OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

15
125 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 125-135, out. 2010 Márcio de Oliveira Recebido em 17 de setembro de 2009. Aprovado em 29 de dezembro de 2009. O ESTADO EM DURKHEIM: ELEMENTOS PARA UM DEBATE SOBRE SUA SOCIOLOGIA POLÍTICA I. INTRODUÇÃO A obra do sociólogo francês Émile Durkheim é bastante conhecida do público universitário bra- sileiro, em particular no campo das Ciências So- ciais, embora não sejam numerosos os que se rei- vindiquem durkheimianos ou que trabalhem a partir de sua perspectiva teórica. Do mestre de Bordeaux, temos traduzidas para o português as obras As regras do método socio- lógico (1937) 1 , Educação e sociologia (1939), Lições de Sociologia (1969) 2 , Sociologia e Filo- sofia (1970), O suicídio (1973), Ciência Social e ação (1975), A divisão do trabalho social (1977), As formas elementares da vida religiosa (1989), Socialismo (1993), Sociologia e Filosofia (1994), Evolução das idéias pedagógicas na França (1995), Lições de Sociologia (2002), Ética e So- ciologia da Moral (2003) 3 e Pragmatismo e So- A existência de uma sociologia política em Durkheim tem provocado polêmicas e é assunto controverso, não apenas no Brasil, mas especialmente na França, sobretudo porque esse subcampo não consta da divisão das áreas da Sociologia que o próprio autor apresentou em vida. Este trabalho defende a tese segundo a qual há elementos que permitem pensar a sociologia política durkheimiana. Isso é feito por meio de um exame detalhado da evolução teórica de seu pensamento desde 1886, quando Durkheim retorna da Alemanha. Seguindo tanto a pista deixada por Marcel Mauss, quanto analisando suas obras e as obras de seus dois biógrafos mais importantes (Lukes e Fournier), investigamos como os temas propriamente políti- cos (em especial, o Estado) surgem na Sociologia durkheimiana. Em conclusão, afirmamos que não é a partir de uma reflexão sobre a questão do poder (ou sobre o Estado) em si, mas sobre a função social deste poder e/ou deste Estado e sua relação com a moral social que se deve compreender a sociologia política durkheimiana. PALAVRAS-CHAVE: Émile Durkheim; Estado; Sociologia Política; teoria sociológica. ciologia (2004) 4 . A ordem cronológica das tradu- ções parece indicar que a contribuição de Durkheim para temas da Sociologia Política (ou da Ciência Política) seria de menor importância. A importância secundária conferida aos estu- dos políticos de Durkheim não seria uma particu- laridade pátria. Os estudos de Durkheim sobre a moral, o Direito e a política, reunidos sob o título de Lições de Sociologia 5 , a obra clássica da “So- ciologia Política” durkheimiana 6 , foram publica- 1 Para efeito deste trabalho, utilizamos a edição de 1977. 2 Esse livro ganhou uma reedição completa, com apresen- tação de Oliveiros Ferreira, em 2002. Nossas referências dizem respeito a essa edição. 3 Nesse caso, trata-se não de uma obra, mas da tradução de um artigo, “La science positive de la morale en Allemagne”, publicado originalmente em 1887. O título em questão é uma tradução para o português do mesmo título que a obra ganhou na edição norte-americana, organizada por Robert T. Hall, Ethics and Sociology of Morals, publicada em 1993 pela Prometheus. 4 A relação desses livros indica, de certa forma, a própria recepção da obra de Durkheim no Brasil. A obra foi inicial- mente introduzida no campo do Direito, freqüentou grande número de “manuais de Sociologia” e desempenhou papel crucial no processo de implantação da Sociologia como disciplina científica e universitária (particularmente na Universidade de São Paulo). 5 Doravante abreviamos para LS. 6 Embora o título seja “Física dos costumes e do Direito”, trata-se da obra que reúne as mais importantes análises políticas de Durkheim, como explicaremos mais tarde.

Transcript of OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

Page 1: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

125

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 125-135 OUT. 2010

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 125-135, out. 2010

Márcio de Oliveira

Recebido em 17 de setembro de 2009.Aprovado em 29 de dezembro de 2009.

O ESTADO EM DURKHEIM:ELEMENTOS PARA UM DEBATE SOBRE SUA

SOCIOLOGIA POLÍTICA

I. INTRODUÇÃO

A obra do sociólogo francês Émile Durkheimé bastante conhecida do público universitário bra-sileiro, em particular no campo das Ciências So-ciais, embora não sejam numerosos os que se rei-vindiquem durkheimianos ou que trabalhem a partirde sua perspectiva teórica.

Do mestre de Bordeaux, temos traduzidas parao português as obras As regras do método socio-lógico (1937)1, Educação e sociologia (1939),Lições de Sociologia (1969)2, Sociologia e Filo-sofia (1970), O suicídio (1973), Ciência Social eação (1975), A divisão do trabalho social (1977),As formas elementares da vida religiosa (1989),Socialismo (1993), Sociologia e Filosofia (1994),Evolução das idéias pedagógicas na França(1995), Lições de Sociologia (2002), Ética e So-ciologia da Moral (2003)3 e Pragmatismo e So-

A existência de uma sociologia política em Durkheim tem provocado polêmicas e é assunto controverso,não apenas no Brasil, mas especialmente na França, sobretudo porque esse subcampo não consta dadivisão das áreas da Sociologia que o próprio autor apresentou em vida. Este trabalho defende a tesesegundo a qual há elementos que permitem pensar a sociologia política durkheimiana. Isso é feito por meiode um exame detalhado da evolução teórica de seu pensamento desde 1886, quando Durkheim retorna daAlemanha. Seguindo tanto a pista deixada por Marcel Mauss, quanto analisando suas obras e as obras deseus dois biógrafos mais importantes (Lukes e Fournier), investigamos como os temas propriamente políti-cos (em especial, o Estado) surgem na Sociologia durkheimiana. Em conclusão, afirmamos que não é apartir de uma reflexão sobre a questão do poder (ou sobre o Estado) em si, mas sobre a função social destepoder e/ou deste Estado e sua relação com a moral social que se deve compreender a sociologia políticadurkheimiana.

PALAVRAS-CHAVE: Émile Durkheim; Estado; Sociologia Política; teoria sociológica.

ciologia (2004)4. A ordem cronológica das tradu-ções parece indicar que a contribuição de Durkheimpara temas da Sociologia Política (ou da CiênciaPolítica) seria de menor importância.

A importância secundária conferida aos estu-dos políticos de Durkheim não seria uma particu-laridade pátria. Os estudos de Durkheim sobre amoral, o Direito e a política, reunidos sob o títulode Lições de Sociologia5, a obra clássica da “So-ciologia Política” durkheimiana6, foram publica-

1 Para efeito deste trabalho, utilizamos a edição de 1977.2 Esse livro ganhou uma reedição completa, com apresen-tação de Oliveiros Ferreira, em 2002. Nossas referênciasdizem respeito a essa edição.3 Nesse caso, trata-se não de uma obra, mas da tradução deum artigo, “La science positive de la morale en Allemagne”,

publicado originalmente em 1887. O título em questão éuma tradução para o português do mesmo título que a obraganhou na edição norte-americana, organizada por RobertT. Hall, Ethics and Sociology of Morals, publicada em 1993pela Prometheus.4 A relação desses livros indica, de certa forma, a própriarecepção da obra de Durkheim no Brasil. A obra foi inicial-mente introduzida no campo do Direito, freqüentou grandenúmero de “manuais de Sociologia” e desempenhou papelcrucial no processo de implantação da Sociologia comodisciplina científica e universitária (particularmente naUniversidade de São Paulo).5 Doravante abreviamos para LS.6 Embora o título seja “Física dos costumes e do Direito”,trata-se da obra que reúne as mais importantes análisespolíticas de Durkheim, como explicaremos mais tarde.

Page 2: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

126

O ESTADO EM DURKHEIM

dos inicialmente não na França, mas na Turquia,na Faculdade de Direito da Universidade de Is-tambul, apenas em 1950, pelo sociólogo turcoHüseyin Nail Kubali7. Mas além de Lições, nasobras O socialismo e Ciência Social e a ação8 eem diversos trabalhos e resenhas, alguns publica-dos após sua morte, o autor tratou de temas dapolítica. São eles9: “Les principes de 1789 et lasociologie” (1890), “La famille conjugale” (1892),“La concéption matérialiste de l’histoire” (1897),“L’État” (1900-1905?), “Etat et société en Russie”(1902), “L’organisation politique des primitifs”(1903), “Villes, Etat et Conféderation en Grèce”(1903), “Internationalisme et lutte de classes”(1906), “Débat sur l’economie politique et lessciences sociales” (1908), “Origine de l’Etat et dela famille en Rome” (1910), “Montesquieu etRousseau : precurseurs de la Sociologie” (1966)10.

