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oapítulo 21 tro de um sistema social, enquanto as segundas se referem a modificações do pr6prio sistema social. A transição do feudalismo ao capitalismo é um exem- plo de mudança estrutural. Ela ocorreu, na opinião de Eric Hobsbawm, importante historiador inglês, de maneira lenta e sinuosa e levou pelo menos oito séculos para se completar: do ano 1000 a 1800, quando chegou ao fim, na Inglaterra, a Primeira Re- volução Industrial. O mesmo historiador observou ainda que "ninguém pode duvidar que, no período de 1 000 anos - todo ou quase todo - antes de 1800 a evolução econômica [da Europa] seguiu fir- memente na mesma direção'". Ou seja: na direção do desenvolvimento comercial e urbano. A principal conseqüência desse desenvolvi- mento foi a lenta dissolução das relações servis, que eram a base do domínio da aristocracia guerreira medieval. Vejamos como foi esse processo. o MUNDO MOD[RNO As transformações sociais 1. Conjuntura e estrutura. No estudo da Histó- ria, devemos ter em mente que qualquer sociedade é um todo mais ou menos coerente e estruturado a partir de alguns poucos princípios, em geral ditados pela camada dominante. As sociedades anteriores ao capitalismo, por exemplo, organizavam-se tendo em vista sobretudoasegurança contra ataques ex- .ternos. O seu elementoprincipal era, p.or isso, o corpomilitar aristocrálic..Q,que, pela sua reconheci- da importância social, contava com privilégios e era .nbedecido em razão do respeito que, graças às suas' armas, inspirava aos trabalhadores. Já as sociedades capitalistas estruturam-se tendo por fundamento a proteção da propriedade privada e o favorecimento à lllÇlélJ:ivid.agedos empresáríos. Em suma, as so- ciedades divididas em classes se_organizam segun- do o interesse, a mentalidade e os objetivos da ca- mada dominante. As vozes e as ações contrárias são quase sempre silenciadas, As sociedades, entretanto, mudam. Nem sem- pre da maneira como gostaria a camada dominante, como se verificou no feudalismo. Mas a pergunta principal é: o que provoca a mudança? Desde logo, precisamos distinguir entre mu- danças conjunturais e mudanças estruturais. As pri- meiras dizem respeito a modificações ocorridas den- 2. O trabalho compulsório. Fazia parte da con- dição servil trabalhar nas terras do senhor, entregar a ele parte da colheita ou efetuar pagamentos em dinheiro em troca de "proteção". Não havia portan- to reciprocidade. Os servos efetuavam pagamentos em espécie ou em dinheiro porque eram obrigados ou forçados a isso. Os senhores tinham direito sobre o trabalho dos servos, em virtude do costume insti- tuído na Idade Média. I Eric Hobsbawm. Do feudalismo para o capitalismo, In: Rodney Hilton et alii. A transição do feudalis1JW para o capitalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, P: 162,

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oapítulo 21

tro de um sistema social, enquanto as segundas sereferem a modificações do pr6prio sistema social. Atransição do feudalismo ao capitalismo é um exem-plo de mudança estrutural. Ela ocorreu, na opiniãode Eric Hobsbawm, importante historiador inglês,de maneira lenta e sinuosa e levou pelo menos oitoséculos para se completar: do ano 1000 a 1800,quando chegou ao fim, na Inglaterra, a Primeira Re-volução Industrial. O mesmo historiador observouainda que "ninguém pode duvidar que, no períodode 1 000 anos - todo ou quase todo - antes de1800 a evolução econômica [da Europa] seguiu fir-memente na mesma direção'". Ou seja: na direçãodo desenvolvimento comercial e urbano.

