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2017 DIREITOS HUMANOS, GÊNERO E DIVERSIDADE Encontro USP Escola 07/2017 (CON)vivências, experiências e interseccionalidades

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2017

DIREITOS

HUMANOS,

GÊNERO E

DIVERSIDADE

Encontro

USP

Escola

07/2017

(CON)vivências, experiências e

interseccionalidades

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“Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos”

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AGRADECIMENTOS

A gratidão é o único tesouro dos humildes.

William Shakespeare

Sempre é tempo de agradecer... E quando vidas se encontram

com o propósito de celebrar uma convivência respeitosa em meio

a diversidade, este desejo transborda.

Somos gratos à Universidade de São Paulo, à Comissão de

Cultura e Extensão do Laboratório de Física da USP e ao 14º

Encontro USP Escola (julho/ 2017) pelo espaço de reflexões

organizado e concedido.

Agradecemos ao curso Direitos Humanos, Gênero e

Diversidade na Escola e à Professora Andrea Paula dos Santos

Oliveira Kamensky, que proporcionou uma perspectiva de

formação humana integral voltada para o aprendizado, a

compreensão e o convívio com as diferenças; promovendo uma

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cultura de paz, o reconhecimento das diversidades culturais com

garantia de direitos humanos.

Nossa gratidão a cada empenho para que esta semana de cursos

de atualização acontecesse, os temas e as abordagens

diversificadas, o ambiente acolhedor que resultou no aprendizado

intensificado pela troca de vivências e práticas.

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Sumário

APRESENTAÇÃO .......................................................................... 06

INTRODUÇÃO ............................................................................... 08

PARTE I – DIVERSIDADES ........................................................ 13

CAP 1 BIANCA ALENCAR .......................................................... 14

CAP 2 AMÉLIA SANTOS .............................................................. 19

CAP 3 CAMILA SOUZA ................................................................ 23

CAP 4 EMELY FAGUNDES .......................................................... 38

CAP 5 FELIPE DOS SANTOS ........................................................ 42

CAP 6 FLAVIELLE JOLLENBECK ............................................... 45

CAP 7 RIVKA ................................................................................. 49

CAP 8 LUCIENE ALVES ............................................................... 57

CAP 9 MARIANA OLIVEIRA........................................................ 58

CAP 10 EUGÊNIA KATO .............................................................. 63

CAP 11 LUCILENE FREITAS ........................................................ 68

CAP 12 ANA GISELE ..................................................................... 73

CAP 13 PROJETO‘ARTE E INCLUSÃO: UMA POSSIBILIDADE’

74

CAP 14 RELATO DE AUTOMUTILAÇÃO ................................... 78

CAP 15 PROJETO ‘UM OLHAR SOBRE A COMUNIDADE’ ...... 80

CAP 16 PROJETO ‘PRÉ CONCEITOS’.......................................... 91

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PARTE II - GÊNERO ................................................................ 100

CAP 1 HERBE DISCÓRDIA ........................................................ 101

CAP 2 GIOVANNA LIMA ........................................................... 109

CAP 3 MICHELLE........................................................................ 112

CAP 4 PRISCILA ARANTES ....................................................... 122

CAP 5 SUZETE ............................................................................. 127

CAP 6 RELATO: EU, A HIPOCRISIA E O MOVIMENTO

LGBT ................................................................................... 131

CAP 7 PROJETO ‘UM COLETIVO FEMINISTA DENTRO DA

ESCOLA’ ............................................................................. 135

CAP 8 PROJETO ‘SIM, NÓS PODEMOS’ ................................... 138

CAP 9 PROJETO ‘GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA:

ROMPENDO COM O SILÊNCIO ........................................ 142

PARTE III – SEXUALIDADES ........................................ 153

CAP 1 BÁRBARA CRISTINA ............................................... 154

CAP 2 IZABEL LUSTOSA .................................................... 159

CAP 3 POESIAS

AS CEM LINGUAGENS DA AUTONOMIA ............................. 164

NÃO ESTOU EM CIMA DO MURO ..................................... 165

CAP 4 RELATO: MEU NOME É PATTY .................................... 166

CAP 5 RELATO DE HOMOSSEXUALIDADE E BULLYING

FAMILIAR ........................................................................... 168

CAP 6 PROJETO ‘DIVERSIDADE SEXUAL NO CONTEXTO

ESCOLAR’ ......................................................................... 171

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CAP 7 PROJETO ‘POR UM FIO DE MEMÓRIA’ ........................ 174

CAP 8 PROJETO ‘AUTORES DA DIVERSIDADE’ .................... 178

PARTE IV RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS .................... 182

CAP 1 ANA PAULA .............................................................. 183

CAP 2 BRUNA SILVA .......................................................... 188

CAP 3 PROJETO ‘ A INTOLERÂNCIA NA ESCOLA NO ENSINO

DA EJA ............................................................................... 191

CAP 4 PROJETO ‘IDENTIDADE SE CONSTRÓI A PARTIR DA

VISIBILIDADE’ .................................................................. 195

CAP 5 PROJETO ‘DIVERSIDADE CULTURAL BRASILEIRA’ 201

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APRESENTAÇÃO

O projeto Gênero e Diversidade na Escola, idealizado em

uma parceria entre o Ministério da Educação, a Universidade

Federal do ABC e as Secretarias de Direitos Humanos e

Cidadania da Prefeitura de São Paulo, desenvolveu um curso de

aperfeiçoamento voltado para educadoras/es e pessoas da

comunidade escolar dispostos a construir novos conhecimentos e

autoconhecimento por meio de quatro eixos temáticos:

1. Diversidades

2. Gênero

3. Sexualidades

4. Relações Étnico-Raciais

A metodologia foi aplicada a partir da elaboração de escritos

autobiográficos em diários, constituindo um memorial em que

cada cursista pode relacionar sua própria história de vida e

experiências pessoais com essas temáticas, reunindo elementos

de suas vivências e aprendizados para a construção de

um projeto de intervenção. O presente livro, resultado desse

curso, está organizado em seções entituladas pelas temáticas,

contém os referidos diários pessoais, relatos de histórias

presenciadas em escolas e projetos relacionados às temáticas

elencadas.

Nosso objetivo é sensibilizar a comunidade escolar para esses

saberes, interseccionalizando categorias de análise da realidade

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social para produção de novos conhecimentos em práticas

educativas e culturais, transformadoras do cotidiano escolar.

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INTRODUÇÃO

Gênero e diversidade na Escola: educadores valorizados e

produtores de conhecimento

Suzana Lopes Salgado Ribeiro

Este não é mais um livro sobre a discussão da

diversidade. Este é um livro que exibe caminhos e reflexões – de

professores – sobre seu trabalho no cotidiano da escola. Desta

ligação com a prática advém seus principais valores.

Um primeiro valor pode ser salientado diz respeito

aos sujeitos que compõe a autoria desta publicação. São

profissionais da educação participantes do programa de extensão

USP Escola, que oferece diversas formações de cunho continuado

– cursos, palestras e oficinas – para melhor preparar os

profissionais da educação. Destaca-se que tais profissionais

reconhecem suas limitações e buscam ampliar o repertório de sua

atuação pedagógica por meio de formações. Assim,

diferentemente do que por vezes ouve-se, os professores buscam

formação, investem seu tempo e dinheiro para melhorar seu

ofício, não sendo, portanto, acomodados e passivos. Além disso,

aponto que podem ser – como se mostra aqui – produtores de

saberes relevantes para a docência, que modificam seu meio e que

devem ser levadas em conta em estudos acadêmicos e da política

pública.

Um segundo valor, portanto, que decorre deste

protagonismo dos professores, é o de defender que o

conhecimento sobre a educação ou sobre a escola seja construído

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em diálogo com esses sujeitos, imersos na prática do cotidiano.

Isso, pois entende-se que os professores são sujeitos fundamentais

para entender o universo escolar de forma profissional e profunda.

Sem escalas de valor, não cabe dizer que são mais importantes

que outros sujeitos, e, evidentemente, tem-se que ter em mente

que a escola existe para que os alunos possam aprender. Mas na

escola, os alunos são transitórios, já os docentes são mais estáveis

e podem mostrar aspectos mais perenes das relações estabelecidas

no contato com o cotidiano e a realidade escolar.

Um terceiro valor que pode ser notado em relação a

esta obra, é que para tratar de preconceitos e discriminações, é

preciso ouvir quem media esses conflitos cotidianamente. Os

professores são protagonistas neste quesito, e a partir desta

vivência podem formular apontar caminhos. Caminhos que

delineiam projetos e ações para combater os conflitos e as

desigualdades consolidados ao longo de séculos na sociedade

brasileira e ainda presentes em nosso mundo contemporâneo.

Dito isso, cabe falar da relevância da existência de

políticas públicas como o GDE, que permitem professores se

formarem para o trabalho com as temáticas das diferenças de

gênero, de etnicidade, de sexualidade. Retomando o conteúdo do

texto de introdução, vale contar o caminho percorrido para esta

oficina que é consequência de experiências anteriores. A Profa.

Dra. Andrea Paula dos Santos Oliveira Kamensky, da

Universidade Federal do ABC - UFABC, coordenou cursos em

modalidade de Aperfeiçoamento na Universidade Estadual de

Ponta Grossa – UEPG (2009) e na UFABC (2015), e realizou a

oficina – curso de atualização – Gênero e Diversidade na Escola,

no USP-Escola (2017). A partir desta oficina, alguns participantes

organizaram um grupo de estudos, desenvolvendo atividades

educativas e culturais, que, hoje, tomam concretude neste livro.

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As diferenças são tratadas com atenção nas quatro

partes que estruturam o presente texto. Em cada parte, trabalha-

se uma das temáticas – diversidades, gênero, sexualidades e

relações étnico-raciais - apresentando-se uma reunião de diários

com registros de experiências de vida permitem uma

compreensão das questões relacionadas à intolerância e ao

convívio com as diferenças. Estes textos, de maneira subjetiva

revelam relatos pessoais e profissionais. Falam sobre as

dificuldades enfrentadas nas manifestações de diferenças, como

ter tatuagens e/ou piercings, ser nordestino, ser migrante, ser

negro, ser gay...

A partir dessas colocações, importa dizer que as

narrativas sobre o viver devem ser registradas e publicadas para

que se possa compreender a pluralidade de experiências

concomitantemente individuais/específicas e humanas/gerais. As

narrativas – curtas ou longas – presentes neste livro, constituem-

se como enunciados de si, expressões de subjetividade que

mostram enredos contraditórios e complexos forjados a partir de

vivencias particulares, experiências compartilhadas por muitos.

Com isso quero encerrar este texto com a reflexão da

urgência de buscar novas perspectivas – teóricas, metodológicas,

reflexivas – que reconheçam a importância das subjetividades na

construção do conhecimento, que reconheçam a coragem de se

contar e que reconheçam as possibilidades de transformação que

apresentam. Vejo os textos presentes neste livro como universos

subjetivos e identitários complexos, diversos e que não podem ser

reduzidos a esquemas de análises de ação coletiva tradicionais. A

leitura de cada texto oferece caminhos de se entender o diverso,

na diversidade e o complexo na complexidade.

Por isso mesmo, volto a repetir: este não é mais um

livro sobre a discussão da diversidade.

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I. DIVERSIDADES

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Capítulo 1

Bianca de Jesus Alencar

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NINGUÉM TEM O DIREITO DE ME JULGAR POR EU SER

QUEM SOU E COMO SOU!

Vivências e história de vida na Educação Básica

Meu nome é Bianca de Jesus Alencar, tenho 29 anos, sou

pedagoga e atualmente trabalho com o Ensino Fundamental l, no

Governo do Estado de São Paulo.

Poderia parafrasear sobre diversas histórias que se

construíram ao longo da minha vida, num emaranhado de dor,

muita luta e resistência: a opressão de um pai extremamente

machista que sempre quis - sem sucesso - ditar o que era

permitido ou não à mulher. Sobre minha mãe, que é o meu maior

exemplo de sabedoria, força e perseverança; sobre o que vivenciei

e aprendi com alunos carentes da periferia e suas famílias no

período em que lecionei...

Mas falarei sobre um tema que ainda me atinge diretamente

e certamente ainda fará parte do meu cotidiano: a intolerância

com a diversidade e o pré-conceito.

Iniciei meu trabalho como professora em uma Associação

vinculada a Igreja Católica, gerida por religiosas (freiras) muito

comprometidas. O Projeto era mantido por doações vindas de

“bem feitores” italianos e atendia alunos das regiões periféricas

dos entornos do bairro.

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Trabalhávamos com o reforço escolar e os alunos

frequentavam o local no contra-turno das aulas regulares. O

construtivismo norteava todos os planos de aula, fazíamos visitas

nas casas dos alunos, oficinas, projetos e a liberdade para criar

fazia tudo valer a pena. Por me encantar pelo trabalho foi que

decidi cursar Pedagogia.

Sempre fugi dos padrões estabelecidos pela sociedade e

desde muito jovem tinha piercings, tatuagens e o cabelo colorido

ou com algum corte “estiloso”. Durante esse trabalho na

Associação, o vermelho “Rita Lee” é que se sobressaía em minhas

madeixas.

Havia um encontro importante em Verona, com as Irmãs,

para a prestação de contas sobre o andamento dos Projetos que a

Associação realizava aqui no Brasil. Ficou acertado que iriam

duas representantes do Projeto de São Paulo, a coordenadora

pedagógica e eu. Então teríamos que nos organizar para

providenciar o passaporte, comprar as passagens aéreas, calcular

os custos e planejar tudo.

Fiquei muito animada com a possibilidade de fazer minha

primeira viagem internacional, decidi investir na viagem e não

fazer a formatura da graduação (que seria no mesmo tempo).

Neste período aprendemos a língua italiana e chegou o tempo de

tirarmos o passaporte. Ao nos avisar sobre tais procedimentos,

uma das representantes da Associação me chamou e falou sobre

todo o processo, e para aminha surpresa, reforçou:

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- Bianca, você sabe que terá que pintar o cabelo de preto se

quiser nos representar no encontro em Verona não é?

- Oi?

Fiquei em choque. Foi ali, naquele momento que percebi

que mesmo depois de alguns anos lecionando e principalmente

convivendo com pessoas que me conheciam, como também ao

meu trabalho, que independente do valor que isso tivesse, os

julgamentos ainda prevaleciam.

Respondi imediatamente que se fosse para mudar quem eu

era, seguramente não iria. A coordenadora posicionou-se dizendo

que se eu não fosse, ela também não iria. Dessa forma aconteceu:

não fomos.

Algum tempo depois aconteceram algumas mudanças na

gestão e a primeira norma estabelecida foi que a partir daquele

dia, quem tivesse tatuagem (mesmo que de chiclete no caso das

crianças), piercing ou brinco, ao frequentar as aulas, deveria tirá-

los. Essa fala também foi dita durante uma reunião com os pais.

Na frente de todos eles, eu ouvi de uma das gestoras:

- Pode não parecer, mas uma tatuagem, um piercing dizem

muito sobre o caráter de uma pessoa.

Minha decepção só aumentou. A essa altura, eu estava indo

trabalhar sem os piercings e escondendo muito bem as tatuagens,

conforme as orientações. Sofri, chorei muito, muito mesmo.

Pensava que o problema fosse comigo e não o fato de não me

aceitarem como eu era. Questionei se deveria continuar na

educação (estava no último ano da graduação) e pensei até em

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desistir do curso. Foram dias difíceis, passou um tempo e fui

trabalhar em outra Instituição.

Mas como nada nesta vida é por acaso e as voltas que a vida

dá não me deixam mentir... Com o tempo a crise atingiu a Itália e

as irmãs não puderam continuar mantendo o Projeto em São

Paulo. A Comunidade (algumas lideranças das pastorais

paroquiais) se sensibilizou, assumiu o Projeto e, como eles

desconheciam a rotina do lugar e precisavam de alguém que

tivesse vivências, fui convidada a coordenar o espaço.

Aceitei. Voltei! Agora era gestora do espaço que fui tão

hostilizada.

E é essa lição que levo para a minha vida quando me deparo

com os pré-conceitos que as pessoas tem quando me veem, essa

foi a primeira vez que senti na pele e depois dessa já tiveram

inúmeras situações... Mas hoje me respaldo na legislação e exijo

respeito. Vai ter professora dos anos iniciais “fora dos padrões”

SIM. Prontíssima para fazer a diferença, inclusive.

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Capítulo 2

Amélia Santos

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AS PESSOAS SÃO MUITO MAIS QUE NACIONALIDADE,

COR, ETNIA.

História de vida

Presenciei muitas atitudes de discriminação entre os

membros da minha família durante a minha infância,

principalmente por questões de origem. Sempre ouvi história

sobre os antepassados e seus relacionamentos conjugais. Minha

mãe teve as relações cortadas com o pai dela, aos dezenove anos,

pois ela ousou casar se com um nordestino, o qual meu avô

abominava pela sua origem. Meu avô, que era argentino filho de

espanhóis, casou-se com uma mulher (minha avó Maria) que era

conhecida pela família dele como a “negrinha”. Minha avó Maria,

filha de um italiano com uma mineira: nesse caso, a família do

italiano não aceitou o relacionamento de seu filho. Minha bisavó

faleceu durante o parto de minha avó, que foi criada por esses

avós italianos.

Eu e meus irmãos por convivermos mais com a família da

minha mãe, tínhamos algum sentimento de inferioridade em

relação aos demais membros dessa família: tios, tias, primos etc.,

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pois nosso pai era nordestino e, pelo visto, isso não era algo bom

perante a opinião da família.

Quando visitávamos meu avô, lembro-me o quanto ele

enaltecia a raça espanhola, o quanto meu avô tentava mostrar a

superioridade em relação às demais. Só fiquei sabendo que ele era

argentino quando veio a falecer, visto que ele se considerava

espanhol, por conta seus pais que eram da Espanha. Não me

lembro dele ter falando alguma coisa sobre o meu pai com a gente

– os netos, ele nos aceitava e gostava muito de nós, brincava,

comprava presentes e levava-nos para passear de carro. Meus

irmãos e eu nos divertíamos muito com ele, mas ele não queria

ver minha mãe e meu pai. Fomos privados da sua companhia por

volta dos meus seis anos de idade, não sei o motivo. Minha avó

continuava a nos visitar sem que meu avô soubesse. Ele faleceu

aos sessenta e dois anos de idade e não houve tempo para um

reencontro, entre a filha, os netos e, quem sabe, com o próprio

genro. Mais tarde soube por alguns tios que meu avô também

sentiu muito o afastamento desses netos.

Minha mãe sofria violência doméstica por parte do meu pai,

isso fazia com que a gente tivesse a impressão de que o meu avô

tinha razão em relação à opinião dele sobre o meu pai.

Minha tia, irmã da minha mãe, casou-se com um português.

Ouvíamos falar que ela sim estava se casando com um homem

bom que poderia dar um futuro melhor para ela, não era como a

minha mãe que não soube escolher, casando-se com um “baiano”.

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Diante de tantos absurdos que presenciei nessa etapa da

minha vida, me aproximei da família do meu pai. Na

adolescência, fiz questão de ir até a Bahia. Conheci pessoas

maravilhosas, e só confirmei aquilo que eu sempre achei e sentia:

as pessoas são muito mais que nacionalidade, cor, etnia.

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Capítulo 3

Camila Souza

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PERSIGO MEU SONHO DE, COMO EDUCADORA, REDUZIR

AS VIOLÊNCIAS TODAS

O QUE ME TROUXE AQUI?

Minha família nasceu e se desenvolveu na Vila Madalena,

hoje um bairro de classe média de São Paulo, tendo-se mudado

em 1976 para a região do Butantã,

Meus bisavós maternos, chegaram dos mais diferentes

lugares - Ceará, Portugal, Rio Grande do Sul e Itália – todos entre

1884 e 1911. Somente a Bisa Brasilina ( única de sua família a

nascer no Brasil e por tal razão rejeitada por acharem que seria

“mais escurinha”) era letrada; uma indígena, um cangaceiro e um

militar todos analfabetos.

Da geração seguinte, toda nascida em São Paulo, todos

foram à escola, mas somente 2 gerações depois, teríamos os

primeiros parentes com diploma superior.

Sou filha de vó, ela ocupou no meu imaginário aquele

lugar da mãe socialmente ideal: uma guerreira mãe de 7 filhos, 1

deles com uma deficiência mental. Ficou viúva aos 36 anos e além

de seus filhos ainda criou meu primo e eu, nascidos 1 mês após a

morte do meu avô.

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Minha vó foi 5ª filha de 7 irmãos casou-se aos 18 anos

(grávida) e fez somente o “primário”, como chamado na época.

Todos os seus irmãos foram matriculados na escola; para sua mãe,

analfabeta com o sonho de ser poeta, o letramento era essencial.

Conseguiu uma vaga na enfermagem do Hospital das Clínicas,

em 1956, onde trabalhava sua irmã mais velha.

Minha mãe, que foi mãe solo aos 17 anos, era meio hippie,

muito livre, gostava de música, bicho, de gente. Ela nunca gostou

muito da escola, simplesmente fugia desde sempre, tanto minha

vó quanto minhas tias falam do quanto minha mãe não cabia na

escola, e assim como pulava a janela de casa pra viver, saía da

Fernão Dias e “ia pro Pão de Açúcar da Teodoro ouvir música

no corredor de eletrodomésticos”.

Ela achava “careta” a educação que minha vó me dava,

escolhia a melhor escola pelo tamanho do quintal. Se tivesse chão

de terra e árvores pra subir, seria a escolhida. Perfeita se não

tivesse muros e as crianças tomassem banho de mangueira e

chuva vez ou outra. Ela me chamava de chatinha e buscava me

mostrar que o mundo era muito maior do que aquilo que eu

conhecia.

Toda minha educação básica foi em escola pública, ‘fiz o

“prézinho” do bairro, era uma Escola Parque onde a gente

brincava na terra, podia correr, meninos e meninas brincavam

juntos e os coleguinhas eram os mesmos das brincadeiras nas ruas

do bairro. As professoras eram “tias” e o que movia o ano pra

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mim eram os ensaios das apresentações artísticas que aconteciam

sempre no segundo semestre. As lembranças mais fortes que trago

deste período são do percurso de casa a escola (que fazia

brincando com minha mãe) e do parque.

Fui para o primário. Minha alfabetização foi bastante

natural, consolidando-se ainda no primeiro semestre da primeira

série, já na escola ‘dos maiores’. Nessa época toda a rotina de casa

estava em torno do ir e vir da escola. Tanto o uniforme como o

material precisavam ser comprados, para tanto, a opção

encontrada para complementar a aposentadoria de minha avó era

vender salgadinhos para festas e todos nós colaborávamos nas

encomendas.

