Olhares sobre a Epilepsia

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Li Li Min Carolina Franco de Souza Toneloto Sueli Adestro (organizadores) ADCiência- Divulgação Científica Edição Digital

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Livro digital com histórias de pessoas que convivem com a epilepsia, e ilustrado com imagens participantes do 1o.Concurso Cultural 'Olhares sobre a Epilepsia' promovido pela ASPE (Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia). Editado pela ADCiência - Divulgação Científica.

Transcript of Olhares sobre a Epilepsia

Page 1: Olhares sobre a Epilepsia

Li Li Min

Carolina Franco de Souza Toneloto

Sueli Adestro

(organizadores)

ADCiência- Divulgação Científica

Edição Digital

Page 2: Olhares sobre a Epilepsia

Copyright © 2015, Li Li Min, Carolina Franco de Souza Toneloto, Sueli Adestro

Direitos Reservados. Os direitos de todos os textos e as fotos contidos neste livro eletrônico são

reservados a seus autores-organizadores, e estão registrados e protegidos pelas leis do direito

autoral. Esta é uma edição eletrônica (e-book) não comercial, que não pode ser vendida nem

comercializada em hipótese nenhuma, nem utilizada para quaisquer fins que envolvam interesse

monetário. Este exemplar de livro eletrônico pode ser duplicado em sua íntegra e sem

alterações, distribuído e compartilhado para usos não comerciais, entre pessoas ou instituições

sem fins lucrativos, sendo preservada obrigatoriamente sua referência bibliográfica.

Carolina Franco de Souza Toneloto

Sueli Adestro

Editores Responsáveis

Dados Catalográficos

______________________________________________________________________

O42 Olhares sobre a Epilepsia/ Organizadores Li Li Min, Carolina Franco de

Souza Toneloto, Sueli Adestro. - Campinas: ADCiência Divulgação

Científica, 2015

75 p.

Modo de acesso:http://issuu.com/adciencia

ISBN: 978-85-69736-00-4

1. Epilepsia 2. Narrativa I. Li, Li Min. II. Toneloto, Carolina

Franco de Souza. III. Adestro, Sueli. VI. Título

CDU 82-9

_____________________________________________________________________

ADCiência – Divulgação Científica – Edição Digital

https://www.facebook.com/adciencia.adc

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Índice

Autores e Colaboradores 4

Apresentação- por Dr. Li Li Min 6

A história de Daniel- por Joberto e Érica Yoshida de Freitas 8

A Carta de Carolina- por Carolina Correia 22

Minha convivência com a Epilepsia- por Nívia Colin 27

Amor: a essência da cura- por Clarinda Lima 32

A história de Arlen- por Ellen Aparecida da Silva 36

A história de Marcela e Milena- por Rosemari Coradin 42

Nota dos Organizadores 49

Page 4: Olhares sobre a Epilepsia

Autores e Colaboradores

Textos:

Joberto e Érica Yoshida de Freitas

Carolina Correia

Nívia Colin

Clarinda Lima

Ellen Aparecida da Silva

Rosemari Coradin

Imagens Participantes do 1º. Concurso Fotográfico ‘Olhares sobre a Epilepsia’:

Daniela Bertuol

Nayene Eid

Sandra Leal

Priscilla Ferreira Viana Carbone

Lúcia Helena Reily

Eduardo Caminada

Laura Reily

Diogo Donadon

Lilia Donadon

Tiago Soares

Daniel Alvarenga

Emília Reily

Adilson Gonçalves

Renata Teixeira

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Título: No meio de muitos somos apenas um... Mas somos o todo formado por cada

um.

Autora: Daniela Bertuol

1ª Colocada no 1º Concurso Fotográfico ‘Olhares sobre a Epilepsia’- eleita pelo Voto

do Público.

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Apresentação

Temos o grande prazer em propor o mais novo projeto “Olhares sobre a Epilepsia”, um

espaço coletivo de construção na internet sobre como a sociedade enxerga a epilepsia.

Entendemos que os olhares são diversos e interpretados de formas diferentes. Tendo

isso em mente escolhemos o formato de crônicas no espaço virtual, intercaladas com as

imagens participantes do 1º. Concurso Fotográfico ‘Olhares sobre a Epilepsia’, para que

as pessoas registrem em compartilhem a sua vivencia com a epilepsia nas suas mais

diversas situações.

Esse caleidoscópio de histórias mostrará a multidimensionalidade da epilepsia,

perpassando os conceitos científicos para alcançar a sociedade de forma imersiva,

participativa e sobretudo provocativa.

Li Li Min

Embaixador da Epilepsia da International League Against Epilepsy e International

Bureau for Epilepsy

Professor titular do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP)

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Título: Identidade às claras

Autora: Nayene Eid

1ª. Colocada no 1º Concurso Fotográfico ‘Olhares sobre a Epilepsia’ –eleita pela

Comissão Julgadora.

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Título: Olhar a vida sem preconceito

Autora: Sandra Leal

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A história de Daniel

Por Érica Yoshida de Freitas e Joberto Veloso de Freitas

Imagem: Daniel junto de seus pais, Joberto e Érica (Acervo dos autores).

2007 – “Você já ouviu falar em Malformação Arteriovenosa Cerebral (MAV)?”.

Daniel Yoshida de Freitas nasceu no dia 09/09/1999, uma data considerada especial. Ele

sempre foi uma criança muito tranquila e inteligente. Aprendeu a ler sozinho aos cinco

anos de idade, durante nossas férias em Manaus, e sempre se destacou na escola. Nunca

teve nenhum problema de saúde, muito pelo contrário, foi uma criança sem

“antibióticos” ou outros remédios. Mas nossa estória de luta começa com uma doença

que poucos conhecem, a Malformação Arteriovenosa Cerebral (MAV).

No dia 23 de agosto de 2007 recebi um telefonema da escola pedindo que eu fosse

buscar o Daniel, porque ele não estava se sentindo bem. Quando cheguei à escola ele

estava dormindo e antes de entrar no carro vomitou um pouco. A única coisa que eu

conseguia pensar era que se tratava de garganta inflamada ou uma virose.

Daniel passou a tarde inteira dormindo e eu comecei a achar que algo estava errado. Ele

acordou bem, só com um pouco de enjoo. A dor de cabeça não era algo que chamava

atenção até aquele momento. Passamos a noite bem, mas logo pela manhã, antes mesmo

de se levantar, vomitou novamente na cama e decidimos levá-lo ao hospital. A partir

deste momento começou a reclamar de dor de cabeça. No hospital ele foi medicado e

ficamos em observação. Percebi que Daniel dormia bastante e quando acordava

continuava a reclamar de dor de cabeça. Comecei a ficar preocupada com esta dor de

cabeça que não passava.

No final da tarde eu comecei a insistir com os médicos para que fizessem algum exame

de imagem. Mesmo relutante, o médico decidiu nos encaminhar para uma tomografia.

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Enquanto o resultado não saía, houve troca de plantão e passamos a ser atendidos por

uma outra médica.

Os resultados estavam demorando demais e resolvi procurar a médica. Ela me recebeu e

pediu para eu sentar. Disse que tinham achado algo na tomografia cerebral do Daniel e

que se tratava de uma “massa”. Eu imediatamente pensei num tumor cerebral. A médica

perguntou se eu acreditava em Deus e me disse que já tinha solicitado a presença de um

neurologista. Saí da sala dela em prantos e totalmente sem chão. Hoje entendo muito

bem o que esta expressão quer dizer. Voltei para a enfermaria e comuniquei ao meu

marido que haviam achado algo no exame. A espera pelo neurologista foi sem fim.

Transferiram-nos para um quarto e Daniel continuava a dormir bastante e quando

acordava reclamava muito de dor de cabeça.

Quando o neurologista chegou ele nos disse que não se tratava de uma “massa” e sim de

sangue.Até o momento eu e meu marido ainda não tínhamos pensado em AVC

hemorrágico. Daniel precisava urgentemente fazer uma ressonância magnética. Como

no hospital em que estávamos não tinha este exame fomos de ambulância para o

hospital ao lado. Este neurologista entrou em contato com um neurocirurgião que logo

chegou para acompanhar a ressonância magnética que seria feita. Daniel conseguia

andar, mas a dor de cabeça era tão forte que logo ele pediu para deitar. Assim que saiu

o resultado da ressonância ficamos conhecendo uma nova palavra. O médico nos

informou que a tal “massa” era na verdade um sangramento causado por uma MAV

(Malformação Arteriovenosa Cerebral). Ele nos informou que, pela localização da

MAV, ela poderia ser retirada por meio de microcirurgia mas que Daniel precisava ser

internado numa UTI urgentemente.

Descobrimos que nosso plano de saúde não cobria o hospital em que estávamos e meu

marido começou a preencher cheques e mais cheques para que Daniel fosse logo

internado na UTI deste hospital. Durante aquela noite Daniel reclamou muito de dor de

cabeça, seus batimentos cardíacos estavam fracos, às vezes chegava a 50 ou até mesmo

40 e a máquina disparava a todo momento. Hoje eu paro e penso se não estava perdendo

meu filho naquelas horas. Ele começou a chorar de dor e eu corri para a enfermeira, que

decidiu aplicar morfina. Foram várias aplicações. Foi um final de semana de muito

sofrimento para ele, pois a dor de cabeça não passava. Ele pedia para que eu ficasse com

a mão na testa dele e lá minha mão permanecia por muito tempo.

Nós nunca tínhamos ouvido falar em MAV e começamos a pesquisar na internet até que

desistimos, pois os casos que encontrávamos eram horrorosos e em nada se

comparavam à situação vivida por Daniel, que tinha um grande AVC hemorrágico

frontal direito mas estava consciente e relativamente bem. Descobrir o que poderia ter

acontecido com nosso filho foi assustador. Deixamos de lado as pesquisas na internet e

decidimos concentrar em nosso Daniel.

O dia da internação foi uma sexta-feira e na segunda Daniel teria que fazer uma

angiorressonância cerebral, um exame invasivo e de riscos. Um cateter entraria pela

veia principal da perna e seguiria em direção ao cérebro. Quando estivesse lá, os

médicos aplicariam um contraste para evidenciar a malformação. Foram momentos

angustiantes até o término do exame. Daniel vomitou um pouco e teve que passar pelo

menos quatro horas com a perna (onde o cateter tinha entrado) imobilizada.

