OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

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LUCIENE STRADA DE OLIVEIRA MODERNIZAÇÃO DA FROTA RIBEIRINHA Políticas e Estratégias Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador:Coronel Rfm Heitor Montmorency Bizarro Pestana. Rio de Janeiro 2014

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LUCIENE STRADA DE OLIVEIRA

MODERNIZAÇÃO DA FROTA RIBEIRINHA Políticas e Estratégias

Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.

Orientador:Coronel Rfm Heitor Montmorency

Bizarro Pestana.

Rio de Janeiro 2014

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C2014 ESG

Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG.

____________________________

Assinatura do autor

Biblioteca General Cordeiro de Farias

Strada de Oliveira, Luciene. Modernização da Frota Ribeirinha: políticas e estratégias/

Advogada Luciene Strada de Oliveira. - Rio de Janeiro : ESG, 2014. 44 f.: il.

Orientador: Coronel Rfm Heitor de Montmorency Bizarro Pestana. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao

Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2014.

1. Amazônia. 2. Embarcações ribeirinhas. 3. Escalpelamento. 4.

Políticas públicas. 5. Financiamento.

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Dedico aos ribeirinhos.

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AGRADECIMENTOS

A Defensoria Pública da União pelo cargo de Defensora Púbica

Federal função que exerci com dedicação e me permitiu inovar, em prol da

população de baixa renda do Brasil.

Ao Tribunal Marítimo pela chance de conhecer o universo de pessoas

envolvidas na dinâmica da navegação fluvial e marítima no Brasil e

internacional.

A direção da ESG por ter me oferecido a oportunidade de conhecer

diferentes ângulos de Políticas e Estratégias com foco no Desenvolvimento,

na Segurança e na Defesa do Brasil.

Aos estagiários da Turma do CAEPE de 2014 – “ESG 65 anos -

Pensando o Brasil” ─ pelo prazer em conviver nos últimos meses com

pessoas maravilhosas e que muito aprendi a respeitar pelo seu

comprometimento com o Brasil.

E por fim, ao meu orientador por ter tido a paciência em ajudar

elaborar o presente estudo, tornando a leitura agradável e interessante.

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RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade despertar às autoridades do

Estado brasileiro sobre a necessidade de se criar financiamento público para

a modernização da atual frota ribeirinha da Região Norte, considerando o

trinômio conforto-segurança-tecnologia, não só visando a prevenção de

acidentes, mas também a regularização de centenas de milhares de

embarcações que hoje navegam fora dos padrões de segurança

determinados por lei. A metodologia utilizada foi pesquisa de campo junto a

diversos órgãos federais e estaduais, aos ribeirinhos, aos carpinteiros navais

e os fabricantes de motor aliada à observação participante realizada pela

autora. O tema está desenvolvido em títulos, iniciando pela caracterização da

Amazônia elencando os seus graves problemas de mobilidade, os reflexos da

informalidade, na construção naval artesanal e nas linhas de navegação, a

ausência de políticas públicas para o desenvolvimento local, a incidência de

inúmeros acidentes e fatos da navegação em virtude da falta de investimento

para a modernização desta frota e a aplicação de modelos que contornam a

questão sem atacar o problema em sua raiz. Nos títulos seguintes são

abordados os principais vetores que impedem ou dificultam o

desenvolvimento socioeconômico da região e, de forma ousada, é sugerido a

criação de um programa titulado de "Profrota Ribeirinha" com rumo ao

desenvolvimento local, sem a perda de identidade da região. No caso

específico do escalpelamento só haverá a erradicação quando forem

retirados do mercado os motores que não possuem seus eixos cobertos de

fábrica, já que as coberturas de eixo que vem sendo realizadas pela Marinha

do Brasil podem ser removíveis, em virtude da necessidade de manutenção

do motor.

Palavras-chave: Políticas públicas. Embarcações ribeirinhas.

Financiamento. Escalpelamento. Amazônia.

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ABSTRACT

The present work aims to awaken Brazilian authorities to the need for creating

public financing for the modernization of the fleet of small watercraft for the

river-dwellers of Brazil’s northern region. While considering the triad of safety-

comfort-technology, this proposal is not only focused at preventing accidents,

but also at regulating the hundreds of thousands of small watercraft that are

operating well outside established safety standards, as required by law. The

methodology adopted was comprised of field research within various Federal

and State agencies, interviews with the river-dwellers themselves, as well as

boat and engine manufacturers, and participant observation as conducted by

the author. The research begins with the characterization of the Amazon and

its acute mobility problems; then it explains the consequences of informality

and improvisation in the river-crafts’ construction and navigation, the absence

of public policies for this transportation system’s development, the presence

of repeated accidents due to the lack of initiative to modernize this fleet and

the application of models that circumvent this issue without attacking the

problem at its root. Then, the work approaches the main reasons that prevent

or hinder the socioeconomic development of the region and boldly suggests

the creation of a program titled "Profrota Ribeirinha" that promotes local

development without the loss of identity of the region. Lastly, approaching the

specific case of accidental scalping (as often occurs to the river-dwellers as a

result of these improvised vessels), the eradication of this problem will only

occur when these non-factory issued engines that lack axle covers are no

longer employed or are replaced by those used by the Brazilian Navy.

Keywords: Public policies. River-craft. Funding. Scalping. Amazon.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 Barco com motor de popa ou rabeta .......................................10 . FIGURA 2 Barco com motor de centro .....................................................10

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AP Estado do Amapá

ANTAQ Agência Nacional de Transportes Aquaviários

CV Cavalo vapor

DAP Declaração de aptidão ao PRONAF

DPC Diretoria de Portos e Costas

DPDC Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor

FMM Fundo da Marinha Mercante

HP Horse power

Kw Quilowatt

LGBT Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MJ Ministério da Justiça

MPA Ministério da Pesca e Aquicultura

PNLT Plano Nacional de Logística e Transportes

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PSB Partido Socialista Brasileiro

RGP Registro Geral de Atividade Pesqueira

RPM Rotação por minuto

SAF Secretaria de Agricultura Familiar

SISGEMB Sistema de Gerência de Embarcações

STN Secretaria do Tesouro Nacional

SBCP Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica

TM Tribunal Marítimo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 9

1.1 DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DO PROGRAMA ........................................ 14

1.2 CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO RIBEIRINHA.................................. 14

2 ANÁLISE DOS PRINCIPAIS VETORES DE DESENVOLVIMENTO ......... 15

2.1 UNIVERSO DE EMBARCAÇÕES RIBEIRINHAS ....................................... 15

2.2 CONSTRUÇÃO NAVAL .............................................................................. 17

2.2.1 Estaleiros formais ...................................................................................... 17

2.2.2 Estaleiros informais .................................................................................. 17

2.3 LINHAS DE NAVEGAÇÃO .......................................................................... 18

2.4 DESENVOLVIMENTO SOCIO-ECONÔMICO LOCAL ................................ 19

2.4.1 Mobilidade dos ribeirinhos ....................................................................... 21

2.5 FISCALIZAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DAS EMBARCAÇÕES .............. 23

2.6 ACIDENTES E FATOS DA NAVEGAÇÃO .................................................. 25

2.7 CAMPANHAS PREVENTIVAS DE ACIDENTES ........................................ 27

3 MODERNIZAÇÃO DA FROTA RIBEIRNHA ............................................... 28

4 POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS ................................................................... 30

4.1 POLÍTICAS ................................................................................................. 30

4.1.1 Programa Frota Ribeirinha ....................................................................... 32

4.1.2 Aspectos legais ......................................................................................... 32

4.1.3 Objetivo do Profrota Ribeirinha ................................................................ 35

4.1.4 Pontos fortes para o ribeirinho ................................................................ 35

4.1.5 Pontos fortes para o Estado brasileiro .................................................... 35

4.1.6 Público alvo ................................................................................................ 36

4.1.7 Operacionalização .................................................................................... 37

4.1.8 Financiamento ............................................................................................ 38

4.1.9 Limite de financiamento e seguro ........................................................... 38

4.1.10 Recursos financeiros ................................................................................ 38

4.2 ESTRATÉGIAS ........................................................................................... 39

4.2.1 Ações já realizadas .................................................................................... 39

4.2.2 Ações a serem realizadas .......................................................................... 42

5 CONCLUSÃO ............................................................................................. 43

REFERÊNCIAS ........................................................................................... 45

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1 INTRODUÇÃO

A Região Amazônica conta com uma extensa malha hidroviária de

aproximadamente vinte e dois mil quilômetros de rios navegáveis, com uma

população estimada de vinte milhões de pessoas, das quais mais de quatro

milhões (INSTITUTO, 2011) encontram-se espalhadas em comunidades

ribeirinhas distribuídas ao longo desta vasta rede hidroviária, sendo que

centenas de milhares destes ribeirinhos são usuários das pequenas

embarcações ribeirinhas, tornando o transporte fluvial indispensável à

sobrevivência da quase totalidade dos vilarejos e no instrumento de

integração social, econômico e ambiental.

Essas pequenas embarcações, por conta do seu pouco calado1, são

as mais utilizadas pelos ribeirinhos o que torna possível o aproveitamento da

malha hidroviária regional, permitindo assim o acesso e a ocupação dos

espaços vazios da Região Amazônica.

A embarcação é o meio de transporte mais usado para as diversas

atividades como o transporte de pessoas e de produtos, a atividade

pesqueira, o esporte e laser.

O casco da embarcação pode ser de madeira, alumínio ou fibra de

vidro e a instalação do motor também é feita de forma artesanal pelo

construtor, pelo proprietário do barco ou pelo profissional da região conhecido

como "assentador de motor"2, especializado na instalação do bloco propulsor

(motor, eixo e hélice) em perfeita harmonia com o equilíbrio da embarcação.

A escolha do motor dependerá de vários fatores, tais como: disponibilidade

financeira do ribeirinho, do comprimento e peso da embarcação, do tipo do

casco e da atividade em que a embarcação será empregada.

O motor pode ser de centro ou de popa com "rabeta"3 curta ou longa.

