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2 Filosofia Política e Idade Média Conhecimento, vontade e bem comum como fundamentos da política medieval Carlos Eduardo de Oliveira Introdução Como não lembrar a vasta extensão temporal do que chamamos de Idade Mé- dia e, ao menos no que diz respeito à Filo- sofia, a variedade de "idades médias" a serem consideradas? Ocidente, Oriente, Eurocentrismo, Orientalismo; Cristãos, Judeus, Mulçumanos; Latinos, Gregos, Árabes; "Gentios", "Pagãos", "Leigos", "Re- gulares", "Religiosos", "Seculares" ... Vários são os adjetivos, os objetos e os enfoques aos quais é possível voltar nossa atenção. Até mesmo a duração do que costumamos considerar a "Idade Média" pode ser posta em questão (cf LIBERA, 1998): do século Vao século XV,isto é, da queda do Império Romano do Ocidente (453) à tomada de Constantinopla pelos turcos (1453)? Afi- nal, no que diz respeito ao conjunto do pensamento medieval latino, ooídental e cristão, não seria mais produtivo recuar um pouco mais esse começo até os inícios da Patrística e esticar seu final visando englobar todas as expressões do que pode ser visto como parte da Escolástica? Do mesmo modo, não seria melhor identificar o início da Idade Média mulçumana com o primeiro século da Hégira, que se inicia com a fuga de Maomé (ou, como o prefe- rem os mulçumanos, Muhammad) de Meca para Medina, equivalente ao século VII (622) da era cristã? E o que dizer da Idade Média judaica? Enfim, impossível não lembrar que, mesmo com as melhores

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2Filosofia Política e Idade Média

Conhecimento, vontade e bem comum como fundamentos da política medieval

Carlos Eduardo de Oliveira

Introdução

Como não lembrar a vasta extensãotemporal do que chamamos de Idade Mé-dia e, ao menos no que diz respeito à Filo-sofia, a variedade de "idades médias" aserem consideradas? Ocidente, Oriente,Eurocentrismo, Orientalismo; Cristãos,Judeus, Mulçumanos; Latinos, Gregos,Árabes; "Gentios", "Pagãos", "Leigos", "Re-gulares", "Religiosos", "Seculares" ... Váriossão os adjetivos, os objetos e os enfoquesaos quais é possível voltar nossa atenção.Até mesmo a duração do que costumamosconsiderar a "Idade Média" pode ser postaem questão (cf LIBERA, 1998): do séculoVao século XV,isto é, da queda do ImpérioRomano do Ocidente (453) à tomada de

Constantinopla pelos turcos (1453)? Afi-nal, no que diz respeito ao conjunto dopensamento medieval latino, ooídental e

cristão, não seria mais produtivo recuarum pouco mais esse começo até os iníciosda Patrística e esticar seu final visandoenglobar todas as expressões do que podeser visto como parte da Escolástica? Domesmo modo, não seria melhor identificar

o início da Idade Média mulçumana com oprimeiro século da Hégira, que se iniciacom a fuga de Maomé (ou, como o prefe-rem os mulçumanos, Muhammad) de

Meca para Medina, equivalente ao séculoVII (622) da era cristã? E o que dizer daIdade Média judaica? Enfim, impossívelnão lembrar que, mesmo com as melhores

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pretensões de completude e universalida-

de, a narração de fatos históricos geral-mente é parcial e inescapavelmente refémde uma determinada perspectiva (cf. LE

GOFF, 2014), o que, porém, talvez não sejaexatamente um caso para lamentações.Por isso mesmo, a história que vamos tra-çar aqui certamente será parcial e refémde uma perspectiva bastante delimitada:as relações entre o que é possível ao ho-

mem conhecer e o que é próprio da políti-ca. Mas não se engane: não se trata exata-mente de pensar "aristotelicarnente" apolítica medieval como uma ciência. Trata--se, isso sim, de mostrar em que sentido al-guns autores medievais (especialmenteAgostinho, Tomás de Aquino e Guilhermede Ockham) entenderam a Política comoancorada em determinados princípios quederivam daquilo que nos é possível conhe-cer acerca do mundo em que vivemos.

2.1. Entre a Cidade Celeste e aCidade Terrena: Agostinho - fé,razão e o sentido da história

Então Ihes disse: "Devolvei, pois, o que é deCésar a César, e o que é de Deus, a Deus".'

2.1.1. Devolvendo a Deus o que é de Deus

Mesmo num livro que já foi considera-

do um manual de formação e cultura cristã,/

1. Evangelho segundo São Mateus, capo 22, versículo 21.

Agostinho" não tem receio de afirmar que,

tal como o povo hebreu ao sair do Egito, e

por ordem do próprio Deus, "despojou os

egípcios", levando consigo seus "objetos de

prata, objetos de ouro e roupas" (ÊXODO,

capo 12, verso 35-36, in BíBLIA, 1995), as-

sim devem proceder os cristãos com rela-

ção ao que de bom professaram os filósofos,

ainda mais especialmente no que diz res-

peito aos platônicos: os cristãos devem rei-

vindicar para si "o que eles disseram de

verdadeiro e em conformidade com a fé",

assim como alguém o reivindicaria "de in-

justos possuidores" (AGOSTINHO, 2002,

p. 144).3 São várias as oportunidades nas

2. Aurélio Agostinho, Bispo de Hipona, também conhecido comoAgostinho de Hipona, ou, no modo como é venerado peloscatólicos, santo Agostinho, nasceu em Tagaste, cidade africa-na da província romana da Numídia, atual Argélia, em 354. Porvolta de seus 3D anos, mudou-se para a Itália, estabelecendo--se em Roma e, depois, em Milão, onde exerceu o cargo deorador do Império. Pouco depois, em 388, voltou a Tagaste.Em Hipona, também localizada onde hoje é a Argélia, foi orde-nado padre em 391 e bispo em 396. Morreu nesta mesma ci-dade no ano de 430, pouco antes de ela ter sido tomada pelosvândalos, segundo a narração de Possídio. Professor de Gra-mática e de Retórica, Agostinho travou conhecimento com afilosofia de Cícero e depois sucessivamente com o Maniqueís-mo e o Ceticismo. Em Milão, descobriu a filosofia neoplatôni-ca, que teve influência definitiva em seu pensamento e em seusescritos. Também ali, no ano de 387, converteu-se ao cristia-nismo, influenciado por Ambrósio, Bispo de Milão. Uma dasprincipais referências para o cristianismo medieval, que en-controu em suas obras as bases para a discussão de váriosaspectos fundamentais do pensamento cristão, Agostinho foium autor profícuo e de várias obras célebres, dentre as quais,por sua importância para a filosofia, não poderíamos deixar delembrar aqui ao menos duas: Confissões e A Cidade de Deus,marcos do pensamento e da política cuja influência ultrapas-sou de longe os limites do período medieval.Apesar de, quando possível, trazermos aqui a referênciados textos citados em língua moderna, proporemos a nossa

3.

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quais Agostinho insiste na importânciapara a fé "daquilo que há de verdadeiro" nafilosofia, ou melhor, na importância para afé do que é alcançado por meio da razão.De fato, pouco importa que essas coisastenham sido compreendidas por Platão oupor qualquer outro sábio, seja ele filósofo ounão: nomeadas ou não segundo a filosofia,o que importa é que tais coisas tenhamuma realidade tal que ninguém possa serreferido como sábio se não conhecê-Ias(AGOSTINHO,2010).

Um exemplo de como Agostinho en-tendia essa relação entre a fé e a razãoaparece na resposta dada por ele a umacarta na qual havia sido convidado a expli-car um pouco melhor a questão da Trinda-de, isto é, de como pode haver um Deusúnico que, ao mesmo tempo, seja uno etrino, porque distinto em três pessoas (Pai,Filho e Espírito Santo). Com a pergunta se-guia uma exigência: que a explicação fossefeita antes a partir da fé que da razão. Se-gundo Consêncio, o autor da carta, seriaum pressuposto desses casos que mais doque a argumentos racionais, "deva-se se-guir a autoridade dos santos". Agostinho,porém, mostrou em sua resposta discordardesse tipo de opinião: sem uma alma ra-cional, o homem não poderia nem ao me-nos crer. "Não se trata de rejeitares a fé.Mas de também divisares com a luz da ra-

própria tradução dos textos latinos sempre que julgarmosconveniente.

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zão aquilo que já admites com a firmeza dafé" (AGOSTINHO, 1967, p. 890), escreveu.

Retrato de Agostinho, século XV, Suíça.