O médico confirmou que se tratava de uma MAV de grau 2 ou 3, de cerca de 3,5 cm de

diâmetro. Disse que a localização era um pouco diferente da que ele tinha imaginado, a

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MAV estava localizada entre os dois hemisférios, um pouco mais adentro. A equipe

médica, envolvida no tratamento, tinha planos de operar o Daniel no sábado seguinte

mas depois mudou de ideia e decidiu esperar mais um pouco, até que o sangue fosse

absorvido pelo organismo, já que Daniel estava aparentemente bem. Após os primeiros

dias, que foram de muita dor de cabeça, Daniel já se alimentava bem, adorava a gelatina

do hospital e ganhou o apelido de “menino gelatina”. Começou também a jogar o

Nitendo DSI do seu primo Kenji.

Passamos 14 dias da UTI e mais 14 dias no apartamento.Os exames posteriores

mostravam que o sangue estava sendo absorvido pelo organismo. Também ficamos

sabendo que após o primeiro AVC as chances de ter outro eram maiores. Daniel

comemorou o aniversário de 8 anos de idade no hospital e recebeu visita de parentes e

amigos.

Em setembro recebemos alta do hospital e voltamos para casa. Daniel passou a ter aulas

em casa com as professoras Paola e Lili. Agradecemos o colégio Arvense por todo

apoio dado naquele momento tão difícil. Obrigada Márcia e Margareth, sem a ajuda de

vocês o Daniel teria perdido o ano letivo.

Após muitas negociações com o plano de saúde, a situação com o hospital foi

regularizada e pudemos retirar os cheques assinados na noite da internação. Aqui não

podemos deixar de agradecer Juciney Ribeiro Yoshida e Joseliza Freitas do Valle, avó e

tia de Daniel respectivamente, pelas negociações com o plano de saúde. Agradecemos

também a Socorro e Rosângela, funcionárias de nosso plano de saúde, que pela

compreensão e dedicação, tiraram muitas pedras de nossos caminhos.

Daniel sabia que teria que operar e nunca demonstrou medo algum. Pensávamos que era

por causa da sua tenra idade. Porém, com o tempo, fomos percebemos que se tratava de

um amadurecimento e aceitação surpreendentes. Daniel operou a primeira vez no dia 29

de outubro de 2007. A cirurgia durou quatro horas e ele saiu bem já respirando sozinho

e consciente. Ficamos dois dias na UTI e logo formos para o apartamento onde

permanecemos mais seis dias. Só mais tarde percebemos que não fazia parte do

protocolo da equipe médica realizar o exame de angiografia, logo após a cirurgia, para

confirmação da ressecção total da MAV.

Recebemos alta no dia 8 de novembro. Assim que chegamos em casa com Daniel eu

falei: “agora sim eu vou pesquisar tudo sobre MAV”, e realmente fiz isso. Li tudo o

que encontrei pela frente, em português e inglês, e para minha sorte também descobri

que não era a única no mundo a viver um drama como esse. Encontrei a comunidade

Sobreviventes da MAV (AVM Survivors). Quando entrei nesta comunidade eram

apenas uns 50 membros e agora ela conta com cerca de 6.500. Ao ler os artigos e

estórias sobre MAV crescia em mim uma gratidão por tudo que tinha acontecido, por

Daniel estar bem por ter operado, já estar em casa, e por não ter tido sequelas. A história

de Daniel está lá até hoje e pode ser acessada pelo link

http://www.avmsurvivors.org/profile/Daniel.

2008 – “Como assim operar de novo?”

Seis meses depois da primeira cirurgia, em abril de 2008, fomos fazer os primeiros

exames pós-operatórios (angiorressonância). Este exame foi um desafio para Daniel

pois ele tinha ficado traumatizado com agulhas no hospital. Ele mais uma vez se

mostrou forte e enfrentou seu medo. Os resultados mostraram que algo ainda restava, e

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para termos certeza do que se tratava foi realizado uma nova angiografia cerebral que

confirmou a existência ainda de 0,5 cm de MAV. Nosso mundo desabou mais uma vez.

Os riscos de novo AVC ainda estavam lá, uma bomba relógio dentro da cabeça de nosso

filho. Os conhecimentos adquiridos sobre a MAV agora só serviriam para aumentar

nossa angústia e preocupação.

Agora, diferentemente da primeira vez, teríamos que enfrentar tudo conhecendo de

perto os perigos deste “inimigo”. Levar Daniel à escola se tornou uma grande

preocupação, cada ligação que recebia da escola fazia meu coração disparar. Um dia,

ligaram dizendo que Daniel estava com muita dor de cabeça. Eu saí correndo e não

conseguia pensar em outra coisa a não ser um novo AVC. Dirigi pelas ruas de Brasília

como uma louca até chegar com ele ao hospital. Tudo só se acalmou depois do

resultado de uma tomografia que mostrou que não se tratava de outro sangramento. A

vida era de sobressaltos, de orações e exigia um equilíbrio enorme que eu não possuía.

Os médicos da primeira cirurgia inicialmente afirmaram que não seria necessário uma

segunda operação pois a MAV poderia ser embolizada. A embolização é um processo

feito para obstruir e ressecar a MAV. Um cateter é introduzido pela coxa, até o cérebro

e, quando alcançasse a malformação, um líquido seria introduzido na MAV. Ainda

chegamos a consultar um médico que nos afirmou que o resto da MAV poderia ser

embolizado. Os médicos ainda nos indicaram o nome do Dr. R. L. P. para podermos

tirar de vez a dúvida sobre a possibilidade de embolização da MAV. Na opinião do Dr.

R., a MAV do Daniel não podia ser embolizada. O que aconteceu consequentemente foi

que perdemos a confiança na equipe da primeira cirurgia.

Nesta mesma época ficamos sabendo do Dr. A.A.S., de Belo Horizonte, um especialista

em cirurgias de MAV. Dr.A. também achou que não daria para embolizar a MAV e

confirmou o nome do Dr. R. como um especialista em embolização de MAV. Além

disso, ele nos aconselhou a buscar opinião de outros cirurgiões com experiência em

MAV e, verificando que nosso endereço era de Brasília, ele nos indicou o Dr. V.C., do

Instituto Neurológico de Goiânia. Ele disse: “Vocês moram em Brasília, e para vocês é

mais fácil operar em Goiânia. Procurem o Dr. V.”. Meu marido foi até Goiânia para

conversar com ele. A consulta foi muito esclarecedora e positiva, pois Dr. V., assim

como Dr. A. também acreditava que outra cirurgia seria o melhor e que Daniel poderia

ficar livre da MAV desta vez. Dr. V. ainda pediu a opinião de seu filho sobre a

possibilidade de embolização da MAV e mais uma vez essa possibilidade foi

descartada. Dr.A. também sugeriu consultarmos o Dr. E.O., de São Paulo. Ele também

aconselhou fazer nova cirurgia.

Optamos por realizar a cirurgia com o Dr. A. no Hospital Life Center em Belo

Horizonte. Na semana da cirurgia, o Dr. A. nos acalmou, dizendo que tinha plena

confiança que poderia realizar a cirurgia com sucesso e nos informou que usaria um

aparelho chamado neuronavegador, o que aumentaria a segurança e as chances de

sucesso da cirurgia. O plano de saúde mais uma vez cobriu os custos e inclusive o

neuronavegador. Temos que confessar que, até aquele momento, nós não tínhamos

muita noção que nosso filho estava nas mãos de um dos mais renomados especialistas

em cirurgia de MAV. Fiquei preocupada com o fato de não poder ficar ao lado do

Daniel na UTI mas Dr. A. falou que faria uma exceção e meu coração de mãe ficou

muito agradecido.

Expliquei para Daniel que ele teria que operar novamente, que um pedacinho da “veia

ruim” ainda estava lá dentro e ele ouviu atenciosamente sem nada dizer. A segunda

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cirurgia ocorreu no dia 4 de julho de 2008 e novamente durou cerca de quatro horas. Dr.

A. saiu da cirurgia fazendo o sinal de positivo com as duas mãos e um sorriso no rosto.

Nos falou que tudo tinha corrido bem e que tinha certeza que a MAV tinha sido

completamente retirada. Daniel saiu bem novamente da cirurgia e ficamos apenas um

dia na UTI. Desta vez fazia parte do protocolo da equipe médica realizar o exame de

angiografia antes de dar alta ao paciente. O médico me disse: “minha filha, seu filho só

sai daqui curado!” Mais uma vez aquele exame invasivo para confirmar ou não a total

retirada da MAV. A angústia chegava novamente em nossos corações. O médico voltou

pelo corredor mais uma vez comemorando conosco o resultado. Não havia mais sinal de

MAV.

Dr. A. solicitou que retornássemos em um ano para novos exames. Ele comentou que é

uma coisa muito rara mas que a MAV pode crescer novamente. Mesmo assim nos

encorajou dizendo que, pelas características da MAV de Daniel, ele não achava que era

do tipo que crescia.

2009 - “Voltando à normalidade, por pouco tempo”.

Iniciamos o ano de 2009 felizes já que tudo tinha passado e voltávamos novamente à

normalidade. Em julho deste ano fomos para Belo Horizonte, como solicitado pelo Dr.

A., para os exames de um ano após segunda cirurgia. A ressonância magnética foi

realizada com contraste e não mostrou sinais de MAV, apenas uma grande gliose frontal

direita. Ficamos muito felizes quando Dr. A. nos disse para voltarmos somente depois

de cinco anos, ou seja, ele só queria nos ver novamente em 2014! Como assim? Vou

poder esquecer esse assunto por cinco anos? Perguntei a ele e ele me respondeu: “Se

Deus quiser pela vida toda, minha filha”. Voltamos pra Brasília radiantes, enfim, um

fôlego novo.

