rvore. E apenas no dia anterior eleimaginava que jamais veria outro de novo. Agora encontrava-se ali, vasculhandoum que ajudara a destruir, buscando seus segredos. Era estimulante, embora tudoo que houvesse visto at agora fosse lixo, roupas, destroos da nave e mais lixo.

    Ento descobriu um tesouro. Um workpad em perfeito estado defuncionamento. Estava ligado, e a tela brilhante foi o que mais chamou a atenode Mark. Encontrava-se entre um colcho e o estrado de um beliche em uma daspequenas cabines. Desligou-o assim que o tirou dali; se a bateria descarregasse,no haveria como recarreg-la.

    Encontrou Alec em outra cabine, inclinado sobre uma mala, praguejandoenquanto tentava abri-la.

    Ei, olhe o que encontrei anunciou Mark com orgulho, levantando o workpadpara Alec ver. E voc?

    Alec endireitou o corpo, os olhos cintilando diante da descoberta do amigo. No achei porcaria nenhuma e j estou ficando cansado de procurar.

    Vamos dar uma olhada nisso. Tenho receio de que a bateria descarregue falou Mark. Eu sei, mas essa mais uma razo para examinarmos essa coisa agora

    mesmo, no acha? Vamos fazer isso l fora. Estou cansado deste monte de lixo.

    Mark e Alec se curvaram juntos sobre o workpad, sentados sob a sombra deuma rvore, enquanto o sol continuava a se arrastar pelo cu. Mark podia jurarque o tempo transcorria mais devagar quando aquela coisa estava l em cima,arremessando neles seus raios medonhos e poderosos. Tinha de ficar enxugandoo suor das mos para conseguir controlar as funes da tela do workpad.

    Workpad. Jogos, livros, programas novos e antigos que tinham antecedido oataque das chamas solares. Havia um dirio pessoal que podia proporcionar umatonelada de informaes interessantes caso tivesse sido atualizado recentemente.Mas no dispositivo no havia muita coisa relacionada rea profissional.

    Encontraram, por fim, a apresentao do mapeamento. Era bvio quefuncionava pelos satlites do antigo GPS; todos haviam sido destrudos noholocausto de radiao das chamas solares. Mas este parecia ter um link com orastreador do Berg, talvez controlado por um antigo radar ou outra tecnologia deondas curtas. E havia ainda um registro de todas as viagens que a nave agoradestruda tinha realizado.

    Olhe para isso pediu Alec, apontando para um ponto no mapa. Toda linha

  • que rastreava os voos do Berg acabavam convergindo para ele. Esse deve ser oquartel-general, base ou seja l o nome que se d a isso. E, a julgar pelascoordenadas e pelo que sei sobre esta cadeia de montanhas que chamamos delar, no pode estar a mais de oitenta ou cem quilmetros de distncia.

    Talvez seja uma antiga base militar sugeriu Mark.Alec refletiu por alguns instantes. Talvez uma casamata. Ter algo desse tipo nas montanhas faria sentido. E ns

    vamos at l, garoto. Antes tarde do que nunca. Agora? Mark sabia que seu crebro ainda estava confuso por ter sido

    atingido durante a queda, mas certamente o velho soldado no desejavacaminhar toda aquela distncia antes de voltar ao assentamento.

    No, no exatamente neste momento. Precisamos ir para casa e descobrir oque aconteceu l. E ver se Darnell est bem. Alm dos outros.

    O corao de Mark apertou diante da meno a Darnell. Sabe o que vimos naquele Berg? As caixas de dardos? No h como aquelas

    pessoas terem tido todo aquele trabalho para nos infectar com gripe. Voc tem razo. Odeio dizer isso, mas voc tem razo, garoto. No espero

    boas notcias em nosso retorno grandioso. Mas, de qualquer maneira, precisamosir at l. Portanto, vamos em frente.

    Alec se levantou e Mark o seguiu, guardando o workpad no bolso traseiro dacala. Preferia mil vezes voltar a seu povoado a procurar uma casamata.

    Partiram. Mark ainda se sentia meio zonzo e com a cabea um pouco dolorida.Mas, quanto mais ganhavam distncia, mais seu pulso acelerava e melhor ele sesentia. rvores, sol, arbustos, razes, esquilos, insetos e cobras. O ar estavaquente, mas fresco, recendendo a seiva e torrada queimada, e aquele aromaenchia seus pulmes.

    O Berg os havia levado para muito mais longe de casa do que tinhamimaginado, e terminaram acampando duas noites na floresta, descansandoapenas o suficiente para renovarem as foras. O pequeno animal caado porAlec e sua faca era a nica refeio. Enfim aproximaram-se do assentamentono fim da tarde do terceiro dia aps o ataque do Berg.

    Mark e o velho soldado estavam a cerca de um quilmetro e meio da aldeiaquando o fedor da morte os atingiu como uma nova onda de calor insuportvel.

  • O10

    sol estava a poucas horas de se pr quando chegaram base da encosta, abaixodos afastados casebres e cabanas.

    Mark rasgou uma larga tira da camisa para cobrir o nariz e a boca. Pressionoua mo contra o tecido ao chegarem perto da ltima colina antes do povoado. Ocheiro era terrvel. Podia senti-lo na lngua, mido, podre e venenoso, descendoat o estmago como se houvesse engolido algo que tinha comeado a sedecompor. Lutando contra a vontade de vomitar, foi andando, um p diante dooutro, esperando, quase sem flego, ver que horrores haviam se instalado comoconsequncia do ataque.

    Darnell.Mark no tinha esperanas quanto a ele; aceitara, com o corao pesado, que

    o amigo estava morto. Mas e quanto a Trina? E Lana? Sombria e Sapo? Estariamvivos? Ou doentes, devido a algum vrus maluco? Parou a um gesto de Alec, queestendeu a mo e lhe tocou o peito.

    Muito bem, escute disse o velho, a voz abafada atrs de sua faixa de tecidoprotetora. Precisamos estabelecer alguns pontos antes de chegarmos l. Nopodemos deixar que as emoes dominem tudo. No importa o que vejamos, aprioridade salvar o mximo possvel de pessoas.

    Mark fez um aceno com a cabea e depois fez meno de continuar acaminhar, mas Alec o deteve.

    Mark, preciso saber se estamos do mesmo lado. Alec exibia uma carrancaaustera, expresso que fez Mark se lembrar de um professor preocupado. Sechegarmos l e comearmos a abraar as pessoas e a chorar, tentando fazercoisas sem sentido por gente que no tem chance, tudo porque estamosperturbados... isso s vai prejudicar mais as pessoas a longo prazo. Entende?Precisamos pensar a longo prazo. E, por mais egosta que parea, precisamossobretudo nos proteger. Percebe o que quero dizer? Proteger a ns mesmos.Salvar o maior nmero de pessoas significa que no poderemos ajudar ningumse estivermos mortos.

    Mark olhou dentro dos olhos de Alec e viu neles algo to duro quanto pedra.Sabia que o amigo estava certo. Com o workpad, o mapa e as coisas que sabiamsobre as pessoas que h