Sendo o dinheiro da aposentadoria e dos salgadinhos

insuficientes para custear a gente na escola, para evitar que

fossemos para a ‘caixa escolar’ (atendia as crianças cujas famílias

não podiam comprar uniforme e material, motivo que causava

discriminação na escola), minha avó passou a vender doces na

porta da escola que estudávamos, quando fomos para o grupo

escolar (atual fundamental II).

Da terceira série em diante, minha relação de amor com a

escola mudou muito, eu era “a sem pai nem mãe”, só não era pior

do que minha amiga que morava no orfanato, que todos olhavam

com cara de pena. E o calendário comemorativo reforçava isso.

Pior dia do ano pra mim era o “dia dos pais”: todo ano eu tinha

que explicar que não tinha pai e ouvir que não dá pra nascer sem

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pai, que todo mundo tem pai. De início minha avó representava

meu pai, até o ano que minha mãe já alcóolatra e agora com

problemas de drogadição, fora colocada pra fora de casa, então

não teve mãe no dia das mães. A partir dali, ninguém ia ao dia de

ninguém. Questão resolvida. E foi libertador, pra todas nós.

Fui percebendo que nem todas as famílias eram iguais, as

mães de algumas meninas não as deixavam ir brincar na minha

casa e minha presença na casa delas durava até saberem que eu

era “criada pela vó” viúva. Fui construindo minhas relações de

amizade na rua e buscava me aproximar das crianças que tinham

uma realidade mais parecida com a minha e diferente das do

bairro de classe média em que eu cresci.

Tinha 4 professoras: português, matemática, ciências e

educação física. Lembro de algumas delas que marcaram:

Profª Marialice Coelho Dourado, de Português: letra

linda, lousa colorida, trazia a música, o teatro, o lúdico, a

literatura e o que eu mais amei desde sempre redação; tudo

acontecia nas aulas dela

Profª Joselita que tornava a Matemática a coisa mais legal

que eu já tinha conhecido, ela trazia jogos e amava os

números, tinha uma doçura diferente de outros

professores de matemática, ela nos respeitava e ao tempo

de cada um, aceitava as diferentes formas de resolver

questões e sempre trazia problemas que envolviam a

turma toda.

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Não lembro o nome da professora de ciências, mas para

mim ela era mágica, afastava as carteiras e nos colocava

como protagonistas nas experiências, éramos o Sol, a

Terra e todos os planetas, entendendo as órbitas e seus

movimentos, girando por toda a sala de aula. Passei a

estudar astrologia inspirada pelos planetas que ela me

apresentou de forma tão mágica.

Já na Educação Física, os meninos faziam separados das

meninas, somente era junto quando faltava um monte de gente.

Aí brincávamos de corda, mãe da rua, esconde-esconde,

ocupávamos a escola toda, com menos supervisão.

Eu era a menina falante, inteligente, loirinha de cabelão

liso até a cintura. Boazinha, voz de gralha, mas educadinha,

sempre querendo agradar. Era comum as professoras quererem

“me adotar”, me convidavam às suas casas, faziam penteados no

meu cabelo, nunca vi uma de minhas professoras pentear o cabelo

crespo de outras meninas ou tecer elogios a elas. Na época não

entendia bem se elas sentiam pena de mim, ou se não gostavam

de todas as outras meninas.

Da 3ª pra 4ª série, também começavam os movimentos de

formação de grupinhos, muito relacionado com a pré-

adolescência e toda a coisa de meninos de um lado e meninas do

outro ficou cada vez mais forte, o que nos unia ainda eram os

assuntos das aulas que forçadamente compunha grupos mistos,

que promovia um convívio fora da escola. Foi de um destes

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grupos que eu e outros 4 alunos decidimos ‘ajudar’ no reforço das

crianças de 1º e 2º ano. Na 4ª série tivemos um surto de hepatite

na escola, a contaminação se deu pelos bebedouros. Passei 4

meses sem poder frequentar a escola, voltando soube que nosso

projeto tinha sido encerrado.

O projeto de monitoria, interrompido pela diretoria, teve

tão bom desempenho com as crianças, que, quando chegamos ao

5º ano e mudamos de período, retomamos a monitoria e passamos

a brincar com as crianças menores no intervalo delas,

colocávamos em prática com apoio da coordenadora pedagógica

Foi daí que a coordenadora conversou com a gente sobre Grêmio

Escolar. Dona Petita, uma profissional que abria a secretaria pra

gente, também abriu a possibilidade de uma forma mais efetiva

de participarmos da gestão escolar. Compusemos então o

primeiro grêmio da EMPG Des Amorim Lima em 1988, e com

atividades que abria as portas da escola oficialmente no final de

semana e dali pra frente, até hoje, nunca foi diferente.

Era um tempo de muita discussão política, Período de

redemocratização, minha família ia às ruas nas carreatas desde as

Diretas, Mas descobrir esta coisa dos debates foi grandioso, além

das artes, tinham outros meios de comunicar.

Enquanto ia para a escola na 6º série, sozinha, um homem

que sempre estava na padaria quando eu ia comprar pão, estava

ali parado me esperando. Ele me cumprimentou, eu retribui como

sempre fazia e me chamou para “me dizer uma coisa”. Esta coisa

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era uma arma e me puxando ali mesmo no mato alto do fundo do

posto me estuprou. Fiquei chorando até perto do horário de saída

da escola que estava há somente 1 quarteirão e quando deu o

horário fui para minha casa, assim, sem contar pra ninguém,

envergonhada. Desta forma, achei que se ninguém soubesse, era

como se não tivesse acontecido.

Meu comportamento mudou, a escola me encaminhou

para psicóloga do posto. Como confiaria naquela mulher que só

me mandava desenhar e nunca tinha sequer olhado pra mim? Eu

ainda não podia falar.

No segundo semestre deste ano, minha mãe que já estava

vivendo com um companheiro, engravidou e me convidou a ir

morar com ela. Fui para Embu das Artes, onde me transferiram

pra uma escola estadual a partir do ano seguinte.

Aos 12/13 anos, na 7ª série, eu era uma rebelde

transgressora, que se colocava em todo tipo de risco. Arrumava

briga, cabulava aula, até chegar ao limite de levar a arma do meu

padrasto para a escola e brincar de roleta russa com minha turma.

Nessa escola, a profª de Educação Física costumava promover

rodas de conversas. Numa destas rodas, falando sobre

sexualidade, fui a única a dizer que não era virgem e pela primeira

vez vi a possibilidade de contar o que havia acontecido comigo

no ano anterior, mas fui cortada por ela dizendo: “Não é mais

virgem? E o que você pretende fazer da sua vida? Nunca haverá

um homem que queira casar com você!” Nunca, jamais, me

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esquecerei destas palavras, das caras de repulsa dos meus amigos

e do chão se abrindo embaixo de mim. Abandonei a escola.

Definitivamente aquele não era o meu lugar.

Sair da escola me obrigou a retornar para a casa da minha

vó, arrumei um emprego na vídeo-locadora que tinha acabado de

abrir no bairro.

Num período de quase 3 anos, flores chegaram a minha

casa algumas vezes, mesmo no tempo em que eu não morava ali.

Até que, em uma tarde, num destes dias, as flores chegaram perto

das 15h (o mesmo horário de entrada da escola há anos atrás). Eu

as recebi, não tinha cartão, somente meu nome, como das outras

vezes. Nesta tarde, estava sentada na calçada, quando um homem

subindo a rua, me cumprimentou pelo nome; percebo que era ele

que me enviava flores. Por fim contei que aquele homem havia

me estuprado. Foi um choque para todos, mas a cada frase e a

cada minuto eu me arrependia mais da revelação. Minhas roupas

curtas foram as primeiras a serem responsabilizadas, na sequencia

minha educação e excessiva simpatia. Estava ali tudo explicado,

a culpa era minha.

Aos 15 anos engravidei do rapaz de 19, que eu namorava

desde o fim dos 13 e achava que tinha vencido na vida. Agora eu

tinha um filho nos braços, não havia terminado o ensino básico,

não tinha liberdade para ter uma amiga ou ir à padaria; mas estava

construindo uma família, socialmente adequada, custasse o que

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custasse. Acreditando nisso, me mantive em um relacionamento

abusivo por 20 anos.

O fim da adolescência me rendeu duas tentativas de

suicídio e auto-mutilação; eu precisava muito que aquilo tudo

acabasse, que parasse de doer. Apesar de dolorosas as acusações,

a confusão da culpa, a nenhuma estima, falar foi libertador, foi o

princípio da superação e cura.

Conclui meus estudos entre idas e vindas de uma

adolescência complicada. Em 1994, me matriculei no supletivo e

conclui a 7ª e 8ª séries. Eu me envergonhava muito de não ter

estudado. Durante o supletivo eu já sabia me defender das piadas

maldosas de professores. Trabalhava, cuidava do meu filho, com

a ajuda da minha avó, eu conseguia estudar

Em 1995, veio o diagnóstico HIV+ da minha mãe. Na

década de 80/90 um diagnóstico de AIDS era uma sentença de

morte. Minha mãe tinha 34 anos e ainda nem sabíamos se meus

irmãos com 6 e 5 anos na época, teriam sorologia negativa. Neste

mesmo ano meu padrasto faleceu e minha mãe que havia se

convertido a uma religião protestante e estava sóbria há quase 5

anos, voltou a beber.

Foram quase três anos de cura da nossa relação durante o

tratamento, acordando a cada dia e vendo ela morrer um

pouquinho. Foram anos de total dedicação, até que no final de

1997, quando por fim conseguíamos dizer eu te amo, ela se foi.

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Minha mãe me ensinou sobre generosidade, sobre amor, sobre ser

quem você é. Ela viveu os 37 anos mais intensos que alguém

poderia ter vivido e demorei outros tantos anos depois da morte

dela, até entender que ela havia me ensinado a lição mais valiosa

que eu poderia aprender: a viver. Foi neste período entre idas e

vindas ao Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, que observei o

grande número de senhoras, casadas, em relacionamentos

tradicionais, que se descobriam soropositivas depois da morte do

companheiro de muitos anos. Em sua maioria eram resignadas.

Entre as mais jovens, a revolta era maior, com um número que

chamava atenção de tentativa de suicídio.

Concluí o ensino médio só em 2009, novamente na EJA.

Busquei colaborar na formação de todas aquelas pessoas que não

tinham tido nenhuma oportunidade, e aproveitei a oportunidade

de todo o conhecimento trazido por todas elas; “nenhum a menos”

foi nosso lema até o fim e vi muitas vidas serem transformadas

pela oportunidade da educação. Não foram os professores, muito

menos a gestão que nos motivou, éramos nós que nos

fortalecíamos, era o vínculo que criamos em nossas dificuldades

que nos aproximava. Eram muitas as opressões que nos uniam.

Hoje estou no 3º semestre de Pedagogia, EAD-UNICEU;

é a minha grande chance e farei dela o melhor que eu puder,

agarrada a esta oportunidade com unhas e dentes. Minha vó, hoje

aos 82 anos, ainda banha meu tio de 53 e sonha em me ver

formada

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Sofri bulling na minha turma nos primeiros semestres:

pergunto demais, contesto demais, quero aprender demais.

Minhas colegas sentem-se atrapalhadas por mim. Dividida entre

me calar e não atrapalhar, ou tirar deste curso tudo que ele puder

me oferecer, persigo meu sonho de como educadora reduzir as

violências todas que vi e vivi nas escolas por onde passei, na

busca por ser uma formadora de formadores que olhe a criança

como o universo particular que ela é, mas parte do todo, com

direitos, considerando de onde ela vem, suas experiências e

fazendo de suas limitações potencialidades a serem estimuladas e

desenvolvidas. .

Desde 2012, dedico integralmente minha vida a

coordenar, orientar, facilitar e promover a execução de projetos

de jovens artistas periféricos, na busca pela redução das

desigualdades sociais, do machismo e do racismo; por ver na

prática nossos Direitos Humanos e Sociais garantidos em sua

integralidade, numa perspectiva intercultural de Cultura de Paz.

O diploma que busco hoje, já não é importante só pra mim;

mulher periférica, feminista, educadora social, documentarista,

produtora cultural e mãe sem romantização; o diploma é também

para outras mulheres que se viram entre os retalhos que formam

a colcha da minha existência, para que se motivem a não desistir

delas mesmas.

Camila Souza

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Coordenadora de Projetos do Instituto Haphirma pelo Desenvolvimento

Humano Integral e Idealizadora do ErêTantã_Bloco do Brincar.

Como foi passar pelo GDE-2017?

Primeira manhã no 14º Encontro USP Escola: cheguei a sala do

GDE-2017, a música cheia de energia nos recebeu, logo percebi que

seria deslocada do meu lugar. Feminista, cheia de certezas, mas

transbordando de dúvidas; cheguei ali naquele primeiro momento,

emocionalmente impactada por estar na USP, como aluna em um curso

de extensão. Para quem brincou naquele quintal por toda a infância, sem

jamais ser encorajada a tentar estar ali.

Segundo dia eu tentava assimilar a tal metodologia de

autobiografia e começava a ver pequenos pedaços meus em cada

história que se contava ali, cada fragmento de memória; tanta superação

naquelas vozes que também eram minha, uma força que a gente não

entende de onde vem. Eu ainda não havia começado nem biografia,

menos ainda diário ou projeto. Estava atida a plataforma que fora

apresentada, com tantos conteúdos de referência, e encantada com a

Prof Andrea Paula, tanto conhecimento e uma luz que trazia a tona

possibilidades que eu jamais tinha imaginado.

Metade da jornada eu me dei conta que me sentava para tentar ler,

mas na verdade aquela hora na grama servia para assimilar todo aquele

conhecimento fervilhando na cabeça. Não rolou grana nem pro

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bandejão nesta semana, mas a alma estava tão alimentada de tantas

outras coisas, que a matéria pouco importou. Nós dançávamos. Todos

os dias, pelo menos uma hora. No começo, bem mais tímidas, mas ali,

já no meio daquela jornada tão íntima, nos divertíamos com os passos

trocados e a exaustão, mas era libertador e nós já éramos um grupo.

Já no penúltimo dia juntos, precisava começar minha biografia,

desde o primeiro dia buscando como construir. Criei um grupo em uma

rede social, com as tias de mais idade da família e comecei a provocar

memórias de tempos antigos, gerações atrás; aquele curso estava

refletindo na construção da identidade da minha família, o que para

mim era muito importante ( minha mãe faleceu com apenas 34 anos e

não tive presença paterna, nem carrego seu nome), pois minha história

nunca foi contada. Não tenho álbuns de fotos de aniversário ou de

apresentações de escola, a família já fazia um rodízio para garantir que

pelo menos uma pessoa comparecesse a escola. Estava eu ali, tomando

consciência das dores e violências provocadas por duas das instituições

sociais mais sólidas: a família e a escola.

Último dia, precisava lidar com o rompimento. Havia uma

promessa de que o grupo não se dissolveria ali, mas tantos outros bons

grupos, quando concluem suas formações, se dissolvem. Período da

manhã, eu me inscrevi no último momento para falar. Tremia. Nunca

contei aquela história, estava ali tão despida quanto nunca tinha

experimentado, mas estava entre pares e não tinha dúvidas do carinho

de todas as pessoas presentes. Levei o hino da Marcha Mundial de

Mulheres Contra o Racismo e pelo Bem Viver e contei da minha

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experiência na formação de formadores, com atores culturais

periféricos. Fui muito bem acolhida e eu pensava: ‘Porque será que

ensinam tantos conceitos? Olha esta metodologia, sou outra pessoa, foi

transformador!’

Depois do GDE o grupo não só não se dissolveu, como se uniu

ainda mais. Temos construído e dançado, dançado muito. E aprendido

e nos encantado.

Até o próximo GDE, onde estaremos presentes de corpo e alma,

ampliando esta rede multiplicadora da Cultura de Paz.

Camila Souza

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Capítulo 4

Emely Fagundes

OUVINDO O PRÓXIMO, PODEMOS ENTENDER E

COMPREENDER MELHOR OS PONTOS DE VISTA DE

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CADA UM E COM ISSO CONSTRUIR A PRÓPRIA OPINIÃO

O Despertar

Meu nome é Emely, minha família me chama de Jacqueline,

meu segundo nome. Tenho 30 anos, sou Pedagoga, formada em

História e tenho 4 pós-graduações em arte e terapia,

psicopedagogia institucional, alfabetização e letramento e

psicopedagogia clinica e hospitalar. Estou começando minhas

pesquisas para o Mestrado, pesquisando quais universidades

serão possíveis para o estudo, após eu ter conseguido a

oportunidade de ser coordenadora no meu trabalho, onde pude

perceber a importância da formação do professor para a sua

prática.

Desde pequena sonhava em ter uma profissão, brincava de

escolinha com minhas primas, escrevia na lousa, lia livros,

imitava meus professores, acredito que tive boas influencias para

seguir esse caminho. Convivi com algumas dificuldades,

trabalhei muito mesmo estudando no Ensino Médio, sonhava em

entrar na faculdade Uninove. Lutei, fui atrás do Movimento dos

Sem Terra e consegui meia bolsa; assim concluí o curso de

Pedagogia. Durante esse processo fiquei 5 anos estudando, pois

fiz 2 pós-juntas. Esse período não comprava nada, usei as mesmas

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roupas e sapatos por anos. Tinha uma visão fechada, pois pertenço

a uma religião que por muitas vezes o homem dita sua lei, mas eu

penso que Deus está em nossos corações e quem julga é somente

Ele. Portanto, aos 22 anos de idade, quando encerrei meu primeiro

ciclo de formação, mudei meus pensamentos, modo de agir, falar

e andar; tive forças para separar as questões da igreja e da

profissão, pois eu seguia conforme os costumes e regras que são

colocadas por cada religião: mulher usar somente saia, cabelo

grande, não ouvir ou dançar músicas que não sejam da nossa

igreja, não ter TV. Não deixei de freqüentar, no meu modo de paz,

ouço músicas que sinto vontade e danço quando quero.

Muitas pessoas na época criticaram (meus pais ficaram do

meu lado), essa mudança dizendo: ´´Você cortou o cabelo´´, ´´

você pintou o cabelo´, você está usando calça´´, vamos orar

por você.

No começo eu senti dúvidas, pois esses comentários me

deixavam achar que errei e que pequei diante de Deus, mas

consegui compreender que pessoas têm opiniões diferentes,

idéias, ações e interpretações à sua maneira, aprendi a respeitar e

aceitar.

Algumas vezes debatia, fiquei um bom tempo sentindo uma

revolta por ter feito essa mudança. Acredito que todas as pessoas

têm o direito de escolha e mudança, e não importa quando isso

acontecer, temos que respeitar e compreender.

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Quando iniciei o curso GDE, que fui escolhida, fiquei muito

feliz, pois só em falar USP, foi um orgulho. Durante o curso tive

muitas idéias do que escrever que daria um livro, pois sou uma

pessoa que gosta de ouvir muito. Acredito que ouvindo o

próximo, podemos entender e compreender melhor os pontos de

vista de cada um e com isso construir a minha opinião após

analisar cada situação.

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Capítulo 5

Felipe Eduardo dos Santos

TODOS NÓS TEMOS DIREITOS E DEVERES

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As Descobertas

Sou o professor Felipe, tenho 29 anos, sou de São Paulo,

recém formado em Educação Física. Atuei como estagiário na

prefeitura de Caieiras, onde aprendi e descobri coisas novas

dentro da minha área, com as experiências dos professores já

formados.

Vou relatar aqui dois fatos em breve palavras:

A minha vida, desde pequeno, foi de desafíos. Cresci

querendo ter as coisas, como qualquer outro rapaz: carro, trabalho

e habilitação.

Consegui trabalhar em uma empresa, sem pensar em

faculdade; mas não via a hora de me formar e ter meu dinheiro.

Trabalhei com serviço de metalúrgico muito pesado e comecei a

perceber que os estudos eram importantes, pois quem tinha

recebia mais e tinha melhores cargos.

Minha irmã já estava formada, e nunca deixou de estudar

até hoje. Ela é pedagoga e está como coordenadora. Pensei que eu

poderia ser professor, pois gosto muito de jogar bola e de assistir

esportes na TV.

Então decidi pedir a conta no trabalho, me arrisquei.

Comprei um carro, já tinha uma moto do meu outro emprego.

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Cheguei a pensar que não iria conseguir terminar o curso: muitas

lutas, peguei algumas DPs, mas estou firme; ainda desempregado.

No meu estágio aprendi muitas coisas, mas destaco algumas

situações relacionadas à nossa cultura. Alguns pais, por serem

evangélicos, não aceitavam que seus filhos participassem de

atividades como: dança, uso de roupas de acordo com a dança,

comemoração de alguma data que para eles remetem a idolatria.

Considerei que estavam privando seus filhos dos seus direitos.

Isso me marcou muito, pois acredito que todos nós temos direitos

e deveres, mas muitos pais precisam ter conhecimento e entender

muitas questões culturais.

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Capítulo 6

Flavielle Jollenbeck

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Diversidade religiosa – três (ou mais) em uma

pessoa.

Talvez minha história seja parecida com muitas outras,

visto que o que vou falar é sobre minha trajetória religiosa.

Fui batizada nos conformes do Catolicismo, como

acredito que a maioria da população. Mas nasci e minha infância

foi dentro da Umbanda, minha mãe era “mãe de santo” do bairro

onde vivo, meu quintal tinha um centro: ouvir e bater tambor eram

normal. Uma religião como qualquer outra, em que alguém que

precisa de ajuda encontra o conforto, mas demonizada para a

maioria dos que não conhecem ou não convivem, ou ainda que a

use como forma de querer fazer o mal ao outro e atribua essa

maldade a religião e não a suas atitudes.

Quando criança, tive pneumonia, e por estar num estado

em que minha mãe julgava muito ruim, ela fez uma oferenda a

Oxum, pedindo minha melhora, me deixando assim em cuidados

desse orixá. Se foram os medicamentos ou a intervenção divina

que me fez melhorar, já não sei, mas até hoje é muito difícil eu

ficar gripada, com força que, segundo minha irmã, “é maior que

de muito homem por aí”.

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Após o falecimento da minha mãe, minha irmã me levou

para a religião evangélica; não de forma autoritária e nem

agressiva. Nunca fui obrigada a seguir nenhuma religião, mas era

o que ela acreditava e queria meu melhor. Ela já estava indo em

igrejas e conhecendo antes, tanto que minha mãe se converteu

pouco antes de sua morte.

Acredito que foi essa religião e seus engessamentos que

causaram tantos entraves que carrego até hoje: coisas pequenas

como ter medo da religião onde nasci, jogar brinquedos do

pokémon que era visto como demoníaco, ter medo de ser

constantemente castigada por Deus e negar minha orientação

sexual. Estudei o Fundamental II em uma escola religiosa, onde

havia cultos toda sexta depois do intervalo.