Não se deve esquecer ainda que mesmo nasobras não propriamente “políticas” como, porexemplo, A divisão do trabalho social, As regrasdo método sociológico e O suicídio11, há claraspassagens sobre questões afeitas à sociologia po-lítica, inclusive uma discussão sobre o papel doEstado nas sociedades modernas (caso particularde DTS e SUI). Enfim, segundo Marcel Mauss(1925, p. 8), pouco antes de falecer, Durkheimtrabalhava em seu curso intitulado “Morale civique

et professionnelle”, em que os leitores poderiamcomprovar como haviam evoluído suas idéiassobre o “Estado em particular”12.

Mas se entre os sociólogos, e nos diversossubcampos da sociologia, várias são as análisesda obra de Durkheim, apenas os trabalhos deLacroix (1984), de Giddens (1981; 1998) e mes-mo do cientista político brasileiro Oliveiros Ferreira(2002)13 demonstraram interesse em compreen-der a “Sociologia Política” do mestre de Bordeaux.Com efeito, para o primeiro, (LACROIX, 1984,p. 99), Durkheim afirma que, desde seu segundolivro, RMS, o sentido da nova ciência (a Sociolo-gia) era político e que os fenômenos tratados se-riam “sociopolíticos”14. Já para Giddens (1981,p. 42), os laços de solidariedade, trabalhados porDurkheim em DTS, implicariam diferentes tiposde Estado, e estes conservariam não apenas “im-portantes funções morais em uma sociedade de-senvolvida, mas também seu papel se estenderá”.Enfim, Oliveiros Ferreira (2002, p. XIV), afirmaque o Estado é “um grupo social diferenciado eautônomo em relação à sociedade” e que essa au-tonomia tem também origem na divisão do traba-lho.

Todos os autores acima apontam para a im-portância do fenômeno político e de seus laçoscom a sociedade como um todo. Apontam aindapara a autonomia do grupo social (ou do agentesocial) “Estado” e, assim, para a existência de uma“Sociologia Política”. Vale perguntar, portanto, porque Durkheim não produziu um livro inteiro so-bre o fenômeno político, contentando-se, ao con-trário, com textos esparsos e aulas. Nestes, emvez de ter sido pensado apenas como agente depoder, o Estado tornou-se um agente moral, de-sempenhando funções sociais que ultrapassarama questão política per se. Terá sido esse desloca-mento teórico o fator que teria obscurecido sua

7 Marcel Mauss, quando entregou as cópias datilografadasa Kubali, pretendia publicar as “lições” integralmente nosLes annales sociologiques. Publicou, contudo, apenas astrês primeiras lições, na Revue de Métaphysique et de Morale,em 1937. Para maiores detalhes, ver Kubali (1950), Fournier(2007, p. 275) e Demir (2008).8 Obra organizada e apresentada por Jean-Claude Filloux(1970).9 Os textos abaixo estão disponíveis permanentemente nosítio http://classiques.uqac.ca/classiques/Durkheim_emile/durkheim.html. Acesso em: 19.ago.2010.10 Trata-se, aqui, de uma obra publicada em 1966, comintrodução de Georges Davy, que reuniu dois trabalhos,“La contribution de Montesquieu à la constitution de laScience sociale”, escrito em 1892 e publicado originalmen-te em 1937 na Revue d’Histoire Politique etConstitutionnelle, e “Le ‘Contrat Social’ de Rousseau”, es-crito em 1918 e publicado originalmente na Revue deMétaphysique et de Morale, tomo XXV. Disponível emhttp://classiques.uqac.ca/classiques/Durkheim_emile/durkheim.html. Acesso em: 19.ago.2010.11 Doravante abreviamos para DTS, RMS e SUI, respec-tivamente.

12 Infelizmente, Durkheim deixou dessas idéias apenas“rascunhos e esboços”, uma “perda irreparável”. Ver Mauss(1925, p. 7-8).13 Nascido em 1929, foi Professor da Faculdade de Filo-sofia da Universidade de São Paulo até 1983. Publicou,entre outros, As Forças Armadas e o desafio da Revolução(1964), O fim do Poder Civil (1966) e Forças Armadaspara quê (1988). Atualmente é professor da PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo (PUC-SP).14 E é esse raciocínio que permite ao autor afirmar queDurkheim inventou também a “Ciência Política”.

Page 3: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

127

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 125-135 OUT. 2010

sociologia política? A hipótese perseguida aqui é:não é a partir de uma reflexão sobre a questão dopoder (ou sobre o Estado) em si, mas sobre afunção social desse poder e/ou desse Estado e suarelação com a moral social individual que se devecompreender a sociologia política durkheimiana.

II. A SOCIOLOGIA POLÍTICA DURKHEIMIANA

No quadro em que enumera “esquematica-mente as principais divisões da Sociologia”, es-forço produzido no contexto da revista AnnéeSociologique15, Durkheim (1970, p. 153) apre-senta as seguintes sociologias: geral, religiosa,moral e jurídica, econômica, lingüística e estéti-ca. Não há, portanto, uma divisão ou um subcampo“Sociologia Política”.

A questão social e a questão política propria-mente dita não estavam, contudo, ausentes daspreocupações intelectuais de Durkheim. Ao con-trário, Mauss (1925, p. 6) afirma que seu tio vi-veu os grandes problemas sociais da época, con-viveu com socialistas franceses importantes, comoJean Jaurès (1859-1914)16, entregou-se com pai-xão à análise do socialismo, que ele pretendeutransformar em objeto de tese e estudou-o em suasdiversas versões, particularmente as análises deSaint-Simon e Karl Marx. O estudo sobre o soci-alismo, iniciado e finalmente parcialmente organi-zado e publicado por Mauss17, não foi concluído.Mas Durkheim dedicou-lhe um curso, ministradona Faculdade de Letras de Bordeaux entre novem-bro de 1895 e maio de 1896, tratando-o cientifi-camente como um fato social e estudando-o apartir do método sociológico que acabara de defi-nir em RMS.

Esse dado, por si só, coloca em xeque a tesede Birnbaum (1976, p. 247), segundo a qual, o

“fundador da Escola Francesa de Sociologia pre-feriu se interrogar sobre as formas não especifi-camente políticas, tais como os suicídios, os ri-tos matrimoniais ou funerários, as religiões ou ain-da a educação”. Ou ainda a idéia que apresenta omestre de Bordeaux não tendo elaborado uma “so-ciologia política que trouxesse à luz os laços queunem o Estado às estruturas sociais”.

Nisbet (1993, p. 190-203) discorda dessa tese.Afirma que a “autoridade” constitui um verdadeiroleitmotiv teórico da obra durkheimiana. Inicialmente,a lei era a instituição que assegurava a coesão soci-al. Mas a lei só cumpriria essa função se fosserevestida de uma autoridade moral, cuja expressãono campo da política e das liberdades individuaisseria assegurada pelo Estado. Segundo Nisbet,Durkheim teria passado a advogar a tese de que oEstado, regulando as atividades dos grupos sociaissecundários (as associações profissionais autôno-mas), inclusive sua capacidade de opor-se a eles,garantiria o Direito e as liberdades individuais. Essaera sua função social primordial.

Lukes (1985, p. 268-274), o primeiro biógra-fo de Durkheim, analisa a contribuição do mestrefrancês sobre temas da Sociologia Política, den-tro do subcampo por ele intitulado “A Sociologiado Direito e da Política”18. Todas as citações deque se vale são retiradas das LS, o que, além derefutar a tese de Birnbaum (1976), demonstra aimportância central das reflexões sobre o Estadoe sobre a política. Mas tendo como referência essaúnica obra, as considerações de Lukes (1985) sãológicas e previsíveis. Noções como Estado, gru-pos políticos, agentes (funcionários do Estado)etc. são compreendidas no interior da “sociedadepolítica”, definida tanto como uma categoria deanálise quanto como um espaço social oriundo dadivisão do trabalho. O ponto mais importante nacompreensão do sociólogo inglês parece ser suaafirmação sobre a relação recíproca que existeentre os indivíduos e o Estado, e o papel que oúltimo desempenha em relação aos primeiros. Osindivíduos agem com respeito a uma moral e nãoapenas impulsionados por interesses econômicos,como pressupunha a filosofia utilitarista da épo-ca. A nuança é importante porque é esse indivíduomoral que permite o Estado agir no interesse dasociedade, mas não necessariamente determina-do pela “opinião pública”.

