OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA- Prática Abusiva No Mercado de Consumo

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S U M Á R I O OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA: PRÁTICA ABUSIVA NO MERCADO DE CONSUMO - LAÍS BERGSTEIN PLS 283/2012: A NOVA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BANCÁRIO - ANDRESSA JARLETTI GONÇALVES DE OLIVEIRA PUBLICIDADE E O APELO AO CONSUMO – DESEQUILÍBRIO SOCIAL - MARISTELA DENISE MARQUES DE SOUZA continua na página 2 01 04 06 Nº 55 - O UTUBRO 2014 LAÍS BERGSTEIN Advogada inscrita na OAB/PR sob o nº 54.454; Professora de Direito Civil das Faculdades da Indústria (Sistema FIEP); Mestre em Direito Econômico e Socioambiental (PUC/PR); Integrante do Grupo de Pesquisa Virada de Copérnico (UFPR); Advogada no Escritório Prof. René Dotti, em Curitiba/PR. “N ossa sociedade é uma sociedade de con- sumo”, como já disse Zygmunt Bauman ainda antes da virada do milênio. 1 Dentro dessa arquitetura social, a produ- ção, o consumo e o crédito passam a ser ofere- cidos em massa, com a ampla disseminação da publicidade e das estratégias para impulsionar as vendas, tornando o consumidor cada vez mais vulnerável às ações dos produtores e fornecedores de bens e serviços. 2 No contexto de incitação do consumo de- senfreado e inconsequente, urgem diversas crises, as quais conduziram o legislador pátrio à edição de uma legislação protetiva ao consumidor, frequentemente identificada como um micros- sistema jurídico próprio: a Lei nº 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor. OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA: PRÁTICA ABUSIVA NO MERCADO DE CONSUMO

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Discorre sobre obsolencia programada

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  • S u m r i o

    oBSoLESCNCiA ProGrAmADA: PrtiCA ABuSivA No mErCADo DE CoNSumo - LAS BERGSTEIN

    PLS 283/2012: A NovA ProtEo Do CoNSumiDor BANCrio - ANdRESSA JARLETTI GoNALvES dE oLIvEIRA

    PuBLiCiDADE E o APELo Ao CoNSumo DESEQuiLBrio SoCiAL - MARISTELA dENISE MARquES dE SouzA

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    N 55 - Outubro 2014

    LAS BERGSTEINAdvogada inscrita na OAB/PR sob o n 54.454;Professora de Direito Civil das Faculdades da Indstria (Sistema FIEP); Mestre em Direito Econmico e Socioambiental (PUC/PR); Integrante do Grupo de Pesquisa Virada de Coprnico (UFPR); Advogada no Escritrio Prof. Ren Dotti, em Curitiba/PR.

    Nossa sociedade uma sociedade de con-sumo, como j disse Zygmunt Bauman ainda antes da virada do milnio.1

    Dentro dessa arquitetura social, a produ-o, o consumo e o crdito passam a ser ofere-

    cidos em massa, com a ampla disseminao da publicidade e das estratgias para impulsionar as vendas, tornando o consumidor cada vez mais vulnervel s aes dos produtores e fornecedores de bens e servios.2

    No contexto de incitao do consumo de-senfreado e inconsequente, urgem diversas crises, as quais conduziram o legislador ptrio edio de uma legislao protetiva ao consumidor, frequentemente identificada como um micros-sistema jurdico prprio: a Lei n 8.078/1990, o Cdigo de Defesa do Consumidor.

    OBSOLESCNCIA PROGRAMADA: PRtICA ABuSIvA NO

    MERCADO DE CONSuMO

  • 2Com efeito, no mbito do direito das relaes de consumo, entende-se como prtica comercial abusiva qualquer conduta desleal, que ignore os deveres decorrentes da boa-f ou atribua ao fornecedor de produtos ou servios uma vantagem indevida, em detrimento do consumidor ou de outras pessoas expostas sua atuao comercial os chamados consumido-res por equiparao.

    Diante deste respaldo legal, surgiram, recentemente, novas demandas judiciais que pretendem coibir uma prtica comercial abusiva conhecida como obsolescncia programada ou obsolescncia planejada, consistente na reduo artificial da durabilidade de produtos ou do ciclo de vida de seus componentes3.

    Trata-se de temtica discutida desde a dcada de 1920, quando se deflagrou a pol-mica envolvendo o suposto Cartel Phoebus, que atuaria junto aos fabricantes para limitar o tempo de vida til das lmpadas incandescentes a apenas mil horas, significativamente menos do que a tecnologia poca conseguia garantir aos consumidores.