A principal conseqüência desse desenvolvi-mento foi a lenta dissolução das relações servis, queeram a base do domínio da aristocracia guerreiramedieval. Vejamos como foi esse processo.

o MUNDO MOD[RNO

As transformações sociais

1. Conjuntura e estrutura. No estudo da Histó-ria, devemos ter em mente que qualquer sociedadeé um todo mais ou menos coerente e estruturado apartir de alguns poucos princípios, em geral ditadospela camada dominante. As sociedades anterioresao capitalismo, por exemplo, organizavam-se tendoem vista sobretudoasegurança contra ataques ex-.ternos. O seu elementoprincipal era, p.or isso, ocorpomilitar aristocrálic..Q,que, pela sua reconheci-da importância social, contava com privilégios e era

.nbedecido em razão do respeito que, graças às suas'armas, inspirava aos trabalhadores. Já as sociedadescapitalistas estruturam-se tendo por fundamento aproteção da propriedade privada e o favorecimentoà lllÇlélJ:ivid.agedos empresáríos. Em suma, as so-ciedades divididas em classes se_organizam segun-do o interesse, a mentalidade e os objetivos da ca-mada dominante. As vozes e as ações contrárias sãoquase sempre silenciadas,

As sociedades, entretanto, mudam. Nem sem-pre da maneira como gostaria a camada dominante,como se verificou no feudalismo. Mas a perguntaprincipal é: o que provoca a mudança?

Desde logo, precisamos distinguir entre mu-danças conjunturais e mudanças estruturais. As pri-meiras dizem respeito a modificações ocorridas den-

2. O trabalho compulsório. Fazia parte da con-dição servil trabalhar nas terras do senhor, entregara ele parte da colheita ou efetuar pagamentos emdinheiro em troca de "proteção". Não havia portan-to reciprocidade. Os servos efetuavam pagamentosem espécie ou em dinheiro porque eram obrigadosou forçados a isso. Os senhores tinham direito sobreo trabalho dos servos, em virtude do costume insti-tuído na Idade Média.

I Eric Hobsbawm. Do feudalismo para o capitalismo, In: Rodney Hilton et alii. A transição do feudalis1JW para o capitalismo. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1977, P: 162,

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CAPíTULO 21. 217

Os servos são coagidos aotrabalho por força extra-econômica, enquanto o

trabalhador contemporâneoé levado a trabalhar por

razões econômicas.

Ser forçado a trabalhar sem receber nenhumapensação material é o que caracteriza aquilo que

historiadores denominam trabalho compulsório.ervidão é um tipo de trabalho forçado ou compul-

Ainda hoje temos o costume de dizer que, paraer, somos obrigados a trabalhar. Mas essa obriga-

•- tem um sentido totalmenteerente da obrigação dos servos.

- oje, quem não trabalha não re-:ehe salário e, portanto, não tem- eiro para adquirir os bens de

. e necessita. O trabalhador hojese vê na obrigação de trabalhar

razões meramente econômicas.: -ão era o caso dos servos; estesEIaIJl obrigados a trabalhar e a

ar ao senhor devido não a razões econômicas,ao costume e à tradição. A violação desse cos-

e ou o não cumprimento das leis costumeirasera punido, em última instância, com o uso da vio-. cia por parte do senhor. Havia, portanto, uma

> a extra-econômica, ou seja, não econômica, quemantinha os servos em seu lugar, ao passo que são~ Iças puramente econômicas as que mantêm hojeem-dia os trabalhadores em sua condição. Os servoseram controlados diretamente pelos senhores ou porseus representantes (poder pessoal), enquanto o tra-3aJhador atual é controlado pelo mercado (poder im-_ soal). O trabalhador de hoje tem patrão, e este

'0 tem poder pessoal sobre aquele: o empregadopode abandonar o seu emprego quandobem enten-

I. O servo, ao contrário, estava preso à terra e nãopodia abandoná-Ia: ele não tinha patrão, ma~ umsenhor com poderes sobre sua vida particular. E por- o que dizemos que os servos não eram homensivres.

Pois bem, com as crises do século XIV a servi-- o tal como existia antes praticamente desapare-eu, e o homem livre tornou-se elemento constitu-. 'o das sociedades da Europa ocidental.

