Olhoabertoparana

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ab C8 cotidiano H H H SáBADO, 18 DE AGOSTO DE 2012 FILIPE COUTINHO JOHANNA NUBLAT NáDIA GUERLENDA DE BRASíLIA Com duas mães e um pai. Foi assim que Augusto Guar- dia, 19, cresceu. Agora, é des- se jeito que estará escrito em sua certidão de nascimento. Nesta semana, o Tribunal de Justiça de São Paulo auto- rizou acrescentar na certidão o nome da advogada Vivian Medina Guardia, 37, que ca- sou com o pai de Augusto quando ele tinha dois anos. Para especialistas, a deci- são é histórica —é a primeira vez que um tribunal tem esse entendimento. O ineditismo está no fato de o nome da mãe biológica, morta três dias após o parto, ter sido mantido. Ou seja, agora Augusto tem, legalmente, duas mães, um pai e seis avós. “Sempre tratei minha ma- drasta, ou mãe socioafetiva, como minha mãe mesmo. Quando eu era criança, eu fa- lava que tinha duas mães: uma no céu e uma na terra”, diz o estudante de direito de Itu (SP). Desde a morte de Eloísa Guardia, as três famílias (do pai, da mãe biológica e da mãe afetiva) se uniram, fazen- do questão de criar o menino com fotos e histórias de Eloí- sa. Por isso, a opção de man- ter todos os laços na certidão. “Para mim era muito sim- ples entrar com o processo de adoção, mas não era justo com a família dela”, conta Vi- vian. Pela lei, na adoção, o nome da mãe biológica é substituído pelo da adotiva. “Perdi minha mãe seis me- ses depois de casar. A avó ma- Em decisão inédit, Justiça inclui nome de madrasta na certidão de nscimento de jovem sem excluir o da mãe, que morreu três dias após o parto mães MINHAS DUAS terna de Augusto me socorria em tudo o que eu precisava. Formamos essa nova família. Hoje [ontem], quando dei a notícia da decisão, ela disse ‘agora você consta no papel, e é minha filha também’.” A decisão do TJ-SP rever- teu a sentença da primeira instância, que reconheceu a situação, mas argumentou não haver espaço na lei para a inscrição de duas mães. Para Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direi- to de Família), a decisão trans- porta para o direito uma situa- ção real. “Se ele tem duas mães, não tem porque não ter os dois registros e os direitos.” O advogado e professor Flá- vio Tartuce, diretor do institu- to em São Paulo, diz que a de- cisão supera “a escolha de So- fia” —em referência ao livro em que uma mãe tem de escolher qual dos dois filhos salvar. “A jurisprudência escolhia um ou outro. Agora não, são os dois: o pai biológico e o afe- tivo.” Ele diz que o reconheci- mento da “multiparentalida- de” terá efeitos em todas as es- feras, mas principalmente em questões de herança e pensão. Na única outra decisão se- melhante de que se tem notí- cia, na primeira instância de Rondônia, isso ocorreu. Em março, uma juíza incluiu o pai biológico na certidão, ao lado do pai afetivo, e determinou que ele pagasse pensão. Quando eu era criança, eu falava que tinha duas mães: uma no céu e uma na terra AUGUSTO GUARDIA, 19 estudante de direito de Itu (SP) Perdi minha mãe seis meses depois de casar. A avó materna de Augusto me socorria em tudo o que eu precisava. Formamos essa nova família VIVIAN MEDINA GUARDIA, 37 advogada, madrasta de Augusto e que agora também é legalmente sua mãe Adriano Vizoni/Folhapress Augusto (no centro) com sua mãe afetiva, Vivian, os avós maternos, Eloisa e Antonino, e o pai, Manoel (ao fundo) LUIZ CARLOS DA CRUZ COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE CASCAVEL Índios do interior do Para- ná são acusados de utilizar pedras e troncos para provo- car acidentes e, em seguida, saquear as mercadorias dos veículos. Os guarani e os caingangue atuam, de acordo com a po- lícia, em uma rodovia federal que cruza a reserva indígena, no oeste do Estado. As informações constam de relatório da PRF (Polícia Rodoviária Federal) obtido pela Folha. Fotos de pedras sob carros acidentados foram anexadas ao documento. Neste