Como já disse Daniel nasceu no dia 09 de setembro e no dia 09/09/2009, dia do seu

aniversário de 10 anos, ele acordou cedo e foi para o nosso quarto. Eu estava me

aprontando para o trabalho e ele me pergunta: - Mãe, posso faltar aula hoje? É meu

aniversário... Mal ele terminou de falar eu percebi que seu rosto começou a virar para o

lado esquerdo, virou totalmente e os olhos ficaram com um olhar fixo e com

movimentos involuntários. Na mesma hora eu soube que se tratava de uma crise

convulsiva. Liguei para o Dr. A. e, como ele estava em cirurgia, uma moça atendeu seu

telefone, percebi que ele não desligava o celular mesmo durante as cirurgias. Eu

expliquei o que tinha acontecido e, por meio de sua atendente, Dr. A. nos disse para

procurar um médico urgentemente pois Daniel precisaria iniciar com a medicação T. no

mesmo dia. Foi uma verdadeira loucura achar um neurologista nas emergências dos

hospitais, até que consegui convencer uma médica a falar com o Dr. A. pelo telefone e

ela aceitou, só assim ela prescreveu o remédio que Daniel precisava tomar.

2010 – “O caso é um pouco mais complicadinho (epilepsia de difícil controle)”.

O T. fez efeito por uns seis meses mas logo percebemos um tipo de crise diferente, que

apelidamos de “piscadinhas”. Daniel, principalmente ao acordar, balançava a cabeça

para frente, como se tivesse “pescando” de sono ou tomando um pequeno susto. Depois

descobrimos que eram crises mioclônicas. Ele também tinha crises de ausências de vez

em quando, que duravam segundos as eram plenamente perceptíveis para Daniel.

Com o início desses episódios foi prescrito outro remédio, o D.As crises melhoraram

um pouco mas com o passar do tempo, percebemos que ele também não controlava as

Page 14: Olhares sobre a Epilepsia

crises 100%. “O caso é um pouco mais complicado”, foi o que escutamos dos médicos

que tomavam conta de Daniel.

2011 – “A culpa é da gliose”.

No início de 2011 foi feita a retirada do T. e Daniel passaria a tomar somente D.Quatro

dias depois da retirada completa do T., numa madrugada, Daniel teve uma crise mais

forte e os médicos decidiram introduzir o L.No entanto, as crises continuavam

acontecendo diariamente. As crises eram pequenas e na maioria das vezes

imperceptíveis para nós que estávamos ao seu lado. No entanto, Daniel contava quantas

crises tinha tido por dia. Percebemos assim que Daniel tinha crises e não perdia a

consciência. Foi difícil convencer alguns médicos de que Daniel não perdia a

consciência durante as crises. Em determinado momento nos foi orientado que não

ligássemos para as crises, como se Daniel estivesse inventando. Confesso que como

mãe fiquei chateada com esta orientação porque conhecia muito bem a personalidade de

meu filho e sei que ele não mente.

Em abril daquele ano foi solicitada uma ressonância magnética para descartar outras

causas da epilepsia de difícil controle. Um exame que nós só esperávamos fazer em

2014 foi solicitado em 2011 (ressonância magnética). Os resultados foram os mesmos

de 2009, nada de MAV apenas uma imensa área frontal direita ressecada e a gliose. Ao

mostrarmos o exame para os médicos que acompanhavam Daniel eles ficaram

admirados com o tamanho da ressecção e para todos ficou claro que o caso da MAV

tinha sido muito grave. Entretanto também ficou evidente que Daniel estava muito

bem, considerando tudo que havia passado. Em outras palavras, as pequenas crises eram

uma sequela de tudo que ele tinha passado e uma coisa muito pequena perto do perigo

que ele tinha vivenciado. Eu nunca gostei dessa afirmação. Sabia dos perigos que meu

filho tinha passado mas não estava feliz e nem conformada com as crises sem controle.

Resolvemos mostrar a ressonância magnética para outros médicos, inclusive para o Dr.

A.Na opinião dele as crises se originavam da gliose e que esta, por sua vez, pode ter

sido formava pelo AVC ou pelas duas manipulações cirúrgicas. Ele nos encorajou a

operar Daniel novamente dizendo que a retirada da gliose, que é um tipo de lesão, daria

uma grande chance para Daniel se livrar das crises.

Saí da consulta desesperada: “Como assim operar de novo? Quem opera a cabeça três

vezes? Isso é loucura! Não é possível que não tenha remédio que controle isso!” O que

nos deixava mais angustiados era porque a opinião tinha sido do Dr. A., um médico que

aprendemos a amar e respeitar. Voltamos para Brasília e comunicamos essa decisão

para os médicos que acompanhavam Daniel e eles não concordaram que o caso era

cirúrgico. Disseram que os remédios conseguiriam controlar as crises. Confesso que

fiquei aliviada, novamente reacendeu em mim a esperança que isso fosse acontecer.

2012 – “Inoperável”.

Daniel enfrentava problemas com a escola, dificuldades para acordar cedo, dores de

cabeça, necessidade de dormir à tarde, etc. A escola que Daniel frequentava na época

não foi solidária, os professores começaram a reclamar do desempenho dele sem, no

mínimo, levar em consideração sua condição e os dois remédios controlados que

tomava. Em outubro de 2012, já no final do sofrido ano letivo, decidi trocar Daniel de

escola, mesmo contra a vontade de muitos. Meu instinto materno sempre falou alto e,

graças a Deus, sempre tive muita garra para segui-lo. Matriculei Daniel no colégio

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Maurício Salles de Mello e nesta escola fomos recebidos com muito carinho por todos

os professores, coordenadores, alunos e auxiliares. Agradecemos aos irmãos Alcides e

Airton do Help Reforço Escolar por sempre acreditaram no potencial de Daniel.

Pesquisando na internet descobrimos um exame chamado vídeo eletroencefalograma.

Infelizmente em Brasília esse exame só era feito particular e custava em torno de R$ 15

mil reais. Pelo nosso plano de saúde teríamos que ir para Curitiba/PR no Hospital

P.P.Fizemos o exame em novembro de 2012, foram 48 horas de internação e quatro

crises foram registradas. O laudo médico apontou a existências de crises generalizadas

(ausências e mioclonias) e concluiu que, portanto, o caso era inoperável. Voltamos para

Brasília com este laudo e a equipe médica não o questionou e aceitou que o caso do

Daniel era inoperável. Uma das opções oferecida foi introduzir o remédio K. Eu já

conhecia essa medicação por meio do grupo “avmsurvivors” e não gostava nada dos

seus efeitos colaterais, além do fato de que teríamos que entrar na justiça para adquirir o

remédio de graça pois seu custo é altíssimo e ainda teríamos que enfrentar a ansiedade

de nosso filho estar tomando um remédio importado.

Tivemos umas férias de final de ano em Manaus cheia de crises. Daniel foi ao cinema

com o primo e quando fui buscá-lo, dentro da sala ainda, vi metade da sua pipoca no

chão. Ele tinha tido uma crise.

2013 – “Totalmente operável e fácil de resolver”.

Em janeiro de 2013, ainda de férias em Manaus, marquei um encontro com algumas

amigas: minha cunhada Joseliza Lázara e Dilma Lim. A conversa acabou sendo sobre a

saúde de Daniel. Dilma comentou que tem um amigo médico neurologista, pedi então

que ela perguntasse a esse médico se ele conhecia no Brasil algum especialista em

epilepsia. Um belo dia Dilma me dá um nome “Dra. V.M.T.Y.” em São Paulo. Logo

que pude, eu fui procurá-la. Ela ficou duas horas comigo em seu consultório, suas

explicações e anamnese duraram quase uma hora. Ela me explicou como são as crises,

dependendo de onde elas partes do cérebro. Somente depois dessas explicações ela

pediu para que eu começasse a contar a estória de Daniel. Comecei nossa estória desde

agosto de 2007 até os dias atuais. Ela ouviu tudo atenciosamente, sem falar nada, até

que em determinado momento eu mostrei a ressonância magnética realizada em 2011.

Ao colocar a vista sobre a ressonância ela deu um sobressalto e disse: “Minha filha, o

caso do seu filho é cirúrgico e graças a Deus que é cirúrgico! A área é totalmente

acessível, operável e fácil de resolver.” Não contive a emoção do momento. Já tinha

aprendido que o fato de ser cirúrgico era uma oportunidade de cura. Ela continuou a

consulta me encorajando e falando coisas positivas. Ao final, ela ainda pediu à

secretária que me desse o contato de outras mães cujos filhos tinham feito este tipo de

cirurgia e estavam bem.

Em seguida a Dra. V. olhou o laudo e o traçado do vídeo eletroencefalograma. Na

mesma hora ela discordou completamente do laudo de Curitiba, dizendo: - Isso não é

possível! Minha filha, você mesma vai ler o exame do seu filho. Rapidamente ela

desenhou uma cabeça, dividiu em quadrantes, explicou a questão de direito e esquerdo,

de números ímpares e pares e pediu para que eu mesma lesse o traçado do eletro do meu

filho. Ela: “Minha filha, agora você mesma me diz de onde você acha que estão vindo

as crises do seu filho.” Eu apontei o dedo para o papel e ela disse: “Isso mesmo! As

crises dele estão vindo do lobo frontal direito, dá área que ele operou! E esse laudo aqui

está errado. Onde estão as imagens? O vídeo?” Expliquei pra ela que o HPP não tinha

Page 16: Olhares sobre a Epilepsia

disponibilizado mas que eu poderia solicitar. Pra minha surpresa, ao entrar em contato

com a equipe do HPP, eu fiquei sabendo que eles tinham deletado o vídeo, que era

procedimento normal do hospital deletar as cenas filmadas. Foi um choque para todos

saber disso. Daniel precisaria repetir o exame. A essa altura do campeonato tínhamos

decidido operar Daniel em São Paulo com um médico indicado pela Dra. E. Porém,

antes de seguirmos adiante com as negociações com o plano de saúde, meu marido

decidiu novamente pediu a opinião do Dr. A., afinal de contas ele, desde o início, tinha

acertado em todas as avaliações realizadas.