    Tal estratgia, ilicitamente adotada por alguns fornecedores, visa estimular a aquisio de novos produtos em um curto perodo de tempo, alavancando, com isso, suas vendas e, consequentemente, seu lucro. A ideia induzir o consumidor a comprar, descartar rapidamente e adquirir outra vez, repetidamente.

    O tema foi brevemente abordado no Supe-rior Tribunal de Justia por ocasio do julgamen-to do Recurso Especial n 984.106. No acrdo, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomo, foram citados como exemplos desta prtica: a reduzida vida til de componentes eletrnicos (como baterias de telefones celulares), com o posterior e estratgico inflacionamento do preo do mencionado componente, para que seja mais vantajosa a recompra do conjunto; a incompa-tibilidade entre componentes antigos e novos, de modo a obrigar o consumidor a atualizar por

    completo o produto (por exemplo, softwares); o produtor que lana uma linha nova de produtos, fazendo cessar aodadamente a fabricao de insumos ou peas necessrias antiga.4

    Em abril deste ano (2014), a primeira Turma Recursal Cvel do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul manteve uma condenao da Apple Inc. ao pagamento de indenizao por danos materiais, haja vista o reconhecimento de que o aparelho de telefonia celular da autora, modelo iPhone 3G, tornou-se imprestvel para uso em razo do lanamento de nova verso do iOS pela requerida.5

    Reconheceu-se, no julgado, que o funcio-namento de diversos aplicativos (como o What-sApp e o Instagram) foi comprometido a partir de uma determinada atualizao do sistema operacional, limitando-se o uso do equipamento que, at ento, funcionava perfeitamente. Alm disso, as atualizaes posteriores do mesmo sistema, que poderiam solucionar a questo, no foram disponibilizadas pela companhia para instalao no aparelho.

    A Apple Inc. foi condenada pagamento da quantia necessria para aquisio de um novo aparelho. Apenas o pedido de indenizao por dano moral foi afastado no caso.

    Vale destacar que o mero lanamento ou disponibilizao no mercado de novas verses de produtos, especialmente de eletrnicos, no caracteriza a prtica abusiva da obsolescncia programada, ainda que isto ocorra em um breve interregno de tempo. Nesse sentido, a prpria legislao consumerista estabelece expressamen-te que o produto no considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado (art. 12, 2, CDC).

    No entanto, o Cdigo de Defesa do Consumidor determina que os fornecedores mantenham a oferta de componentes e peas de reposio no mercado enquanto no cessar a fabricao ou a importao do produto (art. 32, pargrafo nico, CDC). E, quando isso ocorrer,

  • 3a oferta dessas peas deve ainda perdurar por um perodo razovel de tempo; prazo este que, consoante o melhor entendimento doutrinrio e jurisprudencial, dever ser compatvel com o seu tempo de vida til normal.

    Assim, a partir de uma anlise teleo-lgica da norma, conclui-se que, na hiptese de serem lanadas novas verses ou edies de produtos, os fornecedores devero ofe-recer meios para que aqueles anteriormente adquiridos pelos consumidores permaneam funcionando adequadamente at que precisem ser descartados em funo de seu desgaste

    natural. As tcnicas empregadas para burlar esta regra que caracterizam a prtica ilcita da obsolescncia programada.

    Pondera-se, por fim, que uma das contra-partidas para atenuar os efeitos socioambientais malficos decorrentes do consumo desmedido e irresponsvel da era ps-moderna , parado-xalmente, a disseminao do consumo, posto que inerente existncia humana em sociedade, mas um consumo que seja consciente das suas consequncias e impactos. E isso implica obstar as tentativas de conduzir o consumidor a uma compra artificialmente prematura.

    1 BAUMAN, Zygmunt. Globalizao: as consequncias humanas. Traduo: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. p. 87.

    2 EFING, Antnio Carlos; BERGSTEIN, Las Gomes; GIBRAN, Fernanda Mara. A ilicitude da publicidade invisvel sob a perspectiva da ordem jurdica de proteo e defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 81, So Paulo, Revista dos Tribunais, jan. 2012. p. 91.

    3 MIRAGEM, Bruno. Vcio oculto, vida til do produto e extenso da responsabilidade do fornecedor. Revista de Direito do Consumidor, v. 85, So Paulo, Revista dos Tribunais, jan. 2013. p. 325.