ano, a PRF registrou 32 acidentes na BR-277 na área da aldeia Rio das Cobras, em Nova Laranjeiras (a 398 km de Curitiba). Dos acidentes, oito acabaram em saques —meta- de de carne congelada. Os índios levaram ainda cargas de cerveja, adubo e madeira, segundo a polícia. Depois de saqueadas, as cargas são vendidas a comer- ciantes locais, que estariam incentivando os crimes. A Polícia Civil indiciou quatro pequenos comercian- tes de Nova Laranjeiras por suspeita de receptação de produtos saqueados. Um de- les foi preso em flagrante, mas responde em liberdade. Sebastião Tavares, cacique da aldeia de 2.425 habitantes, nega a acusação de que os ín- dios provoquem acidentes, mas admite os saques (leia texto ao lado). O delegado da Polícia Civil Adriano Chofi diz que apenas a Polícia Federal pode atuar em áreas indígenas, mas afir- ma que os índios terão de res- ponder à Justiça, caso os cri- mes sejam comprovados. “Eles são extremamente agressivos quando estão aglomerados [nos saques]. A polícia não reage para evitar confronto”, diz o delegado. Segundo a Funai (Funda- ção Nacional do Índio), os ín- dios podem responder crimi- nalmente por seus atos, mas deve ser observado o grau de entendimento que eles têm sobre a vida social brasileira. O policial rodoviário fede- ral Felix da Silva, responsá- vel pelo levantamento, diz que a participação dos índios em saques é “clara e notória”. MORTES A reserva indígena Rio das Cobras, a maior do Paraná, fica no trecho da BR-277 en- tre Cascavel e Curitiba. Os 32 acidentes registrados nos 14 quilômetros que cortam a re- serva resultaram em 24 mor- tos e 17 feridos. No mais grave, em 12 de ju- nho, um caminhão atingiu uma van, matando 15 pesso- as. A carga de madeira esta- va recheada com quase meia tonelada de maconha e foi sa- queada pelos índios. Com intermediação do ca- cique, a Polícia Civil entrou na área indígena e recuperou parte da droga. Mas, de acor- do com a PRF, esse acidente não foi provocado pelos ín- dios da região. Na manhã de anteontem, um caminhão usado para transportar alimentos frios tombou na área indígena, mas estava vazio. Índios são acusados de provocar acidentes para saquear veículos Segundo a polícia, guaranis e caingangues atuam em rodovia que cruza reserva no PR COLABORAÇÃO PARA A FOLHA O cacique Sebastião Tavares disse, por telefone, que há mui- to tempo a polícia acusa os ín- dios de provocarem acidentes na rodovia, mas que eles ne- gam e que não há provas. O cacique confirmou, no entanto, que membros da al- deia já retiraram mercadorias de caminhões acidentados. Ele disse que comerciantes da região avisam os índios so- bre os acidentes porque “sa- bem que a polícia não pode fazer nada [contra eles]”. “Eles até transportam os índios [ao local do acidente].” A presidente da Associa- ção Comercial de Nova Laran- jeiras, Marli Moretto, disse desconhecer a prática. OUTRO LADO Cacique nega atuar em batidas na rodovia LOCAL DOS SAQUES Trecho de 14 km da BR-277 em Nova Laranjeiras (a 398 km de Curitiba) 32 acidentes no trecho entre janeiro e 16 de agosto 8 registros de saque no mesmo período CARGAS SAQUEADAS Carne congelada: 4 Madeira: 2 Cerveja: 1 Adubo químico: 1 NORMAS PENAIS RELATIVAS AOS ÍNDIOS Podem ser julgados, mas a Funai recomenda fazer um laudo para determinar o grau de entendimento do índio sobre a vida social brasileira ÍNDIOS SOB SUSPEITA Fotos Olho Aberto-PR Caminhão frigorífico tombado em trecho de rodovia próximo a Nova Laranjeiras (PR) Grupo de indígenas caminha em trecho da mesma rodovia Eles [os índios guarani e os caingangue da reserva] são extremamente agressivos quando estão aglomerados [nos saques]. A polícia não reage para evitar confronto ADRIANO CHOFI delegado da Polícia Civil Eles [os comerciantes de Nova Laranjeiras] até transportam os índios [ao local do acidente] SEBASTIÃO TAVARES líder indígena, acrescentando que os comerciantes agem assim pelo interes- se na mercadoria saqueada