3. O nascimento da sociedade do homem li-e. Afirmar que a servidão praticamente desapare-

ceu significa constatar que a maioria dos campone-ses se libertou da autoridade direta dos senhores.

e os camponeses se libertaram, então o poder dossenhores sobre eles foi anulado ou, pelo menos, di-

z Historia de Ias formas políticas. Revista de Occidente, Madrid, p. 21,1968.

minuiu consideravelmente. Por isso, em meados doséculo XV, quando au;r.ises do século anterior aca-baram, a questão era: como controlar a massa cam-ponesa que se libertara da servidão?

Para reaver esse controle bastaria, teoricamen-te, restaurar ª autoridade senhorial no campo e.fa-zer o campesinato retomar à sua antiga condição

servil. Mas essa era uma soluçãoimpraticável em virtude do alto.nível de urbanização e mercanti-lização atingido pelo Ocidente.Vejamos por quê .

O desenvolvimento comer-cial e urbano não era incompatí-vel com o feudalismo. Ao contrá-rio, era parte integrante dele. Ofeudalismo ocidental era uma

unidade em quej~Ldaçk~ campo se intercomunica=-_vamo E foi graças a isso que se criou, para os servosa alternativa da fuga para as cidades. Da mesma for-ma, foi graças à economia monetária que a presta-ção de serviços gratuitos (corvéia) pôde. ser substi-tuída por pagamento. em 9inb~iro, o que afrouxou eenfraqueceu os laços da servidão, provocando a suadecadência e, finalmente, a sua dissolução. Por isso,rara restaurar a_s~rvidã9IJQºc~d~nt~ seria necessá-rio destruir as cidades e o comércio - o que eraimpossível- e ainda lidar com a revolta campone-sa que poderia ser desencadeada.

Transformações políticas eeconômicas

1. As cidades-Estados e os impérios univer-sais. "Pode-se dizer que todo desenvolvimento cons-titucional da Antiguidade se move entre os extre-mos da cidade-Estado e do império universaL" Essáafirmação foi feita, com razão, pelo historiador ale-mão Otto Hintze", Os sumérios e os egípcios cria-ram, como sabemos, as mais antigas das civilizaçõesbaseadas em cidades-Estados e no império universal.Na Antiguidade clássica, os gregos, com suas cida-des-Estados, reproduziram o modelo de civilizaçãoinstituído pelos sumérios, e Roma, que se tornou im-pério universal, o modelo inaugurado pelos egípcios.Os fenícios, por sua vez, seguiram o exemplo de ci-dade-Estado, e os persas, o de império universal.

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218 • UNIDADE 4

Assim, tanto nos impérios universais quantonas cidades-Estados antigas, o valor que se conferiaà função social dos guerreiros era equivalente ao quehoje em dia se dá à função social do empresário.Daío prestígio, logo convertido em poder e privilé-gio, desfrutado pelos guerreiros em toda a Antigui-dade. Foi esse o mecanismo que comandou em todaparte a metamorfose dos guerreiros em nobres. Defato, as sociedades da Antiguidade eram essencial-mente nobiliárquicas ou aristocráticas.

Detalhe do estandarte de Ur, de cerco de 2500 a.c., representando um corro de batalhosumeriano.

A partir do final daIdàde Média, os

interesses mercantispassaram a comandar

as guerras.

Apesar de diferentes quanto à forma de orga-nização política, as civilizações baseadas em cida-des-Estados e as que constituíram impérios univer-sais apresentavam um ponto em comum: eram or-ganizações bastante vulneráveis aos ataques de ban-dos armados. Por essa razão, todas as sociedadesantigas priorizavarn a segurança e, em maior oumenor grau, todas elas eram belicosas. Não é deestranhar, assim, que o guerreiro fosse a figura maisimportante por toda parte.