    4 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n 984106. SC. Julg. 04/10/2012. Disponvel em: http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=984106>, acesso em: 24 set. 2014.

    5 BRASIL. Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul. Primeira Turma Recursal. Processo n 71004479119 (N CNJ: 0024249-68.2013.8.21.9000), Relator Lucas Maltez Kachny, julgado em 22/04/2014, DJe 24/04/2014.

  • 4PLS 283/2012: A NOvA PROtEO DO CONSuMIDOR BANCRIO

    ANdRESSA JARLETTI GoNALvES dE oLIvEIRAAdvogada inscrita na OAB/PR sob o n OAB/PR 36.115; Mestre em Direito das Relaes Sociais pela UFPR; Professora na Escola Superior de Advocacia da OAB/PR e em ps-graduaes na Universidade Positivo, ABDConst e FIEP; Presidente da Comisso de Direito do Consumidor e Secretria da Comisso de Direito da Sade da OAB/PR; Secretria Adjunta da Comisso Permanente de Acesso Justia do Brasilcon.

    O mercado de consumo brasileiro passou por mudanas importantes na ltima dcada, com a ascenso de milhes de pessoas para a classe mdia, impulsionando o aumento do consumo e a exploso do uso do crdito, especialmente pela classe C.1 Conforme observa Geraldo de Faria Martins da Costa, na economia de endividamento brasileira tudo se articula com o crdito. O crescimento econ-mico condicionado por ele. O endividamento dos lares funciona como meio de financiar a atividade econmica. Segundo a cultura do en-dividamento, viver a crdito um bom hbito de vida.2 Entretanto, o uso desmedido do crdito

    contempla o risco inerente de endividamento excessivo, sendo que 62,6% das famlias brasi-leiras esto endividadas.3

    No consumo do crdito, o dficit informa-cional significativo. Conforme constatam as pesquisas do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor IDEC, 80% (oitenta por cento) dos consumidores brasileiros desconhecem o direito ao pacote de servios essenciais gratui-tos, nas contas correntes.4 E, de acordo com os dados apurados pela multinacional IPSOS, em 2011, cerca de 67% (sessenta e sete por cento) dos brasileiros no sabem o quanto pagam de juros nos emprstimos.5

    Dadas as complexidades econmicas e jurdicas do crdito, seria crvel que as ins-tituies financeiras cumprissem seu dever, de orientar os consumidores quanto escolha da modalidade de operao de crdito mais adequada a suas necessidades. Isto porque, no consumo de crdito, as informaes sobre mo-dalidade de produto ou servio, preo e riscos, contempladas no art. 6, III, CDC, esto direta-mente entrelaadas, pois quanto maior o risco da operao de crdito, maior a taxa de juros.

    Entretanto, a assimetria de informao, que

    1 Renda familiar mdia mensal de R$1.764,00 (hum mil, setecentos e sessenta e quatro reais) a R$4.076,00 (quatro mil e setenta e seis reais) e renda per capita entre R$291,00 (duzentos e noventa e um reais) e R$1.019,00 (hum mil e dezenove reais), conforme critrios adotados pela Secretaria de Assuntos Estratgicos (SAE) do Governo Federal, a partir de 2012, disponvel em http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2012/06/comrenda-de-classe-media-trabalhador-diz-que-so-faz-o-basico.html. Acesso em 07/12/2013.

    2 COSTA, Geraldo de Faria Martins da. O direito do consumidor endividado e a tcnica do prazo de reflexo. Revista de Direito do Consumidor n. 43. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 259-272.

    3 Pesquisa de Endividamento e Inadimplncia do Consumidor (PEIC) em 2011, realizada pela Confederao Nacional do Comrcio e Bens, Servios e Turismo.

    4 Fonte: Conjur, 10 de agosto de 2010. www.conjur.com.br/2010-ago-10/bancos-sao-obrigados-informar-servicos-essenciais, acesso em 12/08/2010.

    5 Fonte: Ipsos (2011).

  • 5 inerente complexidade do crdito, acentuada pelas condutas adotadas pelas instituies finan-ceiras, ao sonegarem informaes que instruam o consumidor para utilizao adequada do crdito, estimulando o uso de modalidades mais onerosas - a exemplo das notrias prticas de concesso e aumento de limites de cheque especial e envio de cartes de crdito, sem solicitao prvia dos clientes. Alm disso, os dados apurados em pes-quisas empricas,6 sobre ausncia de entrega do contrato ao consumidor, ausncia de informao clara sobre o total da dvida a ser paga com fi-nanciamento (violando os arts. 46 e 52, CDC), e prevalncia da concesso de crdito sem garantia, demonstram como a vulnerabilidade tcnica, jur-dica, econmica e informacional do consumidor pode ser maximizada, no consumo do crdito.