Talvez tenha começado aí tantas inseguranças e medos,

ou não. Minha vida até os dez anos (quando minha mãe morreu)

é contada pelos meus irmãos e depois disso, parece que as

histórias se bagunçam. Atualmente, adulta, me reconheço como

do Espiritismo Kardecista, assim talvez como meus irmãos.

Mas a questão de tudo isso não é só sobre uma pessoa

que passou por algumas religiões e carrega a diversidade disso,

mas como em sala de aula isso é totalmente anulado. Claro, a

escola é laica... mas para os alunos. O professor e o Estado

parecem imunes a isso e coloca a vertente do Evangélico como o

padrão correto a ser seguido. Isso, diretamente interfere naquela

aluna que não se reconhece nele, ou que talvez apenas não tenha

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interesse nisso. Então, como romper um molde de educação que

parece tão inquebrável?

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Capítulo 7

Rivka

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O QUE É SER TRANSPARENTE?

Eu: um eixo de diversidade

Sobre mim: Rivka, quase uma década de magistério,

mestre, doutora em Literatura, dois livros de ficção publicados...

Sentiste falta de algo? Sim, eu também sinto a falta do meu lado

pessoal Rivka, trinta e dois anos, homossexual, judia, sobre-peso-

devoradora-de-livros-e-de-tudo-que-cause-bom-paladar,

comediante enrustida, sagitariana com ascendente em gêmeos e

lua em peixes, amante de um bom uísque com porcentagem

alcoólica baixa e de um cigarro de baixa nicotina apenas para criar

o clima biográfico nebuloso de Saussure nos meus textos sobre

meu azar no amor, mas sem se descuidar da saúde. Piscadela

fotógrafa. Nostálgica que prefere Canal Viva a Netflix (não

rigorosamente), nostálgica a discos de 1989 para antes...

Esse meu lado retraído, especialmente tímido, parte da

minha existência fingido, outra parte sofrido preconceito. Esse

meu lado pessoal endurecido com postura docente frente ao

aluno, por orientação de possível repressão misógina. Retraio

minha orientação aos alunos. Tenho colegas, homens gays,

assumidos à classe e que têm todo apoio. Isso não se aplica às

mulheres, pois ainda há o “preceito esperançoso” de que a mulher,

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ainda mais se for professora, há que defender as retro-normas

adotadas ao “bom costume”.

Quando me uni a um colega e amigo gay nos movimentos

LGBT, o corpo docente, composto mais de 90% por professoras,

teve a sua maioria evitando me dirigir a palavra. Não entendi. Mas

não sofri! Apenas sinto em não poder compartilhar

amistosamente sobre minhas inspirações líricas e amorosas no

que me faz comum e feliz sem me importar com que julguem.

Meu lado fingido – que não faço mais – é um feixe da

parte retraída: fui noiva “heterossexualmente” duas vezes.

Daqueles namoros chatos e blasé de domingo cuja única atração

que me causava um pouquinho de frenesi era admirar as bailarias

do programa Silvio Santos. Até aí, sem comentários, passemos à

parte terceira.

Meu lado sofrido preconceito foi na escola onde cursei a

primeira série, ainda do antigo segundo grau. Escola católica onde

tive minha entrada proibida na capela por ser judia... Colegas de

turma evitavam se aproximar de mim. Na dita “hora da oração”

ia, lá, eu para a biblioteca. Namorava a Literatura nesta época...

Hoje já me encontro casada com ela através de mestrado e

doutorado em papel passado e lecionando-a com amor.

Voltando para o meu lado ativo na sala de aula, meus

alunos conhecem o lado de defesa: a titulada, a elaboradora de

projetos, a postura ereta não-emotiva, objetiva. Pergunta-me tu se

isso me torna o dia cinza. Respondo-te que, de tudo isso, a cinza

das horas – amálgama de Manuel Bandeira – cede espaço a cinza

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daquela que tem de esquecer-se subjetivamente para não exibir a

consequência do seu leque de diversidade.

Bom, por isso, escrevendo sobre o eixo diversidade, é

plausível considerar que a diversidade não seja um assunto

tratado de professores para alunos, mas que seja também

tratado/trabalhado entre os professores, os funcionários, os

responsáveis. Toda comunidade escolar é diversa por sua

natureza! Logo, o que é diverso é transparente.

E o que é transparente? Segundo o dicionário, adjetivo

comum de dois gêneros; 1. que deixa passar a luz e ver

nitidamente o que está por trás; 2. p. ext. que deixa passar a luz

mas não permite distinguir o que fica atrás; translúcido.

Permitamo-nos, pois, observar: quando a palavra no

dicionário é poesia pronta, resta-nos vesti-la com veracidade e nos

sentirmos poema... Então, a contar sobre mim, possuo uma lista

de transparente diversidade assim como Fernando Pessoa possui

dentro de si todos os sonhos do mundo. Portanto, qual deles eu

colocarei primeiro em realidade (perante meus alunos)?

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Capítulo 8

Luciene Alves

AGORA POSSO AJUDAR OUTRAS PESSOAS A

ENCONTRAR AS SUAS DORES, AMENIZAR ASSIM

ESSE SOFRIMENTO INCALCULÁVEL.

Narrativa – Diário Pessoal

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Eu me chamo Luciene Alves de Souza, tenho 50 anos, sou

natural de São Paulo e resido na Zona Leste.

Trabalho há onze anos em uma escola da Rede Estadual

(Escola Estadual Professor Gabriel Ortiz) e há três anos

exercendo a função de Professora Mediadora de Conflitos.

Também sou Psicóloga Clínica com consultório no bairro

do Tatuapé, atendendo aos sábados.

Aos três dias de nascida fui adotada por um casal que não

podia ter filhos (Alice e Luiz), meus queridos pais.

Criada no seio da família do meu pai, pois a família de

minha mãe era de Santa Catarina e não tínhamos contato.

Fui muito amada por meus pais, mas não por sua família,

que não me consideravam da família por ser adotada e negra.

Durante toda minha infância e até a adolescência sofri

Bullying familiar. Minha mãe biológica era prima distante de

minha avó paterna e esporadicamente quando aparecia, eu era

trancada em um banheiro junto com ela e minha avó dizia que ela

poderia me levar quando quisesse, pois Alice e Luiz não eram

meus pais e sim ela era minha mãe. Eu chorava muito todas as

vezes que esta mulher aparecia.

Era sempre preterida em relação aos meus primos que

tudo podiam e eu não.

Minha avó um dia pegou um brinquedo que eu achei (uma

bolinha de borracha colorida), tomou da minha mão e disse que

daria para meu primo porque achei no quintal, então não era dona.

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Acabei ficando com o brinquedo, pois chorei muito e ela me

devolveu.

Quando estava com oito anos, meu pai, que trabalhava em

obras, me deu uma cachorra branca que dei o nome de Boneca.

Um dia voltando da escola chamei por ela e não obtive resposta.

Apareceu minha avó e disse que chamou a carrocinha e deu a

minha cachorra. Ela me disse:

- Porque só você pode ter cachorro e seus primos não? -

Chorei por dias e meus pais não puderam fazer nada.

Minha mãe era uma pessoa muito pacata, sendo assim

nunca me defendia. Apenas tentava controlar as situações

escondendo muitas coisas de meu pai para não haver brigas. Foi

muito humilhada para poder conseguir algum dinheiro para meus

estudos básicos.

Eu sofria calada por respeito aos mais velhos, pois era essa

a educação de minha mãe até chegar à adolescência, onde me

rebelei como a maioria nesta idade e não permitia que mais

ninguém me ofendesse.

Mas no fundo sempre tinha a necessidade de saber o

porquê de tudo que acontecia.

Sendo assim quando adulta depois de muita luta e já com

vinte e seis anos, passei no vestibular para Psicologia e foi quando

consegui as respostas que procurava para mim. Agora poderia

ajudar outras pessoas a encontrar as suas, amenizar assim esse

sofrimento incalculável.

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Minha profissão como Psicóloga, contribui muito para

meu cargo como Mediadora, pois trabalhando com adolescentes,

deparamos com muitos conflitos interpessoais, mas na maioria

das situações o que ressalta são os conflitos intrapessoais.

Trabalho com dois projetos muito importantes para a

Mediação de Conflitos que são: Roda de Conversas e Tutores da

Mediação e com o conteúdo do curso Direitos Humanos, Gênero

e Diversidade na Escola em que pude crescer como pessoa e

profissional. Vou poder aprimorá-los acrescentando novas

técnicas aqui aprendidas auxiliando a todos a ter um olhar

diferenciado diante das reações das pessoas que fazem jul-

gamentos discriminatórios, preconceituosos e de estereótipo.

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Capitulo 9

“PERMANEÇA NAQUILO QUE VOCÊ ACREDITA!”

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Luciene Alves

Cresci numa família pobre, pais nordestinos, muitos

irmãos – dos quais sou a mais nova.

Dos filhos que moravam na casa, o mais velho era o único

homem. As falas relativas ao comportamento esperado de acordo

com o sexo eram frequentes. Em determinada ocasião, este foi

severamente repreendido por estar ‘mostrando os dentes’ para

outro homem que estava à porta conversando com a mãe.

As filhas mulheres lidavam com inúmeras proibições, não

podiam nem ter amigos homens. Sem citar as recomendações de

portar-se como recatadas. Nesse contexto, a sexualidade era um

tabu, associada ao pecado e não ao prazer

A violência doméstica era freqüente. Lembro de episódios

em que o patriarca (alcoólatra, autoritário, agressivo e possessivo)

chegava alcoolizado e agredia a matriarca (submissa, mas

também inflexível). As crianças sempre assustadas, poucas vezes

tinham reação. Uma ocasião ele batia a cabeça dela repetidas

vezes na parede, ouvia-se gritos. Em outra noite de briga, ela

dirigiu-se a delegacia acompanhada de sua filha menor para

prestar queixa. Mostrou sua roupa rasgada por seu parceiro.

- Senhora, tá vendo isso aqui, é sangue. Não é brincadeira!

– Foi a resposta que obteve do atendente, que apontou marcas

vermelhas no chão. A violência persistiu, em maior ou menor

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grau, por longos anos, até que marcas de sangue puderam ser

vistas também na casa desse casal. Exatamente o que ocorreu só

eles souberam, mas após isso finalmente houve intervenção da

justiça, determinando o afastamento do agressor.

Criação extremamente rigorosa, o erro não era aceito.

Tentei me enquadrar nesse padrão exigido durante grande parte

de minha existência. Era uma criança tímida que convivia com

carência afetiva e inúmeros complexos. A tentativa de agradar a

outrem também me acompanhou, e em meio a todos esses

conflitos internos vivi em depressões constantes; ora não desejava

viver, ora buscava a superação.

“SIM, SOU EU MESMO

TAL QUAL RESULTEI DE TUDO...

QUANTO FUI, QUANTO NÃO FUI,

TUDO ISSO SOU...

QUANTO QUIS, QUANTO NÃO QUIS,

TUDO ISSO ME FORMA...”

O curso fez grande sentido pela fase de vida que estou.

Sempre gostei de desafios, me motivam; atualmente desligar-me

de inúmeros paliativos e aprofundar-me em questões internas

considero ser o maior de todos eles.

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Iniciei o Encontro USP- Escola pensando que a área com

a qual mais me identificaria seria diversidade cultural, uma

abordagem comum que levo a todos os ambientes por onde passo:

nossas diferenças podem ser vistas de forma positiva se focar na

contribuição individual com o todo.

Porém, no decorrer do mesmo, me emocionei muito ao

relembrar minha história de vida, desde a infância, e perceber o

quanto sou fruto de uma criação racista, machista, sexista e

movida por inúmeros outros preconceitos.

Por fim, perceber o valor inestimável da pluralidade

humana e oferecer resistência a qualquer ação externa que

objetive o enquadramento em um padrão de vida estabelecido foi

o que obtive com o Curso. É impossível alcançar a felicidade

negando nossa própria essência, tentando ser aquilo que os outros

esperam que sejamos. E já que estamos vivos, precisamos

usufruir da vida!

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Capítulo 10

Eugênia Kato

TUDO QUE TENHO VONTADE E QUE NÃO VAI

ATRAPALHAR NINGUÉM EU FAÇO, NÃO ME

PREOCUPO SE VOU AGRADAR OU NÃO; RESPEITO

AS PESSOAS, MAS RESPEITO A MIM MESMA EM

PRIMEIRO LUGAR

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De onde eu vim e para onde estou indo...

Para descrever um pouco sobre mim, preciso contar primeiro

sobre meus pais. Minha mãe nasceu em 1944 em Teófilo Otoni, Minas

Gerais, filha de descendentes alemães (Laure e Paschke); meu pai

nasceu em 1949 em Promissão, São Paulo, filho de imigrantes

japoneses (Nakamura e Kato).

Muitos acontecimentos e histórias complexas aconteceram com

ambos, infâncias rigorosas e repletas de sanções financeiras. Em certo

dia na Cidade de São Paulo, minha mãe estava lavando a calçada, no

bairro de Moema, onde trabalhava como doméstica em casa de família;

meu pai aparece todo sujo de graxa e pede água para lavar as mãos e

minha mãe nega com receio da patroa brigar e indicou o barzinho na

esquina. No final de semana seguinte ele voltou e a convidou para sair,

para assistir uma luta de boxe. Daí segue-se anos de namoro e eles

acabaram casando em 1972, na Igreja Católica, sem a presença do meu

avô materno, separado da minha avó, ambos de religião Lutera (hoje,

aos 94 anos, minha avó materna é católica). Meu pai, sem a permissão

do meu avô paterno, que era NichirenShu (ordem Budista), contou

apenas com a presença da minha avó paterna, nem seus irmãos estavam

presentes.

Em 02 de maio de 1974, no bairro de Santo Amaro, Zona Sul da

cidade de São Paulo, de parto natural eu nasci às 21 horas, vivi os

primeiro três anos da minha existência na casa da minha avó materna e

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depois por quase toda minha vida na casa da minha mãe, na mesma rua,

em Interlagos. Apesar de ser um bairro no extremo Sul da capital

Paulistana, é considerado relativamente nobre. Apesar da grande

dificuldade financeira dos meus pais, ambos muito trabalhadores e com

costumes e gostos muito ímpares, fizeram muito para que eu pudesse

ser quem sou: acredito que sou uma pessoa muito abençoada porque

acredito em Jesus Cristo e em Nossa Senhora, sem influência dos meus

pais; eles acham que sou “Beata” e Deus me ajude que um dia eu possa

ser mesmo, sem perder minha paixão pela vida (dança e música,

Carnaval, plantas, animais, perfumes, brinquedos, cor-de-rosa, natação,

viajar, pessoas, em especial crianças e adolescentes).

Fui uma criança muito doente até os 10anos, e tive muitas doenças

incomuns durante a vida toda, mas quanto mais o tempo passa,

aparentemente mais saudável tenho me tornado.

Com 43 anos, já vivi e sobrevivi muitas relações, histórias,

acontecimentos, ações e reações. Acredito que não tenho grandes

dúvidas sobre a minha existência, nem grandes dores ou traumas

psicológicos, filosóficos, social, tão pouco espiritual; só biológico, que

ainda estou no caminho da cura usando a homeopatia, porque a alopatia

não tem mais eficácia no meu corpo. Mas não deixo de fazer nada na

minha vida por conta das dores que sinto, talvez faça mais lentamente.

Tudo que tenho vontade e que não vai atrapalhar ninguém eu faço, não

me preocupo se vou agradar ou não; respeito as pessoas, mas respeito a

mim mesma em primeiro lugar.

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Sou farmacêutica, mas essa é uma longa história e hoje pouco

presente no meu dia a dia, e não representa em nada o meu ganha-pão,

faz parte só de parte dos meus projetos de voluntariado.

Em 2010, por conta de perdas salariais e dificuldades por conta

do Serra (enquanto ministro) e do Ex-Presidente do PT, resolvi buscar

uma nova forma de sobrevivência financeira. Como sempre gostei de

todas as áreas, não consegui visualizar o que eu poderia fazer para

mudar, mas precisava recomeçar aos 36 anos, por uma série de questões

familiares e socais. Minha melhor amiga de infância me recordou que,

mesmo eu estudando em escola pública, dava aula particular para os

vizinhos de escola particular. Então decidi fazer Licenciatura em

Química; mas como não existia um curso próximo, com valores

financeiros possíveis e horários cabíveis, desisti do curso. Foi quando

apareceu no quintal de casa a propaganda do Curso de Licenciatura em

Pedagogia, em turmas da madrugada, das 5h45 às 8h30, a 9 km de casa

e a 8 km do meu emprego onde meu turno era das 9h às 19h de segunda

a sexta e sábados e domingo alternados das 9h às 14h, foi perfeito.

Cursando Pedagogia no Centro Universitário Ítalo Brasileiro

(UniÍtalo) tudo deu certo. Amei o curso, os estágios, os trabalhos

voluntários, as atividades complementares, as amizades conquistadas,

os trabalhos que vivenciei de 2012 quando comecei a lecionar no Estado

como Professor PEB II (ciências, biologia, química entre outras

disciplinas), em 2014 após ser Professora substituta no semestre

anterior fui contratada pela UniÍtalo. Hoje sou professora efetiva da

Prefeitura de São Paulo na EMEI Barão do Rio Branco com 620

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crianças lindas, estou como módulo acabo conhecendo ou sendo

conhecida por quase todas as crianças. Atuo também com o

Voluntariado com as Irmãs Carmelitas Mensageiras do Espírito Santo

(freiras) nos Lares Abrigos e CCA (Centro de Criança e Adolescente).

A partir de 2010 cada dia, semana ou mês podem vir a ser um

belo e grande relato. Minha vida é muito agitada e sempre com

acontecimentos diversos, mas são histórias para outros diários. Um

grande abraço para quem leu até aqui e minha gratidão.

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Capítulo 11

Lucilene Freitas

“SILENCIAR A VIOLÊNCIA SIGNIFICA PROMOVER A

MORTE EM VIDA DE SUAS VÍTIMAS.”

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Vivências e lutas...

Meu nome é Lucilene, sou professora atualmente, e me

interessei por Direitos Humanos a partir da minha graduação em

Licenciatura em Geografia iniciada em 2010 com o auxílio do

meu professor orientador. Realizei pesquisas sobre relações

étnico-raciais e desenvolvi atividades sobre essa temática,

anterior a esse momento. Minhas atitudes não eram refletidas e eu

não tinha o aporte conceitual para entender o quanto a nossa

sociedade é inspiradora para nos manter dentro de ideias que

visam o combate ao preconceito, racismo e outras formas de

inferiorizar as pessoas. No decorrer da graduação conheci grupos

de estudos sobre gênero e as condições da mulher e sua

visibilidade na sociedade, e foi nesse momento que surgiu na

minha vida uma situação que será exposta a seguir.

Muitas vezes achamos que algumas situações que

aparecem nas grandes mídias e meios de comunicação não podem

acontecer com pessoas muito próximas ou mesmo em nossas

vidas, assim, nos enganamos. O que ocorre é uma sucessão de

episódios de medo em que as vítimas perdem suas forças e

adoecem ou ficam em condições de sub sobrevivência, como, por

exemplo: medo de sair de casa, atender telefone, freqüentar o

trabalho, escola ou universidade, entre outros que impedem que a

pessoa que sofre tais pressões e desafios tenha força para lutar

contra as situações de opressão.

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A introdução acima é para revelar o momento em que

reconheci e fortifiquei a minha identidade por meio de uma

vivência com uma pessoa da minha família que passou cinco anos

em uma relação abusiva, sofrendo violência física e psicológica,

quadro que resultou em uma depressão e, posteriormente, com o

surgimento de um câncer que avançou e deu fim a sua vida com

apenas 39 anos, deixando um filho de três anos que hoje é uma

das motivações para minhas ações diárias. O intuito aqui não é

detalhar as cenas vividas ou toda a violência sofrida, pois a

própria vítima não terminou o relacionamento com a pessoa que

a agredia, não realizou denúncias ou tomou qualquer providência

por receio que o filho pudesse sofrer mais com a situação ou

mesmo que acontecesse algo grave com a criança por conta das

ameaças recebidas.

A partir do falecimento da vítima se iniciam as minhas

lutas com relação à pessoa que cometera as ameaças e agressões,

pois essa circunstância ganhou grande proporção a ponto de toda

família enfrentar os mesmos problemas com relação à violência

praticada anteriormente apenas com uma pessoa.

Esse relato é um alerta para que o silêncio praticado por

mulheres, jovens e adultas, seja rompido diante de qualquer forma

de desrespeito e intervenção negativa quanto a sua integridade

física e psicológica. Esse enfrentamento é um processo que

precisa ser vivenciado diariamente com a ajuda da família,

amigos e serviços complementares de apoio a vítima, tanto em

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âmbito jurídico como em associações que prestam serviços

auxiliando mulheres.

A partir do momento em que descobrimos uma vítima em

potencial, nossas ações devem ser voltadas para auxiliar essa

pessoa a sair da relação abusiva a qual esta submetida, não é uma

tarefa fácil, afinal, o medo e pânico imperam. Reforçando que, no

meu caso, a pessoa mencionada faleceu e, os casos de ameaças

persistiram, sendo assim: como será conviver com uma pessoa

que diariamente não lhe faz bem? Que tira toda a sua liberdade?

Afasta-te da sua família e amigos? E, sobretudo, esmaga toda a

tua identidade praticando diversas maneiras de violência?

Essa mensagem que narra apenas um pequeno momento

da minha vida é também um convite, ou mesmo um apelo, para

que nós, como defensoras e defensores dos direitos humanos

comecemos com as ações em nosso cotidiano, intervenções por

meio do diálogo e afetividade, pois as feridas só podem ser

curadas com muito carinho e amor, e mesmo assim, há marcas

que não se apagam com o passar do tempo na vida e história das

mulheres.

Em meio às vivências reveladas, participei do curso

Gênero e Diversidade na Escola pela Universidade Federal Do

ABC em 2015 que foi essencial para que eu despertasse meu

entendimento sobre como a sociedade trata as questões

relacionadas aos Direitos Humanos, e como as ações relacionadas

ao preconceito, racismo, xenofobia, entre outras ideologias, estão

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ligadas ao pensamento eurocêntrico e ganham vigor por meios de

normas e padrões impostos socialmente que servem para

categorizar pessoas, e dividí-las segundo sua etnia, gênero ou

orientação sexual, de modo que haja a estreita visão de

inferioridade de alguns grupos sobre outros, ou mesmo

individualmente.

A dúvida que eu deixei para este momento: quem é a

vítima que faleceu? - Minha irmã. As vítimas que restaram: eu,

meu sobrinho e toda minha família. Hoje, tenho medidas

protetivas de afastamento com relação à pessoa que praticou as

ações agressivas e apoio jurídico e de órgãos competentes.