Em Belo Horizonte ele mais uma vez disse que o caso era realmente cirúrgico, que

estávamos perdendo tempo, que as chances eram boas e novamente nos indicou o

I.N.G, que é uma referência nacional em cirurgia de epilepsia, com quase três mil

pacientes operados. Ele nos deu o nome do Dr. L.F.M. Em minhas pesquisas vi que o

ING realizava essa cirurgia pelo SUS há uns vinte anos. Imediatamente tirei a

carteirinha do SUS para Daniel e marcamos a consulta com o Dr. L. Tinha planos de no

meio da consulta perguntar como poderíamos fazer a cirurgia pelo SUS. Nem foi

preciso pois ele mesmo nos deu a dica. Precisávamos então de um médico do SUS para

assinar a papelada e eu não tinha esse médico. Um dia, já sem saber o que fazer, eu me

lembrei da primeira equipe de médicos que operou Daniel. Liguei para o Dr. M. F. M.,

de Brasília, que se prontificou a ajudar com toda documentação do SUS. Demos

entrada no processo do Daniel pelo SUS no dia cinco de maio de 2013. Sabia que era

um processo demorado mas resolvi acompanhar de perto. Corri nos locais onde o

processo estava e sempre encontrei pessoas maravilhosas que nos ajudaram. Aqui vai

meu agradecimento especial para Ana Paula, Vinícius, Nathan e Dra. F.M. da Secretaria

de Saúde do Distrito Federal. Um processo de cirurgia de epilepsia pelo SUS leva mais

de um ano para que o paciente seja encaminhado para aos exames, em seis meses

conseguimos não só fazer os exames como também operar Daniel. Neste momento não

podemos deixar de agradecer a A.A. do ING.

No I.N. de Goiânia os exames foram refeitos, para avaliação da equipe deles: vido

eletroencefalograma, ressonância magnética e testes psicológicos. A psicóloga ficou

impressionada como Daniel, mesmo sem ter boa parte do lobo frontal direito, conseguia

realizar normalmente atividades que exigiam essa área do cérebro. Na opinião dela o

lado esquerdo havia compensado a perda do direito.

Daniel agora tinha 14 anos e não poderíamos operá-lo sem que ele quisesse, jamais

teríamos coragem de fazer isso. Um belo dia, aproveitando um momento de

descontração, perguntei a Daniel se ele aceitaria operar de novo para tentar se livrar das

crises e ele respondeu: “Na hora, mãe.” Escondi a emoção. Explicamos que três coisas

poderiam acontecer com a cirurgia: 1) As crises não desapareceriam mas ficariam

menos frequentes e ele teria que tomar remédios a vida inteira; 2) Os remédios

passariam a controlar as crises mas ele teria que tomar remédios o resto da vida; 3) As

crises desapareceriam, o eletroencefalograma ficaria normal com o tempo e em poucos

anos ele poderia parar de tomar os remédios. Daniel disse: “Não tem problema, já estou

acostumado a tomar o remédio mesmo.” Mais uma vez ele nos ensinava a ter forças e a

enfrentar tudo de frente.

Em 2013 Daniel perdeu o segundo bimestre na escola por causa de crises mioclônicas

nos olhos. Elas eram involuntárias e ele nem sequer as percebia. Ele também perdeu boa

parte do quarto bimestre por causa da cirurgia. Desta vez queremos expressar nossos

agradecimentos ao Colégio Maurício Salles de Mello que esteve conosco em todos os

Page 17: Olhares sobre a Epilepsia

17

momentos. Nosso obrigado a Nina Rosa D. Campedeli e Olinda Parente Cabral pelos

telefonemas carinhosos. Obrigado professora Míriam Rosângela de S. Félix, professor

Carlos Henrique S. de Santana e todos os demais professores e auxiliares que nos

apoiaram nesta luta. Todos contribuíram para que Daniel não perdesse o ano letivo, o

que pra ele seria uma penalização extra, depois de tanto sofrimento. Agradecemos

também aos amigos de sala de Daniel pelos cartazes cheios de palavras amorosas e de

incentivo. Daniel dizia: “Mãe, isso me dá muita força, saber que tem muita gente

torcendo por mim. Obrigado a todos pela recepção calorosa que Daniel teve quando

retornou à escola depois da cirurgia.

Daniel foi operado no dia 2 de outubro de 2013. Na manhã da cirurgia ele acordou bem

e alegre, como sempre. Na hora de subir na maca o fez com um pulo maroto. Na hora de

seguir para a sala foi com um sorriso exemplar. Ao entrar com a maca na sala de

cirurgia, ele fez o sinal de “V” de vitória mas vimos seus olhos marejarem. “Como

nosso filho é corajoso, precisamos ser os pais corajosos que ele merece”, pensamos.

Na hora da cirurgia ficamos sabendo que o Dr. L.F.M. havia convidado o Dr. V.C. para

participar da cirurgia. Sim, o mesmo Dr. V. de 2008. Assim que meu marido o viu

correu pra falar com ele fazendo-o lembrar do caso de Daniel. Ele disse: “É aquele

menino?” E eu falei: “É sim doutor, por favor tente resolver isso de vez.” Ele

calmamente respondeu: “Calma, eu estou indo lá, o L. já mandou me chamar.”

A terceira cirurgia durou cerca de três horas. Daniel saiu bem novamente, mas sua

recuperação desta vez foi mais difícil. Ele perdeu o apetite, emagreceu muito, ficou

fraco para andar e comer sozinho por alguns dias. Ainda no hospital, ele teve uma dor

de cabeça agonizante que precisaram correr com ele para fazer tomografia e verificar se

não era sangramento. Também teve uma semana de febre e precisou de

acompanhamento com infectologista. Não tínhamos vivido isso com ele nas outras

cirurgias, por isso foi muito difícil, pois parecia estar acontecendo algo diferente.

Quando o vi sair da UTI a primeira pergunta que fiz foi “teve piscadinha?” e ele

respondeu que não. Parecia um milagre, sem “piscadinhas” depois de quatro anos tendo

todos os dias. Aqui meu agradecimento especial para a minha amiga e irmã do coração

Creuza Lana cujo filho Gabriel operou um dia antes e ficou indo na UTI pra saber

notícias de Daniel para nós. Depois que Daniel saiu da UTI ficamos sabendo que ele

tinha ganhado o apelido de “príncipe da UTI”. Confesso que gosto mais do “menino

gelatina”.

Segundo os médicos que operaram o Daniel a área lesionada era visível a olho nu e a

cirurgia foi estruturalmente perfeita e eles tiraram toda a área lesionada.

2014 – “Voltando novamente à normalidade, com muita fé na vida”.

Em maio Daniel completará sete meses sem crises e nos primeiros exames pós-cirurgia,

realizados em abril de 2014, os resultados não poderiam ser melhores. O

eletroencefalograma mostra que praticamente não existem descargas elétricas. Os

médicos têm esperança que, com o tempo, o quadro melhore ainda mais e que um dia

Daniel possa ficar sem a medicação. Nesses anos todos uma das coisas que aprendemos,

a duras penas, foi sobre a humildade da cura e sobre tentar viver um dia de cada vez. A

fé esteve presente em todos os passos que demos, a fé nos planos de Deus em nossas

Page 18: Olhares sobre a Epilepsia

vidas pois só Ele sabe por quais provas devemos passar e traça o melhor caminho para

nossa evolução espiritual, que é o que realmente importa nesta vida.

Ninguém luta e ganha uma batalha sozinho, e nestes seis anos de provações

encontramos muitos anjos em nossas vidas. Não podemos deixar de agradecer a todos

os médicos que cuidaram de Daniel e nos ajudaram a tomar as melhores decisões para a

saúde dele: Dra. A.L., Dr. B.O.L., Dra. E.M.T.Y, Dr. L.F.M, Dr. M.F.M., Dr. P.D.R.,

Dr. R.C., Dr. S.E.M.L, Dr. V.C. e Dr. W.T.

Um agradecimento especial ao Dr. A.A.S., que foi nosso maior mentor. Desde que

entrou em nossas vidas, em 2008, ele sempre esteve ao nosso lado nesta luta. Sempre

mostrou colocar a saúde de seus pacientes em primeiro lugar, nos orientando com o

coração. Infelizmente o Dr. A. faleceu no dia 17 de novembro de 2013. Ele sempre

estará em nossas orações.

Agradecemos aos familiares e amigos que vieram nos visitar durante os vários períodos

de hospitalização de Daniel, em Brasília, Belo Horizonte e Goiânia: Jô, Jussara

(tidrinha), Jackson, Dalton, Fábio Akira e seus pais Yoriko e Yukio, Rejane Mouzinho

França, Nádia Ribeiro, Maiara e Gustavo Albernaz, Guilherme Gomide, Cláudia Rosa,

Ewandro e Noeli, Silvia, Jaqueline, Paulo, Luíza, Ana Paula, Maria do Carmo, Flávia,

Renato, Márcia, Belchior e Cecília, Larissa Karla e Élcio Schmitz. À nossa Cristina, por

sua compreensão, amor e apoio durante todo o tratamento do irmão Daniel. A todos os

amigos e familiares que ligaram, enviaram presentes, disseram palavras de conforto,

ofereceram orações e colocaram o nome do Daniel em missas e santuários. Foram tantas

as pessoas que manifestaram seu carinho que não poderíamos dar os nomes aqui sem

cometer injustiças mas com certeza eles se encontrarão nesta mensagem. Ao meu chefe

Marcelo Arguelles de Souza e seu substituto Luiz César Cunha Lima que não colocaram

nenhum empecilho para que eu me afastasse do trabalho. Ao grupo de oração que

participamos, que é carinhosamente conduzido pela minha querida amiga Gerlinda

Lyrio. Às minhas amigas do Mães da Epilepsia que acompanharam de perto e com

muito carinho a nossa caminhada rumo à terceira cirurgia.

Um agradecimento especial para minha irmã Elissa Yoshida de Castro, que parou a sua

vida para ficar conosco em Brasília por três meses em 2007, acompanhada de seu filho

Kenji. Nosso agradecimento especial também à minha mãe que nos acompanhou até

Goiânia e que cuidou de todos nós por mais de um mês.