Não parece, porém, que Agostinhotenha pensado que a razão se sobreponhaà fé ou vice-versa. Antes, temos ali a pro-posta de uma relação convergente (NO-VAES FILHO, 2009, p. 93-127): para quetenha fé, o homem precisa da razão, aomesmo tempo que, quanto àquilo que ain-da não pode compreender, o homem preci-sa da fé "que purifica o coração (isto é, amente) para que abarque e sustente a luzda suprema razão", que é a razão divina.Assim, longe de ser vista como algo irra-cional, a fé é antes entendida como a pos-sibilidade de amadurecimento e realiza-ção integral da razão. Fé e razão secomplementam. Não porque a fé, por suanatureza, precise ser explicada ou a ra-zão, pelo mesmo motivo, precise "recebersuas verdades" de algo exterior. Mas por-que a fé não pode existir numa alma des-

provida de razão na mesma medida em

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que a razão necessita da fé para ajudá-Iana compreensão daquilo que ainda nãopode compreender por si mesma, mas quecertamente poderá compreender um diajásem a necessidade da fé.

Postas as coisas desse modo, fica cla-ro que essa posição tem um ponto de par-tida ainda não totalmente declarado, quepoderíamos formular mais ou menos as-sim: Agostinho acredita que tudo o queexiste no mundo, e, portanto, tudo o quepode ser pensado, foi criado por Deus. Porisso, ao conhecer a criação, de certo modoo homem também parece poder conhecerseu criador. Note-se que isso não faz deAgostinho alguém que se apoia exclusiva-mente na sua fé. Afinal, sua defesa de queo mundo foi criado por Deus parte de umareflexão a respeito da mutabilidade dascoisas (AGOSTINHO, 1988, p. 31 s.). Veja-mos: na natureza, aquilo que muda, isto é,o mutável, nem sempre existiu. Assim é ohomem, os animais e tudo o que podemosconhecer: as coisas têm um começo e,cedo ou tarde, têm um fim, ou seja, mu-dam. Ora, aquilo que nem sempre existiu,precisa de algo que seja anterior a si e quetenha possibilitado sua existência, talcomo o filho precisa da mãe ou a planta dasemente: o mutável não pode ser a origemde si mesmo e parece um contrassensopropor que o nada tenha sido alguma vez oautor ou a origem de algo. Desse modo,para existir, todas as coisas mutáveis de-pendem de algo que lhes seja anterior, de

modo que, no final (ou melhor, no começode tudo), tenha havido um único ser quetenha dado origem a todas elas. E é preci-so que esse ser que deu origem a todos osmutáveis tenha sempre existido, isto é,que seja eterno e, consequentemente, imu-tável, caso contrário, também esse ser se-ria mutável e, portanto, precisaria de ou-tro ser que fosse anterior a ele, numarepetição infinita. Ou seja: ou admitimoshaver um ser anterior a tudo e que sempreexistiu, ou sempre teremos uma sucessãoinfinita de seres anteriores, o que tornariaimpossível a existência de qualquer coisa,uma vez que jamais poderíamos determi-nar um começo para elas. É assim que,para Agostinho, a mutabilidade é o maiortestemunho que as coisas podem dar deseu criador: "Existimos porque fomos cria-dos; mas não. existíamos antes de existir,portanto, não podíamos ter criado a nósmesmos". Para o homem, na medida emque podem ser conhecidas, as coisas con-fessam seu criador (AGOSTINHO, 1997a,p. 333 s.; 2001b, p. 20).

Com base nesses poucos elementosaqui levantados, Agostinho vê-se capaz depreparar o primeiro grande passo de suaargumentação: todo esse percurso queleva da "contemplação da criação" a certo"conhecimento de Deus", que percebe aimportância da operação conjunta da fé eda razão para o conhecimento da verdade,não é algo cujas marcas podem ser reco-nhecidas apenas por meio da "história da

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salvação", ou seja, da história que se iniciacom a criação do mundo por Deus passapela formação do povo hebreu com Abraão,culmina na revelação e encarnação do Cris-to e terá seu fim no dia do "juizo final", leva-do a cabo pelo próprio Deus. Paralela à his-tória da salvação, Agostinho propõe aexistência de uma "outra" história, queacaba por mostrar de que modo a históriade toda a humanidade está indissociavel-mente ligada àquela: trata-se da análise dealgo que Agostinho, a partir de uma defi-nição de Varrão, chamará de "teologia na-tural" (AGOSTINHO,2001a, p. 241-338).

2.1.1.1. Filosofia, Ética e o conhecimento deDeus

No ano de 410, Roma é invadida e sa-queada pelo exército visigodo, comandadopor Alarico. Os cristãos são acusados deser os responsáveis pelos males sofridospela cidade: "voltando-se contra a religiãocristã", os "cultores dos falsos deuses ro-manos", "detratores da era cristã", "come-çaram a blasfemar ainda mais áspera eamargamente contra o Deus verdadeiro"(AGOSTINHO, 1995, p. 801 s.; 200la, p. 28s.). A fim de defender os cristãos dessetipo de ataque, Agostinho põe-se a escre-ver a Cidade de Deus. Afinal, a acusaçãoera grave: o Deus dos cristãos, cuja reli-gião poucos anos antes havia se tornado areligião oficial do Império sob o reinado deTeodósio I (379-395), não serve para a or-ganização e proteção da cidade.

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Em sua defesa, Agostinho procura

mostrar a falsidade dessa acusação:

"Vários feitos de todas as guerras, quer an-teriores à fundação de Roma, quer posterio-res a seu nascimento e à organização de seuimpério, foram escritos: lede-os e dizei-nosem que cidade aprisionada por estrangeiros,os inimigos, aprisionadores, pouparam àque-les que sabiam estar refugiados nos templosde suas divindades. Mostrai-nos algum chefebárbaro que, em forte invadido, tivesse orde-nado não ferir a quem quer que fosse encon-trado neste ou naquele templo" (AGOSTINHO,2001, p. 29).

Seguem-se a isso relatos de invasõese pilhagens: Troia, Roma; as narrações deSalústio, Virgílio...Segundo Agostinho, nãoexistem relatos sobre inimigos que, frentea uma religião qualquer, tenham demons-trado misericórdia com os perseguidos. Oumelhor, não existiam: Agostinho lembraque, dessa vez, muitos foram aqueles queforam salvos por terem se refugiado em ba-sílicas ou junto aos sepulcros dos mártires,fossem eles verdadeiramente cristãos, fos-sem eles apenas gentios - isto é, não cris-tãos - em busca de abrigo. E ainda maisinusitado, relata, foi o fato de muitos prisio-neiros terem sido entregues a tais abrigospor seus próprios captores, "para que nãofossem atacados por outros que não teriama mesma misericórdia". Ora, aponta Agosti-nho, isso sim é algo novo, um novo costu-

me, uma nova moral: "e quem não vê queisto deve ser atribuído ao nome de Cristo, àera cristã, é cego; quem o vê e não o louva,

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ingrato; e quem se opõe a quem o louva,insano" (AGOSTINHO,200la, p. 34).

Sinais de novos tempos, sem dúvida.Mas não eram sinais totalmente desconhe-cidos até mesmo dos não cristãos. Ao es-crever a Cidade de Deus, Agostinhopropõe-se a mostrar na primeira parte desua obra (equivalente aos dez livros ini-ciais), "os erros dos pagãos". Mas mesmona narração de tais fatos, Agostinho en-contra lugar para mostrar que nem tudoque foi alcançado pelos homens era defato estranho àquilo que propunha a fécristã. Principalmente no que diz respeitoao que foi alcançado por aqueles homensque deram a si mesmos o título de filóso-fos, nome que, ele lembra, proclama oamor da sabedoria, que não é outra coisaque o próprio Deus: para Agostinho, Sabe-doria é Verdade, e ambos são títulos divi-nos (AGOSTINHO, 1998, p. 155 s.).

Em sua análise da filosofia, Agosti-nho acredita que os filósofos "platônicos"se destacam dos demais por confessaremhaver um Deus

'l..]acima de toda natureza da alma, quenão apenas fez o mundo visível, frequente-mente nomeado de 'céu e terra', mas feztambém, sem exceção, toda alma. E faz feliza alma racional e intelectual, de cujo gêneroé a alma humana, pela participação em sualuz incomutável e incorpórea" (AGOSTINHO,2001a, p. 301 s.).

Mas os platônicos não chegaram aconhecer todas essas coisas nem sozinhos,

nem de uma só vez. Devem-se aos filósofospré-socráticos, isto é, aos jônicos e aos itá-licos, como os nomeia Agostinho, as pri-meiras tentativas de compreensão das coi-sas naturais. E foi, sem dúvida, comSócrates que a Filosofia deu um passo ex-tremamente significativo. Afinal, em vezde tentar aprofundar-se ainda mais nosestudos das coisas da natureza, como fa-ziam seus antecessores, Sócrates orientouseus estudos "para a reforma e a ordena-ção dos costumes", ou seja, Sócrates aban-donou a Física (hoje a ciência que estuda amatéria, a energia e o movimento, masque, na época de Sócrates, e num sentidoque se estendeu até o início da FilosofiaModerna, não queria dizer senão o estudoda natureza, isto é, de tudo aquilo que dizrespeito ao que pode ser dito natural, sejacoisas, fenômenos meteorológicos, os as-tros, os homens ou os animais) em favor daÉtica ou moral. Sua escolha, arrisca Agos-

tinho, provavelmente deu-se pelo fato deque ele tenha percebido que o trabalho de-senvolvido pelos filósofos que o antecede-ram poderia ser um trabalho inútil. Afinal,Sócrates teria descoberto que as causasque regiam a natureza residiam na vonta-de de um único e soberano Deus, que ape-nas poderia ser conhecido por meio deuma inteligência purificada (cf. HADOT,1999, p. 104).