15 A revista foi fundada por Durkheim em 1898 e foipublicada anualmente até 1925. Ressurgiu entre 1934 e1942. Voltou a ser publicada regularmente após a II GuerraMundial e assim permanece até hoje.16 Foi um dos líderes socialistas mais importantes de suaépoca, tendo fundado o Partido Socialista (1906) e o jornalL’Humanité (1904), que viria a tornar-se o órgão oficial doPartido Comunista Francês. Foi eleito Deputado váriasvezes e publicou diversas obras sobre a política. É conside-rado um herói nacional e seus restos mortais estão no Panteãofrancês.17 Com o título de “Le Socialisme”. Para maiores detalhes,ver Mauss (1925). 18 Literalmente, “The Sociology of Law and Politics”.

Page 4: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

128

O ESTADO EM DURKHEIM

Lukes afirma enfim que, segundo Durkheim,o Estado deveria perseguir objetivos (ou fins) quecorrespondessem às características de cada umadas sociedades modernas, respeitando suas pe-culiaridades e seus valores morais. Mas, afirma,retornando ao denominador comum, deveria li-bertar as “personalidades individuais”, defenden-do-as das antigas corporações por meio da cria-ção (e promoção) dos grupos secundários de re-presentação que se interporiam entre o nível indi-vidual e o nível do Estado. Com efeito, os finsperseguidos e a função social do Estado são a portade entrada para compreender a sociologia políticadurkheimiana (idem, p. 269).

Giddens (1981, p. 43), na conhecida apresen-tação crítica da obra de Durkheim, concorda comesse desenvolvimento teórico. Ele resgata a im-portância do debate sobre o socialismo e o indiví-duo, e o papel do Estado nos diferentes tipos desociedade, como forma de solucionar os confli-tos (entre patrões e empregados, mas não ape-nas) da sociedade industrial de sua época, discus-são central em DTS. Sua “sociologia política” ti-nha a ver com o novo papel moral e legal que oEstado passava a desempenhar nas sociedadesmodernas (orgânicas). Nestas, o Estado moder-no defenderia os indivíduos de outros grupos so-ciais, mormente das antigas corporações, mas tam-bém das famílias, das tradições e dos grupos reli-giosos19.

Em outro trabalho, Giddens (1998) volta a afir-mar que Durkheim preocupou-se com a regulaçãomoral das sociedades industriais, com a anomia ecom os conflitos de sua época. A saída para estesestava, uma vez mais, no Estado, único depositá-rio da força moral capaz de retirar o indivíduo deseu comportamento puramente utilitarista. Emoutros termos, também no capitalismo era possí-vel esperar um comportamento moral. Para isso,duas condições eram necessárias. Primeiro, a atu-ação das corporações profissionais na produçãoda “moral profissional”, assunto sobre o qualDurkheim dedica as três primeiras lições, mais tardereagrupadas em LS. Segundo, a atuação do Esta-do, impedindo que essas corporações agissemcomo no passado, obrigando seus membros a de-terminadas práticas sociais, mas também freando

o poder do Estado sobre os indivíduos. “As pro-postas de Durkheim para uma retomada das as-sociações profissionais (corporations), dentro doquadro geral do Estado, têm afinidades precisascom o solidarismo dos socialistas radicais, e demaneira geral com as tradições de corporativismoque se entrelaçavam com o socialismo na históriada teoria política francesa. (idem, p. 115).

Giddens conclui então: “O Estado dentro deuma forma de governo democrática era o princi-pal agente de implementação ativa dos valores doindividualismo moral; ele era a forma institucionalque tomava o lugar ocupado pela igreja nos tipostradicionais de sociedade” (idem, p. 131).

Fournier (2007), o mais recente biógrafo deDurkheim, destaca seus escritos propriamente po-líticos, apresentando-os, porém, no interior de suatrajetória de vida e confrontando-os com os aconte-cimentos sociais (movimentos socialistas, casoDreyfus e I Guerra Mundial, por exemplo) que oscercaram. Mostra assim como certos acontecimen-tos políticos foram fundamentais no desenvolvi-mento de sua obra. Esse autor afirma ainda que ocurso sobre a “história do socialismo”, queDurkheim ministra no ano escolar 1895-1896, apre-senta uma definição do fenômeno político que emnada se distancia de sua visão mais geral dos fenô-menos sociais. As crenças políticas (os movimen-tos e mesmo a “ciência marxista”) são representa-ções coletivas como quaisquer outras. A visão deEstado aparece no contexto de sua relação com osDireitos individuais e sua capacidade de garanti-los. É quando se fortalece o Estado que a socieda-de política que ele cria apresenta “uma relativa au-tonomia e uma força específica” (idem, p. 269).

Os autores trabalhados concordam que, paraDurkheim, a relação entre a sociedade política (Es-tado, governo, funcionários etc.) e o indivíduo écentral para a manutenção da sociedade. Concor-dam ainda que essa relação tem por fundamento aautoridade moral ou simplesmente a moral social.Dito de outra forma, eles acreditam que Durkheimnão teria pensado a sociedade política atuando deforma paralela aos indivíduos, mas como uma for-ça moral atuando em relação a eles, desempenhan-do a função que tantos intelectuais da “III Repúbli-ca”20 dela esperavam. Lembremos: Durkheim con-viveu com socialistas, presenciou conflitos soci-

20 Período da história francesa que vai de 1870 a 1940.

19 Giddens (1981, p. 43-44), interpretando Durkheim,afirma: se o “[...] Estado é fraco, o resultado é o domíniomanifesto do costume e do hábito [...]”.

Page 5: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

129

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 125-135 OUT. 2010

ais, reagiu contra o famoso “vazio moral” de suaépoca, posicionou-se a favor do capitão AlfredDreyfus (1859-1935)21 e foi contra a I GuerraMundial. Mas, aparentemente, ele não dispunha deinstrumentos confiáveis para tratar cientificamentedesses assuntos, como bem percebeu Lacroix: “Em1895, Durkheim escreve: ‘No estado atual de nos-sos conhecimentos, nós não sabemos com exati-dão o que é o Estado, a soberania, a liberdade polí-tica, a democracia, o socialismo, o comunismo etc.,o método gostaria então que se proibisse todo ouso destes conceitos, enquanto eles não fossemcientificamente constituídos’” (LACROIX, 1984,p. 16).

A reflexão acima foi desenvolvida em uma obra,RMS, cujo objetivo central era definir não apenaso objeto da Sociologia, mas os instrumentosconceituais que permitissem estudar cientificamen-te os fenômenos da vida social, e não apenas aque-les propriamente políticos. Durkheim escreveuesse livro em um momento em que, em termosacadêmico-institucionais, não havia ainda umafaculdade (ou cursos) de Ciência Política na Fran-ça, mas apenas um instituto, L’Institut d’EtudesPolitiques, fundado em 1872, cujo objetivo eraformar a “elite política francesa”.

É possível entender assim por que, paraLacroix (idem), o poder (e/ou a autoridade) emDurkheim não foi inicialmente trabalhado comoum conceito, nem mesmo descrito como uma ins-tituição. Inicialmente, ele “designa sempre umarelação de interação” entre indivíduos e a socieda-de política e, portanto, só poderia ser compreen-dido a partir da função que desempenha. O poderé quem age. E o agente do poder (ou da autorida-de) é o Estado e seus funcionários (a sociedadepolítica). Lacroix (idem, p. 256) afirma assim queo “objeto político” da sociologia durkheimiana é afunção social do Estado na sociedade. Mas seufundamento não poderia ser a força física, comoem Weber. Os laços que poderiam unir os homensdeveriam ser morais, coletivos e legitimados de-

mocraticamente. Assim, mesmo o problema dacoesão social passava pelo Estado. Em suma, en-contrar o fundamento moral dos interesses su-postamente utilitários (ou econômicos) de cadaum foi o guia da reflexão política de Durkheim.Fazemos dele também o nosso ponto de partida22.

Para compreender a importância do fato mo-ral e sua dimensão política em Durkheim, deve-mos voltar no tempo, para os anos que antecede-ram a publicação de DTS (1893).