Desejamos que todas as mães e pais que lutam pela saúde de seus filhos cresçam em

força e fé para enfrentar esta missão. Que as mães sigam sempre os anseios de seus

corações, acreditando que estes nunca erram pois agem com uma força poderosa, que é

o amor materno.

Daniel continua a ser o nosso menino doce, inteligente e educado. Um cinéfilo de

carteirinha, colecionador de filmes e trilhas sonoras originais, fã de Hans Zimmer,

Christopher Nolan, Gore Verbinski, Stan Lee e Benedict Cumberbatch. Sabemos que a

trajetória dele até aqui foi de muita luta mas de muito sucesso também. Acreditamos

que nada é por acaso, aprendemos muito com nossa experiência e com certeza hoje

somos muito melhores. Quando Daniel estiver adulto e ler sobre tudo por que passou,

queremos que ele saiba que temos muito orgulho dele e que, para nós, ele é nosso Herói.

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Imagem: Daniel, em sua formatura de Nono Ano (Acervo dos autores)

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Título: Purple Day, Purple Way

Autora: Priscilla Ferreira Viana Carbone

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Título: Equilíbrio para a Serenidade

Autor: Daniel Alvarenga Fernandes

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A carta de Carolina

Por Carolina Correia

Imagem: “Meus irmãos,Nara,Pedro Paulo e eu” (Acervo da autora)

Olá!

Hoje decidi que seria um bom dia para escrever. Uma carta, a mim mesma e àqueles que

se sintam a vontade de continuar esta leitura.

Há alguns dias tenho pensado nas minhas experiências, nas minhas escolhas. Refazendo

minha vida com um olhar talvez curioso, pergunto-me, o que fiz, como uma criança à

sua mãe... Sei que, desde seu ventre, eu me desenvolvi, cresci e fui amada.

Percebi que minha vida foi permeada de sonhos: a vontade de não ser filha única,

receber meu dois irmãos mais novos. De partilhar com eles, com meus pais e amigos,

minhas viagens pela literatura.

Minha vida também se compôs por decisões, que sábias ou não, são as verdadeiras.

Parte da minha história como as de qualquer ser humano. Cada decisão me conduziu a

um sentido: programado, previsto, escalado – como muitas das decisões no meu

trabalho. Decisões, rápidas, impensadas, impulsivas, só depois me levaram à reflexão e,

em algumas outras situações, ao arrependimento e busca por reconciliação, ou pelo

silêncio.

Buscar ideais e a suavidade com os mais velhos, por sua sabedoria e firmeza. Com meus

professores, o saber, a técnica. O tempo passou e vários sonhos foram realizados,

daqueles que apenas Deus, com seus anjos e santos, poderiam nos explicar os porquês.

Page 23: Olhares sobre a Epilepsia

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Imagem: 51ª. turma de enfermagem - EERP-USP 2007 (Acervo da autora)

Hoje sou enfermeira e tenho a alegria de trabalhar com famílias, na saúde pública. Um

dos meus maiores sonhos realizados. Foi esse “jogo” que me construiu até aqui.

O conhecimento, as decisões, os incidentes, acidentes, tristezas, alegrias, festas e

surpresas, daquelas que não se tem controle. Recebi a feliz notícia que assinaria meu

contrato em uma prefeitura, que teria a possibilidade de escolher trabalhar com famílias.

Preparei com extrema felicidade cada passo da viagem.

Então, uma surpresa, que não estava nos meus planos nem previsões. Como uma luz se

apaga, e que acende horas depois, em um pronto-socorro. Recebi a notícia de que,

provavelmente, eu estaria manifestando a epilepsia, até ali, guardada. Notícia

confirmada por um dos meus melhores amigos.

O meu mundo se confunde: eu, que até então fui formada para o cuidado, cuidava,

precisaria aceitar cuidados dos meus amigos, dos novos amigos, do novo trabalho.

Enfrentamentos. Notícias. Minha habilitação para dirigir está bem guardada. Alguns

procedimentos no trabalho, também impedidos para minha proteção.

Precisei, e continuo a enfrentar a vontade de, como uma criança, pedir o colo de meu

pai, até que uma crise passe. A vontade de estar à sombra de minha mãe, que agradece,

faz comigo orações, caminha lado a lado. Querer estar com meus irmãos, cada um a seu

modo, por suas necessidades e habilidades me protegendo, com seu carinho vigilante e

companheiro. Colegas de trabalho me ajudam e cuidam como amigos, irmãos. Comigo,

impedem que uma crise seja motivo de pena, medo, ou julgamentos.

Volta-me à memória técnicas duras que tantas vezes usei com cada um dos que atendi

sem muito sentir: a hora certa, a dose certa, o medicamento certo, a via certa...Mas

também a alegria de hoje, poder revisar minha experiência, reconciliar- me com a minha

humanidade e sentar lado a lado, contar minha história e caminharmos. O abismo da

minha miséria humana grita ao abismo do Amor maior.

Ainda não sei se aquela carta de habilitação sairá da gaveta, ou quando. Descobri que,

agora, eu não preciso de muito, porque ainda tenho sonhos!

Até breve!

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Imagem: “Meus pais,Inês e Dougras” (Acervo da autora)

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Título: Turbilhão

Autora: Lúcia Helena Reily

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Título: Queda Livre

Autora: Emília Reily de Souza

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A minha convivência com a epilepsia

Por Nívia Colin

Imagem: “Eu e meu dengo, Felipe” (Acervo da autora)

A minha convivência com a epilepsia começou com o nascimento de Felipe , meu

segundo filho. Eu e meu marido, Maurício, programamos, digamos assim, a vinda dele

e assim como o primeiro foi também muito desejado. A diferença era que eu tinha

muito mais confiança durante a sua gravidez. E tudo se confirmou: era um bebê

saudável e tranquilo, isso o tornava muito mais fácil de lidar. Sem contar que já

tínhamos certa experiência colhida na primeira gravidez.

Suas questões básicas de saúde giravam em torno das doenças infantis: alergias de

respiração como renite, otite de repetição e gripes -, mas nunca apresentava febre, por

isso o meu termômetro com ele sempre foi o seu apetite.

Perto de completar sete anos, no Natal de 2009, demos de presente a ele uma cadelinha

linda da raça yorkshare. Três meses depois aconteceu um acidente na escola: um

amiguinho do Felipe caiu da balança, quebrou o fêmur. Ele o socorreu, e chamou a

professora. Dormiu rezando e muito impressionado dizendo: “Mamãe vamos rezar para

o Theo se recuperar logo!’’

Nesta mesma noite a Mel começou a latir muito de madrugada. Ao sair no corredor do

apartamento para saber porque ela latia, escutei um barulho no quarto do Fe - ele estava

se contorcendo e parecendo estar buscando ar, parecia estar sufocado: estava tendo uma

convulsão; para nós uma novidade desagradável. Era a primeira convulsão de Felipe,

nossa apresentação à epilepsia.

Page 28: Olhares sobre a Epilepsia

Sentir a epilepsia presenciando a crise no meu filho foi uma angústia inexplicável. A

respiração boca a boca, o susto, o desespero e o desconhecimento levaram meu esposo

às tentativas de fazê-lo recuperar a vida, que parecia naquele momento descontrolada de

maneira torturante. Levamo-lo ao hospital. Depois de devidamente atendido recuperou a

consciência e me perguntou: — “Mamãe, será que eu estou melhor que o Theozinho?”

Essa reação do Felipe me deixou a firme impressão que o fator emocional pode

desencadear uma crise epilética, mesmo que não seja a causa da epilepsia, mas que

provavelmente em muitos casos tem alguma relação no surgimento das crises. Depois

daquele dia o medo de que uma nova crise surgisse e ninguém estivesse perto para nos

alertar se fincou em nós, e deixamos a Mel dormir na cama com ele.

Confesso que os primeiros tempos foram dificílimos. A variedade de sentimentos

reforçados pela incerteza de ver o meu filhinho sendo ‘’adotado’’por uma doença tão

difícil - que não avisava o surgimento e que não apresentava nenhum pré-sintoma.

Fiquei deprimida. Maurício, meu marido, passou então a cuidar de duas pessoas: eu e

Felipe. Ainda hoje agradeço a Deus o grande herói que me deu como parceiro.

Algum tempo depois me recuperei e passei a ajudá-lo a pesquisar o máximo possível

sobre a epilepsia. A cobrar do Dr. V. uma solução mais rápida - tudo isso motivada

para livrar o nosso filho das crises. Aprendi muito, junto e sempre motivada pelo

Mauricio, sobre o funcionamento do cérebro e os detalhes de cada tipo de epilepsia;

memorizei e anotei cada passo que o tratamento dava.

As noites insones à espreita do surgimento de uma crise levaram a me acostumar com o

silêncio das madrugadas e com a noite negra das escuridões, mas a cada uma sem crise

era uma vitória sem comparação... O tratamento já teve muitas trocas de medicamentos,

muitas alergias, diversas internações, e a cada troca um eletroencefalograma para ver

se estava fazendo efeito no resultado POCS ( Ponta Onda Contínua do Sono), pois essa

é a sua epilepsia.

Hoje ele está há alguns anos sem crises, mas confesso que mesmo depois de todo

estudo e envolvimento com a síndrome epiléptica ainda hoje sinto enorme receio de vê-

lo como o vi naquela madrugada de 2010. Não é agradável e é sempre desanimador,

pois a crise epiléptica reaviva um problema de saúde que aparentava já não existia. Sei

que estou mais preparada – a novidade perdeu a cor –mas o amor continua mais forte e

isso me liga tanto ao desejo de nunca mais ver meu filho em crise convulsiva.

Tenho também um grupo no Facebook, MÃES DA EPILEPSIA, onde recebo as mães e

tento ajudá-las, amenizando osofrimento da notícia.

Atualizo a cada consulta do Felipe, porque a EPI me ensinou que cada caso é um caso,

que cada organismo reage de uma forma com cada medicação, e que a alimentação, as

horas de sono e controle de ansiedade e das emoções é muito importante para o controle

de crises.