    Diante deste cenrio, a aprovao do PLS 283/2012 urge como medida de extrema relevn-cia, para atualizar o Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor, com a incluso de novas regras, para lidar com o fenmeno social do superen-dividamento. Em nvel mundial se reconhece a necessidade de se estabelecerem mecanismos, para a preveno e tratamento do superendivida-mento, pois embora o superendividamento seja um fato individual, gera consequncias sociais e sistmicas. A exemplo do recente estudo elabora-do pelo Banco Mundial, aps a crise econmica instaurada a partir de 2008.7

    Neste vis, a aprovao do PLS 283/2012 revela-se como um importante passo para o for-talecimento da defesa do consumidor bancrio. Em linhas gerais, o PLS 283/2012 preza pelo respeito da boa-f nas relaes de consumo, re-forando os deveres dos fornecedores de crdito, na transparncia das informaes e na coopera-o, para que o contrato de emprstimo no seja

    motivo da escravido financeira do consumidor. O anteprojeto aposta na informao, na entrega da cpia do contrato ao consumidor, na preven-o do superendividamento e na preservao do mnimo existencial. Como o maior instrumento de preveno ao superendividamento a infor-mao, foca no combate s prticas de promoo do endividamento, exige a informao detalhada sobre os elementos principais do crdito, escla-recendo o consumidor, leigo, sobre os riscos da operao e o comprometimento futuro da renda.

    Na fase pr-contratual, para reduzir o dficit informacional, exige que a proposta de crdito seja fornecida por escrito, de modo a facilitar a compreenso sobre os encargos ban-crios. Alm disso, a concesso responsvel do crdito impe que o fornecedor avalie de forma adequada as condies de pagamento pelo consumidor, devendo no apenas informar, mas tambm esclarecer, aconselhar e advertir adequadamente o consumidor sobre a natureza e a modalidade do crdito oferecido, assim como sobre as consequncias genricas e especficas do inadimplemento (art. 54-C, I). E, para evi-tar o assdio na oferta do crdito, o anteprojeto refora a proteo aos sujeitos hipervulnerveis (art. 54-F, IV) e veda a adoo de prticas co-muns hoje no Brasil, tais com formular preo para pagamento a prazo idntico ao pagamento vista; fazer referncia a crdito sem juros, gratuito, sem acrscimo, com taxa zero ou expresso de sentido ou entendimento seme-lhante; e indicar que uma operao de crdito poder ser concluda, sem consulta a servios de proteo ao crdito ou sem avaliao da situao financeira do consumidor (art. 54-B).

    Para assegurar o cumprimento a estes no-vos deveres, o projeto estipula que o desrespeito

    6 MARQUES, Cludia Lima. Sugestes para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas fsicas em contratos de crdito ao consumo: proposies com base em pesquisa emprica de 100 casos no Rio Grande do Sul. Revista de Direito do Consumidor n. 55, jul-set/2005; CARPENA, Helosa. Uma lei para os consumidores superendividados. Revista de Direito do Consumidor n. 61, jan-mar/2007.

    7 SOARES, Ardylis Alves. Concluses do Relatrio do Banco Mundial sobre o tratamento do superendividamento e insolvncia da pessoa fsica Resumo e concluses finais. Traduo por Ardyllis Alves Soares. Revista de Direito do Consumidor n. 89, set-out/2013, 435-451.

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  • 6MARISTELA dENISE MARquES dE SouzAAdvogada inscrita na OAB/PR sob o n 22.924; Doutora em Direito pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran

    Vive-se a massificao do consumo na sociedade contempornea, de produtos e servios regulados pelo mercado descartvel da obsolescncia produzida e per-ceptiva, da constante troca dos objetos de consumo, desejados e atrados pelo constante apelo do ter, adquirir ou contratar.

    A transio da sociedade do sculo XX

    PuBLICIDADE E O APELO AO CONSuMO DESEQuILBRIO SOCIAL

    sociedade de produo, para a sociedade do scu-lo XXI sociedade de consumo, operou-se pela difuso globalizada dos mercados de capitais, trabalho e mercadorias, pelas modernas formas de produo, ainda que no uniformes mundial-mente, mas significativamente exploratria dos pases subdesenvolvidos e em desenvolvimento, com vistas ao escoamento da superproduo dos pases desenvolvidos e industrializados, ao ponto de resultar em importante desequilbrio social. O consumo sem limites e sem fronteiras.