Em janeiro de 1886, Durkheim parte para aAlemanha, onde permanece até o mês de agosto.Desta curta estadia, produz um estudo sobre a“ciência positiva da moral na Alemanha” (publica-do em 1887), ou seja, sobre a eficácia social da“ciência positiva da moral”. É possível dizer semvolteios: esse estudo conduz Durkheim ao pro-blema do Direito – central em DTS – e deste, aoestudo das dimensões práticas (e não necessaria-mente teóricas) da ação do Estado. Isso pareceindicar uma questão fundamental: existe, primor-dialmente, uma sociologia política em Durkheim.Seu objeto central é o Estado. Por isso Durkheimchega mesmo a afirmar que o Estado, às vezesmesmo contra os grupos sociais aos quais ele vê-se ligado, deve promover e proteger o indivíduo.Sua ação e a função social que o define têm seusfundamentos na moral, ou seja, naquele conjuntode regras e condutas juridicamente estabelecidas(de fato essa é a definição do “fato moral”). Emsíntese, tanto a ação (ou função social) do Estadoem defesa dos indivíduos quanto o funcionamen-to do sistema político (o voto, os atos no Parla-mento, nos partidos, nos conselhos etc.) devemser compreendidas a partir do fundamento morale legal de cada sociedade. Talvez por isso os te-mas propriamente políticos tenham lentamente sedispersado ao longo da obra de Durkheim, sendoreagrupados, ontem como hoje, dentro de sua“Sociologia Moral e Jurídica”23.

21 Acusado de traição em 1894, o Capitão foi julgado econdenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo (GuianaFrancesa). Após a condenação, em um longo processo, oadvogado da família acabou por demonstrar a inocência deDreyfus, provocando uma verdadeira divisão na sociedadefrancesa, entre aqueles que eram a favor e aqueles que eramcontra a condenação. Provada sua inocência, sua reabilita-ção ocorreu em 1906. Ver Birnbaum (1994).

22 Lacroix (1984, p. 54-62) afirma que a preocupação comos laços morais é conseqüência da viagem de estudos deDurkheim à Alemanha, realizada em 1886.23 Mauss (1927), a partir de Durkheim e como represen-tante do grupo reunido em torno de Année Sociologique,afirma que a “política” é uma “arte”, uma “aplicação” quenão deveria ser confundida com a “ciência” (leia-se, com aSociologia), recusando também a existência de uma “socio-logia política”. Segundo ele, porém, seria possível fazeruma “ciência desta arte”, uma “ciência das noções políti-cas”, no interior do subcampo da “Sociologia Jurídica”.

Page 6: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

130

O ESTADO EM DURKHEIM

III. DURKHEIM E A FUNÇÃO PRIMORDIALDO ESTADO: PROMOÇÃO E PROTEÇÃODO INDIVÍDUO

Retomando. De retorno da Alemanha, ainda em1886, Durkheim modifica o objeto de sua tese dedoutoramento, que havia sido vagamente definido,em 1882, como “Individualismo e Socialismo”.Naquele primeiro momento, ele pretendia contra-por duas formas de organização social, o liberalis-mo e o socialismo de Estado. Mas, nesse novomomento, seu objeto fora redefinido: “Trata-seagora da relação entre o indivíduo e a solidariedadesocial” (STEINER, 2005, p. 17) ou mais simples-mente, entre indivíduo e sociedade (MAUSS, 1925).

Fournier (2007, p. 100-102) afirma que, nes-se momento, Durkheim começa a estudar a ori-gem dos laços sociais – o que mantém os indiví-duos unidos – voltando-se para temas como oDireito, os costumes (entendidos como fonte doscomportamentos morais), a família24, as formasde solidariedade e a evolução das sociedades, ques-tões centrais finalmente desenvolvidas na tese dedoutoramento, DTS25. Da mesma forma, o papelque Durkheim credita a sua nova ciência, a Soci-ologia26, fica próximo daquele desempenhado pe-las ciências políticas alemãs: conferir suporte ci-entífico à moral social para que a sociedade man-tivesse-se íntegra. Para as ciências políticas ale-mãs, era o Estado o órgão que deveria cumpriresse papel integrador. Mas, para Durkheim, essepapel só seria cumprido se a legitimidade e a forçado Estado estivem amparadas e coerentes com amoral do grupo que representasse.

A passagem dos estudos sobre o Estado paraos estudos sobre a moral e destes para aqueles

sobre os laços sociais e a solidariedade foi anun-ciada quando da publicação, em 1887, de “Ética eSociologia da Moral”. Mas curiosamente, em DTS,Durkheim afirma sem nuances que o fator quegarante as formas de solidariedade não é o Esta-do, mas “o desenvolvimento sempre mais consi-derável da divisão do trabalho” (DURKHEIM,1981, p. 49)27. Para fugir a uma circularidadeanunciada entre especialização do trabalho e “de-ver moral” e assim regatar o papel do Estado,Durkheim recorre ao conhecimento histórico, fa-zendo ainda, aqui e ali, em DTS, referências aosdiversos tipos de Estado e às regras jurídicas exis-tentes em diversas sociedades. É, enfim, exami-nando exatamente o número dessas regras quesão consagradas ao tema da divisão do trabalho,em relação ao “volume total do direito”, queDurkheim consegue provar o processo inelutávelda especialização e sua centralidade: é a “divisãodo trabalho”, a “[...] única solução para o indiví-duo, fora a morte ou a emigração” (Durkheimapud FOURNIER, 2007, p. 187).

A leitura de DTS não deixa dúvidas: a divisãodo trabalho é uma tendência que se pode compro-var pelo Direito, mas suas conseqüências funda-mentais são sociais (os laços de solidariedade).Assim, Direito e moral são finalmente compreen-didos como expressões da lógica de funcionamen-to das sociedades. Lacroix (1984, p. 79) afirmaque essa discussão em torno do papel da moral,digamos, “sociologizada”, e de sua expressão ju-rídico-material, as formas do Direito, desloca oEstado tanto em termos conceituais quanto emtermos de função social, de seu papel integrador.O responsável pela manutenção da sociedade nãosendo mais o Estado, mas as leis que eles expres-sam. E estas sendo derivadas dos costumes ou,simplesmente, dos “fatos da moral”. Tais “fatos”sendo, como fica claro já na “Definição do fatomoral”28, “regras de conduta às quais uma san-ção difusa está ligada na média das sociedadesdesta espécie [social]”. Como essas “regras deconduta” são definidas a partir da sociedade e desuas representações coletivas, Durkheim conclui

24 No curso dado na Faculdade de Letras de Bordeaux,sobre a “família” (1888-1889), Durkheim afirma que osgrupos profissionais deveriam herdar uma parte dos direi-tos antes reservados aos grupos domésticos, sob pena dedeixar o indivíduo desprotegido diante do Estado. VerMauss (1925, p. 6).25 A expressão “De la”, no original, também pode sertraduzida para “Sobre a”. Neste caso, a “divisão do traba-lho” seria um mote a partir do qual Durkheim apresentariasua visão sobre formas sociais e tipos de solidariedade, enão o objeto per se de sua análise.26 Lacroix (1984, p. 99) afirma que o sentido dessa novaciência era político e que os fenômenos tratados seriam“sociopolíticos”. É esse raciocínio que o faz afirmar queDurkheim inventou também a “Ciência Política”.

27 Com efeito, já no prefácio da primeira edição, Durkheimestabelece claramente a relação entre “personalidade indi-vidual”, promovida pela divisão do trabalho, e solidarieda-de social.28 Esse texto foi escrito como uma “Introdução” de DTS(1893). Foi publicado apenas na primeira edição, mas curi-osamente suprimido na segunda, de 1902.

Page 7: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

131

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 125-135 OUT. 2010

afirmando que são exteriores, objetivas e coerci-tivas; são “fatos sociais”. É por meio desse per-curso teórico que Durkheim define o fato social,cujas sanções físicas seriam regidas pelo Direitoe cujas sanções morais seriam estabelecidas a par-tir da sociedade29. Não é por acaso, portanto, que,a partir dos anos 1890, os três grandes livros pu-blicados têm por objetos temas estritamente soci-ológicos (e morais), a saber: (1) DTS: Qual o pa-pel e importância da personalidade individual e dadivisão do trabalho na constituição, manutenção ereprodução dos laços sociais?; (2) RMS: Qual opapel da coerção e das sanções (físicas e morais)na definição do fato social e da própria Sociolo-gia?; (3) SUI: Por que indivíduos rompem unila-teralmente seus laços sociais apesar de estaremobrigados a eles por sanções físicas e morais?

Neles, os temas propriamente políticos não sãodiretamente abordados como fatos da política,mas como fatos da (sociedade ou da) moral. Sãocompreendidos simplesmente como regras de“conduta sancionada” e estão expressos no Direi-to. Mas nas modernas sociedades industriais edemocráticas, esses fatos têm uma função políti-ca suplementar: são eles que permitem a definiçãode uma ‘moral cívica’, sem a qual a “sociedadepolítica” e o Estado (em suas diversas formas)não podem existir. Não é por acaso, portanto, quea ‘moral cívica’ seja o tema de seis das 18 lições/aulas pronunciadas em Bordeaux entre 1890 e1900, exatamente a década em que são publica-dos DTS (1893), RMS (1895) e SUI (1897). Pos-teriormente, essas mesmas ‘lições’ seriam repeti-das na Universidade de Paris (Sorbonne) em 1904e 1912, para finalmente serem publicadas no cita-do livro Lições de Sociologia.