Acho importante dizer que a INCLUSÃO é uma conquista. Devemos entender sempre

que cada caso é um caso, e eu daria a este conceito o nome de ADAPTAÇÃO: a escola

e a família precisam aprender a adaptar o estudo de acordo com as necessidades de cada

pessoa... nem menos... nem mais... E este limiar é muito tênue.

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Imagem: Nívia a Felipe na Grécia (Acervo da autora)

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Título: Olhar roxo do paciente com epilepsia

Autor: Eduardo Caminada Jr.

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Título: Procure sempre saber

Autor: Adilson Roberto Gonçalves

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Amor: a essência da cura

por Clarinda de Andrade Lima

Imagem: “Clarinda (eu), Ronix Deterson (meu esposo), Beatriz (minha filha) e Ronix Deterson II (meu

filho)” (Acervo da autora)

Tudo começou devido à falta de amor, de responsabilidade de pessoas que juraram

ajudar e salvar vidas e quase acabaram com a minha vida e de minha mãe,

negligenciando atendimento na hora do parto. Isso ocasionou uma falta de oxigenação

no cérebro, quase me levando a óbito.

Felizmente, hoje estou aqui para contar essa história. Apesar de ter sofrido inúmeras

convulsões e tomar G. durante 12 anos de minha vida. Agradeço a Deus por essa

oportunidade. Pois sei que poderia ter ficado com sequelas gravíssimas.

Lembro-me perfeitamente do cuidado e carinho de meus pais ao longo desses anos, que

foram essenciais para mim. Sempre evitei falar do problema para as pessoas e

principalmente em locais públicos, como a escola, devido ao medo que sentia das

reações das pessoas, que, aliás, em sua maioria me discriminava pelo fato de falar

devagar, deixando-me constrangida, evitando muitas vezes conversar.

E se soubessem da epilepsia, então? Algumas pessoas me evitavam quando ficavam

sabendo, parecendo até que eu tinha algo altamente contagioso. Isso me gerava uma

terrível insegurança e me limitava, achava que iria morrer a qualquer momento. Deixei

de realizar muitas coisas por me achar incapaz, todos eram melhores, mais inteligentes

que eu. Quantas vezes ouvi: "Fale mais rápido, ou cale a boca, sua lerda!" "Sua lesma,

retardada, você toma G., sua doida?!" Acreditei durante muito tempo nessas palavras.

Adquiri muitos medos, traumas. Limitei-me. Só não foi pior, porque tive pessoas que

me amavam incondicionalmente: meus pais. Lutaram muito por mim.

Page 33: Olhares sobre a Epilepsia

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Lembro-me de minha mãe, sempre dizendo: “tudo vai passar! Calma, Deus vai te

curar.” "Quando ficar nervosa, amasse um papel, molhe o rosto, especialmente a testa e

lembre-se de nós.” Era exatamente o que fazia. Como me ajudaram aquelas sábias

palavras! Naquelas horas o mundo ao redor podia dizer o contrário, mas eu acreditava

realmente naquelas poderosas palavras. Quantas vezes meu pai passou a maior parte da

noite acordado após um dia cansativo de trabalho para bater papo e jogar baralho, para

não me deixar dormir para realização do eletroencefalograma. Apesar de difícil tarefa

para ambos, admirava cada gesto, esforço e carinho do meu herói.

Certa vez, na segunda série, a professora mandou minha mãe buscar a APAE para me

matricular. Essa mesma professora me ridicularizou perante a sala de aula, aos gritos me

mandando falar mais rápido ou calar a boca, me chamando de ‘retardada’, ‘lerda’

.....Simplesmente por não ter paciência em me ouvir pedindo explicações sobre a

matéria não compreendida. Os alunos, de modo geral, davam gargalhadas, eu só

chorava e a professora falava, incessantemente: “chora, bocão!” Logicamente, após esse

episódio, eu me fechei ainda mais, não tirava mais minhas dúvidas, o que ocasionou em

reprovação do ano letivo, dificuldade durante anos em executar tarefas matemáticas,

achando-me incapaz de aprender.

Graças a Deus, após repetir a quinta série duas vezes, devido ao trauma, apareceu uma

professora que me disse o contrário: "Você é capaz e inteligente, compreendeu tudo, e é

só passar para o papel, está certíssimo!" Isso me curou, no mesmo instante. Ela ia até

minha carteira e tirava minhas dúvidas, assim como dos demais colegas.

Infelizmente, algumas pessoas achavam que eu não percebia bem as coisas e inúmeras

vezes tentaram abusar sexualmente de mim. Pobres coitados! Sempre soube me

defender, aliás, devido à bondade de Deus. Porque eu mesma não mostrava nenhuma

segurança. Apesar de ser uma criança e depois uma adolescente muito bonita, que

chamava atenção, sempre me sentia mais feia de todas, devido a apelidos maldosos,

puxões de cabelo, etc. por parte de colegas que, hoje entendo, na verdade, eram

invejosas. Pois eu tinha algo que poucos tinham e por isso, chamava atenção de muitos.

Dentre essas características: meiguice, educação e verdadeira como amiga. Isso era

muito "ameaçador", para alguns... (risos).

Quando tinha aproximadamente 5 anos, fiquei alguns dias internada, devido a

convulsões. A enfermeira que "cuidava" de mim fazia diversas maldades: dava-me

banho embaixo da torneira fria do banheiro logo pela manhã, servia-me leite frio e sem

açúcar, perguntava-me se não comia algo para me oferecer exatamente o que falei não

gostar... Antes do horário de visita sempre mandava não comentar com meus pais, senão

seria pior. Quando meus pais iam me visitar, ela não desgrudava, ficava atenta, e ao

saírem,

logicamente, eu chorava. Então ela me mandava calar a boca, ameaçando me dar

injeção para dormir. E não sei porquê , pois nunca fui rebelde e fujona, ela me amarrava

pelos pés e mãos ao berço. Não me esqueço da alegria de, finalmente, poder ir embora!

E ela, com todo fingimento, pedindo um abraço na presença de minha mãe!

Educadamente, dei o abraço, mas quando me chamou de longe no corredor e mandou-

me um beijo, não aguentei, fiz careta com toda vontade! Hoje entendo que essa pessoa

talvez fosse alguém muito infeliz! Talvez, não podia me oferecer algo que não tivesse,

ou não conhecesse: "amor".

E assim, minha vida foi tomando seu curso. Algumas pessoas me jogavam no buraco,

outras me salvavam. Uns me amavam pelo que eu era e outros me odiavam pelo mesmo

Page 34: Olhares sobre a Epilepsia

motivo. Mas no final, tudo serviu para me fortalecer. Uma das pessoas que são

verdadeiros presentes de Deus é meu esposo, que sempre viu minhas qualidades e sem

saber, foi usado para curar muitos traumas.

Desde os 12 anos de idade, eu não tomo mais remédio, nunca mais tive crises

convulsivas e isso é a maior prova que fui curada. Afinal, nesse mundo de aflições, já

vivi diversas situações que poderiam desencadear uma convulsão. No entanto, nunca

mais isso ocorreu, provando o quanto estou bem.

Quanta história pra contar... ! Hoje tenho 39 anos, sou massoterapeuta, esteticista

(autônoma), faço parte do colegiado na escola de minha filha, trabalho como voluntária

responsável pela secretaria de ação social da Federação da SAF (Sociedade Auxiliadora

Feminina), envolvendo neste trabalho três igrejas, o que me traz muita alegria. Casada

com Ronix Déterson (excelente esposo), mãe de Rônix com 14 anos e Beatriz de 11,

nascidos de parto normal, saudáveis, inteligentes e, por que não dizer como mãe coruja

que sou: lindos!

Minha família é meu maior tesouro, realização do meu maior sonho. Ensino aos meus

filhos a respeitar as diferenças e que todos nós somos únicos e importantes como

pessoa, exercendo funções diferentes e que podemos aprender e crescer muito com

essas diferenças. Não sou tudo que gostaria de ser e gostaria de oferecer muito mais de

mim. Mas agradeço a Deus, pois sou muito mais e faço muito além do que muitos

esperavam de mim. E como diz o lema: "Epilepsia, a pior crise é o preconceito".

Imagem: “Eu e meu esposo Ronix” (Acervo da autora)

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Título: Filamento

Autora: Laura Reily de Souza

Page 36: Olhares sobre a Epilepsia

A história de Arlen

Por Ellen Aparecida da Silva

Imagem: Arlen e suas filhas Emily e Ellen (Acervo da autora)

Sempre levamos uma vida normal, sem problemas grandes de saúde. Eu estudava, meus

pais trabalhavam, aos finais de semana saíamos passear. Meu pai, Arlen, teve uma

infância e adolescência normais, sem indícios da epilepsia.

Trabalhava como motorista de caminhão entregando leite para uma empresa do ramo.

Acordava às três horas da manhã para entrar no trabalho por volta das três e meia,

quatro horas. Passava o dia todo dirigindo, entregando e vendendo leite. Não tinha hora

para chegar em casa, mas na maioria das vezes chegava por volta das sete, oito horas da

noite, tomava banho, jantava e ia dormir. No dia seguinte começava tudo outra vez.

A doença

Há seis anos e quatro meses, em setembro de 2008, meu pai teve sua primeira crise de

epilepsia. Ele havia chegada em casa após o trabalho, tomado banho, jantado e deitado

para dormir. Por volta das 22 horas, teve a primeira crise. A princípio, minha mãe,

Érika, achou que ele estava tendo um ataque cardíaco. Ele estava com o corpo todo

tenso, se debatia, salivava excessivamente chegando a babar. Após a crise epilética,

começou aos poucos a voltar ao normal, porém não se lembrava de nada, não

compreendia o que falávamos e quando recobrou totalmente a consciência não

acreditava no que falávamos.

Levamos meu pai ao hospital onde a única coisa que pôde ser feita foi ele tomar um

relaxante muscular para a dor no corpo, devido à tensão muscular.

Page 37: Olhares sobre a Epilepsia

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No dia seguinte conseguimos uma consulta com um neurologista, que explicou que o

que havia acontecido era uma crise epilética, e iria investigar o que havia causado este

quadro, já que não havia acontecido nenhuma vez anteriormente.