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abC8 cotidiano H H H Sábado, 18 dE agoSto dE 2012

filipe coutinhojohanna nublatnádia guerlendade brasília

Com duas mães e um pai.Foi assimqueAugustoGuar-dia, 19, cresceu.Agora, édes-se jeito que estará escrito emsua certidão de nascimento.Nesta semana, o Tribunal

de Justiça de SãoPaulo auto-rizouacrescentarnacertidãoo nome da advogada VivianMedina Guardia, 37, que ca-sou com o pai de Augustoquando ele tinha dois anos.Para especialistas, a deci-

são é histórica —é a primeiravez que um tribunal tem esseentendimento. O ineditismoestánofatodeonomedamãebiológica,mortatrêsdiasapóso parto, ter sidomantido.Ou seja, agora Augusto

tem, legalmente, duasmães,um pai e seis avós.“Sempre tratei minha ma-

drasta, ou mãe socioafetiva,como minha mãe mesmo.Quando eu era criança, eu fa-lavaquetinhaduasmães:umano céu e uma na terra”, diz oestudantededireitodeItu(SP).Desde a morte de Eloísa

Guardia, as três famílias (dopai, da mãe biológica e damãeafetiva)seuniram,fazen-do questãode criar omeninocom fotos e histórias de Eloí-sa. Por isso, a opção deman-ter todosos laçosnacertidão.“Para mim era muito sim-

plesentrarcomoprocessodeadoção, mas não era justocomafamíliadela”, contaVi-vian. Pela lei, na adoção, onome da mãe biológica ésubstituído pelo da adotiva.“Perdiminhamãeseisme-

sesdepoisdecasar.Aavóma-

Emdecisão inédita�, Justiçainclui nomedemadrasta nacertidão dena�scimento dejovem semexcluir o damãe,quemorreu três dias após o parto

mãesMINHAS DUAS

ternadeAugustomesocorriaem tudo o que eu precisava.Formamosessanova família.Hoje [ontem], quando dei anotícia da decisão, ela disse‘agora você consta no papel,e é minha filha também’.”A decisão do TJ-SP rever-

teu a sentença da primeira

instância, que reconheceu asituação, mas argumentounão haver espaço na lei paraa inscrição de duasmães.Para Maria Berenice Dias,

vice-presidente do IBDFAM(Instituto Brasileiro de Direi-todeFamília),adecisãotrans-portaparaodireitoumasitua-

ção real. “Se ele tem duasmães,nãotemporquenãoterosdoisregistroseosdireitos.”OadvogadoeprofessorFlá-

vioTartuce,diretordo institu-to emSãoPaulo, diz queade-cisãosupera“aescolhadeSo-fia”—emreferênciaaolivroemqueumamãe temdeescolherqual dos dois filhos salvar.“A jurisprudência escolhia

um ou outro. Agora não, sãoosdois:opaibiológicoeoafe-tivo.”Eledizqueoreconheci-mento da “multiparentalida-de”teráefeitosemtodasases-feras,masprincipalmenteemquestõesdeherançaepensão.Na única outra decisão se-

melhante de que se tem notí-cia, na primeira instância deRondônia, isso ocorreu. Emmarço,umajuízaincluiuopaibiológiconacertidão,ao ladodo pai afetivo, e determinouque ele pagasse pensão.

“ Quando euera criança, eufalava que tinhaduasmães: umanocéu eumana terraAugustoguArdiA, 19estudante de direito de Itu (SP)

Perdiminhamãeseismeses depoisde casar. A avómaternadeAugustome socorria em tudooque euprecisava.Formamos essanova famíliaViViAnMedinAguArdiA, 37advogada, madrasta de Augusto e queagora também é legalmente sua mãe

adriano Vizoni/Folhapress

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luiZ carloS da cruZCOlabOraÇÃO Para a FoLHA,de CasCaVel

Índios do interior do Para-ná são acusados de utilizarpedras e troncos para provo-car acidentes e, em seguida,saquear as mercadorias dosveículos.Osguaranieoscaingangue

atuam, de acordo com a po-lícia, emumarodovia federalquecruzaa reserva indígena,no oeste do Estado.As informações constam

de relatório da PRF (PolíciaRodoviária Federal) obtidopela Folha.Fotosdepedras sobcarros

acidentados foramanexadasao documento.Neste ano, a PRF registrou

32acidentesnaBR-277naáreada aldeia Rio das Cobras, emNovaLaranjeiras(a398kmdeCuritiba). Dos acidentes, oitoacabaramemsaques—meta-de de carne congelada.Os índios levaram ainda