O motor de popa (fig. 1) é instalado na parte de trás da embarcação e

o eixo e a hélice ficam para fora da embarcação. No caso da rabeta, o motor

1 Distância vertical entre a superfície da água e a parte mais baixa da quilha de uma embarcação. (Nota da autora).

2 Denominação dada na Amazônia ocidental para pessoa responsável pela instalação do motor de centro na embarcação ribeirinha. (Nota da autora).

3 Parte de baixo do motor de popa que sustenta o eixo de transmissão e em sua ponta é

instalado a hélice. Também pode designar um tipo de barco com motor e hélice traseira não profunda, usado em rios com pouca profundidade. (Nota da autora).

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que transfere energia para a hélice é de baixa potência e a gasolina, usado

em pequena embarcação com casco leve, normalmente, em alumínio, sendo

muito utilizada no Estado do Amazonas, por conta da Zona Franca de

Manaus que tem montadoras de motores de popa como a Honda e Yamaha.

Esse tipo de motor vem sendo mais utilizado na Região Norte em virtude do

baixo custo, em especial, as marcas fabricadas na China.

Figura 1

O motor de centro (fig. 2) é instalado no meio da seção transversal do

barco devido ao seu peso, a uma distância entre 1,5 a 2,5 metros da popa, e

a ligação do motor a hélice é feita por meio de um eixo (barra de aço)

chamado de eixo "cardã", que será ajustado conforme o comprimento da

embarcação, já que passa por dentro da embarcação. A potência do motor

varia entre 5,2 kW e 11kW (7 CV a 15 CV). A instalação deste motor requer

mais habilidade a fim de dar um maior equilíbrio a embarcação e assim obter

um melhor rendimento na navegação.

Figura 2

O motor de centro é mais potente, podendo ser a gasolina ou a

diesel, utilizado em qualquer tipo de embarcação. Em virtude do alto custo de

um motor novo, os motores em circulação, em sua grande maioria, são

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comprados usados, podendo ser retificado4 ou adaptados para ser instalado

na embarcação, requerendo, desta forma, manutenção constante em virtude

de permitir a entrada de água por qualquer imperfeição na vedação do eixo,

que gira numa velocidade que pode chegar a 2400 rotações por minuto

(rpm).

A água que se acumula no fundo do barco e próximo ao motor pode

acabar dificultando seu correto funcionamento, o que leva o proprietário da

embarcação a deixar o motor e o eixo descobertos, buscando com isso

facilitar a retirada d’água, manobra feita, muitas vezes, pelos próprios

passageiros do barco que, com uma garrafa plástica cortada ou vasilhame

semelhante, aproximam-na do eixo em alta rotação para retirar a água que

fica acumulada embaixo do eixo, o que pode resultar em acidentes como o

escalpelamento5 de mulheres e de crianças, além de outras mutilações

graves.

Os acidentes e fatos da navegação6 com as embarcações ribeirinhas

na Região Norte não se restringem aos escalpelamentos, mas também ao

abalroamento7, colisão8, excesso de carga e passageiros, ausência de

equipamento de segurança, tais como: coletes salva-vidas, entre outros que

são catalogados pelo Tribunal Marítimo9. Não há um estudo de quantos

acidentes ou fatos da navegação ocorrem na região, já que muitos acidentes

não são comunicados a Autoridade Marítima local, em virtude de

irregularidades nas embarcações ou em sua tripulação.

Segundo os registros da Defensoria Pública da União10 em janeiro de

2013 havia 292 vítimas de escalpelamento, sendo 195 vítimas no Pará, 95

vítimas no Amapá, 1 vítima no Amazonas e 1 vítima em Rondônia, podendo

4 Processo de manutenção do motor para reparar pequenos danos causados pelo desgaste natural de sua utilização. Disponível em: <www.pt.wikipedia.org/wiki/retifica_de_motor>. Acesso em: 19 ago. 2014.

5 Avulsão do couro cabeludo por meio mecânico. (Nota da autora).

6 Acidentes e fatos da navegação definidos pelos artigos 14 e 15, da Lei 2.180/54. (BRASIL, 1954).

7 Abalroamento é o choque entre embarcações. (Nota da autora).

8 Colisão é o choque entre uma embarcação e outro corpo que não seja uma embarcação. (Nota da autora).

9 Definido no artigo 1º, da Lei 2.180/54, possui jurisdição em todo território nacional, com atribuição de julgar os fatos e acidentes de navegação marítimo, fluvial e lacustre. (BRASIL, 1954).

10 Instituída pela Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Disponível em: <www.dpu.gov.br>. (BRASIL,1994)

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aumentar o número a medida que as vítimas procuram a Instituição para

obter os benefícios reparadores contidos no Projeto de Erradicação do

Escalpelamento por Embarcação11 que tem como meta a reinserção da

vítima na sociedade.

O projeto prevê também medidas preventivas como campanhas

educativas, a cobertura do eixo para as embarcações em circulação e a

modernização da frota ribeirinha, por meio de uma linha de crédito, alocando

recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM)12, fundo de natureza

contábil, para o financiamento de embarcações, motores e demais

equipamentos necessários à segurança da navegação, tendo como metas:

contribuir para erradicação do escalpelamento causado por embarcação;

modernizar a frota de embarcação para transportes de cargas e passageiros;

possibilitar a identificação e legalização das embarcações existentes na

região amazônica; e facilitar o acesso ao crédito às populações de baixa

renda beneficiadas pelo programa (BRASIL, 2004).

Em 2008, a Secretaria de Fomento para Ações de Transportes, do

Ministério dos Transportes, coordenou um grupo de Trabalho de Transporte

Fluvial de Passageiros e Cargas com atribuições de diagnosticar a situação

do transporte fluvial de passageiros e cargas no país e propor diretrizes para

a formulação de políticas públicas para o transporte fluvial de passageiros e

cargas. Desse trabalho, resultou a elaboração de Projeto de Lei para criar o

Programa Especial para a Renovação da Frota Fluvial de Passageiros –

Profrota Fluvial, em que os beneficiários do programa são empresas

brasileiras de navegação e o parque industrial de construção naval (Relatório

de Gestão, exercício 2009, da Secretaria de Fomento para Ações de

Transportes do Ministério dos Transportes).

Considerando o público alvo do Profrota Fluvial está restrito a

empresas, verificou-se a necessidade de se propor diretrizes que

beneficiasse a pessoa física do ribeirinho que também utiliza a embarcação

como principal meio de transporte de passageiros e de cargas, em escala

menor do que as empresas de navegação, mas que também contribui para o

11 Criado pela autora e aprovado pelo Defensor Público-Geral da União em agosto de 2005.

(Nota da autora). 12

Lei no 10.893, de 13 de julho de 2004.

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13

desenvolvimento da região. Assim, nasceu o Programa Especial para a

Modernização da Frota Ribeirinha – Profrota Ribeirinha.

Segundo Freitas (2011) a criação do Programa de Modernização da

Frota Ribeirinha – Profrota Ribeirinha terá por finalidade principal, fomentar,

por meio da instituição de uma linha de crédito, a modernização das

embarcações ribeirinhas artesanais em operação na Região Norte do Brasil,

ampliando a frota regular e incentivando a construção naval regional.

Subsidiariamente, o programa contribuirá para a erradicação do

escalpelamento por embarcação.

O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) lançou em 2012 o

Programa de Revitalização da Frota Pesqueira Artesanal - Revitaliza13 com

recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

(PRONAF) Mais Alimentos que tem por objetivo a reforma, a modernização e

até a construção de novas embarcações de até 20 (vinte) toneladas de

arqueação bruta, limitado a pescador inscrito no Registro Geral de Atividade

Pesqueira (RGP) e que preencha os requisitos para obter a anuência para o

financiamento do Ministério. Já o PRONAF14 Mais Alimentos oferece os

mesmos benefícios do Revitaliza, contudo, o problema reside na limitação do

programa aos agricultores e aos pescadores artesanais que precisam

apresentar a Declaração de Aptidão ao Programa (DAP) emitida pela

Secretaria de Agricultura Familiar (SAF), do Ministério do Desenvolvimento

Agrário (MDA) ou agentes credenciados pelo MDA15 e a condição básica

para a concessão de crédito de investimento é a apresentação de projeto

técnico ou proposta simplificada, conforme estipulado pelo agente financeiro,

o que acaba inibindo o ribeirinho em virtude de sua baixa escolaridade,

dependendo de terceiros para acesso ao crédito.

13

Instrução Normativa nº 10, de 30 de outubro de 2012, do Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA. Disponível em: <www.mpa.gov.br/...instrucoes-normativas/293-instrucoes-nnormativas-2012>. Acesso em: 27 ago. 2014.

14 O PRONAF é a política pública voltada aos agricultores familiares, pescadores artesanais e aquicultores bem como suas organizações. Lei 11.326, de 24 de julho de 2006. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/le/l11326.htm>. Acesso em: 27 ago. 2004.

15 Portaria MDA nº 75, de 25 de julho de 2003. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=189336 >. Acesso em: 14 ago. 2014.

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14

1.1 DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DO PROGRAMA

O Programa de Modernização da Frota Ribeirinha intitulado de

"Profrota Ribeirinha" tem no seu escopo geográfico atender os ribeirinhos da

Região Norte, área com mais registros de acidentes em virtude do grande

número de embarcações em circulação, para o transporte de passageiros e

cargas.

Por outro lado, não se pode deixar de mencionar que a falta de

política para modernização das embarcações ribeirinhas se estende pelas

demais bacias hidrográficas no Brasil, destacando a navegação pela bacia do

São Francisco16, do Paraná-Paraguai17, do Paraná18, entre outras, mas para

fins de mensuração e controle de desempenho foi fixado a Região Norte para

o início do Programa proposto.

1.2 CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO RIBEIRINHA

De acordo com o censo de 2010 do IBGE a população da Região

Norte é em torno de dezesseis milhões de habitantes sendo que no interior

vivem mais de quatro milhões de habitantes. O campo do presente estudo

fica delimitado aos Estados do Amazonas, Amapá e Pará em virtude da

intensidade da navegação, em especial, da população ribeirinha.

