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Cadeos de Lecras da UFF - unos da Pós-Graduação 2003, n.28, p. 9-18, 2003 Oficina de leitura: uma experiência com tópicos frasais 9 André Luiz Abreu de Mattos SUMO Neste trabalho serelatada uma experiência com aulas de leitura em t urmas de terceiro ano do ensino médio. Várias dificuldades fo ram encont radas pelos que faziam pane do projet a, que consist ia bas icamente num aprofundamentO maior no texto para posterior produção de uma redação que o comentasse. Foram fei ras leituras diversas, tiradas de várias fontes, i nclui ndo a Internet. Regi na Zilberman e Marisa Lajolo estão entre os aurores dos quais tomamos como base as propostas pedagógicas. O resultado, ainda que renha apresentado bons e maus aspecros. foi satisfatório. Com isso, levanta questões pertinentes à discussão sobre o momento em que vive nosso sistema educacional e à maneira inadequada com que o aluno se habitua a ler durante os anos de escola. E ste trabalho foi elaborado a partir de uma experiência de cerca de seis meses com alunos que faziam parte de turmas de pré-vestibular, incluído no próprio terceiro ano do ensino médio. O pouco tempo de trabalho deveu-se ao fato de que, após as provas para o ingresso nas universidades, os estudantes e a escola, infeliz e equivocadamente, não viram mais necessidade de continuar com o curso, encerrando-o. O ano era o de 2000 e a cidade, Rio de Janeiro. A escola, localizada em Botafogo, bairro de classe média-alta, tem tradição e ensina desde o pré-escolar até o ensino médio, com preparação, como já foi mencionado, para o vestibular. As turmas eram compostas por aproximadamentre dez alunos cada. Todos adolescentes com idades entre dezesseis e dezoito anos, moradores do próprio bairro e adjacências: Copacabana, Leblon, Flamengo, Gávea etc. A maioria, embora com condições f inanceiras para entrar emuniversidades privadas, pretendiam ingressar em estabelecimentos públicos (federais e estaduais) de ensino superior. instituições mais visadas eram a Universidade Federal Fluminense (UFF), de Niterói, e as Universidades Estadual e Federal do Rio de Janeiro (UERJ e UFRJ). O estabelecimento de ensino era dotado de excelente infra-estrutura, ofe re- cendo aos alunos vários subsídios para que pudessem ter acesso a todo tipo de

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Cadernos de Lecras da UFF - Alunos da Pós-Graduação 2003, n.28, p. 9-18, 2003

Oficina de leitura: uma experiência com tópicos frasais

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André Luiz Abreu de Matto s

RESUMO Neste trabalho será relatada uma experiência com aulas de leitura em turmas de terceiro ano do ensino médio. Várias dificuldades foram encontradas pelos que faziam pane do projeta, que consistia basicamente num aprofundamentO maior no texto para posterior produção de uma redação que o comentasse. Foram feiras leituras diversas, tiradas de várias fontes, incluindo a I nternet. Regina Zilberman e Marisa Lajolo estão entre os aurores dos quais tomamos como base as propostas pedagógicas. O resultado, ainda que renha apresentado bons e maus aspecros. foi satisfatório. Com isso, levanta questões pertinentes à discussão sobre o momento em que vive nosso sistema educacional e à maneira inadequada com que o aluno se habitua a ler durante os anos de escola.

Este trabalho foi elaborado a partir de uma experiência de cerca de seis meses com alunos que faziam parte de turmas de pré-vestibular, i ncluído no próprio terceiro ano do ensino médio. O pouco tempo de trabalho deveu-se ao fato de

que, após as provas para o ingresso nas universidades, os estudantes e a escola, infeliz e equivocadamente, não viram mais necessidade de continuar com o curso, encerrando-o.

O ano era o de 2000 e a cidade, Rio de Janeiro. A escola, localizada em Botafogo, bairro de classe média-alta, tem tradição e ensina desde o pré-escolar até o ensino médio, com preparação, como já foi mencionado, para o vestibular.

As turmas eram compostas por aproximadamentre dez alunos cada. Todos adolescentes com idades entre dezesseis e dezoito anos, moradores do próprio bairro e adjacências: Copacabana, Leblon, Flamengo, Gávea etc. A maioria, embora com condições financeiras para entrar emuniversidades privadas, pretendiam ingressar em estabelecimentos públicos (federais e estaduais) de ensino superior. As instituições mais visadas eram a Universidade Federal Fluminense (UFF), de Niterói, e as Universidades Estadual e Federal do Rio de Janeiro (UERJ e UFRJ).