"E por isso aconselhava insistentemente apurificação da vida pelos bons costumes,

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para que o espírito, livre dos desejos degra-dantes, fosse elevado por seu vigor naturalpara o que é eterno, para contemplar com apureza da inteligência a natureza da luz incor-pórea e imutável em Que vivem estavelmenteas causas de todas as naturezas engendra-das" (AGOSTINHO, 2001a, p. 303 s.).

Tendo como ponto de partida que oestudo da sabedoria diga respeito à ação eà contemplação, dando continuidade à fi-losofia de Sócrates, Platão teria ainda divi-dido a Filosofia em três partes: moral (Éti-ca), natural (Física) e racional (Lógica).Ias é no que diz respeito à moral que Pla-ão teria chegado às conclusões mais im-

portantes. E, nesse ponto, a filiação deAgostinho ao neoplatonismo fica ainda maisevidente. Tomando por platônica uma tradi-ção que remonta, entretanto, a Aristóteles,"Agostinho afirma que o objeto da Ética é obem supremo, ao qual, nós, o gênero hu-

ano, referimos tudo o que fazemos e aoual apetecemos por si mesmo e não porutro, porque é por ele que somos felizes.

Ora, segundo Agostinho, "Platão chamae se bem supremo e verdadeiro de Deus._or isso, quer que o filósofo seja aqueleue ama a Deus, pois, uma vez que a filoso-

fia tende à vida feliz, é feliz aquele que ti-.er amado a Deus fruindo a Deus". É por. 80 que "o estudioso da sabedoria (que,

Cf. Aristóteles (19S4, 1049a 1S; 1097a 30; 1097b 6; 1097b22 s.). Sobre a concepção aristotélica das relações entre obem supremo e a felicidade (eudaimonia), veja-se: Lopes(200S). Sobre o modo como o próprio Agostinho entende epropõe essa relação: Kent (2001, p. 205-233).

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com efeito, é o filósofo) só há de ser felizquando começar a fruir a Deus" (AGOSTI-NHO, 200la, p. 310 s.).

Aqui podemos ver como são agrega-dos os pontos recolhidos por Agostinhopara mostrar a naturalidade da moralcristã. Por sua própria racionalidade, pormeio da filosofia, o homem é capaz de co-nhecer parte do projeto divino por meio dacontemplação da criação. Tal conhecimen-to leva-o à divisão dos saberes e daí àconstituição da moral, que tem por objetoo bem supremo, que nada mais é do que aprópria felicidade. Mas é ao chegar nesseponto que Agostinho mostra também averdadeira intenção de seu discurso: em-bora os filósofos "tenham se esforçadocom o máximo de dedicação" para encon-trar o que possa fazer feliz ao homem, aca-baram apenas "tramando engendrar parasi a felicidade na infelicidade da vida"(AGOSTINHO, 2001b, p. 381). Ou seja,todo esse percurso serve apenas paraAgostinho poder apontar com maior preci-são a limitação daquilo que é possível seralcançado pelo conhecimento humano.Quando abandonado às suas próprias for-ças, o intelecto humano é capaz apenas deresultados parciais. E por mais que se es-force, não é capaz de alcançar sozinhotudo o que necessita para abarcar o supre-mo bem. Como já vimos, não se trata denenhum desprezo pela filosofia ou pelarazão humana. Trata-se tão somente de seretomar a dístínção/convergêncía/comple-

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mentaridade entre fé e razão já retratada:esse é um daqueles casos em que a razãoencontra seu limite, na medida em que tra-ta de algo que ainda não pode compreen-der por si mesma. E tal limite, decisivopara distinguir a moral "dos filósofos", "ba-seada em coisas vãs", da moral "dos cris-tãos", "baseada na verdadeira felicidade",será decisivo também para a distinção en-tre o que é próprio à Cidade Celeste e à

Cidade Terrena: afinal, ambas visam à feli-cidade, mas apenas uma será verdadeira-mente capaz de alcançá-Ia.

2.1.2. Devolvendo a César o que é deCésar

"E assim dois amores fizeram duascidades: o amor de si, que avança até odesprezo de Deus, a terrena; o amor aDeus, que avança até o desprezo de si, aceleste. Como resultado, uma se gloria emsi mesma; a outra, no Senhor. Afinal, umabusca a glória entre os homens, mas, paraa outra, a máxima glória é Deus, testemu-nha da consciência ..." (AGOSTINHO,200lb, p. 169).

O tema da distinção de duas Cidadescertamente não é uma invenção agostinia-na e, provavelmente, era até mesmo umlugar-comum entre os cristãos africanos(BROWN, 2000, p. 312 s.). Também é certoque ele já havia sido formulado ao menospor um escritor donatista do século IV cujaobra foi conhecida por Agostinho: Ticônio.

Ainda assim, ou, talvez, exatamente porisso, tendo em vista a querela que susten-tou contra os donatistas, Agostinho prefe-re propor tal distinção como lhe tendo sidosugerida pelas Escrituras, entre outros lu-gares, no Salmo 87 (86), 3: "Ele conta gló-rias de ti, ó cidade de Deus'". Numa dasoportunidades em que trata dessa distin-ção na Cidade de Deus, Agostinho escla-rece que o termo "cidade" nada mais é doque um modo "místico" de nomear a "so-ciedade dos homens" (Agostinho, 2001, p.173), ou seja, em última instância, nadamais é do que um nome dado para signifi-car um conjunto de homens. Por si mesma,portanto, a palavra "cidade" não definenada de específico. E "místico", ali, não pa-rece ter outra função que a de evitar ummal-entendido. A separação entre as duasCidades aponta a distinção de dois gênerosde homens que só pode ser medida no quediz respeito a seus fins. Para Agostinho, oshomens estão divididos entre "aqueles quevivem segundo o homem" e "aqueles quevivem segundo Deus". Esses gêneros, ex-plica, compõem duas cidades, das quaisuma "está predestinada a reinar com Deusna eternidade" e a outra "a sofrer um eter-no suplício junto ao diabo". Essa distinção,porém, não tem lugar já na vida deste sé-culo, isto é, na vida no tempo que Agostí-

5. Cf. GILSON, 2007, p. 347 s. Veja também o Comentário deAgostinho (1997b, p 311 s.) para o salmo 64, 2, em que asduas cidades são descritas como Babilônia, "a confusão", eJerusalém, "visão de paz".

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nho acredita anteceder a morte e o juízofinal: "pois estas duas cidades estão mis-turadas e atreladas entre si neste século,até que sejam separadas pelo juízo final"(AGOSTINHO, 200la, p. 64). Não se trata,portanto, de uma distinção entre Estado eIgreja: nem a Cidade Celeste é a Igreja,nem a Cidade Terrena é o Estado."

Assim, a fim de tornar ainda maisprecisa a distinção das duas Cidades,Agostinho traça para si um plano progra-mático. Em primeiro lugar, pretendeocupar-se em mostrar como é possívelpensar corretamente a constituição deuma cidade tendo como ponto de partida omodo pelo qual ela visa alcançar o fim quealmeja, que não é outra coisa que, como jávimos, o fim que almejam os próprios ho-mens, seja individualmente, seja em con-junto: o supremo bem ou felicidade, tam-bém por vezes identificada com a paz (cf._-\GOSTINHO, 2001b, p. 398-404). Parafazê-lo, mostrará que muito do que pensa-ram os homens a esse respeito não passade ilusão, na medida em que não foram ca-pazes de divisar adequadamente o quevem a ser esse bem e, portanto, qual o me-

Ainda que, como lembra Gilson (2007, n. 342-350), algunscomentadores tenham se enganado a esse respeito. Poroutro lado, prenunciando a posição de Tomás de Aquino,Gilson considera que a ausência dessa confusão não impli-ca que o Estado não possa ser utilizado para os fins daIgreja e, por meio dela, da Cidade de Deus: "Embora ele(Agostinho) jamais tenha formulado o princípio de um go-verno teocrático, a ideia não é inconciliável com sua doutri-na, pois, se o ideal da Cidade de Deus não implica essaideia, não a exclui. ...". (ibidem, p 346).