O Estado do Amazonas abriga 62 municípios, com uma população

estimada para 2013 de 3.807.923 habitantes (IBGE,2013), sendo que na

capital Manaus reside 49,98% da população estadual e o restante dos

habitantes correspondendo 50,02% residem no interior do estado,

pulverizada em municípios ribeirinhos cuja população varia por município de

5.000 a 50.000 habitantes, exceção com relação ao município de Parintins

16

O rio São Francisco é o mais importante da bacia de mesmo nome, com uma extensão de 2.700 km, tem sua nascente na Serra da Canastra, em Minas Gerais. A sua importância é principalmente pela contribuição histórica e econômica na fixação de populações ribeirinhas. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/area.cfm?id_area=104>. Acesso em: 14 ago. 2014.

17 Grande parte da bacia do rio Paraguai estende-se pela planície do pantanal. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/geografa/bacias_hidrograficas.htm>. Acesso em: 14 ago. 2014.

18 A hidrovia Tietê-Paraná localiza-se na bacia do rio Paraguai nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/geografa/bacias_hidrograficas.htm>. Acesso em: 14 ago. 2014.

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15

que possui mais de 100.000 habitantes (INSTITUTO, 2011) que depende da

embarcação como principal meio de transporte para outros municípios.

O Estado do Amapá abriga 16 municípios, com uma população de

669.526 habitantes, sendo que na capital Amapá residem em torno de 58%

da população do estado e 42% no interior do estado. (INSTITUTO, 2011).

O Estado do Pará abriga 143 municípios, com uma população de

7.792.561 habitantes, sendo que na capital Belém residem em torno de 18%

da população do estado e o restante dos habitantes correspondendo 78%

estão pulverizados no interior do estado. (INSTITUTO, 2011).

É interessante ressaltar que segundo CORREA (2011) o órgão de

pesquisa do IBGE, com base na antiga premissa do “perímetro urbano”19,

leva em consideração como espaço urbano as sedes municipais (cidades) e

distritos (vilas) que, em sua grande parte, apresentam fortes características

rurais e interações com o mundo rural, principalmente em se tratando de

Região Amazônica.

2 ANÁLISE DOS PRINCIPAIS VETORES DE DESENVOLVIMENTO

As demandas econômico-sociais devem ser consideradas a partir da

realidade dos indivíduos que vivem na região em que a embarcação é o

principal meio de transporte. As ações que irão nortear o desenvolvimento

regional devem considerar a segurança da navegação e dos passageiros,

além do incremento de novas tecnologias para as embarcações ribeirinhas,

que gerarão um novo cenário, onde emergirão novas demandas formando

assim um fluxo contínuo de ações e desenvolvimento.

2.1 UNIVERSO DE EMBARCAÇÕES RIBEIRINHAS

A Região Norte apresenta uma estrutura bastante jovem, devido aos

altos níveis de fecundidade no passado, conforme a Sinopse do Censo

Demográfico 2010. Em 1980, a fecundidade nessa região ainda se

19

Área interna de uma cidade ou vila, definida por lei municipal. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartografia/manual_nocoes/elementos_representacao.html>. Acesso em: 14 ago. 2014.

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encontrava em patamares elevados, acima de 6 filhos por mulher. A

população de crianças menores de 5 anos da Região Norte vem diminuindo

de 14,3% em 1991 caiu para 12,7% em 2000, chegando a 9,8% em 2010.

(INSTITUTO, 2011).

Se for considerado que cada família possui em média quatro

membros, considerando a população rural no interior da Região Norte

divulgada pelo censo IBGE 2010 (INSTITUTO, 2011), estima-se existir quase

1 milhão de embarcações circulando na região, podendo ser um pouco mais

ou menos, mas não muito distante dessa quantidade, levando também em

conta que o IBGE não consegue mapear todas as áreas, em virtude do

“desafio” em chegar as vilas no interior por embarcação diante da imensidão

amazônica.

Em consulta realizada em março de 2013 ao Comando do 4º Distrito

Naval20, o Departamento de Assessoria de Assuntos Marítimos e Ambientais

informou que segundo registros do Sistema de Gerência de Embarcações

(SISGEMB) das Capitanias dos Portos da Amazônia Oriental (Pará) e do

Amapá subordinadas ao Comando, existia 38.510 embarcações inscritas,

consideradas como ribeirinhas, classificadas como passageiro, pesca e carga

menores de até 14 metros. Acrescenta que a Capitania dos Portos da

Amazônia Oriental alerta que cada embarcação inscrita há pelo menos cinco

(5) não inscritas, estimando-se 192.550 embarcações na área do Pará e

Amapá, finalizando que não existe estudo técnico sobre o real número de

embarcações circulando na Região Amazônia (FERREIRA, 2013). Já, na

área de jurisdição do 9o. Distrito Naval que compreende os Estados do

Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima estão inscritas no Sistema de

Gerenciamento de Embarcações (SISGEMB) 35.575 embarcações até

outubro de 2014. (SILVA, 2014).

O IBGE possuir pesquisas e diversos dados sobre a população da

Região Norte, contudo, no tocante a frota de transporte apenas contabilizou

os veículos com rodas, não considerando as embarcações, apesar de ser o

20 Os Distritos Navais têm o propósito de contribuir para o cumprimento das tarefas de

responsabilidade da Marinha do Brasil. Disponível em: <www.4dn.mar.mil.br>. Acesso em: 30 ago. 2014.

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principal meio de transporte ligando os distritos locais (vilas), os municípios

(cidades) e a capital do Estado.

2.2 CONSTRUÇÃO NAVAL

A construção naval na Amazônia divide-se em dois setores, os

formais e os informais.

2.2.1 Estaleiros Formais

Os estaleiros formais são aqueles que constroem embarcações de

qualquer porte, dando preferência as embarcações de grande porte, podendo

o casco ser de aço, alumínio ou fibra de vidro. Os estaleiros formais são

regularizados, podendo ter grandes investimentos visando a construção em

aço, reparos e manutenção de navio ou balsas ou menores investimentos

para atender construção, reparos e manutenção com foco nas embarcações

de madeira de grande porte. Os estaleiros formais têm acesso a

financiamento, em vista de atender aos requisitos legais exigidos.

2.2.2 Estaleiros Informais

Os estaleiros informais são normalmente familiares e artesanais, em

que os barcos são produzidos por artesões, utilizando madeira, passando a

arte de construção naval de pai para filho por gerações, e as embarcações

possuem uma assinatura pelas suas características arquitetônicas

identificando o carpinteiro naval artesão.

As oficinas são simples, muitas vezes não regularizadas, o que

dificulta acesso a linhas de crédito, dispondo apenas de equipamentos

básicos para o desempenho da arte e não contam com a presença de um

projetista ou engenheiro naval qualificado para apresentar o plano de

construção da embarcação exigido pela legislação brasileira.

Não podemos deixar de mencionar que a construção de uma

embarcação ribeirinha também pode ser realizada no fundo da casa do

Page 19: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

18

ribeirinho que contrata o carpinteiro naval, por diária, para a construção do

casco, já que a madeira pode ser obtida próxima a sua residência.

O novo nicho de mercado são as "voadeiras" cujo casco é de

alumínio e que vem ganhando espaço em vista de seu peso e a possibilidade

de uso de motor com baixa potência, com custo mais baixo, acessível à

população ribeirinha.

A construção naval informal contribui para o desenvolvimento

econômico da região e destaca-se como um dos maiores geradores de

emprego, apesar dos problemas de acesso aos financiamentos oficiais, as

novas tecnologias e aos regulamentos de segurança a bordo da embarcação.

2.3 LINHAS DE NAVEGAÇÃO

Pode-se classificar em dois tipos de linhas de navegação na

Amazônia, considerando o mercado regional:

(a) uma linha regular que atende a intermunicipalidade, partindo da

capital, fazendo a ligação de várias cidades no interior do estado ou ligando

um município a outros municípios. A navegação é feita por embarcação mista

(passageiros e carga) acima de 15 metros e a viagem pode ser de longa

duração; e

(b) a outra, em menor escala de distância, a linha informal que

atende aos moradores das vilas e das comunidades no interior. A

embarcação é pequena e a navegação pode ser curta ou de média duração.

Na concepção de embarcação pequena, entende-se que se pode dividir em

dois grupos: grupo I – embarcação de até 8 metros e Grupo II – embarcação

de 8,01 metros até 14 metros.

A embarcação de até 8 metros é conhecida como canoa, sendo que

nos primórdios era construída em um único tronco de madeira de lei. Nos

dias atuais, canoas podem ser de madeira ou de alumínio normalmente

equipadas com motor de popa. Transporta de cinco a dez passageiros e uma

pequena quantidade de carga.

Já a embarcação grupo II a partir de 8 metros 14 metros de

comprimento e construída com casco de madeira, utilizando motor a gasolina

Page 20: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

19

ou a diesel. A capacidade varia de 10 a 20 passageiros e transporta uma

quantidade de carga média.

De acordo com o relatório executivo da Agência Nacional de

Transportes Aquaviários (ANTAQ) sobre a movimentação total de

passageiros nas principais 317 linhas de navegação regulares de transporte

fluvial nos Estados do Amazonas, Pará, Amapá e Rondônia, contabilizou 602

embarcações prestando serviços regulares de percurso interestadual e de

travessias transportando 8.894.208 passageiros/ano. O estudo não

considerou diversas linhas intermunicipais de pequena expressão e não

identificou outras tantas linhas em virtude da dispersão e da amplitude

territorial da Região Amazônica (AGÊNCIA, 2013).

Com relação a movimentação anual de carga foi estimado 4.575.023

toneladas, sem considerar as linhas informais e eventuais feitas por

embarcações de pequeno porte que transportam a produção regional

(AGÊNCIA, 2013).

2.4 DESENVOLVIMENTO SOCIO-ECONÔMICO LOCAL

Segundo Araújo (2010) a mídia transmite a Amazônia como

patrimônio universal, a maior floresta do mundo, que precisa ser preservada,

que no imaginário da maior parte da população brasileira, acredita-se que

tudo gira em torno das questões ambientais e da população indígena.

