Observatório de Inovação do Turismo

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO ISBN: 978-85-64878-02-0 observatório de inovação do turismo

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Livro elaborado pelos alunos do curso Observatório de Inovação do Turismo - Nucleo de Turismo - FGV

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO

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Observatório de inovação do turismo (Recurso eletrônico) / Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Núcleo de Turismo. - Rio de Janeiro : FGV Projetos, 2011. 434 p.

Dados eletrônicos. Modo de acesso: Internet. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-64878-02-0

1. Turismo. 2. Marketing de destinos. 3. Turismo – Aspectos sociais. 4. Ecoturismo. 5. Marketing de serviços (Turismo). I. FGV Projetos. II. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Núcleo de Turismo.

CDD – 338.4791

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

ISBN: 978-85-64878-02-0

Copyright © Luiz Gustavo Medeiros Barbosa

Direitos desta edição aoNúcleo de Turismo FGVPraia de Botafogo, 19022250-900 – Rio de Janeiro, RJ – BrasilE-mail: [email protected]

Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores.

1ª edição - 2011-10-24

Diagramação: Quattri

Revisão: Eni Valentim Torres

É proibida a reprodução total ou mesmo parcial desta obra sem prévia autorização dos autores.

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Sumário

Prefácio

Apresentação

Artigo 1Competitividade de destinos turísticos: complementaridade entre dois estudos Alexandre Souto Maior, Carlyle Falcão, Flavia Maria Frota de Souza, Gabriela Serpa, Luiz Gustavo Medeiros Barbosa, Roberto Pascarella Justa, Saulo Barbará de Oliveira

Artigo 2 Administração pública e turismo: grau de maturidade em gerenciamento de projetos na Secretaria de Estado do Turismo do Espírito SantoAndré Meyer Coelho, Gilda Boruchovitch, João Vieira de Araujo, Juliana Bastos Lohmann, Liberato de Souza Pinto, Mariana Carvalho Rodrigues, Marisa Guadalupe Plum Artigo 3

Financiamento de programas destinados ao desenvolvimento e apoio às atividades turísticas do estado de Pernambuco e do município de Belo Horizonte, por meio do ProdeturAna Cláudia Rodrigues, Camilla Paranhos Rezende, Fernanda Côrtes de Freitas, Filipe João Bera de Azevedo Sobral, Paulo Cesar Stilpen, Roberto Farias Silva

Artigo 4Democratização do turismo no Brasil: um estudo sobre o papel do turismo socialBianca Freire Medeiros, Diana Costa de Castro, Marcelo de Oliveira Vidal, Pallo-ma Menezes, Patrícia Motta, Thaís Costa da Silva

Artigo 5Sustentabilidade e desenvolvimento turístico: um estudo de caso do destino Santa Teresa — RJJonathan Van Speier, Margarida Maria de Fraga Rocha, Maria Emília Melo, Otacílio Peçanha Filho, Simone Alves

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Artigo 6Cama e Café: um modelo empreendedor para um turista-flâneurCarlos Eduardo Sarmento, Erika Conceição Gelenske Cunha, Gabriel de Sena Jardim ,Letícia Borba Balceiro, Rosane Soares dos Santos, Tatiana Oliveira Siciliano, Victor Lamas Cunha

Artigo 7Turismo musical: uma idéia empreendedora?Adriana Ramos, Alessandra Mello da Costa, José Cezar Castanhar, Luciana Vianna, Mariana Barbosa Nasser, Patricia Algranti

Artigo 8Satisfação dos turistas: uma análise da experiência de visita aos locais de música ao vivo na cidade do Rio de JaneiroAlda Rosana Duarte de Almeida, Delane Botelho, Maíra Meyer, Márcia Silva, Mariana Barbosa Nasser, Renata Silencio

Artigo 9Do ‘Barracão’ ao ‘Galpão: um estudo sobre a ‘Cidade do Samba’ como mercadoria turísticaBianca Freire Medeiros, Érika Conceição Gelenske Cunha, Gabriel de Sena Jardim,Palloma Menezes, Rosane Soares dos Santos, Simone Alves

Artigo 10Intensidade do trabalho no setor hoteleiro da cidade do Rio de JaneiroAnderson Felisberto Dias, Beatriz dos Santos Machado, Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira, Claudio Osias, Fernando Guilherme Tenório, Mirella Marchito, Patricia Algranti, Rodolfo Muanis, Valentina Schimitt Artigo 11Produção e disseminação de conhecimento científico em turismo: um estudo comparativo de dois periódicos eletrônicosAdriana Simões, Alessandra Mello da Costa, Danielle Julião, Ester Juer, Joa-quim Rubens Fontes Filho, Maria Emilia Melo, Roberto Dutra Artigo 12

Serviço de comunicação para turistas internacionais em megaeventos: uma análise sobe a óptica do pensamento Lean

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Maria Clara Tenório, Paola Bastos Lohmann, Priscilla Haack, Renata Silencio, Ricardo Sarmento Costa, Thais Costa, Thays Guimarães

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PREFÁCIO5

Prefácio

Inaugurou-se a Fundação Getulio Vargas, em 20 de dezembro de 1944, com o objetivo inicial de qualificar pessoal para gerir ad-ministrações públicas e privadas do País. Naquela época, no Bra-sil, já se começava a lançar as bases para o crescimento que se confirmaria nas décadas seguintes. Antevendo a chegada de um novo tempo, na FGV, decidiu-se expandir o foco de atuação e, do campo restrito da administração, ampliou-se ao das ciências so-ciais. Assim, na instituição, extrapolaram-se as fronteiras do en-sino e avançou-se por áreas de pesquisa e de informação, até converter-se em sinônimo de centro de qualidade e de excelência.

Tendo em vista o rápido crescimento do setor de turismo, reconhe-cido mundialmente como importante segmento gerador de renda e empregos diretos e indiretos, criou-se, em 2003, na Escola Brasilei-ra de Administração Pública e de Empresas — EBAPE —, o então Núcleo de Estudos Avançados em Turismo e Hotelaria — NEATH (atualmente, Núcleo de Turismo — NT), com os seguintes objetivos:

» Monitorar, analisar e compreender, ante as realidades nacional e regional, as tendências internacionais da atividade turística, de-senvolvendo para o setor de turismo novas estratégias de gestão.

» Aprofundar, especializar e disseminar conhecimentos relativos ao setor de turismo por meio de cursos profissionalizantes, de modo a elevar o nível de competitividade do produto turístico e dos pro-fissionais no mercado, melhorando, assim, o padrão de eficiência e eficácia das instituições envolvidas.

» Divulgar, utilizando os mecanismos disponíveis (publicações, in-ternet, etc.), estudos e pesquisas referentes ao desenvolvimento turístico.

» Promover iniciativas inovadoras e criativas que possam ser adap-tadas às diferentes realidades locais.

Além de se estabelecerem contatos com todo o trade turístico na-cional, por meio do Núcleo de Turismo também se torna possível o relacionamento com os mais destacados órgãos do setor, estabele-cendo-se importante intercâmbio de informações e análises das di-

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versas metodologias de pesquisa adotadas. Pode-se, então, afirmar que os trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo são de excelência, pois refletem o “estado da arte” em termos de pesquisas e análises sobre a evolução das atividades do setor.

Por intermédio do Observatório de Inovação do Turismo — OIT —, no Núcleo, estimulam-se, desde 2003, os alunos a redigir artigos, ob-jetivando a publicação de livros. Cabe ressaltar que a maior parcela deles já revela a experiência e a criatividade necessárias nesse cam-po, constituindo grupos de estudo competentes, unidos e compro-missados com a execução de trabalhos de ótima qualidade técnica, estabelecendo diferencial ímpar na elaboração de estudos diversos num mundo cada vez mais competitivo e demandante de trabalhos com altos níveis de qualidade.

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APRESENTAÇÃO7

Apresentação

Esta publicação, disponível em meio eletrônico para o público em geral, consolida uma série de 12 artigos, elaborados com base em estudos e trabalhos desenvolvidos, durante os cinco últimos anos — 2007 a 2011 —, por alunos, professores e tutores do OIT. As disciplinas ministradas nesse período serviram de base para a orientação dos temas abordados, o que contribui para a diversi-dade e a abrangência das questões relacionadas com o turismo.

As temáticas de gestão e governança em turismo podem ser confe-ridas em três capítulos. No primeiro, “Competitividade de destinos turísticos: complementaridade entre dois estudos”, organizado pelo professor Luiz Gustavo Barbosa, há um exame comparativo sobre o tema hospitalidade entre Travel & Tourism Competitiveness Index 2008 do Fórum Econômico Mundial e Estudo de Competitividade dos 65 Destinos Turísticos Indutores do Ministério do Turismo/FGV. No segundo, “Administração pública e turismo: grau de maturidade em gerenciamento de projetos na Secretaria de Estado do Turismo do Espírito Santo”, resultado da disciplina ministrada pelo profes-sor João Vieira, avalia-se o grau de maturidade do novo modelo de gestão pública tendo, como estudo de caso, sua implementação na Secretaria de Estado do Turismo no Espírito Santo (Setur). No terceiro, “Financiamento de programas destinados ao desenvolvi-mento e apoio às atividades turísticas do estado de Pernambuco e do município de Belo Horizonte, por meio do Prodetur”, do professor Filipe Sobral, detalham-se o processo de contratação e a obten-ção de crédito com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por parte do município de Belo Horizonte (MG) e do gover-no do estado de Pernambuco, visando ao desenvolvimento inte-grado do turismo sustentável dos destinos partícipes do Prodetur.

No que se refere ao mercado de trabalho e à academia, eviden-ciaram-se importantes estudos. A disciplina Gestão do Trabalho, ministrada pelo professor Fernando Tenório, possibilitou o capítu-lo “Intensidade do trabalho no setor hoteleiro da cidade do Rio de Janeiro” em que se busca analisar a intensificação do trabalho e suas formas de manifestação no setor hoteleiro da cidade do Rio de Janeiro. Por meio da coleta de dados que resultou da aplicação

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de questionário, foi possível fazer uma investigação das categorias: forma de contratação, filiação ao sindicato, remuneração, jornada e horário de trabalho, acúmulo de funções e estabelecimento de me-tas. O artigo “Produção e disseminação de conhecimento científico em turismo: um estudo comparativo de dois periódicos eletrônicos”, sob a orientação do professor Joaquim Rubens, deu origem à análise exploratória e descritiva da produção e disseminação do conheci-mento científico na área de turismo por meio de um estudo compa-rativo dos artigos publicados de 2005 a 2009 em dois periódicos eletrônicos — (1) Caderno Virtual de Turismo do Laboratório de Tec-nologia e Desenvolvimento Social/Coppe/UFRJ e (2) Revista do Ob-servatório de Inovação do Turismo, do Núcleo de Turismo da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE/FGV).

Entre as produções voltadas para a participação da comunidade na atividade turística local, está “Democratização do turismo no Brasil: um estudo sobre o papel do turismo social”, conduzida pela professora Bianca Freire Medeiros, em que se analisa o interesse cada vez maior de diversas instituições públicas e privadas quanto ao incentivo e à promoção do turismo para “setores menos favorecidos” da população.

Em outro capítulo, trata-se de desafiante assunto: “Sustentabilidade e desenvolvimento turístico: um estudo de caso do destino Santa Teresa — RJ”, do professor Jonathan Speier, em que se ressalta que a preservação do patrimônio histórico-cultural, por meio de tomba-mentos, tende a influenciar o grau de sustentabilidade do desenvol-vimento turístico local.

No que tange ao conceito de empreendedorismo, no capítulo “Cama e Café: um modelo empreendedor para um turista-flâneur”, do professor Carlos Eduardo Sarmento, evidencia-se um estudo de caso sobre o Cama e Café, modelo empreendedor que se po-siciona para um tipo diferenciado de turista: o praticante de flâ-nerie. Esse conceito inovador e talvez inédito em termos de pes-quisa em turismo desvela, pois, uma nova forma de concebê-lo.

Seguindo a linha de empreendedorismo e abordando também a ques-tão cultural, no artigo “Turismo musical: uma ideia empreendedora”, agrupado pelo professor José Cezar Castanhar, apresentam-se pos-síveis contribuições de eventos musicais e da cadeia produtiva da música, voltados para o turismo. O foco do trabalho foi a cidade do

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Rio de Janeiro onde se realizaram pesquisas com grandes empresá-rios e executivos do meio que promovem o empreendedorismo nesse tipo de segmento. Ainda no viés do turismo cultural, a professora Bianca Freire, no texto “Do ‘barracão’ ao ‘galpão’: um estudo sobre a ‘Cidade do Samba’ como mercadoria turística”, observa a cita-da ‘Cidade’ não só como local para a produção do carnaval, mas também como atrativo turístico. Ao ler o trabalho, é possível iden-tificar percepções de atores sociais sobre a produção e o consumo da ‘Cidade do Samba’ como produto turístico do Rio de Janeiro.

No campo do consumo do serviço turístico, destacam-se dois arti-gos. No primeiro, trabalhado pelo professor Delane Botelho, apre-senta-se o capítulo “Marketing de serviço em turismo” pelo qual se avalia a qualidade dos serviços envolvidos na experiência de visita a estabelecimentos de música ao vivo nesta cidade, especi-ficamente em bares e casas de espetáculo, tanto por turistas na-cionais como por turistas estrangeiros, comparando-se o nível de satisfação entre eles. No segundo, organizado pelo professor Ri-cardo Sarmento, expõe-se a abordagem do conceito Lean de pro-dução que visa a identificar o que representa valor para o clien-te. Dessa forma, no artigo “A utilização da telefonia celular por um turista estrangeiro na perspectiva dos megaeventos no Brasil — uma análise pela óptica do Pensamento Lean”, há o estudo de caso baseado na utilização do aparelho celular por um turista es-trangeiro: o kit do torcedor FIFA na Copa de 2010 na África do Sul.

Assim, acredita-se que os estudos e as pesquisas resultantes e apre-sentados nessa publicação possam ser úteis para os participantes do OIT e também para toda a população, visto que a publicação digital se tornou uma forma de reproduzir-se conhecimento em cur-to espaço de tempo e com baixo custo, se comparado ao material impresso. Trata-se, efetivamente, de um projeto reconhecidamente bem-sucedido, atingindo plenamente os propósitos formulados des-de sua implantação.

Desejamos a todos uma boa leitura!

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Competitividade de destinos turísticos: complementaridade entre dois estudos AUTORES

Alexandre Souto Maior

Carlyle Falcão

Flavia Maria Frota de Souza

Gabriela Serpa

Luiz Gustavo Medeiros Barbosa

Roberto Pascarella Justa

Saulo Barbará de Oliveira

RESUMO

Competitividade é um termo amplamente utilizado em diversas áre-as do conhecimento. Seu conceito tem evoluído rapidamente e sua prática vem sendo empregada em diferentes unidades de análise. No caso da competitividade em Turismo, dois estudos se destacam, da-das as suas contribuições e relevâncias para esse setor: o relatório do Travel & Tourism Competitiveness Index 2008, do Fórum Econômico Mundial (FEM), e o Estudo de Competitividade dos Destinos Turísti-cos Indutores, do Ministério do Turismo (MTur) e Sebrae, realizado pela Fundação Getulio Vargas. O primeiro, de caráter sistêmico, baseou--se em dados primários e secundários, com a aplicação de questio-nários aos executivos da alta gerência do turismo e a representantes de empresas estatais e privadas, em âmbito nacional e internacional. A pesquisa do MTur/Sebrae/FGV,de base estrutural, teve a maior par-te dos dados coletada por meio de entrevistas aplicadas a represen-tantes dos setores privado, público e da sociedade civil. No presente artigo objetiva-se, por meio de um estudo comparativo, baseado em diferentes abordagens sobre o tema competitividade, mostrar a com-

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Competi-tividade nos destinos turísticos, ministrada pelo professor Luiz Gustavo Medeiros Barbosa com a tutoria de Saulo Barbará de Oliveira, no Curso Observatório de Inovação do Turismo,

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11COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

plementaridade entre ambos estudos. A fim de facilitar a análise dos mesmos, alguns critérios foram adotados: objetivo do estudo, escolha do destino, conceito de competitividade adotado pelo estudo e as-pectos metodológicos, como operacionalização do conceito (definição das dimensões e variáveis analisadas), pontuação, coleta de dados, análise dos dados, ponderação e divulgação dos resultados. Com base nessa abordagem foi possível perceber as diferenças e os aspectos complementares existentes entre esses dois estudos que vêm sendo internacionalmente reconhecidos e servindo como referencial para tra-balhos relacionados com a competitividade de destinos turísticos em diversos locais no mundo. Espera-se que o presente trabalho possa servir de instrumento de orientação para que se elaborem pesquisas no setor de turismo, bem como de indutor de políticas de desenvolvimento por agentes públicos e da iniciativa privada, tendo em vista o desen-volvimento turístico sustentável, contribuindo, assim, para a formação de um país com produtos turísticos de elevado padrão de qualidade.

Palavras-chave: Financiamento, turismo, programa de desenvolvi-mento, sustentabilidade, negociação, administração de conflitos.

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Introdução

A competitividade nos mercados é uma preocupação cada vez maior nos últimos anos, bem como a busca por meios capazes de medi-la. Neste artigo objetiva-se, por meio de um estudo comparativo basea-do em diferentes abordagens sobre o tema competitividade, demons-trar a complementaridade entre os estudos Travel & Tourism Com-petitiveness Index 2008 do Fórum Econômico Mundial e Estudo de Competitividade dos 65 Destinos Turísticos Indutores do Ministério do Turismo/FGV. Espera-se que o presente trabalho possa servir de instrumento de orientação para que se elaborem pesquisas no setor de turismo e também de indutor de políticas de desenvolvimento por agentes públicos e da iniciativa privada, tendo em vista o desenvol-vimento turístico sustentável, contribuindo, assim, para a formação de um país com produtos turísticos de elevado padrão de qualidade.

O Fórum Econômico Mundial apresentou, em 2008, seu segundo relatório com o ranking dos países mais competitivos no setor turís-tico. O Brasil alcançou, nessa edição, a 49.ª posição, ficando atrás de países latinos, como Barbados (29.ª) e Costa Rica (44.ª). Os Es-tados Unidos ocuparam a 7.ª posição no ranking que teve, nas três primeiras colocações, Suíça, Áustria e Alemanha, respectivamente.

Os países que ocuparam as dez primeiras posições do ranking apresentam em comum a detenção de fortes atrativos naturais e culturais, consistentes políticas públicas de proteção a esses re-cursos e fomento à indústria do turismo. A infraestrutura de trans-porte (aérea e terrestre) é outro fator que parece ser determi-nante nesses países mais competitivos como destinos turísticos.

O relatório aponta o Brasil como detentor de excelentes recursos na-turais e culturais, mas carente em infraestrutura de transporte e de legislação adequada para proteção de seus atrativos e incentivos ao desenvolvimento da indústria do turismo. Recentemente, o Ministério do Turismo encomendou uma pesquisa semelhante à Fundação Getulio Vargas para que a competitividade do turismo no Brasil fosse mensu-rada em 65 destinos turísticos regionais. Foram contempladas todas as capitais das unidades da federação e mais 38 destinos turísticos.

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13COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

O estudo do Fórum Econômico Mundial, de característica eminen-temente sistêmica, baseou-se principalmente em dados secundá-rios e questionários aplicados aos executivos da alta gerência do turismo com conhecimento sobre o ambiente econômico nacional/internacional e a representantes de empresas de capitais estatal e privado (nacional, estrangeiro) atuantes no exterior e de significativa participação no PIB nacional. Diferentemente, a pesquisa do MTur, de base estrutural, teve a maior parte dos dados coletados in loco por meio de entrevistas presenciais semiestruturadas aplicadas a representantes do Poder Público, do setor privado e da sociedade ci-vil. Compunha-se o questionário de perguntas objetivas, elaboradas de forma a excluir a possibilidade de juízo de valor do entrevistador.

Competitividade: um conceito em evolução

Competitividade é um termo amplamente utilizado na atualida-de: tanto se fala sobre competitividade e de competitividade. Mas o que realmente significa esse termo? O que podemos to-mar como base para avaliar a competitividade, seja na indústria, seja nos serviços ou mesmo entre cidades, regiões e países?

Com base na estrutura filológica, para Koogan e Houaiss (1999), competitividade “é uma característica do que é competitivo” que é um adjetivo, tratado nesse dicionário como “suscetível a con-corrência de outros; onde é possível concorrer” (KOOGAN, 1999, p. 414). Dessa forma, buscou-se o que é concorrência “s.f. Riva-lidade entre diversas pessoas que visam o mesmo fim”. ”Rivali-dade de interesses entre comerciantes ou industriais que tentam atrair a clientela alheia com melhores condições de preço, quali-dade, etc. [...] Regime de livre concorrência, sistema econômi-co que não comporta nenhuma intervenção do estado limita-tiva da liberdade de indústria e comércio, mas que considera as coalizões de produtores como delitos. [...] Pesquisa feita para comparação de preços de materiais ou serviços.” (ibid., p. 419).

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Um grande número de conceitos de competitividade tem sido proposto em trabalhos da área de economia, o que acarreta uma ausência de consenso nos trabalhos correlatos ao tema (LAS-TRES e CASSIOLATO, 1995; KUPFER, 1992; HAGUENAUER, 1989; BUCKLEY et al., 1988). Com isso, muitos estudos sobre o tema não compartilham da mesma conceituação ou aborda-gem metodológica, bem como de idênticas formas de avaliação.

No entanto, deve-se levar em consideração que o conceito de com-petitividade tem evoluído ao longo do tempo, sendo, no presente, empregado para diferentes unidades de análise, tais como produto, empresa, setor industrial ou nação (FONTES FILHO, 1995; BUCK-LEY et al., 1988). Além disso, outros conceitos importantes têm sido acrescentados às noções de competitividade, como o de bem-estar social (especificamente no caso de estudos de competitividade que tenham países como unidade de análise) ou de sustentabilidade.

Nesse sentido, é preciso destacar que, especialmente no caso das nações em desenvolvimento, como o Brasil, o conceito de compe-titividade evoluiu de maneira significativa. Logo, foram abandona-das as noções de competitividade como fenômeno estático e como função de custos e taxas de câmbio que levaram, no passado, a processos de desvalorização cambial, ao controle de salários de tra-balhadores com baixa qualificação e ao uso predatório de recursos minerais, energéticos e ambientais, com o objetivo de obtenção de vantagens competitivas de curto prazo (LASTRES e CASSIOLATO, 1995). Em outras palavras, a chamada competitividade espúria, a qual não leva em consideração elementos de incrementos de pro-dutividade e progresso técnico, por exemplo (FAJNZYLBER, 1988).

De acordo com FARINA (2003, p.1), competitividade

não tem uma definição precisa. Pelo contrário, compreende tantas facetas de um mesmo problema que dificilmente se pode estabelecer uma definição ao mesmo tempo abrangen-te e útil. Do ponto de vista das teorias de concorrência, a competitividade pode ser definida como a capacidade sus-tentável de sobreviver e, de preferência, crescer em merca-dos correntes ou novos mercados. A sustentabilidade implica que essa posição seja consistente com a realização de lucros não negativos.

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15COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

Citando Ricardo, Giordano (1999) baseia a competitividade na lei da vantagem comparativa formulada com base na hipótese de que o co-mércio internacional beneficia mutuamente os envolvidos na transa-ção. Segundo essa visão, ao compararem-se dois produtos produzidos por países diferentes, seria preciso aferir os custos de produção em cada origem, calculando-se cada insumo utilizado na produção (mão de obra, custo de capital, tributos, uso do solo, etc.) e apresentaria vantagem comparativa o produtor que, após a comparação, tivesse menor custo na produção do bem. Por esse conceito, visa-se à espe-cialização dos países em determinados produtos e, assim, foi ampla-mente utilizado, no início do século passado, com as commodities que eram produzidas ao redor do planeta e tiveram vários ciclos no Brasil.

No caso de economias nacionais, o conceito de competitividade so-freu importantes evoluções. Alguns autores têm associado a compe-titividade de uma nação para além de princípios calcados somente no comércio internacional ou na defesa do mercado local, incorporando ao tema noções de bem-estar econômico e melhoria da qualidade de vida da população. Como exemplo, Fagerberg (1988), por meio de seu modelo de competitividade que leva em consideração aspectos como habilidade de competir em tecnologia, preços e capacitação, afirma que a competitividade de um país é sua aptidão de alcançar objetivos fundamentais da política econômica, como o crescimento e o emprego, sem incorrer em dificuldades na balança de pagamento.

Fajnzylber, por sua vez, conceitua competitividade como a capa-cidade de um país, em médio e longo prazo, de manter e expan-dir sua participação nos mercados internacionais e, paralelamente, elevar o nível de vida de sua população. Já Jones e Teece (1988) definem o fenômeno como o grau em que uma economia, em um mundo de mercados abertos, produz bens e serviços que satisfa-çam as exigências desses mercados e, simultaneamente, expan-da seu Produto Interno Bruto (PIB), bem como seu PIB per cap-ta, ao menos tão rapidamente quanto seus sócios comerciais.

Já Porter (1993) amplia o referencial teórico, nele incluindo outras variáveis, além dos custos, deixa a Teoria das Vantagens Comparati-vas e começa a tratar as Vantagens Competitivas. Entre as variáveis incluídas no processo, há atributos que ampliam a competitividade, como baixos salários, mão de obra farta e taxa de câmbio favorável,

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que, a posteriori, provaram ser diferenciais de curto prazo e de baixo interesse para o país. O próprio autor traça questionamen-tos sobre a produtividade de países, como Suíça e Alemanha, que despontam no cenário competitivo mundial mesmo sem dispor dos diferenciais acima.

Após esses questionamentos, Porter (1993) sugere que o item mais importante para medir-se a competitividade é a produtividade, uma vez que com produtividade é possível aumentar a renda individual e a per capita do país, além de remunerar melhor o capital empregado. Outro fator considerado pelo autor é a inovação, seja a do meio de produção, a tecnológica ou a de um novo produto. Para esse autor, as vantagens competitivas servem principalmente para traçar a es-tratégia e superar os concorrentes. “A essência da formulaçâo estra-tégica consiste em enfrentar a competição” (PORTER, 1999, p. 27).

Para Porter (1999) existem quatro atributos principais que deter-minam o ambiente de concorrência. Nesse modelo, as empresas promovem ou bloqueiam a criação de vantagens competitivas. Os fatores são os seguintes:

» Condições de fatores — A posição do país nos fatores de produção, como trabalho especializado ou infraestrutura, necessários à com petição em determinada indústria.

» Condições de demanda — A natureza da demanda interna para os produtos ou serviços da indústria.

» Indústrias correlatas e de apoio — A presença ou ausência no país, de empresas abastecedoras e indústrias correlatas que sejam internacionalmente competitivas.

» Estratégia, estrutura e rivalidade das empresas — As condições que, no país governam a maneira pela qual as empresas são criadas, orga-nizadas e dirigidas mais a natureza da rivalidade interna (ibid. p. 87).

Continuando em busca do conceito de competitividade, há autores, como Chudnovsky (1990), que propõem a existência de enfoques micro e macroeconômicos desse conceito, estando centradas, nos enfoques microeconômicos, as definições de competitividades para a empresa individualmente, enquanto os macroeconômicos contêm as definições para regiões e países. Kupfer (1992) afirma ainda:

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Apesar de aparentemente trivial, competitividade ainda é um conceito virtualmente indefinido. São tantos enfoques, abran-gências e preocupações aos quais se busca associá-la que não é sem razão que os trabalhos sobre o tema têm por norma iniciar uma definição própria para o conceito (KUPFER, 1992, p. 2).

Conforme constata Haguenauer (1989), “[...] a noção de competiti-vidade não é apreendida da mesma forma por vários autores. As dife-renças resultam de bases teóricas, percepções da dinâmica industrial e sobre as propostas de políticas formuladas” (HAGUENAUER 1989, p.1). Para Haguenauer, a maior parte dos textos associa competitivi-dade ao desempenho das exportações industriais. Esse conceito tem o aspecto ex post, pois avalia o desempenho de um país no cenário de concorrência ou competitividade internacional quanto a seu comércio.

Por outro lado, quando se conceitua competitividade quanto às ca-racterísticas estruturais, como a capacidade de superar os concor-rentes, e quanto à eficiência, tem-se um conceito potencial, ou seja, considerado ex ante, que fica geralmente restrito às condições de produção. São variáveis desse conceito indicadores, como preço, qualidade, tecnologia, salários, produtividade e as demais condições de produção (infraestrutura etc.).

A autora propõe o seguinte conceito para competitividade:

A competitividade poderia ser definida como a capa-cidade de uma indústria (ou empresa) produzir mercadorias com padrões de qualidade específicos, requeridos por mer-cados determinados, utilizando recursos em níveis iguais ou inferiores aos que prevalecem em indústrias semelhantes no resto do mundo, durante certo período de tempo (ibid., p.13).

Santos (2004) (apud Santos (2006)) aplica a seguinte classificação:

Os estudos sobre competitividade reconhecem a exis-tência de três esferas de fatores que a determinam: i) sistêmi-ca, relacionada com as estruturas produtiva, social, cultural, jurídica, institucional e econômica do país e sua inserção no cenário mundial; ii) estrutural, ligada às características especí-ficas de determinados ramos de atividades, como tecnologia, tamanho do mercado e grau de concorrência; e iii) empresarial, relacionada com características e recursos específicos de cada empresa ou unidade de negócio, como capacidade gerencial, estrutura financeira, posicionamento no mercado, etc. (p. 5-6).

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Para entender melhor as esferas de avaliação da competitividade, deve-se ter claramente definido o foco sob o qual a análise será realizada, logo o mesmo parâmetro pode ser estudado em diferentes perspectivas.

Ao avaliar países e suas características, utiliza-se a forma sistêmica, ou seja, analisa-se o sistema de interação que aquele país possui e que o permite interagir com outros países, dessa forma analisando a intera-ção de vários sistemas nacionais. Quando se verifica a capacidade ins-talada, ou melhor, a implantação do sistema em cada país, utiliza-se o foco estrutural e, finalmente, quando é vista a capacidade de as empre-sas competirem, está-se utilizando um foco empresarial para a análise.

Para exemplificar, a seguir será analisada brevemente, a infraestru-tura por meio da energia por permear todas as esferas de análise.

Ao utilizar a visão sistêmica, verificam-se a capacidade de o país expan-dir sua matriz energética, os planos que evitem escassez, a gestão, regu-lação e fiscalização pública da exploração e transmissão de energia, etc. Como fato viu-se que, após a sucessão presidencial no Brasil em 2002, em que o atual governo verificou a dificuldade do racionamento passa-do por seu antecessor, foi lançado o PROINFA, que tem como objetivo a diversificação da matriz energética brasileira e a busca por soluções de cunho regional com a utilização de fontes renováveis de energia.

Analisando energia de uma forma estrutural, é preciso verificar se todos os locais do subsistema estudado dispõem de energia ou se haverá necessidade de geração própria de energia, como está dis-tribuída para os locais estudados, a capacidade de expansão, etc. Vale lembrar, em razão de diferenças regionais e da necessidade de investimento, que uma das metas do governo federal atual, go-verno Lula, é levar energia a todos os domicílios do país por meio do Programa “Luz para todos”. Essa expansão da rede de distri-buição melhora significativamente a estrutura energética do País.

Ao utilizar o foco empresarial para energia, os aspectos custo, con-corrência no fornecimento e alternativas viáveis devem ser verifica-dos visando a melhorar o segmento de negócio e o posicionamento de mercado da empresa, além do retorno financeiro.

Ao estudarmos essas três vertentes da competitividade — sistêmi-ca, estrutural e empresarial —, é importante que se considerem dois fatores: a unidade de análise e o referencial. A unidade de análise re-

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19COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

laciona-se com o objeto que se está analisando, e o referencial seria o ângulo pelo qual um observador faz sua análise do objeto em foco.

Considere o Brasil com seus três níveis de governo (União, esta-dos e municípios) e suas políticas públicas do turismo. No nível federal, existe o Plano Nacional de Turismo e o atual Programa de Regionalização do Turismo, que é o eixo estruturante de todos os macroprogramas do Ministério do Turismo (OLIVEIRA, 2008).

Os estados se orientam pelas diretrizes do Programa de Regionaliza-ção do Turismo e planejam suas ações nas regiões turísticas existen-tes em seu território, necessitando para isso de um plano estadual de ações do turismo.

Por sua vez, os municípios devem organizar-se em torno dos programas nacional e estadual a fim de promoverem, segundo suas especificida-des e demandas locais, a implementação de seus projetos turísticos.

Tendo como unidade de análise o município, e as políticas públicas como variável, consideram-se, como fatores estruturais de competi-tividade, projetos, leis, normas, regulamentos e diretrizes que este-jam ligados diretamente e indiretamente ao turismo no município. Já os programas de turismo estadual e nacional seriam considerados de competitividade sistêmica ao município.

De maneira análoga, um estado tem sua competitividade estrutural avaliada, quanto às suas políticas públicas, por seus programas e projetos de turismo, ao mesmo tempo em que lhe são de compe-titividade sistêmica o Plano Nacional de Turismo e o Programa de Regionalização do Turismo.

Percebe-se, pela analogia desenvolvida anteriormente, que a mesma política pública, ora é de natureza sistêmica, ora estrutural.

