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Adolescência & Saúde 48 Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 48-54, out/dez 2011 RESUMO Objetivo: analisar o conhecimento produzido, no campo da medicina, acerca da consulta ginecológica de adolescentes, no período compreendido entre 2004 e 2009. Métodos: estudo qualitativo realizado por meio de Revisão Sistemática de Literatura. A busca pelos estudos originais foi efetuada por duas pesquisadoras que, adotando um protocolo norteador, consultaram os periódicos com classificação igual ou superior a B2, pelo Qualis da Enfermagem, excetuando-se apenas os periódicos específicos de enfermagem que foram incluídos na pesquisa intitulada “conhecimento produzido, no campo da enfermagem, acerca da consulta ginecológica para adolescentes”. Resultados: integraram a amostra três artigos, que submetidos à análise temática, originaram as seguintes categorias: dificuldades das adolescentes com relação à consulta ginecológica e necessidade dos profissionais de saúde para realização da consulta ginecológica para adolescentes. Entre as dificuldades relacionadas pelas adolescentes figuram vergonha, medo e falta de coragem; questões de gênero e falta de informação. Entre as necessidades listadas pelos profissionais figuram a de sistematização do atendimento, de capacitação profissional, de multidisciplinaridade no atendimento e de implantação de um programa específico para adolescentes. Conclusão: embora seja escassa a produção científica referente à temática, os autores já apontam fragilidades que precisam ser superadas para um adequado atendimento a adolescentes, nos serviços de saúde. PALAVRAS-CHAVE Saúde do adolescente, ginecologia, saúde sexual e reprodutiva. ABSTRACT Objective: It aimed to analyze the knowledge produced, in the field of medicine, regarding the gynecological appointment of adolescents, from 2004 to 2009. Methods: Qualitative study carried out as Systematic Review of Literature. Original studies were retrieved by two researchers who, adopting a leading protocol, consulted journals whose ranking was equal or above B2 by Qualis Nursing, except those specifically for nursing, which were included in the research named: knowledge produced, in the field of Nursing, regarding the gynecological appointment for adolescents. Results: Three articles took part in the study, they were submitted to thematic analysis, originating the following categories: difficulties of adolescents regarding the gynecological appointment and need of health professionals for gynecological appointment with these adolescents. Among the setbacks by adolescents, there are shame, fear and lack of courage; gender issues and lack of information. Among the necessities listed by the professionals are service systematization, professional training, multidisciplinary focus on the service and the launch of a specific program for adolescents. Conclusion: although there is rare scientific production concerning such theme, authors have pointed out fragilities that need to be tackled so as to provide proper service to adolescents, in the health services. KEY WORDS Health of adolescent, gynecology, sexual and reproductive health. Conhecimento, acerca da consulta ginecológica para adolescentes, produzido no campo da medicina Knowledgment, regarding the gynecology appointment for adolescent women, produced in the field of medicine Vera Lúcia de Oliveira Gomes 1 Cristiane Lopes Amarijo 2 Cristine Coelho Cazeiro 3 Jaqueline do Espírito Santo Costa 3 1 Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Professora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande/FURG; Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Enfermagem Gênero e Sociedade/GEPEGS, Tutora do Grupo PET/Enfermagem 2 Bolsista de Iniciação Científica; Acadêmica da 5º série da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande 3 Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) Enfermagem e acadêmica da 5º série da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande Vera Lúcia de O. Gomes ([email protected]) - Rua Fernando Osório Filho 445. Bairro Cassino. Rio Grande RS - CEP 96205-090 Recebido em 19/04/2011 - Aprovado em 15/06/2011 > > > > ARTIGO ORIGINAL