Os discursos dos movimentos ecológicos e internacionalista, nas

últimas décadas, pregoam que a Amazônia deve ser terra intocável, sem

levar em consideração o povo que habita suas florestas e a sociodiversidade

da região.

Levantamentos pontuais como o que foi realizado em 2009 na região

compreendida entre Santarém e Itaituba, na área de influência do Baixo

Tapajós, em que Amaral (2009) constatou que a navegabilidade confere

mobilidade já que o rio conecta vários distritos oferecendo serviços,

abastecimento e comércio o ano todo o que garante a subsistências das 64

comunidades ribeirinhas nas margens do rio Tapajós, com 40 famílias em

média e um sutil crescimento populacional.

Page 21: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

20

As comunidades vivem da produção de farinha de mandioca, da

pesca, e algumas da agricultura de subsistência. O Programa Bolsa Família

contribui expressivamente para a renda das comunidades e, em menor

proporção, os benefícios da aposentadoria. Turismo ecológico, produtos de

marcenaria, artesanato, couro ecológico, produção de frutas tropicais e

outras atividades alternativas estão em processo de instalação em algumas

comunidades incrementando o desenvolvimento local. Barcos menores que

fazem linhas entre as comunidades, também podem ser fretados ou ainda

podem fazer o transporte e comércio da produção de algumas comunidades,

normalmente, peixe e farinha (AMARAL, 2009). As prefeituras utilizam as

embarcações para o transporte de crianças de pequenas vilas até a escola

de ensino fundamental instalada nas redondezas das comunidades. A

embarcação também está presente nos serviços de remoção de enfermos

por meio das "ambulanchas", a ambulância fluvial.

Brondízio (2006), em seus estudos sobre sistemas de caboclos e

colonos, nos ajuda a entender que os produtores de pequena escala na

Amazônia compartilham de uma condição de invisibilidade econômica e

social, alimentada em parte, por essas formas preconceituosas utilizadas

pelas agências de desenvolvimento nacionais e internacionais e a própria

academia na interpretação de seus sistemas de produção. Eles ocultam que

os caboclos e os colonos desenvolvem uma agricultura ativamente na

economia regional, responsabilizando-se pelo fornecimento de alimentos às

populações urbanas e rurais, mesmo compartilhando a falta de suporte

econômico, político e infraestrutural, que tem sido proporcionado ao

agronegócio, voltado para a exportação (CORRÊA; HAGE, 2011).

Alerta-se para as distorções de conduta que vem ocorrendo na região

com o crescente aumento de furto de motores novos que se deve ao fato de

ser inacessível para a grande massa que vive no interior, devido ao alto custo

do motor e a necessidade de pagamento integral na sua aquisição

(PEDUZZI, 2014).

Page 22: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

21

2.4.1 Mobilidade dos ribeirinhos

No interior da Amazônia existe uma população ativa, que se

movimenta com suas embarcações, em especial, as rabetas, conferindo

agilidade e rapidez no transporte, podendo ser equiparadas as motocicletas

nos centros urbanos.

De acordo com levantamento por amostragem realizado em abril de

2009, nas capitais de Belém e Amapá, verificou-se que a compra de novo

casco é feita por meio de encomenda ao estaleiro ou carpinteiro próximo ao

local de residência do ribeirinho.

A construção de um casco de embarcação de 8 até 10 metros de

comprimento por 2,20 metros de boca leva em média 20 dias e para

embarcação até 14 metros de comprimento por 2,80 metros de boca, cerca

de 60 dias.

O preço médio do casco da embarcação de 10 metros é de R$

4.500,00 e casco até 14 metros é de R$ 15.000,00.

A construção é padronizada por meio de gabarito desenvolvido por

cada construtor e no Amapá a madeira usada é a Itaúba.

O ritmo da construção dependerá da forma de pagamento escolhida

pelo comprador, sendo que a entrega do casco será mediante o pagamento

da última parcela do preço contratado.

O ribeirinho comprador do casco poderá instalar o motor no estaleiro,

mas, normalmente, o casco é rebocado para a residência do ribeirinho que,

numa segunda fase, irá instalar o meio propulsor da embarcação.

A instalação do motor é feita pelo “assentador de motor”, pessoa

responsável pela instalação do motor e seu conjunto propulsor no interior da

embarcação, sendo que o eixo da embarcação de até 12 metros pode variar

de 1,90 metros a 2,50 metros de comprimento.

Devido ao custo do motor novo, muitos motores em circulação são

usados, recondicionados ou adaptados para embarcação. Não são motores

"marinizados", apropriados para embarcações e sim motores velhos

adaptados que requer manutenção constante e que faz água pelo eixo em

rotação. Esse é o motivo do proprietário não ter interesse de cobrir o eixo,

Page 23: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

22

qual seja: para facilitar a retirada d’água que entra pelo eixo e que fica

acumulada no fundo da embarcação.

O preço médio do motor de segunda mão de 5 HP até 15 HP varia

em média de R$ 4.000,00 até R$ 13.000,00.

Em julho de 2014 foi realizada pesquisa no estado do Amazonas, no

entorno de Manaus, tendo sido observado que a maior parte das

embarcações em circulação são com casco em alumínio com 6,00 a 7,00

metros de comprimento, com motor de popa rabeta longa de 5 HP a 6 HP.

A comunidade flutuante de Vila Nova na margem oposta a cidade de

Manaus possui 90 (noventa) famílias composta em média de cinco membros,

considerando pai, mãe e três filhos. A distância até Manaus é de até uma

hora por barco, já que seu acesso é somente por água. O preço da

passagem em média é de R$ 5,00 a R$ 15,00 e o interesse dos ribeirinhos

proprietários da embarcação em obter linha de crédito seria para a compra de

equipamentos de segurança para a regularização da embarcação junto a

Autoridade Marítima. A grande parte dos ribeirinhos entrevistados querem

trocar seus motores por outro mais potente.

O casco da embarcação pode ser em madeira ou alumínio, sendo

que o conjunto propulsor é comprado separado. O motor rabeta novo de 5 a

6 HP custa em torno de R$ 800,00, já o custo do conjunto propulsor (motor,

rabeta e hélice) passa para R$ 1.500,00. O interior do Amazonas, o mesmo

conjunto propulsor passa a custar de R$ 3.000,00 a R$ 4.000,00.

A canoa de alumínio com motor de 5 HP a 6 HP completa custa em

torno de R$ 5.000,00 a R$ 6.000,00, em Manaus.

O ribeirinho no entorno de Manaus tem a renda média de R$

1.000,00 a R$ 2.000,00, sendo que estaria disposto a pagar uma prestação

de até R$ 500,00 para a troca de um motor novo mais potente.

Já no interior do Amazonas observou-se embarcações de madeira

com motor de centro.

Estudos realizados mostram que o motor de centro a diesel é o

equipamento mais caro da embarcação, pois o motor usado é praticamente o

preço do casco da embarcação. Desse modo, o proprietário da embarcação

relega para segundo plano os aspectos de segurança, tais como: cobertura

Page 24: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

23

do eixo, material de salvatagem21, luzes de navegação, proteção do cano

descarga, entre outros.

Diante do quadro, no intuito de oferecer subsídios concretos foram

levantados os fabricantes de motores no Brasil e, assim teremos:

(a) motores Mercedes – fabricação nacional de 4 cilindros ou mais,

para embarcação de grande porte.

(b) motores MWM – fabricação nacional de 3 cilindros ou mais, para

embarcação de grande porte.

(c) motores Yamaha, Honda – fabricantes de motores de popa a

gasolina. Montados e comercializados na Zona Franca de

Manaus.

(d) motor Suzuki – fabricante de motor de popa de 2 e 4 tempos.

Comercializados no Brasil.

(e) motor Kawashima – fabricante de motor de popa de 2 tempos e

rabetas longa ou curta para barco com motor a gasolina de 7 HP

a 14 HP. Comercializados no Brasil.

(f) motores Titan, Forth, Toyanma e Branco – motores importados e

produzidos na Ásia.

(g) motores Agrale – motor a gasolina e diesel de fabricação nacional

no complexo industrial do Rio Grande do Sul.

(h) motores Yanmar – motor a diesel de fabricação nacional no

complexo industrial de São Paulo.

(i) motores MWM – motor a Diesel com potência acima de 51 HP de

fabricação nacional no complexo industrial de São Paulo.

2.5 FISCALIZAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DE EMBARCAÇÕES

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), criada

pela Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001 (BRASIL, 2001), é um órgão

vinculado ao Ministério dos Transporte e tem como competência a regulação,

21 Material de salvatagem compreende: bóias, coletes salva-vidas, sinalizadores, rádio VHF

fixo e portátil, extintor de incêndio, bússola, âncora, amarras, cabos, âncoras, lanternas, caixa de primeiros socorros etc. O material de salvatagem exigido pela Diretoria de Portos e Costas da Marinha é relativo ao tamanho e ao tipo de navegação que se pretende com o barco. Disponível em: <http://bombarco.com.br/marinheiro_primeira_viagem/exibir/material-de-salvatagem-e-caixa-de-primeiros-socorros>. Acesso em: 14 ago. 2014.

Page 25: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

24

fiscalização e harmonização das atividades portuárias e de transporte

aquaviário de passageiros e de serviço de transporte misto na navegação

interior de percurso longitudinal interestadual e internacional, serviço de

transporte de passageiros, veículos e cargas da navegação interior de

travessias interestadual, internacional e em diretriz de rodovias federais.

Em se tratando de Região Amazônica a ANTAQ é responsável pela

regulação e pela fiscalização das empresas de navegação que atuam no

transporte de passageiros e carga nas rotas interestaduais e internacional,

além, das travessias quando realizadas por empresas de navegação.