O estabelecimento de ensino era dotado de excelente infra-estrutura, ofere­cendo aos alunos vários subsídios para que pudessem ter acesso a todo tipo de

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informação - destaque para uma página na internet, com sistema de busca e infor­mações atualizadas sobre a escola. Embora funcionasse em uma construção peque­na, oferecia aos alunos bastante conforto, como é de praxe na maioria dos colégios da região, onde a concorrência era eno rme.

A escola, no entanto, apresentava alguns problemas referentes à administração. P roblemas que não co nvém mencionar, a não ser aqueles que estão presentes em alguns estabelecimentos de ensino particulares da Zona Sul, entre eles , o de ver cada aluno como um cliente.

A idéia de p romover o tipo de curso de leitura que aqui será apresentado surgiu da dificuldade, notada em anos anteriores, que tinham os alunos na confecção de textos, uma vez que dispunham de pouquíssimo tempo dedicado à leitura. O objetivo , então , era substituir a tradicional aula de redação , em que antes liam um texto proposto pelo professor, com o obj etivo de fazer uma composição sobre o seu tema principal, exatamente como é feito nas provas de redação nos vestibulares. O problema é que nessas antigas aulas o professor não tinha tempo para trabalhar o texto , explicar os assuntos tratados ali , o que fazia com que o estudante não conseguisse decifrar o mesmo.

Pensando n isto , foi criada uma disciplina chamada Oficina de Leitura, onde o aluno tinha a possibilidade de deter-se por mais tempo na análise do texto, aprendendo os caminhos que levam ao entendimento do mesmo. A intenção, com o tempo, era fazer com que o estudante fosse capaz de ler, identificar mais rapidamente os aspectos relevantes e produzir uma dissertação .

O presente trabalho, escrito em primeira pessoa por ser um relato de experiên­cia, tenta traçar uma panorâmica dos problemas enfrentados na hora de ler um texto, buscando apontar as causas e possíveis soluções para tais questões. Soluções que podem ser entendidas como sugestões, já que seria pretensão demais afirmar que este ou aquele caminho devem ser seguidos a todo custo. Estaria assim afirman­do que o método usado nessa escola do Rio de Janeiro é o melhor, quando na verdade é simplesmente uma melhor maneira de trabalhar, em relação aos métodos anteriores.

Não está sendo afirmado, até aqui, que o método é imune a falhas, uma vez que ele ainda não foi analisado. Esta tarefa será cumprida nos capítulos seguintes, quando veremos com mais detalhes a metodologia e a base teórica utilizadas, enfim, o tipo de curso criado e adorado.

Pode-se adiantar, no entanto, que nessa experiência, assim como acontece em qualquer nova empreitada, n em tudo foram flores. Mas, pode-se dizer, se o campo

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não chegou a florescer, pelo menos as sementes foram lançadas n a terra. Agora vere­mos se valeu ou não a pena plantá-las e se compensará continuar regando.

O curso

Embora a experiência tenha sido feita em duas turmas, na verdade, tratava-se de urna única, dividida em duas. O trabalho , realizado em conjunto com os professores de redação, consistia, primeiramente, em dividir a turma de acordo com a opção de língua estrangeira de cada aluno. Assim, aquele que optara, n o ato de inscrição do vestibular por língua inglesa, estaria em um grupo; quem tivesse opta­do por língua espanhola estaria em outro. Esse critério não tinha nenhuma razão de ser, apenas se queria criar urna regra para a divisão, que visava a reduzir o número de alunos para que o perigo de dispersão durante a aula fosse mín imo. Além disso , cada um poderia prestar mais atenção à atividade que estava sendo executada.

As aulas de Redação e Oficina de Leitura aconteciam no mesmo horário . Enquanto u m grupo assistia a urna aula, o segundo assistia à outra. Ao final, havia urna troca: os que estavam em Oficina iam para a Redação e vice-versa. A idéia era que o professor trabalhasse um texto mais profundamente na primeira para que o estudante pudesse redigir algo sobre ele na segunda. Já os que assistiam primeiro à aula de redação, trabalhavam o texto lido na semana anterior. Assim, esta aula estava sempre condicionada à de leitura.

Eu, corno professor de Oficina de Leitura, levava para dentro da sala de aula textos de variados ternas, principalmente os assuntos que estavam em voga naquela ocasião, sem nunca deixar de ouvir as sugestões dos alunos, que normalmente suge­riam leituras relacionadas às suas áreas de interesse, até pensando em, com isso , aprimorar seus conhecimentos específicos.