Vários exames foram feitos e nenhum deles acusou algo. Todos sempre deram normais,

inclusive a ressonância magnética. Ele então foi diagnosticado com Epilepsia Tardia e a

causa mais provável seria o estresse do trabalho.

Foi receitado um remédio anti-convulsivo e ele voltou à sua função na empresa. O

remédio foi de difícil adaptação, dava-lhe muito sono, então ele passou a não tomar

corretamente os remédios. E passou a ter novas crises.

Consequências

Com o passar do tempo, a epilepsia passou a oferecer riscos para o trabalho do meu pai

e ele foi afastado do trabalho pelo INSS. Ele também não aceitava a doença, o que

dificultou bastante tudo. Meu pai sempre foi um homem forte, ativo, independente; a

epilepsia, no caso dele, não o impede ou impossibilita que tenha uma vida normal.

Porém, afastado do trabalho, e constatando sua dependência durante as crises (quando

precisava de nossa ajuda, e que embora só aparecessem durante o sono tínhamos medo

de deixá-lo sozinho), fragilizaram o seu lado psicológico.

Nos primeiros dois anos de seu diagnóstico, entre crises e períodos sem elas, ele passou

bem. Após esse período, com uma dosagem um pouco maior de remédios, acredito que

ele tenha entrado em um quadro inicial de depressão. Passou a utilizar bebidas

alcoólicas (cerveja) sem controle (não chegando a ser um alcoólatra) aos finais de

semana, concomitantemente aos remédios.

O quadro que se sucedia era ruim para todos, porque com os efeitos do remédio ele

começava a ter desconfortos, e não queria ficar dentro de casa; discutia com todos e

passávamos a noite em claro tentando mantê-lo calmo. Ele não conseguia dormir e

reclamava de muita dor de cabeça. Naqueles dias ele não tinha crises epiléticas, mas

depois que passava o efeito do álcool com o dos remédios, ele dormia o restante do dia.

Esses fatos foram acontecendo, esporadicamente, por quase um ano e meio.

No início de 2012, nos primeiros dias de janeiro, ele teve sua primeira crise acordado.

Essa crise foi diferente das outras, ele não voltava a si. Passou um dia todo tendo crises,

até conseguir uma vaga na U.T.I., onde ficou internado mais um dia, quando finalmente

descobriram que ele estava tendo pseudocrises e o medicaram corretamente. Ele passou

internado mais uns dois dias em observação e foi liberado.

O médico dobrou a dosagem de remédios para evitar que isso acontecesse novamente.

Meu pai cortou o álcool e passou nove meses sem uma crise sequer. Até que, em

setembro, teve outra crise igual, mas controlada mais rapidamente. E a partir desta vez

as crises estão controladas. Há mais de dois anos ele não tem mais nenhuma.

Situação Financeira

Fora este lado, a nossa situação financeira se complicou, já que meu pai teve que se

afastar do trabalho. Minha mãe precisou voltar a trabalhar, deixando que meu pai e eu

cuidássemos da minha irmã, que era um bebê, na época.

Page 38: Olhares sobre a Epilepsia

Morávamos numa das casas da empresa, e após algum tempo do afastamento do meu

pai, pediram a casa e tivemos que nos mudar. Atualmente pagamos aluguel, o que

complica nossa situação financeira.

Além de tudo, no mês de julho de 2014 descobrimos que minha irmã, Emily, possui

uma doença rara chamada Leucoencefalopatia com Aumento do Lactato no Líquor com

envolvimento da medula espinal e do tronco encefálico. Por ser uma doença

desmielinizante e comprometedora das funções motoras passamos a ter mais gastos com

médicos, exames e tratamentos preventivos como natação e fisioterapia.

Pelas crises estarem controladas, o INSS liberou meu pai do afastamento dizendo que

ele estava apto a voltar a sua função, mas sua CNH, cuja categoria era A-E, foi reduzida

a A-B, e ele não podia voltar ao cargo de motorista de caminhão. O médico que

acompanhou o caso do meu pai desde o inicio sempre se opôs à sua volta ao trabalho

como motorista, pois, por mais que as crises estivessem controladas, nada impedia que

elas voltassem a acontecer. Porém, a empresa não possuía nenhum cargo em que

pudessem realocar meu pai. Ele entrou com recurso junto ao INSS para recuperar seu

benefício, mas não adiantou. Ele teve que voltar a trabalhar em dezembro do mesmo

ano. Durante todo esse período passaram-se cinco meses sem que ele recebesse nada, e

a nossa situação financeira só piorou.

Novas Perspectivas

Hoje ele trabalha como fiscal de limpeza, com um horário fixo, na mesma empresa.

Embora mais de seis anos tenham se passado desde a primeira crise, meu pai não

conversa sobre o assunto com os outros, só fala o básico. Assim fica difícil sabermos ao

certo o que ele acha, sente e o que isso mudou em sua vida. Portanto, deixo claro que

este relato foi feito sob o ponto de vista de uma filha, que acompanhou toda a situação

desde o início.

Posso dizer também que não é fácil ver tudo isso acontecer, e presenciar as mudanças

bruscas que uma doença traz para a vida de todos na família. Na época eu tinha doze

anos, e toda essa história só me motivou a estudar ainda mais. Hoje curso Biomedicina

e traço planos de, quem sabe um dia, aprofundar meus estudos na área de neurociências

e genética para entender e poder contribuir de alguma forma com pessoas que passam

por situações parecidas como a a de minha família, que convive com a epilepsia e com

uma doença genética rara.

Page 39: Olhares sobre a Epilepsia

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Imagem: Arlen e sua esposa Érika (Acervo da autora)

Page 40: Olhares sobre a Epilepsia

Título: Dificuldades de Socialização

Autor: Tiago Soares

Page 41: Olhares sobre a Epilepsia

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Título: Ser diferente não o torna melhor ou pior. Apenas diferente.

Autora: Lilia Donadon

Page 42: Olhares sobre a Epilepsia

A história de Marcela e Milena

Por Rosemari Coradin

Imagem: “Minha família: Juarez, Rosemari,

Camila, Marcela, Daniela e Milena” (Acervo da autora)

I - MARCELA

Sou mãe de 4 filhas. Camila tem 28 anos, Marcela 23 anos, Daniela 21 anos e Milena

16 anos.

Quando Marcela tinha 4 anos, começou a ter pequenos desmaios, fomos ao pediatra e

fizemos diversos exames : tomografia, ressonância magnética e sangue. Nada

descobrimos pois deu tudo normal, mas os desmaios foram ficando estranhos. Ela

ficava rígida e arroxeada e se debatia muito.

Fomos encaminhados para um neurologista e ela saiu medicada com o remédio G. e

com o pedido do primeiro EEG (eletroencefalograma): diagnóstico de Epilepsia. Foram

dias terríveis para aceitar o que estava acontecendo... Tenho uma irmã que tem “epi”,

então, como sempre ajudei a cuidar dela, sabia o que vinha pela frente... só não esperava

que acontecesse com minha filha...

Passamos por diversos neuropediatras. que iam somente acrescentando mais e mais

remédios. Alguns até que controlavam as crises, mas não descuidávamos dela nunca.

Marcela teve todos os tipos de crises, algumas caía para os lados, outras caía para

frente... Quando tomou o remédio L. e deu rash cutâneo ela ficou toda vermelha... mais

um susto!

Page 43: Olhares sobre a Epilepsia

43

Então tivemos a indicação da Drª M.B., referência em Curitiba e no Hospital P.P. .

Sentimos que estávamos no caminho certo. Fomos testando medicamentos, ela entrou

com T. e D., e as crises foram estabilizando.

Contamos sempre com a ajuda da família, pois a Dani era pequena... uma ajuda

fundamental para superar estes momentos tão difíceis. Deu certo até ela ter algumas

crises somente durante o sono. Marcela foi para a creche, começou a ler e escrever na

idade normal e também tivemos o apoio da Escola Adventista, na época. A escola era

pequena e também tinha a minha outra filha e sobrinhas estudando. Daniela não teve

nenhum atraso cognitivo e as crises não afetaram seu sistema motor, e assim fomos

seguindo adiante.

No ensino médio foi onde ela sentiu o preconceito na pele, com poucos amigos para

ajudar e apoiar. Por dois anos Marcela repetiu e não conseguiu concluir a série devido

as crises e a vergonha diante dos colegas. No último ano tivemos o apoio da escola, e

ela concluiu o ensino médio junto com a irmã Daniela.

Daí veio um período bom para ela e pra nós. Ela começou a trabalhar, fazer cursos e

namorar. O rapaz sabia da doença e cuidava dela também, durando quase um ano... mas

a alegria durou pouco, pois as danadas das crises começaram novamente.

Então, Drª M.J. entrou com o remédio K., esperança nossa por ser um remédio do

primeiro mundo. E foi bom, porém por alguns meses apenas.

No emprego não sabiam que ela tinha “epi”. Tratavam como se fosse queda de pressão

quando ela passava mal. Acabou saindo do trabalho e também acabou o namoro.

As crises só foram piorando e acabamos diagnosticando que ela também estava com

síndrome do pânico. E vieram mais remédios, que se juntaram com os dela resultando

em uma grande dosagem diária. Ela dormia por causa das crises ou pela quantidade

grande de drogas. Começou a tomar C. e melhorou pouca coisa.

Tivemos muitas quedas com pé quebrado, roxos pelo corpo e pontos na testa. Era

vigiada dia e noite sem ao menos ir ao banheiro sozinha.

Recentemente entramos com o S., com uma pequena melhora, mas sabemos que é

devastador na visão. Tivemos a orientação da Drª M. J. para procurarmos um

neurologista de adultos, e foi nesta procura que encontramos o segundo anjo em nossas

vidas!

II - MILENA

Marcela tinha 7 anos e Daniela com 5 anos... enjoos, algo estranho, e daí o susto:

grávida!!! Ecografia, e mais uma menina!!! 4 meninas e como nasceram as três de parto

normal, também iria ter ela assim.

Mas algo estava errado... Sentia as dores e nada... Daí marcamos cesária para o dia

21.03.1998. Nasceu Milena com quase 3 kg e 47 cm. Alegria geral de todos, mas no

segundo dia de vida ela ficou roxinha no bercinho do hospital, o primeiro susto.