Capitulo 12

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Ana Gisele

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A IMPORTÂNCIA DE DISSIPARMOS

ALGUNS CONCEITOS E

PRECONCEITOS

PROJETO: ARTE E INCLUSÃO: UMA

POSSIBILIDADE

Ana Gisele

O projeto de intervenção proposto no curso teve como

objetivo central realizar uma releitura de uma obra de arte para

trabalhar o tema da inclusão, com estudantes que frequentam a

escola no período vespertino e que estão cursando a 5ª ano do

Ensino Fundamental I, com idade aproximada de 10 anos.

Para o trabalho de intervenção com os alunos, selecionei as

obras da artista Rosa Maria da Paz sobre brincadeiras infantis.

Nascida em São Paulo, mas moradora da cidade de Mauá desde

os primeiros dias de vida, a artista plástica trabalha tendo como

linha mestra, as obras de Picasso, sem, contudo ater-se

exclusivamente ao estilo desse famoso pintor. Trabalha com cores

vibrantes e intensas, muitas figuras geométricas e temas do

cotidiano. De suas obras selecionei aquelas que tinham como

tema, as brincadeiras infantis, e ative-me especialmente sobre

uma obra: Pipas.

Justificativa:

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Somos seres expressivos e as linguagens artísticas

deveriam ser vistas como uma oportunidade de conhecimentos e

de demonstrar sentimentos e pensamentos. A Arte pode auxiliar o

indivíduo a descobrir, compreender, desenvolver habilidades

contidas em si mesmo, mas que precisam de auxílio para

desabrochar.

Objetivos:

- Propor e realizar um projeto de intervenção tendo como

pano de fundo a releitura de uma obra de arte para trabalhar o

tema da inclusão.

- Discutir nas rodas de conversa a inclusão como direito

adquirido e necessidade social.

- Apresentar uma forma lúdica para trabalhar com o tema

da inclusão.

Metodologia:

Com os alunos, realizou-se a atividade proposta através da

apresentação da obra de arte Pipas, de Rosa Maria da Paz; uma

conversa dirigida sobre a artista ressaltando seu contexto de vida,

seu trabalho e buscando que os alunos posicionassem suas

opiniões a respeito da questão da inclusão e seu papel na

sociedade. Logo em seguida, pediu-se que eles fizessem uma

releitura da obra apresentada, com vistas à inclusão.

Recursos materiais:

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Figura impressa contendo a obra Pipas; folhas de papel

sulfite, materiais de pintura como lápis de cor, giz de cera, canetas

hidrocor, réguas, lápis, borrachas.

Durante o processo de construção da releitura, algumas

discussões muito interessantes surgiram, acompanhando o tema

central, que era a inclusão, como a relacionada a gênero, já que

na figura apresentada, há uma menina empinando pipa, e isso

suscitou, a princípio, bastante questionamento por parte dos

meninos e também das meninas. Diante dessa atitude, realizamos

uma roda de conversas e pudemos discutir sobre o porquê aquela

figura elevou tanto os ânimos de todos os alunos. A reflexão

mostrou-se extremamente eficaz para dissiparmos alguns

conceitos e preconceitos das crianças.

Quanto ao foco principal, pudemos notar que os alunos não

souberam retratar com precisão a necessidade da inclusão.

Parece-nos que a questão de gênero ficou mais latente que o foco

principal da intervenção. Diante dessa constatação será preciso

certamente repensar novas estratégias.

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FIGURA 1: PIPAS

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Capítulo 13

Relato de Automutilação (Cutting)

Luciene Alves

Ao abordar uma aluna que estava chorando, peguei no seu

braço e percebi que estavam com vários cortes na região próxima

ao pulso (Cutting).

Conversando com ela, soube que isso acontecia desde os

13 anos. Começou enfiando agulhas no braço para sentir dor,

depois a socar a parede e só a partir deste ano (2016) que começou

a se cortar nos braços com a lâmina do apontador e também ficar

trancada em seu quarto não participando em nada com a família.

Orientei a aluna quanto ao seu comportamento e solicitei

o comparecimento de seus pais.

Esta aluna, sentia-se muito inferior à sua mãe ( referindo-

se à beleza) e as suas amigas de escola. Sentia-se rejeitada por

todos, mas a sua mágoa era maior em relação a sua mãe.

Criada praticamente pelos avós, sem a presença da mãe,

que engravidou muito jovem e assumiu a filha sozinha, seguindo

sua vida normalmente como solteira. Após alguns anos, casou-se

e o padrasto não assume o papel do “ausente” pai e a mãe não

notava que sua atenção era exclusiva para seu marido, deixando

sua filha em segundo plano.

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Sua saída foi automutilar-se na tentativa de chamar a

atenção da mãe e com isso passar a existir como pessoa.

A mãe compareceu e quando relatei o que estava se

passando com a sua filha, a mesma afirmou que não sabia das

agressões. Ficou abismada e disse que jamais passou por sua

cabeça que a filha fizesse isso com ela própria. Disse que a filha

fica trancada em seu quarto e que no seu entendimento isso seria

normal da adolescência.

Fiz algumas orientações à mãe e dentre elas, levar sua

filha a um psicólogo para uma avaliação.

Após semanas, chamei a aluna para saber como estava, e

a mesma apresentou–se sorridente e confiante. Relatou que seu

relacionamento com a mãe melhorou e que não sente mais

vontade de se agredir.

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Capítulo 14

PROJETO UM OLHAR SOBRE A COMUNIDADE

EMEF PADRE NILDO DO AMARAL JÚNIOR – 2016

Mariana Oliveira

JUSTIFICATIVA:

A escola é o local onde se encontra a diversidade cultural. É, portanto,

um espaço privilegiado para construção de caminhos que vise à

eliminação de preconceitos e de práticas discriminatórias.

No entanto, o que se percebe muitas vezes, são as dificuldades de

diálogo entre gerações diferentes. Um exemplo disso são as inúmeras

divergências resultantes das expectativas em relação ao outro (profº/

aluno/ funcionários). Os professores, cansados da indisciplina, tentam

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autoritariamente controlar o comportamento dos alunos; estes, por sua

vez, reagem às atitudes dos professores, desafiando-os constantemente.

Educação em direitos humanos significa educar para uma sociedade

mais igualitária, mais justa, mais democrática, o que significa relações

dialógicas e horizontais. Para que isso pudesse acontecer, iniciou-se um

estudo mais aprofundado nessa perspectiva: quem são os atores que

atuam na EMEF Padre Nildo?

O INÍCIO

No horário de formação dos professores, à partir do estudo da referência

bibliográfica DESIGN THINKING PARA EDUCADORES, fez-se o

levantamento das características que eles percebiam na U.E.:

• Não cumprem combinados;

• O desrespeito é contínuo;

• A influência é seguida;

• As reações são constantes;

• Criou-se um clima de ameaças;

• Não há diálogo nem aprendizagem;

• Rótulos;

• Tem consciência do que é errado;

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• Demonstram prazer em transgredir;

• Poucas opções de ações disciplinares, que mostram-se sem efeito;

• Muito discurso, pouca ação;

• Salas lotadas;

• Sistema educacional que não lhes desperta interesse – longos períodos

na escola, aulas chatas;

• Rotatividade de profissionais;

• Espaço físico restrito;

• Comunidade distante da escola e inserida num contexto de violência;

• Poucas opções de lazer.

Em seguida, o questionamento foi: Qual U.E. queremos?

• Alunos protagonistas;

• Escola respeitada como espaço deles;

• Ambiente humano;

• Cumprir a função social que é a aprendizagem.

À partir disso, surgiu o desafio que nortearia nossa ação ao longo do

ano:

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• COMO TORNAR UM AMBIENTE PRAZEROSO E QUE

PROMOVA A APRENDIZAGEM?

Todas as sugestões citadas foram elencadas:

• Parceria com a família, inclusive formação para a família: formação

para a família, atender as necessidades da comunidade, momentos para

os pais circularem na escola.

• Parceria com redes de proteção: contatos e encaminhamentos ao

NAAPA, CEFAI, Postos De Saúde, Assistência Social etc.

• Unidade nas ações entre os profissionais da U.E.: formações,

combinados, reuniões, estreitar vínculos através de confraternizações,

valorização das ações do profissional.

• Ampliação do repertório cultural e de perspectivas: projetos, passeios

pedagógicos, parcerias com instituições como CIEE, SENAC,

Fundação Dom Bosco, CMTC, ETEC.

• Envolver o aluno (protagonismo): projetos, colegiados, grêmio

estudantil.

• Olhar humano e valorização das potencialidades: Como a criança

aprende? Cada aluno aprende de um jeito, descobrir qual a maneira de

atingir o aluno, diversificar aula, criar outras estratégias.

• Intervenção nos horários de intervalos e saídas: otimizar o espaço.

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• Iniciar com grupos pequenos – o foco: convênios com universidades,

colaboração dos professores em módulo, ações e projetos específicos,

direcionados.

O próximo material de estudo “PROGRAMA ÉTICA E CIDADANIA

– CONSTRUINDO VALORES NA ESCOLA E NA SOCIEDADE”,

sugeria um estudo da comunidade e posterior apresentação em

Seminário. Iniciou-se, então, o Projeto propriamente dito.

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DESENVOLVIMENTO:

TEMA GERADOR: ÉTICA E CIDADANIA

FOCO: TRABALHAR VALORES

“ OS AGENTES ENVOLVIDOS NÃO SÃO

EXCLUSIVAMENTE AS PROFESSORAS E OS

PROFESSORES, MAS TODA A

COMUNIDADE. CADA VEZ MAIS, A

EDUCAÇÃO E AS APRENDIZAGENS

DEPENDEM DE UMA REALIDADE

CONTEXTUAL MAIS AMPLA.” IMBERNÓN,

F. A EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI

• Inicialmente, os professores, em horário de formação, foram até a

comunidade;

• DISPARADOR DE AÇÕES: PASSEIO PEDAGÓGICO A

EXPOSIÇÃO SESC VILA MARIANA, a abordagem dos monitores foi

com intuito de evidenciar os aspectos positivos e negativos da cidade;

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fazendo um paralelo com a comunidade dos alunos: O que há de

positivo? O que há de negativo? O que pode ser feito para melhorias?

• Em sala, os alunos realizaram atividade sobre a exposição, e de acordo

com suas respostas, foram organizados em temas;

6º ANO: LAZER E CULTURA;

7º ANO: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E COMUNITÁRIO;

9º ANO: EDUCAÇÃO.

Os próximos passos:

• Visita do vereador Presidente da Comissão de Educação, Cultura e

Esportes da Câmara, que respondeu as perguntas dos alunos;

• Receberam a visita de um morador antigo da comunidade explanando

a história do bairro e esclarecendo dúvidas;

• Grupos de representantes de alunos foram aos espaços próximos ao

bairro para conhecer e entrevistar as autoridades do local: Subprefeitura

(conversa com subprefeito), Diretoria Regional de educação (conversa

com diretor regional), CEU (conversa com gestora), EE Lívio Xavier

(conversa com Vice Diretora responsável pelo Programa Escola da

Família), Casa de Cultura (conversa com monitor), Parque do Itaim;

• Entrevistas com moradores e pais de alunos, que culminaram em um

gráfico que foi exposto pelos alunos no Dia da Família.

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• A próxima atividade desenvolvida foi a Gincana Olímpíca, na mesma

época que acontecia as Olimpíadas; fazendo-se um paralelo à realidade

local: os alunos apresentaram um pouco de sua cultura e tiveram

desafios envolvendo pessoas e estudo da comunidade.

• Criação de Projeto de Lei com idéias sugestivas para as necessidades

percebidas na comunidade, um dos projetos criados foram

encaminhados à Câmara e o aluno foi selecionado para ser vereador por

um dia no Parlamento Jovem.

• Culminância no Trabalho Colaborativo Autoral (TCA), onde os

alunos escolheram um tema que gostariam de pesquisar e realizaram

uma intervenção social.

Em Busca Da Felicidade: Atividade no Dia da Família com

reflexão sobre o que significa felicidade. Intervenção social - abraço

grátis na Estação Itaim, apresentação com jogral, dança e vídeo;

Violência: Entrevista na Delegacia. Intervenção social-

confecção de folhetos com telefones de emergências e possíveis ações

em casos de violência. Apresentação: telejornal com debate e

entrevistas com pessoas que foram vítimas de violência.

Violência na Escola: Intervenção Social e apresentação: Relato

de vida de aluna que sofreu bullying, desistiu da escola por alguns anos

e tentou suicídio, estava num momento de superação.

“Então eu acho isso completamente errado pois você tem que ser o

que é, não o que as pessoas querem que você seja , até por que o que

adianta ter um lindo rotúlo e dentro não ter nenhum conteúdo ...”

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“Eu acredito que se nós nos reunirmos podemos fazer um mundo

bem melhor para todos, inclusive os jovens, e sem o bullying. Se

você é criança ou adolescente e sofre por isso, você tem que

comunicar os seus responsáveis , e sem precisar ter vergonha disso

, pois existe pessoas que ate tiram a própria vida por sofrerem

muito escondido de todos e vocês senhores responsáveis procurar

sempre orientar seus filhos”

“Agora me explica o que adianta não ligar pro bullying pois

estamos todos estamos vendo que ele existe e é praticado com

frequência. É fácil virar as costas para o problema, o difícil é

encará– lo cara a cara e evitar ao máximo que ele aconteça . Eu e

você, todos nos somos maior que o bullying.”

“Muitos sofrem com o bullying por causa do seu porte fisico ou pela

aparência diferente da maioria; até mesmo pelo cabelo , cor da pele

(normalmente por ser magro ou gordo). Isso eu acho meio que

desnecessário, pois todos somos iguais por dentro e é o que mais

importa. Isso é gerado quase que sempre pela sociedade hipócrita

que vivemos, pois essa sociedade exige um padrão para que todos

sigam e normalmente quem não se enquadra a esse padrão acaba

sofrendo!”

Racismo: Apresentação – Encenação.

Gravidez na Adolescência: Entrevista na UBS. Intervenção

social: distribuição de preservativos. Apresentação: encenação.

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Corrupção na Política: Contato com assessoria de políticos para

entrevista. Intervenção social: conscientização sobre eleição na escola

e nas ruas.

Reciclagem e reutilização de materiais: Intervenção – oficina

com materiais recicláveis.

Drogas:

CONCLUSÃO

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Capítulo 15

PROJETO “PRÉ – CONCEITOS”

Herbe de Souza e Juliana Felix

Justificativa

Este projeto tem como base a erradicação de toda e qualquer

forma de discriminação latentente dentro do espaço escolar, visto que a

escola pode e deve ser tratada como uma sociedade, e bem como

disseminadora de preconceitos, tanto por parte de alunos, professores,

gestores e a comunidade que os cerca.

A grande preocupação de como esse formandos estão lidando

com a questão de gênero, sexualidade, raça, deficiencias e niveis

sociais, fez com que esse projeto fosse elaborado e pensado para um

público de crianças que recebem informações a todo momento, e que às

vezes são erroneas.

A palavra preconceito refere-se a uma ideia que se faz a

respeito de algo ou alguém, antes mesmo de conhecer do que (ou de

quem) se fala. Forma-se um conceito por antecipação, geralmente por

precipitação, sem uma análise mais profunda ou conhecimento de

determinado assunto.

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Normalmente é causado por ignorância, isto é, pelo não

conhecimento do outro que é “diferente”. Conduzindo à discriminação,

marginalização, ao sofrimento e até violência. Essas atitudes vêm

acompanhadas por explicações, que se caracteriza pela sua insistência,

sem nada de coerente que as justifique.

Nesse contexto, a escola destaca-se como importante meio na

formação de conhecimentos, comportamentos e valores, pois é dentro

dela que tem sido muito debatido nos últimos anos, iniciativas que

visam facilitar a inserção e a permanência dos discriminados no

ambiente escolar.

Sendo assim e visando a uma aprendizagem significativa e

com base nas novas concepções pedagógicas que norteiam as reflexões

dos estudiosos de Ciências Humanas nas últimas décadas, sentiu-se a

necessidade em desenvolver um projeto que vise combater o

preconceito e a discriminação não só no ambiente escolar, mas em todas

as instâncias possíveis.

Este documento foi definido a partir de critérios de equidade,

ou seja, critérios relacionados aos direitos de cidadania, iniciado a partir

de exemplos corriqueiros, situações do dia-a-dia que possam ser

facilmente identificadas ou compreendidas pelo aluno. 

Uma vez que a Constituição Federativa do Brasil, garante em

alguns artigos comuns para todo brasileiro que:

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Art 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil:

I –construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II–garantir o desenvolvimento nacional;

III–erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais;

IV–promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,

cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo- -se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (EC no 45/2004)

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos

desta Constituição;

II –ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão

em virtude de lei;

III–ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante;

IV–é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

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V–é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da

indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo

assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma

da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VIII–ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa

ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-

se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação

alternativa, fixada em lei;

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e

liberdades fundamentais;

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e

imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,

será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando

ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(EC no 19/98 e EC no 53/2006)

I –igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

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II –liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento,

a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas,

e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

Diretrizes Nacionais para a educação em direitos Humanos

Segundo o parecer das “Diretrizes Curriculares

Nacionais da Educação Básica”, no parecer homologado,

com Despacho do Ministro, publicado no D.O.U. de

30/05/2012, Seção 1, Pág 33.

Processo 23001.000158/2010-55

Parecer CNE/CP nº 8/2012

Aprovado 06/03/2012.

Este relatório diz que:

“ Os estudos em Direitos Humanos são frutos da luta pelo

reconhecimento, realização e universalização da dignidade

humana.”

...“ Assim sendo, a educação é reconhecida como um dos

Direitos Humanos e a Educação Em Direitos Humanos é a parte

fundamental do conjunto desses direitos, inclusive do próprio

direito a educação” (D.C.N.E.B. pág 515)

... “As profundas contradições que marcam a sociedade

brasileira indicam a existência de graves violações destes

direitos em conseqüência da exclusão social, econômica,

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política e cultural que promovem a pobreza, as desigualdades,

as discriminações, os autoritarismos, enfim, as múltiplas formas

de violência contra pessoa humana.”... (D.C.N.E.B. pág 515).

“Para a sua consolidação, a Educação em Direitos

Humanos precisa da cooperação de uma ampla variedade de

sujeitos e instituições que atuem na proposição de ações que

sustentam. Para isso todos os atores do ambiente

educacional devem fazer parte do processo de

implementação da Educação em Direitos Humanos. Isso

significa que todas as pessoas , independente do seu sexo;

origem nacional, étnico-racial, de suas condições

econômicas, sociais ou culturais; de suas escolhas de credo;

orientação sexual; identidade de gênero, faixa etária,

pessoas com deficiência, altas habilidades/superdotação,

transtornos globais e do desenvolvimento, têm a

possibilidade de usufruírem de uma educação não

discriminatória e democrática.” (D.C.N.E.B. pág 516).

Objetivo Geral

Estimular intervenções individuais e coletivas contra atitudes

preconceituosas, etnocêntricas e discriminatórias dentro do espaço

escolar.

Objetivo Especifico

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Conscientização das diferenças entre pessoas,

mostrando que a diversidade não implica inferioridade;

Ensinar o que é preconceito e discriminação;

Reconhecer a importância da liberdade de expressão;

Trabalhar noção de cidadania, igualdade de direitos e

deveres;

Desenvolver o respeito ao outro, respeito a si mesmo e

solidariedade humana;

Conscientizar o aluno de que vivemos em uma sociedade

multicultural e pluriétnica;

Estimular no aluno atitudes de tolerância e respeito em

relação ao outro;

Questionar o etnocentrismo;

Tomar posição diante de questões sociais e relativas à

cidadania;

Respeitar e valorizar a diversidade cultural;

Assumir atitudes éticas e compromissos;

Trocar ideias e informações, colaborando na criação coletiva;

Público alvo:

4º e 5º ano do ensino fundamental – ciclo I

Temas trabalhados pelos grupos

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Tipos de Preconceito;

Gênero;

Definição de identidade de gênero;

Intolerância;

Homofobia;

Transfobia;

Preconceito na música;

O preconceito nas imagens;

Entrevistas com pessoas vítimas de preconceito;

A diversidade religiosa;

O preconceito na sexualidade;

Pessoas com necessidades especiais;

Bullying;

O preconceito registrado em jornais e revistas.

AVALIAÇÃO

Como já se sabe o processo de avaliação deve ser feito de forma

contínua. Então, neste projeto, os alunos serão avaliados em todos os

momentos, desde a apresentação do tema em sala de aula até a execução

das atividades.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/escola_protege/caderno5.pdf

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PARTE II: GÊNERO

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Capítulo 1

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Herbe Discórdia

SOU UM SER ÚNICO E MULTIFACETADO. SER

SINGULAR E PLURAL AO MESMO TEMPO... E QUEM

NÃO É?

Meu nome é Herbe de Souza Silva. Nasci em 11 de julho de 1980,

São Paulo, na Freguesia do Ó. Meus pais são João dos Reis da Silva e

Rita Aparecida de Souza Silva.

Eu moro ainda no mesmo lugar onde eu nasci. Quando comecei a

crescer, no bairro não tinha nada, era a minha casa, a casa de um vizinho

e pouquíssimas casas. Foi crescendo aos poucos. Franco da Rocha era

uma cidade-dormitório, eles (meus pais) compraram a casa lá em 1980,

e foram construindo.

Na minha infância eu brincava de tudo: pega-pega, esconde-

esconde, passa anel, corda, brincava na terra, brincava de fazer bolinho

de lama. Eu brincava mais com as meninas, mas eu tinha outro lado

com os meninos, que já ia pra outros lados, mais sexualmente falando.

Porque a gente vai descobrindo a sexualidade. E meu primeiro

namorado, eu tinha cinco anos. Comecei cedo. Meu primeiro

namoradinho, mas sem a malícia que a gente tem hoje. Foi à descoberta

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do corpo. Descobrindo que ele tinha a mesma coisa que eu e que dava

prazer, de certa forma, que a gente gostava de tocar o corpo um do

outro. Depois quando foi crescendo, os outros meninos descobriram que

alguma coisa em mim era diferente, eles foram querendo ter os prazeres

que eles não conseguiam, porque só tinha moleque na rua.

Os conflitos começaram com os meninos me chamando de

bichinha. Porque até então nunca soube o que eu era, se era menino ou

menina, porque eu brincava com todo mundo. Meu maior pânico foi

quando pensei ter engravidado afinal naquela época, segundo minha

avó, “se uma menina beijar na boca poderia engravidar”, e eu fui além

do beijo: “Meu Deus, se eu ficar grávida, eu vou contar pra quem? O

que eu faço com essa criança? Por onde essa criança vai nascer?”.