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RESUMOObjetivo: analisar o conhecimento produzido, no campo da medicina, acerca da consulta ginecológica de adolescentes, no período compreendido entre 2004 e 2009. Métodos: estudo qualitativo realizado por meio de Revisão Sistemática de Literatura. A busca pelos estudos originais foi efetuada por duas pesquisadoras que, adotando um protocolo norteador, consultaram os periódicos com classifi cação igual ou superior a B2, pelo Qualis da Enfermagem, excetuando-se apenas os periódicos específi cos de enfermagem que foram incluídos na pesquisa intitulada “conhecimento produzido, no campo da enfermagem, acerca da consulta ginecológica para adolescentes”. Resultados: integraram a amostra três artigos, que submetidos à análise temática, originaram as seguintes categorias: difi culdades das adolescentes com relação à consulta ginecológica e necessidade dos profi ssionais de saúde para realização da consulta ginecológica para adolescentes. Entre as difi culdades relacionadas pelas adolescentes fi guram vergonha, medo e falta de coragem; questões de gênero e falta de informação. Entre as necessidades listadas pelos profi ssionais fi guram a de sistematização do atendimento, de capacitação profi ssional, de multidisciplinaridade no atendimento e de implantação de um programa específi co para adolescentes. Conclusão: embora seja escassa a produção científi ca referente à temática, os autores já apontam fragilidades que precisam ser superadas para um adequado atendimento a adolescentes, nos serviços de saúde.

PALAVRAS-CHAVESaúde do adolescente, ginecologia, saúde sexual e reprodutiva.

ABSTRACTObjective: It aimed to analyze the knowledge produced, in the fi eld of medicine, regarding the gynecological appointment of adolescents, from 2004 to 2009. Methods: Qualitative study carried out as Systematic Review of Literature. Original studies were retrieved by two researchers who, adopting a leading protocol, consulted journals whose ranking was equal or above B2 by Qualis Nursing, except those specifi cally for nursing, which were included in the research named: knowledge produced, in the fi eld of Nursing, regarding the gynecological appointment for adolescents. Results: Three articles took part in the study, they were submitted to thematic analysis, originating the following categories: diffi culties of adolescents regarding the gynecological appointment and need of health professionals for gynecological appointment with these adolescents. Among the setbacks by adolescents, there are shame, fear and lack of courage; gender issues and lack of information. Among the necessities listed by the professionals are service systematization, professional training, multidisciplinary focus on the service and the launch of a specifi c program for adolescents. Conclusion: although there is rare scientifi c production concerning such theme, authors have pointed out fragilities that need to be tackled so as to provide proper service to adolescents, in the health services.

KEY WORDSHealth of adolescent, gynecology, sexual and reproductive health.

Conhecimento, acerca da consulta ginecológica para adolescentes, produzido no campo da medicinaKnowledgment, regarding the gynecology appointment for adolescent women, produced in the fi eld of medicine

Vera Lúcia de Oliveira Gomes1

Cristiane Lopes Amarijo2

Cristine Coelho Cazeiro3

Jaqueline do Espírito Santo

Costa3

1Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Professora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande/FURG; Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Enfermagem Gênero e Sociedade/GEPEGS, Tutora do Grupo PET/Enfermagem2Bolsista de Iniciação Científi ca; Acadêmica da 5º série da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande3Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) Enfermagem e acadêmica da 5º série da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio GrandeVera Lúcia de O. Gomes ([email protected]) - Rua Fernando Osório Filho 445. Bairro Cassino. Rio Grande RS - CEP 96205-090Recebido em 19/04/2011 - Aprovado em 15/06/2011

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ARTIGO ORIGINAL

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> INTRODUÇÃO

De acordo com o CENSO divulgado pelo IBGE, em novembro de 2010, aproximadamente 18% da população brasileira é formada por ado-lescentes1, ou seja, jovens com idades entre 10 e 19 anos2. Representando a transição entre a infân-cia e a adultidade, a adolescência caracteriza-se por mudanças biológicas, psicológicas e sociais.