No início de Lições, Durkheim, resgatando oargumento da “anomia jurídica e moral” que atra-vessava a sociedade de então, afirma que, à faltade uma legislação específica, corria-se o risco dever a produção não chegar “regularmente em quan-tidade suficiente aos trabalhadores” (DURKHEIM,2002, p. 22). Eis porque Durkheim interessa-sepelas obrigações profissionais ou, em um planomais geral, pela “moral profissional”, tema das trêsprimeiras lições. Seriam elas que poderiam ame-nizar os conflitos classistas e organizar a produ-

ção. A reflexão sobre as “regras de conduta san-cionada” entre os indivíduos no âmbito da vidaeconômica serve de ensejo ainda para que, ex-pandindo, Durkheim retorne ao tema do Estado,da quarta à nona lições.

Na quarta lição, após a expressão “moral cívi-ca”, tem-se a expressão “Definição do Estado”.Na quinta, “Relação entre o Estado e o indivíduo”.A sexta lição tem por título simplesmente “O Es-tado e o indivíduo”. Da sétima a nona lições, “For-mas do Estado. Democracia”. Os estudosdurkheimianos sobre o Estado tornam-se, portanto,uma conseqüência, após terem sido um ponto departida. Primeiro, a anomia e, segundo, a necessi-dade de regulação, ou melhor, de fixação de nor-mas que orientem o comportamento econômicodos indivíduos, sejam patrões ou empregados,entre si, com os outros, com seu grupo familiar ecom os grupos profissionais que os representam.Finalmente, Durkheim analisa as relações dessesindivíduos (operários, patrões etc.) com o grupomais amplo, a sociedade política.

Em termos conceituais, o que caracteriza asociedade política é justamente o fato de manterdentro de si ao menos uma parcela de poder oude ser referência em matéria de autoridade:“Como é necessário haver uma palavra para de-signar o grupo especial de funcionários encarre-gados de representar essa autoridade, convire-mos em reservar para esse uso a palavra Estado.[...]. Porém, como é bom que haja termos espe-ciais para realidades tão diferentes quanto a so-ciedade e um de seus órgãos, chamaremos maisespecificamente de Estado os agentes da autori-dade soberana, e de sociedade política o grupocomplexo de que o Estado é o órgão eminente.Dito isso, os principais deveres da moral cívicasão, evidentemente, os que o cidadão tem paracom o Estado e, reciprocamente, os que o Esta-do tem para com os indivíduos. Para compreen-der quais são esses deveres, é importante então,antes de tudo, determinar a natureza e a funçãodo Estado” (idem, p. 67).

O Estado é, assim, um grupo especial encar-regado de “representar essa autoridade”, o “ór-gão eminente”. Os indivíduos têm deveres em re-lação a ele e reciprocamente. Trata-se, portanto,de um agente dinâmico, que se define por sua fun-ção social e em uma relação com os membros dasociedade.

29 E é igualmente por meio desse raciocínio que Durkheimdefine igualmente a própria Sociologia como “ciência damoral”, ou “ciência do fato social”.

Page 8: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

132

O ESTADO EM DURKHEIM

Essa definição é clara e sofrerá, ao longo dotexto, apenas pequenos acréscimos, tais como“grupo de funcionários sui generis” ou “órgãoespecial encarregado de elaborar certas represen-tações que valem para a coletividade” (idem, p.70-71). Em outros textos, a definição é a mesma,“órgão”, “cérebro” etc. Não obstante, a definiçãode Estado não é o principal problema com que sedefronta. Isso porque, como dissemos, o conceitode Estado está em relação com a função social queele desempenha. Por isso Durkheim preocupa-sede fato com as razões pelas quais determinadas“sociedades políticas” desenvolvem Estados (eoutras não) e quais as formas que este assume.

Durkheim discorre, inicialmente, sobre a fun-ção que o Estado desempenha nas sociedades de-mocráticas, por exemplo, em tempos de guerra,quando as liberdades individuais diminuem. Evo-ca ainda sua expansão desmesurada, ecoando decerta forma uma preocupação presente nos cír-culos liberais, mas que também era sua. Mas fi-nalmente percebe empiricamente que embora au-mente o poder do Estado, aumenta na mesma pro-porção os direitos do indivíduo, concluindo assimque não se pode opor um ao outro: “O único meiode eliminar a dificuldade é negar o postulado se-gundo o qual os Direitos do indivíduo são dadoscom o indivíduo, é admitir que a instituição des-ses Direitos é obra do próprio Estado. Então, comefeito, tudo se explica. Compreende-se que asfunções do Estado se ampliam sem que por issoresulte uma diminuição do indivíduo, ou que o in-divíduo se desenvolve sem que por isso o Estadorecue, uma vez que o indivíduo seria, em certosaspectos, o próprio produto do Estado, pois a ati-vidade do Estado seria essencialmente libertadorado indivíduo” (idem, p. 80).

Na passagem acima, chama a atenção a rela-ção entre Estado e indivíduo. Trata-se de uma re-lação de igualdade, uma vez que o Estado, comoo indivíduo, é regido por regras jurídicas comfundamento moral. É a combinação desses fatosjurídicos com fatos morais que explica a expres-são “moral cívica” e que baliza a essência do Es-tado e sua ação, expressão esta presente em nadamenos que seis das 18 lições. De fato, aqui sepode compreender por que o indivíduo é “em cer-tos aspectos, o produto do Estado” e por que ofortalecimento jurídico assegura tanto o poder doEstado quanto a liberdade individual. Durkheimconclui descrevendo as funções mais nobres que

o Estado já desempenhava nas sociedades demo-cráticas: “Foi ele que subtraiu a criança à depen-dência patriarcal, à tirania doméstica, foi ele quelivrou o cidadão dos grupos feudais, mais tardecomunais, foi ele que livrou o operário e o patrãoda tirania corporativa [...]” (idem, p. 89).

Garantir as liberdades individuais significa de-satar as amarras corporativas e familiares que frag-mentam o corpo social em muitas unidades eameaçam a coesão de toda a sociedade. Mas issonão quer dizer quebrar os laços sociais que osindivíduos decidem, voluntariamente, manter en-tre si. Em síntese, o Estado, para Durkheim, valemenos como instituição detentora de poder do quecomo reservatório moral e jurídico cujo objetivoé permitir o florescimento do indivíduo. Em con-seqüência, todo o aparato legal e administrativo,todo o corpo de funcionários necessário à realiza-ção da função de proteção e promoção do indiví-duo, seria bem-vindo. “A tarefa que cabe assimao Estado é ilimitada. Não se trata simplesmente,para ele, de realizar um ideal definido, que maisdia menos dia deverá ser atingido e definitivamen-te. Mas o campo aberto à sua atividade moral éinfinito. Não há razão para que chegue um mo-mento em que ele se feche, em que a obra possaser considerada terminada” (idem, p. 95-96).

O Estado é, assim, um agente social e não umainstituição engessada e distante da realidade. Édinâmico; evolui como evolui a moral social; comoevolui a sociedade.

Em outras passagens, Durkheim aborda aindaa relação do indivíduo com as diversas formas deEstado. Afora a discussão sobre os regimes e suascapacidades representativas (democracia e mo-narquia), Durkheim insiste no fundamento da açãodos grupos intermediários (em seus próprios ter-mos, a moral profissional) entre o indivíduo e oEstado, apresentando aí as diversas formas departicipação. Os “grupos profissionais” estariamfadados a “tornarem-se a base de nossa repre-sentação política e de nossa organização social”.Resgatando novamente sua idéia da inevitabilidadeda especialização do trabalho, tudo indicava queas profissões (e as associações profissionais) se-riam as categorias sociais definidoras não apenasdas práticas sociais, mas, sobretudo, das identi-dades sociais. Assim agindo, elas limitariam o po-der do Estado, impedindo que este fortalecesse-se em demasia e, ao invés de defender as liberda-des individuais, tiranizasse o indivíduo.

Page 9: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

133

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 125-135 OUT. 2010

A definição de Estado em Durkheim é, portan-to, dinâmica. Sua forma de organização superiorcorresponde a certo desenvolvimento moral e so-cial e estará sempre ligado a estes. Em conclusão,vê-se que o Estado é tanto órgão quanto instru-mento de uma nova sociabilidade; sua ação vaialém do escopo da política para se tornar o resul-tado de forças sociais em conflito. Somente as-sim ele se torna o órgão direcionador, o “cérebrosocial” cujo fundamento é a moral.