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lhor modo de alcançá-lo, Mas não se trata-rá de mostrar, nesse caminho, "verdadesde fé" contrárias ou superpostas a "verda-des de razão". Por um lado, trata-se demostrar a inadequação de algumas das te-ses desenvolvidas pelos filósofos no quediz respeito ao campo da própria razão.Por outro, de apresentar "não apenas pelaautoridade divina, mas também pela ra-zão" o que é a verdadeira felicidade queapenas é conferida pelo próprio Deus(AGOSTINHO,2001b, p. 381; SCHOFIELD,2000, p. 665-671). E para a realização des-sa tarefa, Agostinho resolve tomar comosparring nada menos que a filosofia cice-roniana: se, contra todas as evidências, oscristãos são atacados por proporem umadoutrina injustamente acusada de inútilpara a proteção e organização da cidade, oque haveria de ser dito, então, a respeitode uma posição segundo a qual é possíveldizer até mesmo, e sem a menor sombra dedúvida, que a República Romana jamaisexistiu? Ora, sustentará Agostinho, essa éexatamente a posição de um dos maioresteóricos do direito romano: Cícero.

Cícero teria visto na justiça o própriofundamento da república. Afinal, ele teriadefinido a república como "a coisa do povo",e o "povo" como "a união de muitos, asso-ciada pela concordância no direito e pelautilidade comum" (AGOSTI HO, 200lb, p.412). Segundo essas definições, o direito(ius) não pode ser separado da justiça(iustitia), uma vez que a "concordância no

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direito", núcleo da definição de povo, pres-supõe que "a república não possa ser geridasem justiça": onde não há verdadeira justi-ça, não pode haver direito. Diante disso,Agostinho não faz mais do que tirar as con-clusões dessa proposta: onde não há justi-ça, cai por terra a possibilidade de haver aassociação de muitos pela concordância nodireito - sem justiça, sem direito, sempovo. Portanto, sem república.

Mas, continua Agostinho, se ondenão há justiça não pode haver direito, eonde não há direito não pode haver povo, ese onde não há povo não pode haver repú-blica, a justiça nada mais é para Cícero doque "aquela virtude que distribui a cada umo que é seu" (AGOSTINHO,200lb, p. 412).7Ora, se justiça é distribuir a cada um o queé seu, tudo o que afasta o homem do Deusverdadeiro e o submete a demônios impu-ros é injustiça, conclui. E mesmo aqui, ain-da que o vocabulário empregado (que con-trapõe o "Deus verdadeiro" a "demôniosimpuros") não seja absolutamente o de Cí-cero, para Agostinho a conclusão apresen-tada não é senão uma formulação possível,e, no mais, bastante fiel, da proposta cicero-niana: é o próprio Cícero que confiará ocuidado da República às mãos de Deus.

Afinal, Cícero teria levantado aindaao menos mais um argumento em favor da

7. o próprio Agostinho (2001 b, p. 390) já havia proposto essadefinição de justiça, também analisada no diálogo platôni-co A República, no qual é rejeitada (PLATÃO, 2001, p. 10-19,331e-336b).

justiça como base da república. Em suma,seus opositores teriam proposto que "a re-pública não pode ser mantida nem geridasenão pela injustiça", uma vez que não ha-veria nada mais injusto do que homens se-rem obrigados a servir outros homens im-postos como seus senhores. E tal como sedaria nessa relação entre os homens, amesma injustiça se repetiria no que dizrespeito à cidade, que não é mais do queum conjunto de homens: a menos que a ci-

dade que é uma grande república se-guisse a injustiça ao imperar, ela jamaispoderia imperar sobre as províncias.

Contra essa tese, Cícero teria respon-dido que a dominação pode sim ser justa: aservidão pode ser útil a alguns homens "namedida em que é feita com correção". Afi-nal, "na medida em que é tirada dos ímpro-bos a licença para cometer injúrias", al-guns homens "melhor se acham quandodominados, uma vez que estariam muitopior se assim não fossem". A base deste ar-gumento de Cícero seria um princípio "to-mado da natureza": "a alma que serve aDeus impera retamente sobre o corpo", ouseja, é justo que o superior impere sobre oinferior. Desse modo, acrescenta Agosti-nho, o argumento de Cícero serviria tantopara mostrar que a servidão é útil para al-guns como também para mostrar que ser-vir a Deus é útil para todos:

"Ouvi o que diz (Cícero) no livro 111da Repú-blica, Quando trata da causa do imperar. 'Aca-

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so não vemos, diz, que ao ótimo é dado, pelaprópria natureza, com suma utilidade, o do-mínio do mais inferior? Por que, então, Deusimpera sobre o homem, a alma sobre o corpo,a razão sobre a libido, a iracúndia e as outraspartes viciosas dessa mesma alma?' [ ... ]Com efeito, a servidão é um gênero de injus-iça na medida em que estão com outros

aqueles que bastam a si mesmos, mas na me-dida em que os escravos são aqueles que não

odem moderar a si mesmos, não há injúriaguma" (CíCERO, 1826, p. 389).

_-aquele que serve a Deus, a alma im-- bre o corpo com justiça:

•• r .•. ] assim, se o homem não serve a Deus, o:~e nele deve ser reputado como justiça? Por

o. quando não se serve a Deus, a alma não: e de nenhum modo imperar justamente so-_ o corpo, ou a razão humana sobre os vícios.=: se em tal homem não há esta justiça, sem-,,- uma dúvida também não haverá no con-

- de homens formado por este tipo de ho-" . Portanto, não há aí aquela 'concordância

-: ü·reito' que faz da multidão dos homens um=_ . de quem é a coisa que é chamada de re-:.:- ca" (AGOSTINHO, 2001b, p. 413).

- ainda aqui não é exatamente'~~::U-tO o autor da conclusão apresenta-

_tudo o que foi até agora apre--o se pretende mais do que a

-=:s:;~'ncia dos próprios argumentos de_ - - _ainda falta para Agostinho

-==:-.3a::::~ a prova anunciada de que seria___ ,::1 _ -en ar. de acordo com a opi-

. rio Cícero jamais ter existido~I--<-o~:;d Romana. Falta mostrar que os

pre (ou nunca, se pen-eoniunto de todos os homens

Filosofia Política e Idade Média

que se pretendem romanos) adoraram oDeus verdadeiro, que, para Agostinho, nãoé senão o Deus dos cristãos.

E será mais uma vez por meio da filo-sofia que Agostinho cumprirá tambémessa tarefa, ao mostrar que o Deus de quefalam tanto Varrão quanto Porfírio acaba-ram por reconhecer que o Deus verdadeiroseria exatamente o Deus dos cristãos(AGOSTINHO, 2001b, p. 413-419). Ora, seaté mesmo de acordo com o testemunhodos filósofos o Deus verdadeiro é o Deusdos cristãos e, se como se sabe de sua his-tória, os romanos adoravam a outros deu-ses, então de fato não haveria remédio se-não conceder que, de acordo com o quedefende Cícero, nunca houve a RepúblicaRomana, porque, uma vez que os homensnunca teriam servido a Deus, nunca houvejustiça, portanto, nem direito, nem povo.Postas as coisas desse modo, algo na argu-mentação de Cícero tem de estar muitoerrado: é claro que Agostinho não concor-dava com a conclusão de que jamais tives-se existido a República Romana ...

Mas antes de explorarmos esse últi-mo problema, toda essa volta há de nosservir ao menos para entendermos umpouco melhor o que parece ser a contribui-ção mais importante de Agostinho para ahistória de uma filosofia que, além de ocu-par-se do saber tradicional dos filósofos,passa a preocupar-se também com a con-tribuição trazida pelo conteúdo da revela-ção dada por Deus aos homens: Agostinho

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•• Manual de Filosofia Política

aponta para todos os que se veem na mes-ma situação que ele, isto é, diante dos de-safios propostos pela filosofia grega aoconteúdo recebido pela revelação, os mol-des segundo os quais entende que deva serconduzida qualquer discussão, seja ela decaráter "teológico" ou não. Sua crítica aopensamento de Cícero não se dá mera-mente com base num pressuposto de fé ounum argumento de autoridade, mas se de-senvolve por meio da exposição dos pró-prios argumentos ciceronianos, isto é,uma argumentação que ela mesma nadatraz de estranho à filosofia, ainda que dealgum modo venha a ser iluminada peloque é revelado pela fé. Assim posto, o pa-pel do que é revelado parece não ser maisdo que o defiel da balança, ideia regula-dora que, em última instância, ajudará achecar a consistência e a validade de umargumento. O erro de Cícero, segundoAgostinho, nunca foi o fato de não ter cri-do no Deus verdadeiro, "problema", aliás,que não foi sequer aventado na argumen-tação que vimos ser traçada. Na exposiçãode Agostinho, o erro de Cícero foi, em últi-ma instância, ter baseado sua definição derepública numa definição equivocada depovo, porque atada à definição dejustiça.

A esse respeito, também se faz importantenotar aqui mais uma vez que, diferente-mente do que possa parecer, a crítica deAgostinho não se ancora exclusivamentenum princípio de fé. O que permite a Agos-tinho concluir que é injustiça não servir a

Deus é o argumento segundo o qual é jus-to, por natureza, que o superior imperesobre o inferior na medida em que este nãopode moderar a si mesmo, ou seja, na me-dida em que é uma regra natural que"Deus impere sobre o homem, a alma so-bre o corpo etc.". Além disso, o que permi-te a Agostinho concluir que os romanostenham cometido tal injustiça é o fato deos próprios filósofos terem reconhecidocomo verdadeiro o Deus cristão, antesdesprezado pelos romanos e agora nova-mente posto em xeque por alguns. O restonão é mais do que a aplicação do próprioargumento ciceroniano.