Então, na biblioteca da escola, acabei achando um livro que falava sobre

o assunto. Tranquilizei-me.

Eu falei: “Ah, eu não vou ficar grávido, não vai dar certo. Posso

continuar brincando”. Mas foi bem assim. Eles descobriram esse meu

lado mais meigo, mais afeminado, virou festa. Eu nunca contei para a

família. Porque eu nunca precisei contar. Porque querendo ou não, a

minha mãe tinha pouco estudo, tinha estudo suficiente pra trabalhar,

meu pai tinha parado de estudar, e eu que continuava estudando. Então

não era uma coisa muito fácil, em 1989, pra saber o que era. Eu fui

depois com muito tempo estudando pra saber o que realmente era isso,

e convivendo, porque tudo foi acontecendo. Eu nunca cheguei pra

minha mãe e falei: “Mãe, eu sou gay”. Não precisou contar. Mas quando

ela suspeitou que eu talvez pudesse ser ela fez chantagem, ela falou que

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se eu fosse gay, ela se mataria. Eu falei: “Então tá, se você vai se matar,

eu não sou”. Depois que eu fui morar sozinha, eu falei: “Ahã, te

enganei.”

Lembro-me que pegava as roupas da minha mãe e da minha irmã.

Como ela ia trabalhar sempre bonita, aqueles saltos lindos, toda aquela

roupa linda. E os vestidos da minha irmã serviam, então usava os

vestidos da irmã. Eu achava lindo salto alto. Eu corria pela casa de salto

alto. Ela tinha um salto agulha lindo, e até então servia no meu pé.

Nossa, eu ficava me acabando com aquele sapato em pé. Depois cresceu

o pé, não serviu mais.

O problema pra mim começou na escola que eu estudei, Elvira

Parada Manga. A Educação Física era diferente, era de manhã, quando

eu fazia, tinha que frequentar o horário dos meninos, uma vez e tinha o

time de camisa e o time sem camisa, só que eu tinha seios, lógico que

naquele dia não fiz, fiquei com ponto negativo. Eu parei de fazer as

aulas, no primeiro ano, fiz compensação de ausências, depois consegui

com minha mãe, um atestado médico que eu não podia fazer as aulas,

isso foi até fácil, ela trabalhava com vários médicos, porém, todo ano

tinha uma desculpa diferente, e no ultimo consegui um atestado de

trabalho, e não fiz Educação Física durante três anos.

Com 16 anos eu entrei no CEFAM, em 1997, no ensino normal.

Eu queria estudar no Gandra, em Jundiaí, que era uma escola de

nutricionismo. Mas quis o destino que fosse pra essa escola. Minha mãe

fez minha matrícula faltando uma semana pra começar as aulas. Eu

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entrei no ensino normal, e nessa escola tinha o curso profissionalizante,

o magistério, e algumas salas extras de ensino normal de ensino médio,

na qual estava. Todo mundo fazendo, estudando, um monte de

candidato a professor, passavam dez horas por dia. Eu comecei a me

interessar. Tinha bolsa, tinha um salário, um salário mínimo na época.

Eu fiz a prova no mesmo ano pra entrar em 1998. Eu passei na prova,

fiquei na lista de espera, desisti da vaga, passei minha vaga pra outra

pessoa. No mês de abril, a menina que eu tinha dado a vaga desistiu, eu

perguntei para o diretor se eu podia voltar, ele me deu a vaga. Porque

como eu sempre estava muito ali, eu tinha contato com toda a parte de

administrativo, eu comecei a trabalhar na secretaria da escola. Então eu

tinha acesso a tudo na escola.

Quando cheguei à escola eu era diferente, cabelo verde, alta, bem

andrógena, então virou uns bochichinhos. Até o dia que esse diretor

chegou, entrou, conversou com todos os alunos em cima do púlpito,

que naquela escola não seria permitido preconceito de forma alguma, e

quem tivesse preconceito racial, sexual, seria expulso da escola, eu

falei: “Pronto, é aqui que eu quero ficar”. Depois que ele entrou, minha

vida ficou tranquila. Tanto é que até hoje a gente tem contato, agora ele

é supervisor de ensino. Fiquei com a vaga de magistério das sete da

manhã até às 18 horas, e de noite eu continuava o ensino médio, porque

eu não desisti da minha vaga do ensino médio. Então eu ficava na escola

das 7h às 22 horas da noite. Eu só chegava em casa pra dormir. Nos

primeiros anos, eu não gostava do magistério, eu ia mesmo por ir.

Quando eu comecei a fazer estágio, que eu tive contato direto com as

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crianças, com os professores em outras escolas, eu me encantei e falei:

“É isso que eu quero pra mim”.

Comecei a ministrar aulas como eventual em uma escola estadual

de tradição onde moro, confesso que os primeiros dias foram tensos,

pois, apesar de ter feito estagio nessa escola, ser estagiária é uma coisa,

e ser a professora era outra, e além de tudo, a substituta.

Confesso que sei dos problemas que as minhas diretoras sofreram

no inicio, afinal, uma travesti dando aula pra crianças! Mas, elas nunca

deixaram que eu soubesse disso, talvez se elas me contassem eu me

desmotivaria e desistisse da carreira.

Passaram-se os anos e precisava fazer faculdade, essa também foi

no susto. Eu fiz o Enem, fiz a inscrição do ProUni e esqueci. Eu

precisava ter faculdade, só o ensino técnico o magistério não me

garantia muita coisa. Pela lei, dependendo de algum tempo, você tinha

que ter o nível superior pra poder continuar dando aula. Um dia ligaram-

me da faculdade que eu tinha feito inscrição, eu tinha conseguido uma

bolsa do ProUni e se eu estava afim da vaga. Eu falei: “Opa! Agora”. E

corri pra faculdade e fiz a inscrição.

Nos primeiros meses de faculdade não foi fácil, trabalhava o dia

todo com aulas de reforço, e de noite corria pra faculdade, no inicio o

dinheiro só dava pra pagar a condução e a mensalidade (minha bolsa

era de 50%), não sobrava quase nada, me alimentava na escola, e

quando chegava da faculdade de madrugada descia até a casa da minha

avó pra jantar. Ela só dormia quando eu chegava.

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Em todo esse trajeto escolar, a minha sexualidade, sempre esteve

em questão, ou pros amigos, depois para os alunos, pais e a

comunidade. Nunca escondi nada, sempre tratei tudo com muita

naturalidade, sempre falei do assunto abertamente, lógico que pra quem

perguntasse, não saio por ai falando.

Como disse, o começo foi árduo, cheio de histórias mal contadas,

porem com o tempo, as pessoas foram me conhecendo e vendo meu

trabalho, e o que me facilita, é o fato de não ficar trocando de escolas,

de forma que meu profissionalismo é visto. E como os pais já me

conhecem há muito tempo, então eles não veem tanto problema. Quem

não me conhece, chega de fora, tem um impacto. Porque adora

conversar no portão da escola. Eles vão perguntando muito, então acaba

rápido com esse estigma. O que eu tento fazer com eles é quebrar

realmente o estigma do que é apresentado na mídia. Porque o meu

grande problema é o que a mídia mostra.

E que todo homossexual não fica 24 horas por dia atrás de

homem, como a mídia mostra. A gente trabalha, a gente estuda, a gente

não vive de sexo. E eu também tento quebrar o paradigma de que toda

travesti faz programa. Não faz. Toda travesti estuda se quiser, faz

programa se quiser. Também eu tento o contraponto. Às vezes nem

todas tiveram a oportunidade que eu tive de estudar, porque aí você tem

que enfrentar de peito aberto, saber que você vai entrar num lugar que

as pessoas não vão te querer e vão tentar te tirar de qualquer jeito. Você

vai falar: “Não. Estou pagando, vou estudar e vou ficar aqui”. Porque

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eu falei: “Eu não vou pra rua, porque se eu for pra rua, eu não vou

ganhar dinheiro, eu vou passar fome”.

Nesse tempo tenho alguns alunos que se transformaram, ou se

aceitaram como travestis e mulheres trans, e infelizmente não

obtiveram o apoio familiar, acabaram indo pra fora de casa. Preocupo-

me, pois a rua abraça, as mais velhas abraçam, e as mesmas começaram

a prostituir-se.

Minha aceitação como uma travesti é política, eu gosto do que

sou, não sou uma mulher trans, porém não vejo problemas em ser, gosto

de causar o tumulto cerebral e visual. Gosto de confundir, sou um ser

único e multifacetado. Ser singular e plural ao mesmo tempo... E quem

não é?

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Capítulo 2

Giovanna Lima

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Ao final do meu primeiro ano de mestrado, participei de

um processo seletivo para dar aulas em uma escola particular de

idiomas, uma das melhores em São Paulo. O processo todo foi

bastante longo e exaustivo. Após a realização de uma prova,

dinâmica de grupo e entrevista, em dezembro, começamos o

treinamento que duraria o mês todo. Éramos 20 pessoas com

formações diferentes. Muitos fizeram faculdade fora, outros eram

mestres, alguns tinham certificados internacionais ligados ao

ensino de língua e outros já lecionavam há 20 anos.

O treinamento foi ministrado pelas seis supervisoras da

escola, mas a maior parte dele foi administrado por uma delas,

que era bastante rigorosa. Eu, como mais nova e inexperiente do

grupo, estava levando o processo muito a sério como parte do meu

aprendizado e cheguei até a perder peso por conta do meu

nervosismo. Eu dividia meu tempo em planejar aulas para o

treinamento, ministrá-las, ler os textos indicados e participar das

discussões, e em escrever artigos e trabalhos para o mestrado.

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Na metade do treinamento, todos nós deveríamos passar

por mais uma entrevista com essa supervisora e todos estávamos

apreensivos com a situação. O comentário mais comum após a

entrevista era que havia sido uma experiência terrível e que a

supervisora tinha sido hostil. Um professor até mesmo comentou

que ela se negou a recebê-lo porque ele havia se atrasado. Na

minha vez, porém, não percebi nenhum comportamento rude da

parte dela. Consegui tirar minhas dúvidas e ela foi bastante

esclarecedora em suas respostas. Ao comentar isso com o colega

que chegou atrasado, ouvi a seguinte resposta:

- Claro que ela foi legal com você. Você é mulher.

Eu não entendi o comentário e pedi que ele o esclarecesse.

Ele me disse, então, que eu, na posição de mulher e sendo jovem,

chamava a atenção da supervisora porque ela é homossexual e,

sendo assim, ela com certeza me contrataria.

Ao final do treinamento apenas quatro pessoas foram

contratadas, eu entre elas, e novamente ouvi esse comentário do

colega. Creio que o fato de eu não ter tanta experiência em sala

de aula e ainda assim ser contratada e ele não, o ofendeu. O olhar

masculino e machista do meu colega diminuiu todo o meu esforço

ao longo do processo ao meu gênero.

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Capítulo 3

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Michelle

NÃO SEI DE ONDE SURGIU FORÇA, MAS ELA VEIO; HOJE

ME SINTO MAIS FORTE E VITORIOSA.

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MIL VIDAS EM UMA

Falar a respeito da minha vida é uma tarefa difícil. Tenho

várias questões não resolvidas e muitas que sequer consigo

lembrar, já que por um motivo misterioso bloqueei muitas

lembranças. Mas, acima de tudo, falar sobre minha vida é falar

sobre várias Michelles.

É falar de uma criança contestadora e livre, que foi podada ao

longo do tempo por várias questões, como: o machismo, a

violência e a religiosidade (não que a religiosidade seja ruim, mas

pelo dano que causa quando utilizada como ferramenta para acuar

as pessoas).

É falar de uma criança que teve armas apontadas na cabeça,

que viu a família entrar em falência e sofreu bulling.

É falar de uma adolescente que trabalhou e estudou, se viciou

em drogas ao mesmo tempo em que aprendia a lidar com a

orientação sexual e a família se desfazendo. Que viu o irmão

passar por situações de bulling e não pôde fazer nada; que entrou

em depressão, sofreu muito assédio, mas encontrou forças para

abandonar as drogas.

Falar da minha vida é falar da jovem adulta que casou cedo

demais para conquistar seu espaço, que sofreu com um

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relacionamento abusivo, que sofreu privações por falta de

dinheiro, que foi humilhada e traída, mas conseguiu se libertar.

É falar que em meio a tanta inconsistência, levantava de

madrugada para trabalhar e fazia curso técnico. Que sofreu

perseguição por não querer se relacionar com um homem, pediu

socorro e viu as portas se fecharem.

É falar de uma mulher que foi salva por professoras, que entrou

na faculdade mesmo não podendo pagar. Que escolhia entre

comprar comida e pagar a faculdade e mesmo assim, se formou.

Falar da Michelle é falar que ainda há tantas outras histórias

para contar e outras tantas que nem se lembra. É falar de força,

resistência, vontade de viver e, ao mesmo tempo, falar de muita

sensibilidade. É falar de força e coragem para acreditar no amor.

Por fim, falar da minha vida é uma vitória e um agradecimento.

Quando eu era pequena, meu pai acreditava piamente que

tarefas domésticas cabiam apenas às mulheres. Tenho três irmãos

e minha mãe trabalhava fora o dia todo.

Certo dia havia um irmão da igreja em casa e meu pai queria

que eu fizesse almoço para ele, mas eu não sabia porque minha

mãe, apesar das longas jornadas de trabalho, sempre deixava tudo

pronto. Após muitos gritos, meu pai me colocou em frente ao

fogão e me bateu com a cinta pra eu fazer alguma coisa,

afirmando que eu era mulher e tinha que saber. O irmão da igreja

ficou sem jeito e foi almoçar em casa e eu fiquei de castigo o

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restante do dia. Meu pai foi almoçar na casa da minha tia e não

levou nenhum dos meus irmãos. Não lembro se chegamos a

almoçar naquele dia.

Sempre vi minha mãe lutando muito para conseguir algo

melhor na vida, apesar do machismo iminente do meu pai.

Quando criança teve que parar de estudar para ajudar em casa e

não havia conseguido voltar desde então. Depois de casada, junto

com meu pai, tiveram um comércio que nos rendeu uma vida

muito confortável. Entretanto, este comércio faliu e eles tiveram

de voltar ao mercado de trabalho e como minha mãe ainda não

tinha qualificação, começou trabalhar como empregada

doméstica, sem carteira assinada. Fazia longas jornadas por dia,

cuidava dos filhos e da casa. Cansada, resolveu concluir o ensino

através do Supletivo. Como isso exigia que ela ficasse ainda mais

tempo fora de casa, meu pai se incomodou, as brigas começaram

a ser ainda mais intensas e frequentes a ponto da minha mãe

desistir de terminar os estudos através de aulas presenciais.

Inconformada, estudou em casa e prestou a prova do SISU e

concluiu o Ensino Médio. Alguns anos depois, foi a primeira

mulher motorista de ambulância de Barueri.

Fui uma criança muito ansiosa e descontava todas minhas

inquietações na comida, o que resultou num grande aumento de

peso. Na escola, já sofria muito com bulling por causa das roupas

que usava, que seguiam as regras da igreja que minha família

frequentava, além de não poder fazer muitas coisas que meus

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colegas faziam. Às vezes eu tentava explicar, mas não fazia

sentido para eles e piorava minha situação: eles zombavam muito,

principalmente no intervalo, onde outras pessoas se juntavam e

isso me deixava arrasada.

Certo dia, na hora da saída, alguns alunos se organizaram e

começaram a jogar ovo em mim, enquanto gritavam:

- Acertem a galinha gorda!

- Suja a saia dela, aí vai ser obrigada a usar uma roupa de

verdade.

Eu não falava o que acontecia para minha mãe nem para os

profesores.

Lembro-me que quando era pequena e meus pais tinha um

comércio, íamos para a loja no contra turno da escola. Presenciei

vários assaltos, a ponto de ter arma apontada para minha cabeça

ou até mesmo me esconder porque os assaltantes tinham o

costume de trancar meus pais e os funcionários num banheiro e,

se eu não me escondesse, não tinha quem os tirasse de lá quando

os assaltantes fossem embora.

Durante boa parte da minha vida, ouvi histórias terríveis

acerca dos “pecadores” e de “como eles queimariam no inferno”.

Sempre tive muito medo de ir para esse lugar de punição tão

terrível, entretanto, com o passar do tempo, essa passou a ser uma

verdade que não mais me cabia. Eu lia a bíblia e não entendia

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como Jesus, que ajudava as pessoas sem nem questionar o que

elas havia feito para estar nas situações apresentadas seria capaz

de tamanhas atrocidades. Logo, tudo o que se pregava deixou de

fazer sentido e parei de frequentar a igreja.

Com a chegada da adolescência, comecei a namorar e

conheci o rock. Foi libertador por um bom tempo, achar que podia

ser eu mesma. Ou pelo menos aquela versão de mim. Conheci

um garoto e comecei a namorar; mas como ele era roqueiro e meu

pai muito conservador, fui proibida de namorar e passei um bom

tempo de castigo, sem sair de casa sozinha. Continuei namorando

escondida, com ele conheci o cigarro, a bebida alcoólica e as

drogas. Vi meu namorado apanhar de um grupo com, no mínimo

dez homens; pedi dinheiro na rua, cantei numa banda, vi amigos

apanhando da polícia, os mesmos que me apalpavam com o

pretexto de estarem me revistando, vi pessoas tendo overdose,

tive amigos que se suicidaram, dormi na rua, entre tantas outras

coisas que a vida de um usuário proporciona.

O rapaz que eu namorava se afundou cada vez mais e

começou a ser violento comigo, a ponto de me bater... Daquele

dia em diante, comecei questionar se era aquela vida que eu

queria, já que me sentia sozinha e vazia. É uma tristeza tamanha

quando se tem tantas expectativas, quando saímos em busca de

amor e compreensão e damos de cara, repetidamente, com um

mundo frio, ameaçador e solitário.

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Resolvi que sairia do vício, que sairia do buraco em que

estava. Na mesma época em que tomei essa decisão, havia

concluído o Ensino Médio, aos trancos e barrancos, e vi um

concurso aberto para o cargo de auxiliar de serviços gerais.Fiz

uma barganha com Deus: Se passasse no concurso, pararia com

as drogas. Passei. Trabalhei dois anos neste cargo e consegui me

desintoxicar. Esse período foi um dos que me senti mais sozinha

na vida, pois todas as pessoas que conhecia de afastaram porque

eu estava ficando careta. Não sei de onde surgiu força, mas ela

veio e hoje me sinto mais forte e vitoriosa.

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Capítulo 4

Priscila Arantes

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SOU UM UNICÓRNIO DO AMOR. UNICÓRNIO NÃO

TEM GÊNERO. SÓ QUER DANÇAR, FESTAR E SER

FELIZ!

Quem me vê nem consegue imaginar a criação rígida que

tive. Não condizem com as tatuagens e piercings que colorem e

abrilhantam meu corpo. Nada era permitido, o que na infância

nem foi tão ruim assim, se bem que me lembro de todos os meus

amigos indo a excursões da escola e eu sem poder… Casa dos

outros, reuniões para brincadeira… Minha mãe era a que não

deixava. Nada. Nunca. Situação acentuadíssima por uma avó

espanhola que sempre morou conosco, e também nos criou com

todo o rigor de alguém que nasceu em meados dos anos 20...

Na adolescência tudo piorou e o sentimento de estranha

no ninho veio com força total. Não podia viver a juventude como

via meus colegas, combinando várias coisas legais que a leveza

da idade permite. Era de casa para a escola e vice-versa. Notas

altíssimas, as maiores da sala sempre, que minha mãe dizia não

serem mais nada do que minha obrigação.

Com 16 anos arrumei um namoradinho de sofá. Segundo

a mãe e a vó, nunca que deveria beijá-lo. Elas demoraram um ano

para beijar seus respectivos noivos/ maridos e eu deveria fazer

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igual, sempre pelo mesmo motivo: não ficar mal falada. Tadinho

do menino, nem aguentou o peso da relação!

Com 18 entrei na faculdade. Letras, minha paixão. E

também o início do meu empoderamento, quando comecei a bater

o pé e transgredir: chegava quinta-feira, meu grupo e eu, diverso,

homo, bi, queer, íamos à balada GLS (era essa a sigla no

momento) e dançávamos a noite inteira. Eu só dançava. E era

paquerada por homens e mulheres, me sentia uma “dancing

queen”, rainha da dança, me esbaldando em meu momento.

Quanto à família, eu já era uma perdida... Assim sendo, ficavam

meses sem me dirigir a palavra. Meus planos eram sair dali na

primeira oportunidade.

Arrumei outro namoradinho com 20 anos. Negro. Família

espanhola odiou, quase entrou em colapso. Ao mesmo tempo,

uma professora, que parecia afim de mim, aceitou dividir o

apartamento dela comigo. Oportunidade única.

No que cheguei com as malas, minha família chegou com

a contraproposta: filha dos “Barbosa” não sai de casa sem ser

casada. Case com esse namoradinho (ele mesmo, o negro odiado),

que mobiliamos sua nova casa e pagamos sua faculdade até o fim.

Negócio da China. Aceitei.

Primeira consulta no ginecologista porque ia casar. Levei

minha mãe junto e fiz questão de mostrar que ainda era virgem,

aos 21 anos. Ela ficou pálida, pois acreditava que eu já estava

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“desenganada”. Quis mudar a proposta, perguntou se eu queria

desistir. Ah, mas nunca! Vou até o fim!

O casamento? Um fiasco! Durou um ano. Mas abriu-me

as portas e pude dizer: eu não volto mais. Padeci muito com a

falta de dinheiro, mas sempre consegui me manter. Aos 24 já era

efetiva em duas redes, municipal e estadual, porque dentre as

poucas certezas da vida, ser professora sempre me foi claro como

água.

Agora tinha que dar rumo à vida. Casei novamente. Com

um homem, porque foi o que a vida trouxe. De verdade, não ligo

muito para o campo amoroso. Nesse aspecto bem deixo a vida me

levar. Já no campo dos estudos e profissão, esses sim são minha

prioridade de vida.

Homem mais velho e acomodado... Mas a lavagem

cerebral que minha família havia feito em mim era tão boa, que

me fizeram acreditar que eu merecia quem me quisesse, já que já

tinha me separado tão jovem. Se alguém se interessasse por mim,

eu já deveria dar graças aos céus. Foi um casamento até que feliz,

durou onze anos e se desgastou.

Aí eu apertei o botão: com 36 anos comecei a fazer tudo o

que queria fazer. Muitas pessoas, baladas e bebidas. Experiências

que só não me deixam saudade, porque hoje vivo como sempre

quis.

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Num site de relacionamentos, conheci meu atual marido.