III.1. A questão da definição do conceito de Es-tado em “L’Etat”

À exceção dessas lições, o principal artigo de-dicado ao Estado nos cursos realizados nos pri-meiros anos do século XX, teve por título “L’État30.Neste, Durkheim retorna inicialmente ao problema,já comentado nas RMS, da indefinição do conceitode Estado. Logo em seguida, porém, propõe a se-guinte definição: “O Estado é propriamente o con-junto de corpos sociais que têm por única qualida-de de falar e agir em nome da sociedade”(DURKHEIM, 1958, p. 4). Neste curto texto deapenas seis páginas, o Estado aparece novamentecomo ‘órgão de reflexão’ e como ‘órgão da justiçasocial’; é por ele que se “organiza a vida moral dopaís”: quando correntes opostas apontam caminhosdiferentes, os órgãos governamentais do Estado sãochamados a decidir, porque apenas eles podemmelhor avaliar a complexidade da situação. Ao con-trário daqueles que afirmam que o aumento do po-der do Estado inibe as liberdades individuais,Durkheim responde novamente com o conhecidoargumento: somente ele é capaz de garantir as li-berdades individuais, defendendo o indivíduo detodo e qualquer grupamento social.

Ao final do texto acima, Durkheim apresentauma nova (e definitiva?) origem para o Estado. OEstado progride em meio à “injustiça”. Sua fonteé a “desigualdade” (o conflito entre operários,patrões e suas corporações, por exemplo). Suaação principal, sua “superioridade”, está em su-bordinar aos interesses dos indivíduos, todos osgrupamentos sociais, das castas às corporações,passando mesmo pela família31. Por isso, ele devepreocupar-se apenas em fazer reinar a justiça: “Ele

é o instrumento necessário pelo qual se realiza aigualdade e, por conseqüência, a justiça” (idem,p. 7). Essa nova função do Estado – promover ajustiça – não está em contradição com as outras,uma vez que o indivíduo continua sendo o resul-tado e o ponto de partida de sua ação. O autorparece retornar aqui, e novamente, à anomia, aosconflitos que opunham os indivíduos trabalhado-res e também os patrões aos seus grupos sociaissecundários, no caso, os sindicatos ou ascorporações.

O Estado emerge em meio, podemos dizer, àgrande desigualdade que estaria, em sua visão, naorigem dos “socialismos”. No lugar de revoluçõesteatrais e inócuas, o Direito e a atuação do Esta-do32; parece reafirmar Durkheim anos após a pu-blicação de DTS.

Essa definição, cunhada entre 1900 e 1905,está em sintonia com a idéia – desenvolvida aofinal da quinta lição – segundo a qual o Estadoprecisa de “contrapesos” e que sua força precisaser “contida por outras forças coletivas”(DURKHEIM, 2002, p. 88). A preocupação, no-vamente, é impedir que a atuação do Estado –moral e socialmente defensável – ultrapassassecertos limites. Por isso, embora o fundamento dadefinição de Estado em Durkheim seja a moral,percebe-se que sua essência repousa em sua fun-ção social. É a partir dessa atuação do Estado, daautonomia dessa instância, que se pode pensar emuma “sociologia política” em Durkheim.

III.2. A relação entre base moral e Estado

À exceção desse texto clássico, Durkheim es-creveu outros pequenos textos sobre o mesmoobjeto. São de fato resenhas curtas de alguns li-vros e, hoje, nos permitem verificar a coerênciaentre as muitas análises feitas sobre o mesmo tema.Em “État et société en Russie”, Durkheim afirmaque à falta de uma sociedade organizada, e emuma região onde a classe camponesa era uma“massa amorfa” espalhada por um “certo númerode territórios”, o primeiro “núcleo sólido que seformou, o Estado moscovita” sobrepôs-se à “mas-sa fluída”, enquadrando-a e organizando-a. Masmesmo esse “núcleo sólido” teria sido obra depríncipes com objetivos militares de defesa e deexpansão. A organização do “Estado” teria sido aí30 Artigo organizado por Richard Lenoir a partir de um

manuscrito do autor. Ver Durkheim (1958).31 Durkheim (1958, p. 7) afirma que mesmo a família“pode ser e freqüentemente é opressiva”. Caberia ao Esta-do defender também o indivíduo dessa fonte de “desigual-dade”.

32 Ver a esse respeito a análise que Fridman (1993, p. 18)dedica às posições políticas de Durkheim.

Page 10: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

134

O ESTADO EM DURKHEIM

uma resposta militar e fiscal dos príncipesczaristas. Surge aqui um desdobramento caracte-rístico do raciocínio sociológico durkheimiano. Eleinterroga qual seria o papel do Estado criado nes-sas condições e qual seu impacto na sociedade etambém “sobre o sistema mental das populações”.Aparentemente pequeno, porque quando a “orga-nização política não exprime a constituição moraldo país, ela não a afeta profundamente”. Nessecaso, portanto, a função social do Estado, é dissoque se trata, é limitada. Embora o texto seja bas-tante curto, contendo apenas três páginas, a má-xima durkheimiana segundo a qual a base moral ésempre mais duradoura e reflete o corpo socialmais do que a organização política stricto sensu,idéia já presente em sua tese de doutoramento de1893, reaparece inteiramente. Mas reaparece tam-bém idéia de um agente relativamente autônomo,permitindo que se comprove aqui também a hipó-tese da “Sociologia Política”.

Outros dois textos sobre os antigos estadosda Grécia e de Roma são ainda mais curtos que oanterior. Interessam, porém, porque Durkheimmostra que, mesmo na antigüidade, a centraliza-ção do Estado permitiu o aparecimento do indiví-duo, elevando-o acima dos “grupos elementares”(no caso da Grécia Antiga). Isso ocorreu mesmoonde cada grupo detinha o monopólio de uma ci-dade, porque mesmo ali uma delas tornou-se asede do poder do Estado.

IV. CONCLUSÕES

A definição de Estado em Durkheim é relativa-mente simples, embora rica em conseqüências.Órgão da justiça social, organizador da vida soci-al, defensor das liberdades individuais e promotorda justiça social. Em sua atividade prática, o Esta-do mantém relações com a organização social, masultrapassa-a. Por isso, suas funções centrais são:

impedir o retorno da anomia, combater as desi-gualdades e estabelecer a justiça. Foram prova-velmente acontecimentos da época que levaramDurkheim a conceber o Estado ocupando espa-ços tão importantes quanto aqueles que ele imagi-nou para sua nova ciência: o de “salvar” a socie-dade e seus indivíduos. Como disse, nas moder-nas sociedades democráticas, o Estado evolui emsintonia com o Direito e com as liberdades indivi-duais. De certa forma, cria o indivíduo e é legiti-mado por ele. Representa, dirige, mas tambémultrapassa a sociedade e os indivíduos: “Os indi-víduos podem colaborar para ele [...], podem atécontradizê-lo, e mesmo assim fazer-se instrumen-tos do Estado, pois é para realizá-los que tende aação do Estado” (idem, p. 89).

O espaço dado à questão do Estado, sua pre-sença logo nos primeiros escritos e a autonomiaque esse agente acabaria por adquirir em meio aojogo das forças sociais permitem que se fale emuma “sociologia política durkheimiana”. Mas nãoé a partir de uma reflexão sobre a questão do po-der em si que se deve compreender essa sociolo-gia política. O questionamento de base emDurkheim, nunca é demais insistir, diz respeito àsregras de conduta sancionada (a moral) que con-duzem a sociedade. Foi justamente para exercer,civicamente, essa moral que Durkheim “convo-cou” e definiu o Estado. O fato que chama aten-ção, contudo, é o espaço que essa reflexão ga-nhou, sem tornar-se central. Mas, é claro, as re-flexões em torno do Estado, essa “sociologia po-lítica”, coadunam-se com sua sociologia da mo-ral. Isso talvez porque, em sociedades democráti-cas, não haveria outra forma de definir continua-mente a moral sem pretender certa autonomia aoEstado. Eis aí alguns elementos a partir dos quaisé possível pensar a Sociologia Políticadurkheimiana.

Márcio de Oliveira ([email protected] ) é Doutor em Sociologia pela Université Paris V (Sorbonne)(França) e Professor de Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

BIRNBAUM, P. 1976. La conceptiondurkheimienne de l’Etat : l’apolitisme desfonctionnaires. Revue Française de Sociologie,Paris, v. 17, n. 2, p. 247-258. Disponível em:http://www.persee.fr/web/revues/home/

prescript/article/rfsoc_0035-2969_1976_emum_17_2_5654. Acesso em: 19.ago.2010.