Assim, voltando ao problema que ha-víamos abandonado, dada a inadequaçãoda definição de Cícero, Agostinho propõeele mesmo uma nova definição de povo,que, no mais, servirá ainda para apontarum segundo aspecto falho - e talvez aindamais grave - da definição ciceroniana. Se-gundo Agostinho, melhor seria definirpovo como "o conjunto da multidão de se-res racionais associado pela concordânciacomum das coisas que ama" (AGOSTI-NHo, 200lb, p. 419), definição que clara-mente faz eco àquele que era seu problemainicial, enunciado logo no início do livroXIX da Cidade de Deus, a saber, pensarcomo se dá a constituição de uma cidadetendo como ponto de partida o modo peloqual ela visa alcançar o fim que almeja.Ora, de acordo com essa nova definição,nem Deus nem a justiça têm papel na con-

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ração do que é ou não um povo ou umaiblica: para saber o que faz de deterrní-

conjunto de pessoas um povo, que, ua sendo para Agostinho, tal comoícero, a base do que é uma república,"considerar atentamente aquilo quea", Tendo isso em vista, pouco im-e cristãos ou se pagãos, certamente

. nto de homens que é o povo roma-_ - e é uma República. E o mesmo vale-

os gregos, os egípcios, os babilô-rc.

propor essa troca, Agostinho não: 'rui o direito pelo amor. Agostinhoambém o que era, na sua interpre-::m fundamento natural transcen-a legitimidade do império do supe-

re o inferior que provém da~.,..-_~-dade do império de Deus sobre o:D:t::::::.) por um fundamento imanente ao.,-r- ..,-.,..,,,, homem: a vontade. Ora, a vontade,

tará Agostinho, nem sempre es-íonada ao que é bom, justo e ver-

Ou seja, a proposta de Agostinho. negar a Cícero urna segunda

-=::;:':'::ute"nciaque a sua definição de repú-'a impor: o fato de que toda re-

__ se justa, ou, pelo menos, o fatoública não pudesse ser gerida

a-o A justiça não é algo pressu-, eco à república. Nesse sen-conflito dos interesses dos

_______ nenhuma cidade terrestre poderá

:=cSldi:nilda alguma vez totalmente jus-aspire, ou, ao menos, nem

Filosofia Política e Idade Média

sempre aspire ao soberano bem. Dessascidades apenas pode-se dizer que um povo"será tanto melhor quanto sua concordân-cia estiver no que é melhor, e tanto piorquanto sua concordância estiver no que épior" (AGOSTINHO,2001b, p. 419) De ma-neira incondicional, a justiça pertenceapenas à Cidade de Deus, que, corno já vi-mos, não se identifica com nenhuma cida-de existente neste mundo:

"[ ... ] pois, em geral, a cidade dos ímpios, naqual Deus não impera como aquele a quemela deve obedecer dado que proíbe que seofereça sacrifício senão exclusivamente a ele,e, portanto, na qual não impera a alma reta efielmente sobre o corpo e a razão sobre osvícios, carece da verdadeira justiça" (AGOS-TINHO, 2001, p. 419).

Ainda que um livro permeado de re-flexões políticas e elaborado de um modoque nada tem de dogmático quanto à dis-cussão dos argumentos que ali são propos-tos, não podemos nos esquecer de que ACidade de Deus é, antes de tudo, um tra-tado apologético. Sua função, tal corno re-tratada logo no início da obra, é defender areligião cristã. Portanto, ninguém há de seadmirar de que a discussão de ternas polí-ticos esteja ali levantada mais em funçãodesse seu escopo do que em função da ela-boração de qualquer teoria política maisbem organizada. Mas, mesmo assim, a tesebásica proposta por Agostinho nesse tra-tado, segundo a qual é preciso saber o queo homem é capaz de alcançar a respeito do

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Manual de Filosofia Política

bem supremo que é Deus e de como a bus-ca desse bem organiza a política e a socie-dade, será incessantemente retomada epassará por várias (re) elaborações duran-te toda a Idade Média. É no encalço de al-gumas dessas transformações que segui-remos nossa análise.

2.2. Política, intelecto, vontade enatureza: Tomás de Aquino - o bemcomum e a organização da cidade

Toda cidade é uma sorte de comunidadeinstituída em vista de algum bem ... 6

Além de assistir à queda do ImpérioRomano do Ocidente, à consolidação da fécristã como a principal religião do ocidentelatino, ao avanço do islamismo e à transfe-rência da filosofia para o Oriente, os quase8009 anos que separam Agostinho de Tomásde Aquino'? também puderam testemu-

8. Aristóteles (1998, 1252a, 1 s.).9. Dois livros bastante introdutórios sobre o que se passa

nesse período, mas de leitura proveitosa são: Nascimento(1992) e Storck (2003). Para uma leitura mais aprofundada,Gilson (1995).

10. Tomás de Aquino nasceu entre o fim de 1224 e o início de1225 no castelo de Roccasecca, situado no condado deAquino, no reino da Sicília. Filho caçula de família nobre,foi destinado por seu pai, Landolfo, o conde de Aquino, aosacerdócio. Tomás iniciou sua estadia entre os monges be-neditinos, na Abadia de Monte Cassino, quando tinha ape-nas 5 anos. Em 1239, ainda entre os beneditinos, ingressouna Universidade de Nápoles, onde conheceu os fradesmendicantes pregadores, mais conhecidos como fradesdominicanos. Em 1244, decide deixar os beneditinos efazer-se dominicano, mesmo que contra a vontade de suafamília. Em 1248 foi enviado pelos dominicanos para estu-dar Teologia em Paris e Colônia, lendo como mestre Alber-to Magno. Depois de formado, ensinou Teologia em Paris,

nhar um evento cujo impacto, além de cru-cial para a história do pensamento científi-

co moderno ocidental, se estende de formaainda vigorosa até os dias atuais: o surgi-mento, em meados do século XIII, das Uni-versidades.!' A isso deve também ser soma-

do o fato de que, já desde a segunda metadedo século XII, os estudantes se viram àsvoltas com uma nova preocupação: a obri-gação de ajustar contas com uma tradiçãode pensamento que, embora recente paraeles no que diz respeito à sua total acessi-

bilidade, já não era tão nova no que diz res-peito a alguns dos desdobramentos de suareflexão - o pensamento de Aristóteles (cf.

LIBERA, 1998; GILSON,201Ob).

Nesse quesito, provavelmente nin-guém foi mais festejado do que Tomás.

Orvieto, Roma, Viterbo e Nápoles. Em sua carreira, além doentão tradicional comentário ao livro das sentenças, dePedro Lombardo, Tomás escreveu vários comentários so-bre as obras de Aristóteles. Sua síntese e domínio do pen-samento aristotélico o tornaram conhecido como um dosmaiores intérpretes do Estagirita. Tomás também escreveuvárias outras obras sobre metafísica, física, psicologia, po-lítica e teologia. Dentre elas, a principal é a Suma de teolo-gia, originalmente concebida como não mais que um "cate-cismo" com a finalidade de instruir "àqueles que se iniciamna religião cristã". Destaca-se nela o fato de a argumenta-ção desenvolvida por Tomás estar firmemente ancoradanos alicerces da filosofia aristotélica. Também merece des-taque a Suma contra os gentios, uma apologia da religiãocristã baseada em argumentos de razão. Tomás faleceu em7 de março de 1274, no mosteiro Cisterciense de Fossano-va, a caminho do Concílio de Lion. Foi canonizado pelopapa João XXII em 1323. Imprescindível como introduçãoao pensamento de Tomás ainda é a leitura de Gilson(2010a). cuía 6' edição data de 1964.

11. Ao menos dois estudos podem servir como uma primeiraintrodução para este tema: o incontornável trabalho de J. LeGotf (1995), e, como contraponto/complemenlo a este, Li-bera (1999).