Para a segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana e a

prevenção da poluição hídrica, como preconiza a Lei de Segurança do

Tráfego Aquaviário nº 9.537/97 (BRASIL, 1997) cabe à Autoridade Marítima

Brasileira, por meio da Marinha do Brasil, a fiscalização e inspeção das

embarcações na navegação interior, independente de seu comprimento e tipo

de atividade, conforme regulamentação contida na Norma da Autoridade

Marítima para Embarcações Empregadas na Navegação Interior –

NORMAM-02/DPC, emitida pela Diretoria de Portos e Costas em 2005.

As Capitanias dos Portos na Amazônia exercem atividade

fiscalizadora de Estado (Autoridade Marítima) cuidando da segurança da

navegação, das embarcações, das tripulações e passageiros, das cargas,

das rotas, do meio ambiente e até dos portos, não só legislando por meio de

normas e procedimentos da área de sua jurisdição, mas também na função

pública de apuração de infrações por não atender as normas de segurança e

nos acidentes e fatos da navegação22.

Os principais equipamentos de segurança a bordo da embarcação

ribeirinha são adquiridos ou corrigidos quando se tem recursos financeiros

para equipar a embarcação. Em se tratando de embarcação ribeirinha seus

proprietários possuem recursos limitados, não podendo desembolsar de uma

única vez a compra, por exemplo, de 5 (cinco) coletes salva-vidas, levando-

se em conta uma embarcação de pequeno porte, cujo custo de um único

colete corresponde quase 10% (dez por cento) do salário mínimo brasileiro

em 2014.

22

Artigo 14 e 15 da Lei 2.180, de 5 de fevereiro de 1954. (BRASIL, 1954).

Page 26: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

25

As dimensões da Amazônia somam quase 4 (quatro) milhões de

quilômetros quadrados e a quantidade de unidades da Capitania dos Portos e

seus organismos subordinados23 na região são insuficientes para atender às

centenas de milhares de embarcações espalhadas na região, levando-se em

conta que o ribeirinho para obter sua habilitação terá que ficar afastado de

sua família e de sua produção por, no mínimo, três dias, sem conta o tempo

de viagem até a unidade mais próxima da Capitania do Portos.

2.6 ACIDENTES E FATOS DA NAVEGAÇÃO

As principais deficiências apresentadas pelas embarcações

ribeirinhas relacionadas aos itens à segurança da navegação são: ausência

de material de salvatagem e de combate a incêndio, falta de habilitação da

tripulação, ausência da cobertura do eixo que liga o motor à hélice e do

volante do motor24, entre outros.

No caso de ocorrer um acidente ou fato da navegação, a Capitania

dos Portos instaura inquérito apurando os fatos e quando concluído,

encaminha o inquérito administrativo para o Tribunal Marítimo que irá julgar

definindo a natureza, determinando a causa, circunstância e extensão,

indicando os responsáveis, se houver, e respectivas penas a serem aplicadas

e, em especial, propondo medidas preventivas e de segurança da

navegação, a fim de que futuros acidentes ou fatos iguais sejam evitados.

Graças ao Tribunal Marítimo, a Defensoria Pública da União que atua

na defesa das pessoas necessitadas e sem advogado constituído, tomou

conhecimento dos acidentes de escalpelamento.

Constatou-se que o acidente de escalpelamento ocorre em

embarcação entre 7 a 12 metros, em geral, embarcação familiar, regional

muito difundida na Amazônia.

23

A Capitania dos Portos é uma organização militar cujo propósito é contribuir para a orientação, coordenação e controle das atividades relativas à Marinha Mercante e organizações correlatas, no que se refere à segurança da navegação, salvaguarda da vida humana no mar, defesa nacional e preservação da poluição hídrica, com os órgãos subordinados: Delegacia e Agência. Disponível em: <https://www.mar.mil.br>. Acesso em: 16 ago. 2014.

24 Parte do motor que transfere o torque obtido na cambota para caixa de velocidade. Disponível em: <www.Wikipédia.org>. Acesso em: 16 ago. 2014.

Page 27: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

26

Para obter dados concretos sobre a percepção dos ribeirinhos de um

modo geral e, em particular, das vítimas que sofreram escalpelamento a

Defensoria Pública da União realizou pesquisa junto a população da Região

Amazônica, em especial, no Pará, Amapá, Amazonas e Rondônia.

Não existe um estudo que fixe os custos econômico e social dos

acidentes e fatos da navegação no Brasil. É necessário computar os custos

dos prejuízos materiais, da perda de produção, da interrupção das atividades,

da investigação do acidente, dos processos judiciais, dos gastos

previdenciários, dos cuidados com a saúde, considerando os pré-hospitalar,

pós-hospitalar, remoção e traslado, custos esses que oneram toda a

sociedade, por meio dos impostos que garantem o sistema, em especial, o da

saúde pública, além das perdas irreparáveis sofridas pela vítima e por sua

família, valores incalculáveis diante das seqüelas deixadas pelo evento.

Para se ter uma dimensão dos custos crescentes do tratamento do

escalpelamento cita-se o acidente ocorrido com uma embarcação sem nome,

enquadrada como invisível, ou seja, sem registro na Capitania dos Portos,

em novembro de 1972 que navegava da comunidade de Jupati, no município

de Afuá, para o centro da cidade de Afuá-PA quando no percurso ocorreu o

escalpelamento total, em que a vítima, à época com 15 (quinze) anos de

idade, ao deitar-se no assoalho da popa da embarcação, próximo ao motor,

teve seus cabelos enrolados e puxados pelo movimento do eixo. (BRASIL,

2013).

A vítima dessa embarcação após mais de 35 (trinta e cinco) anos,

residindo atualmente no Amapá, usando peruca para disfarçar seu

escalpelamento total, acabou por agredir no decorrer dos anos o seu couro

cabeludo que ficou sensível pelo uso contínuo de peruca provocando

pequenas feridas, o que se transformou com passar do tempo em câncer em

estágio bastante avançado só detectado por ocasião do mutirão de cirurgia

plástica realizado no estado do Amapá25, quando a vítima foi submetida a

uma avaliação médica.

25

Mutirão de Cirurgia Plástica, realizado em 2012 no estado do Amapá, com a parceria da Defensoria Pública da União, do Governo do Estado do Amapá e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica que recrutou médicos cirurgiões plásticos de todo o Brasil para participar, de forma voluntária, nos mutirões de cirurgia plástica em prol das vítimas de escalpelamento (Nota da autora).

Page 28: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

27

2.7 CAMPANHAS PREVENTIVAS DE ACIDENTES

No início de março de 2010 foi lançada a Campanha Nacional do

Combate ao Escalpelamento26 em Belém desenvolvida pelo Secretaria de

Comunicação da Presidência da República com mensagens alertando sobre

o acidente e os primeiros socorros em caso de ocorrência do evento.

Apesar dos esforços das campanhas educativas e da cobertura

gratuita do eixo feito pelas Capitanias dos Portos da região, a quantidade de

acidentes diminuiu mais de 75% (setenta e cinco por cento), contudo, não foi

erradicado.

Entende-se que a erradicação do acidente de escalpelamento só

ocorrerá quando ocorrer à modernização da frota ribeirinha de baixa renda da

Região Norte, com a troca do conjunto propulsor sem o eixo coberto por outro

mais moderno com eixo encapsulado de fábrica, ou seja, com tubo protetor

envolvendo o eixo propulsor.

26

A Campanha Nacional do Combate ao Escalpelamento foi implementada pela Marinha do Brasil, pelos governos dos estados do Pará e Amapá e pelos principais meios de comunicação locais. (Nota da autora).

Page 29: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

28

3 MODERNIZAÇÃO DA FROTA RIBEIRINHA

A incipiência de uma política hidroviária somada a falta de

investimento no sistema de navegação regional envolvendo principalmente

as pequenas e médias embarcações vem contribuindo para uma série de

acidentes e fatos de navegação na Região Norte.

Em pleno século XXI, o Brasil depara-se com um acidente grave e

deformante que é o escalpelamento. Não se trata de casos isolados mas de

uma triste realidade que já fez centenas de vítimas, se forem considerados

apenas os registros da Defensoria Pública da União.

É pertinente dizer que a instalação do eixo que liga o motor a hélice

não é de responsabilidade da empresa fabricante do motor, que vende tão

somente o motor, cabendo ao construtor ou ao proprietário da embarcação a

instalação do conjunto propulsor formado pelo motor, eixo e hélice.

O diferencial da proposta é que na aquisição de um motor novo, o

motor velho/usado será dado como parte de pagamento no motor novo, a fim

de incentivar o ribeirinho a trocar seu motor velho, poluente e antieconômico

e com eixo descoberto, por outro motor novo, antipoluente, econômico e com

cobertura do eixo feita pelo fabricante do motor.

A proposta tende a impulsionar a economia local, gerando novos

empregos diretos nos locais de venda e instalação de motores novos, na

construção de embarcações e no comércio de peças, e de forma indireta na

cadeia produtiva, pois contempla ainda o mercado produtor de motores e

equipamentos de segurança a bordo, impulsionando a economia e o

desenvolvimento econômico em várias partes do país.

O motor velho/usado da embarcação do tomador deverá ser entregue

para amortização da dívida, a título de bônus de incentivo, visando estimular

a participação do ribeirinho na cota de financiamento além de promover a

retirada de circulação do motor sem cobertura do eixo, evitando, assim, seu

retorno ao mercado. O motor dado para a amortização será destinado para

reciclagem, de acordo com as normas de segurança e ambientais, gerando

novos postos de trabalho.

Page 30: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

29

Objetivando evitar furtos de motores na região e a revenda imediata

dos motores financiados, as peças essenciais dos motores terão números de

série que fará parte dos cadastros da compra do motor novo e de sua

legalização junto a Autoridade Marítima local.

O aspecto relevante é a obrigatoriedade de legalização junto a

Capitania dos Portos da embarcação ribeirinha para contrair o empréstimo

para a compra do motor ou construção de embarcação, permitindo, assim,

conhecer o número real de embarcações que trafegam nos rios amazônicos,

hoje, dado desconhecido.