    A publicidade uma atividade econmica e empresarial ligada ao marketing, que por meio da mass media procura comunicar e transmitir

    a tais exigncias acarreta a inexigibilidade ou a reduo dos juros, encargos, ou qualquer acrsci-mo ao principal, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuzo de outras sanes e da indenizao por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor (art. 54-C, 2).

    Por fim, dentre as novas garantias, inclui--se o direito bsico do consumidor repactuao das dvidas, com a preservao do mnimo exis-tencial (art. 6, XII). E cria um procedimento de tratamento das situaes de superendividamento, que pode ser conduzido de forma consensual, formulando-se um plano global de pagamento com credores, preservando o mnimo existencial ao consumidor, que assume compromisso de no se endividar novamente. No sendo alcanada a conciliao, prossegue-se com o plano compul-srio de reestruturao judicial, em que o juiz, aps determinar a suspenso da exigibilidade do

    dbito e a interrupo dos encargos, analisar a totalidade da renda e patrimnio disponvel do consumidor e o passivo pendente, para ento reescalonar as dvidas, podendo para tanto redu-zir (ou excluir) os encargos, dilatar os prazos de pagamento (sem aumento da dvida), constituir ou substituir garantias.

    As novas medidas propostas no PLS 283/2012, para preveno e tratamento do su-perendividamento, constituem um importante avano para a concretizao da defesa do con-sumidor. Especialmente num momento em que a defesa judicial do consumidor bancrio no tem mais a acolhida de outrora, em razo de novas normas e construes jurisprudenciais, que tem enfraquecido a reviso judicial dos contratos bancrios. Desta forma, a aprovao imediata do PLS 283/2012 representa um grande benefcio da sociedade brasileira, em respeito ao direito fundamental de defesa do consumidor.

  • 7mensagens ao conjunto de consumidores que constitui o seu principal objetivo, com a inteno de persuadir a um comportamento num sentido determinado e preestabelecido. Assim, por meio de processos de comunicao, gera um discurso que poder atrair ou no o consumidor, com suas estratgias ou tcnicas publicitrias.

    Fato que o objetivo do desenvolvimento das atuais estratgias , basicamente, atingir a maior quantidade de pblico consumidor potencial atravs do menor investimento financeiro. Ou, em determinados casos, posicionar uma marca como lder, inicialmente na mente do consumidor, para depois se tornar lder de sua preferncia e, final-mente, lder de mercado. Seja pela otimizao dos investimentos, seja pela necessidade de atingir o consumidor quase na totalidade de seu dia, que as estratgias utilizadas atualmente se tornaram cada vez mais diferenciadas.

    Desta forma, chega-se ao panorama atual, onde existe uma infinidade de canais de comunica-o, gerando informao e possibilitando a utilizao das estratgias mais diversas para se obter a prefern-cia do consumidor, ou mesmo, o desenvolvimento de novos hbitos e culturas de consumo.

    Nesta perspectiva, inegvel a influncia da publicidade na sociedade de consumo, contudo, depara-se com certas condutas ou formas publici-trias, que no desejo de atrair a ateno dos con-sumidores venda de produtos e servios por ela anunciados, a publicidade deixa de exercer o seu papel social fundamental o da informao, com base nos princpios da transparncia e veracidade, que de forma nociva corrompe a vontade do consumidor.

    A massificao da mdia contempornea se limita s vendas de produtos e servios anunciados pela publicidade de consumo, sem se preocupar com as extenses negativas dessa massificao persuasiva, em relao s questes sociais.

    A publicidade incitando ao consumo co-labora para a conformao de um nmero cada vez mais crescente de sujeitos marginalizados pelo consumo, penalizados pela impossibilida-de de integrao social, por no se enquadrarem no consumidor modelo ou pela impossibilidade econmica ao acesso a bens de consumo indis-pensveis sobrevivncia, os esteretipos do no consumidor.