Nessa etapa, geralmente ocorrem crises, confl itos e desordens, uma vez que os jovens pre-cisam adaptar-se ao novo corpo, integrar-se ao novo grupo, desfrutar de vivências até então des-conhecidas e assim reconstruir sua identidade3. Além de passarem por uma transição confl itan-te, adolescentes sofrem a pressão do grupo para agirem de forma mais descompromissada no que se refere às primeiras aproximações com o sexo oposto. As transformações decorrentes da puber-dade, inclusive as alterações hormonais, levam esses jovens a buscar novas formas de satisfazer seus desejos, sejam eles afetivos, interpessoais ou sexuais4. Tais situações os expõem a inúmeros agravos que podem ser dimensionados por meio da análise do resultado de alguns estudos.

Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, reali-zada em 2009 nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, aponta que 30,5% dos 618.555 estudan-tes, com idade média de 15 anos, já haviam inicia-do sua vida sexual. Desses 24,1% afi rmaram não ter usado preservativo na última relação, apesar de 88,5% deles terem recebido informações so-bre DST’s/HIV/AIDS, 81,6% sobre prevenção de gravidez e 68,4% sobre a distribuição gratuita de preservativos nos postos de saúde5.

Tais dados tornam-se mais preocupantes quando se constata que a prevalência de infec-ções por HIV subiu de 0,09% para 0,12% em cinco anos, mantendo tendência à elevação. Atualmente, a incidência do vírus está em torno de 20 para cada mil habitantes, havendo muitos registros de casos de jovens infectados pelo HIV e outras DST’s6. Desde 1980, quando foi iniciado o mapeamento da AIDS no Brasil, até junho de 2010, foram registrados 592.914 casos, sendo 12.693 em jovens de 13 a 19 anos de idade7.

Além disso, a taxa de fecundidade preco-ce no país ainda é muito elevada. Do total de partos realizados, 20% ocorrem em adolescen-tes com idade entre 15 e 19 anos. Somente em 2007 ocorreram 594.205 (21,3%) partos de mães com idade entre 10 e 19 anos6. Deve-se também atentar para a reincidência de gravi-dez. Estudo realizado em uma Unidade Básica de Saúde no Estado de São Paulo em 2009 evi-denciou que 84,37% das adolescentes estavam enfrentando a segunda gestação8.

Tais dados não signifi cam inefi ciência ou ausência de ações de saúde em nível coletivo, como as campanhas no carnaval e dia dos na-morados, ampliação do acesso ao planejamento familiar e implementação de programas de pro-moção da saúde sexual e reprodutiva de ado-lescentes, os quais foram fundamentais para a queda em 22,4% no número de gestações nes-se grupo populacional nos últimos cinco anos9. O que se pretende enfatizar é a necessidade de intensifi cação das ações de saúde em nível indi-vidual, entre elas o acesso à consulta ginecológi-ca como rotina de atendimento a adolescentes. Para tanto, acredita-se que seja inicialmente in-dispensável a desmitifi cação desse procedimen-to junto aos adolescentes.

Durante a adolescência, pouco ou nada se fala acerca da consulta ginecológica como procedimento de promoção de saúde, neces-sário antes mesmo da iniciação sexual. Assim, inúmeras são as moças que a percebem apenas como um procedimento constrangedor, capaz de detectar patologias ou de revelar sua própria intimidade. Por desconhecerem que a consulta ginecológica pode estar desvinculada do exame ginecológico, procedimento indicado apenas às adolescentes que iniciaram atividades sexuais ou apresentam algum problema ginecológico10, por desconhecerem também que é legalmente dis-pensável a presença de mães, pais ou seus res-ponsáveis, muitas adolescentes temem e evitam essa importante ação preventiva, buscando-a apenas em situações patológicas ou de gravidez.