A opção, deixei em aberto. O interesse que tenho é pelo ser

humano, não importa ser homem, mulher, cis, trans... Mas surgiu

um homem de novo. Que me aceita como sou: toda desenhada,

fazendo pole dance, ensaio fotográfico de pin-up, mestrado,

cursos de espiritualidade e umbanda, tomando meus bons drinks

e me acompanhando e aplaudindo cada vitória. Hoje, a autoestima

que era inexistente, é viva. Convivo com as pessoas e vou

colorindo o mundo por aí. Como disseram no GDE, sou um

unicórnio do amor. Unicórnio não tem gênero. Só quer dançar,

festar e ser feliz!

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Capítulo 5

Suzete

O SER HUMANO É MUITO MAIS DO QUE

MÁQUINA BIOLÓGICA, É MAIS DO QUE GENÉTICA,

ELE INTEGRA CULTURA, VALORES.

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Procurei na minha memória histórias que pudessem

exemplificar a complexidade da abordagem da diversidade sexual

nas escolas. Sou Orientadora Educacional de uma escola pública,

localizada num bairro de classe média alta e definida pela

comunidade como uma escola pública, mas com perfil de escola

particular. Existe uma resistência muito grande ao novo e ao

diferente por parte dessa comunidade escolar.

Há dois anos uma “menina” de doze anos assumiu-se

como “menino” e passou a enfrentar problemas com os colegas,

mas, principalmente, com os pais dos colegas. Alguns pais vieram

à escola e solicitaram-nos para que cuidássemos e não

permitíssemos que as “filhas”andassem e conversassem com ele,

pois temiam que o mesmo pudesse influenciá-las quanto à

orientação sexual.

Ora, diante deste relato, fica claro o preconceito e à

dificuldade da sociedade na aceitação do que é diverso. Muitas

famílias, por insegurança em relação à sexualidade, optam pela

omissão e por atitudes repressoras na tentativa de conter as

dúvidas e ansiedades dos filhos. É claro que abordar esse tema é

um desafio, já que se trata de um assunto complexo e a maioria

dos pais sentem-se inseguros, desconfortáveis e cercados de

dúvidas quanto ao que tratar com os filhos, pois os genitores, em

sua grande maioria, pertenceram a uma geração repressora e cuja

moralidade era inquestionável. No entanto, não falar sobre é dar

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margem a consequências como a discriminação e o preconceito.

Especificamente quanto à diversidade sexual, é importante

dialogarmos para esclarecermos que há inúmeras possibilidades

de ser menino ou menina; de ser homem ou mulher. Existem

diferentes maneiras de como os indivíduos se sentem e se

apresentam aos outros, e isso vai além do simples conceito de

“sexo biológico”, definido de forma até simplista pela biologia,

pois o que entra em jogo aqui são comportamentos sociais,

socialização, jeito de ser e singularidades. Nasce-se com um sexo

biológico, porém o ser humano é muito mais do que máquina

biológica, é mais do que genética, ele integra cultura, valores.

Nesse contexto, o caminho seria trabalhar o tema como

ampliação da cidadania, isto é, desenvolvermos com os alunos e

os pais discussões e atividades seguindo os princípios da

dignidade humana, da igualdade, respeito e liberdade. É

necessário que sejam passadas informações científicas e

históricas para que se quebrem as amarras do preconceito. O

Respeito às diferenças deve ser ensinado pela família e pela

escola, numa ótica contemporânea. Por tudo isso, é inegável a

necessidade da inclusão das problemáticas de gênero e

sexualidade nas escolas, mas com o cuidado para não se repetir

os modelos preconceituosos, moralistas e o ocultando-se a

diversidade sexual.

Capítulo 6

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Relato: Eu, a hipocrisia e o movimento LGBT

Flavielle Jollenbeck

Há dois anos, tive um aluno negro de três anos de idade,

que amava brincar com bonecas, panelas e coisas que dizem ser

do universo feminino. Quando sua mãe chegava, sua reação é

aquela que esperamos ver de uma criança com saudade: ia

sorrindo e abraçando-a. No entanto, quando era seu pai, ele

jogava os brinquedos de lado e relutava para ir, quando saía da

sala era sempre de cabeça baixa.

A professora da sala na época veio conversar comigo

sobre isso e dizer como estava preocupada com a atitude dele, não

pela possibilidade de ter uma relação instável com o pai, mas por

brincar e gostar tanto dos brinquedos que ela considerava ‘coisa

de mulher’.

Minha reação foi de raiva. Uma pedagoga atuando na

Educação Infantil, período em que as crianças não têm todos esses

preconceitos, reproduzir tal pensamento machista, misógino, de

um pequeno ser em formação que estava apenas brincando.

Tentei conversar com ela: explicar que ele talvez só

tivesse a mãe como a maior referencia e modelo, ou que a

brincadeira de boneca talvez o tornasse realmente um pai e não

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um doador de esperma. Mas, mesmo que a orientação e identidade

de gênero dele fossem diferentes da que ela julgava certa, não

cabia a nós fazer especulação a ese respeito.

A cada momento que eu tentava explicar, ela retrucava

dizendo que a sociedade só viveu até hoje pelo motivo dos

homens serem homens e as mulheres realmente mulheres. Ou

seja, como se alguém do LGBT só tivesse surgido por algum tipo

de erro divino. Afirmava que eu, enquanto assistente, por passar

mais tempo com eles, deveria fazer algo a respeito: oferecer

carros e bonecos para ele e não deixá-lo pegar as bonecas, pois

ele precisava saber que era homem.

A essa altura, eu já estava extremamente furiosa.

Respondi que não iria impedir ninguém de brincar com alguma

coisa porque eles já sofriam muito por ficar doze horas no

maternal e eu não seria mais um motivo de frustração. Mais do

que isso, esclareci que não tomaria essa atitude por não julgar que

brinquedos ou brincadeiras tivessem que ser separados em

próprios para meninos ou meninas.

Ela insistiu:

- Flavielle, ele é uma criança! O que a gente ensinar, ele

vai aprender. Se você colocar uma criança pra ser criada com

macacos, macaquinho ele será.

Sinceramente, naquele momento meu mundo caiu. Tudo

que o movimento LGBT luta, tudo que eu sou foi reduzido a uma

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“má criação” como se orientação, identidade de gênero fosse uma

opção.

Com isso, nasceu uma vontade de mostrar que o LGBT

existe sim, mas como?

Tenho vinte e cinco anos de idade, me reconheço como

lésbica desde os dez. Somente minha irmã sabe, disse isso para há

apenas um ano em meio a uma discussão.

Eu e minha namorada trabalhamos na mesma escola,

mas nunca saímos de mãos dadas ou sequer andamos de mãos

dadas na cidade onde moramos. Nós nos sentimos à vontade pra

fazer isso em São Paulo, bem longe de onde vivemos e

convivemos.

Então, como eu, alguém que nem verbaliza para os que

amo minha orientação, posso ter voz para o movimento LGBT?

Como posso querer proteger uma criança, se não me mostrar e

dizer para ela que existo e que ela pode se apoiar em mim?

Por mais que eu acredite na sincronicidade da vida e veja

que desde que me propus a fazer a monografia da minha pós-

graduação voltada a esse tema, muitas coisas apareceram para eu

estudar e me empoderar, como esse curso do GDE, o primeiro

congresso LGBT da UFABC, palestras, filmes, enfim, não me

sinto honesta para falar do movimento sem me assumir, como se

por isso não fosse digna o suficiente e por isso trago no titulo a

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palavra hipocrisia, pois é assim que me sinto quando penso de

seguir em frente no projeto da monografia.

Capítulo 7

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PROJETO: UM COLETIVO FEMINISTA DENTRO DA

ESCOLA

José Milton Pereira

E.E. Maria Guilhermina Lopes Fagundes

Santa Bárbara d’Oeste/SP

Objetivos

- Promover um debate teórico sobre certos conceitos interligados ao

universo do gênero, basicamente no que diz respeito ao patriarcalismo

como questão estruturante de promoção das desigualdades entre os

sexos masculino e feminino.

- Promover/estimular debates sobre a violência contra as mulheres nos

diferentes espaços da escola, desde as salas de aulas, bem como sala

dos professores, pátio, grêmio, etc.

- Promover intervenções performáticas como forma de despertar uma

desconstrução do patriarcalismo – Quem disse que mulheres não podem

fazer isso ou aquilo?

-Promover roda de conversa com palestrantes (mulheres) como forma

de contribuir para uma melhor formação.

Como foram ou serão realizadas as atividades dessa ação?

1º momento: Sondagem na comunidade da escola sobre os reais

problemas que afetam as alunas em seu cotidiano escolar.

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2º momento: Fazer uma sondagem entre as alunas e professoras sobre

a necessidade de montar um grupo (coletivo) para discutir bem como

intervir na comunidade da escolar para pelo menos diminuiro

desrespeito e a desigualdade entre os sexos masculino e feminino.

3º momento: dirigir-se a coordenação/direção com o propósito de

criação do coletivo.

4º momento: Convidaruma professora que possa abraçar a causa de

maneira laica e, se possível, militante.

5º momento: Escrever o projeto e enviar para a coordenação.

6º momento: Em ATPC, divulgar/estimular as professoras a indicar

alunas que gostariam de fazer parte do coletivo. Duas por turma.

7º momento: Marcar o dia do 1º Encontro. Todos os professores foram

convidados, principalmente professoras.

8º momento: roda de conversa sobre o porquê, para quê, objetivos em

criar um Coletivo Feminista. Nesse primeiro dia foi feito uma dinâmica

onde cada aluna escreverá num pequeno papel sobre “O que mais a

atinge como mulher no contexto da escola”? Em seguida ouve a

divulgação dos relatos de cada uma.

Nesse dia ainda foi demonstrado (%) o número de mulheres que são

mortas todo dia no Brasil; Comparativo com outros países; Conceito de

feminicídio, etc.

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9º momento: Intervenção performática do Coletivo no pátio da escola.

Horário de almoço. Foram feitos vários cartazes com palavras de ordem

e colados nas pilastras, paredes, murais, etc.

Grande parte deles foram rasgados na mesma hora pelos meninos.

Nesse mesmo dia foi criado o nome do Coletivo: Coletivo GDA-

Coletivo Garotas de Atitudes

Em que local foi ou poderá ser realizada a ação?

Escola, pátio, sala de aula.

Quais os recursos (materiais, equipamentos, profissionais

convidados etc.) serão necessários/

Sala de aula, Data Show, cartolinas, canetão.

Qual o prazo estimado para seu planejamento e execução?

A cada 15 dias as alunas se reúnem para formação e intervenções.

Qual o número ideal de participantes?

Duas por salas- totalizando 24 alunas. (Número específico de nossa

escola. Cada escola tem sua especificidade/dinâmica e, portanto, esse

número pode variar).

Quem são as (os) participantes?

Alunas dos 6ºs ao ensino médio. Dois professores.

Como essa ação foi ou será avaliada?

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É bom ressaltar que o Coletivo em questão tem também, além de

ressaltar a extrema desigualdade entre homens e mulheres, estimular o

protagonismo das alunas. O Coletivo foi criado para ser um espaço de

discussão/reflexão e, sobretudo, de confronto/prática. Seu viés tem

como uma das premissas se colocar de maneira laica, interseccional e,

portanto, respeitando o lugar de fala.

Diferentes palestrantes contribuíram e contribuem para (na)

formação das alunas; desde professoras que fazem um trabalho de

militância, representantes da saúde das mulheres etc. Essas diferentes

palestrantes que contribuíram e contribuem com o coletivo, além de

dinâmicas, trabalham textos de autoras-militantes como Chimamanda,

Angela Davis etc.

Capítulo 8

PROJETO “SIM NÓS PODEMOS!”

Bianca de Jesus Alencar

Justificativa

Separação nas filas entre meninos e meninas; nas brincadeiras que

limitam as meninas ás bonecas; quando os meninos são muito mais

incentivados a desenvolver atividades físicas e até mesmo na entrega de

folha colorida, para uma simples atividade, em que a cor rosa é sempre

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direcionada ás meninas... entre tantas outras situações vivenciadas

diariamente, é assim que a escola costuma reforçar práticas desiguais

que acontecem na sociedade. Partindo desta problemática, fez se

necessário criar um projeto para discutir a igualdade de gênero e

empoderar as alunas que, desde muito cedo sofrem com o sexismo.

Objetivo

Promover a discussão sobre igualdade de gênero na escola.

Debater a questão com os alunos dos anos iniciais e intervir em

situações de sexismo, refletindo criticamente sobre comportamentos, a

fim de estabelecer relações interpessoais pautadas pela igualdade de

gênero.

Duração

Uma semana

Recursos

Livro “MENINA NÃO ENTRA” Telma Guimarães Castro Andrade,

outros títulos referentes a história das mulheres (para crianças); Papéis

diversos, lápis de cor, canetas hidrocor entre outros materiais para

confeccionar painel.

Desenvolvimento

1ª etapa

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Problematização

Leitura do Livro “MENINA NÃO ENTRA”

Telma Guimarães Castro Andrade

A partir da problemática do livro promover uma discussão com os

alunos sobre brincadeiras e gênero.

2ª etapa Conversa com os alunos

Contextualizar o tema, numa conversa sobre o papel das mulheres na

sociedade e suas conquistas ao longo do tempo, até chegar nos dias

atuais. Nesta etapa, incluir histórias de mulheres que fizeram história e

quebraram paradigmas: Malala, Frida Kahlo, Dandara...

.

3ª etapa

Confeccionar Painel

A partir da afirmação “Mulheres podem...” escrever frases e ilustração

para compor painel (atividade com os alunos realizada em duplas)

4ª etapa

Implantação das ações

Junto com os alunos repensar práticas sexistas e elaborar novas

estratégias para introduzir no cotidiano escolar, como organizar filas

mistas, oferecer osmesmos brinquedos e jogos a ambos os sexos, não

fazer comparações que menosprezem as meninas...

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Avaliação

A avalição será contínua através da observação do envolvimento das

crianças e mudanças de atitude.

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Capítulo 9

PROJETO GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA:

ROMPENDO COM O SILÊNCIO.

Lucilene Freitas

Desconstruindo relações de poder na escola.

Tema do Projeto

Este projeto aborda a questão de gênero e o ensino de filosofia.

A intenção de levar essa temática para a sala de aula ocorreu devido à

observação no ambiente escolar da falta de diálogo e práticas que

possam suscitar atitudes de respeito e solidariedade com relação a todas

as pessoas que estão inseridas na comunidade escolar. Nesse sentido, é

abordada a questão das relações de dominação e poder que permeiam o

ambiente escolar e a forma com que são constituídas nas instituições

determinando uma sobreposição de alguns indivíduos sobre outros, ou

seja, a dominação existente simbolicamente entre homens em relação

às mulheres.

Justificativa

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A escolha deste objeto de estudo aconteceu devido às condições

que comunidades escolares vêem enfrentando problemáticas

relacionadas à gênero e como o ensino de filosofia e seu aporte teórico

pode auxiliar em tal discussão.

No âmbito do conhecimento filosófico, se almeja a construção

de discussões que revelem junto aos estudantes como se edificaram as

relações de poder e cominação ao longo do processo histórico e como

essas relações são naturalizadas no cotidiano das instituições, e,

sobretudo, como isso acontece nas unidades escolares.

Objetivos

Dentre os objetivos que se espera alcançar com a temática podem ser

considerados:

- apresentar os conceitos de dominação e poder que permeiam as

relações humanas;

- discutir o conceito de gênero e como aconteceu sua construção na

sociedade moderna;

- promover diálogos com pessoas atuantes em questões de gênero da

comunidade escolar;

- identificar situações problemáticas juntos aos estudantes em relação

à questão de gênero;

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- desenvolver ações junto aos estudantes de conscientização no

ambiente escolar;

- estimular a produção de “estudos de caso” como exemplos de

situações que devem ser combatidas na convivência diária entre

estudantes;

- Organizar exposição em que estudantes possam contribuir de diversas

formas sobre seu entendimento em relação à questão de gênero

(desenhos, sarau, cartazes, produção de maquetes com materiais

recicláveis, vídeos, fotos, dentre outros).

Apresentação dos planos de aula.

Planejamento Aula 1.

1. Título da aula

Moça vai conversar?

2. Identificação complementar

Aplicação na modalidade: Ensino Médio

Disciplina: Filosofia

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Tema: Gênero e filosofia.

3. Objetivos da aula

- discutir a importância de conversar sobre gênero no ambiente escolar;

- apresentar conceitos relevantes à temática: gênero, sexualidade,

orientação sexual, identidade, diversidade;

- observar como os estudantes agem quando dialogam sobre o tema, e

quais suas curiosidades e dúvidas;

- entender como é a construção conceitual de gênero junto ao

pensamento de jovens do Ensino Médio.

4. Duração das atividades

A atividade terá duração de uma hora aula.

5. Pré requisitos.

Conhecimentos prévios dos estudantes:

- entendimento dos significados de: masculino e feminino; direitos

humanos; respeito; violência e não- violência; auto-estima.

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6. Estratégias e recursos da aula

Ao iniciar a aula são realizadas as perguntas: “Vocês sabem se há

diferenças entre homens e mulheres?”; “Como vocês identificam essas

diferenças?”; “Vocês sabem o que é igualdade de gênero?”; “Percebe

atitudes no seu dia a dia sobre igualdade de gênero?” “Conte

experiências que você entende que tem relação com esse tema”. Após

as perguntas e levantamento de respostas, os estudantes se reúnem em

grupos e elaboram um ”mapa mental” (metodologia conhecida para

estudantes que estão nesta aula) mostrando seu entendimento sobre a

discussão e expõe por meio de diálogo suas idéias.

7. Avaliação

A avaliação da aula será por meio da produção de um diário, em que

cada estudante escreve sobre seu entendimento de conceitos abordados

e complementa com vivências, observações percepções em relação à

situação contemplada na aula.

Planejamento Aula 2.

1. Título da aula

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E se fosse você?

2. Identificação complementar

Aplicação na modalidade: Ensino Médio

Disciplina: Filosofia

Tema: Gênero e filosofia.

3. Objetivos da aula

- dialogar sobre as formas de violência existentes que são praticadas

com homens, e, sobretudo com mulheres;

- discutir sobre a situação da mulher no mercado de trabalho;

- refletir se o Estado intervém positivamente em situações de

vulnerabilidade ou de violência contra a mulher;

- questionar porque a violência é “omitida” na sociedade, sendo que há

mecanismos, mesmo que precários, para a defesa das vítimas.

4. Duração das atividades

A atividade terá duração de uma hora aula.

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5. Pré requisitos

Conhecimentos prévios dos estudantes:

- entendimento dos significados de: trabalho; direitos humanos;

violência física e psicológica; estudo de caso.

6. Estratégias e recursos da aula

Ao iniciar a aula são realizadas as perguntas: “As mulheres têm direitos

iguais aos homens no mercado de trabalho?”, “Como você identifica

essa situação?”, “A mulher trabalha mais que o homem?” “Você sabe o

que é direitos humanos?”, “Todos têm os mesmos direitos?”, “A mulher

assume funções na vida em igualdade com os homens?”, “O que você

pensa em relação a estes temas?”

Após as perguntas e levantamento de respostas, os estudantes se reúnem

em grupos e começam a escrever situações que já presenciaram em

relação à violência de gênero por meio da metodologia “estudo de caso”

(método que já é conhecido e praticado por estudantes do Ensino Médio

em questão).

7. Avaliação

A avaliação da aula será por meio da criação de um “estudo de caso”

produzido em grupos e que será discutido na próxima aula sobre o tema.

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Planejamento da Aula 3.

1. Título da aula

Diga não às relações de poder e dominação!

2. Identificação complementar

Aplicação na modalidade: Ensino Médio

Disciplina: Filosofia

Tema: Gênero e filosofia.

3. Objetivos da aula

- Discutir sobre as relações de poder existentes nas relações de gênero.

- Incentivar os estudantes a exercitar a desconstrução de saberes pré-

concebidos pela sociedade historicamente.

- Dialogar sobre a naturalização das relações de dominação que podem

ser praticadas em questão de vulnerabilidade étnico-racial, gênero e

sexual.

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4. Duração das atividades

A atividade terá duração de uma hora aula.

5. Pré-requisitos

Conhecimentos prévios dos estudantes:

- entendimento dos significados de: poder, dominação, relações

humanas,

6. Estratégias e recursos da aula

Apresentação do “estudo de caso” produzido por estudantes em forma

dialogada e em PowerPoint e discussão sobre o tema, e organização

para a produção de vídeos discutindo os temas “Gênero na escola;

“violência psicológica e emocional”; “Rompimento com relações de

poder e dominação no ambiente escolar”, que serão expostos na escola

no evento “Feira Cultural”.

7. Avaliação

A avaliação desta aula acontece no momento que os estudantes expõem

o estudo de caso a todas e todos, e apresentam os conceitos apreendidos

nas aulas anteriores com as discussões propostas.

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Bibliografia.

SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise

histórica. Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p.

71-99, 1995.

THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social

crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis, RJ:

Vozes, 1995.

Síntese bibliográfica.

AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos: relações de gênero na

escola. São Paulo: Ed. Contexto, 2006.

ALTMAN, Helena. Orientação sexual nos parâmetros curriculares

nacionais. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.9, n. 2, p.575-

585, 2001.

BOURDIEU, Pierre. A DominaçãoMasculina. Rio de Janeiro: Ed.

Bertrand. Brasil, 2003.

*as obras não foram referenciadas porque foram somente parâmetro

paras a construção das abordagens temáticas.

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PARTE III: SEXUALIDADES

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Capítulo 1

Bárbara Cristina

EU QUERO, EU POSSO, EU CONSIGO, E EU VOU FAZER A

DIFERENÇA.

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Meu nome é Bárbara Cristina, e vou contar um pouquinho

da minha hístoria. Nasci dia cinco de julho de mil novessentos e

noventa e sete nacidade de Suzano-SP, prematura pesando apenas

quatrocentas e pouquinhas gramas. Filha de um pai caiçara

nascido em Santos-SP e com 19 anos na época, e uma mãe

maranhense de Bacabal-MA em seus belos 17 anos.

Até os meus cinco anos de idade morei com meus pais e

meus avós paternos, por ser prematura no inicio foi dificil cuidar

de mim, mas meu avô sempre esteve junto com a minha mãe no

que podia. Minha família é bem simples, no inicio eu até usava

fralda de pano por falta de dinheiro para comprar as descartaveís.

Muitas vezes meu avô saia para vender coisas no ferro-velho com

minha mãe para comprar leite e comida; nisso meu pai sempre

muito largado.

Na época eu não tinha noção de que minha mãe não ficava

comigo porque ela tinha que trabalhar para não me faltar as

coisas. Como eu passava o tempo todo com o meu pai, na minha

cabeça ele era mais legal que ela. Meus país se separaram quando

eu tinha cerca de cinco anos de idade e eu quis ficar com o meu

pai.