Várias foram as fontes de pesquisa para a retirada de textos, incluindo-se anúncios e charges: j ornais do Estado do Rio de Janeiro , corno O Globo, jornal do Brasil e O Dia; revistas do tipo Veja, Época e Isto É; além de textos extraídos da internet. Através de montagens, os recortes eram colados em urna folha e depois xerografados na própria escola, com exceção das revistas, que tinham cada coluna escaneada e ajustada à folha para não danificá-las, e das notícias de Internet, que eram impressas diretarnente.

Nas discussões de cada terna eram acrescentados fatos divulgados em outros tipos de rnídia, corno a televisiva, por exemplo, e as rádios. Tentava-se dar à aula um clima de bate-papo, buscando destacar aspectos interessantes e polêrnicos.

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Para fazer algo interessante e ao mesmo tempo proveitoso, era necessário ado­tar uma forma de leitura eficiente, já usada com freqüência por muitos profissionais de leitura, mas que seria algo novo para aqueles alunos, acostumados com algo superficial demais para gerar alguma opinião acerca do que estava sendo lido. E é isto o que será tratado a seguir.

Em b usca das idéias

É importante lembrar que o objetivo real dos professores, que trabalhavam em conjunto, era fazer com que o aluno fosse capaz de escrever bem, partindo de um determinado tema, tendo como base um certo texto. Portanto, a aula de leitura, embora tivesse impo rtância enorme, era tida como um acessório da outra, não haven do, p o r isso , controle de freqüência ou qualquer t ipo de avaliação .

Assim sendo, a função da Oficina d e Leitura era dar subsídios para que o aluno pudesse extrair o "sumo" do texto e , a partir dali , construir o seu. Para tal, fez-se necessário criar ou adotar um método de análise eficiente, com o qual pudessem en contrar suas idéias principais, lembrando sempre que seria essa a técnica a ser usada por eles durante as provas de vestibular.

Tentamos ensinar-lhes a importância que existe no ato de tomar notas sobre a leitura. Nós, leitores experientes , temos como hábito marcar o texto e fazer peque­nos resumos de cada parágrafo do mesmo. No entanto , este é um processo um tanto demorado para ser realizado, sabendo que há outras provas a serem feitas e que há pouco tempo para isso - no caso dos vestibulandos.

Só lhes restava, então , observar o tópico frasal e, a partir dele, desenvolver e comentar com suas próprias palavras as idéias ali propostas:

Não se toma nora de tudo, evidentemente, mas apenas daquilo que possa interessar ao esquema do trabalho. P rocure resumir as informações que lhe interessem; neste caso, convém ter presente ao espírito que a maioria dos parágrafos têm a sua idéia­núcleo expressa no tópico frasal." (Garcia, 1 977: 320)

As idéias de Othon M. Garcia foram seguidas por ser esta a melhor maneira para que os estudantes encontrem um ponto de partida, dificuldade maior, segundo eles, quando têm de escrever: o famoso "branco" continua sendo o maior inimigo daquele que vai escrever. Por isso é preciso aproveitar ao máximo o instrumento de apoio que se tem nas mãos: o texto.

A tarefa, no entanto, não era fácil. Isso porque os alunos foram acostumados, desde cedo, a ler um texto de maneira muito superficial. Nas primeiras aulas, todos

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encontraram dificuldades na hora de visualizar os tópicos frasais. Fez-se então ne­cessária uma explicação prévia sobre o que era o tópico frasal.

Eles próprios perceberam que não se tratava de algo difíci l , uma vez que, de certa forma, já o haviam visto nas aulas de redação, quando o professor dizia que o texto deveria ser dividido em introdução, desenvolvimento e conclusão; que cada parágrafo também deveria ser introduzido, desenvolvido e concluído, e que seria na introdução onde deveria estar presente a idéia principal, ou seja, o tópico frasal.

Passada essa fase, os tópicos começaram a ficar mais claros. E, na medida em que o encontravam, eram arrolados na lousa para que pudessem ser debatidos. As opiniões eram expostas e discutidas dentro do que cada um tinha de conhecimento sobre certo assunto.

Era interessante notar que as duas aulas acabavam ficando bastante parecidas, uma vez que as discussões quase sempre tomavam as mesmas direções e os aspectos d e b at idos eram m u i tas vezes os mesmos , o que dem o ns trava uma certa homogeneidade de idéias no grupo, embora as posições políticas fossem variadas. Não que todos tivessem idéias políticas, tampouco críticas. Na verdade, alguns faziam colocações ou reflexões pertinentes, outros impertinentes e muitos ficavam calados. Os motivos serão comentados mais adiante.

