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OCUPAÇÃO DAS TERRAS DO MARANHÃO AO LONGO DO SÉCULO XX E A
INJEÇÃO DO GRANDE CAPITAL INTERNACIONAL: “modernização”
capitalista do campo e os conflitos agrários
Danniel Madson Vieira OLIVEIRA (UFMA*/GEOTEC/LEBAC/UEMA**)
José Arnaldo dos Santos RIBEIRO JUNIOR (UFMA*/GEOTEC)
Tiago Silva MOREIRA (UFMA*/GEOTEC/UEMA**)
Orientadora: Profª. Esp. Márcia Fernanda Pereira GONÇALVES (UFMA/DEGEO/NEPA)
* Discente do Curso de Geografia.
**Discente do Curso de História.
RESUMO
A ocupação do território do Maranhão ao final do século XIX e durante o século XX
ocorreu de forma concomitante aos conflitos agrários em decorrência da inserção do estado
no contexto capitalista mundial. Os incentivos governamentais que impulsionaram a
modernização da agricultura maranhense são relativamente recentes e privilegiaram os
latifundiários com a construção da infra-estrutura apelativa ao capital internacional e a
criação de órgãos cujo objetivo de deslocar o camponês das terras hipervalorizadas é
marcante – órgãos como o ITERMA (Instituto de Colonização e Terras do Maranhão),
COLONE (Companhia de Colonização do Nordeste) e INCRA (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária). Na medida em que se intensifica a modernização
capitalista, vem sendo consolidada uma situação de exclusão social, fundamentada na
grande propriedade de terras, seja pela expropriação e assalariamento do camponês, seja
pela favelização na periferia dos centros urbanos como São Luís, Imperatriz, Açailândia,
Paço do Lumiar, São José de Ribamar, entre outros. Daí o objetivo deste artigo: explanar
as fases de ocupação das terras do Maranhão no século XX, suas relações com a
apropriação da terra pelo trabalhador rural e a modernização capitalista do campo. Pontos
demasiadamente essenciais para compreender a problemática fundiária do estado. Acerca
da elaboração e consequentemente a conclusão do presente artigo foram utilizados no seu
decorrer os métodos dialético e o dedutivo.
Palavras-chave: Ocupação do Território. Espacialidade. Conflitos Agrários. Campesinato.
Capitalismo.
1 INTRODUÇÃO
Dentre tantas questões pertencentes ao saber geográfico, a discussão sobre a
questão agrária se caracteriza como uma das mais abrangentes onde aspectos como
espacialidade e colonização se fundiram desencadeando uma nova perspectiva do espaço.
O processo de redefinição do lugar, através do fluxo demográfico, de capital e de poder,
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acaba adquirindo um caráter protagonizante no que diz respeito à noção de desigualdade
territorial, ou seja, o antagonismo existente entre os espaços que “mandam” e aqueles que
“obedecem”. A própria dinâmica da espacialização global vai elencar e definir o que é
centro e o que é periferia, sempre em busca de uma melhor forma de exercer ou impor o
poder (SANTOS; SILVEIRA, 2006, p. 259).
Numa perspectiva local o território do Maranhão sofreu um processo de
metamorfisação, durante o século XX, no que tange a demografia. Diversos fatores
históricos, sociais, fisiográficos e econômicos contribuíram para a dinamização e o
realocamento de pessoas e capital no estado.
Desse modo, inicialmente faz-se uma breve discussão sobre o território: um
conceito-chave da Geografia. Em seguida, detalha-se a ocupação territorial do Maranhão
no século XX para entender-se como chegamos ao quadro atual de “modernização”,
investimento de grandes somas de capital e “latifundização” das terras antes camponesas,
já que o processo de capitalização do campo é algo concreto no estado. Por isso tudo,
pretende-se reforçar e ampliar as informações a respeito da formação do território
maranhense, bem como compreender as características históricas, sociais, políticas,
administrativas e econômicas que motivaram a atual configuração territorial desse estado.
2 METODOLOGIA
Para a realização do presente artigo procedeu-se o levantamento e exame do
material bibliográfico que visa validar as informações aqui apresentadas. Foram analisadas
publicações em livros e artigos, destacando-se: Asselin (1982), Ferreira (2006), Gistelink
(1989), Musumeci (1988), Paulino; Fabrini (2008) e Rapôso (1999).