Não há o que se considerar, neste exemplo, uma política pública do ponto de vista empresarial, pois toda empresa tem como princípio nor-teador o aumento do capital contrapondo-se à racionalidade de ordem pública. No entanto as organizações comerciais são orientadas por políticas de preço, de marketing, de posicionamento de mercado, de atendimento ao cliente, de qualidade, entre outras. São essas políticas que seriam avaliadas do ponto de vista de competitividade empresarial.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO20

Vertente sistêmica da competitividade

A competitividade, segundo o enfoque sistêmico, aborda os fatores macroeconômicos, que permitem a interação comercial e política entre os países. Segundo Coutinho (1994):

Competitividade sistêmica é o modo de expressar de que o desempenho empresarial depende e é também resul-tado de fatores situados fora do âmbito das empresas e da estrutura industrial da qual fazem parte, como a ordenação macroeconômica, as infraestruturas, o sistema político- ins-titucional e as características socioeconômicas dos merca-dos nacionais. Todos esses são específicos de cada contexto nacional e devem ser explicitamente considerados nas ações públicas ou privadas de indução da competitividade (p.17).

Como se pode observar na definição acima, todos os aspectos que norteiam a interação das empresas com a sociedade, entre as mes-mas e finalmente como força comercial de um país são tangidos pela competitividade sistêmica.

Segundo a FIESP, “competitividade sistêmica é o conjunto de con-dições proporcionado pela competitividade externa (país, estado ou região) às empresas, que influi diretamente na competitividade des-tas”. Eis seus principais fatores:

» Macroeconômicos — Taxa de câmbio, oferta de crédito, taxa de juros.

» Político-institucionais — Políticas tributária e tarifária, regras que definem poder de compra do estado e esquemas de apoio ao risco tecnológico.

» Regulatórios — Políticas de proteção à propriedade intelectual, de preservação ambiental, de defesa da concorrência e proteção ao consumidor.

» Infraestruturais — Disponibilidade, qualidade e custo de energia, transportes, telecomunicações e serviços tecnológicos.

» Sociais — Qualificação de mão de obra, políticas de educação e formação de RH, trabalhista e de seguridade social, grau de exigência dos consumidores.

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21COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

» Internacionais — Tendências do comércio mundial, fluxos inter-nacionais de capital, de investimento de risco e de tecnologia, relações com organismos multilaterais, acordos internacionais e políticas de comércio exterior (FIESP, 2008).

Quanto mais estável a economia, melhor a infraestrutura, melhor a educação, melhor a capacitação da população, maior o desenvol-vimento humano e mais competitivo o país. A Alemanha e o Ja-pão são exemplos de países nos quais as características sistêmicas são plenamente implementadas e ocupam posições de destaque no cenário comercial mundial. A Coreia do Sul é, atualmente, outro exemplo de competitividade e, para atingir esse patamar, investiu pesadamente na educação do povo a fim de permitir o desenvolvi-mento humano e capacitar a mão de obra, em infraestrutura, para promover o crescimento da indústria e atuar fortemente no comér-cio internacional produzindo bens com maiores valores agregados.

Vertente estrutural da competitividade

Vasconcelos e Cyrino (2000) consideram a competitividade como fator de vantagem vista pela óptica de duas vertentes: (i) a com-petitividade como proveniente do ambiente externo à organização, derivada da estrutura do ramo do negócio, da concorrência e posi-cionamento no mercado; e (ii) a competitividade como origem de fatores internos às empresas.

A abordagem proposta por esses dois autores explicita que a com-petitividade das empresas está fortemente ligada ao ambiente es-trutural que elas detêm (interno) e também no qual elas estão in-seridas (externo).

Conforme Santos (2006), a competitividade estrutural está ligada a característica específica de determinado ramo de atividade. Con-siderando o turismo uma atividade multisetorial, é importante com-preender o funcionamento do sistema turístico para, com base nele, analisar quais fatores estruturam essa atividade.

A Organização Mundial do Turismo (OMT), em seu “Guia para as Autoridades Locais para o Desenvolvimento do Turismo Susten-tável” (1998), esclarece que o turismo deve ser entendido como

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO22

um sistema integrado e que sua parte funcional baseia-se nos fa-tores de oferta, representados pelo desenvolvimento turístico das atrações, dos transportes, dos serviços/facilidades e da promoção do destino e de demanda, mercados já existentes ou potenciais, domésticos e internacionais.

A indústria do turismo é, segundo a OMT (1998), o coração do setor, que deve investir em empreendimentos comerciais, gerenciá-los eficientemente, para ofertar serviços de qualidade aos clientes e deve também inovar, desenvolvendo novos produtos turísticos para atender às expectativas dos turistas.

As atrações, como parques e sítios históricos, pertencem e são ge-renciados pelo estado, cuja visitação está sujeita a cobrança de in-gressos para custeio operacional (OMT, 1998).

Os transportes e outras infraestruturas são de responsabilidade do setor público ou de empresas privadas que operam em regime de concessões públicas, cujas taxas de utilização são para cobrir o in-vestimento de capital e os custos operacionais (ibid.).

O marketing turístico do destino e outros elementos institucionais do sistema turístico são tipicamente responsabilidades do governo em cooperação com a iniciativa privada, cabendo ao primeiro faci-litar e coordenar o desenvolvimento turístico de forma que os ob-jetivos estabelecidos para esse desenvolvimento tragam benefícios para as comunidades, sem ônus irreversíveis de ordem ambiental, econômica ou sociocultural (ibid.).

A OMT (1998) utiliza o termo “produto turístico” para definir o que seria a oferta do sistema turístico. Dessa forma, os atrativos e as atividades turísticas, as infraestruturas que servem aos atrativos, acomodações, esse conjunto de serviços e facilidades, compõem o produto turístico.

Com base no sistema turístico definido pela OMT (ibid.), é possível inferir que a competitividade de um destino turístico estará ligada a fatores estruturantes, como:

» Indústria do turismo — meios de hospedagens; agenciamento de viagens; transportes turísticos; bares e restaurantes e outros ser-viços típicos do setor; algumas atrações do setor privado (parques temáticos, recursos naturais privados, etc.);

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23COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

» atrações — parques (naturais e artificiais); locais históricos e cul-turais (museus, sítios arqueológicos, centro de artesanatos, etc.);

» transportes e outras infraestruturas dos setores público ou pri-vado (em regime de concessão pública) — transportes urbanos, intermunicipais, regionais, internacionais; saneamento; educação; segurança; energia; telecomunicações; etc.;

» marketing turístico — cooperação entre governo e iniciativa privada para promover o destino nos mercados doméstico e internacional;

» governo — coordenador do desenvolvimento turístico de forma sustentável; políticas públicas; regulamentação; fiscalização.

Petrocchi (1998) considera que o turismo é um sistema aberto, em conformidade com a teoria geral dos sistemas, havendo uma interação do sistema turístico com o ambiente externo por meio de vários sub-sistemas, recebendo do meio externo a entrada de recursos para pro-cessá-los e depois então ofertá-los, como produtos turísticos (saídas).

Figura 1: Sistema turístico, segundo Petrocchi (1998)

Nota-se pelo modelo de sistema de turismo de Petrocchi (1998) que os fatores de competitividade estrutural estão representados pelos diversos subsistemas: (i) hospedagem; (ii) viário e de comunicações; (iii) equi-pamentos; (iv) formação profissional; (v) meio ambiente; (vi) gestão.

Beni (2001), também aplica o conceito de sistemas permitindo a iden-tificação de subsistemas e os elementos desse sistema. Os componen-

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO24

tes do sistema turístico são os seus subsistemas aqui identificados: oferta, demanda, mercado, superestrutura e infraestrutura. Por sua vez, esses subsistemas relacionam-se entre si por meio de seus elementos:

» Recursos naturais, culturais e artificiais — parques naturais, praias, ilhas, lagos, rios, etc.; museus, folclore, culinária, artesanato, etc.; parques temáticos.

» Infraestrutura turística — serviços e equipamentos típicos do turismo.

» Infraestruturas urbanas e de acesso — transportes e terminais de pas-sageiros; saneamento, energia, telecomunicações, segurança, etc.

» Regulação, monitoramento e políticas públicas — organizações go-vernamentais, privadas e não governamentais que atuam no setor.

Estruturas de demanda

» Marketing do destino — planejamento; pesquisa e estatísticas dos visitantes; promoção do destino.

Estrutura de sustentabilidade

» Equilíbrio do destino nas áreas econômica, social, cultural e am-biental.

A figura a seguir ilustra este ponto

Figura 2: Sistema turístico, empírico segundo Beni (2001)

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25COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

O subsistema da oferta compõe-se dos recursos ou atrativos que podem ser naturais, culturais e ainda artificiais, mais os serviços típicos do turismo e de suas empresas (transportes, agenciamento de viagens, alimentação, hospedagem, e outros). Da soma dos re-cursos mais serviços obtêm-se os produtos turísticos.

O subsistema demanda é, em suma, o turista, que desencadeia to-das as relações do sistema turístico. Ele pode vir de diversas regiões (nacional, internacional) e pertencer a diversos segmentos de turis-mo (lazer, negócios, ecoturismo, etc.).

O subsistema mercado determina o encontro da oferta com a demanda. Quando a referência é o mercado nacional de turis-mo, normalmente é o consumo de produtos turísticos nacionais por turistas do próprio país. Já o mercado internacional pode re-ferir-se aos estrangeiros que visitam o país, ou aos residentes que visitam outros países. O fluxo do turismo determina se ele é emissivo (região de origem dos turistas) ou receptivo (região re-ceptora de turistas). Pode-se variar também o tipo de produto turístico conforme o tipo de público, como turismo de aventu-ra para aventureiros, turismo de eventos para congressistas, etc.

Na infraestrutura, estão os acessos (aeroviário, rodoviário, ferroviá-rio, aquaviário) bem como os terminais de passageiros, mais ainda as facilidades urbanas (comunicações, energia, saneamento, segu-rança, educação, etc.).

Na superestrutura, estão as políticas do turismo e sua ordenação jurídico-administrativa. Aqui se manifestam as estratégias governa-mentais, o conjunto de medidas de ordenamento e de promoção dos órgãos públicos e privados que interferem no setor turístico. Importante observar que, se a superestrutura tiver como objeto de análise o município, então estará em foco a competitividade estrutu-ral desse destino; caso a superestrutura esteja em nível mais abran-gente (nacional ou estadual), então para o município essa superes-trutura relacionar-se-á com a competitividade sistêmica do turismo.

Tendo por base esses três modelos de sistemas turísticos — OMT (1998), Petrocchi (1998) e Beni (2001) —, conclui-se que a com-petitividade estrutural de um destino turístico estará diretamente ligada a um conjunto de estruturas e seus respectivo elementos:

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO26

Recursos naturais, culturais e artificiais — parques naturais, praias, ilhas, lagos, rios, etc.; museus, folclore, culinária, artesanato, etc.; parques temáticos.

» Infraestrutura turística — serviços e equipamentos típicos do turismo.

» Infraestruturas urbanas e de acesso — transportes e terminais de pas-sageiros; saneamento, energia, telecomunicações, segurança, etc.

» Regulação, monitoramento e políticas públicas — organizações go-vernamentais, privadas e não governamentais que atuam no setor.

» Marketing do destino — planejamento; pesquisa e estatísticas dos visitantes; promoção do destino.

Vertente empresarial da competitividade Os estudos em questão, o Relatório de Competitividade em Via-gens e Turismo e Estudo de Competitividade, do Fórum Econômico Mundial, e o Estudo de Competitividade dos 65 Destinos Turísti-cos Indutores do Turismo Regional elaborado pela Fundação Getu-lio Vargas em convênio com o Ministério do Turismo e SEBRAE, permeiam mais notadamente as dimensões sistêmica e estrutu-ral do que a empresarial em função da complexidade da análise das empresas do setor de turismo com relação à competitividade.

Para efetuar uma análise por essa óptica, seria necessário criar um sistema de indicadores, coletar dados e analisá-los com o objetivo de classificar as empresas do setor de acordo com um índice de competitividade a ser proposto.

No entanto, ainda que pouco tangenciado nas pesquisas focadas neste trabalho, é relevante conceituar o conceito de competitividade segundo a dimensão empresarial, que vem sendo amplamente difun-dido em diversos estudos e envolvendo outros setores da economia, notadamente a área industrial.

Para Ferraz et al. (1996), são identificadas duas vertentes diferentes de entendimento de competitividade. Na primeira delas, a competi-tividade é vista como um desempenho de uma empresa ou de um produto. O principal indicador da “competitividade relevada” estaria relacionado com a participação da empresa ou do produto no mer-

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27COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

cado (market share). Já segundo outra óptica, a competitividade estaria vinculada à eficiência e, para a medição do “potencial de competitividade”, seria preciso identificar e avaliar as opções es-tratégicas adotadas pelos agentes econômicos em função de suas limitações gerenciais, financeiras, organizacionais e tecnológicas.

Segundo os mesmos autores, a definição de competitividade, ainda que não possa ser limitada aos fatores anteriormente mencionados, seria: “[...] a capacidade de a empresa formular e implementar estratégias con-correnciais que lhe permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado” (FERRAZ et al., 1996, p. 3).

Harrison e Kennedy (1997) sugerem que a competitividade seria decorrência do seguinte conjunto de fatores: intensidade e adap-tação de tecnologias ao negócio da firma, custos e condições de obtenção de insumos (custos, qualidade e coordenação), grau de diferenciação (políticas de produção, de qualidade e de servi-ços), economias de escala e escopo e fatores externos (políticas governamentais e variáveis macroeconômicas). Portanto a compe-titividade estaria relacionada, além do market share, com a “ca-pacidade de obter lucratividade e gerar valor a custos iguais ou inferiores àqueles de outros concorrentes em um mercado espe-cífico” (HARRISON e KENNEDY, 1997; KENNEDY et al., 1998).

Machado-da-Silva e Barbosa (2002), no artigo sobre análise arquetípica da competitividade, agrupam os fatores de competitividade observa-dos na análise ambiental geral segundo quatro grupos de estratégicas: Grupo de estratégias Fatores de competitividade

Mercadológicos

Preço baixo*, arquitetura flexível, logística estratégica de distribuição, partici-pação no mercado internacional, estratégia global, benchmarking, visão orien-tada para o mercado, planejamento estratégico, empreendedorismo, avaliação ambiental e contextual, focalização na core competence.

Relacionados com a clientela

Conhecer e satisfazer necessidades e expectativas de clientes, valorizar rela-cionamento com clientes, fidelização.

Relacionados com a gestão de recursos

Agilidade, inovação, desenvolvimento de sistemas de informação, estabe-lecimento de metas financeiras, informatização dos processos, reestruturação produtiva, qualidade, criação e gestão do conhecimento, investimento em P&D, desenvolvimento e valorização do pessoal, criatividade, custos baixos, integração da comunicação inter-funcional, adoção de técnicas gerenciais, ad-equação a padrões e certificações de qualidade.

Relacionados com estratégias de relacio-

namento

Conhecimento e valorização das relações com concorrentes, valorização da imagem institucional, cooperação empresarial, valorização do relacionamento com fornecedores.

* Vale ressalvar que a menção do “preço baixo”como um possível fator competitivo pode ser útil em alguns mercados e situações, mas não é necessariamente um fator determinante para a competitividade em mercados onde outros aspectos se sobrepõem a esse quando da escolha do produto ou do fornecedor pelo consumidor.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO28

Tais autores não se detêm em questões ligadas à eficiência e aos aspectos técnicos da empresa, mas relacionam fatores de imagem corporativa e de relacionamento com o mercado e os próprios co-laboradores das empresas, já evoluindo para uma contextualização em que o ser humano, seu conhecimento e suas relações passam a fazer parte do cenário competitivo.

Assim, de maneira geral, a competitividade pode ser mensurada com base em duas perspectivas: (i) aquelas baseadas em noções de desempenho; e (ii) aquelas baseadas na noção de eficiência (HAGUENAUER, 1989).

Geralmente, em sua fórmula mais simples, o conceito de competitivida-de, elaborado com base na noção de desempenho, vale-se, em grande parte, da performance de mercado (nacional ou internacional) alcançada por uma empresa, setor industrial ou país, no total do comércio domés-tico ou estrangeiro de um determinado produto (LASTRES e CASSIOLA-TO, 1995; HAGUENAUER, 1989). Por essa abordagem, a competitivi-dade de uma nação, ou setor econômico, é expressa na participação de mercado, (market share), desenvolvida por algum dos atores menciona-dos em um dado momento. Por isso, a definição de competitividade sob a premissa do desempenho é eminentemente um conceito ex post, ou seja, o fenômeno é avaliado por intermédio dos resultados produzidos em ações já realizadas no passado, traduzidos em indicadores de rela-tiva simplicidade na construção dos mesmos (HAGUENAUER, 1989).

Por sua vez, a noção de competitividade, fundamentada no conceito de eficiência, deriva de características estruturais dos países, indústrias ou organizações. Assim, em plano oposto ao conceito de desempe-nho, a abordagem da competitividade, sob a premissa da eficiência, é fundamentalmente ex ante. Em outras palavras, ela é baseada em certas capacidades de produção ou de técnicas detidas por empre-sas, setores industriais ou países. Nesse sentido, o desempenho no mercado é uma consequência da competitividade, e não sua expres-são (HAGUENAUER, 1989). Portanto, competitivas são as empre-sas que dominam as melhores técnicas em termos de produtividade e, por isso, tais domínios produtivos devem representar, em última instância, a competitividade de uma organização (KUPFER, 1992).

Assim pensa Figueiredo (2003), que relaciona a competitividade com o acúmulo, através do tempo, de capacidades tecnológicas, re-

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29COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

sultantes da aquisição de conhecimentos externos e internos pelos indivíduos, é que se constituem as empresas.

A capacidade de transformar esses conhecimentos em ativos organi-zacionais e a velocidade necessária para promover atividades tecnoló-gicas inovadoras, quer seja pela invenção ou pela imitação de produ-tos e/ou serviços, seria o diferencial competitivo entre as empresas.

A performance financeira da empresa estaria, portanto, diretamen-te interligada à competência em gerir os processos de acumulação de capacidade tecnológica e de aprimoramento de seus resultados técnicos e econômicos, os quais propiciariam o “salto tecnológi-co” e seu posicionamento no mercado em situação de vanguarda.

Estudo de competitividade dos 65 destinos indutores do desenvolvimento turístico regional e o índice de competitividade em viagens e turismo Este estudo tem como objetivo identificar aspectos que denotem complementaridade entre o Estudo de Competitividade dos 65 Des-tinos Indutores do Desenvolvimento Turístico Regional, elaborado pelo Núcleo de Turismo da Escola Brasileira de Administração Pú-blica e de Empresas, da Fundação Getulio Vargas/ RJ, em 2008, e o Índice de Competitividade em Viagens e Turismo, cuja segunda publicação ocorreu no mesmo ano.

A fim de facilitar a análise de ambos os estudos, alguns critérios foram adotados: objetivo do estudo, escolha do destino, conceito de competitividade adotado pelo estudo, aspectos metodológicos, como operacionalização do conceito (definição das dimensões e va-riáveis analisadas), pontuação, coleta de dados, análise dos dados, ponderação e divulgação dos resultados.

Com base nessa abordagem, é possível perceber as diferenças e os aspectos complementares existentes entre ambos os es-tudos que vêm sendo internacionalmente reconhecidos e ser-vindo como referencial para trabalhos relacionados com a com-petitividade de destinos turísticos em diversos locais no mundo.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO30

Turístico regional A crescente importância do setor turístico como fonte de gera-ção de renda e emprego é fenômeno verificado, principalmente nas últimas décadas, constituindo-se em motivo de acirramen-to da concorrência entre os destinos do mundo inteiro. Portanto a avaliação da intensidade com que certos fatores favorecem ou inibem tal atividade é de relevância estratégica para os principais destinos indutores do desenvolvimento turístico regional do País.

Com base nessa realidade, o Ministério do Turismo e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) enco-mendaram à Fundação Getulio Vargas o estudo citado antes que, ao estabelecer um sistema de indicadores, pudesse gerar um ín-dice de competitividade e atribuir um valor, em uma escala de 0 a 100, aos destinos analisados, de modo a estabelecer um refe-rencial e iniciar uma série histórica visando a servir de base de da-dos comparativa para o acompanhamento deles através do tempo.

Embora o Relatório Brasil não explicite o objetivo do estudo, parece estar claro de que seu objetivo está voltado para orientar ações nos três níveis de governo para o desenvolvimento do turismo regional.

Escolha dos objetos de estudo O Plano Nacional de Turismo 2007/2010 — Uma Viagem de Inclusão — define quatro metas para o desenvolvimento sólido do turismo no Brasil; entre elas, estruturar 65 destinos turísticos com padrão de qualidade internacional até 2010. O macroprograma do PNT — Regio-nalização do Turismo — Roteiros do Brasil, propõe a estruturação de roteiros turísticos intermunicipais nas regiões brasileiras, com base nos princípios da cooperação, integração e sustentabilidade ambien-tal, econômica, sociocultural e político-institucional. Como resultado do Programa de Regionalização foram apresentados, no Salão do Tu-rismo 2006 — Roteiros do Brasil, 396 roteiros turísticos, envolvendo 149 regiões turísticas e 1.207 municípios de todas as unidades da Federação. Desses, identificaram-se 65, pertencentes a 59 regiões turísticas, capazes de induzir o desenvolvimento regional. A identifi-cação desses destinos indutores foi realizada com base em critérios

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31COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

que consideraram a participação de todas as unidades da Federação com no mínimo um e no máximo cinco destinos e todas as capitais.

Para a escolha pontual dos 65 destinos, para priorização de inves-timentos técnicos e financeiros do MTur e articulações e parcerias com outros ministérios e instituições para obtenção do padrão de qualidade internacional, o referido estudo considerou as avaliações e valorações de outros estudos e pesquisas que orientam a ação mi-nisterial, tais como Plano de Marketing Turístico Internacional — Pla-no Aquarela, Plano de Marketing Nacional — Plano Cores do Brasil, além de outros estudos e demais investigações sobre investimen-tos do governo federal e as potencialidades e necessidades desses destinos e outras referências relativas às demandas de qualifica-ção e infraestrutura elencadas pelos representantes dos 87 roteiros turísticos durante o 1º. Encontro Nacional do Programa de Regio-nalização do Turismo, ocorrido em Brasília em outubro de 2006.

Conceito de competitividade adotado pelo estudo “Capacidade crescente de gerar negócios nas atividades econômi-cas relacionadas com o setor de turismo, de forma sustentável, pro-porcionando ao turista uma experiência positiva.”

Operacionalização do conceito O conceito foi desmembrado em cinco macrodimensões, divididas em 13 dimensões, subdivididas em sessenta variáveis ou indicado-res, descritos a seguir.

Infraestrutura geral

Infraestrutura geral

» Capacidade de atendimento médico para o turista.

» Disponibilidade de energia, de meios de comunicação e de facili-dades financeiras para o turista.

» Serviço de proteção ao turista.

» Estrutura urbana nas áreas turísticas.

Page 33: Observatório de Inovação do Turismo

OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO32

Acesso

» Acesso aéreo.

» Acesso rodoviário.

» Outros tipos de acesso (aquaviário e ferroviário).

» Sistema de transporte no destino.

Turismo

Serviços e equipamentos turísticos

» Sinalização turística.

» CAT.

» Espaço para eventos.

» Capacidade dos meios de hospedagem.

» Capacidade do turismo receptivo.

» Capacidade instalada para qualificação profissional.

» Capacidade dos restaurantes. Atrativos turísticos

» Atrativos naturais.

» Atrativos culturais.

» Eventos programados.

» Realizações técnicas, científicas e artísticas.

Marketing

» Planejamento de marketing.

» Participação em feiras e eventos.

» Material promocional.

» Sítio do destino na internet (website).

Page 34: Observatório de Inovação do Turismo

33COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

Política pública

Política pública

» Estrutura municipal para apoio ao turismo.

» Grau de cooperação com o governo estadual.

» Grau de cooperação com o governo federal.

» Planejamento para a cidade e para a atividade turística.

» Grau de cooperação público-privada.

Cooperação regional

» Governança.

» Projetos de cooperação regional.

» Planejamento turístico regional.

» Roteirização.

» Promoção e apoio à comercialização de forma integrada.

Monitoramento

» Pesquisa de demanda.

» Pesquisa de oferta.

» Sistema de estatísticas do turismo.

» Medição dos impactos da atividade turística.

» Setor específico de estudos e pesquisas.

Economia

Economia local

» Participação relativa do setor privado na economia local.

» Infraestrutura de comunicação.

» Infraestrutura e facilidades para negócios.

» Empreendimentos ou eventos alavancadores.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO34

Capacidade empresarial

» Capacidade de qualificação e aproveitamento da mão de obra local.

» Presença de grupos nacionais e internacionais do setor de turismo.

» Concorrência e barreiras de entrada.

» Número de empresas de grande porte, filiais e/ou subsidiárias.

Sustentabilidade

Aspectos sociais

» Oferta de instrução, qualificação e especialização.

» Empregos gerados pelo turismo.

» Política de prevenção e enfrentamento à exploração sexual.

» Uso de atrativos e equipamentos turísticos pela população local.

» Cidadania, sensibilização e participação na atividade turística.

Aspectos ambientais

» Código Ambiental Municipal.

» Atividades em curso potencialmente poluidoras.

» Rede pública de distribuição de água.

» Rede pública de coleta e tratamento de esgoto.

» Destinação pública de resíduos.

» Unidades de Conservação no território municipal.

Aspectos culturais

» Produção cultural associada ao turismo.

» Patrimônio histórico-cultural.

» Estrutura municipal para apoio à cultura.

O estudo em análise privilegiou aspectos objetivos na avaliação das variáveis, utilizando apenas de forma residual indicadores qualita-

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35COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

tivos eximindo o pesquisador de julgamentos próprios de valor, e, para a construção do índice de competitividade dos destinos tu-rísticos no Brasil, foram consideradas variáveis que permitissem a verificação das capacidades, direta e indiretamente relacionadas com o turismo, considerando que essas são as que mais qualificam um destino como competitivo no turismo em menor ou maior grau.

Pontuação

Para a avaliação de competitividade de cada um dos 65 destinos foi atribuída uma pontuação, ou peso, para cada pergunta, variável e dimensão, levando em consideração as respectivas contribuições para o índice global de competitividade.

O conjunto de pesos foi discutido e validado em fórum, com a parti-cipação de técnicos do MTur, das Secretarias Estaduais de Turismo, Sebrae, de representantes de órgãos de classe e profissionais do setor, e dos acadêmicos envolvidos na construção do índice. Os pesos das variáveis e perguntas foram atribuídos pelo grupo de técnicos da FGV.

Após a pontuação, as perguntas levaram ao escore por variável, definindo o escore de cada dimensão conforme fórmula a seguir.

Onde,

Zm = escore total da subpergunta m . m = 1, 2, …, M

Xk = escore total da pergunta k . k = 1, 2, … K

Yj = variável j . j = 1,2, …, J

I = 1 se pergunta K possui subperguntas; 0 , caso contrário

ω’ = peso atribuído à variável j

ω” = peso atribuído à pergunta k

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO36

Esse procedimento permitiu identificar o posicionamento relativo de cada destino em cada uma das 13 dimensões.

Por destino:

Onde:

ω= peso atribuído à dimensão i

Coleta de dados O levantamento de dados primários ocorreu entre os meses de dezembro de 2007 e fevereiro de 2008 utilizando-se pesquisa de campo e entrevistas semiestruturadas e presenciais realizadas durante cinco dias em cada localidade, com uma média de trin-ta entrevistados entre lideranças locais relacionadas com o Poder Público, iniciativa privada e sociedade civil organizada; todos indi-cados pelas prefeituras e pela administração distrital, no caso de Fernando de Noronha, e/ou pela Secretaria Estadual de Turismo.

Compunha-se o questionário aplicado de 540 perguntas fechadas, com ênfase em aspectos objetivos e quantitativos; e a escolha dos respondentes era determinada pela área de formação e atuação deles.

Antes do início do trabalho de campo, os pesquisadores recebe-ram um treinamento presencial de vinte horas sobre os conceitos empregados pelo estudo em cada dimensão, as possíveis dificul-dades do campo e as estratégias de checagem das respostas.

Em novembro de 2007, realizou-se um teste “piloto” da pesqui-sa de campo em seis cidades a fim de se avaliar o instrumento de coleta de dados e verificar questões como adequação da me-todologia, acesso às informações, tempo de coleta de dados e ou-tros aspectos de organização da pesquisa com o objetivo final de melhor preparar os avaliadores para a aplicação do questionário.

Page 38: Observatório de Inovação do Turismo

37COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

Análise dos dados A análise dos dados deu-se pela constituição de um sistema em que os dados foram digitados e imediatamente tabulados e pontuados em seus respectivos municípios, dimensões de análise e variáveis e alimentado com o peso relativo de cada variável e dimensão, de forma parametriza-da, permitindo que os resultados gerados já considerassem esse fator e facilitando análises posteriores, ampliando avaliações e efeitos relativos de porte, segmentação ou localização geográfica dos destinos.

Análises quantitativas dos dados e testes de consistência foram feitos por meio de programa estatístico específico (SPSS), utilizado também para outros tratamentos estatísticos e produzidas estatísti-cas descritivas, tabelas de frequência e cruzamentos entre variáveis.

Para cada uma das 13 dimensões, os destinos foram classificados segundo uma escala direta de cinco níveis (1 – 20, 21 – 40, 41 – 60, 61 – 80, 81 – 100), que não considerou a distribuição da amostra.

Tratamento para dados faltantes: nas situações caracterizadas como “não se aplica”, as informações foram substituídas pela me-nor pontuação obtida nos demais destinos. Nas outras situações, a informação incluída foi a média do grupamento de municípios semelhantes, conforme o tamanho da população, da capital do estado, ou não, e região geográfica à qual pertence. Evitando-se, assim, que todas as informações associadas à pergunta fossem eli-minadas. Essas informações foram processadas no programa es-tatístico e substituídas no sistema de análise de competitividade.

Divulgação dos resultados

Os resultados do estudo foram divulgados na publicação intitulada Relatório Brasil apresentando explicações sobre o conceito utilizado, aspectos metodológicos e o detalhamento das macrodimensões, di-mensões e variáveis abordadas, além de gráficos com os valores ob-tidos nas dimensões nas categorias: Brasil, capitais e não capitais.

Também ocorreram seminários, promovidos em cada um dos destinos, contando com a participação do Poder Público, da iniciativa privada e da sociedade civil organizada.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO38

Para os seminários, elaboraram-se encartes complementares ao Re-latório Brasil, contendo gráficos nos quais são apresentadas as mé-dias obtidas por cada destino nas 13 dimensões, comparativamente às médias atribuídas ao Brasil, à região administrativa onde o des-tino se situa e aos grupos formados pelas capitais e não capitais inseridas no estudo.

The travel and tourism competitiveness report

Objetivo do estudo Eis os objetivos do Travel and Tourism Competitiveness Report:

» Promover uma análise comparativa entre os países contemplados no estudo, com base nos indicadores de competitividade turística.

» Prover a indústria do turismo de informações comparativas úteis e de uma ferramenta de benchmarking capaz de orientar decisões relacio-nadas com o desenvolvimento da indústria e do negócio turístico.

» Permitir que a indústria do turismo tenha condições de levar ao conhecimento dos gestores públicos os obstáculos que retardam o crescimento da atividade e que deveriam demandar especial atenção das políticas públicas.

» Incentivar o diálogo entre os setores público e privado a fim de criar o ambiente ideal para o desenvolvimento da indústria em nível nacional.

O propósito deste estudo é também criar, pela publicação anual da pesquisa, uma séria histórica de dados que sirva como base para a orientação das estratégias a serem adotadas tanto pelo Poder Pú-blico como pela iniciativa privada para o desenvolvimento viável e sustentável do turismo.

Page 40: Observatório de Inovação do Turismo

39COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

Escolha dos objetos de estudo (economias analisadas)

Como objetos de estudo, escolheram-se 130 economias distribuídas por todas as regiões geográficas do mundo e correspondendo, em sua totalidade, a 90% da população mundial e 98% do PIB Mundial.

Operacionalização do conceito

A fim de captar os aspectos considerados necessários para medir a competitividade de um país como destino turístico, definiram-se três subíndices que reúnem, em sua totalidade, 14 pilares com-postos por um número de setenta subpilares, conforme abaixo:

O primeiro subíndice está relacionado com as atribuições (purview) do governo, o segundo captura os elementos do ambiente de negócios e a infraestrutura relacionada com o setor em cada economía, e o ter-ceiro analisa os elementos naturais, culturais e humanos de cada país.