Pode-se dizer, no entanto, que isso e os outros problemas que tivemos não foram motivos para dizer que não deu certo. Sabíamos, claro, que tudo poderia ter sido melhor, mas o importante é que durante o período do curso pudemos desen­volver ou, pelo menos, despertar no aluno a importância de se fazer uma leitura crítica.

Por que funcio no u?

Se afirmo que o projeto montado funcionou dentro das expectativas, então cabe explicar o porquê. O que exatamente teria contribuído para o resultado positivo e o que teve de positivo essa Oficina de Leitura?

Funcionou porque graças a ela foi possível mudar um pouco o hábito que tem o aluno de ver o texto em vez de ler o texto, costume que o estudante traz desde os primeiros contatos com a leitura. Ele passa, assim, a ter mais chances de conhecer a realidade que o cerca, não se alienando através de uma leitura superficial e, com o perdão da redundância, alienada. Foi preciso conscientizá-l os de que, se eles esta­vam ali com o objetivo de crescer profissionalmente, deveriam seguir aquele discurso que diz que "aprende-se a ler, para vencer na vida e prosperar". (Zilberman; Silva, 1999: 14)

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Notamos que os estudantes precisavam de um tempo maior dedicado à leitura, sem que fossem meros receptores. Eles deveriam interagir com a mesma, serem capazes de levantar questões passíveis de discussão, praticando para poder cumprir a difícil tarefa proposta pelas provas de redação dos vestibulares e, principalmente, desempenhando o papel do verdadeiro leitor: crítico, consciente. E, como afirmou D aniel Pennac em seu ensaio Como um romance, por mais que digam o contrário, deve-se sim ler com o um ato de resistência:

( . . . ) a maior parte das leiruras que nos formaram não foram feiras a favor, mas contra. Líamos, e lemos, como quem se protege, como uma recusa, como uma oposição. Se isso nos ares de fugitivos, se a realidade perde as esperanças de nos atingir por trás do amuleto que é nossa leirura, somos fugitivos ocupados em nos construir, desertores nascendo outra vez.(Pennac, 1998: 80)

O trabalho contribuiu até m esmo para a aquisição de novos conhecimentos referentes a outras disciplinas, já que trabalhamos textos que falavam desde a vida do revolucionário Emiliano Zapata até a evolução dos métodos de mapeamento do genoma humano e da clonagem, passando pela produção de medicamentos genéri­cos e alimentos transgénicos; interesses políticos do caso Elián, envolvendo Cuba e Estados Unidos; invasão cultural norte-americana e mais uma série de outros assuntos interessantes. Era a in terdisci plinaridade em pleno funcionamento.

Porém, além de todos os motivos já citados, há algo que contribuiu, e muito, para que o aluno recuperasse o gosto pela leitura, e foi o que tentamos usar. É preciso que, antes de dizer que se deve ler, o professor passe sua felicidade de ler. O aluno precisa perceber, além da importância desse ato, o prazer que ele proporciona.

Intertextualidade: o ponto que faltou

Como já havia sido comentado anteriormente, pode-se dizer que o resultado geral foi satisfatório, o que não significa que não tenhamos encontrado dificuldades

no decorrer do curso. Além de alguns problemas administrativos, como a interrup­ção do curso após a aplicação das provas de vestibular, o que revela o pouco interesse da direção e coordenação pelo crescimento do aluno-leitor, uma das maiores difi­culdades foi , exatamente, a falta de costume dos alunos com esse tipo de trabalho e com aquele tipo de leitura. D igo "uma das maiores" porque o grande problema detectado é que falta leitura de mundo aos alunos.

O utro fato r agravante é o de que eles não tinham o costume de trabalhar com textos não-verbais. Na primeira aula, trabalhamos a capa da revista Veja daquela

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semana, que tinha como reportagem de capa o crescente e sempre presente domínio norte-americano do mundo. Havia nela um desenho de uma grande águia nas cores azul e vermelha - fiz questão de levar a capa o riginal para que vissem as cores -segurando com suas garras o planeta Terra. O título foi suprimido e sua tarefa era comentar o que estavam vendo. Claro que eles disseram " isso é uma águia segurando a Terra", nada diferente do que já sabia. Porém não conseguiram passar disso . Quando, depois de muita ajuda, conseguiram identificar que o pássaro representava os Estados Unidos, passamos para a segunda fase: o que significava os americanos com o planeta nas mãos? A própria pergunta já parece dar a resposta, mas ass im mesmo foi bastante difícil fazê-los ler aquele texto.