Não se pode descartar a necessidade de se manter a cultura da

construção naval artesanal, capacitando artesões navais a adequar suas

oficinas, por meio de capacitação, com mão-de-obra especializada para o

atendimento da demanda novas embarcações, oferecendo empregos aos

milhares de jovens que vem crescendo na Região Norte, sem o

correspondente campo de trabalho.

O público alvo do programa são os ribeirinhos que necessitam de

embarcações, de até 14 metros para transporte de passageiros ou cargas,

com renda familiar de até 10 salários mínimos.

Page 31: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

30

4 POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS

O processo de desenvolvimento local exige a participação da

população residente, pois os maiores responsáveis e beneficiários desse

desenvolvimento são eles. Para que isso ocorra é preciso que o Estado

desenhe políticas públicas que ofereçam oportunidades para o

desenvolvimento sustentável, adotando uma estratégia de gestão

compartilhada em vista de se tratar de uma região com características

próprias.

4.1 POLÍTICA:

Cabe ao Estado detectar um problema e buscar solução efetiva,

definindo as linhas de ação que deverão ser adotadas para a resolução da

questão. Por isso está cada vez mais incorporando o conceito de temas

transversais no dia a dia das políticas públicas em que o objetivo é trazer

para discussão questões importantes da vida cotidiana, já que os temas

transversais tratam de problemas sociais que estão sendo vividos pela

sociedade. São questões urgentes e de abrangência nacional que

necessitam de imediatas intervenções do Estado para reverter o quadro.

É importante ressaltar que desde há muito está se postergando

soluções definitivas para a navegação fluvial, já que o governo exige, por

norma técnica, que o ribeirinho tenha em sua embarcação determinados

equipamentos de segurança, mas não lhe oferece meios financeiros

tampouco a possibilidade de equipar sua embarcação com itens obrigatórios

com valores acessíveis, considerando que a grande parte desses

equipamentos vem de outras regiões do Brasil, o que onera

consideravelmente o preço de venda final ao ribeirinho no interior da

Amazônia. Assim sendo, torna-se imperativo estabelecer uma Política

Pública de Estado que permita o ribeirinho cumprir a Lei nº 9.537/97, Lei de

Segurança do Tráfego Aquaviário (BRASIL, 1997).

Page 32: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

31

O presente estudo está suportado na necessidade de

estabelecimento de políticas públicas que atenda a agenda transversal do

Plano Mais Brasil – PPA de 2012-2015 (BRASIL, 2012), no Programa 2020 -

Cidadania e Justiça das Políticas para as Mulheres que tem como meta

“normatizar a substituição de eixos das embarcações na Amazônia Legal, de

forma a erradicar os casos de escalpelamento”. Como se vê, no PPA existe a

meta de se reverter o quadro de acidentes de escalpelamento, hoje, um

acidente controlável, mas que poderá aumentar com o crescimento

desordenado do número de embarcações ribeirinhas, sem o

acompanhamento do Estado.

É fundamental tirar de circulação os eixos descobertos ou cobertos

de forma improvisada numa solução paliativa, mas para que isso ocorra é

necessário substituir os motores velhos e poluentes por motores novos com o

eixo que liga o motor a hélice encapsulado de fábrica, envolto numa estrutura

protetora irremovível, evitando, assim, acidentes.

A criação de uma linha de financiamento para a modernização das

embarcações ribeirinhas de pequeno e médio porte é crucial para a região,

não só para que se possa cumprir as exigências da Autoridade Marítima, mas

também tirar a embarcação da clandestinidade, já que muitas estão

navegando em situação irregular e invisíveis aos olhos do Estado. Esta

ilegalidade pode ser entendida como imposta pelo próprio Governo, uma vez

que não oferece meios para mudar essa realidade e promover o

desenvolvimento da região gerando novos postos de trabalho, já que a

mobilidade é fundamental para a competividade da economia, o transportes

de pessoas, o escoamento da produção e a integração de sua cadeia

produtiva por meio da navegação fluvial.

Na verdade, é necessário que o Estado defina como uma das

Políticas Públicas para a região Norte a criação de linha de crédito para o

financiamento da modernização da frota ribeirinha da população de baixa

renda, por meio do Profrota Ribeirinha em prol da erradicação do acidente de

escalpelamento.

Page 33: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

32

4.1.1 Programa – Profrota Ribeirinha

O Programa da Frota Ribeirinha ─ Profrota Ribeirinha ─ foi

desenhado com o objetivo de criar uma linha de financiamento para a

modernização da frota ribeirinha, dentro de programas factíveis com a meta

de levar tecnologia, conforto e segurança no transporte fluvial.

O Brasil se orgulha de tantos avanços tecnológicos e sociais; como

por exemplo de sua matriz energética, do percentual de energias renováveis,

da redução da taxa de queimadas na Região Norte e da diminuição das

emissões de gases do efeito estufa, da melhoria nas condições sociais das

famílias da região por meio do Programa Bolsa Família. Entretanto, esqueceu

de criar mecanismos que possam gerar empregos permanentes na Região

Norte, em especial, voltados para o transporte dos ribeirinhos, o que

ampliaria os ganhos em termos econômicos, sociais e ambientais.

O Profrota Ribeirinha está alicerçado na sustentabilidade,

contemplando as três linhas básicas para o desenvolvimento da cidadania;

quais sejam: aspectos sociais, econômicos e ambientais, contemplando

vários outros projetos, a partir dos estudos já existentes, tais como:

(a) promover o aperfeiçoamento da construção naval artesanal das

embarcações, com implementação de novas técnicas e

tecnologias buscando conforto e segurança;

(b) criar cursos para a disseminação das inovações tecnológicas na

construção naval artesanal, a utilização dos equipamentos de

bordo e a capacitação para as atividades de bordo;

(c) incentivar o comércio de equipamento previstos na legislação

brasileira e, consequentemente, a criação de novos postos de

trabalho.

4.1.2 Aspectos Legais

A Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã,

garante o acesso à cidadania e a redução das desigualdades regionais como

pilar do desenvolvimento nacional estampado como princípio no art. 3º, III, e

parcialmente reafirmado no art. 170, VII, da CF. (BRASIL, 1988).

Page 34: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

33

A Lei nº 9.537 de 1997 (BRASIL, 1997), alterada pelo Lei

11.970/2009 (BRASIL, 2009), que dispõe sobre segurança do tráfego

aquaviário em águas sob a jurisdição brasileira, estabelece, no art. 4º-A, a

obrigatoriedade do uso de proteção no motor, eixo e quaisquer outras partes

móveis das embarcações que possam promover riscos à integridade física

dos passageiros e tripulação.

A Lei 11.970/2009 (BRASIL, 2009), de autoria da Deputada Federal

Janete Capiberibe (PSB/AP), foi apresentado por meio do Projeto de Lei nº

1531/2007, em 06/07/2007, visando criar mecanismo para evitar o

escalpelamento dentro de embarcações.

A Lei nº 10.893, de 2004, estabelece no artigo 26, V, que o Ministro

dos Transportes, mediante proposta, pode alocar recursos do Fundo da

Marinha Mercante em programas especiais direcionados ao transporte de

passageiros, quando considerados como atividades prioritárias e de relevante

interesse social, com redução dos encargos financeiros referentes a juros e

atualização monetária (BRASIL, 2004).

Ressalta-se ainda a publicação, em dezembro de 2010, pelo

Ministério dos Transportes, das Diretrizes da Política Nacional de Transporte

Hidroviário, que abrange a navegação interior, constituindo um marco para as

ações no setor público e uma referência para iniciativas do setor privado.

Neste documento, a melhoria do nível de serviço do transporte de

passageiros é uma das diretrizes e, entre as ações defendidas pelo Ministério

dos Transportes, destacam-se a implantação de um sistema de

financiamento que estimule a ampliação da frota através da construção naval

regional e a política de modernização das embarcações artesanais

existentes.

De imediato, o estabelecido na Lei nº 10.893 e nas diretrizes

emanadas no Ministério dos Transportes para o transporte hidroviário,

aduzem o raciocínio na direção de que caberia primeiramente ao próprio

ministério a responsabilidade de formular, gerir e supervisionar as atividades

relacionadas ao Programa Profrota Ribeirinha (BRASIL, 2004).

Outra atividade a ser prevista neste programa é a capacitação

profissional, visando a habilitação do condutor ou do proprietário da

Page 35: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

34

embarcação. O Ministério dos Transportes também lista como diretriz para a

Política Nacional de Transporte Hidroviário o apoio à Marinha do Brasil para a

formação de fluviários.

Freitas (2011) alerta que no âmbito do Plano Nacional de Logística e

Transportes (PNLT), uma das diretrizes gerais do Ministério dos Transportes

consiste em fomentar o uso mais intensivo e adequado das hidrovias, com o

intuito de elevar, em um horizonte entre 15 e 20 anos, a participação do

modal aquaviário no Brasil dos atuais 13% para 29%. Neste contexto,

ganham força as diretrizes de capacitar fluviários, apoiar a construção naval

regional e modernizar as embarcações artesanais existentes.

É digno de registro a aderência desse programa ao Plano Nacional

de Desenvolvimento Regional, dando foco ao combate às desigualdades

regionais, buscando aproximação aos territórios mais distantes. O programa

se insere neste contexto por representar a modernização da frota artesanal

em apoio aos arranjos produtivos locais, cuja logística está baseada no

transporte de bens e mercadorias pelos rios, muitas vezes em embarcações

de pequeno porte (FREITAS, 2011).

Cabe destaque o papel da Comissão Nacional de Desenvolvimento

Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais27 que tem como

atribuições propor diretrizes para políticas governamentais vinculadas à

temática do desenvolvimento sustentável dos povos e das comunidades

tradicionais, bem como coordenar e acompanhar a implementação da Política

Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades

Tradicionais (PNPCT) (BRASIL, 2007).

A bem da verdade, embora a população ribeirinha esteja enquadrada

como comunidade tradicional, questões primordiais permanecem pendentes

decorrente principalmente “[...] no despreparo histórico dos órgãos e agentes

públicos para lidar com elas [...]” (SILVA, 2007, p. 7-9).