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tado como o mais profícuo realizadortarefa, ele é também frequentemen-brado como aquele que melhor cris-

:::ou o aristotelismo. Antes um pre-ito que uma constatação, o fato é que. rima afirmação muitas vezes apare-

tante mal formulada. Mesmo numaresentação da filosofia política to-

L3:9ana, ainda é possível encontrar o se-e tipo de argumentação:

"'Tomás de Aquino, contudo, é antes um cris-tão, e seu aristotelismo é um aristotelismo

ristão. Em contraste com o cristianismo,ristóteles não possuía uma concepção de

cecado original [ ...]. Para o cristianismo pri-..•..•.ivo e os Pais da Igreja, porém, simboliza-aos nos escritos de S. Agostinho (381-430),a 'da política havia sido corrompida pela in-: ação hereditária do homem para o mal, e_ Es ado era uma instituição coercitiva com o

de manter um mínimo de ordem num- do de pecado. [ ...] Para o Aristóteles do

o I da Política, por outro lado, o homem éz n politikon - literalmente, um animal cuja_ entação é a polis - e a vida política é umaca-te necessária de seu desenvolvimento ple-- _...- (SIGMUND, 1993, p. 218).

o já vimos, nem parece que~-y.."hO teria uma leitura tão pessimista

quanto sua concordância estiverelhor .: ' e, nesse sentido, diver-

coagir. a função da política-.;....,.;..•.~....,;'"a e auxiliar os homens na bus-

remo). nem, como veremos,o ecado original seja um ele-

=::::J:::::l reíevarue a ponto de, por si mesmo,

Filosofia Política e Idade Média

propor qualquer dificuldade para a apre-sentação tomasiana da filosofia aristotéli-ca. Também não parece que Tomás con-cordaria com a afirmação de que o gênerohumano teria uma "inclinação hereditá-ria" para o mal: para ele, o pecado originalnão afeta em nada o que é próprio da natu-reza humana. Afinal, que o homem fossenaturalmente inclinado para o mal seriaantes um defeito divino, o que torna essahipótese, em si mesma, absurda. Por meiode Adão, a humanidade teria recebido umpresente de Deus, tal qual um dom sobre-natural: a justiça original, pela qual o ho-mem se submeteria a Deus, as potênciasinferiores à razão, o corpo à alma etc. Aopecar, Adão teria rejeitado esse dom. O pe-cado é, assim, uma espécie de desordemou privação da ordem adequada. Como re-sultado do pecado original, o homem dei-xa de ser capaz de alcançar o sumo bem,uma vez que já não pode mais ver nemfruir a Deus. E aqui também aparece oponto principal: por sua própria natureza,o homem jamais possuiu os princípios ne-cessários para torná-lo capaz de alcançaro sumo bem, necessitando para isso do au-xílio da graça divina. Primitivamente, esseauxílio foi a justiça original, presente dadopor Deus para a humanidade por meio deAdão. Depois do pecado, esse auxílio foi amediação do Cristo homem, "em quem a fépode subtrair o impedimento do pecadooriginal" (TOMÁS DE AQUINO, 1982a, p.27-143).

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Manual de Filosofia Política

Retrato de Tomás de Aquino, por Joos van Gent e P.Berruguete, 1475. Museu do Louvre, Paris.

Quando comenta a Política de Aris-tóteles, Tomás retoma a ideia aristotélicasegundo a qual a cidade é a suprema co-munidade humana (ARIST6TELES, 1998,1252a 1-7). Segundo sua interpretação,Aristóteles teria defendido que toda asso-ciação humana estaria ordenada de modoa visar a algum bem. E a cidade seria amais geral dessas associações porque en-globaria todas as outras, uma vez que es-taria ordenada para o bem mais funda-mental entre todos os bens: o bem comum.Ora, não se ordena uma cidade para alcan-çar o bem de algum indivíduo ou de algumgrupo isolado de indivíduos: a ordenaçãoda cidade deve visar ao bem de todos, semdistinção. Por isso, destaca Tomás, o pró-prio Aristóteles teria defendido que, ao en-globar os bens mais fundamentais entre osbens humanos, o bem comum é aindamaior e mais divino que qualquer bem dealgum indivíduo; afinal, ele estaria mais

próximo da semelhança divina, causa uni-versal de todos os bens (ARIST6TELES,1984, 1094b 7-10; Tomás de Aquino, 2007,p. 7-19; 1969, p. 9).

É nesse sentido que Tomás entendeque Aristóteles defenderá que o homem énaturalmente um animal da cidade, isto é,um animal político (ARIST6TELES, 1998,1253a 1-5). Faz parte da natureza do ho-mem associar-se em comunidades: a famí-lia, a casa, a vila ... A cidade seria apenas amaior de todas elas. E seria também natu-ralmente a primeira dentre todas, já queenglobaria sua totalidade: o todo é ante-rior a suas partes.

Mas a principal prova de que a vida emcomunidade é algo natural para o homemestaria no fato de o homem ser o único ani-mal dotado de fala. A fala, explica Tomás,não é a simples expressão de algo pela voz;afinal, o homem não é o único animal capaz

de exprimir algo vocalmente. A tristeza, odeleite, a ira e o temor podem ser manifes-tados por qualquer animal. Exemplos disso

são o ladrar do cachorro ou o rugido doleão. O homem tampouco precisa da falapara exprimir esses sentimentos. Ele podevaler-se apenas de interjeições. E mesmoque venha a expressar sentimentos pormeio das palavras, como o próprio Aristó-

teles (2013, 16a 1-18) lembra no início doSobre a interpretação, as palavras faladasservem para muito mais do que isso, na me-dida em que são símbolos convencionais

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stos para, dadas certas condições, sig-CM algo. Entendida desse modo, a fala é_ iva do homem, que, diferentementepapagaios, pode falar com a intenção de

_ .ificar algo. Assim, Tomás descreve, aumana auxilia o homem a realizar

o que o distingue dos demais animais:cidade de entender e comunicar o

e o nocivo, o justo e o injusto. E como aza nada faz em vão, quando ela dá ao

l:r!:~na capacidade de comunicar o útil e. .o. o justo e o injusto, ela dá ao ho-a capacidade de se comunicar com• ornem. Ora, é evidente que o ho--' é capaz de se comunicar quando

comunidade ...

T más de Aquino entende dessee a política é o resultado de um

- romovido entre a natureza, o inte-a vontade humana: seu objeto é oracional da cidade, o tipo ideal de

comunidades humanas (QUIL-~ . p. 527). Afinal, entende que,

óteles, a cidade é resultado da__ ,~. umana, assim como a política é

responsável por considerar tudoa respeito ao bem que é próprio à

= porque visa à ordenação da cida-bem comum, a política conside-o que se relaciona com as ações

~==:::3..5- na medida em que estas visam a_. "-,,,:::eu. o eja. desde aquilo que é re-

e mecânicas (como o saberfabricar algo, tal qual o

J até aquilo que é relativo

Filosofia Política e Idade Média

às ciências morais, isto é, à Ética, que tratado que é próprio à deliberação, à escolhaetc. (TOMÁS DE AQUINO, 2007, p. 1-3).Estando as coisas assim concatenadas, o

pecado original simplesmente não terá pa-pel a desempenhar nessa apresentação. Ea fé de Tomás só se fará presente na medi-

da em que o bem comum apontado porAristóteles puder ser identificado com opróprio Deus (cf. TOMÁS DE AQUINO,

2010, p. 314 s.) .

Mas, ainda assim, parece ser o pró-prio Aristóteles quem abre essa possibili-dade para Tomás, mesmo que, quando serefira a deus ou ao divino, Aristóteles nãotenha em mente nada que seja parecidocom o deus dos cristãos. De fato, Tomás sópropõe essa aproximação porque, subja-

cente à ideia de natureza tal qual a propõe

Aristóteles, está uma certa compreensãode ordem, que, tal como Tomás a entende,não pode deixar de ser pensada senãocomo a expressão da própria vontade divi-

na. Assim, Tomás parece considerar nãohaver nada de sobrenatural no fato de quepossamos ter a inteligência dessa ordem,ainda que não possamos compreendê-Iaem sua completude: "a luz intelectual quehá em nós, nada é além de uma certa se-melhança participada da luz incriada na

qual estão contidas as razões eternas"(TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 107). Ain-da que de um modo bastante diminuído, a

inteligência humana é semelhante à pró-

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Manual de Filosofia Política

pria inteligência divina, e, nesse sentido, aordem que a inteligência humana apreen-

de na natureza, é, de certo modo, a ordempensada e querida por Deus no momentoda criação.

Principal resultado disso é que, namedida em que trata do que é natural, aPolítica não estará apenas relacionada àFísica, mas guardará relações tambémcom a Teologia, saber que Tomás de Aqui-no promove à ciência e ao qual subordinatodas as demais ciências (TOMÁS DEAQUINO, 1982b; 2001, p. 140-143 s.). Tan-to é assim que Tomás põe como princípiodos atos humanos que levam ao bem o pró-prio Deus, que "tanto nos instrui atravésda lei como nos auxilia através da graça".

Tomás entende a lei como uma sorte de re-gra ou medida dos atos humanos, segundoa qual alguém é induzido ou desestimula-do a agir. Consequentemente, toda lei ébaseada na razão, princípio de todos osatos humanos: a razão só faz o homem di-ferente dos outros animais porque é pormeio dela que o homem torna-se senhor deseus atos, à medida que pode propor umfim para eles.

Além disso, o principal ato humanode que a razão é princípio é aquele quevisa ao fim último da vida humana, que é afelicidade ou bem-aventurança. E, assimcomo da razão, esse será o fim principal dalei. Tal como escreve Aristóteles na Ética

a Nicômaco (ARISTÓTELES, 1984, 1129b

17), "dizemos justo, legal, aquilo que pro-duz e conserva a felicidade e suas partes

para a comunidade política" (TOMÁS DEAQUINO, 1995, p. 35). Ao compreender a

ordem da criação tal qual proposta porDeus, o intelecto oferece à vontade aquilo

que aparece para ele como o mais próximo

do bem ao qual o homem se destina. À von-tade, portanto, cabe escolher agir ou nãode acordo com esse bem.