Porém, diferentemente das guerras primitivas,as guerras da Antiguidade desempenhavam uma im-portante função econômica. Nenhuma outra ativida-

. de trazia enriquecimento mais rápido. Para os vence-dores, é claro. Para os vencidos significava empobre-cimento, dominação e morte. Estar preparado para aguerra era, pois, a preocupação número um das anti-gas cidades-Estados e dos impérios universais.

A guerra tinha também uma função política,pois propiciava ao rei dividir com seus guerreiros osdespojos arrancados aos inimigos e, através dessa"generosidade", reafirmar a suaautoridade como chefe guerreiro.

Mas nem sempre o saque eraa parte mais lucrativa da guerra. Osvencedores podiam anexar os ter-ritórios sob domínio dos vencidos e,de vitória em vitória, acabar crian-do um vasto império. E era dessemodo que os impérios funcionavam: depois de sub-metidos, os povos conquistados passavam a pagartributos regulares ao reino conquistador, prolongan-do-se, assim, os benefícios das vitórias militares.

2. Uma nova direção da História. Quando caiuo Império Romano e o seu lugar foi ocupado pelosreinos germânicos, parecia que esse padrão, tão fa-miliar na Antiguidade, se reproduziria. Mas não foio que aconteceu. Com a Idade Média (476-1453)teve início na história da humanidade uma formainédita de desenvolvimento, que desembocou na so-

ciedade capitalista atual - a pri-. meira inteiramente comandadapor empresários, e não por aris-tocracias guerreiras.

Essa importante mudançade direção da História ocorreunuma certa altura da Idade Mé-dia, quando Iicou claro que aguerra não era mais tão lucrativa.

Isso se deveu, em grandeparte, à alteração da posição desubordinação à guerra ocupada'tradicionalmente pelo comérciona sociedade. A partir da IdadeMédia teve início um processoque inverteu essa antiqüíssimarelação, abrindo caminho para aconstituição cio capitalismo. No

capitalismo, a guerra ficou claramente subordina-da ao comércio, e as guerras passaram a ser feitaspara remover obstáculos ao desenvolvimento mer-

cantil. Em outras palavras: nas socie-dades capitalistas os generais estãoquase sempre a serviço de interes-ses empresariais, e não o contrário.

3. As Cruzadas e a expansão ul-tramarina. Ao longo da Idade Médiae da Idade Moderna, podemos apon-

tar dois momentos decisivos dessa transformação, re-presentados pelas Cruzadas (l096-1270) e pela ex-pansão ultramarina européia (séculos XVe XVI), im-portantes processos do expansionismo europeu.

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CAPíTULO 21. 219

Chamamos de Cruzadas a uma série de expe-ções cristãs empreendidas contra os muçulmanos

Oriente Médio. Elas tiveram início em 1095,cando o papa Urbano II anunciou uma expedi-- a Jerusalém, contra os muçulmanos, com a fi-

idade de libertar o Santo Sepulcro - o túmuloCristo. O anúncio foi recebido com grande entu-

;:,mo, fato que surpreendeu o papa. Quatro anos- is tarde, em 1099, pouco antes de sua morte,:"-:bano II recebia a esperada notícia: Jersualém fora

rtada. Ao longo de quase duzentos anos, oitoedições foram enviadas à Terra Santa. Em mea-do século XIII, essas expedições começaram achamadas pelo nome com que ficariam conhe-

::!das: Cruzadas. Antes disso, elas eram designadas_ mo peregrinação ou guerra santa.