Subíndice A: Modelo de regulação (T&T regulatory framework)

Pilar 1: Normas e dispositivos regulatórios (Policy rules and regulations)

» Prevalecimento de empresas de propriedade estrangeira no país

» Direitos de propiedades

» Impactos nos negócios decorrentes das leis sobre investimentos estrangeiros diretos

» Requerimentos de vistas (dados secundários)

» Acordos bilaterais sobre a utilização do espaço aéreo (dados se-cundários)

» Transparência na elaboração de políticas públicas

» Tempo necessário para abrir um negócio (dados secundários)

» Custo para começar um negócio (dados secundários)

Page 41: Observatório de Inovação do Turismo

OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO40

Pilar 2: Desenvolvimento sustentável (Environmental sustainability)

» Restrições da regulamentação ambiental

» Implementação e consistência da legislação/regulação ambiental

» Priorização governamental para o desenvolvimento sustentável da indústria de viagens e turismo

» Emissão de dióxido de carbono (dados secundários)

» Concentração de partículas em suspensão em áreas urbanas (da-dos secundários)

» Percentual de espécies ameaçadas (dados secundários)

» Ratificação de ameaças ambientais (dados secundários)

Pilar 3: Segurança e seguridade (Safety and Security)

» Custos para os negócios decorrentes da ameaça de terrorismo

» Confiabilidade nos serviços policiais

» Custos para os negócios decorrentes do crime e violência

» Acidentes de trânsito (dados secundários)

Pilar 4: Saúde e higiene (Health and Hygiene)

» Quantidade de médicos/habitantes (dados secundários)

» Acesso a saneamento básico (dados secundários)

» Acesso à água potável (dados secundários)

» Número de leitos hospitalares (dados secundários)

Pilar 5: Priorização do ramo de viagens e turismo na realidade na-cional (Prioritization of Travel & Tourism)

» Priorização governamental para a indústria de viagens e turismo

» Investimentos governamentais na atividade de viagens e turismo (dados secundários)

» Efetividade do marketing e da marca para atrair turistas estrangeiros

» Participação em feiras de viagens e turismo (dados secundários)

Page 42: Observatório de Inovação do Turismo

41COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

Subíndice B: Ambiente e infraestrutura para os negócios relacionados com viagens e turismo (T&T business environment and infrastructure)

Pilar 6: Infraestrutura de transportes aéreos (Air transport infrastructure)

» Qualidade da infraestrutura do transporte aéreo

» Disponibilidade efetiva semanal de assentos por Km (dados se-cundários)

» Quantidade de partidas x mil habitantes (dados secundários)

» Quantidade de aeroportos/habitantes (dados secundários)

» Número de companhias aéreas operantes (dados secundários)

» Rede de transporte aéreo internacional

Pilar 7: Infraestrutura de transportes terrestres (Ground transport infrastructure)

» Qualidade do sistema viário

» Qualidade da infraestrutura rodoviária

» Qualidade da infraestrutura aeroportuária

» Qualidade da rede de transporte doméstico

» Densidade rodoviária: quantidade de quilômetros de estrada por 100 Km² (dados secundários)

Pilar 8: Infraestrutura turística

» Número de unidades habitacionais (dados secundários)

» Presença das principais locadoras de automóveis (dados secundários)

» ATM’s que aceitam cartões de crédito VISA (dados secundários)

Pilar 9: Infraestrutura de tecnologia (ICT infrastructure)

» Extensão do uso (ou grau de utilização) da Internet para os negó-cios (extent of business internet use)

Page 43: Observatório de Inovação do Turismo

OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO42

» Número de usuários de Internet (dados secundários)

» Número de linhas telefônicas (dados secundários)

» Número de assinantes de Internet banda larga para cada cem habitantes (dados secundários)

Pilar 10: Competitividade de preços na indústria turística (Price competitiveness in the T&T industry)

» Impostos sobre passagens aéreas e taxas aeroportuárias (dados secundários)

» Poder paritário de compra (dados secundários)

» Extensão e efeitos da carga tributária

» Níveis de preços de combustíveis (dados secundários)

» Índice de preços de hotéis (dados secundários)

Subíndice C: Recursos naturais, culturais e huma-nos para o ramo de viagens e turismo (T&T human, cultural, and natural resources)

Pilar 11: Recursos humanos (Human resources)

» Inscrições na educação primária (dados secundários)

» Inscrições na educação secundária (dados secundários)

» Qualidade do sistema educacional

» Disponibilidade de pesquisas especializadas e serviços de capacitação

» Investimentos das empresas em atração,treinamento e retenção de pessoal

» Práticas de contratação e demissão de pessoal

» Facilidades para contratação de mão de obra estrangeira

» Prevalência do vírus HIV (dados secundários)

» Impacto do HIV e da AIDS para os negócios

» Expectativa de vida ao nascer (dados secundários)

Page 44: Observatório de Inovação do Turismo

43COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

Pilar 12: Abertura para o ramo de viagens e turismo (Affinity for Travel & Tourism)

» Abertura para o turismo (dados secundários)

» Atitude da população em relação aos turistas estrangeiros

» Recomendação de prorrogação de viagens a negócios para fins de lazer

Pilar 13: Recursos naturais (Natural resources)

» Número de sítios naturais tombados como patrimônio da humani-dade (dados secundários)

» Áreas de proteção ambiental (dados secundários)

» Qualidade do ambiente natural

» Total de espécies naturais conhecidas (dados secundários)

Pilar 14: Recursos culturais (Cultural resources)

» Número de sítios culturais considerados como patrimônio da hu-manidade (dados secundários)

» Número de estádios esportivos (dados secundários)

» Número de feiras e exposições internacionais — realizadas anual-mente (dados secundários)

Pontuação

Os dados primários da pesquisa compreenderam as respostas do Questionário de Opinião do Fórum Econômico Mundial, com escalas cujos valores variaram entre 1 e 7.

Os dados secundários foram coletados de várias fontes, a saber: fontes governamentais/públicas (publicy available sources) disponí-veis, organizações internacionais e “experts”, como IATA (Associa-ção Internacional de Transporte Aéreo), IUCN (União Internacional

Page 45: Observatório de Inovação do Turismo

OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO44

para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais), Unesco, OMT (Organização Mundial do Turismo e WTTC) — Conselho Mun-dial para as Viagens e o Turismo; e então convertidos para valores entre 1 e 7 a fim de que fosse adotada a mesma escala de valores para todos os itens analisados.

A fórmula básica de conversão dos valores apurados nos 41 subpila-res (sobre um universo de 70) compostos por dados secundários para que os mesmos fossem também enquadrados na escala de 1 a 7 é:

6 x (valor do país – amostra mínima + 1 amostra máxima – amos-tra mínima).

A amostra mínima e a amostra máxima são o menor e o maior va-lores apresentados na amostra total, respectivamente. Para algumas variáveis, um valor maior indicava um pior resultado. Por exemplo, um alto índice de emissão de dióxido de carbono é um indicador ruim. Nesse caso, as séries foram revertidas pela subtração da re-cém-criada variável a partir de 8.

Algumas vezes, ajustes foram efetuados para levar em conta valores extremos contidos nos dados.

O critério de pontuação foi, portanto, estabelecido da seguinte for-ma: cada pilar foi calculado como uma média sem que fosse rea-lizada uma ponderação entre os itens que compõem cada variável. Por exemplo, no caso de um pilar composto por três subpilares: o valor atribuído ao pilar é a média não ponderada dos três subpilares.

Os subíndices foram então calculados sem que houvesse pondera-ção entre os pilares que os compõem.

Não houve ponderações diferenciadas para uma subpilar, pilar ou subíndice: todos os aspectos analisados — em suas categorias — contribuíram com o mesmo peso para o cálculo do valor final.

Os valores atribuídos a cada país no índice geral, por sua vez, cor-respondem ao resultado da média não ponderada dos três subíndi-ces: modelo de regulação, ambiente de negócios e infraestrutura, e recursos humanos, culturais e naturais.

Page 46: Observatório de Inovação do Turismo

45COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

Coleta de dados

Ao longo dos últimos três anos, o World Economic Forum aliou-se a indústrias e empresas líderes de mercado, por meio de seu programa de parceria com a indústria aérea e de viagens e turismo, para reali-zar análise profunda da competitividade desse setor nas economias ao redor do mundo.

Os dados analisados incluem tanto dados secundários como dados primários coletados no Executive Opinion Survey do Fórum Econô-mico Mundial Anual.

Os dados secundários proveram medidas quantitativas e foram ob-tidos por meio de:

» Instituições parceiras do projeto: Deloitte Consultoria, Booz Allen, Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), União Inter-nacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), Unesco e Conselho Mundial para as Viagens e o Turismo (WTTC).

» Empresas colaboradoras: Abercrombie & Kent, Bombardier, Bri-tish Airways, Carlson, Emirates Airline, Hertz, Silversea Cruises Group, Swiss International Airlines e Travelport.

» Organizações internacionais, como Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial.

» Fontes governamentais e públicas nacionais.

Por sua vez, os dados primários forneceram informações qualitati-vas referentes a assuntos institucionais e do ambiente de negócios, assim como assuntos específicos relacionados com a indústria do turismo e a qualidade do ambiente natural.

Tais dados foram coletados por meio de questionários de opinião (Escala Likert com valores de 1 a 7), aplicados a presidentes de em-presas e líderes de primeiro escalão advindos de todas as economias

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO46

analisadas no estudo, ou seja, pessoas efetivamente responsáveis pelas tomadas de decisões sobre os investimentos realizados em seus respectivos países.

Análise de dados A análise de dados ocorreu da seguinte forma: atribuíram-se notas de 1 a 7 para cada subpilar que compunha os 14 pilares; a média não ponderada dos subpilares originou a média de cada um dos 14 pila-res. Por sua vez, a média não ponderada dos pilares originou a média não ponderada de cada um dos três subíndices: modelo de regulação, ambiente de negócios e infraestrutura, e recursos humanos, cultu-rais e naturais. Com base na média desses três subíndices, calculou-se a pontuação atribuída a cada destino e compôs-se o índice geral.

Os resultados do índice geral de cada subíndice, pilar e subpilar po-dem ser encontrados em forma de rankings.

Por meio da análise dos dados foi possível identificar fatores comuns entre países cuja posição no ranking é próxima, bem como identi-ficar a necessidade do desenvolvimento em alguns aspectos para o aumento do nível de competitividade de determinados destinos.

Divulgação dos resultados

Divulgaram-se os resultados do estudo (relatório e índices) por meio da publicação The Travel & Tourism Competitiveness Re-port 2008, cujo capítulo 1.1 foi intitulado The Travel & Tourism Competitiveness Index 2008: Measuring Key Elements Driving the Sector’s Development.

Disponibilizou-se a publicação também por meio eletrônico no site www.weforum.org e enviou-se, por mala direta eletrônica, para a mídia especializada.

Page 48: Observatório de Inovação do Turismo

47COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

Análise comparativa dos estudos O quadro a seguir visa a apresentar a consolidação da análise com-parativa entre ambos os estudos.

AspectoEstudo de Competitividade dos 65 Destinos Indutores de Turismo Regional

Índice de Competitividade em Viagens e Turismo

Objetivo do estudo

» Orientar ações nos três níveis de governo para o desenvolvimento do turismo regional.

» Promover uma análise comparativa entre os países contemplados no estudo, com base nos indicadores de competitividade turística;

» Prover a indústria do turismo de infor-mações comparativas úteis e de uma ferramenta de benchmarking capaz de orientar decisões relacionadas com o desenvolvimento da indústria e do negó-cio turístico;

» Permitir que a indústria do turismo ten-ha condições de levar ao conhecimento dos gestores públicos os obstáculos que retardam o crescimento da atividade e que deveriam demandar especial aten-ção das políticas públicas;

» Incentivar o diálogo entre os setores público e privado a fim de estabelecer o ambiente ideal para o desenvolvimento da indústria em nível nacional.

» Criar, por meio da publicação anual da pesquisa, uma série histórica de dados que sirva como base para a orientação das estratégias a serem adotadas tanto pelo Poder Público como pela iniciativa privada para o desenvolvimento viável e sustentável do turismo.

Escolha dos objetos de estudo

» Todas as unidades da Federação e suas capitais

» Cada UF com um e no máximo cinco desti-nos indutores.

» Cento e trinta economias distribuídas por todas as regiões geográficas do mundo e correspondendo, em sua totalidade, a 90% da população mundial e 98% do PIB Mundial.

Conceito de com-

petitividade adotado

pelo estudo

» Capacidade crescente de gerar negócios nas atividades econômicas relacionadas com o setor de turismo, de forma sustentável, propor-cionando ao turista uma experiência positiva.

» O estudo não conceitua o termo competi-tividade, a pesar de o propósito da pes-quisa ser a criação de um índice de com-petitividade capaz de aplicar-se a destinos turísticos representados por países.

Operacio-nalização

do conceito

» Cinco macrodimensões, divididas em 13 di-mensões, subdivididas em sessenta variáveis ou indicadores.

» Aspectos objetivos na avaliação das variáveis, utilizando apenas de forma residual indicado-res qualitativos.

» Variáveis que permitem a verificação das capacidades, direta e indiretamente relacio-nadas com o turismo, considerando que elas são as que mais qualificam um destino como competitivo no turismo em menor ou maior grau.

» Quatorze pilares, compostos por um número de variáveis não definido, reunidos em três subíndices: modelo de regulação, ambiente de negócios e infraestrutura, e recursos humanos, naturais e culturais.

Page 49: Observatório de Inovação do Turismo

OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO48

Pontuação » Atribuída uma pontuação, ou peso, para cada pergunta, variável e dimensão, levando em consideração as respectivas contribuições para o índice global de competitividade.

» Os dados primários foram coletados em questionários de opinião com escalas cujos valores variavam entre 1 e 7, e os dados secundários foram convertidos por uma fórmula para que ficassem posi-cionados também nesse intervalo.

» Cada subpilar, pilar e subíndice recebeu um valor de 1 a 7.

» Não existiram ponderações diferenciadas para um subpilar, pilar ou subíndice; to-dos os aspectos analisados — em suas categorias — contribuíram com o mesmo peso para o cálculo do valor final.

» A nota final atribuída a cada país cor-respondeu ao resultado da média não ponderada das três dimensões: modelo de regulação, ambiente de negócios e infraestrutura, e recursos humanos, cul-turais e naturais

Coleta de dados

» Vinte e três pesquisadores capacitados pres-encialmente durante vinte horas sobre os conceitos empregados pelo estudo em cada dimensão, principais dificuldades do campo e estratégias de checagem de dados.

» Questionário com perguntas objetivas, evi-tando juízo de valor do pesquisador

» In loco + fontes oficiais.

» Duração: cinco dias consecutivos/destinos.

» Período: dezembro/2007 a fevereiro/2008.

» Pesquisa de campo “piloto” em seis destinos para verificação da adequação da metodolo-gia, acesso às informações, tempo de coleta e outros aspectos de organização da pesquisa.

» Dados secundários obtidos de fon-tes públicas e governamentais nacio-nais disponíveis, empresas colaborado- res,organizações internacionais e insti-tuições parceiras como IATA — Associa-ção Internacional de Transporte Aéreo, IUCN — União Internacional para a Con-servação da Natureza e dos Recursos Naturais, Unesco, OMT — Organização Mundial de Turismo e WTTC — Conselho Mundial de Turismo.

» Dados primários coletados por meio de questionários de opinião (Escala Likert com valores de 1 a 7), aplicados du-rante o Fórum Econômico Mundial Anual a presidentes de empresas e líderes de primeiro escalão advindos de todas as economias analisadas no estudo.

Análise dos dados

» Para cada uma das 13 dimensões, destinos classificados segundo escala direta de cinco níveis (1 – 20, 21 – 40, 41 – 60, 61 – 80, 81 – 100 ), não considerando a distribuição da amostra.

» Valores de 1 a 7 para todos os aspec-tos avaliados.

» Cada subpilar > média não ponderada dos subpilares > média não ponderada dos 14 pilares > média não ponderada dos três subíndices > índice geral.

» Resultados: índice geral, subíndices, pilares e subpilares: apresentados em forma de ranking.

Divulgação dos Resul-

tados

» Por meio da publicação intitulada Relatório Brasil apresentando explicações sobre o con-ceito utilizado, aspectos metodológicos e o detalhamento das macrodimensões, dimen-sões e variáveis abordadas, além de gráficos com os valores obtidos nas dimensões nas categorias: Brasil, capitais e não capitais.

» Através de seminários promovidos em cada um dos destinos para os quais foram elabo-rados encartes complementares ao Relatório Brasil,contendo gráficos onde são apresen-tadas as média obtidas por cada destino nas 13 dimensões, comparativamente às médias atribuídas ao Brasil, à região administrativa onde o destino se situa e aos grupos forma-dos pelas capitais e não- capitais inseridas no estudo.

» Publicação The Travel & Tourism Com-petitiveness Report 2008, cujo capítulo 1.1 foi intitulado “The Travel & Tourism Competitiveness Index 2008: Measuring Key Elements Driving the Sector’s Devel-opment”.

» Publicação disponibilizada em meio eletrônico (www.weforum.org).

» Mala direta eletrônica enviada para a mídia especializada.

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49COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

Comparações entre os estudos Objetivos Por meio dos dois estudos, objetiva-se orientar ações para o desen-volvimento do turismo, apontando fraquezas e forças que impactam seu desenvolvimento. Porém, o estudo FGV/MTur/Sebrae direciona-se ao setor público, em especial aos governos locais (municipais) e à maneira com que esses municípios se relacionam com outras esfe-ras de governo (estadual, federal) e o setor privado, tendo o turismo como a atividade foco.

Em contrapartida, a apropriação dos resultados do TCCI se dará por meio do setor privado e da indústria do turismo, que os disseminarão aos gestores públicos.

Operacionalização do conceito de competitividade Existem semelhanças entre os dois estudos, em sua forma de ope-racionalização. Ambos decidiram dividir o sistema turístico em gru-pos que se subdividiram em subgrupos. Isso se explica porque o estudo do Fórum Econômico Mundial serviu como uma das bases para a construção metodológica do Estudo de Competitividade dos 65 Destinos Indutores do Desenvolvimento Turístico Regional.

A fim de facilitar a equalização da nomenclatura utilizada nos dois estudos, é possível estabelecer a seguinte correlação:

Estudo de Competitividade dos 65 Destinos Indutores do Turismo Regional

The Travel and Tourism Competitiveness Index

Macrodimensões (5) » Subíndices (3)

Dimensões (13) » Pilares (14)

Variáveis (60) » Subpilares

O TCCI tem 14 pilares (equivalentes a dimensões) e setenta subpi-lares (equivalentes a variáveis). A FGV/MTur/Sebrae optou por uma estrutura com cinco macrodimensões divididas em 13 dimensões que se subdividiram em sessenta variáveis.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO50

O TCCI agrupou os 14 pilares em três grupos chamados de subíndices:

» Subíndice A: Modelo de regulação

» Subíndice B: Ambiente de negócios e infraestrutura

» Subíndice C: Recursos humanos, culturais e naturais

A FGV/MTur/Sebrae dividiu as 13 dimensões em cinco macrodi-mensões:

» Infraestrutura geral

» Turismo

» Políticas públicas

» Economia

» Sustentabilidade.

Pontuação Os pilares e as variáveis do TCCI foram pontuados de forma equiva-lente não havendo a ponderação de seus indicadores.

O estudo da FGV/Sebrae/MTur considerou que há diferentes pesos para suas dimensões e variáveis.

Esses pesos foram atribuídos por um grupo de especialistas que discutiram e validaram tais pontuações em um fórum.

Coleta de dados Os dados do Estudo de Competitividade dos 65 Destinos Induto-res do Desenvolvimento Turístico Regional foram coletados, em sua maioria (80%), in loco por pesquisadores da FGV que utilizaram ques-tionários padronizados em que se privilegiavam perguntas objetivas (em sua maioria do tipo SIM/NÃO). Dados secundários de fontes oficiais complementaram a pesquisa. Os sujeitos da pesquisa eram os gestores públicos municipais, gestores estaduais de turismo, em-presários locais, diretores de associação empresariais, gestores de turismo do Sebrae, entre outros. Os entrevistados foram previamen-

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51COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

te sensibilizados por intermédio do MTur, no sentido de prestarem as informações solicitadas, porém os pesquisadores estavam auto-rizados a requisitar documentos comprobatórios para determinadas respostas e as informações obtidas eram trianguladas com outros respondentes ou por observação sistemática. Buscou-se, dessa ma-neira, captar a realidade local de cada um dos 65 destinos indutores.

O TCCI coletou as informações por meio de questionários semiestru-turados durante o Fórum Econômico Mundial e utilizando uma escala numérica cujas questões consistiam em solicitar ao respondente no-tas de um a sete em relação à importância da natureza das perguntas. Foram entrevistados CEOs de empresas aéreas (3), rede de hotéis (1), companhia de cruzeiro (1), fabricante de aeronaves (1) e locadora de carros (1). Nesse estudo, os dados primários formaram uma base qualitativa do ambiente institucional e de negócios. Muito se obteve de dados secundários disponíveis na Deloitte Consultoria, IATA — As-sociação Internacional de Transporte Aéreo, Unesco, IUCN — União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Natu-rais, OMT — Organização Mundial do Turismo e WTTC — Conselho Mundial de Turismo e Viagens. Com os resultados, organizou-se um ranking de competitividade para as 130 maiores economias do planeta.

Análise crítica Muito embora ambos os estudos examinados neste trabalho ana-lisem o mesmo fenômeno (competitividade) em um mesmo setor econômico (turismo), suas respectivas metodologias, bem como vá-rios aspectos correlatos subjacentes, são diferentes.

Nesse sentido, uma importante distinção entre os trabalhos da FGV/MTur/Sebrae e do Fórum Econômico Mundial diz respeito às vertentes da competitividade empregadas em cada um deles. Como visto na Seção 2 deste trabalho, uma vertente de compe-titividade sofre influência do fator unidade de análise. No estudo da FGV/MTur/Sebrae, a unidade de análise são os destinos turís-ticos no nível dos municípios, ao passo que na pesquisa do Fó-rum Econômico Mundial são os destinos no âmbito dos países.

Assim, de maneira geral, na pesquisa da FGV/MTur/Sebrae, o ângulo de análise é direcionado pela vertente estrutural. Logo, a competi-

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO52

tividade dos municípios avaliados está ligada à disponibilidade de seus recursos estruturais internos (físicos e não físicos), distribuí-dos pelas 13 dimensões da metodologia do trabalho. Isso fica cla-ro quando são examinadas algumas variáveis deste trabalho, tais como serviços e equipamentos turísticos existentes nos destinos, bem como infraestruturas gerais e de acesso, além de questões relacionadas com o marketing e a prática de monitoramente realiza-das internamente no âmbito do destino. Todos esses aspectos são avaliados estruturalmente no plano municipal.

Com base no mesmo princípio (influência do fator unidade de análi-se), a pesquisa do Fórum Econômico Mundial apresenta uma abor-dagem voltada para a vertente sistêmica. Isso ocorre em função de a unidade de análise utilizada ser de países, ou seja, o ângulo de análise é visto de cima, levando em consideração as interações existentes nos países examinados. Nesse sentido, tal estudo procura identificar os melhores resultados em termos de diferentes sistemas nacionais, traduzidos nos pilares de avaliação. Assim, a competitivi-dade (no turismo) dos países analisados está relacionada com bons resultados encontrados nos pilares desenvolvidos pela metodologia, e esses pilares são examinados de uma óptica nacional sistêmica.

Um último aspecto, no que diz respeito às vertentes de competiti-vidade, merece consideração. Em nenhum dos trabalhos examina-dos neste artigo há um exame aprofundado da vertente empresarial. Alguns aspectos dessa vertente podem ser tangencialmente abor-dados nos estudos. Porém, ela não chega a constituir-se em uma abordagem predominante em nenhum dos casos.

Outro importante elemento distintivo entre os dois trabalhos examina-dos refere-se à forma conceitual de mensuração do fenômeno compe-titividade. Basicamente, como visto anteriormente, a competitivida-de pode ser avaliada com base em uma premissa ex ante ou ex post.

Nesse sentido, o estudo da FGV/MTur/Sebrae (de maneira geral) pro-cura mensurar a competitividade dos destinos turísticos examinados com base em seus recursos físicos (infraestrutura, por exemplo) e não físicos (tais como capacidades em marketing). Assim, a avalia-ção neste estudo não leva em consideração resultados apurados em fatos já ocorridos (indicadores de resultado), mas sim naquilo que o destino revela em termos de estrutura, antes do levantamento de indicadores de performance (ex ante). Em outras palavras: com base

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53COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

na eficiência (HAGUENAUER, 1989).

Por sua vez, a pesquisa do Fórum Econômico Mundial, de forma ge-ral, mensura a competitividade com base em uma avaliação ex post, isto é, levando em consideração indicadores de resultados (ou de-sempenho) apurados sobre fatos ocorridos no passado. Esse tipo de avaliação pode ser observada em diversas variáveis do estudo, tais como custo para abertura de negócios (Pilar Normas e dispositivos regulatórios), níveis de emissão de dióxido de carbono (Pila Desen-volvimento Sustentável) e poder paritário de compra (Pilar Competi-tividade de preços na indústria turística).

Esse tipo de avaliação de competitividade (ex post) empregado pelo Fórum Econômico Mundial tem a vantagem de fornecer indicadores relativamente simples de construção para se mensurar o fenôme-no. Todavia, há de se considerar a possibilidade de não estabele-cimento de relações diretas de causalidade (não tautológica) entre competitividade e outros indicadores conhecidos a posteriori, pois a tautologia é latente quando se questiona o fenômeno por ambos os lados, isto é, “se é competitiva a firma que domina ou cresce no mercado, é igualmente correto que irá dominar ou crescer no mer-cado justamente a firma que é competitiva” (KUPFER, 1992, p. 3).

Metodologicamente, os estudos da FGV/MTur/Sebrae e do Fórum Econômico Mundial também divergem em alguns pontos funda-mentais. Nesse sentido, para criação do índice de competitividade, o primeiro baseia-se, predominantemente, em aspectos objetivos, ou seja, na existência ou não de determinados recursos estrutu-rais ou práticas realizados pelos destinos estudados. Esse proce-dimento visava, principalmente, a eliminar o viés dos pesquisado-res e entrevistados nos trabalhos de campo. Em contrapartida, no segundo, há a predominância (no caso dos dados primários) de emprego de Escalas Likert. Assim, é a opinião dos entrevistados acerca dos itens avaliados nos pilares que dita o índice de compe-titividade dos países, permeando o resultado final de subjetividade.

Ainda na linha metodológica há outra importante distinção a ser feita entre ambos os estudos no que diz respeito aos tipos de dados examinados. Na pesquisa da FGV/MTur/Sebrae, a maior parte dos dados utilizados são primários, coletados diretamente nos destinos com base em entrevistas e observações diretas dos pesquisadores.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO54

Apenas de forma subsidiária houve o uso de dados secundários. Todavia o mesmo não ocorreu no estudo do Fórum Econômico Mun-dial. Em primeiro lugar, não houve pesquisa de campo direta nos pa-íses. Os dados primários empregados foram coletados em entrevis-tas durante a realização do próprio Fórum Econômico. Além disso, há certo equilíbrio quantitativo entre os tipos de dados coletados, com uma grande participação no total de vários dados secundários.

Conclusão

Muito embora os dois estudos examinados neste trabalho investi-guem o mesmo fenômeno (competitividade de destinos turísticos), a análise de como isso se realizou demonstra abordagens conceituais e metodológicas diversas empregadas em cada uma das pesquisas. Isso parece refletir a própria multiplicidade de abordagens e formas de avaliação do fenômeno, uma característica marcante dos estudos da área desde que a mesma começou a ganhar importância décadas atrás.

Não obstante esse fato, ambos os trabalhos são louváveis ao tentar analisar a competitividade de municípios e países no setor de tu-rismo. Seus respectivos resultados podem (e devem) ser utilizados pelos setores público e privado nas áreas envolvidas (direta e indire-tamente) para melhorar as condições e a competitividade do setor de turismo, concedendo um relevante caráter prático aos trabalhos.

É importante ressaltar que a experiência e o aprendizado acumulados nas duas iniciativas não devem restringir-se às edições já realizadas desses estudos. A constituição das pretendidas séries históricas é outro importante elemento positivo dessas iniciativas, pois pode per-mitir avaliar a evolução, a estagnação ou o retrocesso dos destinos ao longo do tempo, o que é fundamental, pois a competitividade é um fenômeno dinâmico, ou seja, suas fronteiras (estado da arte) movem-se constantemente com o passar do tempo. Portanto um destino que seja competitivo hoje, pode não o ser no futuro, sendo ultrapassado por outros competidores, caso não desenvolva cons-tantemente capacidades e recursos.

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55COMPETITIVIDADE DE DESTINOS TURÍSTICOS: COMPLEMENTARIDADE ENTRE DOIS ESTUDOS

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Administração pública e turismo: grau de maturidade em gerenciamento de projetos na Secretaria de Estado do Turismo do Espírito Santo AUTORES

André Meyer Coelho

Gilda Boruchovitch

João Vieira de Araujo

Juliana Bastos Lohmann

Liberato de Souza Pinto

Mariana Carvalho Rodrigues

Marisa Guadalupe Plum

RESUMO

Este texto avalia o grau de maturidade do novo modelo de gestão pública — com foco em projetos — em implementação na Secretaria de Estado do Turismo no Espírito Santo (Setur). Para tal, faz referência teórica ao processo de formação do estado, à política pública gerencial e à biblio-grafia de gestão de projetos. A metodologia aplicada é referendada na seção 2 do modelo PMMM — Project Management Maturity Model — e utilizou pesquisa exploratória e documental, além de entrevistas com os componentes técnicos e gestores da Setur. A avaliação concentra-se apenas no nível 2 — Processos Comuns do modelo PMMM de Kerzner — e nos resultados da pesquisa. Identifica-se a existência de compreen-são diversa sobre gerenciamento de projetos entre os blocos de gestores e técnicos da Secretaria nos projetos priorizados, o que dificulta o cum-primento de prazos e a gestão por resultados. Houve ainda discordância nas respostas quanto ao entendimento dos objetivos da nova política de gestão e de sua eficácia nos diversos setores da gestão estadual.

Palavras-chave: turismo, gestão pública, gerenciamento de projetos, Espírito Santo

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Gestão de projetos, ministrada pelo professor João Vieira de Araujo com a tutoria de André Meyer Coelho, no Curso Observatório de Inovação do Turismo, da EBAPE/FGV.

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Introdução

O turismo é uma atividade fomentadora de recursos que atinge todos os segmentos da economia, uma vez que catalisa várias atividades inerentes ao setor, gera empregos em larga escala e, por isso, agrega valores no âmbito regional, beneficiando a sociedade como um todo.

O Espírito Santo tem, por meio do Plano de Desenvolvimento Sus-tentável do Turismo 2025, uma proposta arrojada e inovadora para articular a economia, o turismo, a educação, a geração de renda e a de empregos. O Plano estabelece metas, cujo objetivo consiste em desenvolver o potencial turístico das várias localidades do estado. Essa divisão permite que seja aplicada a estratégia de ações regio-nalizadas, o que facilita a própria segmentação do setor quanto à oferta dos bens turísticos.

As metas estabelecidas no Plano de Desenvolvimento Sustentável do Turismo vêm ao encontro dos macro-objetivos do planejamento estratégico do estado do Espírito Santo — Plano de Desenvolvi-mento Espírito Santo 2025 —, sintetizados em ações de: desenvol-vimento do capital humano, diversificação econômica competitiva, capital social e qualidade das instituições capixabas, e erradicação da pobreza. Esses macro-objetivos são responsáveis por fomentar a atividade turística, em um estado em que o potencial turístico é proporcional à demanda. No Espírito Santo, a atividade turística apresenta-se segmentada principalmente no turismo de sol e praia, cultural e náutico, no de negócios e eventos, no rural/agroturismo.

Assim, a Secretaria de Estado do Turismo e demais áreas da admi-nistração estadual iniciaram, em 2006, um processo de reestrutu-ração em que foram publicados projetos, com base em uma gestão compartilhada e comprometida com o crescimento e o fortalecimen-to dos setores que mobilizam a economia do estado. A reviravolta faz parte do plano de ação, na forma de articulação, contratação e execução dos projetos do governo estadual, em conjunto com pre-feituras e secretarias, para buscar novas formas de monitoramento e gestão das ações públicas nas diversas áreas de atuação. A gestão por projetos ganhou força, e novos modelos administrativos passa-ram a servir de piloto com o objetivo de obterem-se resultados mais eficazes e a custos menores.

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Justifica-se, assim, este texto pela necessidade de estudar-se a nova forma de gestão pública, tomando como base o turismo. Além da con-tribuição acadêmica para os temas já trabalhados desde as reformas da década de 1990, o trabalho em tela visa à eficácia da tomada de decisão estratégica. Para isso aborda alguns temas relevantes do con-texto de gestão de projetos e produz um estudo de caso sobre a gestão por resultados na Secretaria de Estado do Turismo do Espírito Santo.

Referencial teórico

História e desenvolvimento no Espírito Santo A formação econômica do estado do Espírito Santo divide-se em três grandes períodos históricos: ciclo do café, ciclo da industria-lização e o terceiro ciclo de desenvolvimento. Há relação direta do processo de formação histórica do estado com o desenvolvimento da indústria turística, uma vez que os artefatos da época de ocupa-ção dos territórios e as relações culturais remanescentes são parte dos produtos hoje ofertados.

Em meados do século XIX, a economia do estado do Espírito Santo concentrou-se na atividade cafeeira, inicialmente no sul do estado. No final do século XIX, a cafeicultura não apresentou desempenho signifi-cativo, embora a característica escravista e marginal da produção pro-porcionasse condições favoráveis para um crescimento mais acelerado.

No início do século XX, com um novo modelo de produção baseado em pequenas lavouras familiares, oriundo da forte imigração, a produção expandiu-se para a região central. Na década de 1950, a produção ca-feeira era responsável por cerca de um terço da renda gerada no estado e por mais de 40% da receita tributária. — O processo de entrada de colonos alemães, italianos e outros europeus, juntamente com a cultura do café, redirecionou a economia do Espírito Santo, com imensas con-sequências sociais, culturais e políticas. — (OLIVEIRA, 2008, p. 533).

O ciclo do café no estado do Espírito Santo caracterizou-se pela ocupação do interior do estado, pela predominância da população rural, pela monocultura mercantil de base familiar, por pequenas pro-

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priedades e em razão de as atividades urbanas estarem ligadas dire-tamente à produção agrícola (ESPÍRITO SANTO, 2006a).

No final da década de 1950 do século XX, inicia-se o processo de industrialização, não pelo excedente do comércio do café, e sim pela necessidade de sobrevivência e de busca de alternativa de desenvol-vimento (CALIMAN, 2007).