_____. 1994. L´affaire Dreyfus. La Republiqueen péril. Paris: Gallimard.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Page 11: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

135

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 125-135 OUT. 2010

DEMIR, B. 2008. La sociologie turque ou laSociologie de la Turquie. In: CONGRÈS DEL’ASSOCIATION INTERNATIONALE DESOCIOLOGUES DE LANGUE FRANÇAISE,18., Istambul, jul. Anais... Toulose: Universitéde Toulouse-Le Mirail.

DURKHEIM, E. 1958. L’Etat. Revuephilosophique, Paris, n. 148, p. 433-437. Dis-ponível em: http://classiques.uqac.ca/classiques/Durkheim_emile/ textes_3/textes_3_6/durkheim_Etat.pdf. Acesso em:19.ago.2010.

_____. 1966. Montesquieu et Rousseau. Précur-seurs de la Sociologie. Paris: M. Rivière

_____. 1975. A Ciência Social e a ação. São Paulo:Difel.

_____. 1977a. As regras do método sociológico.São Paulo: Nacional.

_____. 1977b. O suicídio. São Paulo: M. Fontes.

_____. 1981. A divisão do trabalho social. Lis-boa: Presença

_____. 1994. Sociologia e Filosofia. São Paulo:Ícone.

_____. 1996. As formas elementares da vida reli-giosa. São Paulo: Paulíneas.

_____. 2002. Lições de Sociologia. São Paulo:M. Fontes.

_____. 2003a. Ética e sociologia da moral. SãoPaulo: Landy.

_____. 2003b. Pragmatismo e sociologia. Floria-nópolis: UFSC.

FERREIRA, O. S. 2002. Introdução à edição bra-sileira. O pensamento político de Durkheim.In: DURKHEIM, E. Lições de Sociologia. SãoPaulo: M. Fontes.

FILLOUX, J-C. 1970. Introduction. In:DURKHEIM, E. La science sociale et l´action.Paris: PUF.

FOURNIER, M. 2007. Émile Durkheim. Paris:Fayard.

FRIDMAN, L. C. 1993. Introdução. In:FRIDMAN, L. C. (org.). Socialismo. ÉmileDurkheim, Max Weber. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.

GIDDENS, A. 1981. As idéias de Durkheim. SãoPaulo: Cultrix.

_____. 1998. A Sociologia Política de Durkheim.In: GIDDENS, A. Política, Sociologia e teo-ria social. 2ª ed. São Paulo: UNESP.

KUBALI, H. N. 2002. Prefácio da primeira edi-ção. In: DURKHEIM, E. Lições de Sociolo-gia. São Paulo: M. Fontes.

LACROIX, B. 1984. Durkheim y lo político.Ciudad de México: Fondo, de Cultura Econô-mica.

LUKES, S. 1985. Emile Durkheim. His Life andWork. A Historical and Critical Study. Stanford:Stanford University.

MAUSS, M. 1925. In memoriam. L’oeuvre inéditede Durkheim et ses collaborateurs. Annéesociologique, Nouvelle série, Paris, n. 1. Dis-ponível em : http://classiques.uqac.ca/c lass iques /mauss_marcel /oeuvres_3/oeuvres_3_12/in_memoriam.html. Acesso em:19.ago.2010.

_____. 1927. Divisions et proportions de divisionsde la Sociologie. Année sociologique, Nouvellesérie, Paris, n. 2. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/classiques/mauss_marcel/essais_de_socio/T2_divisions_de_socio/divisions_de_socio.pdf. Acesso em:19.ago.2010.

NISBET, R. 1984. La tradition sociologique. Pa-ris: PUF.

STEINER, P. 2005. La sociologie de Durkheim.4ª ed. Paris: La Découverte.

Page 12: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

251

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 295-300 OUT. 2010

Archives – after several years of legal protection. Secondary sources are also used – that is,specialized literature on this theme published in Brazil and abroad. Analytically speaking, we verifythe transcendental relevance of the fall of the Berlin wall and subsequent events, both within Germanyand in Europe and the rest of the world. In this direction, we allude to the political and economiccollapse of the German Democratic Republic (GDR), to the most important actors involved in thecrumbling of the wall, to domestic, Inter-German, European and global factors that were incisive inthe processes of reunification of the German nation and to the specific dilemmas of the city ofBerlin within the general context of Germanic reunification. We include a post-data from Novemberof 2009, with some brief comments on the 20th anniversary commemoration of the fall of the BerlinWall.

KEYWORDS: Democratic Republic of Germany; Berlin; Cold War; German reunification; FederalGerman Republic.

* * *

METHODOLOGICAL INDIVIDUALISM, RATIONALITY AND INSTRUMENTAL ACTION:RAYMOND BOUDON’S COGNITIVE PROPOSAL

Bruno Sciberras de Carvalho

This article analyzes the theoretical propositions of Raymond Boudon's methodological individualism,which seeks to disassociate itself from perspectives that emphasize the notion of instrumentalrationality such as understandings of rational choice. Differences between instrumental conductand the idea of cognitive rationality proposed by this sociologist hark back to central themes ofcontemporary social reflection, most specifically the possibly problematic ties between the sociologicaltradition and a certain economic ontology. To reveal the particularities of Boudon’s methodologicalindividualism as well as his notion of cognitive rationality, I first expound on his major critiques of theinstrumental paradigm. I then go on to debate the alternatives he suggests, particularly the notionthat agents incorporate beliefs or theories simply because they have “good reasons” to do so, aswell as his notion of “diffuse rationalization”. Finally I seek to analyze the way in which this Frenchauthor’s theory points to flaws in the economistic view of rationality, although presenting somepropositions that are lacking in precision. Thus, while he signals the important lack of connectionbetween individual agency and social context that inheres within rational choice theory, Boudonelaborates a universalist conception of rationality that seems to overlook the circumstantial anddefined bases of social reality.

KEYWORDS: Social Theory; methodological individualism; rationality; instrumental action.

* * *

THE STATE IN DURKHEIM: ELEMENTS FOR A DEBATE ON HIS POLITICALSOCIOLOGY

Márcio de Oliveira

The fact that there is a political sociology to be found in Durkheim has caused polemic and is acontroversial matter, in Brazil as well as France, particularly because this sub-field does not appearwithin the author’s own division of Sociology into sub-areas. This paper argues that there areelements that enable us to recognize a Durkheimian political sociology. This is concretized througha detailed examination of the theoretical evolution of his thought since he returned from Germany in1886. Following in the tracks of Marcel Mauss, who analyzed his work, and picking up as well fromwhere his most important biographers (Lukes and Fournier) leave off, we look at how themes thatare properly political (in particular, the State) emerge within Durkheimian sociology. We concludeby asserting that it is not through reflection on the issue of power (or the State) in itself, but rather

Page 13: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

252

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 295-300 OUT. 2010

on the social function of this power and/or this State and its relationship to social mores that Durkheim'spolitical sociology should be understood.

KEYWORDS: Emile Durkheim; State; Political Sociology; sociological theory.

* * *

MAX WEBER: PARLIAMENTARY OR PLEBISCITARY DEMOCRACY?

Carlos Eduardo Sell

In his last political writings, Weber engaged in intense debate around the challenges that Germanyfaced at that particular historical moment. Focusing on the end of the Second Empire and the firststeps taken by the Weimar Republic, the author examined the preference for a parliamentary modelof democracy over its plebiscitary variety. The present paper revisits this discussion up and seeks tosituate it within the context of the political evolution of Weber’s thought. At the same time, it seeksto reconstruct Weber’s argument, highlighting the role that the theme of institutions, democracy andrationality play in his evaluation of parliamentary and plebiscitary models of democracy. Finally, wereturn to the earlier issues to suggest a theoretical agenda that demonstrates the possibilities andcurrent relevance of the problems contained in the political sociology that emerges from Weber’spolitical-conjunctural writings.

KEYWORDS: Max Weber; democracy; parliamentarism; presidentialism; institutions; rationality.