Essa escolha é proposta por Tomás

como a expressão do fim da comunidade,que só se dá quando os seus membrospropõem-se a viver segundo a virtude.

Propiciar a vida segundo a virtude é exata-mente a tarefa do governante: governarnão é senão "conduzir o que é governado

para o fim que lhe é adequado". °ofício dorei, portanto, é cuidar do bem comum damultidão, ao qual se ordenam todos osbens temporais. Postas as coisas dessemodo, também é fácil perceber que a vida

segundo a virtude não é exatamente nemo fim da comunidade, nem o do homem.

Ela é o meio. ° fim do homem, na medidaem que é um animal político, é o bem co-mum, que, nesse sentido, confunde-se

com o fim imediato da comunidade. Mas o

bem comum não é o fim último nem da co-

munidade, nem do homem. ° fim últimoda comunidade é o fim último do homemenquanto tal: a fruição divina, o sumo bem

ou felicidade. E, como vimos, apesar de es-tar a ele ordenado pelo próprio Deus, o ho-

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mem não pode, por sua própria natureza,

chegar a esse fim. Ele precisa do auxíliodivino. Desse modo, cabe ao governo divi-no, e não ao humano, cuidar daquilo quevai além da natureza humana. Mas comolembra Tomás de Aquino, o único homem

capaz de assumir tal governo é aquele quenão é apenas homem, mas também é Deus:Jesus Cristo. E como se sabe, o Cristo não

entregou o ministério de seu reino aos reistemporais, mas a Pedro, de quem o suces-

sor é o Sumo Pontífice, Vigário de Cristo,

ou seja, o Papa (TOMÁS DE AQUINO,1995, p. 164 s.).

Como se vê, por meio de sua apresen-tação da filosofia aristotélica, principal-

mente no que diz respeito à compreensãoda natureza do homem, Tomás dá suporteà teoria da distinção entre o poder tempo-ral e o poder espiritual. Afinal, dado o que

é capaz de apreender de sua própria natu-

reza, o homem vê-se destinado à busca dobem comum, regída pelo poder temporal

porque subordinada àquilo que é próprioda natureza humana. Mas, a partir do queé capaz de apreender da ordem da nature-za em si mesma, considerada o reflexo davontade divina, o homem é capaz de

perceber-se destinado a um fim que supe-ra o bem comum e aquilo que é possívelpara si segundo sua própria natureza: oumo bem, que só pode ser alcançado por

intermédio da fé num Deus salvador, cujocuidado cab , como expressa a própria

Filosofia Política e Idade Média

vontade divina por meio do poder conferi-do por Cristo a Pedro, ao poder espiritual.E é aqui que o aristotelismo de Tomás serácapaz de subverter a posição agostiniana.Diversamente de Agostinho, que na sua te-oria das duas Cidades procurou afastar desua exposição uma orientação temporalis-ta, ao não confundir a Cidade de Deus comqualquer cidade deste mundo, Tomás deAquino propõe uma versão da política cujaface religiosa parece obrigada a ter peso jánesta vida: o bom governo deve auxiliar ohomem a alcançar não apenas àquele queé seu fim natural, o bem comum, mas deveauxiliá-lo a alcançar aquele que é tambémseu fim último: o sumo bem ou a fruição deDeus (cf. BERTELLONI, 2005, p. 25-29).Está inaugurada, portanto, a discussão so-bre a subordinação do poder temporal aopoder espiritual: na medida em que estáencarregado do cuidado do fim último detoda vida humana, cabe por direito aoPapa também o poder sobre todos os bensintermediários. Mas, ainda assim, é tam-bém na medida em que ao Papa é antesconfiado o governo daquilo que está alémda natureza humana, que se justifica o go-verno temporal do rei no que diz respeitoao âmbito próprio da natureza humana.Para Tomás, a existência dos dois poderesé, portanto, legítima e necessária. Mascoube à história posterior a tarefa de de-terminar o que é próprio à alçada de cadaum desses poderes e o modo pelo qual elespoderiam coexistir ...

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Manual de Filosofia Política

2.3. Entre a vontade, a razão e a fé:Guilherme de Ockham e a distinçãodos poderes espiritual e temporal

A Regra e a vida destes irmãos é esta: viver emobediência, em castidade e sem propriedade ...

(Francisco de Assis, Regra não bulada)

Pouco mais de meio século separa amorte de Tomás de Aquino e a elabora-ção das obras políticas de Guilherme deOckham." Nesse meio tempo, as discus-

12. Guilherme de Ockham nasceu em 1288, no vilarejo deOckham, condado de Surrey, Londres, Inglaterra. Antes dos14 anos, ingressou no Convento dos Franciscanos de Lon-dres, como puer oblatus, isto é, a criança pobre entregue aoConvento para se dedicar à vida religiosa. Ali, fez-se fradefranciscano e, em 1306, foi ordenado subdiácono de Sou-thwark. Entre 1308 e 1310 encerrou os estudos de Filosofia edeu início aos estudos de Teologia, realizados em Londres eOxford. Suas leituras de Aristóteles e sua compreensão daTeologia são fortemente marcadas por seu nominalismo, queprefere ver as explicações que somos capazes de dar a res-peito da natureza e da realidade que nos cerca antes comouma expressão do modo de como somos capazes de conhe-cer do que como a descrição de quaisquer fenômenos meta-fisicos. Em 1322. Ockham é denunciado à Corte Papal emAvinhão, provavelmente por João de Reading. um confradefranciscano, pela suspeita de que suas teses fossem poucoortodoxas ou heréticas. Em 1324. é convocado a se apresen-tar em Avinhão, após ter seus escritos examinados, a pedidodo Papa, por João de Luterell, ex-chanceler da Universidadede Oxtord, onde Ockham havia estudado. Ali. Ockham se unea outros frades franciscanos. entre eles Miguel de Cesena,então a máxima autoridade da Ordem Franciscana. que aca-baram sendo acusados de heresia por terem defendido apobreza evangélica, principal identidade da vida franciscana.como distinção máxima do cristianismo e da vida religiosa.Em 1328. junto de seus confrades. Ockham foge de Avinhãoe passa a viver exilado na Alemanha. sob a proteção do Impe-rador Luís da Baviera. Oesde então, dedica-se a escreveruma série de opúsculos e tratados sobre política, tendo comomote principal a crítica à plenitude do poder papal. Morre em1347. na Alemanha. talvez vítima da peste negra. Dentre suasprincipais obras estão os Comentários para física e para alógica aristotélicas. o Comentário para as sentenças de PedraLombardo. os Quodlibeta e. no que toca à política, o Breviló-quio sobre o principado tirânico. o Diálogo e as Oito questõessobre o poder do Papa.

sões sobre a amplitude dos poderes tempo-

ral e espiritual acirraram-se a ponto de aIgreja reclamar para si até mesmo o direitosobre a investidura do poder temporal: ape-

nas ao Papa, detentor do poder espiritual,cabe o poder de coroar o Imperador. E isso

não era tudo: ao Papa deveria também ca-ber o poder de destituir o Imperador quenão agisse de acordo com os princípios dalei cristã. É fácil perceber que esse tipo deposição trazia uma série de problemas parao governo civil. Afinal, a plenitude de poder

que a Igreja reclamava para si, por meio dafigura do Papa, fazia do Imperador um alia-do que, na prática, estava reduzido a nãomais do que um refém e serviçal da vontadepapal.

Em franca oposição a esse raciocínio,estava a posição de alguns frades mendican-tes que, a princípio, não tinham nenhumapreocupação com a tese da plenitude do po-der papal. A eles interessava apenas a defesada máxima evangélica segundo a qual pau-

tavam sua vida religiosa: "se queres ser per-feito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aospobres e terás um tesouro no céu. Depois,vem e segue-me" (EVANGELHOSEGUNDOSÃOMATEUS,capo19,verso21).