Acerca da elaboração e consequentemente a conclusão do presente trabalho e,
imbuídos de abalizar as informações aqui referenciadas, desenvolvidas e discutidas foram
utilizados no seu decorrer os métodos dialético e o dedutivo.
Fez-se necessário a utilização do método dialético, haja vista foi possível encontrar
diferenças de pensamento, teorias, perspectivas e análises, assim como uma necessidade de
esclarecer os ajustamentos territoriais que o estado do Maranhão sofreu no século XX. O
método dedutivo possibilitou a formulação de um argumento lógico, buscando através
deste meio evidenciar as abordagens no que toca as recentes configurações territoriais,
demográficas, sociais e econômicas do Estado do Maranhão.
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3 O TERRITÓRIO: uma breve discussão epistemológica
A geografia contém em seu arcabouço teórico-metodológico conceitos chaves, tais
como: Espaço, Região, Escala, Lugar, Paisagem e Território. Este último é o que vai
interessar primordialmente para o entendimento do assunto abordado.
Afinal, o que seria o território? Diz-se do território um espaço delimitado
jurisdicionalmente onde deve haver fundamentalmente ocupação para assegurar o direito
ao espaço. Como Raffestin (1993, p. 153-154) clarifica, o espaço só se transforma em
território após um amplo jogo de forças que se intra-articulam dando origem a um processo
de apropriação e reprodução do próprio espaço:
Falar de território é fazer uma referência implícita à noção de limite que, mesmo
não sendo traçado, como em geral ocorre, exprime a relação que um grupo
mantém com uma porção do espaço. A ação desse grupo gera, de imediato, a
delimitação. [...] Isso nos conduz a considerar os limites não somente do ponto de vista linear, mas também do ponto de vista zonal. [...] muitos limites são
zonais na medida em que a área delimitada não é, necessariamente, a sede de
uma soberania fixada de forma rígida, mas a sede de uma atividade econômica
ou cultural que não se esgota bruscamente no território, mas de maneira
progressiva. É suficiente dizer que as tessituras se superpõem, se cortam e se
recortam sem cessar.
Conceituando território Souza (2007, p. 78) estipula que “(...) é fundamentalmente
um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”. Por isso, refletir
sobre as questões regionais que envolvem a dinâmica espaço-temporal do território
maranhense é algo relativamente complexo.
Sendo assim fez-se necessário esta breve discussão epistemológica sobre o que
seria, inicialmente, o território: uma materialização de identidades, anseios e poderes que
possuem certa delimitação no espaço, visando assegurar os seus direitos por sobre ele e sua
ocupação. Dessa forma temos um pano de fundo epistemológico que permitirá visualizar
as metamorfoses que o espaço maranhense sofreu ao longo do século passado.
4 AS FASES DE OCUPAÇÃO DAS TERRAS DO MARANHÃO NO SÉCULO XX
O processo de ocupação das terras maranhenses ao longo do século XX foi
marcado por litígios entre aqueles que conquistavam-nas de forma espontânea e os novos
habitantes que passaram a ter títulos de posse da terra (a maioria fraudulento),
desencadeando uma série de conflitos fundiários com destaque para região do Bico do
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Papagaio (oeste do Maranhão, norte do Tocantins e leste do Pará, área de fronteira entre
esses três estados). Os tipos de colonizações efetuadas no Maranhão pelos camponeses,
segundo Musumeci (1988, p. 17), são as seguintes:
a) Colonização tradicional: formação de um campesinato a partir da crise da
plantation maranhense no século XIX, caso ilustrado pelo estudo de Luiz
Eduardo Soares sobre os camponeses de Bom Jesus (município de Lima
Campos, no médio vale do Mearim), descendentes e herdeiros de ex-escravos a
quem haviam sido doadas terras de uma antiga fazenda logo após a Abolição,
convertendo-se em, e permanecendo até hoje como “terras comunais” (cf.
Soares, 1981). b) Colonização dirigida: assentamento de lavradores por iniciativa estatal ou
para-estatal, caso que Felipe Lindoso investigou, pesquisando a área pertencente
ao projeto da COLONE (Companhia de Colonização do Nordeste, de economia
mista, vinculada à SUDENE [Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste]), na região do Alto Turi (cf. Velho, coord., 1980).
c) Colonização espontânea: ocupação de terras devolutas sem
direcionamento oficial, levada a efeito por pequenos produtores imigrantes, na
maioria de origem nordestina.