Corri para o berçário com ela nos braços e no caminho foi voltando ao normal. A

pediatra começou a examiná-la e foi perdendo os sentidos novamente... corre-corre

geral... já levaram pra UTI e foram feitos os exames de ressonância magnética, que deu

Page 44: Olhares sobre a Epilepsia

normal, mas o EEG mostrou as primeiras descargas no cérebro. Diagnóstico:

EPILEPSIA! “Jesus, não pode ser... um raio não cai duas vezes no mesmo lugar...”

Cai simmm!

Tudo de novo, saímos com ela do hospital com G., com a indicação de procurar um

neurologista para acompanhá-la. É claro, que já tínhamos a Drª M. J., nossa grande

companheira.

Diagnóstico da Milena: Síndrome de West. Nunca tinha ouvido falar... soubemos que

era uma epilepsia severa e de difícil controle. Nos primeiros meses ela ficava roxinha no

meu colo, e fazia cócegas para animar e assim ela voltava.

Nos primeiros meses, apesar das crises, ela brincava e acompanhava tudo com os olhos,

mas as crises também foram mudando, não eram demoradas, mas eram muitas, e de

todo tipo... piscava os olhinhos e eram as crises... quase o tempo todo.

Fomos encaminhados a uma escola especial para a Milena, para que recebesse

estimulação e não ter atraso motor, visual e cognitivo, até que as crises aumentaram

tanto que tivemos uma reunião com a Drª M. J., e ela falou: “Nesta síndrome, se as

crises não diminuírem, vai mudar pra Síndrome de Lennox, que é mais severa e

degenerativa.”

Saímos arrasados do hospital, e entramos com o remédio S. Melhoraram as crises, mas

nossa filha ficou sem visão, mudou a medicação e voltamos quase ao normal, com

muita estimulação visual.

Até os quatro aninhos fizemos de tudo e fomos a procura por todo tipo de tratamento

para ver melhoras rápidas, mas com tantos profissionais tivemos um estresse, afinal a

Milena tinha de crescer em seu tempo. Ela engatinhou, trocou marchinha, mas não teve

a evolução esperada. Então passaram minha filha para uma subsede da escola, com os

casos mais graves, ou múltiplas deficiências. Com muita tristeza começamos esta nova

fase...

Mas fomos recebidos na Escola J. – subsede da Escola E., uma referência em Curitiba

por realizar o teste do pezinho e pelos ótimos profissionais que fazem atendimento, e

pelas mães que falam a mesma língua e vivem os mesmos medos, pois o quadro da

maioria era complicado e lá chamávamos nossos filhos de ‘bombas-relógio” , em

função dos sustos e perdas repentinas. Certo é que, todos os profissionais dali eram

especiais e tinham um amor muito grande pelas crianças.

Veio a solicitação da primeira cadeira de rodas. Nossa, como é triste isto e dolorido,

pois a primeira cadeira a gente nunca esquece!!! Mas ela é útil e deixa a criança

confortável para ter melhor qualidade de vida nas andanças pelas terapias, ir aos

médicos, os parques, e tudo mais.

E lá ficamos por mais 7 anos. Acompanhei a Milena todos os dias, primeiro levava de

carro, mas depois comecei a usar o transporte especial da minha cidade. Um mundo a

parte, onde a gente conhece o lado humano e se emociona a cada dia... faz amigos

inesquecíveis... Levar a Milena para a escola foi uma escola para mim também.

Aprendi muito sobre todos os tipos de deficiência, quanto sufoco a vida nos faz passar

... é o sentido do verdadeiro amor!

Page 45: Olhares sobre a Epilepsia

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III - 2012: Ano da mudança e de muitas crises das duas filhas

Fomos procurar um neurologista adulto para ver se conseguíamos mudar a vida da

Marcela, que despencava cada vez mais nas crises, foi então que encontramos Drª V. C.

T. Ela veio de Ribeirão Preto para Curitiba, e fizemos a primeira consulta com em

abril de 2013, sendo uma profissional maravilhosa e especialista em Epi. Mais de 2

horas em consulta, e, imediatamente, ela nos disse que sua ressonância magenética não

estava normal e mandou fazer uma RM 3 Tesla . O resultado: Normal. Ela não se

conformou e foi discutir com o médico que deu o laudo do exame.

Havia uma má formação do lado esquerdo, pequena, mas suficiente pra ter feito um

estrago. Deu-nos 3 opções: dieta cetogênica, terapia VNS, ou cirurgia que para nós era

um bicho feio até então. Disse que a cirurgia traria a possibilidade dela ficar bem, e com

o tempo deixar até de tomar remédios. A doutora perguntou para a Marcela se ela

toparia e então veio a resposta: “Pior que tá não vai ficar!”

Corajosa e decidida, optamos pela cirurgia, a chamada de Lesionectomia. A médica

explicou como seria feita a cirurgia com estímulos de eletrodos para encontrar o local de

início das crises, e que seria feita a retirada deste pedaço do cérebro mas poderia ter

sequelas, como ficar um pouco esquecida, mas com o tempo tudo voltaria ao normal. E

assim saímos da sala confiantes e seguros diante de uma profissional tão renomada e

humana !

A primeira providência foi tirar o remédio S. evitando danos na visão. Encaminhados os

papéis, fizemos diversos exames, como ressonância magenética neurofuncional,

consulta a neuropsicológica e esbarramos no plano de saúde devido a liberação dos

eletrodos.

Enfim, em 13 de dezembro de 2013 fizemos o procedimento com o Dr. M. M. e sua

equipe competente como referência no Epicentro de Curitiba e no Hospital das Clínicas.

Foram 7 horas demoradas, e a Drª V. foi a primeira a dar noticias. Ela fez a parte de

estimulação com os eletrodos, saiu antes e nos disse que tinha dado tudo certo e, em

mais algumas horas, ela sairia da cirurgia.

Fim da espera angustiante, Marcela saiu dando um sorrisinho branco e fez sinal de “ok”

e foi para a UTI, lá ficou por dois dias, reagiu bem a tudo e no terceiro dia fomos para

casa. A recuperação foi ótima, com apenas alguns esquecimentos de nomes de objetos

e a língua um pouco pesada. Nos primeiros meses houve momentos de dores na cabeça

e ouvido. Aos seis meses fez um EEG (eletroencefalograma) com resultado normal e a

ressonância magnética mostrou uma cicatrização perfeita. Já estava liberada para voltar

a estudar e trabalhar, e voltar a caminhar com as próprias pernas!

Estamos caminhando para o primeiro ano da cirurgia, e não tiramos nenhum

medicamento. Neste meio tempo, a Drª V. vendo os exames da Milena pediu uma nova

ressonância magnética, e, estava lá!!! A mesma má-formação do lado esquerdo. É... foi

um defeito de fabricação!

Fizemos um EEG de 24 h, e Milena teve quase 50 crises. Nos últimos meses as crises

estavam mais fortes, e mesmo com a medicação não davam trégua e a sugestão foi

cirurgia. A decisão estava em nossas mãos, mas vendo crises tão fortes e com medo de

perder minha filha, jamais me perdoaria se não tivesse tentado e encaramos mais esta!

Page 46: Olhares sobre a Epilepsia

O plano de saúde liberou, e no dia 10 de setembro de 2014 fizemos o procedimento no

Hospital N.S.G. Deixei minha florzinha dentro do centro cirúrgico com o coração

apertadinho e em lágrimas, e o Dr. M., dando um sorrisinho, disse: “Fique calma, vai

dar tudo certo”.

E lá se foram as terríveis 7 horas de espera ... enquanto fiquei esperando a Milena sair

da cirurgia, a Marcela foi uma companheirona e ficou ao meu lado o tempo todo dando

a maior força e me acalmando.

A Drª V., que faz a parte de estimulação com os eletrodos me tranquilizou, disse que

tinha ocorrido conforme o previsto, e acabada a cirurgia, minha pequena filha saiu bem

e fomos para a UTI.

Com uma permissão especial fiquei com ela por dois dias. No terceiro dia fomos para o

quarto com minha filha esperta e sem crises. Ela tirou todo o curativo e fazia gritaria, já

no quarto dia fomos para casa.

Na primeira semana tive momentos de desespero por ver ela com a boca com feridas da

entubação e não se alimentando bem. Uma noite, com muitas crises, ficamos com medo

de não ter feito a “coisa” certa, mas passaram e com 15 dias tiramos os pontos, e ela

voltou a comer, estava risonha e espertona, com uma ou outra crise.

Algo mudou na minha menina...estamos aprendendo a lidar com ela... reage de maneira

diferente às coisas... tem noção disso e parece ter medo. Hoje minha rotina está

diferente, afinal foram 18 anos com crises dia e noite, sustos, lágrimas, impotências

diante da situação delas.

Se a Milena vai fazer o desmame dos remédios ??? Não sei...

A Marcela, pronta para sua nova vida... Sei que está...

E o futuro??? A DEUS PERTENCE... E na hora certa agirá em nossas vidas...

Quantas noites passei sentada vendo minhas filhas tendo crises e pedi a Deus uma

solução... e ela veio...

Só tenho a agradecer a todos que estiveram ao meu lado, mães que conheci através do

grupo de “Mães da Epilepsia” no facebook, um dos instrumentos da tecnologia que

abre uma cortina de informações que não tive há 18 anos atrás. Essas mães, que aprendi

a gostar mesmo sem conhecer pessoalmente são especiais mesmo! Toda equipe do

Epicentro... às médicas, Drª V.T., Dª M., Drª M. J. C., que até hoje nos acompanham.

Anjos que fizeram toda diferença na vida das minhas filhotas e na minha família!

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Título: Sempre haverá um caminho

Autor: Diogo Donadon

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Título: Eu uso roxo por mim!

Autora: Renata Rego Teixeira

Page 49: Olhares sobre a Epilepsia

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Nota dos organizadores:

Por questões éticas, todos os nomes de médicos, de instituições de saúde e de

medicamentos, citados pelos autores das histórias, foram identificados somente por suas

iniciais.

ADCIência-Divulgação Científica

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