Nessa época minha mãe abriu mão da minha guarda, pois

não queria que eu ficasse com ela contra minha vontade. Fiquei

dois anos sem ver minha mãe, nos comunicamos apenas por

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ligação. As dificuldades eram inúmeras: teve periodos que

tinhamos apenas um ovo para quatro pessoas, mas não tinhamos

nem o gás para fazer, passei meses comendo somente arroz.

Quando eu ia à casa da minha mãe eu ganhava roupas, e comia

bem e via todo mundo feliz, e não sabia por que na minha casa

não podia ser assim. Até tentei morar algumas vezes com a minha

mãe, mas sempre fui muito apegada ao meu avô e por isso voltei.

Quando eu tinha nove anos, em meio a tantas dificuldades

financeiras, havia um rapaz dono de um lava rápido na nossa rua

que emprestava dinheiro ao meu pai e avós. Meu pai pediu que eu

fosse pegar o dinheiro com ele, ele então passou a mão em mim.

Eu fiquei apavorada, porém ele me disse que se eu falasse para

alguém iria parar de emprestar dinheiro para minha familia e

meus avós iriam morrer de fome. Os abusos se estenderam por

um ano mais ou menos, até meu pai arrumar uma mulher e nós

mudarmos de cidade.

Essa mulher me salvou de diversos modos:

Antes de se envolver com meu pai, ela namorava uma moça.

Então, com um mês que eu conheci ela, já consegui contar-

lhe que era homosexual. Nessa época, meu pai dizia que se eu

fosse ‘lesbica’ iria me matar. Então ela me prometeu que iria

tentar ir moldando a mente dele. Como não tinha muito

contato com minha mãe, apeguei-me a ela como mãe.

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Certo dia, estávamos de carro com meu pai. Em meio a uma

discussão, ela abriu o cinzeiro do carro e pegou dois pinos de

cocaína, atirando-os para fora do carro e reclamando com meu

pai por fazer uso disso. Ele instintivamente começou a agredi-

la. Chegando à casa, as agressões se agravaram, ele em cima

dela tentando enforcá-la com o fio do ventilador. Nessa

ocasião peguei uma faca na intenção de matá-lo. Meus avós

brigaram comigo e interviram para acalmar a situação.

Nesse dia, pela primeira vez, pude ver quem realmente era meu pai.

Ele conversou comigo e assumiu ser usuário de drogas. Seguiram-

se diversas crises de abstinencia.

A mulher dele disse que não iria me deixar sozinha com

ele, e que quando eu fosse embora, ela também iria.

Com onze anos de idade, consegui me assumir para os meus

pais e para o mundo. Meu pai aceitou e minha mãe disse que já

sabia, porém ainda tentei relacionar-me com garotos por um

tempo, mas não consegui.

Devido a crises de abstinencia de meu pai, que pressionava

meus avós, voltei a ir buscar dinheiro com o rapaz do lava rápido,

o que me trouxe de volta os fantasmas do passado. Prometi nunca

mais fazer aquilo. Contei para minha mãe, que questionou ele e

meus avós. Então meu pai me bateu, esmurrou minhas costas

enquanto dizia:

- Sapatão desgraçada, você tem que morrer!

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Após esse episodio, deixei meus avós e fui em busca de algo

melhor. Morei com minha mãe, iniciei um relacionamento

homoafetivo, iniciei um curso profissionalizante e depois

consegui ingressar na Faculdade de Pedagogia pelo Prouni.

E eu sigo com o mesmo pensamento: estou atrás do melhor,

para poder oferecerpelo menos um pouco de descanso para meus

avós que já sofreram tanto. Infelizmente minha avó veio a falecer,

mas eu vou lutar pelo meu avô; eu quero ajudar também em

projetos sociais.

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Capítulo 2

Izabel Lustosa

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MEU DESEJO É QUE O SENTIMENTO DE SOFRER

PRECONCEITO SEJA EXTINTO, FINALMENTE!

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A diversidade cultural bate de impacto a minha vida

primeiramente, e dolorosamente em minha própria casa, uma vez

que sou uma jovem de 19 anos, pansexual, com uma mente

disposta a compreender e aceitar as diversidades. Já minha mãe,

extremamente religiosa, tem seuspróprios conceitos de certo e

errado fixados como verdade única.

De minha família, somente minha irmã do meio sabe que

sou homossexual. Ela também teve a confiança em me contar que

era homossexual há quatro anos, mas devido a nossa criação tem

muita dificuldade em se aceitar; acredita que nunca irá ser feliz

com uma mulher, porque segundo a nossa mãe e a educação

religiosa, isso não é possível. Entretanto, eu, mesmo sendo nove

anos mais nova, sempre me fiz de apoio e a revesti de incentivos

para ela ser realmente aquilo que ela é.

Minha família é natural da Paraíba o que culturalmente os

tornaram com uma extrema dificuldade em aceitar as

diversidades, o que para mim é totalmente compreensível. Eu

consigo entender que minha mãe, mais especificamente, não teve

a oportunidade de ter uma boa educação escolar, e com a criação

tradicional foi impedida de ver a imensidão entre as relações

humanas.

Eu não ligo para o que pensam de mim em relação a minha

orientação sexual, e ao modo como deixo transparecer meu amor

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pelas pessoas, e como me julgam pelas pessoas com que ando e

que se tornaram meus amigos. Mas tudo muda quando eu tenho

que me relacionar com minha mãe. Por ter tanta importância em

minha vida, qualquer comentário feito por ela me destrói em

pedaços, mesmo que eu sempre esteja debatendo esses assuntos

dentro de casa. Eu me sinto paralisada ao saber que por mais que

eu entenda a visão que ela tem do mundo, ela nunca vai entender

que eu, filha dela, que já nasci com toda minha vida projetada

com base nos conceitos dela, poderei ir contra isso. Ela não vai

me amar completamente e plenamente pelo simples fato de eu

conseguir amar uma pessoa, simplesmente por amar.

Eu escrevi esse diário por saber que há pessoas que passam

pela mesma situação que eu, partilham dessa mesma angustia, e

pelo meu desejo de que esse sentimento seja extinto, finalmente!

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Capítulo 3

Poesia: As cem linguagens da autonomia

(Texto inspirado na poesia ‘as 100 linguagens da criança’, de Lóris

Malaguzzi)

Brubs.

A sexualidade é feita de cem,

A sexualidade tem cem gêneros, cem pensamentos, cem modos de

agir, falar e abordar.

Cem sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar.

Cem gêneros e orientações sexuais para compreender.

Cem amores para descobrir. Cem empoderamentospara nos atentar.

A sexualidade tem cem linguagens (e depois cem, cem, cem), mas

proibiram-lhe 99.

A sociedade e a religião impõem disciplina e heterossexualidade

compulsória.

Dizem- lhe para casar e depois ter filhos, de obedecer sem questionar,

de se viver com tabus e sem conhecer seu corpo.

De aceitar preconceitos e violência da família e almoçar com eles na

pascoa e no natal.

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Dizem-nos: não te toques nem mesmo para conhecer seu próprio

corpo, mas te culpam se o invadem sem sua permissão, e de cem

roubaram-nos noventa e nove.

Dizem-nos: o gênero define quem devemos amar, ser desde o

nascimento e como cuidar do próprio corpo.

O gênero e a orientação sexual, o aborto e a autonomia de nossas

vidas, são coisas não debatidas.

Dizem-nos: a “ideologia de gênero” não será debatida, nos gritamos:

DEBATEREMOS!”

Poeisa: Não estou em cima do muro

Brubs

Eu quero respeito

Não tente dar este tiro no escuro

Eu tenho a bandeira roxa, rosa e azul no meu peito.

Não se atreva a me chamar de vetor de DST

Quando você se recusa a me ver

Quando você se recusa a ver

Que bissexuais existem independente de você!

Como já diziam as palavras de ordem,

“eu beijo homem, beijo mulher, tenho o direito de beijar quem eu

quiser!”

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Você não tem o direito de apontar o dedo na minha cara e dizer que

minha vida amorosa e sexual não existe quando eu estou bem

aqui na sua frente.

Nos respeite, e olhe para a realidade de uma perspectiva diferente.

Bissexuais existem independente de você!

Capítulo 4

Relato: “Meu nome é Patty”

Amélia

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Primeiro dia de aula numa escola nova e um grande desafio

a enfrentar: uma distância de quase quarenta quilômetros de

distância de minha residenciae tinha que lecionar no período

noturno.

Subi para a sala de aula, me apresentei e falei sobre a

disciplina. Ao iniciar a chamada, uma aluna interrompeu-me e

disse:

-O número três, por favor, é Patty.

Olhei para ela e não entendí. Olhei novamente com intuito

de questionar, quando percebi que se tratava de uma transexual.

Era a primeira vez em quase trinta anos de profissão que eu me

deparava com uma transexual na sala de aula.

Sorri para ela e disse:

-Ok, Patty!

E assim, todas as vezes que fazia a chamada, ela se

apressava e falava:

-Patty!- e eu repetia:

-Patty. - e ela sorria.

Na outra sala de aula de outra etapa, também havia outra transexual de

nome Laila. Convivendo com elas, refleti e aprendi muito em

relação ao direito de sermos e fazermos nossas escolhas de acordo

com as nossas convicções e sentimentos.

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Capítulo 5

Relato de Homossexualidade e Bullying familiar

Luciene

Enquanto professora mediadora do Ensino Médio em

escola do estado, presencio diversas situações envolvendo a

sexualidade.

Uma delas que chamou minha atenção de forma especial

e de todos os gestores, foi o caso de um dos alunos que tinha um

comportamento introvertido e que não interagia com seus

colegas. A professora da sala de leitura observando esse

comportamento veio falar comigo.

Chamei-o, e conversando com ele pude constatar que seu

problema era por ser homossexual, mas não com seus colegas, e

sim com sua família. Filho único de pais não tão jovens,

enfrentava situações constrangedoras na sua casa com seus pais e

também com seus avós.

Não tinha abertura para falar sobre este assunto e isto

estava sufocando- o.

Como sou psicóloga, facilita meu trabalho como

mediadora fazendo com que os alunos consigam se abrir e

desabafar suas angústias amenizando seu sofrimento.

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Tivemos alguns encontros, convoquei seus pais para

informar sobre tais comportamentos e aconselhei que o levassem

a um psicólogo.

O aluno começou a interagir mais com seus colegas e

melhorar seu comportamento no geral, mas passados alguns

meses, seus pais foram até a escola desesperados querendo saber

sobre o filho. Se estava tudo bem, se ele estava com bom

comportamento, se o comportamento dele era diferente e etc.

Percebemos que queriam saber sobre a homossexualidade

do filho, mas deixamos que eles mesmo comentassem a respeito

questionando se eles perceberam algo de diferente no

comportamento do filho, pois na escola estava tudo normal.

Foi então que relataram ter visto uma conversa dele com

outro menino na rede social marcando encontro. Estavam

desesperados e chorando muito afirmando a todo tempo que seu

filho não era Gay. Que isso não seria possível, pois eles faziam

de tudo pelo filho, que os avós estavam decepcionados e que

falaram com ele da decepção.

Enfim, este aluno além de estar se descobrindo o que já

não é fácil para um adolescente, sofria bullying familiar

dificultando ainda mais sua socialização e levando-o a rebeldia

para com os seus.

Aconselhamos novamente que a família procurasse a

ajuda de um profissional para ajuda-los e ao seu filho, pois na

primeira recomendação, os pais ignoraram para não falar sobre o

assunto.

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Nesta situação o preconceito estava dentro da própria família

e não no ambiente escolar, mas atingindo o aluno no seu

convívio social.

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Capítulo 6

PROJETO: DIVERSIDADE SEXUAL NO CONTEXTO

ESCOLAR

Suzete Mary BalbinotCambruzzi

EEEF MatteoGianella

Quais os objetivos desta ação?

1. Oportunizar reflexões a respeito da diversidade sexual.

2. Criar um espaço que promova a discussão e estimule a

compreensão entre educação e diversidade sexual.

3. Sensibilizar a comunidade escolar para que as pessoas

consideradas “diferentes” não sofram preconceitos.

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4. Ressaltar que o ser “diferente” não reflete empecilhos à

realização desonhoseconquistas.

Como foram ou serão realizadas as atividades dessa ação?

1. Levantar dados sobre o preconceito sexual na escola.

2. Conversa informal com ex-alunos da escola com orientação

sexual “diferente”.

3. Buscar na mídia exemplos de superação quanto à diversidade

sexual.

Em que local foi ou poderá ser realizada?

As atividades ocorrerão nos diferentes espaços da escola, ou seja, sala

de aula, pátio da escola, sala de informática, ginásio de esportes e

biblioteca.

Quais os recursos (materiais, equipamentos, profissionais

convidados, etc.) serão necessários?

1. Projetor multimídia, livros, computadores, cartolinas, papel

pardo.

2. Sala organizada com cadeiras em círculo para os debates e

reflexões.

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Qual o prazo estimado para o seu planejamento?

a) Planejamento: três semanas

b) Execução: 12 semanas

Qual o número ideal de participantes?

240

Quem são os participantes?

Estudantes, professores, coordenadores pedagógicos,

pais, funcionários da escola, gestores e comunidade em geral que se

interesse pelo tema.

Como essa ação foi ou será avaliada?

A avaliação será realizada a partir da construção coletiva

de painéis, textos e vídeos com depoimentosa cerca do assunto.

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Capítulo 7

PROJETO : POR UM FIO DE MEMÓRIA

Larissa Pujol

Instituto Estadual de Educação Olavo Bilac

Santa Maria – RS

Conceito: atividade aplicada ao projeto Um Dedo de Prosa e Poesia, já

desenvolvido na referida escola.

Sobre Um Dedo de Prosa e Poesia: a partir da expressão popular “um

dedo de prosa”, o projeto busca interagir uma rede de leitura entre

alunos e seus familiares/amigos sobre as obras estudadas em classe,

abordando diversas temáticas, dentre eles, o assunto da diversidade.

A atividade proposta “Por um fio de memória”, incluída no projeto, está

relacionada ao diálogo com o idoso presente no local familiar do aluno,

resgatando a “prosa” de suas histórias, por ora quiçá esquecida, sem

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apego as questões identitárias ou genealógicas. O que se pretende

resgatar é o registro sobre as conversas sobre diversidade, incluindo a

disposição sobre sexualidade e gênero, presente (ou ocultas) na época.

Quais os objetivos dessa ação?

1. Retratar como era o parecer social da época sobre o assunto

gênero e sexualidade.

2. Através do idoso, traçar o seu perfil jovem e como ele lidava

com os assuntos.

3. Retratar a educação familiar e o ensino escolar que sua

juventude viveu.

4. Verificar a maneira como a escola abordava as questões de

gênero e sexualidade.

Como foram ou serão realizadas as atividades dessa ação?

É considerável observar a evolução dos Direitos Humanos para

enfrentar as desigualdades que marcam o desafio da educação e do

costume social. O papel, a função, a divisão retratados na percepção

comum do social torna-se, de tempos em tempos, tópicos para refletir e

argumentar mudanças através da mediação que oriente sobre o

preconceito e a discriminação. O gerador de conflitos, adquiridos com

o debate, intervém para abordar a falta de diálogo e demasiado

julgamento. Logo, resgatando a conversa com o idoso é possível

construir a diferença entre a opinião e o julgamento buscando anotar o

perfil reflexivo época a época. A proposta partida por “um dedo de

prosa” antes trabalhará obras em que sejam pertinentes as questões

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sobre gênero, incluindo São Bernardo, de Graciliano Ramos, A Hora da

Estrela e A Paixão Segundo G.H, de Clarice Lispector, e outras obras

Modernas do século XX, que poderão auxiliar os alunos a criarem seus

questionários. Assim, após a leitura e a roda de prosa, os alunos

considerarão os exemplos de personagens estudados para começar a

aproveitar o questionário em casa, aplicando-o de maneira informal.

Caso o aluno não conviva com um idoso, ele poderá trabalhar a proposta

em um asilo, desde que construa com o idoso um vínculo confiável e

amistoso para a conversa que o deixe à vontade para relatar sobre o

assunto.

Após os dados coletados, será elaborado um livro de memórias

comparando as obras estudadas com a entrevista com os idosos.

Em que local foi ou poderá ser realizada?

A atividade poderá ser realizada em casa ou em asilos.

Qual o prazo para seu planejamento e execução?

a) Duas semanas para a leitura e abordagem das obras.

b) Duas aulas para a exposição da tarefa.

c) Uma semana para a pesquisa.

d) Duas semanas para a finalização em livro de memórias.

Qual o número ideal de participantes?

Todas as turmas de 3º ano do Ensino Médio, com total de 65 alunos e

os idosos entrevistados (máximo dois por aluno).

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Quem são os participantes?

Alunos com idades entre dezesseis e 18 anos, os idosos e a professora.

Como essa ação será avaliada?

Observação contínua tratando de avaliar o procedimento utilizado para

a realização da pesquisa: adequação do espaço, elaboração do

questionário, pertinência com as obras, reconhecimento do idoso,

anotação dos dados.

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Capítulo 8

PROJETO: AUTORES DA DIVERSIDADE

Larissa Pujol

Instituto Estadual de Educação Olavo Bilac

Santa Maria - RS

Conceito: atividade aplicada ao projeto Um Dedo de Prosa e Poesia, já

desenvolvido na referida escola.

A atividade estabelece um estudo sobre a Diversidade abrangida na

Literatura Infantil. Aplicada no Curso Normal, a proposta procura

desenvolver com os alunos normalistas a pesquisa sobre autores que

abordam a Diversidade nas seguintes questões: gênero, étnico-racial,

sexualidade e pessoas especiais, nos enredos dedicados às crianças da

Educação Infantil – Pré-escola ao 5º ano, e, logo, culminando na

produção de painéis sobre a atividade e realizando a discussão com

colegas sobre métodos de como planejar/aplicar uma aula sobre

Diversidade em sala de aula.

Quais os objetivos dessa ação?

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1. Desenvolver a pesquisa no âmbito da Literatura Infantil,

procurando ressaltar o tema da Diversidade nas histórias infantis.

2. Através do conhecimento sobre a história, os grupos de pesquisa

desenvolverão um diálogo sobre as estratégias de como abordar o autor,

o livro e o tema Diversidade.

3. Traçar o perfil dos alunos para os quais os normalistas realizarão

sua aula e como as crianças interagem com o enredo e, logo, a

discussão.

4. Verificar a maneira que as crianças lidam com os eixos gênero,

racismo, sexualidade e pessoas especiais, bem como tratar de dialogar

o processo de desconstrução do estereótipo e do respeito à

autoafirmação do querer ser e do poder ser.

Como foram ou serão realizadas as atividades dessa ação?

É considerável observar a evolução dos Direitos Humanos para

enfrentar as desigualdades que marcam o desafio da educação e do

costume social. O papel, a função, a divisão retratados na percepção

comum do social torna-se, de tempos em tempos, tópicos para refletir e

argumentar mudanças através da mediação que oriente sobre o

preconceito e a discriminação. O gerador de conflitos, adquiridos com

o debate, intervém para abordar a falta de diálogo e demasiado

julgamento. Logo, ressaltando a conversa com a criança, é possível

construir a diferença entre opinião e julgamento buscando anotar o

perfil reflexivo durante a aula aplicada pelo normalista. A proposta

partida por “um dedo de prosa” antes trabalhará obras da Literatura

Infantil em que sejam pertinentes as questões sobre Diversidade que

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poderão auxiliar os normalistas a criarem seus planos de aula para a

Educação Infantil. Assim, após a pesquisa e a discussão das estratégias,

os alunos considerarão os exemplos dos métodos dos colegas para

aproveitar na sua aula. Após o estudo e a explanação dos painéis, os

normalistas confeccionarão o Kit Diversidade (pequeno folheto com a

historinha, o autor e a reflexão abordada) para entregar às crianças.

Em que local foi ou poderá ser realizada?

A atividade será realizada nas dependências do Instituto.

Qual o prazo para seu planejamento e execução?

a) As aulas da disciplina Literatura Infantil no Curso Normal, 2º e

3º anos, realizam-se uma vez por semana e, no 1º ano, que não possui

essa disciplina em sua grade, será utilizada uma parte da aula de

Literatura.

b) Uma aula para a explanação da atividade e divisão dos grupos,

mais a escolha dos eixos que cada grupo abordará dentro do tema

Diversidade.

c) Uma aula para reunião entre as turmas e seus grupos para

explanação dos autores e eixos escolhidos, bem como a discussão sobre

métodos de aplicação das histórias infantis às crianças.

d) Uma semana para a confecção, em aula, dos painéis e do Kit

Diversidade para entregar aos alunos da Educação Infantil.

e) Um período para a apresentação dos painéis e dos planos de aula

dos normalistas.

f) Finalização em estágio de regência.

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Qual o número de participantes?

40 (quarenta) alunos normalistas entre 1º, 2º e 3º anos. As crianças da

Educação Infantil para as quais os alunos farão estágio.

Quem são os participantes?

Alunos normalistas com idades entre quinze e 18 anos, as crianças e a

professora.

Como essa ação será avaliada?

Observação contínua tratando de avaliar o procedimento utilizado para

a realização da pesquisa e da aplicação da atividade: adequação do

estudo, elaboração dos métodos e das estratégias, domínio do tema e

das obras aplicadas às crianças, reconhecimento da fragilidade em

classe sobre o assunto, apresentação dos painéis e das aulas.

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PARTE IV: RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Capítulo 1

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Ana Paula

“EVITAR O PERIGO DE UMA HISTÓRIA ÚNICA”

Em busca do meu verdadeiro Eu.

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Sou a quarta filha de uma família de cinco filhas mulheres,

pais separados, há exatamente 25 anos. Meu pai é branco e

racista; minha mãe é negra, com cabelo liso. Via meus pais

brigando e minha mãe acionar a delegacia por causa da agressão;

ela voltava para casa e no mesmo dia ele também voltava, como

se nada tivesse acontecido.

Quando minha mãe se relacionou com meu pai ela já tinha

três filhas, fruto do seu primeiro casamento com um descendente

de italianos. Esse casamento foi marcado por atos de agressão

física - por parte dele - e de racismo, por parte de uma irmã dele.

Teve seu fim num episódio de tentativa de homicídio (com faca),

após 17 anos, mesmo sem o apoio do meu avô (NEGRO), que

acreditava que o casamento era para sempre.

Todas as minhas irmãs têm cabelo liso. O engraçado é que

nasci careca, mas aos poucos meus cabelos foram crescendo e eu

os cortava estilo “Joãozinho” (porque meu cabelo é crespo) e me

vestia como um menino, não conseguindo me ver diferente.