A "querela sobre a pobreza evangéli-ca", título sob o qual ficou conhecida a dis-puta entre esses frades e a Santa Sé, rela-ta uma história que ainda merece ser maisbem contada. A Ordem dos Frades Meno-res, de acordo com seu título primitivo, ou

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Ordem de São Francisco ou dos Francis-canos, como é mais conhecida até hoje,foi, desde seu início, constituída comouma Ordem mendicante, isto é, uma co-munidade de irmãos religiosos (freis ou.frades, dá no mesmo) que viviam da es-mola e da caridade alheias, sem a possibi-lidade de possuir bens próprios. Seu prin-cipal propósito era seguir ao que, naépoca, era rotulado os três conselhosevangélicos: uma vida evangélica de obe-diência aos superiores da Ordem e à San-ta Sé, de castidade na relação com os ou-tros e de absoluta pobreza, ou, como odescreve o próprio Francisco de Assis,fundador da Ordem Franciscana, umavida sem propriedades. As disputas in-ternas da Ordem sobre a extensão dacompreensão desses princípios evangéli-cos levaram a várias subdivisões internas,das quais a mais violentamente persegui-da foi a comunidade dos frades espiritu-ais, que misturaram ao ideal da pobrezaevangélica as teses de Joaquim de Fiore,monge beneditino cisterciense, segundo oqual a história da Igreja e do mundo deve-ria ser dividida em três períodos ou ida-des, correspondentes às pessoas da Trin-dade. À Idade do Pai corresponderia o queé narrado no Antigo Testamento da Bí-blia; a Idade do Filho, considerada o tem-po presente, teria tido seu início na en-carnação do Cristo e na fundação daIgreja. Por fim, a Idade do Espírito Santoseria uma época futura, na qual se daria a

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plena realização da vida evangélica. Mas,para os espirituais franciscanos, a Idadedo Espírito Santo já teria chegado, e umdos principais sinais disso seria a própriaOrdem Franciscana, lugar de realizaçãoplena da vida evangélica. Essa posição foiconsiderada uma grave heresia pela Igre-ja, e essas comunidades espirituais aca-baram por ela debeladas: ou porque exco-mungadas, ou porque seus membrosaceitaram se submeter novamente à "re-gra e obediência da Ordem", renunciandoa suas "crenças heréticas".

Obviamente, a defesa da pobrezaevangélica, própria a toda a Ordem Fran-ciscana, não era uma exclusividade dosfrades espirituais. Por isso mesmo, estavasujeita a controvérsias no que diz respeitoao modo como deveria ser interpretada. Afim de pôr um termo a tais discussões, al-guns frades foram enviados para deter-minar a correta compreensão deste temajunto à Corte Papal em Avinhão. Junto aeles estava Miguel de Cesena, na época, oMinistro Geral da Ordem Franciscana(isto é, o representante máximo da Or-dem, considerado o próprio sucessor desão Francisco), justamente na condiçãode representante de toda a Ordem. Nãodemoraram, porém, a surgir graves diver-gências entre as interpretações propostaspor estes frades e as propostas pelo papa-do. Tanto que, em virtude do encrudesci-mento da disputa, a situação dos fradestornou-se rapidamente insustentável.

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Historicamente, graças à polêmica quesustentaram contra o papada, esses fra-des, e, com eles, Guilherme de Ockham,que acabou se unindo a eles, foram váriasvezes tomados como pertencendo ao mo-vimento dos frades espirituais, o que pa-rece não passar de um erro grosseiro,ainda que muito conveniente. Afinal, as-sim tais frades poderiam facilmente serrotulados como hereges, o que interessa-va à Igreja, uma vez que a heresia preten-samente seria a marca distintiva dafalsi-dade de suas opiniões, e à OrdemFranciscana, na medida em que poderiarapidamente se dissociar desses seus re-presentantes.

Retrato póstumo de Guilherme de Ockham.

As razões que levaram Ockham a en-trar nessa polêmica são por ele apresenta-das em sua Carta aos Frades Menores,escrita a seus confrades reunidos no Capí-tulo Geral (reunião que congregava osprincipais representantes de toda a Or-

dem e tinha como tarefa, entre outras coi-sas, eleger o Ministro Geral) de 1334, emAssis. Nessa Carta, Ockham propõe-se a"dar as razões" de sua oposição ao Papa.Em suma, relata que após ler os escritosdo Papa João XXII, contra o qual ele e osfranciscanos reunidos em torno a Miguelde Cesena se rebelaram, não pôde senãoencontrar vários pontos "errôneos, estul-tos, ridículos, fantásticos, insanos e difa-matórios, contrários à fé ortodoxa, aosbons costumes, à razão natural, à corretaexperiência e à caridade fraterna"(OCKHAM, 2009, p. 200). De fato, a estra-tégia de Ockham será sempre reduzir todapolêmica por ele levantada ao que podeser tomado da pura razão:

"[ ... ] E, algumas vezes, colocando-me no lu-gar de outrem, conscientemente, argumenta-rei de modo sofístico em favor das teses apre-sentadas, a fim de que, uma vez entendidas asalegações em favor de cada uma das partes, osincero amante da verdade possa ter a oca-sião de discernir o certo do errado com a agu-deza da pura razão" (OCKHAM, 2002, p. 19).

E é por meio da pura razão e da ex-periência que Ockham traça um dos prin-cipais argumentos contra a relevância dasagração do Imperador pelo Papa: a unção,consagração e coroação feitas para o rei pormeio de um eclesiástico não seria capaz deconferir ao Imperador nenhum poder tem-poral. O poder do Imperador ou do rei,para Ockham, provém, em última instân-cia, do povo que resolveu eleger um gover-

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- para si: o povo deve estabelecer se_ : deve suceder a outro por heredita-

1lI:.~,ue,por eleição ou por qualquer outroambém cabe ao povo decidir se o

ucede a outro hereditariamentepoder antes ou apenas depois deação ou de outra cerimônia qual-

Para sabermos, portanto, de querei recebe seu poder, basta

;•••••.•~:()S- para a história da constituiçãoreino. E quando essa história não

- ser lembrada, deve-se tentar- costumes relativos à coroação

as regras segundo as quais se_~<.!..< •• .u',ção de seu poder. Assim, por si

ção real nada confere ao rei:- a pode ser feita apenas com o

e o rei gozar de mais respeito ewII!I~-"Ía - (OCKHAM, 2002, p. 224).

~_ por a vontade do povo como a- - uição do governo temporal,-o faz mais que retomar a for-

otélica da constituição da.' ta do bem comum" numa

=--:marneme prática. O poder do go-as palavras de Ockham, o

'0. "possui, entre outras ca-ele de ter sido instituído

comum dos súditos, eo próprio governante".o é instituído mais para

- - CJ em as leis instituídasmum do que para aque-

.~r-=>1""': o zovernante "foi prin-~..::1iIlaídopara que corrija e

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puna os delinquentes". Portanto, mais doque para atender aos fins ditados pela na-tureza humana, tal como em Tomás deAquino, a política, para Ockham, é neces-sária para sustentar uma determinadaprática:

"[ ... ] se nalguma comunidade ninguém pre-cisasse ser punido por causa duma culpa oudelito, então, bastaria que houvesse um mo-nitor ou um doutor que instruísse acerca dobem que deve ser feito, e seria totalmentesupérfluo haver um governante ..." (OCKHAM,2002, p. 159).

E essa insistência na prática e na ins-tituição voluntária do poder tem sua razãode ser: para Ockham, apesar de, tal qualreclama Aristóteles, o homem natural-mente tender para a felicidade, ele não écapaz de conhecer naturalmente qual é oseu fim último, ou seja, em que consiste,em última instância, sua felicidade. Emoutras palavras, o homem não tem por simesmo um conhecimento definitivo acer-ca do que seria para si o sumo bem ou obem em si mesmo. Que esse fim seja Deusé algo que só pode ser alcançado por meioda revelação: para Ockham, diferentemen-te do que vimos em Tomás de Aquino, nãohá nada na natureza que seja suficientepara demonstrar a vontade ou a existênciade um Deus criador. Além disso, não háprovas de que o homem não possa conside-rar como seu bem supremo a algum bemfinito: por mais que se tenha investigadoqual é o fim último das obras humanas,

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não houve filósofo que conseguisse provarnaturalmente nem que haja um bem infi-nito, nem qual seria esse bem infinito, nemmuito menos que esse bem infinito sejaDeus ... (Ockham, 1967, p. 432-439)

Sendo assim, mais do que na nature-za, o núcleo em torno do qual gira a políticaockhamiana está na vontade e na liberdadedela decorrente: vontade do povo que deci-de escolher para si um rei, vontade do reique escolhe que tipo de organização será amelhor para seu reino. Mas uma vez quenem a filosofia, nem o poder espiritual po-dem ditar definitivamente ao homem o quevem a ser o bem comum por ele buscado,resta que a reta razão busque discernir,dentro dos limites de sua capacidade, aqui-lo que deve considerar como bem, seja apartir do que lhe é oferecido pela fé pormeio da revelação, seja a partir do que podeatingir por meio de suas próprias forças,mostrando à vontade o que pode ser consi-derado bom e deixando-a livre para esco-lher ou não operar segundo esse bem. Pos-tas as coisas desse modo, nem a revelação,nem Aristóteles, são mais capazes de ofere-cer à razão tudo o que ela necessita para aescolha do bem comum. Em Ockham, a Po-lítica encontra seus limites, uma vez que jánão pode mais contar nem com a religiãonem com a natureza como bases de seusfundamentos. Destituída de suas bases, avontade precisa buscar em si mesma a legi-timidade do bem querido. Abrem-se, enfim,as portas para a modernidade ...

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Créditos das imagens- p. 45 The Art Archive/Musée des Beaux Arts Dijon/

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- p. 57: The Bridgeman Art Library/Grupo Keystone

- p. 63: Sammlung Rauch/lnterfoto/Latinstock