Como forma de tornar mais compreensível o processo de ocupação das terras do
Maranhão (século XX) dividir-lhe-emo-no, baseado nas análises feitas por Asselin (1982),
Gistelink (1989) e Musumeci (1988), em quatro fases elencadas a seguir.
4.1 Fase de Formação do Campesinato (final do século XIX e 1ª metade do século XX)
Tivemos no Maranhão a formação do pequeno camponês, constituído pelo escravo
que havia “conquistado” sua liberdade, porém, permanecera no latifúndio, pois, recebera
do seu ex-senhor um pequeno lote de terra. Shanin explica esta relação de dependência e
poder a partir do conceito de camponês enquanto classe:
A dualidade principal da posição dos camponeses na sociedade consiste em que
são, por uma parte, uma classe social (de escasso “caráter de classe” e em geral
dominada pelas demais classes) e, por outro, “um mundo diferente”, uma
“sociedade em si mesma” muito autosuficiente, que ostenta os elementos de um
padrão de relações sociais separado, claro e fechado. [...]
Tal autosuficiência torna o controle político do campesinato uma necessidade
para os governantes. [...] (SHANIN, 1979, p. 228, 229 apud PAULINO;
FABRINI, 2008, p. 50).
Esta interdependência era estabelecida da seguinte forma: metade da produção
ficava com o ex-senhor e a outra metade com o camponês. Com a localização do
campesinato nos limites da grande propriedade houve o fortalecimento do poder do grande
proprietário. Fase marcada pela ocupação das áreas tradicionais nos vales do Itapecuru,
Mearim, Pindaré, Baixada e Litoral Maranhense, com o predomínio da lavoura algodoeira.
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4.2 Período de Grandes Secas (décadas de 1920 – 1950)
Entre as décadas de 1920 e 1950 o Nordeste brasileiro fora abalado por grandes
secas que tiveram como consequência o surto migratório de piauienses, cearenses,
pernambucanos e baianos para o Maranhão, que ocuparam as terras devolutas do estado
localizadas nos vales médios úmidos dos rios Mearim, Pindaré, Corda, Balsas e Tocantins.
Essa entrada maciça de migrantes nordestinos desequilibrou a relação camponês e
proprietário. Surge no campo maranhense a figura do posseiro, o indivíduo que ocupa um
lote de terra sem possuir título de propriedade.
O posseiro vai sobreviver da rizicultura (em pequenas lavouras) e de atividades
marginais.
A expressão mais pura do trabalho camponês, segundo o próprio grupo, é o
trabalho na roça, e o arroz é o principal produto de roça. Trabalhar na roça
significa superar com muito esforço etapas sucessivas, vistas como penosas e
desgastantes: a “broca”, que segundo os camponeses, demanda energia
eminentemente masculina, é a fase mais dura. [...] (SOARES, 1981, p.74)
Destaca-se também o comerciante usineiro. O extrativismo vegetal da amêndoa do
babaçu também será característico, já que após a 1ª Guerra Mundial houve no mercado
internacional a procura por um óleo vegetal que substituísse os óleos combustíveis na
lubrificação de máquinas.
4.3 Fase dos Grandes Projetos Agropecuários e Rodoviários (1950 – 1970)
Entre as décadas de 1950 e 1970 houve a introdução do Maranhão na ótica do
grande capital através dos projetos agropecuários e rodoviários. A construção das rodovias
Belém-Brasília (BR-010, passando por Imperatriz), da Transamazônica (cortando o sul do
estado) e da BR-222 (ligando Santa Inês a Açailândia) facilitou o escoamento da produção
agrícola.