Por outro lado, todo profi ssional de saúde que atua junto a adolescentes precisa estar cien-

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te de que sua interação com o adolescente, que busca atendimento, deve ser baseada no respei-to, na liberdade de expressão dos sentimentos, medos, dúvidas, na autonomia e nos princípios de ética, privacidade e confi dencialidade que são fundamentais no seu cotidiano. Entende-se que a “privacidade é caracterizada pela não permissão de outrem no espaço da consulta”11 e com a confi dencialidade fi ca garantido que as informações discutidas durante e após a con-sulta não serão reveladas sem a permissão do adolescente10. De forma muito esclarecedora, a caderneta de saúde da adolescente orienta as jovens acerca de seus direitos durante e após as consultas, destacando que o sigilo só poderá ser quebrado com sua permissão ou se houver da-nos à própria saúde ou a terceiros10.

Pressupondo que a consulta ginecológica represente um signifi cativo insumo para a pro-moção da saúde sexual dos adolescentes, op-tou-se por realizar este estudo com o objetivo de analisar o conhecimento produzido, no campo da medicina, acerca da consulta ginecológica de adolescentes, no período compreendido entre 2004 e 2009.

MÉTODOS

O presente trabalho consiste em uma in-vestigação exploratório-descritiva, com abor-dagem qualitativa, realizada por meio de uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL). Esse método científi co é uma síntese objetiva e re-produzível de pesquisas, disponíveis em dado momento, sobre um tema específi co. Os prin-cípios que norteiam uma RSL são: exaustão na busca das pesquisas, defi nição clara dos crité-rios de inclusão e exclusão das mesmas e avalia-ção da qualidade metodológica das pesquisas selecionadas12.

Visando atender a tais princípios, inicial-mente elaborou-se um protocolo norteador contendo a questão a ser investigada, as estraté-gias de busca, os critérios de inclusão e exclusão das pesquisas encontradas12. Assim, investigou-

se: “qual o conhecimento, acerca da consul-ta ginecológica para adolescentes, produzido por médicos(as), no período compreendido entre 2004 e 2009”? Para tanto, buscaram-se textos resultantes de pesquisas inéditas, dispo-níveis integralmente on-line, publicadas entre 2004 e 2009, com pelo menos um(a) autor(a) médico(a) atuante no Brasil, e cuja abordagem contemplasse o objeto deste estudo.

A coleta de dados foi realizada de junho de 2009 a agosto de 2010 por duas pesquisadoras que atuaram de forma independente para ga-rantir objetividade ao método adotado. A locali-zação do material foi efetuada por meio de bus-ca digital de estudos publicados em periódicos com classifi cação igual ou superior a B2, pelo Qualis da Enfermagem, excetuando-se os peri-ódicos específi cos de enfermagem que foram incluídos na pesquisa intitulada: conhecimento produzido, no Campo da Enfermagem, acerca da consulta ginecológica para adolescentes.

O material selecionado foi submetido a dois testes de relevância. No primeiro, efetuou-se a leitura dos títulos dos artigos constantes nos 474 fascículos que integram os 15 periódicos analisa-dos, bem como se avaliou a formação e proce-dência dos(as) autores(as). Assim, selecionaram-se pesquisas com foco na consulta ginecológica de adolescentes com pelo menos um(a) autor(a) médico(a), atuante no Brasil.

A seguir, foram lidos os resumos, excluin-do-se artigos de revisão, relatos de caso e de experiência. Entre os artigos que enfocavam a saúde sexual ou reprodutiva de adolescentes, a maior parte versava sobre o conhecimento acerca da prevenção de DST’s, pré-natal, parto e puerpério, os quais também foram excluídos. Assim, com a aplicação do primeiro teste de re-levância, foram selecionados cinco artigos.

Construiu-se, então, um banco de dados, elaborando-se para cada artigo um arquivo identifi cado pela letra A acrescida de números de um a cinco, seguindo a ordem cronológica de publicação. Os arquivos continham: nome do periódico, ano da publicação, objetivo, tipo de pesquisa e amostra/informantes.