27

Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Disponível em:<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15 maio de 2014. (BRASIL, 2007).

Page 36: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

35

4.1.3 Objetivo do Profrota Ribeirinha

Criar uma linha de crédito para o financiamento de embarcações,

motores e demais equipamentos necessários à segurança da navegação,

das pessoas e cargas transportadas, modernizando e melhorando as

condições de segurança e conforto das embarcações utilizadas pela

população de baixa renda na Amazônia, além de promover sua legalização

junto às autoridades competentes.

4.1.4 Pontos fortes para o ribeirinho

Considerando o objetivo pretendido, as vantagens para atrair o

ribeirinho para o programa são:

(a) motores próprios para embarcação ("marinizados" e sem

adaptações);

(b) motores econômicos (- 30% de consumo de combustível);

(c) motores mais velozes (redução do tempo das viagens);

(d) legalização obrigatória da embarcação (deixaria de ser

clandestina);

(e) inclusão do ribeirinho no sistema financeiro;

(f) melhoria na renda (menor custo operacional da atividade

econômica que exerce);

(g) melhoria na qualidade de vida do passageiro e tripulantes (conforto

e segurança);

(h) proteção ao meio ambiente (motores antipoluentes).

4.1.5 Pontos fortes para o Estado brasileiro

As vantagens que a política proposta traria para o Estado são:

(a) erradicar o escalpelamento, que hoje, é um acidente controlável;

(b) conhecer o número real de embarcações navegando na Região

Norte;

(c) atender à legislação do tráfego aquaviário;

(d) fiscalizar as embarcações de forma eficaz;

Page 37: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

36

(e) diminuir roubos e furtos de motores novos;

(f) gerar novas oportunidades de trabalho na Região Norte;

(g) melhorar segurança a bordo das embarcações;

(h) diminuir os acidentes e fatos da navegação;

(i) diminuir os custeios do sistema de saúde devido aos acidentes

envolvendo embarcações ribeirinhas;

(j) reduzir os custos previdenciários pela diminuição do número de

acidentados;

(l) incluir novas pessoas física no sistema financeiro;

(m) gerar poupança e desenvolvimento econômico e social;

(n) incrementar a economia local;

(o) gerar menos dependência ao Programa Bolsa Família;

(p) gerar novos postos de trabalho nas regiões onde estão instaladas

as indústrias de motores (Sul e Sudeste) e no Norte por conta de

novos postos de trabalho contratados por essas indústrias;

(q) criar novos negócios para a distribuição de equipamentos de

segurança da navegação, gerando novos postos de trabalho nas

indústrias fabricantes desses equipamentos.

4.1.6 Público Alvo

A população dos estados da Região Norte, residente em localidades

ribeirinhas que necessitem de embarcações de até 14 metros para transporte

de passageiros ou cargas, divididas em dois grupos:

Grupo 1

Pessoas Físicas que necessitem de embarcação movida a motor ou

motor e vela, com casco de madeira, convés, fechado ou semifechado, com

ou sem "casaria", de até 8 metros de comprimento, para transporte dos

membros da família ou de pequenos itens de produção familiar (açaí, cacau,

mandioca, frutas e outros itens).

Com renda até 5 (cinco) salários mínimos:

(a) valor do motor usado como bônus de incentivo para amortização

do financiamento;

(b) isenção dos custos para registro na Capitania dos Portos;

Page 38: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

37

(c) aplicação do bônus de adimplência; e

(d) a prestação será de no mínimo R$ 50,00 e poderá comprometer

até 10% da renda, por até 10 anos.

Grupo 2

Pessoas Físicas que necessitem de embarcação movida a motor ou

motor e vela, com casco de madeira, convés, fechado ou semifechado, com

ou sem "casaria", comprimento entre 8 e 14 metros. Nesta categoria existe

profissionalização do transporte na região, com pessoas trabalhando

parcialmente ou interessadas na exploração da atividade;

Com renda entre de 5 a 10 salários mínimos:

(a) valor do motor usado como bônus de incentivo para amortização

do financiamento;

(b) isenção dos custos para registro na Capitania dos Portos;

(c) aplicação do bônus de adimplência; e

(d) a prestação será de no mínimo R$ 100,00 e poderá comprometer

até 20% da renda, por até 10 anos.

4.1.7 Operacionalização

Para operacionalização do estudo proposto, recomenda-se observar

os seguintes quesitos:

(a) alocação de recursos pela União;

(b) apresentação pelos fabricantes de motores os equipamentos e

acessórios necessários para a cobertura do motor, eixo e cano

de descarga, além dos planos para a instalação do motor;

(c) apresentação pelos construtores o casco da embarcação com a

cobertura do eixo;

(d) apresentação pelo comprador da embarcação a inscrição na

Capitania dos Portos, Agências ou Delegacias da rede da DPC;

(e) inspeção da embarcação pela Capitania dos Portos, Agências ou

Delegacias da rede da DPC;

Page 39: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

38

(f) prioridade para as famílias que usam a embarcação para

transporte próprio familiar, de vítimas que sofreram

escalpelamento, de deficientes físicos ou idosos;

(g) fabricantes de motores e estaleiros deverão estar habilitados junto

ao agente financiador;

(h) repasse dos recursos será efetuado diretamente ao agente

financeiro que se encarregará do pagamento ao fabricante, ao

fornecedor e/ou ao construtor da embarcação;

(i) os bônus de incentivo e de adimplência serão custeados pela

União;

(j) a União garantirá 100% (cem por cento) do valor financiado; e

(k) as prefeituras responsáveis pelo desenvolvimento da população

ribeirinha atuarão como parceiras estruturantes da linha de

financiamento fornecendo capilaridade, divulgação e

relacionamento com o programa.

4.1.8 Financiamento

Linhas de crédito serão abertas a:

(a) construção de casco da embarcação;

(b) aquisição de motores;

(c) aquisição de equipamento de segurança de bordo; ou

(d) aquisição de embarcação completa.

4.1.9 Limite de financiamento e seguro

O limite máximo de financiamento é de até R$ 40.000,00 por

tomador, com a quitação do financiamento pela União em casos de morte e

invalidez permanente do tomador.

4.1.10 Recursos financeiros

Os recursos serão provenientes do Fundo da Marinha Mercante, no

valor total de R$ 5 milhões/ano.

Page 40: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

39

4.2 ESTRATÉGIAS

O modelo de gestão transversal integrada na política nacional vem

tomando forma na abordagem estratégica defendida por Reinhard Steurer em

que a visão estratégica deve ser orientada pelos desafios mapeados pela

conjuntura e pelo contexto, gerenciando a partir de uma composição política

evitando impactos nas ações concorrentes dentro do próprio governo

(BRASIL, 2012). Dando um exemplo concreto, embarcação ribeirinha não é

tema nos debates governamentais quando se trata da Região Norte, mas

pode impactar outras políticas como as políticas de transportes ou de

segurança da navegação, quando não gerenciada a questão sob um enfoque

transversal.

4.2.1 Ações já realizadas

Foram realizadas diversas reuniões com os atores envolvidos, onde

foram colhidos subsídios e estabelecidas parcerias, visto que o sucesso da

proposta levará bons resultados a todos os segmentos sociais e econômicos

pretendidos.

A Defensoria Pública da União em 2006 se articulou com diversos

órgãos do Governo Federal para identificar parceiros e definir estratégias

para efetivar uma política para a erradicação do escalpelamento em

embarcação ribeirinha. Nesta feita havia representantes da Marinha do Brasil,

fabricantes de motores, Ministério da Justiça, PRONAF, Casa Civil,

Seguradoras, FUNDACENTRO28, Ministério da Agricultura, Ministério dos

Transportes, Governos dos estados do Amapá (5/9/2011) e do Pará

(9/9/2011), Diretoria de Portos e Costas, Capitanias dos Portos da Amazônia

Ocidental e do Amapá, além de terem sido realizadas duas audiências

públicas na Câmara dos Deputados, uma, em 13/8/2008, sobre os acidentes

28

O programa FUNDACENTRO tem por missão a produção e difusão de conhecimentos que contribuam para a promoção da segurança e saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras, visando ao desenvolvimento sustentável, com crescimento econômico, equidade social e proteção do meio ambiente. Disponível em: <http://www.fundacentro.gov.br/institucional/missao>. Acesso em: 15 ago. 2014.

Page 41: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

40

de escalpelamento e outra, em 23/11/2013, que tratou da necessidade de

modernização da frota ribeirinha da Região Norte.

Considerando que cabe ao Ministro dos Transportes alocar recursos

do Fundo da Marinha Mercante em programas especiais direcionados ao

transporte de passageiros, quando considerados como atividades prioritárias

e de relevante interesse social, conforme artigo 26, V, da Lei nº 10.893, de

2004 (BRASIL, 2004), em agosto de 2009, a Defensoria Pública da União

formalizou pedido ao Ministério dos Transportes para criação de

financiamento para atender o Programa "Profrota Ribeirinha", tendo obtido, à

época, parecer favorável da Secretaria de Fomento para Ações de

Transportes e a parceria da Controladoria Geral da União na formatação da

fiscalização do programa.

Em julho de 2010, a Secretaria Executiva do Ministério dos

Transportes, em resposta à auditoria realizada pela Controladoria Geral da

União, entendeu que a participação do Ministério dos Transportes limitar-se-

ia ao repasse de recursos do Fundo da Marinha Mercante ao Profrota

Ribeirinha, desde que a gestão do programa ficasse a cargo de outro órgão

que não fosse o Ministério dos Transportes.

Surgiu o impasse na definição do órgão que seria gestor da linha de

crédito ao ribeirinho para modernizar sua embarcação. Foram realizadas

reuniões com o Ministro dos Transportes (maio/2007), com a Ministra chefe

da Secretaria de Relações Institucionais e com a Ministra do

Desenvolvimento Social e Combate a Fome, visando definir o órgão gestor,

uma vez que os recursos seriam alocados do FMM. Apesar dos esforços, não

está definido o órgão gestor dos financiamentos, o que travou o

prosseguimento do programa.