Keller apud Ferreira (2006, p. 142) descreve que:
[...] foi por meio da construção da Belém-Brasília durante o governo do
Presidente Juscelino Kubistschek, ligando o Tocantins Maranhense e o Norte de
Goiás ao sudeste industrializado e à cidade de Belém, o grande agente
transformador da região. O afluxo de imigrantes nordestinos intensificou-se
extraordinariamente com a ocupação sistemática da floresta amazônica,
multiplicando-se os povoados e crescendo a produção de arroz. Ao mesmo tempo começam a chegar pecuaristas vindos do sul da Bahia e Nordeste de
Minas Gerais, interessados pela existência de terras devolutas de mata,
susceptíveis de serem transformadas em pastos artificiais; a construção da
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Belém-Brasília tornaria possível o escoamento da produção para o mercado de
Belém. Não só na zona rural o povoamento se adensa, mas a cidade de
Imperatriz sofre uma transformação acelerada: sua população ficava a 3 km do
núcleo urbano, que logo a alcança. A cidade de Imperatriz que em 1950 tinha
1.630 habitantes, em 1960 (2 anos após a Belém-Brasília atingir a cidade)
contava com 8.987 habitantes e pelo Recenseamento de 1970 a população da
cidade atingia 34.709 habitantes. [Atualmente possui 232.560 habitantes]
Sobre a infra-estrutura viária tem-se:
As BR’s 230 e 010 (Belém-Brasília), 226 e 222, além da estadual (MA-75,
Transmaranhão); a Ferrovia Norte-Sul e a Estrada de Ferro Carajás, que
articuladas, concorrem para viabilizar o escoamento de grãos da “região” de
Balsas através do complexo portuário da baía de São Marcos, em São Luís; a
futura Hidrovia Araguaia-Tocantins, somada aos demais subsistemas de
transporte, integrará o Sistema Multimodal do Corredor Norte de Exportação”
[...] (FERREIRA, 2006, p. 147).
Como consequência direta ocorre a hipervalorização das terras levando a uma
especulação de grandes áreas no interior do Maranhão, além de outras elencadas a seguir:
Aumento da concentração da propriedade rural com os projetos agropecuários –
áreas, antes ocupadas por pequenos agricultores, foram tomadas pelo agronegócio;
[...] O agronegócio não é novo, seu ideário é fruto da Revolução Verde ou
Modernização da Agricultura como alguns denominam. O novo aí, se podemos
chamar de novo, é que ele agora aparece como categoria homogeneizadora. Com
isso o latifúndio perde o foco, este que num passado recente era no imaginário
nacional uma espécie de persona non grata [...]. O problema é que nesta pseudo
transformação em borboleta, acaba-se por produzir uma espécie de blindagem do
latifúndio esquecendo que o agronegócio, na essência, não difere deste, logo que
sua base de sustentação continua sendo rentista, pois o orgulho da nação (em que
se transformou o latifúndio travestido de agronegócio) se nutre de violência, de
super exploração do trabalho, do fundo público, para assim se colocar como
eficiente economicamente a partir da aliança terra-capital. Grosso modo, podemos dizer que a lógica camponesa se centra na tríade família,
trabalho e terra, enquanto a lógica do agronegócio no lucro e na renda. [...]
(PAULINO; FABRINI, 2008, p. 59).
A expulsão do camponês para áreas de difícil acesso em decorrência da criação de
uma malha viária para escoar a produção dos latifúndios;
As grandes propriedades agrárias ocupam espaços antes destinados à produção de alimentos para o mercado interno (mandioca, feijão, legumes, etc.) com os
cultivos destinados ao beneficiamento industrial e à exportação (soja, cana-de-
açúcar, milho, etc.). Começa a se constituir o que vários pesquisadores vão
chamar de complexo agroindustrial, dominado, de um lado, pela grande indústria
de transformação de matérias-primas agrícolas [...] e, de outro, pelos bancos de
crédito agrícola [...] que condicionam financiamentos [...] à compra de máquinas
nas indústrias por eles indicadas. (PORTO-GONÇALVES, 1989, p.326).
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Início do fenômeno da grilagem de terras no Maranhão: indivíduos ocupavam as
terras através de um título de propriedade que era adquirido de forma fraudulenta nos
cartórios de São Luís, Imperatriz e do estado de Goiás;
Diante dessa situação, os camponeses da terra “livre” tornaram-se vulneráveis à
ação dos grileiros, que com a convivência do Estado e as fraudes cartoriais,
adquiriam “juridicamente” as terras já ocupadas e instalavam suas fazendas, podendo o processo ser inverso, instalando-se primeiro as fazendas. As
expulsões dos camponeses tornaram-se inevitáveis. Inicialmente realizadas com
métodos violentos e, posteriormente, com os resistentes, através de processos
“sutis” do tipo expansão de capinzais que, penetrando “naturalmente” nas roças,
inviabilizam as culturas, ou ainda com a soltura do gado, que as destroçava
(RAPÔSO, 1999, p. 309).