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Para o segundo teste de relevância, os arti-gos foram lidos na íntegra. Percebeu-se que dois tinham a mesma autoria e discutiam os mesmos dados, por isso selecionou-se o mais abrangente. Outro excluído referia-se aos diferenciais de gê-nero presentes no início da vida sexual de ado-lescentes. Assim, integraram a presente revisão sistemática, três artigos, identifi cados, segundo a ordem cronológica de publicação, pelos códi-gos A1, A2 e A3, os quais foram submetidos à análise de conteúdo temática13 (Quadro 1).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para a apresentação dos resultados, inicial-mente procurou-se caracterizar cada um dos estudos. Assim, com o objetivo de “descrever o padrão de comportamento de adolescentes do sexo feminino, de 15 a 19 anos, relacionado a práticas sexuais e uso de drogas” (A1:208), esse estudo, com abordagem quantitativa, selecionou uma amostra composta por 464 jovens; outro, com abordagem qualitativa, teve o objetivo de “analisar a percepção dos médicos e enfermeiras das equipes da saúde da família sobre a atenção à saúde de adolescentes” (A2:2491); nesse foram entrevistados 47 profi ssionais. Finalmente, num estudo quantitativo, o objetivo foi “analisar os fatores determinantes do acesso de adolescen-tes primigestas a serviços de atenção primária à

saúde, anteriormente à ocorrência da gravidez” (A3:888). A amostra desse foi composta por 200 adolescentes com 10 a 19 anos de idade.

A seguir, adotando-se os critérios de repeti-ção e relevância13, os dados foram agrupados nas seguintes categorias: difi culdades das adolescen-tes com relação à consulta ginecológica e neces-sidade dos profi ssionais de saúde para realização da consulta ginecológica para adolescentes.

DIFICULDADES DAS ADOLESCENTES COM RELAÇÃO À CONSULTA GINECOLÓGICA

Pela análise dos artigos selecionados, evi-denciou-se que a procura pela consulta gine-cológica foi baixa. Somente 44,6% das adoles-centes com vida sexual ativa a realizaram nos últimos dois anos, e a procura foi nula entre as que não tinham atividade sexual (A1). Assim, foi possível perceber que inexistiu a consulta gine-cológica com fi nalidade de esclarecimento das dúvidas que comumente antecedem a iniciação sexual, da mesma forma que não houve registro de casais de adolescentes buscando consultas com fi nalidade educativa.

Por outro lado, as adolescentes que consul-taram um ginecologista antes da gravidez atual o fi zeram por problemas ginecológicos gerais, co-leta de citologia oncológica, contracepção e por

Código Título do estudo PeriódicoAno de

publicação

A1Padrão de comportamento relacionado às práticas sexuais e ao uso de drogas de adolescentes do sexo feminino residentes em Vitória, Espírito Santo, Brasil

Cad. Saúde Pública 2005

A2Atenção à saúde dos adolescentes: percepção dos médicos e enfermeiros das equipes da saúde da família

Cad. Saúde Pública 2006

A3Fatores associados ao acesso anterior à gestação a serviços de saúde por adolescentes gestantes

Rev. Saúde Pública 2008

Quadro 1. DISTRIBUIÇÃO DOS ARTIGOS, SEGUNDO O CÓDIGO DE IDENTIFICAÇÃO, TÍTULO DO ESTUDO, PERIÓDICO E ANO DE PUBLICAÇÃO

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doenças sexualmente transmissíveis (A3). Entre os fatores que impediram a busca pela consulta ginecológica antes da gravidez, os autores desta-cam “vergonha, medo e falta de coragem”; ques-tões de gênero e “falta de informação” (A3:889).

Entre as difi culdades para a realização da consulta, o constrangimento surgiu muito asso-ciado às questões de gênero. Os autores enfati-zam que “68% das entrevistadas declararam ter preferência no atendimento por ginecologista do sexo feminino, por terem vergonha ou se senti-rem constrangidas ao serem atendidas por ho-mens” (A3:890). Cabe enfatizar que nenhum dos artigos analisados enfocou a importância do casal comparecer à consulta ginecológica, para juntos se responsabilizarem pela sua saúde sexual.