Tomando como referência as quatro primeirasrruzadas, observarrios a seguinte evolução: na primeira'096) predominou o fervor religioso contra os "in-

::éis"; na segunda (1147-1149) e na terceira (1189-: 191),0 espírito guerreiro motivado por conquistas:erritoriais; e, na quarta (1204), o interesse comercial

neziano atropelou a todos. Como se pode ver, de.rma cruzada a outra, a fé foi substituída pela guerra e_ QUerra,pelo comércio, Ao longo das quatro primei-

cruzadas destacaram-se, pois, sucessivamente,- sacerdotes, os guerreiros e osmerciantes, não por acaso, as ca-adas sociais cujo entrelaçamen-

zomodelou a sociedade feudal._ Já ª expansão ultramarina,

iniciada por Portugal com a con- ,ouista de Ceuta em 1415, foi mar-cada, em seu início, pela oscilaçãoentre a conquista territorial no_ larrocos, na África - defendidapela nobreza - e a expansão ma-rítima para o sul- defendida pe-

s comerciantes .. Entre 1415 e~460, a conquista militar alternou-se com a abertura de novos mer-cados. Porém, conforme as pala-vras de Vitorino Magalhães Godi-nho, um grande historiador portu-QUês,com D. João II (1481-1491)Portugal entrou "no apogeu da po-lítica comercial e marítima, domesmo passo que a nobreza [foi]

ferrea~ente abatida". Em outras palavras, a expan-são ultramarina - mais do que as cruzadas - assi-nala o momento histórico em que os comerciantessuplantaram os 'guerreiros. De resto, o seu triunfo foiassegurado pela colonização da América, na qual elescriaram para si um importante e estratégico ponto deapoio para as suas atividades na Europa. Ao subme-terem ao seu controle e em seu benefício boa parteda produção colonial, os comerciantes ingressaramnum processo de irreversível ascensão econômica.

4. O novo caráter das cidades. Com a ascensãodos comerciantes verificada a partir da Idade Mé-dia, o desenvolvimento urbano ingressou em umanova era. Como tivemos a oportunidade de ver, ascivilizações greco-romanas foram basicamente ur-banas, mas desconheciam uma autêntica economiaurbana, pois a sua base era essencialmente rural.Somente na Idade Média as cidades começaram aganhar uma feição econômica própria, com base nocomércio e,n0 artesanato, passando, em seguida, ainfluir sobre a economia rural. J~,aJº-ªd_e..l\-1é.9iat~.Y.~início, portanto, o prpcesso de urbanização do cam-po, em contraposição ao padrão das cidq.de.s furqli:zadas da Antiguidade clássica. Isso porque as socie-dades feudais deram ao comércio e à produção urba-

lIustroção de um burgo medievol mostrondo os oficinos de um olfoiote, de um boticário e deum borbeiro.

3A expansão quatrocentista portuguesa. Lisboa: Empr. Cont. e Edições, 1964-65. p. 78.

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220 • UNIDADE 4

ça) e Ricardo Coração de Leão (da Inglaterra).Seuobjetivo era reconquistar Jerusalém, tomada pelohábil chefe muçulmano Saladino(Salah-ed-Din),em 2 de outubro de 1187, depois de reunir sob asua autoridade um vasto território que ia do Egitoà Síria. Essa "cruzada dos reis" tampouco obtevesucesso.

Como as anteriores, a Quarta Cruzada foiconvocada pelo papa. Os nobres responderam aoapelo papal, porém não havia recursos para o trans-porte. Um acordo com a cidade de Veneza resolveuo problema. Os cruzados pagariam parte das des-pesas em dinheiro e o restante com 50% do queconquistassem. Como, entretanto, não dispunhamda quantia para o pagamento em dinheiro, os vene-zianos propuseram a quitação da dívida. com umtrabalho militar extra: a ocupação de Zara, uma ci-dade que, embora cristã, era rival de Veneza.

Não bastasse isso, um novo ingrediente foiintroduzido: um príncipe bizantino, cujo pai haviasido deposto do trono imperial, fez uma propos-ta sedutora: ele prometia colocar a Igreja orientalsob a autoridade do papa, caso os cruzados o aju-dassem a depor o usurpador e a recuperar o trono.