Outra consequência direta foi o conflito entre o campesinato e o grande capital: a
terra ocupada pelo grileiro já vinha sendo trabalhada pelos posseiros desde a década de
1920, com isso houve a proliferação de conflitos agrários entre os mesmos;
As relações sociais sob a lógica capitalista no campo produzem resultados
econômicos antagônicos, personificados por pessoas distintas, que são o
“trabalhador e o capitalista”. E, na trincheira dessa relação desigual, situa-se o
agricultor familiar, comprimido pela miséria e pela expansão capitalista e suas
imposições. (MARTINS, 1979, p.155)
Desvalorização do potencial produtivo do camponês;
Os camponeses, inseridos ou não em movimentos sociais, comumente são
massacrados, seja pela expropriação e posterior assalariamento e tendência de
concentração fundiária, seja pela superexploração, pobreza e exclusão social e,
ainda, pela violência dos latifundiários, principalmente nas regiões mais pobres
do país. (RÜCKERT, 2003, p 111)
E por fim, a organização de projetos de colonização para tentar resolver os
problemas decorrentes dos conflitos de terra no estado.
A hipervalorização das terras e a especulação de grandes áreas do Maranhão vão se
perpetuar nas próximas décadas, desencadeando uma explosão no número de conflitos
fundiários no estado, como observa-se no próximo tópico.
4.4 Fase de Implantação do Projeto Grande Carajás (PGC) e ALUMAR (1970 – 1990)
Os conflitos agrários vão se intensificar nas décadas de 1970 e 1990 com a
implantação dos Grandes Projetos – implantação do PGC e da ALUMAR – que irão
valorizar ainda mais as terras do estado e simultaneamente servir como um fator de
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repulsão (imposta ao camponês das terras hipervalorizadas) e atração populacional
(inchaço urbano).
No final dos anos 1970, inicia-se no Brasil um processo de abertura política e,
cerca de dez anos depois, a abertura de mercado, responsáveis por uma série de
mudanças econômicas e institucionais. Do Estado Desenvolvimentista,
empreendedor e voltado para um projeto de transformação do país numa grande
potência, no qual a inclusão social era concebida como decorrência “natural” do processo de desenvolvimento econômico, passamos ao Estado Neoliberal. Este
último tem como principal papel garantir, em nível nacional, as condições
necessárias ao bom funcionamento do mercado capitalista, em conformidade
com as exigências do capital financeiro global, e administrar os custos sociais e
ambientais daí decorrentes (tarefas de complexidade crescente num cenário de
restauração e consolidação das instituições democráticas) (PAULINO;
FABRINI, 2008, p. 59).
Sobre o PGC, Rapôso (1999, p. 20-21) descreve que:
O Programa Grande Carajás é considerado um dos maiores programas de
desenvolvimento integrado do mundo. Atente-se para o fato de que este
desenvolvimento é restrito ao âmbito econômico inserido em relações
internacionais, que têm como fundamento básico a acumulação de capital e a
conseqüente expansão do capitalismo. [...]
Nos anos 80, com o Programa Grande Carajás assentando os trilhos de sua
importante ferrovia, o “desenvolvimento” e a “modernização” adentraram esta
região maranhense. O PGC atinge [...] 18 municípios e uma extensão territorial
de 40.000 km2 e 650 km de ferrovia [...] em terras maranhenses, as quais, com a
facilidade de acesso e tudo mais que o PGC prometia, se valorizaram. As grandes empresas passaram a cobiçá-las. Nova fase da grilagem se abateu sobre
os pequenos posseiros, em que pese a presença do Getat, atuando nos municípios
de Açailândia, Bom Jardim, Imperatriz e Santa Luzia. Nesta década, os
“fazendeiros” se organizaram, surgiu a UDR e o personagem “jagunço” ganhou
status. Obviamente, a área ocupada pelos posseiros foi sendo reduzida. A luta
pela terra fragilizou-se e o êxodo rural atingiu níveis extraordinários, embora os
movimentos sociais fomentassem o surgimento de focos de resistência. O sonho
da revolução camponesa se esvaía e os latifúndios e as empresas rurais passaram
a ocupar mais de 95% das terras na área de influência da ferrovia Carajás/Ponta
da Madeira (RAPÔSO, 1999, p. 19, 32).