Em 2012, a Defensoria Pública da União encaminhou a proposta

para a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da

República que deu início a consulta aos Ministérios e as Secretarias

envolvidas na questão, encaminhando o processo com as manifestações dos

órgãos ao Ministério da Justiça para análise e as providências pertinentes

pela Secretaria de Assuntos Legislativos do MJ.

Page 42: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

41

Destaca-se que em março de 2013 foi realizado o Seminário da

Frente Parlamentar Mista pelo Desenvolvimento da Navegação Fluvial da

Amazônia no Congresso Nacional, em Brasília, visando à mobilização do

Congresso Nacional para a importância da modernização da frota ribeirinha,

pertencente à população de baixa renda da Amazônia, como forma de evitar

acidentes previsíveis, além de criar uma frota moderna, oferecendo conforto,

segurança, novas tecnologias e proteção ao meio ambiente.

Ato contínuo, objetivando ajustar o Profrota Ribeirinha aos moldes

operacionais de programas já existentes na esfera federal, a Secretaria do

Tesouro Nacional (STN) fez, por meio da Nota nº

249/2013/GEOFE/COFIS/SUPOF/STN/MF-DF, de 23/04/2013, em resposta

ao Ofício da Defensoria Pública da União, sugeriu alterações nos aspectos

operacionais e financeiros do Programa entendendo caracterizá-lo como um

programa de fomento econômico ao invés de um programa social.

Em sua análise a STN ressaltou a importância da aplicação do Bônus

de Incentivo e do Bônus de Adimplência proposto no Profrota Ribeirinha,

comentando:

(a) Bônus de Adimplência – percentual descontado da parcela do

financiamento em função do pagamento pontual pelo beneficiário, e

(b) Bônus de Incentivo – percentual descontado do financiamento do

motor com cobertura do eixo pela entrega à Marinha do Brasil de motor

usado sem cobertura do eixo.

A proposta do Bônus de Adimplência é criar um mecanismo que

estimule o pagamento em dia dos financiamentos, para assim reduzir o risco

de inadimplência e, consequentemente, diminuir o spread29 cobrado pelo

agente financeiro. Já a concessão de Bônus de Incentivo visa retirar de

circulação os motores sem a cobertura de eixo, que são os responsáveis

pelos acidentes de escalpelamento.

A STN analisando o Programa Profrota Ribeirinha, sob ponto de vista

econômico, concluiu que este pode gerar mais despesas ao Estado do que

se fosse estabelecer uma simples doação de bens à população ribeirinha.

29

Spread bancário é a diferença entre os juros que o banco cobra ao emprestar e a taxa que ele mesmo paga ao captar dinheiro. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2051:catid=28&Itemid=23>. Acesso em: 14 ago. 2014.

Page 43: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

42

Contudo, haveria um equívoco já que não estaria considerando o mérito dos

efeitos positivos de proporcionar financiamento à população de baixa renda

da Região Norte.

4.2.2 Ações a serem realizadas

Apesar da primeira reunião para tratar da criação de linha de crédito

visando a modernização da frota ribeirinha da população de baixa renda da

região Norte tenha ocorrido em maio de 2007 no Ministério da Justiça como

medida para a erradicação do escalpelamento, o Programa Profrota

Ribeirinha encontra-se estagnado, até o fim do presente estudo, apesar de

sua potencialidade, diante da impreterível necessidade do Estado definir o

órgão gestor para o Programa, considerando que se trata de uma população

atípica e não ter sido até hoje objeto de uma política pública para a região.

Para a materialização do Profrota Ribeirinha é necessário que a

proposta seja transformada em Política Pública de Estado e que sua

implementação seja feita por meio da integração de diversos atores e

parceiros, nas esferas Federal, Estadual e Municipal, além da iniciativa

privada e da Sociedade Civil.

Page 44: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

43

5 CONCLUSÃO

O presente estudo visa estabelecer uma Política Pública tendo como

base o Profrota Ribeirinha para comportar o desafio de tirar da invisibilidade

uma parcela da população brasileira ─ o ribeirinho ─, que sequer é vista por

seus vizinhos que residem nas áreas urbanas dentro do seu próprio estado, e

é muito pouco conhecida nas demais regiões do Brasil, sendo "invisível" aos

olhos do Estado brasileiro.

Da análise dos principais vetores de desenvolvimento apresentados

pode-se concluir que a efetivação imediata dessa política pública

desencadeará processos e ferramentas cruciais que poderão resultar em

outras políticas públicas próximas à realidade do universo de pessoas e

embarcações que circulam na região, em vista da obrigatoriedade de

legalização da embarcação para se ter acesso ao financiamento, dando o

motor velho e sem cobertura no eixo como parte de pagamento.

É incontestável que o transporte de pessoas e cargas entre

comunidades ribeirinhas utilizando pequenas embarcações na Região Norte

é expressivo e o seu crescimento desordenado acarretará acidentes que

podem acarretar deformações e mortes sob os olhares contemplativos dos

Governos que, diante da comoção social, tomam ações pífias sem atacar de

frente a questão, buscando combater a causa e equacionando os seus

fatores contribuintes, garantindo o desenvolvimento sustentável da região.

A política proposta poderá mitigar as dificuldades enfrentadas por

esse segmento da sociedade no campo econômico, em especial o acesso ao

crédito e a carência de instituições financeiras, fazendo o Estado estabelecer

metas para a inclusão dos ribeirinhos no sistema financeiro do país.

Não basta aumentar a fiscalização das embarcações de pequeno e

médio porte sem dar condições ao ribeirinho de comprar os equipamentos de

segurança da navegação e do trabalho, a medida é inócua. As multas

pecuniárias e apreensões, como exclusivo ou principal mecanismo de

regularização, não traz uma visão estratégica e politicamente eficaz para a

população e para a Amazônia, jogando "rio abaixo" os esforços de se buscar

um desenvolvimento socioeconômico sustentável nessa região.

Page 45: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

44

No cenário estratégico, políticas públicas de concessão de crédito

para ribeirinhos devem ser implementadas de forma gradual. Os recursos de

financiamento proposto no presente estudo estão limitados para atender, em

princípio, 125 (cento e vinte e cinco) ribeirinhos ao ano se considerado o teto

máximo de financiamento, para que haja uma melhor integração entre os

atores envolvidos e aumento da confiança, por parte dos ribeirinhos, no

financiamento, em vista de que muitos têm medo de se endividar.

Se faz necessário acabar com a imagem preconcebida do ribeirinho

da Amazônia como indivíduo de baixa condição social (pobre), ingênuo e

sem capacidade de entender a modernidade. Ao contrário, apesar dos

ribeirinhos serem cidadãos que não são alcançados pelos benefícios que

trazem as Políticas Públicas brasileiras e não terem acesso às informações,

tiram da floresta seu meio de subsistência, constroem suas vilas e formam

suas famílias, criam e educam seus filhos, fazem suas economias para

adquirir seu primeiro motor usado para instalar na sua embarcação e assim

escoar sua produção para incrementar sua renda. A rigor, os ribeirinhos são

heróis, pois conseguem viver sem que os governos prestem atenção a eles.

A política pública proposta tem em seu alicerce a simplicidade, sem

necessidade de se apresentar um projeto técnico de instalação e de

acompanhamento, e isto deve ser mantido como tal, para que possa atingir o

ribeirinho, pessoa simples, mas com o sentido de sobrevivência aguçado.

É importante ressaltar que no Brasil o Estado estabelece políticas

públicas para diversos segmentos da sociedade; a exemplo: criança e

adolescente; mulheres; idosos; igualdade racial; comunidade quilombolas;

juventude; pessoas com necessidades especiais; população LGBT; povos

indígenas; contudo, não existem propostas para atender a mobilidade, a

segurança pessoal e o desenvolvimento da população ribeirinha da Região

Norte.

Page 46: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

45

REFERÊNCIAS

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Page 47: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

46

BRASIL. Lei n° 10.893, de 13 de julho de 2004. Dispõe sobre o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante - AFRMM e o Fundo da Marinha Mercante - FMM, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.893.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. ______. Lei n° 11.970, de 6 de julho de 2009. Altera a Lei no 9.537, de 11 de dezembro de 1997, para tornar obrigatório o uso de proteção no motor, eixo e partes móveis das embarcações. Brasília, DF: Presidência da República, 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11970.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. ______. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp80.htm>. Acesso em: 15 maio 2014. BRASIL. Ministério da Justiça. Gestão Integrada da Política. Brasília, DF, 2012a. Disponível em: <portal.mj.gov.br/services/.../FileDownload.ESTSvc.asp?...CB9B...>. Acesso em: 24 ago. 2014. BRASIL. Ministério do Planejamento. Plano Mais Brasil. PPA 2012-2015. Agendas Transversais: monitoramento participativo. Brasília, DF, 2012b. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/.../111206_agendas_transversais.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2014. BRASIL. Ministério dos Transportes. Relatório de Gestão exercício 2009. Brasília, DF, 2009. Disponível em: < >. Acesso em: 26 out. 2014. BRONDÍZIO, Eduard S. Intensificação agrícola e identidade econômica e invisibilidade entre pequenos produtores rurais amazônicos: caboclos e colonos numa perspectiva comparada. In: ADAMES, Cristina; MURRIETA, Rui; NEVES, Walter (Ed.). Sociedade caboclas amazônicas: modernidade e invisibilidade. São Paulo: Amablume, 2006. In: CORREA, Sergio Roberto Moraes; HAGE, Salomão Antônio Mufarrej. Amazônia: a urgência e necessidade de construção de políticas e práticas educacionais inter/multiculturais. Revista Nera, Presidente Prudente, ano 14, n. 18, p. 79-105, jan./jun. 2011. COSTA, Jônatas Tavares. Trajetórias, saberes e experiências no contexto da formação dos técnicos agrícolas do Instituto Federal do Amazonas. 2010. 69f. Dissertação (Mestrado em Educação Agrícola) - Instituto de

Page 48: OLIVEIRA, Luciene Strada de. Modernização da frota ribeirinha

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