Com o tempo e alguns procesos químicos, meus cabelos

estavam um pouco melhor, os anos de cabelos curtos e roupas

masculinas tinham chegado ao fim.

No Ensino Médio consegui realizar o que achava ser meu

sonho: fazer permanente afro, para assim ter lindos cachos.

Porém, ainda escondia meus cabelos através de coques, presos

sobre grampos, pois recebia os apelidosde Maria Bethânia ou Gal

Gosta sempre que os deixava solto.

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No ano de 2013, ouvi um aluno do sétimo ano referir-se à

mim de forma ofensiva. Dentre outras coisas, falou:

-Aquela pessoa de óculos, se usar chapinha vai queimar

ela!

Este episódio me entristeceu intensamente. Eu me senti

feia, chorei muito e não retornei para essa escola após o final do

ano letivo.

Em outra escola, sendo bem tratada por todos, comecei a

estudar sobre o continente africano na USP. Depois realizei uma

formação em Diadema, onde tive contato com o movimento negro

de lá e ao fim desta formação me reconheci como uma mulher

negra; mas faltava algo para completar minha transformação.

A escola, então, solicitou uma palestra para compartilhar

o que havia aprendido e assim o fiz. No ano de 2016, uma

professora de Português (praticante da Filosofia Unbuntu) trouxe

para escola uma peça de teatro baseada no livro ‘O mundo no

Black Power de Tayó’ (autora Kiusam de Oliveira), realizado por

suas três alunas. Foi assistindo esta peça que me reafirmei como

uma mulher negra e o desejo de alterarmeu visual só aumentou,

pois não aguentava mais ver meus cabelos presos.

No início do ano seguinte (2017), resolvi assumir meus

cabelos do jeito que eles são: crespos, volumosos e lindos! Para

isso ocorrer, pesquisei muito sobre cabeleireiros especialistas em

cabelos afro, e enfrentei mais um desafio: ir ao salão com os

cabelos soltos. No caminho me senti insegura, imaginava que

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todos estavam me olhando e dizendo algo sobre meu cabelo, mas

ao entrar no salão, me reconheci, vi pessoas como eu no espaço.

Hoje posso dizer que estou feliz com meus cabelos, com

minha aparência, sou uma mulher negra completa, que não tem

medo de ouvir “hoje seu cabelo está muito afro – um eufemismo

para: ”hoje seu cabelo está muito armado”.

Continuo divulgando meus conhecimentos sobre o

continente africano e a cultura afro brasileira, em sua diversidade,

na minha escola em outros períodos e em outras escolas quando

convidada.

Estou desenvolvendo dois temas com minha turma de

terceiro ano do médio, formações e discussões sobre a diversidade

sexual e as relações étnicos- raciais, este ano, devido um projeto

implantado na minha escola, para com isso eles possam ter mais

respeito com a comunidade LGBTT e desconstruir alguns

conceitos sobre o continente africano, a cultura africana e afro

brasileira.

É também uma forma de retribuir aos meus alunos e

alunas, pois muitos me deram força neste processo, incentivando

com suas atitudes de empoderamento, sendo verdadeiros

exemplos para minha pessoa, sempre podemos aprender com

nossos alunos, mesmo que as situações da nossa profissão sejam

difíceis.

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Capítulo 2

Bruna Silva

A EDUCAÇÃO É A FORMA MAIS EFICAZ DE

PROVOCARMOS UMA MUDANÇA POSITIVA EM NOSSA

VIDA E NA VIDA DE OUTROS SERES HUMANOS

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Quem é Brubs?

Chamo-me Bruna, prefiro Brubs (apelido carinhoso de

infância). Tenho 22 anos de idade. Somos de uma família de

retirantes, avós maternos paraibanos e avós paternos

pernambucanos. Sou a primeira da minha família a nascer no

estado de São Paulo e ter acesso a universidade e estudos

acadêmicos mesmo fora da faculdade.

Morei ate os dois anos de idade com minha mãe, meus avós

maternos e meus tios. Durante meus dois primeiros anos nesta

casa, minha avó me criou enquanto minha mãe saía para trabalhar.

A partir dos quatro anos, meu pai biológico quis me assumir e

passou a pagar minha pensão, o que futuramente iria me ajudar a

pagar meus estudos. Minha mãe casou-se com meu padrasto, a

quem chamo de pai até hoje.

Meu pai e sua família é testemunha de Jeová e por parte de

mãe, são católicos fervorosos. Quando estava com 10 anos, eu

estudei a bíblia com minha avó paterna, que me fazia ler um livro

bíblico por semana.

Foi apenas com 11 anos que tive noção de que não poderia

continuar calada sobre o que discordo da religião, saí do coral da

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igreja e parei de estudar a bíblia, pois descobri que sinto atração

por garotas (e por garotos). Sofro ate hoje com a bifobia causada

pelos familiares e amigos.

A partir dos 11 anos, conheci Kitty, uma garota com quem

me dei muito bem e passei a gostar com o tempo. Somos amigas

até hoje, foi meu primeiro grande amor, apesar de viver em outro

estado.

No fundamental II, estudando em uma escola particular

tradicional, as pessoas falavam que meu cabelo era feio, meu

nariz era de batata, meu cabelo era de Bombril. Nesta época eu

comecei a prender meu cabelo, fazer chapinha. E então quando

achei que as chacotas iriam acabar, aumentaram mais:

-E aí? Arrumou o Bombril?

-Olha, conseguiu dinheiro pra arrumar o cabelo, so falta

consertar esse nariz.

Essas gozações me faziam muito mal! Quando completei

quatorze anos, alisei meu cabelo. Mas somente aos dezessete anos

que conheci Jully,uma amiga que iria me ajudar a amar meu

cabelo e iniciar minha transição capilar. Hoje, amo meu cabelo e

agradeço a minha amiga e ex-companheira de Marcha das Vadias

por ter fortalecido minha pessoa. Hoje eu levanto minha voz e

grito “NÃO, MEU CABELO É BOM, E MEU NARIZ É

LINDO!”.

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Capítulo 3

PROJETO: A INTOLERÂNCIA NA ESCOLA NO ENSINO DO

EJA (EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS)

Clarissa de Oliveira

E.E. Alexandre Bassora

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Nova Odessa/SP

Apresentação

A escola pública passou a difundir e expandir o acesso a todas as

pessoas à educação reunindo assim uma vasta e rica diversidade

cultural. Ao mesmo tempo, estereótipos e preconceitos difundidos e

reproduzidos socialmente, seja pela mídia, internet, políticas públicas,

passaram a fazer parte da comunidade escolar. Como a escola deve

servir de instrumento para minimizar conflitos e formar cidadãos,

apontar as diferenças e buscar a identidade do aluno desconstruindo

paradigmas e levando-os a refletir sobre suas origens é necessário para

a compreensão da diversidade na formação da cultura brasileira.

Objetivos

- Buscar a identidade do aluno como um ser social e sua contribuição

enquanto um organismo coletivo;

- Promover o debate sobre a diversidade cultural na escola para

desmistificar estereótipos e preconceitos que são difundidos;

- Levar a reflexão sobre origens étnicas;

- Perceber que todas as etnias contribuem para a formação da cultura do

país.

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Como foram ou serão realizadas as atividades dessa ação?

- Conversa com os alunos do EJA falando sobre as origens de cada

aluno para identificar a diversidade local;

- Fazer um levantamento de dados locais sobre a diversidade da

escola/comunidade;

- Solicitar autorizações de uso de imagem e começar as entrevistas;

- Fazer a reunião do material produzido e montar o documentário.

Em que local foi ou poderá ser realizada a ação?

Poderá ser realizado nas salas de aulas e espaços da escola, como pátio,

sala de informática, quadras.

Quais os recursos (materiais, equipamentos, profissionais

convidados etc.) serão necessários?

Espaços da escola, câmera para registros e projetor para exibição.

Qual o prazo estimado para seu planejamento e execução?

O prazo estimado é de 3 meses, ficando o documentário pronto para

exibição na feira cultural da escola.

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Qual o número ideal de participantes?

O maior número de alunos possível, mas devido a necessidade de

exposição de imagem, espera-se que tenham entre 10 e 20 alunos

participantes.

Quem são as (os) participantes?

Alunos do EJA do 1º termo ao 3º ano (5 salas de aula).

Como essa ação foi ou será avaliada?

Será avaliada em conjunto com as atividades da feira cultural.

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Capítulo 4

Projeto: IDENTIDADE SE CONSTRÓI A PARTIR DA

VISIBILIDADE

MICHELLE SILVA

FLAVIELLE JOLLENBECK

PROPOSTA

Um povo que não conhece a própria história não tem condições de

construir uma identidade sólida e, para isso, é necessário que tenha

firmamento, embasadas em nossa cultura, que é tão plural. Mais que

conhecer, faz-se necessário compreender os processos pelos quais

passamos para que tenhamos a atual configuração de sociedade.

O Dia do índio não deve ficar de fora desta construção, uma vez que

compõe parte de extrema importância de nosso meio social. Entretanto,

não se pode encerrar este assunto apenas num único dia de

representações de estereótipos. Os educandos precisam compreender

para além de meras ilustrações, mas se emaranhar com sua história,

navegando nos costumes, visões de mundo, a forma que levavam a vida

e que, mesmo sendo todos índios, também havia entre eles a

diversidade, a diferença, assim como nos dias de hoje. É necessário que

aprendam que os costumes que temos hoje são fundamentados nos deles

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e, que sem essa fundamentação, não seríamos este povo permeado de

história e cultura tão ricas.

Para embasar tal necessidade, a lei 11.645/08, que complementa a Lei

10.639/03, traz a obrigatoriedade do ensino da história afro-brasileira e

africana no currículo nacional, e também das questões indígenas.

Portanto, o presente projeto, por meio das disciplinas de História,

Geografia, Língua Portuguesa e Artes, torna-se meio de construção de

identidade, não só do indivíduo, mas do ser social, inserido num

contexto que deve ser valorizado desde sua origem.

O presente projeto tem foco nos alunos de quarto ano e trará à tona o

modo de viver indígena e os costumes que carregamos até os dias de

hoje. Com auxílio de gravuras, maquete móvel e objetos, além da

realização dos sinais referentes com toda a turma, o intuito é alcançar

todos os educandos por igual, além de inserir a Língua Brasileira de

Sinais nas atividades.

Intencionando a construção de saberes acerca do Brasil pré-colonial e

seus habitantes, as mudanças em seu modo de vida e os costumes que

carregamos até hoje em nosso dia a dia e não nos damos conta da

origem, aumentando assim, o campo de saber dos educandos, trazendo

a diversidade para a sala de aula, diminuindo preconceitos e ainda

cumprindo a lei 11.645/08 e as diretrizes dos Parâmetros Curriculares

Nacionais.

OBJETIVOS

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• Compreender a diversidade e cultura presente em nossa cidade;

• Associar os costumes indígenas com costumes cotidianos;

• Entender a importância da cultura indígena para nossa

sociedade;

• Perceber as mudanças no estilo de vida indígena no decorrer do

tempo

• Respeitar as diferentes culturas

• Elaborar objetos a partir de recursos da natureza e recicláveis

ESTRATÉGIAS/ IMPLEMENTAÇÃO

• Exposição das imagens de crianças com diferentes etnias,

mostrando como somos todos diferentes. Pegar a imagem de uma

criança indígena e iniciar debate;

• Roda de conversa com exposição de mais imagens indígenas e

fazer perguntas norteadoras “O que é índio?”, “Vocês já viram algum?”,

“Como acham que eles vivem?”, “Onde vivem?” “Será que sempre

viveram da mesma forma?”; (30min)

• Com o auxílio de gravuras dos povos indígenas, identificar

como se vestiam, o lugar onde moravam, como se organizavam,

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construindouma linha do tempo a partir de como imaginam como era

antes e o caminho que percorreram até chegar no modo de vida atual;

• Questionar os apontamentos em debate aberto;

• Maquete móvel, disponibilizada pelo Museu de Arqueologia e

Etnologia da USP para ilustrar o modo de vida que levavam e as

mudanças graduais no decorrer do tempo;

• Pesquisa: Entrevistar familiares e conhecidos acerca do que

sabem sobre índios e registrar com desenho e construções de frases

explicativas tanto

• Exposição e socialização dos resultados;

• Vídeo Pajerama;

• Reflexão acerca do vídeo, sobre como se sentiram ao serem

forçados a mudança e como ela começou, com utilização de recursos

visuais para ilustração;

• Pesquisa em grupo e execução de brincadeiras indígenas que

permanecem até hoje;

• Reconstrução da linha do tempo com gravuras, considerando o

conhecimento que obtiveram;

• Sistematização da aula anterior;

• Objetos indígenas para apreciação também fornecidos pelo

Museu de Arqueologia e Etnologia da USP e associação com o que

utilizamos atualmente;

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• Construção de objetos utilizando materiais recicláveis e

recursos da natureza (chocalhos, colares, arco e flecha, cocares, e os

sugeridos pelos alunos) no jardim da escola (1 hora)

• Exposição dos objetos na escola

RECURSOS

• Gravuras com rostos de crianças diferentes etnias;

• Gravuras com costumes indígenas;

• Maquete Tátil do MAE - USP;

• Objetos indígenas do MAE - USP;

• Retro projetor;

• Pátio / Jardim da escola

• Garrafas pets;

• Grãos diversos;

• Folhas, galhos, frutos;

• Jornais;

• Cartolinas;

• Fio de nylon;

• Macarrão;

• Penas;

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• Tintas para rosto;

• Tinta guache.

AVALIAÇÃO

A avaliação se dará a partir do cumprimento e evolução nas atividades

realizadas, que apontarão o desenvolvimento de cada aluno no decorrer

do projeto, além da observação do sentido de responsabilidade,

participação e empenho, resolução de conflitos e capacidade de

autonomia e sua evolução baseada na tragetória da implementação da

proposta.

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Capítulo 5

PROJETO – DIVERSIDADE CULTURAL BRASILEIRA

EmelyJac. Dos Santos Fagundes (Pedagoga)

Felipe Eduardo dos Santos (Ed. Física)

Justificativa

Este projeto tem por finalidade mostrar aos alunos do Ensino

fundamental I que a cultura popular brasileira é plural, que o povo

brasileiro é resultado de uma diversidade de sons, de cores, de normas,

de valores que, ao se misturarem, nos deram este Brasil ritmo, este

Brasil sensibilidade e ação; um Brasil, acima de tudo, sincrético,

miscigenado, com seu tempo e sua história. Com este objetivo, deseja-

se que os alunos internalizem que povo desenvolvido é aquele que

busca e divulga a sua cultura, como forma de identidade, nacionalidade

e cidadania e que acima de tudo respeite as diferenças.

Objetivos

Despertar o interesse na cultura brasileira

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Propiciar momentos reflexivos

Reconhecer e valorizar a diversidade humana

Produto final

Diário com fotos e relatos

Faixa etária

2° e3° anos fundamental I – 7 á 8 anos

Tempo estimado

4 meses 1 aula por semana

ETAPA 1

Apresentar aos alunos o projeto.

Começar com a dinâmica do aquário;

Entregar um pedaço de papel pequeno para cada aluno

Deixar Lápis das diversas cores exposto na mesa

Pedir que desenhem um peixe do jeito deles

Colocar na lousa desenhado em uma cartolina um aquário

enorme

Pedir que colem os peixes

Abrir para discussão com os alunos:

Os peixes são iguais?

Quais as diferenças estamos vendo?

Eles vivem onde?

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Com o objetivo e iniciar a proposta do projeto.

Explicar que os alunos ganharão um caderno pequeno e poderão

decorar como quiserem, com o objetivo e dever de que em todas as aulas

e em qualquer momento que estiverem inspirados poderão escrever em

seus diários.

Explicar quais os objetivos a serem alcançados e esperados pela turma.

Levantar os conhecimentos prévios dos alunos sobre o que sabem do

assunto e anotar em um cartaz para complementar as etapas durante as

aulas.

Pedir que os alunos desenhem na folha como eles se acham, olhando

em um espelho e expor. Sendo que essa será a primeira visão e no final

terá outra proposta parecida para comparar.

Solicitar que os alunos registrem no diário, podendo ter desenhos.

ETAPA 2

Pedir que os alunos tragam fotos para montarmos um painel da

diversidade.

Explicar aos alunos o que é a diversidade na escola.

Pedir que os alunos façam uma pesquisa com a família sobre a formação

da família e as misturas das raças e assim trazer para a próxima aula.

Expor os desenhos em um mural da diversidade.

Solicitar que os alunos registrem no diário, podendo ter desenhos.

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ETAPA 3

Iniciar a aula retomando as questões da aula anterior.

Organizar os alunos em uma roda e pedir que peguem a pesquisa.

Montar com os alunos um mapa com os estados do Brasil e colocar por

nomes ou números com uma legenda, para que fiquem em destaque aos

alunos as questões da diversidade que existem.

Conversar com os alunos sobre as fotos?

Quais diferenças nas fotos?

Quais semelhanças?

Quantas pessoas brancas têm?

Quantas negras?

Quantas de outra etnia?

Montar um gráfico com os dados e expor junto como mapa.

Solicitar que os alunos registrem no diário, podendo ter desenhos.

ETAPA 4

Iniciar a aula retomando a aula anterior.

Dizer aos alunos que hoje a aula será uma roda de leitura do livro: Jeito

de ser.

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Esse livro pode complementar as questões da miscigenação,

esclarecendo.

Antes da leitura

Perguntar aos alunos o que esperam ouvir com essa leitura?

O que quer dizer cada um do seu jeito?

Ouvir os alunos e anotar na lousa.

Durante a leitura

Mostrar algumas imagens e indagar os alunos.

Depois da leitura

Perguntar o que os alunos acharam da leitura?

Deixar que eles coloquem a sua opinião diante da leitura

trazendo para a reflexão do estudo em sala de aula.

Solicitar que os alunos façam um relato sobre o que descobriram

do assunto e depois ilustrar.

Solicitar que os alunos registrem no diário, podendo ter desenhos.

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ETAPA 5

Iniciar a aula com a leitura do livro O filho querido, resgatando com os

alunos as questões das diferentes famílias, crianças adotadas.

Antes da leitura

Perguntar aos alunos o que será que esse livro irá abordar

quando ouvimos o título?

Olhando a imagem do livro o que ela representa?

O que estão vendo na imagem?

Solicitar que os alunos registrem no diário, podendo ter

desenhos.

ETAPA 6

Iniciar a roda de conversa, falando aos alunos sobre as diferentes danças

que existem, deixar algumas (escolhida pelo professor) para

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exemplificar ligando a cada estado e podendo complementar com o

mapa realizado em sala.

Após realizar com os alunos uma das danças circulares (professor

escolhe), com isso sair em um espaço maior que a sala de aula para fazer

a dinâmica.

Após, solicitar que os alunos façam desenhos com uma legenda

reflexiva sobre as suas impressões, fechando com uma discussão em

roda de fruição.

Solicitar que os alunos registrem no diário, podendo ter desenhos.

ETAPA 7

Iniciar a aula com uma dança circular, sendo que esse objetivo será de

acolhimento e interação dos alunos.

Após voltar para a sala de aula, sentar os alunos em roda, propor a

leitura do livro As famílias do mundinho (escolher um funcionário da

escola para ler).

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Os alunos nessa aula terão a surpresa de que outra pessoa irá ler para

eles, o objetivo dessa aula será de interagir os funcionários e alunos para

que assim percebam que todos têm direitos, podemos fazer as mesmas

coisas e por isso temos que respeitar a todos.

Após a leitura registrar a roda de leitura para expor em painel.

Solicitar que os alunos registrem no diário, podendo ter desenhos.

Após os alunos irão desenhar novamente o seu auto retrato e expor ao

lado do outro no painel ou em uma pasta, esse objetivo é analisar as

mudanças dos desenhos do começo ao fim, partindo das informações

inseridas durante o estudo.

ETAPA 8

Retomar com os alunos sobre o estudo para situar a aula.

Solicitar que os alunos registrem no diário, podendo ter desenhos.

Essa aula os alunos irão confeccionar bonecos de meia, solicitar com

antecedência os materiais, lembrando que os alunos devem trazer meias

de diversas cores, não definir a cor, o mesmo para a lã que será o cabelo.

Materiais

1 meia qualquer cor

Lã para cabelo ou outro material que o aluno queira

Canetinhas para tecido ou de cd para traços do rosto com cores

diversas

Fitas e laços

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Tecidos em pedaços

Cola quente

Tesoura

Cola

Jornal ou revistas para enchimento

Deixar os alunos a vontade para criar os bonecos, explicar aos alunos

que os bonecos poderão ter as características parecidas com a deles.

Depois de pronto os alunos darão um nome aos bonecos e apresentarão

para os demais colegas da sala em uma roda.

ETAPA 9

Essa aula será para retomar a aula dos bonecos e terminar.

Solicitar que os alunos registrem no diário, podendo ter desenhos.

Retomar a questão com os alunos sobre as diferenças.

Os bonecos são iguais?

Todos têm o mesmo estilo de cabelo?

Roupa, laço oufita?

Foram criados de matérias diferentes?

Fazendo com que o aluno reflita sobre essa questão, que

todos somos diferentes, porém iguais por sermos seres humanos.

Após solicitar que os alunos em grupos de 5 alunos, decidam uma

história criada ou recontada, para criar com esses bonecos e apresentar

para os colegas da sala de aula.

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Essa proposta pode ser apresentada para outras salas.

A confecção dos bonecos pode ser ministrada (com ajuda do professor)

pelos alunos maiores em uma sala de alunos menores, interagindo os

grupos e idades.

ETAPA 10

Como fechamento do projeto, solicitar que os alunos pela 3° vez

desenhem seu auto-retrato e cole ao lado dos outros dois, com isso

conversarem com os alunos para que respondam as questões abaixo.

Solicitar que os alunos registrem no diário, podendo ter desenhos.

Os desenhos são iguais?

O que tem de diferentes do 1° para o 2°?

Do 3° para o 1°?

Os desenhos estão diferentes? Em que? Justifique.

Somos todos iguais? Em que? Porque?

Temos os mesmos direitos? Cite os que você lembra,

Após essa discussão em roda de conversa com os alunos e analise dos

desenhos expostos, convidarem outras salas para apreciar o painel e

pedir que esses alunos de dividam na sala de aula para receber os alunos

e eles contarem sobre, sendo dividido em:

1° grupo explica o painel do mapa e gráfico

2° grupo explica sobre os bonecos expostos e faz uma breve

apresentação

3° grupo apresenta uma leitura de um dos livros lido em sala

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4° grupo apresenta e explica o mural do auto-retrato

Com isso montar o produto final com as fotos, legendas, registros dos

alunos, conforme foi solicitado em toda a aula, para compor nosso

documentoque ficará na biblioteca da escola após percorrer as casas dos

alunos.

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