A falta de informação (A3), apresentada como um aspecto que difi culta a realização das consultas pode estar associada à representação que muitas adolescentes cultivam acerca da consulta ginecológica, reduzindo-a exclusiva-mente ao exame ginecológico e como tal reque-rendo a retirada da roupa e exposição do corpo a um estranho. Essa representação precisa ser modifi cada. Apregoa-se que as ações realizadas em escolas, junto a adolescentes, constituem excelentes oportunidades para que se aborde a consulta ginecológica como uma atividade de Educação em Saúde, na qual dúvidas são dis-cutidas, situações problematizadas e a presença do parceiro incentivada com vistas ao comparti-lhamento da responsabilidade pela saúde sexual e reprodutiva. Cabe salientar que, na primeira consulta, muitas vezes, o exame ginecológico é desnecessário, tendo indicações precisas10.

A consulta ginecológica de adolescentes precisa ser encarada como um momento privi-legiado no qual se deve enfocar a importância do afeto e do prazer nas relações amorosas, es-clarecer dúvidas e aconselhar acerca de práticas sexuais responsáveis e seguras com ênfase na dupla proteção14.

A exigência de responsável no momento da consulta (A3) pode ter representado uma pequena difi culdade, citado por apenas duas jovens, porém não se pode esquecer que tal

exigência pode afastar ou impedir o exercício pleno de seu direito fundamental à saúde e à li-berdade, representando uma violação ao direito a uma vida saudável15.

Esses impeditivos evidenciam que os serviços de saúde não estão preparados para atender as peculiaridades dos adolescentes. Nesse sentido, para que as políticas públicas de saúde atendam às reais necessidades dos adolescentes, principal-mente no que se refere à saúde sexual e reprodu-tiva, é necessário que se dê voz aos adolescentes. É preciso que eles sejam reconhecidos como sujei-tos, protagonistas do seu processo de viver, capa-zes de agir com autonomia16. No entanto, há pou-cos profi ssionais capacitados para o atendimento dessa clientela e os serviços são pouco atrativos. Quem nessa etapa da vida se interessa por um serviço de planejamento familiar? Essa nomencla-tura, comum aos serviços destinados à oferta de métodos contraceptivos, afasta os jovens cujas ex-pectativas estão centradas na descoberta, na cur-tição e no prazer e não na constituição familiar16.

Como medidas solucionais às difi culdades encontradas pelas adolescentes pode-se indicar a implementação de novas estratégias que mini-mizem as questões de gênero, respeitem a au-tonomia das adolescentes e, nessa abordagem, levem em consideração o vínculo mantido com os parceiros. O acompanhamento ginecológico de rotina deve ser incentivado inclusive àquelas que não iniciaram atividade sexual, tendo como foco a promoção da saúde sexual.

NECESSIDADE DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE PARA REALIZAÇÃO DA CONSULTA

GINECOLÓGICA PARA ADOLESCENTES

Os aspectos abordados pelos médicos e enfermeiros da estratégia de saúde da família para a realização da consulta ginecológica de adolescentes referem-se à necessidade de sis-tematização do atendimento, de capacitação profi ssional, de multidisciplinaridade no aten-dimento e de implantação de um programa específi co para esse grupo (A2).

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As profi ssionais afi rmam que a demanda de adolescentes às unidades de saúde é baixa. No entanto consideram “difícil afi rmar se a relativa ausência dos adolescentes nos serviços de saúde se deve a pouca oferta de ações voltadas para eles ou à baixa procura dos mesmos, uma vez que esses dois fatores estão interligados” (A2: 2492). Assim, o atendimento por demanda faz com que inúmeros programas direcionados a outros grupos etários sejam priorizados em detrimento dos adolescentes. Com maior fre-quência, as jovens procuram o serviço de saú-de para realização de exames que confi rmem a gestação, e coleta de material para preventivo de câncer uterino, enquanto os meninos pouco participam das atividades propostas.