    A publicidade abusiva que estimula o con-sumo exagerado estabelecendo desequilbrio de ordem social fere os deveres anexos da boa-f, de cooperao, colaborao e solidariedade com as questes sociais que envolvem o mundo con-temporneo, a realidade reflexa da sociedade de consumo: marginalizao das classes, constituin-do uma verdadeira pliade de excludos da cadeia de consumo, at mesmo de gneros de primeira necessidade; observa-se nesse rido contexto um recrudescimento da violncia, destacadamente dos roubos com violncia, como expressa a so-ciologia a criminalidade da excluso.1

    A precariedade e o agravamento das de-sigualdades sociais no tm um nico algoz, o consumo e a manipulao pela publicidade massiva, certamente um complexo de fatores contribuem para essa realidade social, contudo o cerne deste artigo efetivamente a sociedade de consumo, e essas disfunes sociais esto ligadas sociedade liberal de consumo, para Lipovetsky2, hiperconsumo.

    Milhes de pessoas no mundo vivem abaixo do limiar de pobreza ou em condies econmicas muito frgeis, da prpria exclu-so do consumo, dentro de uma perspectiva de pobreza e vulnerabilidade de massa. O que deve ser interpretado de que esses excludos do mercado de trabalho formal, marginalizados dos apelos consumistas, partilham dos valores individualistas e consumistas das classes mdias,

    1 LIPOVETSKY, Guilles. A felicidade paradoxal. Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Trad. Maria Lucia Machado. So Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.193.

    2 Ibidem, p.193.

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  • 8ISSN 2175-1056

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    Coordenao Acadmica: Estvo Loureno CorraAdvogado inscrito na OAB/PR sob n. 35.082

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    Expediente:

    a preocupao com a personalidade individual e auto-realizao3, e mesmo desprivilegiados pretendem ter acesso aos bens e smbolos de con-sumo, como se pudessem escapar ao desprezo social e imagem negativa de si.4

    O respeito aos valores sociais, nesse novo cenrio social, conectado com o consumo e sua sustentabilidade social, a publicidade no deve mais transmitir as ideias da classe dominante, como sucesso de seus negcios e empreendimentos, mas uma ferramenta para o bem social, de tal forma a estimular o consumo que satisfaa as necessidades individuais sem perder o foco na promoo do desenvolvimento humano, sua dignidade.

    O aprendizado individual leva ao aprendiza-do coletivo pela experincia estimulada e propagada entre os atores sociais pela publicidade de consumo, seguindo a mesma ordem estabelecida pelas teorias ou tcnicas utilizadas pelos meios publicitrios.

    Se a construo de uma mensagem persua-siva fruto de uma cuidadosa anlise de compor-tamento do consumidor, pesquisa de palavras e concretizao de smbolos, para que se grave na memria e se estimule persuasivamente o consu-mo, o mesmo se d na construo da mensagem com os mesmos artifcios ou tcnicas, para o alcance do resultado positivo de conscientizao coletiva e mudana de atitudes em relao ao consumo, sustentvel e consciente, destacando valores como a justia, a igualdade, a liberdade, a tolerncia, o valor da vida, da diferena, da solidariedade e expressamente e declaradamente combater antivalores como a violncia, o racismo, a destruio do meio ambiente, a discriminao, o fanatismo, o terrorismo, o eufemismo, extraindo

    a publicidade do ciclo vicioso do consumismo.Nesse compromisso coletivo que a hu-

    manidade assume no sculo XXI, importante o papel da publicidade como instrumento formador de conscincia social, independentemente de a publicidade se mostrar ora persuasiva, ora infor-mativa, ela capaz de atingir o inconsciente e o consciente do consumidor individual e coletivo, se prestando como instrumento de conscienti-zao coletiva, das responsabilidades sociais de todos, consumidores, fornecedores e anunciantes.

    E no sendo possvel descartar o consumo da sociedade impregnada culturalmente deste, parte-se da proposta permissiva de que o consu-mo pode prestar-se positivamente a favor dessa mesma sociedade que o criou e que insistente-mente o estimula pela publicidade, de tal modo que esta seja utilizvel a favor de um consumo consciente sem perder de vista o respeito quali-dade da vida humana, a possibilidade de incluso social das centenas de milhares de pessoas em situao de excluso social.

    O consumidor como ator social agente de transformao, com poder de exigir um padro de desenvolvimento socialmente justo e ambiental-mente equilibrado, quando consciente das implica-es de seus atos de consumo, passa a compreender que tem ao seu alcance a possibilidade de exigir dos setores produtivos, de gesto, do comrcio, financei-ros, medidas e modelos de conteno da produo, financiamentos e comercializao de produtos e servios impactantes para as dimenses sociais, culturais e ecolgicas. Tarefa rdua, herclea, mas desafiadora, pois requer mobilizaes individuais e coletivas, contra o poder de gigantes.

    3 Ibidem, p. 191-192.

    4 Ibidem, p. 192.