Em 1958, no segundo mandato de Carlos Fernando Monteiro Lin-denberg, com o intuito de preparar o estado para entrar no novo ciclo econômico da industrialização, implantaram-se mecanismos de planejamento governamental. Na década de 1960, em plena crise da cafeicultura — com a queda dos preços do café e erradicação dos cafezais —, o governador Cristiano Dias Lopes concebeu os principais instrumentos de política de desenvolvimento — incentivos fiscais voltados para o apoio ao crescimento econômico do estado — os quais existem até hoje.

O período de vinte anos, entre as décadas de 1960 e 1980, foi marcado por fortes transformações na economia capixaba, pela diversificação da base produtiva, pela integração com o comércio internacional, por meio do surgimento de grandes plantas indus-triais. Considera-se a implantação, em 1970, do Porto de Tuba-rão, em Vitória, como o — divisor de águas — do processo de industrialização. Após sua implantação, a economia capixaba al-cançou outra dimensão: mais global e mais competitiva em pro-dução e em logística, além de criar condições para a entrada de novos empreendimentos. No final dos anos 1990, a descoberta de petróleo e gás em território capixaba trouxe um novo ânimo eco-nômico ao ciclo da industrialização no estado do Espírito Santo.

Essa rápida transformação econômica do estado impactou tan-to na distribuição territorial da população, antes concentrada no interior e hoje já expandida para o litoral, como também nos in-vestimentos públicos, nas estruturas de governos, no fomento do desenvolvimento de arranjos produtivos locais, ligados principal-mente aos setores de mármore e granito, da indústria moveleira, da atividade turística, da confecção e do setor metal-mecânico.

Em meados de 1990, o Espírito Santo passa a viver uma série cri-se ético-moral: diversos casos de violência, escândalos de lavagem

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de dinheiro e o crime organizado vieram à tona, dando ao estado uma aparência de — terra sem lei — (ESPÍRITO SANTO, 2006a).

Em meio à crise política, social e econômica do estado do Espírito Santo, o governo do Brasil inicia o processo denominado — Reforma da Gestão Pública de 1995—, com o objetivo de contribuir para a formulação, no Brasil, de um aparelho de estado forte e eficiente compreendido em três dimensões: a) dimensão institucional-legal, voltada à descentralização da estrutura organizacional do aparelho do estado por meio da criação de novos formatos organizacionais, como agências executivas, regulatórias, e as organizações sociais; b) dimensão de gestão, definida por maior autonomia e introdução de três novas formas de responsabilização dos gestores — a admi-nistração por resultados, a competição administrativa por excelência e o controle social — em substituição parcial dos regulamentos rígi-dos, da supervisão e da auditoria, que caracterizam a administração burocrática; e c) dimensão cultural, de mudança de mentalidade, visando a passar da desconfiança generalizada, que assinala a admi-nistração burocrática, para uma confiança maior, ainda que limitada, própria da administração gerencial (JANNUZZI e NETO, 2007/2008).

Reforma da gestão pública capixaba O estado do Espírito Santo, neste início do século XXI, vive um momento único em sua história econômica: o crescimento econô-mico iniciado nas décadas anteriores consolidou-se e criou novas expectativas de desenvolvimento. De acordo com Caliman (2007):

as descobertas de gás e petróleo no litoral do estado, os investi-mentos em expansão, por parte das grandes empresas ligadas ao complexo minerossiderúrgico e à celulose, e o dinamismo dos arranjos produtivos locais, aliados a um novo e saudável ambiente político e institucional, reforçam os sinais de que o estado está entrando num novo ciclo de desenvolvimento.

A lógica de desenvolvimento não se restringe ao crescimento econô-mico, mas se expande em direção à intensificação da inclusão social e ao uso sustentável dos recursos naturais (ESPÍRITO SANTO, 2007). Com esse novo paradigma, em 2003, o governo comprometeu-se em aplicar a reforma da gestão pública centrada em quatro dimensões: o

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choque ético, o ajuste fiscal-administrativo, o planejamento estraté-gico e o gerenciamento de projetos (JANNUZZI e NETO, 2007/2008).

O Plano de Desenvolvimento do Espírito Santo 2025 O planejamento estratégico do estado do Espírito Santo, denominado Plano de Desenvolvimento do Espírito Santo 2025, consiste na agen-da de um conjunto de metas, programas e projetos a ser empreendida pelos atores sociais, públicos e privados, visando à materialização do terceiro ciclo de desenvolvimento do Espírito Santo para os próximos vinte anos. São elementos desse ciclo (ESPÍRITO SANTO, 2007):

» Melhoria do capital social e da qualidade das instituições públicas.

» Desenvolvimento do capital humano.

» Redução crescente da pobreza e da desigualdade.

» Redução e controle da violência.

» Agregação de valor e diversificação da estrutura produtiva.

» Desenvolvimento econômico espacialmente equilibrado.

» Desenvolvimento da logística.

» Desenvolvimento econômico ambientalmente sustentável.

» Fortalecimento e melhoria da imagem capixaba.

» Maior integração com os estados vizinhos.

De acordo com o Plano de Desenvolvimento do Espírito Santo 2025, a visão de futuro do estado consiste:

Em 2025, o Espírito Santo será um dos primeiros estados brasileiros a erradicar a pobreza, resultado de um modelo de desenvolvimento mar-cado pela qualidade de seu capital humano, pela capacidade compe-titiva de suas empresas, pela inclusão social, pelo compromisso com o meio ambiente e por instituições públicas eficientes e reconhecidas.

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A agenda a ser empreendida nos próximos vinte anos contempla 93 projetos estruturantes e quatro alianças estratégicas, reunidos em 11 programas de desenvolvimento. A implementação dessa agenda de forma eficaz e coerente com a estratégia de crescimento do estado tornou-se um desafio a ser enfrentado por toda a sociedade capixaba.

Em 2007, desenvolveu-se uma agenda estratégica para os próxi-mos quatro anos de governo, denominada Diretrizes Estratégicas 2007-2010, vinculada ao planejamento rstratégico de longo prazo — o Plano de Desenvolvimento do Espírito Santo 2025. As diretri-zes estratégicas 2007-2010 visam a ampliar a capacidade do esta-do para converter os gastos governamentais em resultados efetivos e mensuráveis para a sociedade capixaba, com base na melhoria de estruturas, processos, sistemas e instrumentos de trabalho.

Com o desafio estratégico de cumprir as entregas dessa proposta até 2010, o governo implanta o Programa Pró-Gestão, uma nova metodologia de gestão da estratégia de governo, operacionalizada por meio de uma carteira de projetos estruturantes e de seu geren-ciamento de forma intensiva. São 21 projetos estruturantes, que apresentam impactos nas áreas de saúde, educação, transporte, se-gurança pública e meio ambiente, elaborados segundo a metodo-logia de Gestão Orientada para Resultados — GEOR. Inicialmente, esse escritório de projetos vinculou-se à vice-governadoria. Hoje, em meados de 2008, foi criada a Secretaria de Estado de Geren-ciamento de Projetos — SEGEP — , fortalecendo ainda mais o in-teresse do governo em dotar a sociedade capixaba de resultados positivos e expressivos da atual administração publica estadual.

Para entrega em 2008, são ao todo 79 projetos: 13 inseridos inte-gralmente na carteira de projetos estruturantes, três parcialmente inseridos no Pró-Gestão e os demais 63 não contemplados no escri-tório de projetos, mas monitorados por meio da Secretaria de Estado de Planejamento — SEP. A figura 1 representa o Sistema de Plane-jamento e Monitoramento do Governo do Estado do Espírito Santo.

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Figura 1: Sistema de Planejamento e Monitoramento do Governo do Estado do Espírito Santo

Fonte: Macroplan.

Gestão pública e gerenciamento de projetos A gestão das políticas públicas e os problemas inerentes à sua im-plementação não têm recebido a necessária atenção de modo a tornar-se um tema da agenda política nacional. Historicamente, as iniciativas de modernização nesse setor demonstram uma ausência de integração entre os diversos órgãos da administração pública, gerando ações descontinuadas e elevado desperdício de recursos públicos. No entanto as escolhas públicas se originam no proces-so político, sem, contudo, limitarem-se à decisão autônoma de políticos e seus agentes, burocratas e juízes (MONTEIRO, 2007).

Esse fato coloca um desafio para os governos: a necessidade de articulação nas dimensões intragovernamental e intergovernamental com o objetivo de criar as condições para que o estado brasileiro aumente a qualidade do gasto público por meio do aumento de sua capacidade de formulação e implementação de políticas públicas. Cavalcanti e Peci (2005) ressaltam a imperiosa urgência de uma gestão pública mais flexível, responsável e eficaz, capaz de poten-cializar a governabilidade, relacionando adequadamente as medidas de otimização gerencial com as políticas finalísticas do governo.

Logicamente, esse esforço em torno da construção e da implemen-tação de uma agenda de eficiência requer cooperação dos diver-sos níveis federativos, em razão da corresponsabilidade dos dife-rentes entes pela prestação de serviços públicos à população.

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Assim, uma das palavras mais importantes desse processo é articula-ção. Não há como um único setor de governo obter resultados satisfa-tórios sem contar com seus pares e as parcerias de iniciativas privadas, de movimentos sociais organizados e do Terceiro Setor. Vale ressaltar que o ente maior da articulação é o administrador ou gestor público.

Evolução do gerenciamento de políticas públicas Uma das razões das dificuldades da prática da função pública locali-za-se no preparo dos administradores que precisam estar capacitados para analisar a realidade social, econômica e política do mundo, de-senvolver estratégias para resolver problemas coletivos e organizar es-truturas de instituições públicas, estatais ou não. É preciso, pois, ser um profissional capaz de compreender que a governança democrá-tica deve ser eficiente e eficaz para atender às demandas dos cida-dãos. Assim, é importante estar capacitado para desenvolver normas e mecanismos públicos de prestação de contas à sociedade e de con-trole estratégico do processo de implementação das ações adotadas.

O gestor de políticas e projetos públicos atua em diferentes ins-tituições governamentais, no Terceiro Setor ou em entidades que interagem com o estado e outras esferas públicas. Essa vocação de projeto público é política, com visão mais abrangente, com res-ponsabilidades de regulação democrática e eficiente das ações, por meio da participação popular, da formulação, aplicação e fisca-lização das regulamentações dos diversos segmentos econômicos.

Cada vez mais, as instituições (e os respectivos gestores), que operam com recursos públicos, são cobradas pelos órgãos de controle e pela so-ciedade quanto aos recursos utilizados e aos resultados alcançados. A gestão para resultados é utilizada em organizações internacionais, como UNICEF, PNUD e Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvi-mento e em organizações nacionais brasileiras, como SEBRAE, Federações das Indústrias, Agências Reguladoras e Bancos de Desenvolvimento.

Para otimização de processos e resultados e alcance dos objetivos es-tratégicos, observa-se, em muitas empresas, o foco no desenvolvimento do gerenciamento de projetos. Sabe-se que grande parte do fracasso de um projeto está atrelada a objetivos mal definidos, pouco conhecimento técnico da equipe e de padronização, escolha insuficiente dos recursos

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humanos e dos produtos, e limitação dos recursos financeiros. Ressalte-se que a gestão pública enfrenta grande parte desses desafios.

Pelo Decreto n.º 5.378 de 2005 instituiu-se o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização — GesPública — objetivando-se contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços aos cidadãos e o aumento da competitividade do País. Apesar de outras iniciativas ante-riores, representou um marco legislativo, não apenas no âmbito fede-ral — com repercussão nacional —, da gestão voltada para resultados.

O GesPública entende que os órgãos públicos devem prezar a exce-lência, comparada a padrões internacionais de qualidade em gestão. Dessa forma, pôs-se foco na questão do resultado como premissa que mais interessa neste trabalho, traduzida em procedimentos ba-seados na eficiência da gestão pública a fim de produzir resultados mais satisfatórios aos clientes-cidadãos.

Estados e municípios do Brasil, focados nas novas tendências de gestão pública, estão adequando-se aos processos administrativos de resultados, bem como aos processos organizacionais e interorga-nizacionais com padrões mais amplos e estruturas legitimadoras dos interesses setoriais e sociais.

O governo do estado do Espírito Santo, alinhado com essa trajetó-ria, introduziu a metodologia que auxilia a estruturação, a gestão e o monitoramento de projetos considerados prioritários, denomina-da Gestão Orientada para Resultados (GEOR). Nela são focados:

» a transparência nos resultados para toda a sociedade;

» a integração e a sistematização das ações;

» o alcance dos resultados propostos;

» a tomada de decisões baseada nos resultados;

» o monitoramento, o controle e a avaliação.

Essa é uma política da gestão pública que demonstra uma preocupação não apenas de alcançar resultados, mas de otimizá-los. Vislumbra-se um discurso que se aproxima da mentalidade empresarial, em que, para a sua sobrevivência e melhor desempenho, os projetos são o meio pelo qual os processos vigentes são alterados e as inovações e as mudanças são introduzidas.

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Gerenciamento de projetos, maturidade e avaliação

O projeto é um esforço despendido temporariamente para a criação de um produto, serviço ou resultado exclusivo (PMBOK, 3ª edição). Projetos não se caracterizam por ações e/ou operações continuadas, sendo eles únicos e temporários (isto é, têm início e fim bastante definidos). Além disso, são executados por pessoas e dispõem de recursos limitados. O gerenciamento de projetos é a aplicação de conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicas às atividades do projeto a fim de atender as demandas, ou seja, o objetivo do pro-jeto. Projetos geram produtos, serviços ou resultados exclusivos e singulares. Os projetos também apresentam elaboração progressiva, ou seja, seu desenvolvimento ocorre em etapas incrementais, o que possibilita que, durante seu desenvolvimento, sejam feitas adequa-ções e customizações (VALLE, SOARES, JÚNIOR e SILVA, 2007).

Do ponto de vista histórico, o gerenciamento de projetos é execu-tado pela humanidade há muitos anos. Em princípio, na construção civil, como na Muralha da China, no Coliseu, no Parthenon; mas foi ganhando outras alternativas, como na construção de equipamen-tos, no planejamento de ocupação territorial e em atividades bélicas. Para os estudos atuais, as técnicas de projeto ganharam maior ampli-tude nos anos 1940 e 1950, impulsionadas pela Guerra Fria, com o desenvolvimento de ferramentas específicas e a criação de métodos de iniciação, planejamento, execução, controle e monitoramento.

Os projetos foram integrando-se e, posteriormente, tornando-se re-conhecidos e incorporados nos diversos tipos de organizações, in-clusive públicas, como forma de implantar, acompanhar e avaliar detalhadamente as políticas estratégicas, os investimentos e seus impactos nos resultados.

Por meio da gestão de projetos, preocupa-se em conseguir atingir os resultados em um prazo estabelecido, com orçamento previamente definido, de acordo com os interesses e a demanda dos clientes. E, por esse motivo, o gerenciamento de projetos encontra-se cada vez mais disseminado nas mais diversas áreas de conhecimento.

Sabe-se que a aplicação de metodologias adequadas de gerencia-mento de projetos contribui para o alcance de um índice maior de sucesso do projeto definido. Na realidade, são entendidas não como

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E TURISMO: GRAU DE MATURIDADE EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS NA SECRE-TARIA DE ESTADO DO TURISMO DO ESPÍRITO SANTO 69

fórmulas, mas como ferramentas que auxiliam e contribuem para que se atinja um melhor resultado.

Maturidade em gestão de projetos

A formulação e a implementação de uma metodologia singular para o gerenciamento de projetos têm sido apontadas pela literatura como características distintivas de organizações já maduras no ge-renciamento de projetos. Os debates acerca de análises das organi-zações orientadas a projetos são inúmeros, e as orientações quanto à prática constantemente passam por transformações. Entretanto é recente a abordagem sobre maturidade em gerenciamento de proje-tos para o setor público. Kerzner (2000) considera a excelência em gerenciamento de projetos em uma organização quando os projetos são administrados continuamente com sucesso.

Segundo Andersen e Jessen (2002), o conceito de maturidade de uma organização refere-se ao fato de a organização encontrar-se em perfeitas condições para alcançar seus objetivos. Maturidade em projetos também pode significar que uma organização está per-feitamente condicionada para gerenciar seus projetos. Em análise conjunta, Andersen e Jessen (2002) propõem que a maturidade seja medida em três dimensões: atitude, conhecimento e ação. A dimensão atitude contempla os seguintes aspectos: gerenciamento de risco e incerteza, compartilhamento de poder e responsabilida-de, atuação em prol da cooperação e compreensão e administra-ção dos valores dos integrantes dos projetos. Na dimensão conhe-cimento, os aspectos destacados são: conhecimento de inputs e outputs dos projetos, dos processos a executar e visão holística. A dimensão ação envolve a aceitação e o suporte ao gerenciamen-to de projetos em todos os níveis da organização, desde a presi-dência, diretoria, gerência e supervisão até o nível operacional.

Para efeitos desta pesquisa, conceitua-se a maturidade como a bus-ca por identificar o nível de desenvolvimento, comparando-se as práticas atuais com as consideradas melhores práticas, por revelar forças e fraquezas, bem como por direcionar esforços de melhora-mento por meio de planos de evolução. Essas características indu-zem associações entre o uso de modelos de maturidade e o melhor desempenho dos projetos.

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Metodologia A metodologia proposta neste trabalho para identificação e análise do grau de maturidade em gerenciamento de projetos, no âmbito do governo do estado do Espírito Santo, especificamente na Secretaria de Estado do Turismo, realiza-se por meio de duas etapas: (1) pesquisa documental, em fontes secundárias de dados, apresentando as metodologias de ge-renciamento de projetos e de monitoramento de entregas adotadas pelo governo do estado do Espírito Santo; (2) pesquisa qualitativa, em fonte primária, apresentando resultados da avaliação de questionário aplica-do, baseado no modelo de maturidade em gerenciamento de projetos, proposto por Kerzner, o Project Management Maturity Model — PMMM.

É importante destacar que o modelo PMMM vem sendo adotado por diversas empresas e tem por objetivo medir o progresso da organização em relação à gestão de projetos; estabelece ele cinco níveis de desenvol-vimento para verificação da maturidade em gerenciamento de projetos, englobando todas as áreas de conhecimento do PMBOK (2004): inte-gração, escopo, tempo, custo, qualidade, recursos humanos, comunica-ções, risco e aquisições. Os níveis do PMMM classificam-se em: nível 1 — linguagem comum; nível 2 — processos comuns; nível 3 — metodolo-gia singular; nível 4 — benchmarking e; nível 5 — melhoria contínua.

Para atingir os objetivos deste artigo, optou-se por utilizar a seção 2 do modelo PMMM. Assim, a avaliação da maturidade em geren-ciamento de projetos da Secretaria de Estado do Turismo do Espíri-to Santo concentra-se apenas no nível 2 — processos comuns — do modelo PMMM de Kerzner. Nele, aplica-se um questionário de vin-te perguntas, que absorve informações das cinco fases do ciclo de vida de gerenciamento de projetos: embrionária, aceitação pela alta administração, aceitação pela gerência, crescimento e maturidade.

O questionário adotado (Anexo 1) segue o modelo padrão proposto pelo método PMMM, aplicado na Secretaria de Estado do Turismo, para os cargos de secretário de estado, subsecretário, gerentes e téc-nicos, totalizando 16 entrevistas, com valores discriminados na tabela de resultados (Tabela 1). Para efeitos da amostra, atesta-se que fo-ram entrevistados todos os gestores (universo) e técnicos envolvidos.

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E TURISMO: GRAU DE MATURIDADE EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS NA SECRE-TARIA DE ESTADO DO TURISMO DO ESPÍRITO SANTO 71

Resultados e análise Dividem-se os resultados da pesquisa de campo em cinco fases: embrionária, aceitação do gestor, aceitação do técnico, crescimento e maturidade. Separou-se a amostra entre dois grupos designados: gestores e técnicos. O primeiro inclui secretário, subsecretário e ge-rências técnicas. O outro, chefias, assessorias técnicas e assistentes.

As observações poderiam receber nota máxima 3 e mínima -3, sig-nificando concordância total com os resultados da referida fase ou discordância absoluta do mesmo item.

No contexto geral, as quatro primeiras fases mantiveram a média entre 0 e 1, indicando concordância parcial com os resultados daquela fase. A exceção deu-se na fase 5, que obteve grau inferior a 0 e sinalizou uma parcial discordância do grupo dos técnicos em relação ao item.

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Embrionária Aceitação - Gestores

Fase

Aceitação - Técnicos Crescimento Maturidade

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E TURISMO: GRAU DE MATURIDADE EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS NA SECRE-TARIA DE ESTADO DO TURISMO DO ESPÍRITO SANTO 73

Fase embrionária A fase embrionária significa que a organização começa a perceber e reconhecer os benefícios do gerenciamento de projetos, principal-mente nos níveis operacionais e de supervisão.

Há concordância, por parte dos gestores, quanto ao sucesso dos resultados nessa fase se considerada a média 0,8. A resposta ne-gativa de um dos pares do grupo causou significativo impacto nos resultados (desvio padrão 1,1).

No alto escalão, há uma maior aceitação das políticas e notas maio-res quanto aos resultados da gestão de projetos em implementação. Esse resultado se justifica pelo maior acesso dos gestores à informa-ção e pela direta influência no processo de organização e avaliação da política.

Para o nível técnico, a média (0,8) é mais bem respaldada pelo des-vio padrão (0,6), indicando que há leve concordância entre os en-trevistados quanto à benesse de uma gestão voltada para projetos.

Fase de aceitação do gestor Identifica-se a fase de aceitação quando conceitos e práticas de gerenciamento de projetos são amplamente aceitos e tornam-se vi-síveis o apoio e o comprometimento, por parte dos gestores e técni-cos, na condução dos projetos.

Novamente, o grupo dos gestores identificou maior otimismo no que diz respeito aos resultados da política de gestão de projetos. Como na fase anterior, houve desvio alto na pontuação (1,1), que causou impacto na média final (mantida entre 0 e 1). Esse resul-tado indicou aceitação da maioria dos gestores, mas desconheci-mento de um gestor especificamente, o que pode ser ajustado com capacitação e maior envolvimento de todo o grupo administrati-vo no processo de implementação do gerenciamento de projetos.

No nível técnico, houve certo desequilíbrio nas respostas, indicando maior discordância dos respondentes quanto à disseminação da po-lítica de gestão mais independente do nível gerencial. Esse resultado

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO74

incluiu média 0,9 e desvio padrão relativamente alto (0,9). Porém o resultado pode ser explicado pela maior ou menor aproximação dos assistentes com seus gerentes imediatos, ou seja, as lideranças mais engajadas no processo de valorização de gestão de projetos disse-minam seus conceitos na operação, enquanto outros setores menos comprometidos (ou com menor maturidade em GP) mantêm a ges-tão padronizada em seus quadros, evitando a gestão por projetos.

Tal resultado pode ser indicativo da necessidade de capacitação e disseminação horizontal e de adequação ao novo modelo nos níveis técnicos e gerenciais. Apesar da autonomia dos gestores para imple-mentação de suas ações, a utilização de modelos semelhantes traz van-tagens de gestão e, principalmente, de avaliação das políticas públicas.

Fase de aceitação dos técnicos Para as lideranças, há maior concordância no grupo dos gestores quanto à operação dos técnicos no novo modelo de gestão (média 1,2), apesar do alto desvio padrão (1,0). Mas, ainda assim, há di-ferença entre a opinião dos gestores e a dos técnicos (média 1,2 x média 0,8). Esses valores se explicam pela distância normal na or-ganização, entre os grupos, gerando, portanto, impressão de maior receptividade por parte dos gerentes dos projetos no que diz respei-to à gestão por resultados.

Entre os técnicos, há relativa semelhança com os resultados da fase anterior. Esses valores se justificam, novamente, pela desequilibrada disseminação dos novos conceitos, gerando diferenças de percepti-vidade, conforme demonstram as variações numéricas individuais e o desvio padrão de 0,9.

Fase do crescimento Considerada a fase mais crítica da avaliação, pela fase do cres-cimento tem-se por objetivo buscar uma padronização nas meto-dologias para o planejamento, execução e controle dos projetos.

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E TURISMO: GRAU DE MATURIDADE EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS NA SECRE-TARIA DE ESTADO DO TURISMO DO ESPÍRITO SANTO 75

Entre os gestores, há significativa concordância quanto à eficácia dessa etapa, comprovada pelo menor desvio padrão entre as fa-ses avaliadas nesse grupo (0,8). Os gestores concordam com o crescimento do processo de implementação da política de gestão de projetos. Pode-se justificar esse resultado pela visão de lon-go prazo disseminada entre a liderança da organização e a pre-disposição para dar relativo tempo de maturação à nova politica.

Entre os técnicos, há pouca concordância com o crescimento da ges-tão por resultados e um desvio padrão alto (1,1). Entre os motivos principais, pode-se destacar a maior preocupação com detalhes de projetos executados diferentemente do planejado, uma possível con-taminação pelos processos anteriores de administração ou o desco-nhecimento do efeito macro nas ações de secretaria como um todo.

Fase de maturidade Nesse item, avalia-se o nível de maturidade da organização no con-trole de prazos e custos, no desenvolvimento de competências e habilidades e na profissionalização da função de gestão de projetos.

Ocorreu a menor média entre as fases analisadas pelos gestores (0,2), indicativo de que há percepção da necessidade de mais tem-po para alcançar todos os resultados do novo modelo de gestão. Justifica-se esse resultado pelo pouco tempo de implementação da nova politica e pela demora regular de adaptação das equipes a uma nova forma de gerir. O treinamento em GP e a perseverança na prática podem ajudar no alcance de maiores níveis de maturidade.

Entre os técnicos, também ocorreu a menor média (-0,3) e, pela pri-meira vez, um valor que é indicativo de discordância. Há discordân-cia quanto à maturidade do modelo de gestão. Tal resultado é legiti-mado pela participação desequilibrada dos funcionários nas etapas da nova gestão que pode ser acirrada pela pouca comunicação entre os gestores e suas equipes, no sentido de disseminar novas práticas.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO76

Conclusão O presente artigo avaliou o desempenho da Secretaria de Estado do Turismo do Espírito Santo quanto à maturidade em gerenciamento de projetos, perpassando pela reforma administrativa da gestão pú-blica no governo do Espírito Santo, por ferramentas de planejamen-to estratégico, pela contextualização da política de turismo daquele estado, por conceitos de gerenciamento de projetos, de grau de maturidade em GP e de sua avaliação.

Na pesquisa documental, observa-se, no caso específico do governo do estado do Espírito Santo, que existe, no âmbito da administração pública, ferramentas, métodos e procedimentos para o alcance de resultados estratégicos focados em um grupo de projetos específi-cos que contribuem para ampliar e acelerar a capacidade de realiza-ção de entregas à sociedade; melhorar o fluxo dos processos; mo-nitorar a evolução dos projetos; superar restrições críticas; melhorar a gestão dos projetos; e acelerar o processo de tomada de decisão.

Pela análise da pesquisa de campo, cujo objetivo era averiguar o grau de maturidade em gerenciamento de projetos na Secretaria de Estado do Turismo do Espírito Santo, conclui-se que, por mais que existam ferramentas disponíveis e vontade política em implantar uma gestão estratégica focada em resultados, por parte do governo do estado do Espírito Santo, a Secretaria de Estado do Turismo ain-da está buscando o sucesso nesse processo, uma vez que a visão do grau de maturidade em projetos por parte de seus gestores, na maioria dos casos, diverge da visão de seus respectivos técnicos.

Para a construção de novas etapas, sugere-se que haja treinamento das equipes e melhora na comunicação entre tomadores de decisão e executores de pareceres técnicos. Os projetos avaliados são, em geral, de conhecimento dos gestores e técnicos da secretaria, mas seus objetivos são compreendidos de forma diferente. Assim, a exe-cução dos projetos toma ritmos diferentes, de acordo com a área que mais está à frente da operação.

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E TURISMO: GRAU DE MATURIDADE EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS NA SECRE-TARIA DE ESTADO DO TURISMO DO ESPÍRITO SANTO 77

Nota-se que há discordância de estágio (0,2/-0,3) do grau de maturi-dade entre gestores e técnicos, pois se observa, de forma geral, que os gestores entendem que estão na fase de crescimento, enquanto os técnicos acreditam estar ainda na fase de aceitação desse proces-so. Essa incompatibilidade pode ser atrelada a diversos fatores, tan-to internos quanto externos, inerentes a uma secretaria de estado.

Por fim, não se pretende com este trabalho sugerir técnicas de adequação à gestão de projetos, mas identificar possíveis gargalos no novo modelo de gestão do estado do Espírito Santo e, conse-quentemente, na Secretaria de Estado do Turismo. Mas, para futu-ras referências, a análise e a priorização dos projetos com melhor articulação poderão ajudar a reduzir a variância de percepção de gestores x técnicos, apontada nesta pesquisa, bem como contri-buir para a análise e a priorização dos projetos na Secretaria do Turismo, esperando que, num futuro próximo, a seleção, a execu-ção e o encerramento de projetos baseiem-se em uma visão cor-porativa, com objetivos claros e fatores mensuráveis de sucesso.

Fica a certeza de que os desafios para o gerenciamento de projetos na área de turismo são intensos e que, por isso, a maturidade será alcançada progressivamente.

Page 79: Observatório de Inovação do Turismo

OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO78

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E TURISMO: GRAU DE MATURIDADE EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS NA SECRE-TARIA DE ESTADO DO TURISMO DO ESPÍRITO SANTO 81

Anexo 1

Anexo 1 — Questionário de AvaliaçãoMaturidade Em Gestão de Projetos

Baseado no Modelo PMMM — Nível 2 de maturidade — Fases do ciclo da vida

Perfil do entrevistado Nome: Cargo/Função atual:Tempo na função atual:Tempo na empresa: Avaliação da maturidade em gestão de projetos Vinte questões para definir o grau de maturidade que, segundo a sua avaliação e percepção, a Secretaria de Estado do Turismo atingiu. A legenda abaixo indica o valor correspondente para cada resposta:

(-3) Discordo totalmente(-2) Discordo(-1) Discordo parcialmente(0) Sem opinião(+1) Concordo parcialmente(+2) Concordo(+3) Concordo totalmente

A pontuação para cada uma das questões varia de (-3) a (+3) e será posteriormente utilizada para a avaliação dos resultados. Favor marcar um “x” para cada resposta e tente ser o mais honesto pos-sível. Marque a resposta que você considera correta não aquela que desejaria ou imaginaria que fosse a mais adequada.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO82

1) A secretaria reconhece a necessidade da gestão de projetos. Essa necessidade é reconhecida em todos os níveis: gestores (secretário, subsecretários e gerentes) e técnicos (chefias e assessoria).

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

2) A secretaria tem um sistema para gerenciar tanto o custo quanto o cronograma dos projetos. O sistema requer números de encargos financeiros e códigos de conta contábil. O sistema informa varia-ções em relação aos objetivos planejados.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

3) A secretaria tem reconhecido as vantagens possíveis de serem alcançadas por meio da implementação da gestão de projetos. Esses benefícios são reconhecidos em todos os níveis gestores e técnicos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

4) A secretaria tem uma metodologia facilmente identificável de gestão de projetos que utiliza o conceito de fases ou ciclo de vida de um projeto.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

5) Os gestores apoiam ostensivamente a gestão de projetos por meio de palestras, cursos, artigos e inclusive pela presença ocasio-nal em reuniões e pelos relatórios da equipe de projetos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

6) A secretaria tem o compromisso com o planejamento antecipado visando à qualidade. Tentamos fazer sempre o melhor possível em matéria de planejamento.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E TURISMO: GRAU DE MATURIDADE EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS NA SECRE-TARIA DE ESTADO DO TURISMO DO ESPÍRITO SANTO 83

7) Os técnicos apoiam por completo e de forma ostensiva o proces-so de gestão de projetos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

8) A secretaria faz o possível para minimizar os desvios de escopo (por exemplo, mudança de escopo ou redefinição da extensão do escopo) em nossos projetos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

9) Os técnicos estão comprometidos não apenas com a gestão dos projetos, mas também com o cumprimento dos prazos estabelecidos para a conclusão dos objetivos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

10) Os gestores, em minha secretaria, têm bom conhecimento dos princípios de gestão de projetos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

11) A secretaria selecionou um ou mais softwares para serem utili-zados como sistema de controle dos projetos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

12) Os técnicos foram treinados e instruídos em gestão de proje-tos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

13) Os gestores compreendem o conceito de responsabilidade e atu-am como patrocinadores (sponsor) em determinados projetos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO84

14) Os gestores reconheceram ou identificaram as aplicações da gestão de projetos nas outras áreas de nossa secretaria.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

15) A secretaria conseguiu com sucesso o controle de custo e o cronograma, tanto para a gestão de projetos quanto para relatórios de acompanhamento.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

16) A secretaria desenvolveu um currículo de gestão de projetos (por exemplo, mais de um ou dois cursos de capacitação) para o aperfeiçoamento das qualificações de nossos técnicos em gestão de projetos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

17) Os gestores reconhecem o que precisa ser feito a fim de ser alcançada a maturidade em gestão de projetos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

18) A secretaria considera e trata a gestão de projetos como profis-são, e não apenas como tarefa de tempo parcial ou quando requeri-do tempo integral.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

19) Os técnicos estão dispostos a receber treinamento em gestão de projetos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

20) Os gestores têm demonstrado disposição para mudança na ma-neira tradicional de conduzir os negócios para chegar à maturidade em gestão de projetos.

(-3) (-2) (-1) (0) (+1) (+2) (+3)

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E TURISMO: GRAU DE MATURIDADE EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS NA SECRE-TARIA DE ESTADO DO TURISMO DO ESPÍRITO SANTO 85

Avaliação da Maturidade em Gestão de Projetos Formulário para apuração da pontuação pró-fase do ciclo de vida

Para cada uma das questões apresentadas, você assinalou uma res-posta com seu respectivo valor de pontuação, variando de (-3) até (+3). Nos espaços apropriados, indicados nas tabelas a seguir, favor transcrever o valor assinalado no lado do número correspondente às questões respondidas.