Essa cruzada, embora também tivesse comoobjetivo a libertação de Jerusalém, jamais chegouao seu destino. Depois de saquear a cidade de Zarae, em Constantinopla, derrubar o usurpador, em1203, os cruzados, insatisfeitos com' as promes-sas não cumpridas pelo imperador restaurado, de-cidiram eles próprios assumir, em 1204, o gover-no bízantino. Desse episódio nasceu o Império La-tino de Constantinopla, que durou até 1261.

A Quinta Cruzada (1218-1221), contra oEgito, malogrou. A Sexta Cruzada (1228-1229) foiconduzida pelo imperador Frederico 11(Sacro Im-pério) e limitou-se à fracassada negociação com-osultão do Egito, que tinha por objetivo a restituiçãodas cidades de Jerusalém, Belém e Nazaré. A Séti-ma (1248-1249) e a Oitava (1270) Cruzadas foramcomandadas pelo rei Luís IX (São Luís) da França.Na Sétima, o rei francês atacou o Egito, mas foiderrotado e feito prisioneiro em dezembro de 1249,sendo libertado depois de pagar resgate. Em 1270,São Luís decidiu novamente atacar o Egito, maslogo depois de desembarcar em Cartago,no norteda África, morreu vitimado por uma peste.

As Cruzadas

A Primeira Cruzada inclui, pelo menos, duasexpedições distintas - a cruzada popular e a se-nhorial. A cruzada popular foi liderada por um talPedro, o Eremita, que conduziu uma multidão deindivíduos, pobres e desarmados, para o Oriente,onde foi dizimada pelos turcos.

A cruzada senhorial, que não contou com aparticipação de nenhum rei, foi chefiada por qua-tro nobres - três franceses e um normando daSicília -, que partiram das respectivas regiões,

,em 1096, e reuniram seus exércitos em Cons-tantinopla. No Oriente Médio, eles conquistaramJerusalém, que foi transformada num reino, e fun-daram os principados de Edessa, Antioquia e Trí-poli. Em 1144 o principado de Edessa foi recon-quistado pelos muçulmanos.

Uma nova cruzada - a segunda - começouentão a ser organizada. Luís VII, rei da França, eConrado III, do Sacro Império, que representavamas duas maiores potências ocidentais, foram os prin-cipais integrantes da Segunda Cruzada. Mas o sal-

. do foi uma decepção: depois de sofrerem pesadasperdas, os monarcas retomaram à Europa.

Quarenta anos depois do fracasso da Segun-da Cruzada, Fredetico Barba-Ruiva, imperador doSacro Império, partiu para o Oriente: Alguns me-s,esdepois, porém, ele morreu afogado num rio daAsia Menor. Outros dois monarcas participaramdessa Terceira Cruzada: Filipe Augusto (da Fran-

lIuminuro medievol representondo o cerco à cidode de firo, noPolestino, ocorrido duronte o Primeiro Cruzodo.

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CAPíTULO21. 221

na, pela primeira vez na História, "um lugar estru-tural autônomo", conforme expressão do historia-dor John Merrington. Essa novacondição histórica estimulou acriação e o desenvolvimento dascidades- Estados italianas (Ve-neza, Gênova e Pisa), cujo pa-pel na economia européia a par-tir do século XI foi de granderelevância.

À medida que o comércioe as cidades se desenvolviam, iaganhando espaço um novo tipo de organização polí-tica: as monarquias nacionais (século XII em dian-te). Essas novas entidades - menores que os impé-rios universais, porém maiores que as cidades-Esta-dos - abarcaram, com o tempo, as cidades e os

poderes senhoriais locais e regionais e emancipa-ram-se dos poderes universais, originando o absolu-

tismo monárquico. Com a suaafirmação em várias partes -França, Inglaterra, Espanha, Por-tugal, etc. -, surgiram vários fo-cos de poder político suficiente-mente fortes para pôr fim ao so-nho universalista do Sacro Impé-rio e do papado.Em plenaIdade

..MMia, nascia desse modo. aEu-ropa, cuja inovadora característi-

ca consistia em ser politicamente dividida em mp-riãrquias nacionais, mas economicamente unificadapelo mercado. O Estado absolutista foi, ao lado dodesenvolvimento da economia de mercado, um dosimportantes elementos do mundo moderno.