Com a implantação dos Grandes Projetos no Maranhão houve a desapropriação de
terras camponesas e o aumento do êxodo rural, do custo de vida nas cidades e a diminuição
do poder aquisitivo do pequeno agricultor, fatores que levaram o Maranhão a ser
considerado uma das regiões mais tensas do Brasil em relação aos litígios fundiários.
Quando são realizadas referências à expansão capitalista no campo e suas
influências diretas sobre o camponês, surgem dois elementos, combinados entre
si: de um lado, os camponeses autônomos, cuja resistência é baseada no seu
trabalho e no de sua família, que estariam sendo expulsos da terra, expropriados. De outro, emerge, como consequência, uma massa de agricultores que estaria se
transformando em trabalhadores assalariados ou em trabalhadores sem-terra. De
um lado, o agricultor que concebe aquilo que é necessário à sua reprodução
social, à sua sobrevivência; de outro, o trabalhador que só é proprietário da sua
força de trabalho. Enfim, os trabalhadores não detentores dos meios de produção
vêem-se obrigados a vender seu único bem. Assim, o trabalho é apropriado pelo
capital. (SANTOS, 2007, p. 47)
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Os governos estadual e federal tentaram resolver tal problema através da
implantação de programas de colonização que, na realidade, foram desenvolvidos por
instituições criadas para tal fim. Tais projetos trazem embutidos na sua prática a
necessidade de afastar o camponês mais para o interior “descapitalizado” e liberar a área de
maior valor para o grande capital. São as seguintes instituições que atuarão no Maranhão:
INCRA; COLONE; e ITERMA.
O êxodo rural causado pelos conflitos agrários no Maranhão teve como
consequências o aumento quantitativo da mão-de-obra nos grandes centros, do desemprego
e subemprego, dos contrastes sociais no campo e na cidade (violência urbana) e de pessoas
que vivem em péssimas condições de sobrevivência (periferização da Grande São Luís,
dos centros urbanos ao longo da ferrovia Carajás/Ponta da Madeira, além das cidades
adjacentes às rodovias estaduais e federais).
O êxodo rural continua se processando de forma acentuada e acelerada para as
periferias urbanas. Agora, não apenas das grandes cidades, mas também das
sedes de pequenos municípios. Nestes locais, quando muito os migrantes
conseguem transformar-se em biscateiros ou se engajam em outras atividades
que não exijam o mínimo de qualificação. Na maioria dos casos, sequer
conseguem ingressar no mercado informal de trabalho, hoje tão proliferado. Nas
zonas urbanas, culturalmente desintegrados, com a identidade destruída, a
rigidez dos seus valores se fragiliza e estes consequentemente se rompem,
principalmente no caso dos mais jovens, nessas circunstâncias, os mais
vulneráveis ao ingresso na criminalidade como forma de garantir a sobrevivência (RAPÔSO, 1999, p. 42).
O movimento campesinato brasileiro se consolidou, onde camponeses e
trabalhadores rurais sem-terra no Brasil organizaram-se e mobilizaram-se contra a mais
recente incursão do capitalismo no campo. Neste contexto, a luta do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o maior e mais dinâmico movimento de origem
popular na América Latina, não apenas inspirou movimentos similares em outros lugares,
mas também provocou outro debate acadêmico, revitalizando mais uma vez o estudo da
transformação agrária e o desenvolvimento rural. (PAULINO; FABRINI, 2008, p. 80).
5 CONCLUSÃO
O processo de ocupação do Maranhão no século XX ocorreu de tal forma que o
dinamismo e antagonismo de interesses entre os latifundiários e migrantes camponeses que
aqui chegavam provocaram o gradativo aumento dos conflitos agrários decorrentes da
desestabilização da relação proprietário/camponês. A reorganização do nosso território sob
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a égide de critérios histórico-sociais, naturais, estruturais e econômicos foi diretamente
relacionada com inserção do Maranhão no contexto capitalista mundial.
Com isso percebe-se que a acumulação por espoliação resultou em díspares formas
de expropriação e consequentemente no paulatino empobrecimento das classes menos
favorecidas. Esta acumulação por espoliação serve como pressuposto para a resistência
camponesa, assim como a sua “evidência” (forçada através da busca de seus direitos e da
constante luta em não ser deturpada, esquecida ou apagada da nossa memória) enquanto
classe numa sociedade que tende a homogeneizar as relações econômicas internacionais.
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