Fase: Embrionária

Número da questão Valor da pontuação

1

3

14

17

Total

Fase: Aceitação — Gestores

Número da questão Valor da pontuação

5

10

13

20

Total

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO86

Fase: Aceitação — Técnicos

Número da questão Valor da pontuação

7

9

12

19

Total

Fase: Crescimento

Número da questão Valor da pontuação

4

6

8

11

Total

Fase: Maturidade

Número da questão Valor da pontuação

2

15

16

18

Total

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FINANCIAMENTO DE PROGRAMAS DESTINADOS AO DESENVOLVIMENTO E APOIO ÀS ATIVIDADES TURÍSTICAS DO ESTADO DE PERNAMBUCO E DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, POR MEIO DO PRODETUR 87

Financiamento de programas destinados ao desenvolvimento e apoio às atividades turísticas do estado de Pernambuco e do município de Belo Horizonte, por meio do Prodetur

AUTORES

Ana Cláudia Rodrigues

Camilla Paranhos Rezende

Fernanda Côrtes de Freitas

Filipe João Bera de Azevedo Sobral

Paulo Cesar Stilpen

Roberto Farias Silva

RESUMO

O presente artigo pormenoriza todas as fases inerentes ao processo de contratação e obtenção de crédito junto ao Banco Interamerica-no de Desenvolvimento, por parte do município de Belo Horizonte (MG) e do Governo do Estado de Pernambuco, visando o desenvol-vimento integrado do turismo sustentável de regiões elencadas, uma das exigências feitas pelo BID aos destinos que venham a participar do Prodetur. O artigo ressalta quão complexa é a negociação e ad-ministração de conflitos surgidos entre os diversos agentes interve-nientes, constituindo, o referencial teórico, base fundamental para a melhor compreensão do cumprimento de cada uma das etapas ne-cessárias ao processo de liberação de recursos para tal finalidade.

Palavras-chave:Financiamento, turismo, programa de desenvolvi-mento, sustentabilidade, negociação, administração de conflitos.

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Negociação e administração de conflitos, ministrada pelo professor Filipe João Bera de Azevedo Sobral com a tutoria de Paulo Cesar Stilpen, no Curso Observatório de Inovação do Turismo, da EBAPE/FGV.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO88

Introdução

O Prodetur Nacional é uma iniciativa do Ministério do Turismo, em parceria com o BID — Banco Interamericano de Desenvolvimen-to —, que cria uma linha de crédito com o propósito de atender à demanda por recursos de financiamento internacional dos es-tados e municípios brasileiros. De acordo com o MTur (2010), o objetivo geral do Prodetur Nacional é alcançar as metas propos-tas pelo Plano Nacional de Turismo, ampliando a importância do setor turístico no desenvolvimento do País, por meio da gera-ção de novos empregos e redução das desigualdades regionais.

Os objetivos específicos do Prodetur Nacional são: estruturar os destinos e dar qualidade ao produto turístico brasileiro; aumentar a competitividade do produto turístico nacional; preservar os atra-tivos naturais e culturais; melhorar as condições de vida da po-pulação residente nos destinos turísticos; promover o desenvolvi-mento socioeconômico local de forma sustentável; e recuperar e adequar a infraestrutura dos equipamentos nos destinos turísticos.

Para a elaboração deste artigo, foram entrevistados os agentes res-ponsáveis pelo fomento e desenvolvimento dos Prodetur de Per-nambuco e de Belo Horizonte. Além do contato com os princi-pais atores, procedeu-se às análises documentais e bibliográficas, objetivando nortear a pesquisa e o desenvolvimento do artigo.

Tal tema é extremamente pertinente, pois o objetivo geral do artigo é identificar os principais interesses e conflitos relacionados com o Prodetur de PE e com o de BH — cabe ressaltar que o primeiro se encontra em sua fase final, pois várias etapas foram concluídas com êxito, e o segundo ainda está em seu estágio inicial. Além dos conflitos, serão identificados os principais atores e interes-ses envolvidos, que fazem parte de cada um desses programas.

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FINANCIAMENTO DE PROGRAMAS DESTINADOS AO DESENVOLVIMENTO E APOIO ÀS ATIVIDADES TURÍSTICAS DO ESTADO DE PERNAMBUCO E DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, POR MEIO DO PRODETUR 89

Referencial teórico

O conflito — tanto no que concerne ao embate dos que lutam, quanto no que tange à discussão — existe desde o início da hu-manidade. É uma contingência natural da diversidade. Reflete a própria natureza da organização e evolução humana, constituindo fator essencial para crescimento e desenvolvimento dos indivíduos em qualquer tipo de sistema, natureza social, política e organização. Em realidade, há diversas maneiras pelas quais indivíduos e grupos administram conflitos, sendo fundamental, para tanto, conhecer as possíveis razões, as dinâmicas e os contextos envolvidos, bem como a natureza dos conflitos. Em cada caso, aplica-se uma estratégia es-pecífica, e somente a leitura adequada dos atores e dos interesses envolvidos pode resultar em um bom termo. Na maioria das vezes, a negociação é um processo complicado e multifacetado. A litera-tura a esse respeito já reúne uma série de artigos, principalmente estrangeiros, dos quais são destacados alguns aspectos a seguir.

Fisher, Ury e Patton (2005) propõem que, no processo da resolução de conflitos, o negociador deve observar quatro princípios básicos: 1) as pessoas devem ser separadas do problema; 2) concentração nos inte-resses e não nas posições; 3) o trabalho deve ser conjunto, a fim de que sejam criadas opções que satisfaçam ambas as partes; e 4) o sucesso deve ser obtido nas negociações com as pessoas que são mais pode-rosas, devendo recusar-se a ceder às pressões ou recorrer a truques sujos. Enfatizam que, no processo, devem ser encontradas alternativas que beneficiem todos os interessados. Reforçando essa ideia, Marti-nelli (2002) destaca que ambos os lados devem sentir-se satisfeitos.

Matos (2003) ressalta que o instrumento de negociação é muito educativo, conduzindo ao desenvolvimento cultural, à qualidade das relações humanas, à melhoria das condições de vida e do estres-se, ao consentimento para a cooperação espontânea e ao trabalho como um meio de autorrealização.

Sebenius (2001) destaca que, em qualquer negociação, cada lado deve escolher entre aceitar o acordo ou a opção contrária (o não acordo). Ao mesmo tempo em que uma parte deve defender sua opção, faz-se necessário entender a decisão tomada pela outra par-

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO90

te e negociar de tal forma que ela acabe atendendo aos próprios interesses. Contudo, mesmo negociadores experientes incorrem em seis erros comuns: o primeiro é negligenciar as questões levantadas pelo outro negociador. Deve colocar-se no lugar dele, a fim de en-tender e buscar a solução satisfatória do problema. O segundo é dei-xar que os preços sobrepujem os demais interesses na negociação. O terceiro é permitir que as atitudes influenciem os propósitos da negociação. O quarto é procurar arduamente chegar ao consenso. O quinto é negligenciar BATNAs (melhor alternativa à negociação de um acordo), a qual define e localiza a zona de possível acor-do. Cabe lembrar que, efetivamente, o negociador defronta-se com várias alternativas, entre elas retirar-se da negociação, prolongar o impasse, procurar realizar negócios com outras partes, buscar solu-ções internas (em detrimento das externas à empresa), estabelecer alianças, etc. O sexto e último erro é a falha na correção de uma visão assimétrica (ficar preso ao próprio ponto de vista, por exem-plo, é um erro extremamente comum). Na conclusão do artigo, Se-benius enfatiza que outros erros ainda devem ser considerados, tais como gafes culturais, comportamento irritadiço, inadvertidos sinais de desrespeito ou desconfiança, falta de comunicação, má admi-nistração do tempo, radicalismo, agenda mal planejada, erros fre-quentes, estabelecimento de negociação com a pessoa errada, etc.

Williams e Miller (2002) destacam que, muitas vezes, as pessoas cometem o erro de concentrar-se demasiadamente no conteúdo de seus argumentos e não se preocupam suficientemente com a forma de comunicação da mensagem. Persuadir o grupo sobre a necessida-de da mudança, antes do “formato” dessa mudança, pode melhorar bastante as chances de sucesso. No trabalho, os autores apresentam categorias dos “agentes” de decisão: os carismáticos, os pensadores, os céticos, os seguidores e os controladores. Identificar os estilos de seu grupo de decisão é fator essencial para o processo de convenci-mento. Os gestores carismáticos podem demonstrar bastante entu-siasmo sobre uma nova ideia ou proposta, mas sua decisão final terá como base um conjunto equilibrado de informações - a experiência ensinou-os que as decisões finais devem basear-se em informações e não apenas em emoções. Gestores pensadores são influenciados por argumentos fundamentados em dados e, mostrando grande aver-são ao risco, são lentos em tomar uma decisão. Gestores céticos

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FINANCIAMENTO DE PROGRAMAS DESTINADOS AO DESENVOLVIMENTO E APOIO ÀS ATIVIDADES TURÍSTICAS DO ESTADO DE PERNAMBUCO E DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, POR MEIO DO PRODETUR 91

costumam duvidar de dados e fatos que não se encaixem em sua visão de mundo e tomam decisões baseadas em seus sentimentos e suas experiências. Os gestores seguidores baseiam-se em decisões tomadas por eles próprios ou por executivos de confiança, em situ-ações semelhantes, tendendo ser avessos ao risco. Por fim, os ges-tores controladores abominam incerteza e ambiguidade, priorizando exclusivamente os fatos e as análises inerentes às argumentações.

Kolb e Williams (2001) lembram, no início do artigo, que a arte de negociar foi, uma vez, considerada um dom da natureza e que, em certo aspecto, ainda o é, mas, crescentemente, no mundo dos negó-cios, tem sido considerada uma ciência. Todavia, algumas negocia-ções são interrompidas ou, pior, nem são iniciadas, o que, segundo as autoras, se atribui à uma dinâmica que elas denominam shadow negotiation, que se trata de uma encenação complexa e sutil, não feita “às claras”, que principia nos bastidores e que continua ao lon-go da negociação. Esse tipo de negociação não determina “o quê” da negociação, mas “o como”. Kolb e Williams identificaram três alavancas estratégicas, que denominaram mudanças de poder, es-tratégicas e apreciativas, que executivos podem utilizar na shadow negotiation. Em situações nas quais a outra parte não vê a necessi-dade obrigatória de negociar, as mudanças de poder podem ajudar a trazê-lo para a mesa de negociação. Quando a dinâmica do poder de decisão ameaça sobrepujar a voz do negociador, as mudanças de procedimento podem reformar a estrutura da negociação. Quando a conversação é interrompida pelo fato de que uma das partes se sente constrangida ou porque discordâncias turvam os reais interes-ses em jogo, mudanças apreciativas podem alterar o tom ou o clima das negociações, de forma a possibilitar maior colaboração entre as partes. Tais mudanças estratégicas não garantem que os negocia-dores sairão vencedores, mas ajudam que as negociações saiam da fase de diálogo obscuro para a luz de uma conversação verdadeira.

Lax e Sebenius (2003) argumentam que existem três dimensões complementares nas negociações: a interação, a elaboração de acor-do, e a configuração da negociação. Os problemas dessa última di-mensão, muitas vezes, são negligenciados. Assim, os negociadores dessa terceira dimensão devem ser estrategistas e projetistas dos negócios; devem também atuar como empreendedores, buscando criar soluções favoráveis. No primeiro momento, devem pesquisar

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO92

além do acordo imediato sobre a mesa, percebendo os elementos da rede de valor potencial do negócio. Os fundadores de novos em-preendimentos, quase sempre, precisam fazer a varredura a fim de desenvolver negócios promissores para a empresa. Devem também decidir a lógica do mapeamento e da realização do projeto e geren-ciar um bom fluxo de informações. Além disso, devem ter o cuidado de manter padrões éticos e não manipular clientes e parceiros.

Cullinan, Le Roux e Weddigen (2004) enfatizam que a diligência apropriada é a melhor estratégia na estruturação de uma transação de negócios, esclarecendo que os bem-sucedidos, apesar das idios-sincrasias e diferenças que influenciam suas pesquisas, construíram o processo de diligência apropriada por meio de uma investigação em quatro questões básicas: 1) O que estamos realmente compran-do? Nesse caso, bons observadores diligentes devem começar pelo desenho de um mapa do mercado-alvo, esquematizando o tamanho, a taxa de crescimento e indicando como se divide, geograficamen-te, o produto e o segmento do cliente. Devem sempre averiguar a competição (se a empresa-alvo se compara com as rivais em termos de segmentação de mercado, quais são as receitas e o lucro por região e por produto, etc., se os competidores da empresa-alvo têm vantagens de custos e por quais motivos. Os adquirentes devem lembrar que não estão comprando apenas o balanço patrimonial, mas também capacitações, como expertise administrativa; 2) Qual o valor intrínseco? Os autores alertam que os registros (livros) da empresa-alvo deveriam ser rigorosamente analisados, não apenas para verificar a correção dos números, mas também para determi-nar o valor real do negócio da empresa em si. É mais fácil dizer do que calcular a determinação do valor real de uma companhia; 3) Onde estão as sinergias e os “esqueletos”? É difícil avaliar rea-listicamente as sinergias advindas da aquisição. Os administrado-res, rotineiramente, superestimam o valor da sinergia do custo e da receita e subestimam a dificuldade de alcançá-lo; e 4) Qual o preço após o qual se deve distanciar do negócio? Trata-se do preço mais elevado que se deseja pagar, o qual é fixado na negociação. Ele nunca deve incluir o valor potencial das sinergias, ou seja, é importante calcular o valor intrínseco do negócio separadamente. Finalmente, os autores esclarecem que a diligência adequada diz

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respeito mais à humildade do administrador do que a qualquer outra coisa. Trata-se de testar qualquer assunção de uma ideia e questio-nar qualquer crença. Refere-se a não cair na armadilha de pensar-se ser capaz de resolver qualquer problema depois de sua ocorrência.

Segundo Conger (1998), no mundo dos negócios, a persuasão é amplamente percebida como uma competência reservada para a venda de produtos e fechamento de negócios; entretanto, também é percebida como uma forma de manipulação. Mas o que efetiva-mente envolve uma persuasão? Em termos gerais, envolve desco-berta, preparação e diálogo. Antes de o processo começar, o diálo-go serve para ouvir as opiniões do público, seus conceitos e suas perspectivas. Afirma que, durante o processo, o diálogo continua sendo uma forma de aprendizado, mas também é o estágio inicial da negociação. Nessa fase, as pessoas são convidadas a discutir e debater o mérito de sua posição e, depois, oferecer um retor-no positivo e sugerir soluções alternativas. O autor adverte que, apesar de parecer um caminho longo, essas etapas são fundamen-tais, pois a persuasão implica ouvir as outras partes e incorporar suas perspectivas em uma solução compartilhada. Conger discri-mina os seguintes passos para que a persuasão seja considerada eficaz: 1) estabelecer credibilidade; 2) definir metas de uma maneira que identifique pontos em comum com aqueles que pretende per-suadir; 3) reforçar as posições, usando uma linguagem viva e pro-vas conclusivas; e 4) conectar-se emocionalmente com o público.

Outro interessante aspecto inerente às negociações é evidenciado por Sebenius (2002), o qual relata os desafios nas negociações entre culturas diferentes. A cultura, os costumes e as tradições locais in-fluenciam demais as maneiras como cada um conduz o processo de negociação para chegar a um acordo final. O autor propõe formas de romper as barreiras culturais para chegar-se a um denominador comum. Mapear os problemas de comunicação e interpretação pode ser evitado quando se busca identificar quais são as partes envol-vidas e seu papel no processo. Tomar como base as negociações em seu país de origem é um erro, pois, em algumas culturas, as re-lações crescem somente após o sucesso de um acordo e não antes dele. Sebenius destaca igualmente as diferentes reações compor-tamentais entre norte-americanos, brasileiros, ingleses, japoneses (exemplificando situações diversas em negociações pelo mundo) e

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO94

ressalta que o choque de cultura pode influenciar negativamente se a postura dos negociadores não convier com o padrão local.

Weiss, Hogan, Chai, Meigher, Glynn Jr. e Cuneo (1996) relatam interessantes ensinamentos obtidos no decurso das negociações mantidas na formação de uma joint venture entre a General Mo-tors Corporation e a Toyota Motor Corporation, durante o perío-do 1982-1984. Os autores destacam que, dessa experiência, al-gumas lições podem ser aplicadas ao setor público, entre elas: 1) Todos são seres humanos, e diferenças culturais devem ser postas de lado na maioria dos casos; 2) Os japoneses, os ale-mães ou os italianos sentados á uma mesa têm as mesmas ne-cessidades, interesses e problemas que eles (norte-americanos).

A esse respeito, Sobral, Carvalhal e Almeida (2007) elaboraram inte-ressante estudo com o objetivo de identificar o estilo de negociação que tende a ser adotado pelos executivos brasileiros. Participaram da pesquisa 683 negociadores experientes, de 22 unidades da Fe-deração. Os autores identificaram que, para muitas organizações, as negociações internacionais são, cada vez mais, a norma e não uma exceção que ocorre esporadicamente. O estudo ressalta igual-mente que, com a globalização, a compreensão de como a cultura afeta as negociações entre parceiros de diferentes regiões é funda-mental para que se negocie eficazmente, e que a cultura influencia profundamente o pensamento, a comunicação e o comportamen-to das pessoas. Em decorrência, negociações interculturais bem-sucedidas requerem um entendimento do estilo negocial da outra parte, bem como a aceitação e o respeito por suas crenças e normas culturais. O estilo brasileiro de negociação é descrito pelos auto-res com base em sete dimensões culturalmente sensíveis: a na-tureza da atividade negocial; o papel do indivíduo; a incerteza e o tempo; a comunicação; a confiança; o protocolo; e os resultados.

Tais estudos (e especialmente o último) constituem boa referên-cia para o entendimento das negociações entabuladas e a ad-ministração de conflitos porventura existentes entre represen-tantes do governo do estado de Pernambuco e do município de Belo Horizonte e autoridades do Banco Interamericano de Desen-volvimento (BID), com vistas ao recebimento de fluxo de capi-tal para investimento no setor de turismo, por meio do Prodetur.

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Prodetur Nacional

Segundo o Ministério do Turismo (2010), as vantagens do Programa são as seguintes: propostas individuais e negociadas diretamente com o BID; maior agilidade no acesso aos recursos de financiamento; apoio técnico do Ministério do Turismo na preparação das propostas de financiamento internacional; ações regionais e nacionais a cargo do Ministério do Turismo; e redução dos custos inerentes à capta-ção de financiamento internacional. Poderão participar do Prodetur os estados e o Distrito Federal, bem como os municípios com mais de um milhão de habitantes. O financiamento total do BID ascende a um bilhão de dólares, com contrapartida de US$ 660 milhões.

O MTur (2010) esclarece, igualmente, que, para ter acesso a tal linha de crédito, é necessário que o destino pleiteador atenda aos seguin-tes requisitos (verbo ad verbum):

» Elaboração da carta-consulta à GETEC - Gerência Técnica para aná-lise conceitual e de viabilidade dos projetos propostos. A carta-consulta deve estar baseada em cinco componentes previstos pelo Programa: estratégia de produto turístico, estratégia de comercia-lização (informação, promoção e distribuição), fortalecimento insti-tucional, infraestrutura e serviços básicos, e gestão ambiental;

» Aprovada a carta-consulta pela GETEC, deve ser encaminhada à COFIEX - Comissão de Financiamento Externo - para autorização de contratação de financiamento internacional, com base em suas respectivas capacidades de endividamento e pagamento;

» Cada estado ou município deverá selecionar as áreas turísticas prioritárias para recebimento dos investimentos;

» Para cada área priorizada, deverá ser criado um Plano de Desen-volvimento Integrado do Turismo Sustentável - PDITS, que orien-tará a execução do financiamento que deverá ser avaliado pelos respectivos Conselhos de Turismo;

» Ter implantada ou prevista a Unidade de Coordenação do Projeto - UCP, com a estrutura básica de pessoal para análise, supervisão e gestão executiva, financeira e administrativa do Programa;

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO96

» Atender aos pré-requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal;

» Estar em dia com as obrigações relativas ao INSS, FGTS e à Re-ceita Federal;

» Estar em situação regular no CADIN - Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados, e no CADIP - Sistema de Registro de Ope-rações de Crédito com o Setor Público;

» Ter experiência prévia satisfatória, de no mínimo cinco anos, na execução de projetos de desenvolvimento turístico;

» No caso de entidades que não contem com experiência prévia, a análise institucional deverá indicar que a entidade executora pode realizar uma atuação satisfatória nas áreas abordadas pela linha de crédito;

» Contar com demonstrações financeiras atualizadas e devida-mente auditadas;

» Dispor de mecanismos apropriados para controles operacional, administrativo e financeiro de projetos turísticos já executados ou em fase de execução.

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Fonte: SETUR/EMPETUR

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Como já citado, a elaboração do Plano de Desenvolvimento Integra-do do Turismo Sustentável - PDITS é uma das exigências do BID aos destinos para que participem do Prodetur e deem continuidade ao procedimento de empréstimo. Esse Plano é um instrumento de pla-nejamento do turismo em uma área geográfica selecionada, que tem por objetivo principal orientar o crescimento do setor em bases sus-tentáveis em curto, médio e longo prazos, estabelecendo as bases para a definição de ações, de prioridades e de tomada de decisão.

Assim sendo, o MTur (2010) conclui que o PDITS deve constituir o instrumento técnico de gestão, coordenação e condução das de-cisões da política turística e de apoio ao setor privado, de modo a dirigir seus investimentos e melhorar a capacidade empresarial e o acesso ao mercado turístico. Além disso, deverá propor objetivos, metas e diretrizes para o desenvolvimento da atividade turística, visando à melhoria da qualidade de vida das populações residen-tes na área selecionada, que resultem em um documento com in-formações necessárias à caracterização da situação atual, identifi-cando problemas e oportunidades e definindo estratégias e ações.

Nesse Plano, são estabelecidos os segmentos de turismo que serão trabalhados, o mercado-alvo do polo, bem como as ações por prazos de implantação, de acordo com os cinco componentes do Prodetur:

» Componente I – Estratégia de produto turístico: ações voltadas à recuperação e à valorização dos atrativos turísticos públicos, necessárias para promover, consolidar ou melhorar a competitivi-dade dos destinos e dos empreendimentos turísticos;

» Componente II – Estratégia de comercialização (informação, pro-moção e distribuição)‏: ações destinadas a fortalecer a imagem dos destinos turísticos e a garantir a eficiência e a eficácia dos meios de comercialização escolhidos;

» Componente III – Fortalecimento institucional: ações designadas ao fortalecimento de secretarias e órgãos dirigentes de turismo, por meio de mecanismos interinstitucionais de gestão e coorde-nação, em âmbitos federal, estadual, local e privado, e do apoio à gestão turística estadual e municipal;

» Componente IV – Infraestrutura e serviços básicos: ações impres-cindíveis para gerar acessibilidade ao destino e, nele, satisfazer as necessidades básicas dos turistas durante a estada;

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FINANCIAMENTO DE PROGRAMAS DESTINADOS AO DESENVOLVIMENTO E APOIO ÀS ATIVIDADES TURÍSTICAS DO ESTADO DE PERNAMBUCO E DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, POR MEIO DO PRODETUR 99

» Componente V – Gestão ambiental: ações voltadas a garantir a pre-servação dos recursos naturais e culturais que são a base da ativida-de turística, assim como a prevenir e minimizar impactos ambientais e sociais que diversos investimentos turísticos possam gerar.

Os Programas no Brasil encontram-se em fases distintas. Entre aqueles em desenvolvimento, o Prodetur Nordeste II é o que se en-contra em fase mais avançada:

Prodetur Nordeste II (2003 a 2009) – Conta com financiamento do BID e teve sua conclusão prevista para 2009. Abrange os estados do Nordeste, o norte de Minas Gerais e o Espírito Santo. Os estados que já conseguiram empréstimos foram: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais;

Prodetur Sul (2005 a 2009) – Compreende os estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O con-trato de empréstimo não foi assinado, e há uma amostra de 30% dos projetos pré-aprovados pelo BID;

Proecotur (2007 a 2011) – Tem por objetivo viabilizar o desenvol-vimento do ecoturismo na região amazônica brasileira, com abran-gência em nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. A fase I está sendo concluída, sob supervisão do Ministério do Meio Ambiente, enquan-to a fase II está em preparação, sob coordenação do MTur;

Prodetur JK (2006 a 2010) – Abrange a região sudeste e parte da re-gião centro-este com os estados do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, São Paulo, do Espírito Santo, de Goiás e o Distrito Federal. Aguarda nova linha de crédito.

Figura 2 - Mapa do PRODETUR

PRODETUR JK, em concepção com

a elaboração do diagnóstico da oferta

turística e da macro estratégia.

PRODETUR NE II (US$ 400 milhões)

PRODETUR SUL (US$ 250 milhões)

PROECOTUR (US$ 200 milhões)

Fonte: Ministério do Turismo.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO100

A operação de crédito para os programas que estão em desenvolvi-mento é discriminada no fluxograma a seguir:

Figura 3: Fluxograma de empréstimo e contrapartida dos programas

Fonte: Ministério do Turismo.

É importante ressaltar que, do montante geral pleiteado por cada pro-grama, 60% provêm de empréstimos do BID, com uma contrapartida de 40% do Ministério do Turismo, para amortização em até 25 anos.

Prodetur Pernambuco

O Prodetur Pernambuco teve início no ano de 2008, quando foi criada a Unidade de Coordenação de Projetos, responsável por todo o processo de captação de recursos. A estratégia desenhada pelo estado de Pernambuco para o desenvolvimento do Prodetur Nacio-nal está alinhada com os principais pontos da política de Pernam-buco, ou seja: consolidar destinos turísticos já amadurecidos que precisam ser aprimorados; diversificar a oferta de segmentos turís-ticos, transformando o estado em um destino mais competitivo nos

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FINANCIAMENTO DE PROGRAMAS DESTINADOS AO DESENVOLVIMENTO E APOIO ÀS ATIVIDADES TURÍSTICAS DO ESTADO DE PERNAMBUCO E DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, POR MEIO DO PRODETUR 101

mercados regional, nacional e internacional; fomentar a ampliação espacial dos destinos turísticos do estado, visando à interiorização e à desconcentração da atividade; assumir o turismo como um dos propulsores do desenvolvimento; e criar um ambiente adequado e atrativo para investimentos privados nacionais e internacionais.

Nesse sentido, Pernambuco decidiu dar prosseguimento aos proje-tos do Prodetur Nordeste I e II para as regiões selecionadas nessa fase. Dessa forma, foram definidos três polos1 turísticos, conside-rados estratégicos para o desenvolvimento da atividade no estado:

» Polo Costa dos Arrecifes — contempla todos os municípios do litoral de Pernambuco e mais o distrito estadual de Fernando de Noronha;

» Polo Agreste — envolve os municípios de Caruaru, Bezerros, Gra-vatá e Bonito;

» Polo Vale do São Francisco — engloba os municípios de Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista.

Figura 4: Situação geográfica dos três polos de Pernambuco

Rota Náutica Coroa do Avião

Rota Engenhos e Maracatus

Rota Águas da Mata Sul

Rota Luiz Gonzaga

Rota da Crença e da Arte

Rota da Moda e da Confecção

Rota Sertão do São Francisco

Rota Costa dos Arrecifes

Rota Cangaço e Lampião

Rota da História e do Mar

Polo Vale do

São Francisco

Polo Costa

dos Arrecifes

Polo Agreste

Fonte: SETUR/EMPETUR.

Em seguida, foi desenvolvido o PDITS em Pernambuco, que teve, como princípio orientador, a integração. O PDITS é o documento orientador básico dos futuros investimentos na atividade turística no estado de Pernambuco, tanto no que se refere ao Poder Público, quanto nas possíveis parcerias e nos investimentos do setor privado.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO102

Dessa forma, o plano vai em direção ao mote atual do governo do estado de interiorizar o turismo; porém, também contempla a neces-sidade de incremento do número de destinos turísticos efetivamente comercializados, em todo o estado, o que é fundamental, inclusive, para que a interiorização possa acontecer de forma bem-sucedida.

O período previsto de execução do PDITS Pernambuco é de 2008 a 2020, e as ações financiadas com recursos do Prodetur Pernam-buco têm duração de quatro anos e o valor total da operação é de US$ 125 milhões. Dessa forma, o estado viu-se obrigado a priorizar destinos e programas, de forma a oferecer um plano exequível para esse intervalo temporal.

O PDITS PE identificou como destinos consolidados, isto é, destinos que têm altos níveis de visitação e são responsáveis pela manuten-ção do estado no mercado turístico e, também em função disso, podem rumar à saturação e decadência, os municípios de Ipojuca (especialmente o distrito de Porto de Galinhas), Fernando de Noro-nha e os principais municípios da região metropolitana de Recife (Recife, Olinda e Jaboatão dos Guararapes).

Ainda de acordo com o plano estratégico de turismo do estado, ou-tros municípios, como Caruaru, Gravatá, Bezerros e Bonito — Polo Agreste — e Petrolina, Lagoa Grande, Santa Maria da Boa Vista — Polo do Vale do São Francisco —, já dispõem de algum fluxo turístico e apresentam potencial turístico, mas não apresentam um desenvolvimento organizado. São destinos que atraem um fluxo majoritariamente local e/ou regional, mas que têm potencial para consolidar-se com esse público e, eventualmente, até mesmo atingir público nacional / internacional. O tipo e o nível de desenvolvimento desses municípios são bastante diversos, inclusive em função do tipo de atratividade de cada um deles, indo desde segunda residên-cia até negócios. Entretanto, todos têm em comum a necessidade de uma grande estruturação, tanto em termos de estrutura física e desenvolvimento de atrativos, quanto de organização estratégica.

No momento, o Polo Agreste e o Polo do Vale do São Francisco são importantes elementos complementares ao setor turístico do Polo dos Arrecifes, no estado de Pernambuco.

A estratégia de desenvolvimento adotada para esse plano consis-te na utilização do elemento diferencial, fruto da conjugação “sol

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e praia com cultura”, voltado para um público específico de sol e praia, com interesse complementar em cultura, mantendo o primeiro elemento ainda como principal oferta. Por outro lado, também deve focar-se em um público interessado majoritariamente no aspecto cultural, com a oferta “cultura agregada a sol e praia”, sendo a pri-meira o elemento de atração, e a última, o grande diferencial com-plementar de outros destinos “culturais”.

Pelo plano estratégico de Pernambuco busca-se captar um público específico, utilizando o diferencial do sertão pernambucano, com a conjugação bem-sucedida entre cultura e caatinga. O modo de vida do sertanejo deve ser valorizado e utilizado como elemento atrativo. Apesar de quantitativamente pequeno, o público com esse tipo de interesse reverte em grande benefício para o local em que a ativida-de turística com tal enfoque acontece.

Assim, o objetivo do PDITS PE, em consonância com a perspectiva do Ministério do Turismo e com os objetivos estratégicos da Secretaria de Turismo de Pernambuco, é planejar a integração do litoral pernambuca-no com o Polo Agreste, promovendo o turismo de forma regionalizada.

Prodetur Belo Horizonte Com uma demanda turística crescente, em razão do turismo de ne-gócios e eventos, aliado à diversificada oferta cultural, o município de Belo Horizonte, por meio da Belotur — Empresa Municipal de Tu-rismo de Belo Horizonte —, começou a integrar o Prodetur em 2009, após a celebração do convênio com o Ministério do Turismo para a elaboração do PDITS de Belo Horizonte. O estado de Minas Gerais que integra o Prodetur NE II, conveniou recursos para a elaboração do PDITS da região metropolitana de Belo Horizonte que, recente-mente, defendeu sua carta-consulta perante a GETEC - Gerência Téc-nica para análise conceitual e de viabilidade dos projetos propostos.

A região estratégica selecionada para o PDITS é composta pelas nove regiões do município de Belo Horizonte: Norte, Nordeste, Noro-este, Barreiro, Pampulha, Venda Nova, Oeste, Leste e Centro-Sul, e a maior parte dos equipamentos e produtos turísticos está localizada nessa última região.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO104

Figura 5: Mapa das regiões do município de Belo Horizonte — MG

Ribeirãodas Neves

Venda Nova

Norte

Nordeste

Sabará

SantaLuzia

Pampulha

NoroesteContagem Contagem

Centro-Sul

Oeste

Barreiro

Barreiro

Nova Lima

Brumadinho

Vespasiano

Fonte: Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais (2010).

O PDITS de Belo Horizonte tem como objetivo principal o desenvol-vimento, de forma integrada e sustentável, do turismo no município de Belo Horizonte, associando os preceitos de valorização cultural, conservação ambiental e participação comunitária, tendo como re-sultado a geração de emprego e renda. Com a elaboração do plano, pretende-se ratificar as vocações turísticas da cidade, bem como a construção de uma ferramenta que estabeleça bases para a definição de ações prioritárias para o governo, de forma a embasar tomadas de decisão e nortear investimentos dos setores públicos e privados.

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FINANCIAMENTO DE PROGRAMAS DESTINADOS AO DESENVOLVIMENTO E APOIO ÀS ATIVIDADES TURÍSTICAS DO ESTADO DE PERNAMBUCO E DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, POR MEIO DO PRODETUR 105

O documento começou a ser desenvolvido em fevereiro de 2010. Tão logo seja validado pelo Ministério do Turismo e pela sociedade civil, o PDITS BH será o balizador para a carta-consulta do municí-pio, sustentando, assim, o planejamento turístico da cidade. Após a conclusão dos estudos e o término do PDITS, será criada a Unidade de Coordenação de Projetos — UCP —, a fim de compor uma equipe de coordenação para execução dos projetos elencados como priori-tários pelo Plano de Ações.