Decifrada a capa, partimos para a discussão propriamente dita a respeito daquele assunto. Quando aquele texto foi escolhido, embora previsse que haveria uma cerra dificuldade na leitura, não imaginava que teria ainda mais problemas para levantar os tópicos relativos ao domínio norte-americano, já que esse é algo muito presente no dia-a-dia de qualquer pessoa. Porém, faltava-lhes uma história de leitura para que percebessem que conseqüências o hotdogda esquina e o Me Donnald's poderiam trazer.

O professor de leitura encontra-se numa posição difícil, pois os vestibulares o obrigam a trabalhar uma série de estratégias, as quais sabemos que são vistas por muitos como sendo o fator determinante do desinteresse do aluno pela leitura, como afirma Marisa Laj olo:

Se algumas merodologias e estratégias propostas para o desenvolvimento da leitura parecem enganosas por trilharem caminhos equivocados, o engano instaura-se no começo do caminho, a partir do diagnóstico do declínio ou da inexistência do hi.bira de leitura enrre jovens. Espartilhada em hi.bira, a leitura torna-se passível de rotina, de mecanização e automação, semelhante a certos rituais de higiene e alimentação, só para citar áreas nas quais o termo hi.bira é pertinente. (Lajolo, 1994: 1 07)

Porém, elas podem funcionar quando se procura respeitar os gostos e aversões do leitor, e foi essa a nossa intenção ao permitir que os alunos sugerissem os temas dos textos a serem trabalhados. Contudo, não foi suficiente para solucionar seus problemas com a leitura.

A conclusão a que se chega é que o sério problema notado hoje em dia refere­se ao faro de nossos alunos- colocando todos os professores nesta primeira pessoa do plural- não terem história de leitura, o que não lhes permite relacionar o texto atual com os anteriores. A intertextualidade, tão necessária ao leitor, não é um processo presente nos hábitos de leitura do estudante atual. E para combater a leitura alienada, só há dois guerreiros: o professor e a escola.

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Para onde vamos?

É importante falar, neste início, a respeito do que leva o aluno a ler. Devemos, para isso, dividir o grupo dos alunos em dois subgrupos: a camada mais privilegiada da população e a parte mais pobre. É fácil perceber que em uma escola privada, localizada na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, a presença de alunos pertencentes a famílias de classes média e alta é praticamente absoluta. Desta forma, o curso foi dado , essencialmente, para o primeiro subgrupo.

Também não é difícil chegar à conclusão de que esses alunos têm - ou p odem ter - acesso a mecanismos de acesso a conhecimentos que os do segundo grupo não têm: livros, assinaturas de revistas e j ornais, Internet, além de televisão a cabo e possibilidade de visitar museus, bibliotecas, exposições etc. Enfim, essa camada da população tem todas as condições de acesso a informações e à leitura. Então, por que n ossos alunos não conseguem construir uma história de leitura?

A resposta seria porque não lêem. Mas por que não? A resposta pode estar na própria condição social dos alunos. Devido ao fato de já pertencerem a famílias privilegiadas, com um bom e estável posto de trabalho, as crianças da chamada classe média-alta não têm tanta preocupação com o futuro profissional. Dessa for­ma, ao entrar em um curso p ré-vestibular, mais precisamente em uma oficina de lei tura, não dão muita importância aos textos, pois sabem que serão acolhidos pela fam ília durante o tempo que for necessário - quem sabe eternamente? - até conse­guirem um emprego, caso n ão passem nas provas. E a família aprova, pois quer que os filhos adquiram, simplesmente, conhecimentos:

Crianças e pais das camadas populares vêem a aprendizagem da leitura como um insuumento para obtenção de melhores condiçóes de vida - a leitura é avaliada em função de interesses utilitários. Já crianças e pais das classes favorecidas vêem a leitura como mais uma alternativa de expressão, de comunicação, nunca como uma exigência do e para o mundo do trabalho (Soares, 1 999: 22).

Baseados na afirmação de Magda Soares, podemos dizer que não havia o interesse no futuro p rofissional por parte daqueles alunos que compunham as duas turmas do curso Oficina de Leitura. Pelo menos não tanto quanto haveria se o mesmo curso fosse aplicado na periferia da mesma cidade. Claro que sempre é complicado generalizar, mas era possível notar que, em pelo menos noventa por centro do grupo, havia esse pensamento.