cargas de cerveja, adubo emadeira, segundo a polícia.Depois de saqueadas, as

cargas sãovendidasacomer-ciantes locais, que estariamincentivando os crimes.A Polícia Civil indiciou

quatropequenos comercian-tes de Nova Laranjeiras porsuspeita de receptação deprodutos saqueados. Umde-les foi preso em flagrante,mas responde em liberdade.SebastiãoTavares, cacique

daaldeiade2.425habitantes,negaaacusaçãodequeos ín-dios provoquem acidentes,mas admite os saques (leiatexto ao lado).OdelegadodaPolíciaCivil

AdrianoChofidizqueapenas

a Polícia Federal pode atuaremáreas indígenas,masafir-maqueos índios terãode res-ponder à Justiça, caso os cri-mes sejam comprovados.“Eles são extremamente

agressivos quando estãoaglomerados [nos saques]. Apolícia não reage para evitarconfronto”, diz o delegado.Segundo a Funai (Funda-

çãoNacionaldo Índio), os ín-diospodemresponder crimi-nalmente por seus atos, masdeve ser observadoograudeentendimento que eles têmsobreavida social brasileira.O policial rodoviário fede-

ral Felix da Silva, responsá-vel pelo levantamento, dizqueaparticipaçãodos índiosemsaquesé“claraenotória”.

MORTESAreserva indígenaRiodas

Cobras, a maior do Paraná,fica no trecho da BR-277 en-tre Cascavel e Curitiba. Os 32acidentes registrados nos 14quilômetros que cortama re-serva resultaram em 24mor-tos e 17 feridos.Nomaisgrave, em12de ju-

nho, um caminhão atingiuuma van, matando 15 pesso-as. A carga de madeira esta-va recheada comquasemeiatoneladademaconhaefoisa-queada pelos índios.Com intermediação do ca-

cique, a Polícia Civil entrounaárea indígenae recuperoupartedadroga.Mas, deacor-do com a PRF, esse acidentenão foi provocado pelos ín-dios da região.Na manhã de anteontem,

um caminhão usado paratransportar alimentos friostombou na área indígena,mas estava vazio.

Índios sãoacusadosdeprovocar acidentespara saquear veículosSegundo a polícia, guaranis e cainganguesatuamem rodovia que cruza reserva no PR

COlabOraÇÃO Para a FoLHA

OcaciqueSebastiãoTavaresdisse,portelefone,quehámui-to tempoapolíciaacusaos ín-diosdeprovocaremacidentesna rodovia, mas que eles ne-gamequenãoháprovas.O cacique confirmou, no

entanto, quemembros da al-deia já retirarammercadoriasde caminhões acidentados.Eledissequecomerciantes

daregiãoavisamos índiosso-bre os acidentes porque “sa-bem que a polícia não podefazer nada [contra eles]”.“Eles até transportam os

índios [ao localdoacidente].”A presidente da Associa-

çãoComercialdeNovaLaran-jeiras, Marli Moretto, dissedesconhecer a prática.

OUTRO LADO

Caciquenegaatuar embatidasna rodovia

local doS SaqueSTrecho de 14 km da BR-277emNova Laranjeiras (a 398km de Curitiba)

32acidentes no trechoentre janeiro e 16 de agosto

8registros de saquenomesmo período

cargaS SaqueadaS– Carne congelada: 4– Madeira: 2– Cerveja: 1– Adubo químico: 1

norMaS penaiSrelatiVaS aoS ÍndioSPodem ser julgados, mas aFunai recomenda fazer umlaudo para determinar o graude entendimento do índiosobre a vida social brasileira

ÍndioS SobSUSPEIta

Fotos Olho aberto-Pr

caminhão frigorífico tombado em trecho de rodovia próximo a nova laranjeiras (pr)

grupo de indígenas caminha em trecho damesma rodovia

“ Eles [os índiosguarani e oscainganguedareserva] sãoextremamenteagressivos quandoestão aglomerados[nos saques]. Apolícia não reagepara evitarconfrontoAdriAnocHoFidelegado da Polícia Civil

“ Eles [oscomerciantes deNova Laranjeiras]até transportamosíndios [ao local doacidente]seBAstiÃo tAVAreslíder indígena, acrescentando que oscomerciantes agem assim pelo interes-se na mercadoria saqueada