Documento publicado pelo Ministério da Saúde16 enfoca situação semelhante ao referir que jovens do sexo masculino pouco utilizam os servi-ços de saúde com o intuito de promoção de sua saúde sexual e reprodutiva, sua presença na aten-ção básica se dá principalmente em virtude de doenças, acidentes e lesões. Dessa forma, o aten-dimento centra-se na resolução do problema.

Segundo as autoras, “para viabilizar o acesso do adolescente ao serviço de saúde é fundamental que a atividade seja interessante e escolhida por eles” (A2:2492). Além disso, para a implantação de programas direcionados a essa população, há necessidade de formação de equipes multiprofi ssionais capacitadas e sensibilizadas para compreender as peculiari-dades dos jovens.

No entanto, as difi culdades de médicos e enfermeiros frequentemente têm início na gra-duação, pois as grades curriculares não con-templam os temas adolescência e sexualidade humana e, quando o fazem, o foco do ensino é direcionado para o processo reprodutivo, ou o controle normativo e tecnológico da sexua-lidade. Esta formação equivocada, muitas ve-zes, leva os profi ssionais a emitirem julgamen-tos preconceituosos acerca da sexualidade na adolescência, como o evidenciado no seguinte discurso médico: “Devíamos orientar o sexo no

casamento e desaconselhar essa permissividade atual” (A2:2493). Evidentemente, tais posturas precisam ser questionadas. Não basta ser médi-co e enfermeiro para atuar com efi ciência junto a adolescentes. É preciso ter empatia, conheci-mento e disponibilidade para ouvir os anseios. Só assim poderá ser instituído um diálogo livre, aberto, transformador e democrático, capaz de promover a inserção dos adolescentes, no sis-tema de saúde, na qualidade de sujeitos, com direitos, inclusive à promoção da saúde sexual16.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatou-se que o conhecimento pro-duzido por médicos acerca da consulta gineco-lógica para adolescentes é reduzido. Apesar da relevância do tema, apenas três trabalhos foram encontrados. Pelos relatos, percebeu-se que tal carência se estende aos serviços de saúde, onde muito precisa ser estudado, adequado e reformu-lado, para que ocorra maior aproximação entre adolescentes e serviços, bem como maior ade-são aos programas propostos. Entre os aspectos indispensáveis ao adequado atendimento dessa clientela fi guram o investimento em educação permanente e continuada para que os profi ssio-nais de saúde se mantenham capacitados para atender os adolescentes de forma holística.

Além disso, os programas de promoção de saúde sexual e reprodutiva, realizados em escolas, devem enfocar a consulta ginecológica como uma ação promotora de saúde. Devem ainda desmitifi car a consulta ginecológica como geradora de medo e constrangimento, bem como valorizar seu aspecto educativo, centrado na problematização das dúvidas. Por outro lado, os serviços não podem desconsiderar as ques-tões de gênero que desencadeiam o constran-gimento, devem sim procurar proporcionar às jovens um ambiente acolhedor, com profi ssio-nais capacitados para ouvir, questionar, proble-matizar, para assim educar.

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10. Ministério da Saúde(Brasil). Orientações para o atendimento à saúde do adolescente. [citado 2011 fev 5] Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/orientacoes_atendimento_adolescnte_menino.pdf

11. Taquette SR. Conduta ética no atendimento à saúde de adolescentes. Adolesc. Saude. 2010;7(1):6-11. 12. Galvão CM, Sawada NO, Trevizan MA. Revisão sistemática: recurso que proporciona a incorporação das

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Este artigo é parte integrante do projeto de pesquisa intitulado “CONSULTA GINECOLÓGICA PARA ADOLESCENTES”, realizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Enfermagem, Gênero e Sociedade/GEPEGS da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande. Apoio CNPq.

54 CONHECIMENTO, ACERCA DA CONSULTA GINECOLÓGICA PARA ADOLESCENTES, PRODUZIDO NO CAMPO DA MEDICINA

Gomes et al.