Paralelamente ao desenvolvimento do PDITS, a Belotur está desen-volvendo um projeto de elaboração e implantação do Plano de Ações Estratégicas e o aprimoramento e a atualização do Plano de Marke-ting já existente em Belo Horizonte. Tal projeto tem, entre os objetivos específicos, o propósito de aumentar a competitividade e maximizar os benefícios que o setor turístico de Belo Horizonte poderá alcan-çar nos próximos anos, visando inclusive, ao advento da Copa do Mundo de 2014, em que Belo Horizonte será uma das cidades-sede.

Ao integrar o Prodetur, o município de Belo Horizonte tem como fina-lidade confirmar sua vocação para o segmento do turismo de eventos e negócios, assim como evidenciar sua gastronomia e sua cultura, aspectos motivadores do turismo na capital mineira.

Principais atores envolvidos no processo de negociação do Prodetur Os principais atores envolvidos no processo de negociação do Pro-detur, independente do destino que esteja pleiteando o empréstimo ao BID, não variam muito. Normalmente, as esferas envolvidas são: Secretaria de Turismo do Estado ou do Município, o Ministério do Turismo, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o trade turís-tico, os municípios ou as regiões que integrarão os polos turísticos e a Unidade de Coordenação de Projetos — criada com o objetivo de coordenar todo o processo de negociação.

A figura a seguir representa todos os atores envolvidos no processo de negociação (no caso, Prodetur PE e Prodetur BH). A esfera em que pode haver variação é a da região que será estrategicamente

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO106

escolhida como prioritária — denominada, no PDITS, polo turístico. Esse polo pode ser composto por regiões, municípios ou até bairros que, com base em um critério de seleção justificado, irão compor as regiões estratégicas contempladas no Plano de Ações do PDITS. Figura 6: Atores envolvidos nos processos de negociação do Prodetur PE e do Prodetur BH

Em seguida, são identificados os principais objetivos de cada um dos atores envolvidos na negociação:

Ministério do Turismo — objetivos:

» Promover o desenvolvimento do turismo nas diversas unidades da Federação;

» Alcançar as metas do Plano Nacional de Turismo, ampliando a importância do setor turístico no desenvolvimento do País, por meio da geração de novos empregos e da redução das desigual-dades regionais;

» Estruturar os destinos e dar qualidade turística ao produto turís-tico brasileiro;

» Aumentar a competitividade do produto turístico nacional;

» Melhorar as condições de vida da população residente nos desti-nos turísticos;

» Promover o desenvolvimento socioeconômico local de forma sustentável;

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» Apoiar a recuperação e adequar a infraestrutura dos equipamen-tos nos destinos turísticos.

Banco Interamericano de Desenvolvimento — objetivos:

» Realização de empréstimo com garantias de execução das ações previstas no plano e da capacidade de pagamento do estado — uma vez atendidos os objetivos e metas do plano de turismo de-senvolvido, pressupõe-se, logicamente, que o estado será capaz de cumprir o pagamento da dívida.

Governo estadual — objetivos:

» Receber fluxo de capital para investimento nos polos seleciona-dos, por meio da obtenção do empréstimo;

» Desenvolver o turismo no estado, gerando emprego e renda.

Municípios/regiões/bairros — objetivos:

» Estarem inseridos na área estratégica do PDITS que receberá in-vestimentos do governo.

» Receberem ações prioritárias — financiadas com recursos do Pro-detur — desenvolvidas nos limites das regiões selecionadas;

» Estruturarem-se para desenvolvimento do turismo nos destinos, ampliando o fluxo de visitantes e gerando emprego e renda;

» Ampliarem o fluxo turístico para a localidade.

Trade turístico — objetivos:

» Facilitar o fortalecimento da infraestrutura do turismo local;

» Indicar as melhorias necessárias ao desenvolvimento do turismo no local;

» Ampliar o fluxo turístico para a localidade.

Secretaria de Turismo do Estado/Município — objetivos:

» Receber fluxo de capital para investimento nos polos seleciona-dos, por meio da obtenção de empréstimo;

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO108

» Desenvolver o turismo no estado/município;

» Promover o turismo de forma regionalizada (no caso específico de Pernambuco, por meio da integração do litoral com o Polo Agreste);

» Ampliar o fluxo turístico para o estado/município.

UCP: Unidade de Coordenação de Projetos — objetivos:

» Promover o entendimento entre os diversos agentes envolvidos no processo de negociação;

» Desenvolver o processo, de forma a obter o empréstimo para o estado/município;

» Estabelecer condições plausíveis para a execução das ações do Prodetur.

Principais conflitos identificados no Prodetur PE e BH O conflito é, efetivamente, um processo de oposição e confronto que tem início quando uma das partes percebe que a outra afe-ta (ou pode afetar) negativamente alguma coisa que a primeira considera importante.

Quando o processo de negociação envolve diversos atores, os conflitos aparecem em cadeia e interferem nos outros. Há con-flitos que se repetem com diferentes atores e, apesar de serem os mesmos, as táticas e as estratégias utilizadas para solucioná-los nem sempre podem repetir-se por causa de características e interesses particulares das partes envolvidas. Como o proces-so de negociação do Prodetur é longo e burocrático, são encon-tradas diversas dificuldades pelos mutuários durante o percur-so, o que traz morosidade e conflitos entre os atores envolvidos.

São discriminados, a seguir, os principais conflitos identificados por atores, no processo de negociação do financiamento do Banco Inte-ramericano de Desenvolvimento para atividades relacionadas com o desenvolvimento do turismo por meio do Programa de Desenvolvi-mento do Turismo — Prodetur em Pernambuco:

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Secretaria de Turismo e governo do estado

» Convencimento para o endividamento do estado para ações de turismo;

» Decisão acerca do montante a ser solicitado em empréstimo e em sua aplicação, no âmbito da política estadual de desenvolvimento do turismo;

» Viabilização do projeto no programa de governo e nas metas da gestão.

Unidade de Coordenação do Projeto e Secretaria de Turismo

» Compreensão da necessidade de estabelecer-se equipe própria;

» Autonomia da Unidade de Coordenação do Projeto para iniciar a preparação dos documentos;

» Reconhecimento interno da importância e da prioridade para as ações do programa.

Unidade de Coordenação do Projeto e municípios:

» Entendimento da função do programa e da utilização dos recursos;

» Adesão para a parceria nas ações sem que o município receba recursos diretos do programa;

» Priorização de ações realmente impactantes no turismo local, que tenham ligação com a estratégia desenhada para o programa.

Unidade de Coordenação do Projeto e Trade

» Entendimento da função do programa e da utilização dos recursos;

» Adesão para a parceria nas ações, sem que o trade receba recur-sos diretos do programa;

» Priorização de ações realmente impactantes no turismo local que tenham ligação com a estratégia desenhada para o programa;

» Construção de uma visão coletiva do desenvolvimento do polo, em contraponto às demandas individuais.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO110

Unidade de Coordenação do Projeto e Ministério do Turismo

» Negociação para aporte de recursos do orçamento federal, como contrapartida;

» Compreensão para repasse dos recursos ao estado e não aos municípios;

» Adequação entre o Plano Nacional de Turismo e as ações do Plano Estratégico Estadual de Turismo e o Prodetur Nacional Pernambuco.

Unidade de Coordenação do Projeto e BID

» Negociação para financiamento das ações priorizadas pelo estado;

» Discussão acerca da documentação preliminar solicitada para aprovação do financiamento;

» Definição da área de abrangência do programa;

» Definição dos montantes a serem investidos em cada polo e em cada componente do programa;

» Discussão das condições de execução do programa durante as missões de acompanhamento.

Em Belo Horizonte, a situação conflituosa entre os atores também é complexa; porém, como o processo ainda está em fase inicial, não se chegou às etapas posteriores já identificadas no estado de Pernambuco. São relatados, a seguir, os principais conflitos iden-tificados por atores no processo de negociação do financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento para atividades rela-cionadas com o desenvolvimento do turismo por meio do Progra-ma de Desenvolvimento do Turismo — Prodetur, em Belo Horizonte:

Belotur e Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

» Preparação, por parte da Belotur, de argumentação consistente quanto aos benefícios de adesão ao Programa, de forma a evi-denciar os proveitos a serem alcançados com ações contempla-das no Prodetur;

» Negociação, entre a Prefeitura e demais secretarias municipais,

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para adesão ao Programa, tendo em vista a capacidade de endivi-damento e pagamento do município;

» Convencimento para o endividamento do município focado em ações que fortaleçam a atividade turística;

» Decisão acerca do montante a ser solicitado em empréstimo e de sua aplicação, no âmbito da política municipal de desenvolvimen-to do turismo.

Belotur e Trade

» Apresentação do programa Prodetur e, num primeiro momento, a realização do projeto de elaboração do PDITS de Belo Horizonte;

» Articulação para o trabalho em rede de todas as entidades do trade turístico, sem o recebimento de recursos financeiros para a implementação de projetos individuais por entidade;

» Priorização de projetos que atendam a demandas do setor turísti-co, privilegiando o legado turístico e a estratégia apontados pelo PDITS, e não as atividades desempenhadas individualmente por instituição;

» Entendimento da função do programa e da utilização dos recursos.

Belotur e Ministério do Turismo

» Negociação para aporte de recursos do orçamento federal como contrapartida, antecipadamente, à assinatura do contrato com a instituição financiadora;

» Adequação entre o Plano Nacional de Turismo, Programa Munici-pal de Governo, Estudo de Competitividade dos 65 Destinos Turís-ticos Indutores do Desenvolvimento Turístico Regional e Políticas do Prodetur Nacional.

Além dos conflitos identificados entre os principais atores envolvi-dos, tanto no Prodetur PE quanto no Prodetur BH, existem algumas dificuldades externas ao processo que são características da realida-de brasileira, tais como: o sistema burocrático do País, que acarreta lentidão do serviço público; o baixo orçamento destinado às pastas

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de turismo; a escassez de profissionais da área de turismo nas se-cretarias e a falta de investimento em pesquisas na área do turismo nos municípios brasileiros.

Outro aspecto que deve ser destacado é o baixo orçamento das se-cretarias de turismo, pois, comumente, necessidades e prioridades de alguns destinos são básicas, como saúde, educação, saneamento básico e infraestrutura geral. Esse fator dificulta o investimento do governo em secretarias que não estejam diretamente relacionadas com as prioridades imediatas.

A carência de profissionais da área de turismo nas secretarias da área é relevante. Há ainda uma tímida iniciativa de alguns gover-nos para abrir concursos públicos municipais e/ou contratar ba-charéis em turismo para atuarem nas pastas. Esses profissionais são de suma importância para o desenvolvimento e o bom desem-penho das atividades das secretarias de turismo. Nota-se que, geralmente, a mão de obra encontrada em grande parte das se-cretarias de turismo e, proveniente de outras áreas, é contratada para cargos de confiança. Esse fator possibilita a descontinuidade de ações e projetos, de acordo com as gestões e seus interesses.

Dessa maneira, há uma escassez notória, em grande parte dos municípios, de pesquisas de demanda, oferta, inventário dos equi-pamentos turísticos, estudo de mercado, monitoramento e acom-panhamento do número de turistas que visitam determinadas lo-calidades, bem como carência de um histórico comparativo, falta de plano e de outras pesquisas e dados que são exigidos pelo BID no PDITS. Essa escassez de investimentos em pesquisas e monito-ramento na área do turismo é uma das maiores deficiências iden-tificadas nos municípios pelo Estudo de Competitividade dos 65 Destinos Indutores do Desenvolvimento Turístico Regional. Tais dados são de suma importância para o diagnóstico dos polos e a composição de estratégias, no sentido de definir as ações do PDITS.

E, finalmente, o longo percurso do processo de financiamento, com-posto por várias etapas, validação por diversas entidades públicas e instituições, torna o processo mais burocrático e lento. O andamen-to do processo que, normalmente já teria uma duração de dois anos, torna o tempo, o esforço e os recursos gastos, geralmente, maiores do que os previstos.

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Resolução de conflitos no Prodetur PE

Para cada conflito identificado entre os atores do Prodetur PE, houve uma negociação para que se chegasse a um acordo, de maneira a dar prosseguimento às etapas posteriores. A primeira negociação reali-zada foi com o governo do estado, para convencimento de endivida-mento para ações de turismo. A partir daí, definiu-se o montante a ser negociado, o tempo de amortização da dívida com o BID, as taxas de juros e a carência do empréstimo. Ainda foi necessário viabilizar e ali-nhar o projeto, no programa de governo e nas metas da gestão atual.

Para a definição das áreas estratégicas que seriam contempladas no PDITS, foi seguida a estratégia do Prodetur Nacional de consolidar destinos turísticos já amadurecidos no estado de Pernambuco, mas que precisam ser aprimorados. Por meio de uma série de reuniões com os gestores dos municípios, foi possível identificar as priorida-des dos municípios apontadas pelos próprios gestores municipais. Atualmente, os grandes destinos turísticos do estado, pertencen-tes majoritariamente ao Polo Costa dos Arrecifes, apresentam sé-rios problemas estruturais, tanto em relação à infraestrutura básica, quanto à de apoio. Esses destinos serão priorizados nas ações de curto prazo, já que apresentam altos níveis de visitação e são res-ponsáveis pela manutenção de Pernambuco no mercado turístico e, também em função disso, podem rumar à saturação e decadência.

Outros municípios, com grande potencial, já recebem um fluxo de turis-tas considerável, especialmente na temporada de verão. São destinos majoritariamente de sol e praia, mas que também agregam elemen-tos de apelo natural e/ou cultural, porém ainda sem a devida estru-turação. Outros municípios pertencentes ao Polo Agreste e ao Polo do Vale do São Francisco já têm algum fluxo turístico e apresentam potencial nesse sentido, mas não revelam um desenvolvimento orga-nizado. São destinos que atraem um fluxo majoritariamente local e/ou regional, mas que têm potencial para se consolidar com esse público e, eventualmente, até mesmo atingir um público nacional/internacional.

Dessa maneira, foi feita uma negociação entre a Unidade de Coor-denação de Projetos e os municípios para estabelecer os que se-riam contemplados prioritariamente e os impactados indiretamen-

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te, por meio de investimentos e compreensão deles para entender que o repasse dos recursos seria ao estado e não aos municípios.

A estratégia utilizada durante a construção do PDITS foi de elaboração dos tópicos, de acordo com as cláusulas do Termo de Referência e utilizando material, pesquisas e fonte de dados primários e secundários existentes no estado de Pernambuco. Com a entrega do relatório ao Mi-nistério do Turismo e ao BID, a Secretaria de Turismo do estado aguar-dou o aval e o posicionamento das entidades em relação ao PDITS.

Muitas exigências e considerações foram feitas, de maneira que o documento passou por várias revisões até chegar ao mais pró-ximo possível do exigido. Foi entabulada uma negociação com o BID, em relação a alguns aspectos que não foram cumpridos, pois, de acordo com o estado, o Banco deve levar em consideração as especificidades dos estados e a realidade dos destinos. Foi en-contrada dificuldade no levantamento de dados com base em pes-quisas; dessa forma, essas questões foram abordadas na análise SWOT do documento (por polos) como pontos fracos e com ne-cessidade de investimentos prioritários para curto e médio prazos.

Houve, mediante as diversas revisões e exigências, a extensão dos prazos de entrega. Os conflitos acerca da definição dos montantes a serem investidos em cada polo e em cada componente — produto turístico, comercialização, fortalecimento institucional, infraestrutu-ra e serviços básicos e gestão ambiental — foram acordados, assim como as condições de execução do programa durante as missões de acompanhamento. O processo ainda está em andamento, e os conflitos vão surgindo de acordo com as etapas a serem atingidas.

Resolução de conflitos no Prodetur BH

Para os conflitos já identificados no Prodetur BH estão sendo esta-belecidas estratégias e táticas para minimizar os impactos negativos — como lentidão e atrasos — na fase inicial do processo. Em rela-ção à negociação de conflitos entre os atores Belotur e Prefeitura de Belo Horizonte, foi apresentado a essa Prefeitura um estudo do ISS — Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (no caso, Tu-rísticos) —, com enfoque na arrecadação oriunda do setor turístico,

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de forma a apresentar a evidente possibilidade de aumento de arre-cadação, condicionada à melhoria da oferta de serviços e produtos turísticos, bem como infraestrutura básica e específica, entre tantas outras demandas do setor.

Quanto à negociação com outras secretarias municipais, interessa-das em financiamentos similares, que perpassam a capacidade de endividamento e pagamento do município, está sendo elaborado um portfólio de todos os projetos da Prefeitura, de maneira a identificar projetos similares ou complementares, para que então seja definida uma cota para cada negociação.

Conclusão Em suma: segundo o Regulamento Operacional do Prodetur Na-cional (2008), tal Programa é uma Linha de Crédito Condicional, do BID, que inclui ações nos âmbitos regional, estadual e muni-cipal, tendo por objetivo contribuir para o fortalecimento da Polí-tica Nacional de Turismo, bem como consolidar a gestão turística cooperativa e descentralizada, avançando rumo a um modelo de desenvolvimento turístico, com base no qual os investimentos dos governos estaduais e municipais respondam, tanto às especifici-dades próprias, como a uma visão integral do turismo no Brasil.

O documento destaca, igualmente, que as Operações Individuais de Crédito deverão cumprir requisitos de elegibilidade, entre eles, estarem baseadas em PDITS viáveis que tenham sido prepara-dos com a participação dos devidos agentes federais, estaduais e municipais e que contenham um calendário de atividades co-erente e uma previsão e mitigação adequada de impactos. Cabe ressaltar que o objetivo do PDITS é estabelecer as bases para a definição de prioridades para o desenvolvimento do turismo numa área determinada e ações e investimentos corresponden-tes. E mais: que a metodologia a ser desenvolvida para a elabo-ração do PDITS deve considerar os seguintes princípios: planeja-mento estratégico voltado ao mercado turístico, desenvolvimento sustentável, planejamento participativo e planejamento integrado.

Stilpen (2009) salienta que todos os conceitos de planejamento

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comungam nas idéias de complexidade e de ação voltadas para o futuro; assim sendo, estudos são passíveis até de eventuais cor-reções de rumo após sua implantação. Além disso, que as pes-quisas em turismo podem ser classificadas como de caráter con-juntural ou estrutural e os estudos a respeito podem incluir o componente “desenvolvimento”, haja vista não se tratar de algo estático, sendo, portanto, lícita sua permanente revisão. O pre-sente artigo ressaltou as dificuldades encontradas no País em re-lação à qualificação de mão de obra voltada para o turismo, ainda mais em se tratando da elaboração de pesquisas visando à obten-ção de informações necessárias para o planejamento do turismo.

Os dados estatísticos referentes à atividade turística, mesmo em destinos considerados importantes, são, por diversas vezes, divulga-dos com bastante atraso, não havendo tempo hábil para a tomada de decisão por parte dos governos (municipais, estaduais e federal). Em realidade, muitas dessas informações necessárias ainda não estão disponíveis. Em várias outras, não se tem a credibilidade necessária. Tendo em vista a carência de informações em algumas localidades, ou mesmo o atraso na divulgação desses resultados, estimam-se, preca-riamente, valores para a composição de inúmeras séries temporais. Dessa forma, os governantes, muitas vezes, têm uma massa incom-pleta e irreal de dados, imprestáveis como subsídio para a tomada de quaisquer providências, pois, certamente, não surtirão o efeito dese-jado. Muitas delas são adotadas com base no “achismo”, em virtude da carência de dados confiáveis. Hoje em dia, num mundo cada vez mais competitivo, é condição sine qua non dispor de informações que possibilitem a adoção de medidas eficazes, visando à correção de rumos, com base em pesquisas bem elaboradas, não mais se admi-tindo amadorismo em qualquer ramo de atividade (STILPEN, 2009).

Além disso, o presente trabalho destaca o direcionamento de or-çamentos para demais prioridades básicas (como saúde, sanea-mento básico, etc.), a morosidade do processo de negociação do Prodetur, o conflito entre os atores envolvidos, e assim por diante. Por meio de estudo de casos, procurou-se ressaltar as dificuldades inerentes ao processo de financiamento de programas destinados ao desenvolvimento e apoio às atividades turísticas do estado de Pernambuco e do município de Belo Horizonte. Cada caso é um caso, mas esses principais entraves também deverão ser detecta-

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dos em negociações relativas a outros destinos turísticos brasileiros.

Trata-se, nos dois exemplos, de processos ainda não totalmente concluídos. Quais os resultados já atingidos? Com a resolução de diversos conflitos inerentes ao Programa em Pernambuco, desde o convencimento do estado para obter empréstimo para atividades turísticas à definição das áreas estratégicas e outras etapas que foram sendo vencidas ao longo do processo, viabilizou-se que o Prodetur PE obtivesse a elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável finalizada e aprovada. O Prodetur PE deverá passar da fase de redação de minutas contratuais à de encaminhamento à SEAIN (Secretaria de Assuntos Internacionais). Como ressaltado, o processo ainda está em andamento e apenas a primeira linha do fluxograma, ilustrada neste trabalho (Figura 1), foi alcançada. Os conflitos negociados até esta etapa foram acor-dados e diversos outros despontarão, a partir do momento em que surgirem confrontos ou divergências de interesses entre as partes.

Em relação aos resultados obtidos pelo Prodetur em Belo Horizon-te, ainda não é possível mensurá-los, em razão de o processo de negociação estar em fase inicial. Desse modo, salvo as reuniões de articulação realizadas com o Ministério do Turismo, em que al-guns projetos essenciais ao programa já foram empenhados, o Pro-detur BH está na etapa de elaboração do PDITS no fluxograma.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO118

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO120

Democratização do turismo no Brasil:um estudo sobre o papel do turismo social

AUTORES

Bianca Freire Medeiros

Diana Costa de Castro

Marcelo de Oliveira Vidal

Palloma Menezes

Patrícia Motta

Thaís Costa da Silva

RESUMO

A chamada “democratização do turismo” de fato ainda não ocorreu em todos os sentidos de possibilidade. Isso porque dados, como con-centração de renda e o alto custo dos serviços turísticos, são fatores que minimizam esse processo e distanciam muitas pessoas da prática de atividades turísticas. Esse panorama vem instigando cada vez mais o interesse de diversas instituições públicas e privadas a incentivar e promover o turismo para “setores menos favorecidos” da população. Tais instituições — que se autoidentificam como promotoras do “tu-rismo social “— existem em diversas partes do mundo (inclusive no Brasil) e defendem que o turismo é um direito a que todos deveriam ter acesso. Este artigo tem como objetivo central, apresentar reflexões sobre o “processo de democratização do turismo” e sobre o conceito de “turismo social”. O intuito deste trabalho é questionar de que forma a discussão sobre “turismo como direito” surgiu e vem-se desenvol-vendo no Brasil atualmente. Para tanto, elaborou-se, uma discussão teórica acerca do processo de massificação do turismo e, posterior-mente, analisou-se como as classes populares e as iniciativas que vi-sam a democratizar o turismo no Brasil se inseriram nesse processo.

Palavras-chave:Democratização, turismo social, classes populares

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Turismo, la-zer e consumo, ministrada pela professora Bianca Freire Medeiros com a tutoria de Palloma Menezes, no Curso Observatório de Inovação do Turismo, da EBAPE/FGV.

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Introdução

Segundo John Urry (1996), ser turista é uma das principais caracterís-ticas da vida moderna. O turismo é um oposto complementar à lógica do trabalho: as férias são uma espécie de ócio qualificado. Não viajar é como não possuir um bom carro ou uma bela casa, já que o turis-mo é algo que confere status nas sociedades modernas e, além disso, julga-se também que ele seja necessário à saúde do corpo e da mente.

Falar do turismo como uma característica da modernidade, contu-do, não quer dizer que, nas sociedades pré-modernas, não existiam viagens organizadas. Como afirma Freire-Medeiros (2000), “viajan-tes — homens e mulheres deixando para trás seus lugares de origem com propósitos diversos — sempre existiram”. Todavia, até certo mo-mento, o ato de viajar caracterizava-se como um privilégio das elites.

O turismo, nos países do chamado “primeiro mundo”, popularizou-se, no século XIX, tendo como marco as excursões aos balneários britânicos por famílias de trabalhadores da indústria e também as viagens realizadas por Thomas Cook, como explicita Urry (1996). Essa nova visão de tu-rismo possibilitou o acesso a milhares de trabalhadores às atividades de lazer e viagens e transformou-se em um processo reproduzido em todo o mundo, embora com características distintas, principalmente no que se refere ao “grau de democratização do turismo”. Como aponta Barreto (2003), outras classes, fora da nobreza, passaram a viajar, mas isso não implica dizer que houve uma ”universalização do fenômeno turístico”.

A chamada “democratização do turismo” no mundo — e principal-mente no Brasil — de fato ainda não ocorreu em todos os sentidos de possibilidade. Isso porque dados, como concentração de renda e o alto custo dos serviços turísticos, são fatores que minimizam esse pro-cesso e distanciam muitas pessoas da prática de atividades turísticas.

Esse panorama vem instigando cada vez mais o interesse de diversas instituições públicas e privadas a incentivar e promover o turismo para “setores menos favorecidos” da população. Tais instituições — que se autoidentificam como promotoras do turismo social — existem em diver-sas partes do mundo (inclusive no Brasil) e defendem que o turismo é um direito a que todos deveriam ter acesso. Embora no Brasil ainda tenham uma projeção pequena e recente, os programas de apoio e facilitação do

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acesso ao turismo estão sendo gradualmente desenvolvidos de forma a sugerir uma crescente democratização da atividade turística no País.

Este artigo tem, pois, como objetivo central, apresentar reflexões sobre o “processo de democratização do turismo” e sobre o conceito de “tu-rismo social” — que é apontado por diversas instituições como um ins-trumento de promoção desse processo. O intuito deste trabalho é ques-tionar de que forma a discussão sobre “turismo como direito” surgiu e vem-se desenvolvendo no Brasil atualmente. Para tanto, elaborou-se, inicialmente, uma discussão teórica acerca do processo de massificação do turismo no mundo e no Brasil e, posteriormente, analisou-se como as classes populares e as iniciativas que visam a democratizar o turismo se inseriram nesse processo. Além da discussão teórica, será apresen-tada uma análise empírica de projetos de turismo social existentes no Brasil que buscam promover a chamada “democratização do turismo”.

O artigo em tela é resultado de uma pesquisa qualitativa, baseada em dados bibliográficos acerca do histórico das relações de massificação do turismo e da recente busca por democratização das viagens, asso-ciada à prática do turismo social no mundo e, mais especificamente, no Brasil. Durante a pesquisa, fez-se um levantamento bibliográfico de estudos teóricos que tratam da temática do turismo social e tam-bém um levantamento de projetos de turismo social elaborados por diferentes instituições. Além disso, buscou-se realizar uma discussão sobre o lazer e a prática do turismo nas classes populares brasileiras. Para tanto, pesquisaram-se fontes bibliográficas e relatórios de pes-quisa que tratam do tema, como o elaborado pelo Ministério do Turis-mo com dados sobre o consumo de turistas das classes “C” e “D”.

Entende-se que o “turismo social” como objeto de estudo ainda não foi explorado academicamente em todo o seu potencial, mesmo sen-do de grande importância para o entendimento e o desenvolvimento da prática do “turismo inclusivo” no País. Não existe ainda um con-senso para definições de turismo social e processos de democrati-zação nem análises mais apuradas sobre as formas como as classes populares praticam essa atividade. Portanto, acredita-se que este ar-tigo contribuirá para a evolução teórica dessa temática e poderá in-centivar também pesquisas posteriores sobre assuntos correlatos.

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Massificação do turismo no mundo e no Brasil

O processo de popularização do turismo na Inglaterra iniciou-se em meados do século XIX. Nesse período, em que grande parte da população inglesa ainda não tinha acesso a passeios turísticos, Tho-mas Cook teve um papel fundamental por tentar, de forma pioneira, promover a popularização das viagens.

Houve, no século XIX, algumas diferenças interessan-tes entre as férias populares no sul e no norte do país. No sul, as excursões de um só dia eram mais populares e tendiam a ser organizadas por companhias ferroviárias e grupos de interesse nacional, tais como a Liga Dominical Nacional, ou firmas comerciais, a exemplo de Thomas Cook. Esta orga-nização foi fundada em 1841 quando Thomas Cook fretou um trem de Leicester para Loughborough, para um encontro sobre a temperança. Sua primeira excursão de prazer foi or-ganizada em 1844, e o pacote incluía um guia que acompa-nhava o grupo a lojas recomendadas e a locais de interesse histórico que mereciam ser “olhados” (URRY, 1996, p. 43).

Apesar de essas primeiras iniciativas terem sido muito importantes, o número de pessoas que podiam viajar aumentou de forma significati-va na Inglaterra apenas um século mais tarde, após a Segunda Guerra Mundial, por causa de diversos fatores, como as mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Em 1920, por exemplo, apenas 16 a 17% da população gozavam de férias remuneradas. Já no pós-guerra, es-tima-se que o número de pessoas que tinha direito a férias no Reino Unido havia dobrado de 15 para trinta milhões. As férias tornaram-se uma importante marca de cidadania (URRY, 1996, p. 47), e isso pos-sibilitou que um número muito maior de pessoas passasse a viajar.

Em relação às condições de trabalho, é preciso ressaltar que, antes do século XIX, pouquíssimas pessoas das classes trabalhadoras re-alizavam viagens. Só que, como nota Freire-Medeiros (2000), “em algum momento entre os séculos XVIII e XIX, a viagem no mundo ocidental viu-se inexoravelmente ligada ao projeto eurocêntrico da modernidade” e, consequentemente, passou a difundir-se entre as mais diversas classes sociais.

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Nessa época, o trabalho começou a ser cada vez mais valorizado em si mesmo e não simplesmente como um remédio para a preguiça. Se os industriais, inicialmente, tentaram impor uma disciplina rigo-rosa à sua mão de obra recém-estruturada, a partir de 1860, como mostra Urry (1996), alguns patrões começaram a encarar as férias não como uma perda de tempo, mas como algo que contribuía para a eficiência dos trabalhadores.

Apenas no século XX, o turismo de massas constituiu-se, de fato, nos países mais ricos. Além das mudanças no mundo do trabalho, outra precondição importante para a massificação das viagens foi a melhoria dos meios de transporte e a introdução em massa do auto-móvel, em países como os Estados Unidos.

Na verdade, a atividade turística somente pôde che-gar ao atual estágio de massificação em virtude das diversas inovações ocorridas ao longo daquele século. Não se pode imaginar a atual indústria do turismo sem automóveis e aviões para proporcionar rápido deslocamento aos seus turistas, ou sem computadores, telefones e internet para agilizar a troca de informações entre os agentes nela envolvidos, ou sem o in-dividualismo e as carências existenciais manifestados nos am-bientes metropolitanos e nas relações sociais que o abrangem, para, em parceria com os grandes meios de comunicação, ge-rar as necessidades de deslocamento em busca de lazer e eva-são, ou, ainda, sem a institucionalização das férias como um direito de todos os trabalhadores para que possam se tornar consumidores do tempo livre. O turismo é, portanto, depen-dente da herança trazida pelo século XX (MELO, 2009, p. 13).

O processo histórico que marca o nascimento da prática de viagens no Brasil teve ligação com o movimento de adesão aos esportes e ao lazer ao ar livre que começou a ganhar força na última década do sé-culo XIX em razão da assimilação de hábitos internacionalizados da Inglaterra pela elite brasileira (MASCARENHAS, s.d.). As viagens aqui também foram, por um longo tempo, uma exclusividade das elites, institucionalizada inicialmente na nobreza, após a chegada da família real em 1808. Um dos marcos das viagens da família real no Brasil foi o estabelecimento da cidade de Petrópolis como o lugar para onde os nobres se retiravam, escapando do intenso verão da então capital.

No Brasil, para Barretto, o turismo teve impulso, como atividade econômica e social (com caráter preponderantemente ligado ao la-

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zer), após 1920. Em 1923, a criação da Sociedade Brasileira de Tu-rismo (atual Touring Club do Brasil) e a inauguração do Palace Hotel Copacabana (atual Copacabana Palace) marcaram a evolução desse turismo, ainda pautado em características de luxo e distinção.

Em 1939, foi criada, então, a Divisão de Turismo, pertencen-te ao Departamento de Imprensa e Propaganda, sendo o primei-ro órgão público existente, no âmbito nacional, para tratar espe-cialmente da atividade. Como aponta Melo (2009), suas principais atribuições consistiam em fiscalizar e coordenar os entes públi-cos e privados envolvidos com o turismo nas diversas instân-cias, além de incentivar sua prática, tanto interna quanto externa.

Apesar destas mudanças, a atividade turística ain-da não possuía suas características atuais de fenômeno de massa, sendo praticada apenas por uma elite privilegiada, o que ainda não exigia maiores aparatos e infraestruturas de suporte. Há nesse discurso oficial, entretanto, o vislum-bramento de uma força econômica em potencial nas práti-cas que começavam a se disseminar em países centrais e, consequentemente, o envidamento de alguns esforços para que o mesmo acontecesse no Brasil (MELO, 2009, p. 93).

Com férias remuneradas garantidas aos trabalhadores, desenvolvi-mento da aviação e ascensão da classe média, as décadas seguintes foram marcadas pela transição do caráter elitista do turismo para um turismo menos exclusivista. De acordo com Barretto (1995), em 1950, o Brasil já estava estruturado para o desenvolvimento do turis-mo de massa. Segundo a Embratur, foi apenas em 1960 que o turis-mo tornou-se uma realidade aqui, viabilizada pelo desenvolvimento da malha viária e a inclusão da classe média na categoria de turistas.