Alguém pode então perguntar: mas o fato de estarem fazendo um curso pré-

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vestibular não significa que estão peocupados com o mercado de trabalho? A resposta : não necessariamente. Afinal, ingressar em uma universidade também pode signifi­car status; cumprir a tradição da família de formar advogados, médicos, professores, engenheiros, músicos, entre outros. Prova disto é o fato já citado de que, a pedido dos alunos, a direção da escola suspendeu o curso logo após o período de aplicação das provas.

Assim, mesmo tendo acesso a todos os mecanismos supracitados, o estudante não se interessa em ir atrás das informações. Os contrastes entre aqueles que querem mas não podem e os que podem mas não precisam tornam-se evidentes e só vêm a comprovar como vivemos numa sociedade inj usta.

É triste, no entanto, saber que a leitura hoj e- devido, entre outras coisas, ao capitalismo- limita-se a ser uma chave para o mercado trabalho, quando o sonho dourado de qualquer amante da leitura é que todos leiam simplesmente pelo prazer de ler. Pensemos então que esta nova leitura, conseqüência da luta incessante pelo dinheiro, é uma faceta com a qual temos que conviver, buscando o equilíbrio com o encanto que o texto pode proporcionar. E foi isso o que tentamos fazer em nossa Oficina de Leitura.

Conclusão

Através do relato de uma experiência com turmas de pré-vestibular, no curso Oficina de Leitura, procurou-se mostrar que as causas da dificuldade de leitura, entre outros fatores, são essencialmente sociais.

A experiência foi válida, levando-se em conta as dificuldades encontradas. Acre­dito que o trabalho continua sendo realizado, ainda que não possa confirmar, já que não faço mais parte do grupo de professores daquela escola. Inclusive, é bom expli­car que o fato de não ter sido revelado o nome da instituição de ensino visa a preservá­la, afinal foi possível perceber alguns problemas adm i n istrativos, além do que isto não teria relevância no trabalho.

Vimos que a família ocupa uma posição de destaque na orientação dos rumos que o aluno toma na vida profissional e, logo, como leitor. É preciso que este seja guiado para um mundo de informações úteis à construção de sua história de leitura.

É certo que os professores devem, antes de quererem ensinar a leitura, ser bons leitores. Fato não muito observado hoje em dia, num país que tem escolas pouco preocupadas com a reciclagem de seu corpo docente. O professor ganha pouco e, como conseqüência, não pode comprar livros - caríss imos, por sinal -, ir a congressos, enfim, atualizar-se. Além disso , o docente nem sequer tem tempo para

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tal atividade. Na verdade, é uma bola de neve em cujo centro está o aluno, prejudi­cado por sua própria falta de percepção dos problemas do mundo que o cerca.

Sabemos que o trabalho desenvolvido na escola, com toda a boa intenção e vontade de melhorar com as quais foi realizado, ainda não é o ideal, pois usando uma série de técnicas de leitura, o leitor deixa de aproveitar o melhor que um texto pode dar: o prazer da leitura. Pelo menos conseguimos passar a importância da leitura e fazê­los despertar para o fato de que não existe só o texto verbal: tudo pode ser lido.

Cabe às escolas, privadas ou públicas, o papel de dar todas as condições para que os alunos aprendam a produzir leituras. Que os alunos passem a ser leitores ativos e conscientes de que é preciso ler, e os professores, de que devem comparti­lhar sua experiência e a felicidade que sentem ao ler.

Volto aqui à questão proposta na introdução do presente trabalho: valeu a pena plantar essas sementes? Claro que sim. Quando plantamos, ali depositamos nossas esperanças de um dia colher os frutos. Mas para que isso aconteça, deve-se regar a terra. E nós somos os jardineiros.

REFERJl.N CIAS BIBLIO GRÁFICAS

GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa modema. 5. ed. Rio de Janeiro: F undação Getúlio Vargas, 1 977. LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1 994. PENNAC, Daniel. Como um romance. 4. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1 998 . SOARES, Magda B . As condições sociais da leitura: uma reflexão em contraponto. ln: ZILBERMAN,

Regina; S ILVA, Ezequiel Theodoro (Org). Leitura: perspectivas interdisciplinares. 5. ed. São Paulo: Ática, 1 999 . ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro. Leitura: por que a interdisciplinaridade? ln: Leitura: perspectivas interdisciplinares. 5. ed. São Paulo: Ática, 1 999.