* * *

POSITIONS AND DIVISIONS WITHIN CONTEMPORARY BRAZILIAN POLITICALSCIENCE: EXPLAINING ITS ACADEMIC PRODUCTION

Fernando Baptista Leite

This article represents a preliminary, exploratory study of the history of Brazilian Political Science.We seek to aid in the identification of the historical roots underlying the two principles upon whichthe division of academic production in contemporary Political Science is based: the continuumsmarked by the relationships between theory-empirical reality and between the political- the societal.We begin with a theoretical scheme that has been used to interpret the history of Brazilian politicalscience. We then take advantage of this presentation to discuss certain important empirical issues,particularly those of a conceptual order. We then go on to present our research hypothesis, puttogether in reference to this schema, in order to provide a direction for historical explanation. Finally,through our hypothesis and making use of bibliographic evidence, we suggest a tentativeinterpretation. This interpretation turns around the following axes: the processes of institutionalizationand autonomization of the field of Political Science, divided into two types: cultural (values, theories,methods etc.) and institutional (referring to the institutionalization of the discipline) autonomization,involving a conflict that is more or less explicit between different perspectives in Political Science.

KEYWORDS: Brazilian Political Science; history of Political Science; intellectuals; dividing principles;perspectives on Political Science.

* * *

ACCOUNTABILITY FOR OPEN LISTS

Luis Felipe Miguel

This article engages in critical discussion of the perception, common in studies on the Brazilianelectoral system, that proportional representation with open lists is an effective obstacle to

Page 14: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

259

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010

1990. Le texte utilise prioritairement, des sources primaires récupérées dans l'Archive Historique duMinistère des Relations Extérieures du Brésil – après plusieurs années de précaution légale. Dessources secondaires sont aussi utilisées – c’est-à-dire, de la littérature spécialisée dans le thème,publiée au Brésil et à l’étranger. Analytiquement, l’article constate la transcendantale importance dela chute du mur de Berlin et les événements subséquents, en Allemagne elle-même, en Europe etdans le monde. En suivant cette ligne de raisonnement, le texte fait référence au collapse politique etaussi économique de la République Démocratique de l’Allemagne (RDA) ; aux acteurs fondamentauxqui ont mené à l’effondrement du mur ; aux contraintes nationales, interallemandes, européennes etmondiales, qui ont abouti au processus de réunification de la nation allemande et aux dilemmesspécifiques de la ville de Berlin dans le contexte général de la réunification germanique. Le travailinclut une postdate de novembre 2009, où les commémorations du vingtième anniversaire de la chutedu mur de Berlin, sont brièvement commentées.

MOTS-CLES : République Démocratique de l’Allemagne ; Berlin ; Guerre Froide ; réunificationallemande ; République Fédérale de l’Allemagne.

* * *

L'INDIVIDUALISME METHODOLOGIQUE, LA RATIONALITE ET L’ACTIONINSTRUMENTALE : LA PROPOSITION COGNITIVE DE RAYMOND BOUDON

Bruno Sciberras de Carvalho

L’article analyse les propositions théoriques de l’individualisme méthodologique de Raymond Boudon,qui cherche à s’extirper des perspectives qui mettent l’accent sur la conception de “rationalitéinstrumentale”, comme la compréhension du choix rationnel. Les différences entre la conduiteinstrumentale et l’idée de rationalité cognitive proposées par le sociologue, impliquent des thèmescentraux de la réflexion sociale actuelle, principalement des possibles liaisons problématiques entrela tradition sociologique et certaine ontologie économique. Pour montrer la particularité del’individualisme méthodologique de Boudon et sa notion de rationalité cognitive, j’expose premièrementses principales critiques au paradigme instrumental. Ultérieurement, je discute les alternatives suggéréespar Boudon, principalement l’idée que les agents intègrent des croyances ou des théories simplementparce qu’ils ont “des bonnes raisons”, et leur notion d’une “rationalisation diffuse”. Finalement, jecherche analyser de quelle façon la théorie de l’auteur français pointe des failles de la vision économistede rationalité, bien qu’il présente quelques propositions inexactes. Ainsi, au même temps qu’il signaleun manque important de connexion entre l’agence individuelle et le contexte social dans la théorie duchoix rationnel, Boudon élabore une conception universaliste de rationalité qui ne semble pas observerles fondements de circonstance et aussi délimités de la réalité sociale.

MOTS-CLES : Théorie Sociale ; individualisme méthodologique ; rationalité ; action instrumentale.

* * *

L’ETAT CHEZ DURKHEIM : DES ELEMENTS POUR UN DEBAT SUR SA SOCIOLOGIEPOLITIQUE

Márcio de Oliveira

L’existence d’une sociologie politique chez Durkheim provoque des polémiques. C’est un sujetcontroversé, pas seulement au Brésil, mais spécialement en France. Surtout parce que ce “sous-domaine”, n'est pas constaté dans la division des domaines de la Sociologie, présentée par l’auteurlui-même, quand il était en vie. Ce travail défend la théorie selon laquelle, il y a des éléments quipermettent de penser à la sociologie politique de Durkheim. Ça se fait par une analyse détaillée del’évolution théorique de sa logique depuis 1886, quand Durkheim a retourné en Allemagne. En suivantl’indice laissé par Marcel Mauss et en analysant ses œuvres et les œuvres de ses deux biographesles plus importants (Lukes et Fournier), nous enquêtons comment les thèmes proprement politiques

Page 15: OLIVEIRA, Marcio. O Estado em Durkheim - Elementos para um Debate Sobre Sua Sociologia Política

260

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010

(en spécial, l'Etat), surgissent dans la sociologie de Durkheim. En conclusion, nous affirmons que cen’est pas à partir d’une réflexion sur la question du pouvoir (ou sur l'Etat) en soi, mais sur la fonctionsociale de ce pouvoir et/ou de cet Etat et sa relation avec la morale sociale, qu’on doit comprendrela sociologie politique de Durkheim.

MOTS-CLES : Emile Durkheim ; Etat ; Sociologie Politique ; Théorie Sociologique.

* * *

MAX WEBER: DE LA DEMOCRATIE PARLEMENTAIRE OU PLEBISCITAIRE?

Carlos Eduardo Sell

En ses derniers écrits politiques, Weber a examiné avec intensité les défis de l’Allemagne à cemoment historique. En accompagnant la fin du II Empire et les premiers pas de la République deWeimar, l’auteur a passé de la préférence pour un modèle parlementaire de démocratie à sa varianteplébiscitaire. Le présent travail reprend cette discussion et cherche à la situer dans le contexte del’évolution politique de la logique de Weber. Au même temps, on cherche à reconstruire l’argumentation“weberienne”, en mettant l’accent sur le rôle que la thématique des institutions, de la démocratie etde la rationalité occupe dans son évaluation des modèles parlementaire et plébiscitaire de la démocratie.Dans la partie finale, le schéma précédent est repris pour suggérer un agenda théorique qui rendévidentes les possibilités et l'actualité des problématiques, contenues dans la sociologie politique quiémerge des écrits politiques et conjoncturels de Weber.

MOTS-CLES : Max Weber ; démocratie ; parlementarisme ; présidentialisme ; institutions ; rationalité.

* * *

LES POSITIONS ET DIVISIONS DANS LA SCIENCE POLITIQUE BRESILIENNECONTEMPORAINE : EXPLICATION DE SA PRODUCTION ACADEMIQUE

Fernando Baptista Leite

L’article est une étude préliminaire, exploratoire, de l’histoire de la Science Politique brésilienne.Nous cherchons à fournir des éléments auxiliaires pour identifier les raisons historiques derrière lesdeux principes de division de la production académique de la Science Politique contemporaine : lecontinu théorique et le continu de politique et de société. Premièrement, nous présentons le schémathéorique utilisé pour interpréter l’histoire de la Science Politique brésilienne. Nous profitons de cetteprésentation pour discuter quelques questions théoriques importantes, spécialement d’ordreconceptuelle. Deuxièmement, nous présentons l’hypothèse de recherche, construite à la lumière duschéma, avec l’objectif de fournir une direction pour l’élaboration de l’explication historique. Enfin,avec cet hypothèse dans les mains et en utilisant quelques évidences bibliographiques, nous anticiponsune interprétation provisoire. Cet interprétation est basée sur les axes suivants : le processusd’institutionnalisation et le processus d’autonomisation du domaine de la Science Politique, divisé endeux types ; l’autonomisation culturelle (de valeurs, théories, méthodes etc.), et l’institutionnelle (quifait référence au processus d’institutionnalisation de la discipline), qui impliquent un conflit plus oumoins explicite entre des visions distinguées de science politique.

MOTS-CLES : Science Politique brésilienne ; histoire de la Science Politique ; intellectuels ; principesde division ; visions de Science Politique.

* * *

L'ACCOUNTABILITY DANS DES LISTES OUVERTES

Luis Felipe Miguel

L'article discute critiquement la perception, courante dans les études sur le système électoral brésilien,que la représentation proportionnelle avec des listes ouvertes, est un obstacle pour que l’accountability