Na década de 1960, o turismo torna-se uma realidade no Brasil. No âmbito doméstico, o desenvolvimento da indús-tria automobilística e da malha rodoviária leva a classe média a viajar em automóveis pelo País. A rede de serviços para o turismo começa a se estruturar, sobretudo na costa brasileira (EMBRATUR, s.d., p. 28).

Nesse período, o Brasil passou a receber mais turistas estrangeiros e a atividade beneficiou-se pela segunda maior malha aérea comercial do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Para completar esse

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panorama de desenvolvimento do turismo no País, em novembro de 1966, criaram-se a Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo) e o Conselho Nacional de Turismo, com o estabelecimento da primeira Política Nacional de Turismo.

Com o desenvolvimento econômico e industrial, nas décadas de 1960 e 1970, observa-se uma passagem do lazer típico como ma-nifestação popular e comunitária para o lazer como mercadoria de consumo, disponível no mercado. Nesse momento, a reduzida elite brasileira já voava entre Rio de Janeiro e São Paulo, quando não en-tre essas capitais e Paris ou Londres. Ao mesmo tempo, ainda que de forma bastante tímida, as viagens a passeio começavam a ter desta-que na vida de brasileiros menos favorecidos (BACHA et al., 2008).

Na primeira gestão da Embratur, em que se visava a estabelecer e fortalecer o parque hoteleiro, contou-se com a aprovação para que se construíssem hotéis internacionais. Nas terceira e quarta gestões, são percebidos programas de incentivo a viagens internas. Basica-mente, nas sucessivas gestões, pautam-se os trabalhos em promo-ver o aumento do fluxo de turistas e melhorar a estrutura turísti-ca, com destaque maior aos meios de hospedagem e transportes.

Silveira e Medaglia (2006) apontam que, a partir dos anos 1980, registra-se, no Brasil, uma queda nas atividades do setor, seja pela falta de fomento público, seja pela falta de informação confiável ou ainda pela instabilidade econômica, decorrente principalmente do endividamento externo. A marca da década de 1980, na área do turismo, foi o decréscimo do fluxo turístico, sofrendo influências de sucessivos planos monetários fracassados de combate à inflação. Todavia, nesse mesmo período, pela primeira vez, a Embratur co-meçou a investir no turismo social, criando “pacotes e programas de estímulo direcionados à classe média” (EMBRATUR, s.d., p. 64).

Na breve gestão de Joaquim Affonso Leite de Castro (presidente da Embratur de 1985 a 1986), o turismo social destinava-se à inclusão da classe média, e não da classe popular. Mesmo assim essa menção em promover o turismo social é relevante na história política do País, pois é a primeira vez que fica evidenciada a preocupação com o tema.

Já no final da década de 1980, criaram-se o Passaporte Brasil — programa que oferecia descontos para turistas que quisessem

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fazer turismo interno — e o Passaportezinho, incentivando o pú-blico infantil. Também um programa para deficientes, que reivin-dicava melhorias da infraestrutura urbana, sobretudo a turística.

Nos anos 1990, durante a gestão do presidente Fernando Henri-que Cardoso, instituiu-se a Política Nacional do Turismo, baseada na descentralização e cooperação entre os setores público e pri-vado. A ênfase dessa política mudou um pouco, após o início do governo Lula, porque, como apontam Surel e Muller (2002), de uma forma genérica, a questão da inclusão social ganhou mais espa-ço na agenda política e, visivelmente, essa situação política favo-receu a discussão da inclusão social também na esfera do turismo.

Nesse cenário, surgiu o Plano Nacional de Turismo (PNT) 2003-2007 que apresentava uma compreensão do Brasil como um país com vo-cação “natural” para o turismo. Mas, além disso, apontava-se que a exploração econômica das potencialidades turísticas poderia e deveria desenvolver um papel importante na forma de o governo lidar com as desigualdades sociais brasileiras, já que os principais destinos turísti-cos estariam, segundo o Plano, localizados em zonas pobres do País.

O que se pode depreender de uma breve análise do PNT 2003-2007 é que o Plano apresenta uma preocupação com a questão da redu-ção das desigualdades sociais. Mas, apesar disso, ele enfoca muito mais a inclusão de camadas menos favorecidas economicamente no turismo como força de trabalho do que como turistas — como pro-põem os projetos de turismo social do qual se tratará mais adiante.

Posteriormente, um novo projeto — o Plano Nacional de Turismo vigente (PNT 2007-2010: uma Viagem de Inclusão) — foi pen-sado no sentido de utilizar o turismo como fator dinamizador do desenvolvimento, sendo, ao mesmo tempo, um gerador de me-lhorias para o País e um promotor de inclusão social. Corrobo-rando essa ideia, foi lançado, no contexto desse plano, pelo Mi-nistério do Turismo, um livro intitulado Turismo social: diálogos do turismo uma viagem de inclusão. Na apresentação dessa pu-blicação, o então ministro Walfrido dos Mares Guia aponta que

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um dos maiores e mais notáveis desafios da socie-dade brasileira contemporânea tem sido o enfrentamen-to das questões da desigualdade e da exclusão social em um cenário democrático, que pressupõe a ampla partici-pação do conjunto dos atores sociais (MTur, 2006, p. 5).

Diferentemente do plano anterior, no PNT 2007-2010, pro-põe-se que a inclusão fomentada pelo turismo pode ser atingi-da por basicamente duas frentes: (a) a criação de novos postos de trabalho e, (b) o aumento do consumo no mercado interno.

No tocante à inclusão pela via da cadeia produtiva, uma parcela da população considerada excluída pode ter acesso aos benefícios gera-dos pela atividade turística por meio da participação como forma de trabalho, engajando-se em novos postos ou liderando novos negócios ligados à atividade. Entende-se que é possível fomentar políticas de inclusão, por exemplo, gerando condições técnicas por via de progra-mas de treinamento e capacitação dos ditos excluídos para ingresso no mercado de trabalho e ocupação de novas vagas disponibilizadas com o desenvolvimento do trade; pode-se, de outra forma, fomentar linhas especiais de crédito e formação para inclusão dessas pessoas como empreendedores donos dos próprios negócios; ou ainda forçar uma distribuição de renda advinda do turismo de forma mais inclusiva.

Na segunda opção, a inclusão pode ocorrer com o incremento e a ampliação do acesso ao uso, ou a prática do turismo, proporcionan-do a um maior número de pessoas a possibilidade de viajar e ser consumidor do turismo. Essa segunda forma de inclusão é o que se chama de democratização do turismo e ela pode envolver pes-soas consideradas excluídas tanto por barreiras econômicas, como por barreiras de necessidades de saúde, motoras ou sensoriais, por idade, por gênero, por opção sexual ou ainda por distinção étnica.

Antes de começar a fazer uma reflexão sobre turismo social e a inclu-são das camadas populares como consumidoras de produtos turís-ticos, cabe ressaltar que, até aqui, apresentou-se um breve histórico do processo de massificação do turismo no mundo e, mais especifi-camente, no Brasil. A intenção não foi a de esgotar os detalhes e/ou a complexidade de acontecimentos que ocorreram em um longo es-paço de tempo, mas entender como se deu a passagem das “viagens pré-modernas”, como um fenômeno de elite, para o que se conhece,

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hoje, como “turismo de massa”. Assim, torna-se possível tratar de um momento histórico posterior, no qual o turismo passa a ser pensado e tratado por muitos como um “direito” a que todos deveriam ter acesso.

A discussão sobre turismo como um direito surge porque, apesar de as viagens já se terem tornado um fenômeno de massa ainda há uma grande parcela da população mundial, e especialmente da bra-sileira, que tem pouca ou nenhuma possibilidade de consumir produ-tos turísticos atualmente. Nesse contexto, destacam-se iniciativas diversas que promovem a chamada busca por “democratização” do turismo por meio do “turismo social”.

Mais adiante, haverá discussão e análise do conceito de turismo social e de algumas iniciativas que promovem a “democratização” do turis-mo no Brasil. Antes disso, contudo, se fará uma reflexão sobre essa parcela da população — público-alvo desse tipo de iniciativa —, as chamadas “classes populares” brasileiras e suas práticas de turismo.

Uma breve análise de viagens entre as classes populares brasileiras

Embora existam, atualmente, muito mais pessoas que consomem produtos turísticos no Brasil do que há algumas décadas, a mas-sificação do turismo no País, segundo Barreto, nunca contemplou todos os cidadãos brasileiros. Especialistas contabilizam que apenas 30% da população brasileira seriam turisticamente ativos.

[...] A partir de 1950, grandes contingentes passam a viajar, mas, apesar de ser principalmente um turismo de massa, nunca atingiu o total da população. As classes altas consomem turismo particular, e as classes médias, turismo de massas. Há algumas instituições preocupadas com o turismo social, porém a crise econômica atual está fazendo com que cada vez seja mais restrita a faixa de população que tem acesso a via-gens de longa distância ou duração (BARRETTO, 1995, p. 57).

É importante perceber, pela afirmação de Barretto, que a definição de turismo de massa está bastante ligada à quantidade de pessoas que viajam. É possível, ainda, inferir da mesma citação que, num determinado momento histórico, havia uma crença de que a mas-

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sificação do processo turístico poderia ser um fator de inclusão. Todavia isso não foi comprovado na realidade, pelo menos no Brasil. Barretto lembra que o turismo pode ser classificado como de mas-sas ou de minorias, considerando-se seu volume. Mas ela ressalta:

Este critério [volume] não se refere ao número de pessoas que viajam em determinada ocasião, mas ao nú-mero de pessoas que habitualmente demanda certo tipo de serviço. Aquelas destinações turísticas que todo mun-do quer pertencem ao turismo de massas, enquanto aque-las destinações que poucas pessoas querem pertencem ao de minorias. Um grupo de cinco pessoas indo a Disneylân-dia está fazendo turismo de massas, enquanto trinta pes-soas indo visitar um templo tibetano estão fazendo turismo de minorias. O turismo de minorias é chamado por Acerenza (1991, p. 47) de turismo seletivo (BARRETTO, 1995, p.18).

A autora faz um cruzamento entre as tipologias de turismo e conclui que, no Brasil, a “classe privilegiada”, ou seja a “classe alta”, realiza normalmente “um turismo externo, de minorias, por tempo indeter-minado, particular, aéreo, autofinanciado e é a consumidora mais pro-vável de turismo de interesse específico”. Já a chamada “classe mé-dia” faz tanto turismo externo como interno. Em geral, a classe média consome turismo de massas durante as férias, mas também aproveita muito as oportunidades profissionais para incluir o turismo em con-gressos e outros eventos, utilizando geralmente transporte coletivo. Barretto aponta ainda que a classe média normalmente “faz turismo autofinanciado quase sempre; às vezes, social, quando a viagem faz parte de uma promoção da empresa, ou gratuito, se a pessoa o ganha como incentivo ou em algum concurso” (BARRETTO, 1995, p. 23).

É interessante perceber que a autora apresenta afirmativas bastante delimitadas entre as tipologias de turismo e o perfil consumidor re-cortado por classes. Eis suas considerações quanto à classe popular:

A classe baixa só pode fazer turismo de massas; é a faixa que mais pratica o turismo religioso, viaja de forma coletiva, normalmente de trem ou de ônibus fretado, faz excursionismo ou, no máximo, turismo de fim de semana. Dificilmente faz turismo urbano, ou rural. Muitas vezes, só pode fazer turismo (ou mesmo excursionismo) se for to-talmente subvencionado, portanto gratuito (all inclusive tours pagos por terceiros). Em caso de fazer turismo de duração prolongada, o faz em residência secundária, hos-pedada por parentes e amigos (BARRETTO, 1995, p. 24).

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Barretto destaca, em análise de 1995, a utilização das classes baixas de meios de hospedagem não convencionais, como a hospedagem solidária. Análises mais recentes confirmam as ideias de Barreto. Um relatório do Ministério do Turismo de 2005, intitulado “Classes C e D, o Novo Mercado para o Turismo Brasileiro”, por exemplo, aponta que os hábitos de consumo das classes populares no Brasil estão muito mais ligados a bases de relações sociais do que ao consumo eco-nômico dos equipamentos fornecidos pela dita “indústria turística”.

Esse relatório é fruto de uma pesquisa realizada pelo MTur em par-ceria com o IBAM — Instituto Brasileiro de Administração Municipal. O público-alvo da pesquisa foram as pessoas das classes C (à época com nível de renda familiar de R$1500 a R$2.999) e a classe D (R$600 a R$1.499 por família). As entrevistas se deram com pesso-as de 18 a 25 anos, 25 a 45 anos e acima de cinquenta anos, per-tencentes aos grupos de renda B, C e D que viajaram no ano anterior.

De modo geral, a pesquisa indica que esse turista tem um comportamento e uma visão específica sobre passeios, viagens, excursões e turismo. Como turista, costuma viajar em grupo e percebe a viagem como uma forma de fortalecer laços de sociabilidade. De modo geral, viaja com muita frequência, especialmente nos finais de semana, percorre distâncias cur-tas ou médias, fica hospedado na casa de amigos e parentes e realiza dispêndios modestos ao longo da viagem. Embora esses resultados sejam relativamente esperados, algumas surpresas. Entre elas, o fato de o turista popular viajar com os organiza-dores/operadores informais de turismo que residem no próprio bairro ou que fazem parte de sua rede de relações; o uso sis-temático de excursões no formato “bate e volta” com duração curta e curta distância menos de 24 horas e com pernoite no ônibus (RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DO TURISMO, 2005).

O relatório destaca também diversos dados importantes sobre a forma como a população das classes C e D viajam. O primei-ro deles é a baixa utilização de pacotes turísticos pelos viajantes das classes mais populares. O fato de somente 8% dessa par-cela da população consumir pacotes turísticos é uma evidência de que a inserção do turista de baixa renda na chamada “indús-tria turística” formal ainda pode ser considerada muito pequena.

Outro dado interessante relaciona-se com os meios de transporte que essa parcela da população usa para viajar. Os dados do rela-

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tório apontam para uma alta utilização do ônibus (64%), em de-trimento do avião (3%), que é um meio de transporte já bastan-te corriqueiro, mesmo entre as classes menos favorecidas, nos Estados Unidos e na Europa. Embora tenha havido um processo de popularização do transporte aéreo nos últimos anos, acompa-nhando a tendência mundial, no Brasil, essa popularização ainda não representa de fato uma democratização da utilização do avião.

Em relação aos tipos de hospedagem preferidos pelas classes po-pulares ao viajar, o relatório aponta uma grande utilização de casa de amigo ou parente (62%) e a baixíssima utilização dos meios de hospedagem tradicionais (14%). É interessante ainda res-saltar que 8% dos entrevistados declararam que ficaram em si-tuações precárias de acomodação e 1% permaneceu nas ruas.

Além de perguntar que tipos de hospedagem e transporte utiliza-ram, os pesquisadores — contratados pelo MTur — buscaram iden-tificar o que as pessoas das classes C e D costumam consumir nas localidades visitadas e descobriram que uma reduzida parcela dos entrevistados utilizou a infraestrutura turística de alimentação do local. Apenas 16% se alimentaram em restaurantes, e 7%, em hotéis, alojamentos ou pensões. A grande maioria, quando viaja, alimenta-se na casa de amigos ou parentes onde se hospedam.

De uma forma geral, é possível notar que, embora o relatório dê destaque ao volume gasto por turistas das classes C e D (cerca 1,8 milhão de dólares em 2003), aponta também para a pouca utilização da “infraestrutura turística” formal por esses segmen-tos. Apesar de dados como esses serem, sem dúvida, muito im-portantes para entender-se o consumo do turismo entre as classes populares brasileiras, é importante notar que o Relatório do Minis-tério do Turismo ignora um fator fundamental quando se trata de turismo nas classes populares: a discussão sobre status e estigma.

Como afirma Melo (2009), a atividade turística, considerada do ponto de vista cultural como um costume inerente à determinada sociedade, foi criada por fragmentos das chamadas “classes domi-nantes”, sendo gradativamente absorvida pelas “classes domina-das”, nos últimos séculos, até tomar a forma de fenômeno de “mas-sa” ou de “indústria”. É preciso lembrar que essa difusão se deu “de cima para baixo”, obedecendo à hierarquia da pirâmide social.

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Nos séculos XVII e XVIII, viajar sem obrigação sig-nificava superioridade. Assim podem ser compreendidos os Grand Tours, que tiveram como precursora a nobreza inglesa. Já no século XIX, quando a burguesia passa também a via-jar por prazer — o que, no século XX, estará ao alcance de outros grupos —, a distinção passa a não residir mais sim-plesmente em viajar, mas sim em para onde e com quem fazê-lo. Práticas hoje intituladas de populares, como o veraneio, os banhos de mar e a valorização das montanhas também possuem a mesma origem aristocrática (MELO, 2009, p. 45).

O consumo turístico não pode ser entendido sem que seja levado em consideração o fato de que ele é carregado de simbolismos, por meio dos quais os consumidores procuram distinguir-se social-mente. Como resume Melo (2009), esse tipo de consumo situa os objetos turísticos em uma rede de significados e significantes. E Urry corrobora que, consumir produtos turísticos, “é algo que confere status, nas sociedades modernas” (URRY, 1996, p. 19).

Todavia, a partir do momento em que o turismo foi popularizado, já não basta apenas viajar para se ter status, é preciso fazê-lo para determinados destinos e de determinadas formas. Para pensar essa necessidade, é interessante refletir no estudo de caso feito por Melo (2009), em sua dissertação de mestrado sobre a cidade de Cabo Frio. Nesse trabalho, o autor analisa a dinâmica dos processos de fragmentação e de tentativas de homogeneização territorial pre-sentes em espaços turísticos, bem como a inserção do estado no contexto dos conflitos socioespaciais que a originam e sua contri-buição para a formação de um território mais ou menos segregado.

O estudo de caso apresentado por Melo provoca a reflexão sobre a questão do status e do estigma relacionado com o consumo de destinos turísticos. No caso de Cabo Frio, havia, por um lado, faci-lidades oferecidas pelo governo local à materialização do desejo de autossegregação das elites em enclaves fortificados — que buscam construir ambientes socialmente homogêneos para suas práticas de lazer —; e, por outro lado, a criação de novas formas de exclusão espacial que discriminavam os visitantes de baixo poder aquisitivo. Esses visitantes pertencentes às classes mais baixas eram excursio-nistas residentes nas áreas periféricas da metrópole fluminense que se dirigiam a Cabo Frio, geralmente em grupos, nos fins de semana e nas épocas de alta temporada, para frequentar algumas praias.

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Esses grupos foram recorrentemente repelidos e hostilizados por ou-tros sujeitos sociais, os quais buscaram desenvolver mecanismos repressores à presença dos chamados “farofeiros”, redirecionando seus fluxos para áreas menos visadas pelo capital turístico. Melo aponta que esse processo se iniciou em meados da década de 1970.

O primeiro camping, que representava uma alterna-tiva de hospedagem mais acessível para uma classe média com menor disponibilidade financeira, foi criado em 1967. Nos anos imediatamente seguintes, já há menção a excursões de um dia praticadas por classes populares, as quais eram facilitadas pela proximidade do município das regiões peri-féricas na metrópole fluminense e que não utilizavam meios de hospedagem. Essas primeiras referências demonstram o início da formação de um senso comum associado a esse tipo de turismo excursionista, considerado inclusive por ór-gãos oficiais como uma “invasão turística” não desejável para a cidade (EMBRATUR, 1974). Assim, a intensificação dessa prática não interessava a outras classes praticantes do tu-rismo no mesmo local, contrariando também interesses dos próprios investidores do setor na cidade (MELO, 2009, p. 60).

É necessário reconhecer que ações de restrição à mobilidade dos turistas de classes populares, estigmatizados como “farofeiros”, não é uma exclusividade do caso de Cabo Frio. Em virtude de limi-tações financeiras, turistas das classes populares desenvolveram, no decurso do tempo, uma série de estratégias para driblar suas condições econômicas. Algumas dessas práticas — apontadas por Barretto (1995), pelo Relatório do Ministério do Turismo (2005) e por Melo (2009) — são as de não se utilizarem de meios de hospe-dagem formal; de evitarem a compra de alimentos nas áreas visita-das — preparando-os em seus locais de origem para levá-los — e de fretamento de ônibus, coletivizando os gastos com transporte.

Até poucas décadas atrás, as ações governamentais em relação ao turismo praticado pelas classes populares no Brasil tinham um caráter muito mais ligado à restrição do que ao incentivo desse tipo de prática. Melo aponta que, em 1974, por exemplo, logo em seguida à inauguração da ponte Rio-Niterói, o governo municipal de Cabo Frio decidiu proibir os ônibus excursionistas de acessa-rem as praias da cidade. A medida foi amplamente respaldada por comerciantes e proprietários de outros estabelecimentos. Segundo

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o autor, essa mobilização teria acontecido após o episódio em que cerca de trezentos ônibus de turistas de um dia visitaram a praia do Forte em apenas um fim de semana (REVISTA VEJA, 1975).

A imagem dos excursionistas atribuída pelo senso comum era a de “arruaceiros” e de “mal-educados”, sendo constantemente responsabilizados por depredações de equipa-mentos urbanos e do ambiente natural. Essa visão era compar-tilhada pelos munícipes de uma maneira geral, com a imagem de turistas que só trazem malefícios para o local, não deixando benefícios financeiros, mas apenas desordem. Assim, as inter-venções da Prefeitura foram legitimadas através das seguintes ações: [...] adoção do sistema de estacionamento obrigatório dos ônibus de turismo que se dirigissem à cidade e não pos-suíssem garagem, nem vaga predeterminada [...] proibição de portarem alimentos, instrumentos musicais e aparelhos de som na praia trazidos do local de origem, sendo os mesmos retidos no ponto de estacionamento dos ônibus. Essa restrição os obrigava a consumirem no local visitado (MELO, 2009, p. 62).

Nos últimos anos, é possível notar que começaram a surgir medidas governamentais que visam a incentivar, em vez de apenas restringir, o consumo do turismo pelas classes populares no Brasil. Serão ana-lisadas, na próxima seção, essas medidas. Mas, antes disso, cabe ressaltar que a própria existência de uma pesquisa sobre o potencial de consumo do turismo entre as classes C e D é um indicativo de que, atualmente, o governo federal vem, ao menos, tentando conhecer as práticas turísticas entre essas classes. Pelo Relatório, sugere-se que, para a democratização do turismo no Brasil, além da expansão do fe-nômeno do turismo de massa por meio do próprio incremento da ren-da, seria importante o governo investir em projetos de turismo social:

[...] Identificamos um grande desconhecimento dos pacotes turísticos em formato econômico disponíveis no mercado. No que diz respeito aos provedores de serviços turísticos para este público, observamos a total informalida-de e falta de estrutura em seus negócios; a dificuldade de acesso às informações básicas sobre fornecedores, destinos e do modus operandi da atividade turística destes provedo-res. Entendemos que algumas dessas questões oferecem indicações bastante interessantes, desenvolvidas ao longo do texto, sobre possíveis políticas públicas voltadas para a área do “turismo social. (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2005).

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O turismo social e a democratização: análise de projetos brasileiros

A literatura sobre turismo social no Brasil ainda não é muito extensa e apresenta poucas evidências sobre como se deu o desenvolvi-mento desse tipo de prática turística no País. Dias (2003, p. 185) sugere que o tema “ainda está para ser estudado” e aponta que muitas perguntas sobre turismo social no País “só serão respondidas com um intenso trabalho de pesquisa a quem se dispuser fazê-lo”.

Uma das primeiras instituições internacionais voltadas para o turismo entre as classes populares foi o Bureau International du Tourisme So-cial (BITS). Criada em 1963, em Bruxelas, na Bélgica, essa instituição nasceu com o objetivo de favorecer o desenvolvimento do turismo social, em marcos institucionais, coordenando as atividades turísti-cas de seus membros e informando-lhes sobre todo tipo de assuntos relacionados com a evolução do turismo social no mundo. O BITS conceitua turismo social como “o conjunto de relações e fenômenos resultantes da participação no turismo das camadas sociais menos favorecidas, participação que se torna possível ou facilitada por me-didas de caráter social bem definidas, mas que implicam o predomí-nio da ideia de serviço e não de lucro” (apud DIAS 2003, p. 181).

Além da definição do BITS, há muitas outras para o conceito de turismo social. Como aponta Dias, “não há uma definição consen-sual de turismo social; originalmente nascido junto a organizações operárias, hoje ampliou-se abrangendo outros grupos sociais que apresentam dificuldade no gozo de férias, particularmente de fazer turismo” (DIAS, 2003, p. 180).

Apesar de haver muitas divergências entre as diferentes definições de turismo social, o que todas elas parecem ter em comum é o fato de classificá-lo como um tipo especial de turismo que se diferencia do “turismo comercial”. Alguns dos pontos que caracterizariam a iden-tidade própria do turismo social, segundo Cunha (2001), seriam, en-tão, os preços praticados no turismo social — que, na teoria, seriam inferiores aos praticados no turismo comercial — e a ausência de fins lucrativos. Outros pontos seriam a preocupação com a criação de es-paços de sociabilidade e uma adaptação às necessidades de cada gru-

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po. Enquanto, no turismo comercial, o alojamento é concebido para uma utilização individual dos serviços, no turismo social, o foco seria a utilização feita por grupos de aposentados, deficientes, jovens, etc.

Ademais, a escolha do local no qual acontece o turismo social, na teoria, estaria mais baseada em razões culturais e sociais ou ra-zões ligadas à oportunidade de desenvolvimento regional; enquan-to, no turismo comercial, os lugares seriam escolhidos apenas pela boa localização deles e da capacidade de atrair mais clientes.

Outra característica dos projetos de turismo social, segundo Cunha (2001), é o fato de envolverem animação — com um caráter so-ciocultural que objetiva permitir a cada participante desenvolver personalidade, gostos, compreender melhor os outros e aumen-tar a cultura. Mais uma característica desse tipo de projeto seria a preocupação em gerar uma integração com os locais nos luga-res onde o turismo social é realizado. Essa preocupação pode en-volver discussões sobre problemas do desemprego, da desigual-dade social, do artesanato e da utilização dos recursos locais de um modo geral. E um último ponto que diferencia o turismo so-cial é a forte preocupação com o social e o ambiental, que apon-ta para a perspectiva do desenvolvimento turístico sustentável.

Muitas vezes surgem confusões conceituais entre os termos ‘turis-mo social’ e ‘turismo comunitário’. Apesar de ambos terem relação com a discussão sobre desigualdades sociais e tentativas de dimi-nuição dessa desigualdade, cada um opera de um modo distinto. Eis as palavras de Maldonado:

[...] por turismo comunitário entende-se toda forma de organização empresarial sustentada na propriedade e na autogestão sustentável dos recursos patrimoniais comunitá-rios, de acordo com as práticas de cooperação e equidade no trabalho e na distribuição dos benefícios gerados pela pres-tação dos serviços turísticos (MALDONADO, 2008, p. 31).

Isso quer dizer que turismo de base comunitária diz respeito ao apo-deramento, por parte da população local, da prestação dos serviços que envolvem a atividade, forçando assim uma maior inclusão e me-lhor distribuição da renda. Já o turismo social, como citado, estaria relacionado com iniciativas que visam a gerar melhores possibilida-des de viabilização das viagens como atividade de lazer também

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para classes menos favorecidas economicamente ou para grupos com algum tipo de necessidade especial.

Este artigo é o resultado de uma pesquisa que foi realizada com o objetivo de mapear os projetos de turismo social que existem atual-mente no Brasil. Será apresentado, de agora em diante, esse mape-amento com a análise de alguns desses projetos.

No mercado de lazer e turismo brasileiro, nota-se que ainda são poucas as instituições e as empresas que realizam um trabalho voltado para as classes populares. Destaca-se, entre as poucas instituições que realizam esse tipo de trabalho, o SESC — entidade privada fundada em 1946 e, desde essa época, mantida por empresários do comér-cio de bens e serviços —, que promove diversos projetos socioedu-cativos baseadus em ações nas áreas de cultura, lazer e tempo livre.

A instituição foi pioneira, no Brasil, no tocante ao desenvolvimento do turismo social e criou ações relativas à promoção do turismo en-tre trabalhadores associados. Essa prática teve início com a criação da primeira colônia de férias do Brasil em Bertioga, litoral norte do estado de São Paulo. Segundo Assunção (apud ALMEIDA, 2005), colônia de férias pode ser assim definida:

Espaço organizado para a vivência do lazer das pesso-as em seus períodos de férias. Existem, atualmente, dois tipos de colônias de férias. O primeiro consiste em espaços, geral-mente pertencentes a empresas, sindicatos ou associações, colocados à disposição dos funcionários ou associados para a estada em viagens e outras experiências de lazer. Estes espa-ços geralmente funcionam durante o ano todo, pois seus fre-quentadores usufruem suas férias em épocas variadas, e cos-tumam ser procurados por pessoas de diversas faixas etárias.

Esse tipo de hospedagem atende à demanda por entretenimento próximo aos grandes centros urbanos, constituindo uma opção bara-ta e acessível aos trabalhadores que dispõem de recursos limitados para desfrutar do tempo livre. Na Baixada Santista, existe hoje mais de sessenta colônias de férias que recebem trabalhadores de todo o parque industrial da capital e da região.

Em 1951, o SESC, baseado na grande e crescente demanda dos primeiros projetos, investiu também na implantação do projeto de turismo social emissivo, que promove excursões rodoviárias.

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Houve uma preocupação técnica em não se reprodu-zir uma viagem nos moldes do turismo convencional, e sim organizar vivências turísticas que levam aos participantes a possibilidade de desenvolvimento de suas habilidades físicas e intelectuais, à sociabilização, à apreensão de conhecimentos e informações culturais, por meio da oferta de produtos e serviços acessíveis e compatíveis ao seu poder aquisitivo ou adaptados a possíveis necessidades especiais da demanda (SOUZA, 2007).

Comerciários com renda mensal de até seis salários mínimos, seus dependentes de todas as faixas etárias e grupos da terceira ida-de são o público-alvo das atividades de turismo receptivo, emis-sivo e de hospedagem propostas pelo SESC. Entretanto, seus bens, serviços e produtos turísticos são também disponibilizados ao público não comerciário, com adoção de preços diferenciados.

Segundo Danilo Miranda, diretor do Departamento Regional do SESC no estado de São Paulo, o programa, por meio de excursões a pontos de interesse histórico e cultural possibilita, anualmente, a milhares de trabalhadores no comércio e a seus familiares, conta-tos “estimulantes e prazerosos” com outras paisagens e realidades.

De acordo com Souza (2007), o SESC segue cinco princípios nor-teadores interdependentes e complementares que são: a democra-tização do acesso ao turismo, o desenvolvimento social dos parti-cipantes, a educação pelo turismo, a educação para o turismo e a operacionalização ética e sustentável do turismo.

O programa de turismo social do SESC conta atualmente com 17 unidades no estado de São Paulo e atende de 75 a oitenta mil pes-soas, desde a década de 1990. O programa se estende a diversos estados, como Santa Catarina, Paraná, Goiás, Alagoas e Rio de Ja-neiro, e tende a desenvolver-se, cada vez mais, em razão da crescen-te demanda a esses serviços.

O Sistema Brasileiro de Hotéis de Lazer e Turismo (Sbtur) é outro exemplo que vale ser citado. Trata-se de uma empresa que vende um plano de viagens, oferecendo viabilidade financeira e uma alternati-va para as classes populares programarem seus passeios. Segundo o próprio discurso, essa empresa privada promove a democratização do turismo, possibilitando aos associados parcelar as diárias em ho-téis, em várias partes do País, por meio de pagamento mensal e taxa de subscrição no plano.

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A Sbtur tem como visão “ser líder no segmento de turismo social do Brasil se consolidando como melhor solução de viagens do mer-cado”. Interessante observar que o termo turismo social é utilizado pela empresa como caracterização do mercado-alvo, sem nenhum prejuízo de má interpretação do termo.

Esses projetos de cunho social são certamente muito importantes no que diz respeito à promoção do turismo nas camadas mais po-pulares da sociedade. No entanto se nota que essas iniciativas ora são voltadas para um público específico, como no caso do projeto SESC, ora são ainda pequenas e pouco abrangentes, como no caso das empresas e instituições promotoras do turismo social.

No caso da Sbtur, deve-se lembrar que a empresa funciona basi-camente como um sistema consorciado de hotéis, e o plano ser-ve apenas para hospedagem. De acordo com informações atuais do site da empresa, o valor da parcela mensal para hospedar duas pessoas é de R$89,80. Isso quer dizer que, no decurso do ano, o investimento será de R$1.077,60 e, em troca, há hospedagem para duas pessoas durante sete dias, portanto ao valor de, apro-ximadamente, R$154,00 por cada diária — que parece ser o va-lor cobrado normalmente por muitos hotéis de três a quatro es-trelas e pousadas turísticas, mesmo em alta estação. Além disso, a taxa de subscrição é de R$599,60. Não parece provável que um segmento de classe mais baixa disponha desses valores com facilidade para o consumo de bens supérfluos, tampouco pare-ce que sejam compatíveis com as definições de turismo social.

Para avaliar se a oferta da Sbtur é economicamente vantajosa a ponto de poder ser considerada turismo social, fez-se uma consulta de preços com base em informações de dois hotéis conveniados, pesquisados no site da empresa. Escolheram-se os dois primeiros hotéis que aparecem na página da Sbtur e, para a comparação de preços operados nas diárias, fez-se contato telefônico com os ho-téis. O primeiro hotel escolhido foi um de três estrelas, chamado Arcos Rio Palace. Nele, as diárias para a segunda quinzena de no-vembro (alta temporada) de 2009 custavam R$150,00 com café da manhã para casal. O segundo hotel escolhido foi o Copa Sul, também de três estrelas, que opera com a diária/balcão, também de alta estação, de R$230,00 com café da manhã para o casal.