A partir do século XII aEuropa foi se tornando

politicamente dividida emmonarqUIas, maseconomicamente

unificada pelo mercado.

1. O que você entende por conjuntura e por estrutura?

2. Por que o servo era um trabalhador compulsório?

3. Por que até meados da Idade Média as sociedades eram essencialmente guerreiras?

4. Por que o texto afirma que, a certa altura da Idade Média, "a guerra não era mais tão lucrativa"?

5. Explique por que as Cruzadas exemplificam muito bem a mudança do papel da guerra nas socieda-des européias.

6. Identifique a razão para a expansão marítima portuguesa ser tomada como marco importante naHistória ocidental.

7. Quais as características que distinguiam as cidades italianas das demais cidades européias?

8. Leia atentamente os dois textos e responda às questões propostas.

Texto 1Os pensadores sociais dos séculos XVIII e XIXcostumavam conceber a História da civili-

zação como a sucessão de dois princípios gerais de vida coletiva: a conquista e o comércio.Guerra e comércio, escreveu Benjamin Constant, o maior liberal do início do século XIX, sãodois meios diferentes de obter o mesmo fim: a posse do que se deseja. [...]

Antes da Revolução Industrial, os impérios, constituindo extensas áreas de povos muitodiversos, não podiam ser mantidos em interação estável por meios puramente econômicos. Osantigos impérios, como o romano ou o chinês, duravam séculos - mas suas unidades econômi-cas eram, como os feudos medievais, praticamente isoladas, contrastando singularmente com avasta interdependência em que vivem as fábricas e, mais geralmente, todas as empresas moder-nas. A economia antiga era, assim, uma economia, no essencial, de subsistência. Entretanto,era também altamente monetarizada e existia dentro de um espaço territorial imenso - o impé-rio. Além disso, na economia antiga, que era evidentemente de base agrícola, a maior produtivi-

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dade correspondia às fazendas operadas por escravos. Como explicar esses paradoxos? A respos-ta está no caráter militar da sociedade antiga.

(Adaptado de: José Guilherme Merquior. A natureza do processo. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1982. p. 45-7.)

222 • UNIDADE 4

Texto 2Todos os grandes impérios universais da Antiguidade e do mundo extra-europeu tiveram

formas constitucionais despóticas. Até onde alcança a experiência histórica, só se encontramconstituições livres onde os Estados estejam, na maioria, em de pé de igualdade, com reconhe-cimento recíproco de sua independência. Hoje inclinamo-nos a considerar tal relação comonormal e natural da vida estatal. Porém não o é de modo algum. Se tivermos em vista toda aHistória da humanidade, tais sociedades de Estados constituíram sempre uma exceção; o fenô-meno somente aparece em grande escala uma vez em toda a História universal, que é no siste-ma de Estados europeu, o qual deve seu nascimento a um desenvolvimento completamentesingular.

\

(Otto Hintze. Historia de Ias formas políticas. Revista de Occidente, Madrid, p. 21,1968.)

a) Com base nos dois textos e no capítulo estudado, explicite a relação que se pode estabelecerentre o caráter militar da sociedade antiga e as formas constitucionais despóticas de todos osgrandes impérios universais da Antiguidade.

b) Explique qual a diferença existente entre a economia de subsistência antiga e a atual economiade mercado.

9. A última grande manifestação de poderio militar do século XX foi a Guerra do Golfo, em que,basicamente, tropas norte-americanas e inglesas enfrentaram soldados iraquianos. Levante dadossobre esse conflito numa enciclopédia, situando-o no tempo e explicitando causas e resultados. Emseguida, escreva sua opinião sobre as possíveis motivações econômicas dessa guerra'.