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Com base nessa consulta, pôde-se perceber que as diárias cheias (balcão) de ambos os hotéis contatados são bastante próximas da média calculada para conveniados do Sbtur. Logo essa em-presa, apesar de apresentar a possibilidade de parcelamento de viagens, parece não oferecer diferença substancial no preço dos pacotes de “turismo social” se comparado com o valor pago por um turista que efetua sua reserva diretamente com o hotel.

As definições de turismo social, discutidas em parte anterior des-te artigo, não apontam delimitações de valores para considerar que determinado projeto se trata de turismo social ou não. Mas um ponto que aparece como unanimidade nas definições é que o lucro não pode ser o objetivo central de empresas e instituições que promovem turismo social. Alguns autores que estudam o tema apontam ainda que essa prática deve ser realizada a custo zero ou próximo de zero para o turista, o que não ocorre no caso da Sbtur.

É preciso, no entanto, ressaltar também o mérito de iniciativas como a da Sbtur e a do SESC. A primeira tem o enorme feito de ser uma empresa privada, que em um país que não subsidia o turismo, em-preende esforços no que eles consideram turismo social, o que é por si só inovador no Brasil. No caso do SESC, vale lembrar que é, prova-velmente, a instituição que, ainda hoje, promove o turismo social de forma mais abrangente numericamente e também com custos bem mais baixos para os associados.

Quanto ao meio de hospedagem utilizado, é interessante observar que, no SESC, para o turismo social, se faz uso dos próprios equipa-mentos, em estilo colônias de férias, enquanto, na Sbtur, há opções convencionais de hospedagem (hotéis). Muitas definições de turismo social expostas acima abarcam a utilização de meios de hospedagem alternativos, ou ainda não convencionais. Exemplos: as iniciativas do estado de São Paulo, citadas por Almeida (2005), como o programa Interior na Praia, que levava crianças do interior desse estado para o litoral, em 1984, utilizando as escolas (subutilizadas no período de férias) como equipamentos de hospedagem. Nesse sentido, o SESC assemelha-se mais a essas definições. Por outro lado, a crítica que se pode traçar é a de que promover o turismo social com base em equipamentos de hospedagem alternativos mantém o problema da exclusão do uso de equipamentos de hospedagem convencionais.

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Entendendo a hospedagem como fator constituinte da construção imagética do fazer turismo, pode-se especular, assim, um prejuízo de qualidade de uso e de percepção individual e social da experiência. Assim, a iniciativa da Sbtur pode responder a essa querela bastante bem. Essas análises são especulações iniciais, cabendo, portanto, a sugestão de uma próxima pesquisa que aprofunde esse tema.

Além desses projetos — que aqui se apresentam — realizados pela iniciativa privada, há atualmente no País projetos de turismo so-cial efetuados pela iniciativa pública. Pode-se citar como exemplo o programa de financiamento a viagens promovido pelo MTur com a Caixa Econômica Federal, agente executor do projeto. O banco disponibiliza o “Cartão Turismo Caixa”, nas categorias nacional ou internacional — que possibilita o financiamento, em até 24 meses e com taxas de juros reduzidas, de gastos realizados em estabe-lecimentos ligados à cadeia do turismo, como meios de hospeda-gem, transportes, restaurantes, agências de viagens, locadoras de automóveis e parques temáticos. Esse cartão pode ser obtido por todas as pessoas interessadas, maiores de idade, que tenham rendimento a partir de quatrocentos reais ou assistidos pelos pais.

Também existem outros projetos de promoção ao turismo de inicia-tiva do governo, como os programas “Viaja Mais Melhor Idade” e o “Vai Brasil”, que estimulam os brasileiros a viajar, disponibilizando pacotes e serviços com descontos nos períodos de baixa tempo-rada, com abrangência nacional. O primeiro programa tem como público-alvo os brasileiros com idade superior a sessenta anos, ca-racterizando-se por ser um programa diferenciado focado em um segmento específico de mercado.

O segundo abrange as demais faixas etárias e tem como parceiros a Associação Brasileira das Operadoras de Turismo — Braztoa — e a Associação Brasileira das Agências de Viagem — ABAV. Esse tipo de incentivo facilita o acesso de pessoas com renda limitada ao mercado de viagens e turismo, pela forma de pagamento reduzida por meio de descontos. Esse programa é disponibilizado aos clientes cadastrados via website e vendido pelas agências de viagens par-ticipantes. No momento, elaboram os pacotes turísticos, 26 opera-doras, e já é possível também que clientes do programa “Vai Brasil” comprem, além de pacotes fechados nas agências, também pas-

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sagens aéreas ou hotéis separadamente, possibilitando assim, que tenham mais liberdade no planejamento de suas viagens — como, ficar na casa de amigos ou parentes ou utilizar pontuação de milhas ou fazer somente reservas em hotéis.

O governo brasileiro também está trabalhando integrado interna-cionalmente com o governo do Chile com a finalidade de impul-sionar o turismo social. Segundo reportagem divulgada pela jor-nalista Márcia Tuna, em seu noticiário “Drops de Turismo”, em 3 de novembro de 2009, a parceria foi lançada no programa “Via-ja Mais Melhor Idade”, que terá mais uma opção de destino de baixo custo para pessoas com mais de sessenta anos, aumentan-do, assim, sua abrangência no âmbito internacional. Em reporta-gem, o ministro do turismo do Brasil, Luiz Barretto, explica que “é uma ação que vai beneficiar os dois países. É bom para ambos os países e o mercado sul-americano é estratégico para o Brasil”. O Acordo de Cooperação foi assinado pelo ministro Luís Barretto e pelo diretor da Secretaria Nacional de Turismo do Chile, Oscar Santelices. De acordo com o documento, será uma forma de pro-mover o aumento de emprego e renda para as populações locais.

Destaca-se também o papel da Abrastur — Associação Brasileira de Cooperativas e Clubes de Turismo Social —, órgão que repre-senta os clubes e as cooperativas de turismo no trade e no Con-selho Nacional de Turismo. Essa Associação e a ABIH — Associa-ção Brasileira da Indústria de Hotéis —, promovem o Programa de Férias do Estudante e do Trabalhador Brasileiro, que disponibiliza planos de viagens para comercialização por meio de sindicatos dos trabalhadores e, em contrapartida, o MTur realiza a campanha publicitária para divulgação do programa. Esse programa incenti-va estudantes e trabalhadores brasileiros a realizar viagens de la-zer no território nacional, com hospedagens a preços reduzidos.

Análise similar à feita para a oferta da Sbtur foi realizada com o programa Viaja Mais Melhor Idade. Com base no site do MTur, bus-cou-se o destino Rio de Janeiro também no mesmo período de alta temporada. O pacote é oferecido “a partir de R$737,00” e tem obri-gatoriamente quatro dias e três noites, com voo da companhia aérea Gol, partindo somente de São Paulo. O site oferece três categorias de hospedagem: turística, superior e luxo, nessa ordem crescente

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de preços, todas para apartamentos duplos. Na categoria turística, o pacote inclui passagem aérea de ida e volta na classe econômi-ca, três noites de hospedagem, translados de chegada e de saída, city tour básico e seguro viagem pela GTA. Não se incluem taxas de embarque nem despesas pessoais. Pelo site, o hotel não pode ser escolhido, somente a categoria. Escolheu-se, então, a categoria mais simples, na qual o hotel oferecido é o Lancaster, incluindo café da manhã. A operadora desse pacote é a Monark Turismo.

As informações do site são pouco claras, podendo dificultar o aces-so de diversas pessoas. Apesar da indicação na primeira página di-zer que o pacote “Rio de Janeiro” poderia ser comprado a partir de R$737,00, ao fazer-se a simulação de compra pelo site do Mtur, escolhendo as opções aparentemente mais econômicas, o preço do pacote duplo apresentou o valor individual de R$1.474,00, o dobro do valor mínimo informado.

A título de exploração, também se investigou o valor da diária do hotel, apesar de poucas informações, pois o site do Mtur diz apenas que é Lancaster. Encontrou-se um único hotel com esse nome no Rio de Janeiro: Lancaster Othon Travel, localizado, como outros, no bairro de Copacabana. Fez-se, então, contato por telefone e soube-se que a categoria do hotel é três estrelas e o valor, na alta tempo-rada, é de R$ 220,00, em apartamento duplo com café da manhã.

Sabe-se que o preço cobrado às operadoras é diferenciado, mas, para fins de pesquisa, utilizou-se a tarifa/balcão, a única à qual se teve acesso. Supondo-se que o hotel seja o Lancaster Othon Travel, com a diária de R$ 220,00 por duas pessoas, durante três dias, o valor individual cobrado será de R$330,00 para todo o período. Acrescido do valor anunciado no site pela companhia aérea Gol da passagem São Paulo–Rio de Janeiro, entre os aeroportos Guaru-lhos e Galeão (mais baratos e distantes), as tarifas médias serão de R$199,00. Portanto o valor desse pacote, feito individualmente e sem tarifário especial, para uma pessoa — incluindo três diárias no mesmo hotel, passagem aérea pela mesma companhia ida e volta, quatro dias de seguro terceira idade, com tarifa do site da GTA no total de R$ 112,00 — totaliza R$840,00. Esse valor — que exclui city tour e traslados que não foram cotados por impossibilidade de aproximação, pois não há nenhuma especificação sobre eles no site

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— é, portanto, inferior em R$634,00 ao cobrado pelo pacote ope-rado pela Monark e validado pelo Ministério. É importante lembrar aqui que a operadora pagaria 14,39% de impostos e, provavelmen-te, calcularia mais 25% de margem de lucro no preço, mas, por outro lado, trabalharia em cima de valores menores aos de balcão.

É possível inferir por essa simulação que também, nesse caso, a iniciativa pública do MTur em promover a inclusão e o turismo social por meio desse programa não contemplou as principais premissas das definições abordadas pelos estudiosos do que seria turismo so-cial, uma vez que é possível montar o pacote sem nenhum desconto nem tarifa especial, em casa e com mais clareza das condições de contrato e mais facilidade de uso dos instrumentos virtuais de comunicação por um custo muito inferior do que o cobrado por meio do site desse Ministério. E cabe ainda ressaltar que a facili-dade de parcelamento que é dada no programa pode ser consegui-da com cartão de crédito, por exemplo. Assim, parece evidente, que, pelo menos no exemplo simulado acima, financeiramente não é vantajoso comprar pacotes de viagem por esse programa do MTur.

Não há dúvida de que utilizar propaganda e fomentar as viagens estimula a indústria do turismo — e isso, sem dúvida, é um dos objetivos do Ministério —; mas será que isso justifica o uso, tal-vez pouco adequado, do termo “turismo social” nesses casos? Será que operar preços assim tão caros em relação ao mercado promove algum tipo de inclusão? Essas são perguntas para as quais talvez não haja uma resposta única. Todavia, independente das controvérsias, acredita-se que sem pensar nesse tipo de ques-tão, não se conseguirá entender a complexidade existente entre os projetos de turismo social existentes no Brasil, no momento, e o processo “real” de democratização das viagens no País. Nas considerações finais desse artigo, será estudada essa complexida-de. Contudo, antes disso, vale ainda falar de um projeto de turis-mo social um pouco diferente dos que foram avaliados até agora.

O projeto “Itinerantes — Transformando Rumos”, criado pela Uni-versidade Federal do Estado do Rio de Janeiro — UNIRIO —, é uma iniciativa recente que — diferentemente dos projetos que se analisa-ram até agora — tem um caráter educacional. O objetivo da inicia-tiva é proporcionar conhecimento, com base no turismo, tanto para

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o público-alvo do projeto — que é incentivado a entender melhor o turismo e os destinos para onde se viaja —, quanto para os execu-tores — alunos dessa instituição pública.

O projeto Itinerantes teve início em 2006 e foi idealizado pela coordena-dora e mestre do curso de turismo da UNIRIO, Cristina Marques Gomes, com base no projeto Rosa dos Ventos da Universidade de São Paulo — USP. O projeto tem como público-alvo “a comunidade economicamente desfavorecida do Rio de Janeiro”. Os objetivos dessa iniciativa são:

fomentar a atividade lúdica, através de atividades práticas que envolvam a visitação de atrativos turísticos — ligados ao patrimônio; aguçar a curiosidade histórica e a percepção so-bre os aspectos culturais e ambientais da sociedade em ques-tão; promover o aprendizado do patrimônio material e ima-terial; contribuir para a formação do cidadão e proporcionar aos alunos do curso de turismo da UNIRIO uma vivência prá-tica de atividades ligadas ao terceiro setor (GOMES, 2008).

O grupo oferece passeios e visitas gratuitas à comunidade, funda-mentando-se em práticas de responsabilidade social, de ensino e pesquisa referentes às instituições parceiras do projeto. Suas princi-pais parcerias são com os seguintes projetos: Grupo Renascer (Pro-grama de Assistência Integral às pessoas da terceira idade); Projeto Favela Receptiva (Bed and Breakfast); ONG Núcleo de Oficinas Tera-pêuticas; entre outras.

Para a execução do projeto, o grupo busca apoio da UNIRIO que ofe-rece o transporte para a realização dos passeios, entre outras con-tribuições, e conta com diversas instituições privadas que disponibi-lizam cortesias de ingressos para atrativos e acesso diferenciado a restaurantes. No entanto as principais dificuldades encontradas, de acordo com Stern e Raposo (2009) são a falta de apoio e de recursos que impossibilita muitas ações e a ampliação da dimensão do projeto.

O Itinerantes é um projeto de extensão do curso de turismo da Uni-versidade, em que os alunos participam da elaboração e execução das atividades. Gomes afirmou, em entrevista, que não há hierarqui-zação no projeto. Todos os envolvidos participam, juntos, da elabo-ração dos passeios, e o objetivo maior é a participação e o envolvi-mento dos alunos, o que contribui para o desenvolvimento intelectual dos mesmos e para o entendimento prático da profissão estudada.

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Os passeios são, a princípio, realizados na cidade do Rio de Janeiro ou em cidades próximas, como Petrópolis. A destinação depende do grupo envolvido e do objetivo específico de cada trabalho. Os passeios ainda não incluem pernoites, porém Gomes não descarta a possibilidade de realizar passeios mais longos, com vários dias de du-ração. A pretensão é de conciliar, futuramente, as atividades de ex-tensão com estágios curriculares em campo ou outras possibilidades.

O projeto segue uma sequência de três etapas: a primeira se refere ao pré-passeio, que envolve ações de planejamento, promoção e encontro dos docentes, discentes e a comunidade participante em oficinas com temáticas históricas, ambientais, culturais e lúdicas. Gomes acrescenta que as discussões dessa fase do passeio depen-dem do grupo envolvido e de suas aspirações. Na segunda fase, são feitos o planejamento e a execução do passeio em si. Por fim, é realizado o pós-passeio, que é o momento em que é organizado um encontro entre os docentes e discentes do Itinerantes e as co-munidades parceiras. Nessa etapa, acontecem debates, exposições e trabalhos de redação oriundos das comunidades e realiza-se a avaliação dos resultados alcançados para que, com base nisso, seja possível organizar novas propostas para os próximos encontros.

Nesse sentido, destaca-se, na proposta, uma preocupação com as prá-ticas educacionais do turismo para todos os envolvidos. Além disso, é possível notar que há um interesse em facilitar o acesso ao turismo e lazer às pessoas menos favorecidas economicamente, mesmo que de uma forma ainda limitada, já que o projeto conta com poucos recursos.

O projeto tem características que são consideradas fundamentais na definição do que é turismo social. O principal ponto é que os passeios são gratuitos — o que, pela análise acima, pode-se notar que é um diferencial em relação a projetos oferecidos por outras instituições. Outros pontos importantes são a questão da responsabilidade social e a do aprendizado que também aparecem no projeto de forma forte e inovadora. A única dificuldade de entender essa iniciativa como um projeto de “turismo social” é o fato de as atividades oferecidas se enquadrarem mais propriamente como excursionismo (de acordo com a definição da OMT) do que como turismo, já que os passeios não incluem pernoite e são feitos em período inferior a 24 horas.

Em resumo, pode-se dizer que o projeto Itinerantes tem como prin-

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cipais pontos positivos a gratuidade e o foco em um público que não teria oportunidade de comprar os passeios — com custo alto — ofere-cidos por outras iniciativas pesquisadas. Nesse sentido, a possibilidade de inclusão social é pioneiramente levada àqueles que estão realmente excluídos do mercado, seja por falta de institucionalização de seus tra-balhos, seja por barreiras financeiras. Como principais pontos fracos, destacam-se a pequena abrangência numérica (poucas vagas são ofe-recidas nos passeios) e a limitação atual para viagens com pernoite.

Considerações finais

Neste artigo, demonstra-se que o turismo social surgiu como uma alternativa para promover a atividade turística de forma mais igualitária e consciente a segmentos da população que encon-tram dificuldade em ter acesso a viagens. Embora esse termo seja antigo a nível internacional, no Brasil ele é muito recente, tendo como marco de aplicação prática a criação do programa de tu-rismo social do SESC, em 1951, como se procurou demonstrar.

Depois dessa iniciativa, surgiram muitos outros projetos que se definem como promotores da democratização das viagens no Bra-sil. Um ponto positivo desses projetos de turismo social é que eles vêm adequar a oferta hoteleira já existente a uma demanda crescente das classes menos favorecidas por alternativas de tu-rismo viáveis. Isso reduz a ociosidade do trade turístico, inclusive durante a baixa temporada, e possibilita o acesso a novas cama-das consumidoras, democratizando o consumo de turismo e lazer.

Apesar de, obviamente, haver pontos positivos, os projetos de turis-mo social existentes no Brasil, hoje, ainda têm, na prática, um al-cance discutível. Diversas instituições públicas e privadas defendem a prática do turismo social, como instrumento para democratização das viagens, mas nem todos seguem alguns preceitos básicos desse tipo de turismo. Como não há ainda uma definição sólida e consen-sual do termo, é imprescindível, para o entendimento desse fenôme-no, que diferentes pesquisadores realizem múltiplas reflexões sobre o tema com o intuito de analisar os objetivos dos projetos existen-tes, hoje, no Brasil, e as aplicações do turismo social na prática.

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Pela análise que se realizou neste artigo, pôde-se notar que o proje-to do SESC é uma iniciativa bastante válida, porque vai ao encon-tro de diversos conceitos explicitados na pesquisa, como o de Bits e o de Dias (2003), por caracterizar-se como um projeto que, de fato, proporciona a um grande número de trabalhadores com rendas modestas que tenham acesso a viagens. Todavia esse projeto tem um público-alvo restrito: os trabalhadores ligados ao SESC. Trata-se, pois, de um projeto de turismo social de abrangência limitada.

Há, atualmente, uma série de projetos governamentais — que foram discutidos neste texto — que são também intitulados de turismo so-cial. Contudo se percebeu que os pacotes disponibilizados por esses projetos não são tão diferentes dos que muitas agências de viagem comercializam. Os valores dos pacotes ofertados como “populares” ainda são muito altos — chegando até mesmo, em alguns casos, a ficar acima do valor de mercado — o que põe em cheque a possibili-dade de esses programas se intitularem de projetos de turismo social.

Outra crítica que pode ser feita a esses projetos é que nenhum deles leva em consideração o fato de que a escolha do local no qual acontece o turismo social deveria ligar-se a razões culturais e sociais ou à oportunidade de desenvolvimento regional. Além disso, nenhum apresenta uma forte preocupação com a questão ambiental. Ou seja, na teoria, os projetos de turismo social de-veriam trabalhar numa perspectiva do desenvolvimento turísti-co sustentável; mas, na prática, nada se faz em relação a isso.

O projeto Itinerantes da UNIRIO está também de acordo com muitos princípios analisados pelos teóricos identificados neste artigo, embora não tenha uma abrangência tão ampla, em virtude de seus passeios ainda não incluírem pernoites nas localidades visitadas. O desenvol-vimento desse projeto é importante, pois o mesmo prega a demo-cratização do turismo, porém sem o devido apoio governamental.

É preciso ressaltar que, apesar das falhas — que, sem dúvida, pre-cisam ser analisadas, repensadas e corrigidas —, o fato de esses diversos projetos existirem aponta para um aumento da discussão sobre inclusão social ligada ao turismo na agenda política. Ressal-te-se que a democratização do turismo é algo fundamental para o desenvolvimento da atividade como indústria, principalmente em um país com uma gigantesca demanda reprimida, em que ín-

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dices de desigualdade e de concentração de riqueza alcançam al-guns dos níveis mais alarmantes do mundo. Na atual conjuntura, o turismo social pode servir como uma excelente alternativa para a conquista da cidadania para boa parte da população. Entretanto é necessário haver um planejamento intensivo e uma gestão eficiente dessas alternativas para a maximização de seus efeitos. Enquanto houver exclusão, o turismo social continuará como uma ferramen-ta necessária em busca da democratização do “direito de viajar”.

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Sustentabilidade e desenvolvimento turístico: um estudo de caso do destino Santa Teresa — RJ

AUTORES

Jonathan Van Speier

Margarida Maria de Fraga Rocha

Maria Emília Melo

Otacílio Peçanha Filho

Simone Alves

RESUMO

A presente pesquisa tem como questão central a investigação sobre a possibilidade de compatibilizar o desenvolvimento local por meio do turismo com uma proposta de sustentabilidade. O bairro de Santa Te-resa, na cidade do Rio de Janeiro, foi escolhido como destino turístico para avaliar-se até que ponto a existência de Unidades de Conservação da Natureza (APA de Santa Teresa e Parque Nacional da Tijuca) e a preservação do patrimônio histórico-cultural por meio de tombamentos podem influenciar o grau de sustentabilidade do desenvolvimento turís-tico local. Busca-se também compreender como o turismo alternativo, em contraposição ao turismo de massa, relaciona-se com a questão do desenvolvimento sustentável no bairro. Optou-se por pesquisa qua-litativa, exploratória e estudo de caso em profundidade. Os resultados mostram o turismo como importante agente de inclusão social, contri-buindo para a geração de trabalho e renda, embora possam ser perce-bidas manifestações de insustentabilidade no desenvolvimento local.

Palavras-chave: Turismo, sustentabilidade, desenvolvimento local, unidades de conservação, preservação do patrimônio histórico-cul-tural, Santa Teresa/Rio de Janeiro

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Desenvolvi-mento sustentável do turismo: construção de cenários, ministrada pelo professor Jonathan Van Speier com a tutoria de Otacílio Peçanha Filho, no Curso Observatório de Inovação do Turismo, da EBAPE/FGV.

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Introdução

Importância/Relevância do tema

O setor de turismo é responsável pela geração de 6 a 8% do total de empregos mundiais e, no período de 1975 a 2000, cresceu a um ritmo médio de 4,4% anual, enquanto que o crescimento econômico mundial médio, medido pelo PIB, foi de 3,5% ao ano no mesmo pe-ríodo (MTur, 2006). Previsões [anteriores à atual crise] apontam que até 2010 serão gerados pelo setor 5,5 milhões de novos postos de trabalho por ano e que, no período de 2008 a 2017, o Brasil deverá estar entre as três maiores economias em termos de geração de empregos (WTCC, 2007).

Essas estatísticas demonstram a importância estratégica do setor do turismo para as economias globais, o que é ainda mais notável nas chamadas economias em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, em que esse setor, em 2006, já respondia pela quinta maior conta de exportação, havendo nesse ano um “ingresso recorde de visitantes que gastaram US$ 4,3 bilhões no País — um salto de qua-se 12% sobre a receita de 2005 e nada menos que 116% acima do valor apurado em 2002” (MTur, 2006, p. 5).

Da mesma forma que verificado em diversas outras atividades eco-nômicas, o desenvolvimento da atividade turística vem tornando cada vez mais necessária a inclusão da discussão sobre a sustenta-bilidade dos projetos e das atividades correspondentes a longo prazo (LIN e GUZMAN, 2007; CHAVES e RODRIGUES, 2006; SACHS, 2004-a, 2004-b, 1997, 1995, 1986).

A atividade turística tem grande repercussão nas economias dos lo-cais onde se desenvolve, ainda que sua importância tenha intensidade diferente, conforme o grau de dinamismo e diversificação dos setores econômicos que são ali desenvolvidos. O setor pode trazer benefícios e alguns transtornos para a comunidade, que envolvida ou não com a atividade turística, é a que possui maior contato com o turismo, so-frendo os maiores impactos, sejam eles negativos ou positivos (SLOB e WILDE, 2008; YUNIS, 2006; OMT, 2003; GOLLUB et al., 2003).

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Justificativa para a escolha do caso de estudo O bairro de Santa Teresa está situado no centro da área mais urba-nizada e desenvolvida da cidade do Rio de Janeiro, tendo acesso direto a nove bairros, das zonas norte e sul: Cosme Velho, Laranjei-ras, Catete, Glória, Centro, Fátima, Rio Comprido, Catumbi e Tijuca.

A cidade do Rio de Janeiro é uma das mais visitadas do Brasil, con-siderada um dos mais importantes destinos turísticos internacionais.

O bairro de Santa Teresa, por sua vez, é tido como um dos principais atrativos turísticos da cidade e, em 2006, foi oficialmente alçado à categoria de Polo Gastronômico Cultural e Turístico de Santa Te-resa — com os atrativos das áreas turísticas dos bairros vizinhos de Laranjeiras e Cosme Velho — por meio de decreto municipal1.

Porém Santa Teresa mantém uma identidade cultural própria, fazen-do com que seja caracterizado não apenas como um atrativo turís-tico de um destino — no caso a cidade do Rio de Janeiro —, mas o próprio destino em si.

De acordo com Houaiss (2001, p.1.018), destino é o “local onde alguém vai, direção, destinação, meta, rumo”. Porém, quando apli-cado ao contexto do turismo, a literatura oferece diversas perspec-tivas do que constitui um destino turístico (VENGESAYI, 2003).

Por exemplo: Buhalis (2000) define destino turístico como um lu-gar que oferece um amálgama de produtos e serviços turísticos, que são consumidos sob uma determinada marca que constitui o nome do destino, e que são regiões geográficas bem definidas, compreendidas pelos visitantes como uma entidade única cuja es-sência consiste em quatro características básicas: atrações, aces-sibilidade, pacotes de atividades e serviços de turismo disponíveis.

A OMT (2003) define destinos turísticos como espaços físicos nos quais o visitante permanece por pelo menos uma noite e que é formado por produtos turísticos, tais como atrações e serviços de apoio, e recursos com limites físicos e administrativos de ge-renciamento, imagem/percepção de competitividade de mercado.

Além dessa particularidade de ser um bairro com características de um destino turístico, Santa Teresa dispõe de outros aspectos que

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chamam a atenção, tais como: o desenvolvimento de um “turis-mo alternativo” (no sentido de diferenciado do turismo de massa), formado principalmente por turistas internacionais e com motiva-ções e interesses histórico-culturais, apoiado em uma estrutura de hospedagem de pequeno e médio porte, diversificada, que envol-ve desde estabelecimentos de hospedagem domiciliar (Rede Cama e Café), além de pousadas, albergues, hostels, até a hotelaria ex-clusiva2, a exemplo do recém-(re)inaugurado Hotel Santa Teresa3.

A OMT (2003, p. 185) associa como uma das respostas às crí-ticas do turismo como atividade econômica, em razão dos im-pactos negativos decorrentes de seu desenvolvimento, o sur-gimento observado nos últimos anos de formas alternativas de práticas da atividade que vêm recebendo diversas denominações, tais como turismo alternativo, turismo soft, turismo verde, turis-mo responsável, turismo comunitário e ecoturismo. Segundo a OMT, embora tais denominações sejam associadas a práticas que se diferenciam em vários aspectos, compartilham entre si,

ao contrário do turismo de massas, a ênfase no de-senvolvimento em pequena escala, em uma experiên-cia ativa para os turistas, no contato direto entre an-fitriões [— que residem ou trabalham no destino — e turistas] [...] e no controle local sobre o desenvolvimento.

A escolha do destino Santa Teresa como objeto do estudo de caso, além da conveniência de sua localização na cidade do Rio de Janeiro4, foi motivada, também, pela modificação no cenário do turismo do bairro, representada pela diversificação e crescimento do número dos meios de hospedagem e pelo aumento do fluxo de turistas ao longo dos últimos anos, como fatores que podem impactar de alguma for-ma, no futuro, o grau de sustentabilidade desse destino, suas unida-des de conservação da natureza e seu patrimônio histórico-cultural.

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Referencial teórico

Sustentabilidade e turismo

O turismo pode trazer ganhos significativos para os indivíduos re-sidentes nos locais onde se desenvolve a atividade turística, com base na criação de postos de trabalho e na melhoria da condição de vida da população local. Espera-se também que a cultura lo-cal seja valorizada, que o meio ambiente seja preservado e que o bem-estar da comunidade local esteja entre as prioridades das pessoas envolvidas com o planejamento e a implantação da ativi-dade turística. No entanto, conforme aponta Irving (2002, p.19), não são raros os casos em que a atividade turística é responsá-vel por fenômenos significativos de exclusão social, descarac-terização cultural e degradação ambiental. Salienta ainda a auto-ra que a construção de um novo paradigma de desenvolvimento turístico constitui um desafio que “só será vencido com base em uma visão integrada de desenvolvimento regional, que envolva os diversos ramos do saber, compromisso social, planejamento de longo prazo e consciência ética do homem, em sua totalidade”.

O conceito de desenvolvimento sustentável, descrito em 1987 no estudo Our common future, também conhecido como Relatório Brundtland5, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desen-volvimento6, como “o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazerem as próprias necessidades” deve nortear as ativida-des ligadas ao turismo.

As reflexões presentes no Relatório Brundtland serviram de fun-damentação teórica para as proposta levadas para a CNUMAD — Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente —, realizada em 1992, no Rio de Janeiro, quando é assinado um programa de ação — a AGENDA 21 — para orien-tar o desenvolvimento sustentável global (ROCHA, 2005, p. 21).

Cooper (2007) ressalta que a atividade turística não costuma estar vinculada aos preceitos da sustentabilidade, cujo concei-to vem sendo divulgado pela Organização Mundial de Turismo:

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O desenvolvimento do turismo sustentável vai ao encontro das ne-cessidades atuais dos turistas e das regiões anfitriãs e, ao mesmo tempo, garante oportunidades para o futuro. É a gestão de todos os recursos de tal forma que as necessidades econômicas, sociais e estéticas possam ser satisfeitas mantendo-se, ao mesmo tempo, a integridade cultural, os processos ecológicos essenciais, a diversi-dade biológica e os sistemas de apoio à vida (COOPER, 2007, p. 271).

Dimensões da sustentabilidade SACHS (2002) fundamenta o conceito de desenvolvimento susten-tável7 com base em sete critérios de sustentabilidade:

» Sustentabilidade social: para promover a equidade social por meio da distribuição de renda, geração de emprego e trabalho, igualda-de de acesso a recursos e serviços.

» Sustentabilidade cultural: para respeitar a tradição e inovar. Au-tonomia para a construção de um projeto nacional (endógeno) combinado com abertura para o mundo.

» Sustentabilidade ecológica: para preservar o potencial de capital natural na produção de recursos renováveis e respeito ao limite dos recursos não renováveis.

» Sustentabilidade ambiental: para fomentar a capacidade de auto-depuração dos ecossistemas naturais.

» Sustentabilidade territorial: para favorecer o equilíbrio nas con-figurações rurais e urbanas, a qualidade do ambiente urbano, a superação das disparidades inter-regionais, e o desenvolvimento ambientalmente seguro de áreas ecologicamente frágeis.

» Sustentabilidade econômica: para promover o equilíbrio no desen-volvimento econômico intersetorial, a modernização dos instru-mentos de produção, associada à autonomia da pesquisa científi-ca e tecnológica, a segurança alimentar e a soberania na economia internacional, a alocação e o gerenciamento eficiente de recursos e o fluxo constante de investimentos públicos e privados.

» Sustentabilidade política: Plano nacional: respeito aos direitos hu-manos e fortalecimento da coesão social, aumento da capacidade

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do estado em implementar um projeto nacional em parceria com o setor privado. Plano internacional: promoção da paz e cooperação entre Norte-Sul, controle sobre o sistema financeiro internacional, cooperação científico-tecnológica, gestão do meio ambiente ba-seada no principio da precaução, prevenção de mudanças globais negativas, proteção das diversidades biológica e cultural, gestão do patrimônio como herança comum da humanidade.

No entanto, este trabalho tem como base o que Slob e Wilde (2008 p. 23), inspirados na Agenda 21 produzida pela Cúpula das Nações Unidas no Rio em 1992, denominam por princípios abrangentes:

» Sustentabilidade ecológica: desenvolvimento compatível com a manutenção dos processos ecológicos essenciais, diversidade biológica e recursos naturais.

» Sustentabilidade social e cultural: desenvolvimento que possibilita o aumento do controle das pessoas sobre suas vidas, sua cultura e seus valores, fortalecendo a identidade da comunidade.

» Sustentabilidade econômica: desenvolvimento econômico eficien-te, com gerenciamento de recursos que garantam o sustento das gerações futuras.

» Esses três “pilares da sustentabilidade” e suas premissas serão analisados mais detidamente a seguir com foco na aplicação e repercussão na atividade turística.

Dimensão sociocultural da sustentabilidade O respeito à cultura local e o suporte ao desenvolvimento so-cial são partes essenciais das práticas de turismo sustentável, considerando-se os impactos que o turismo pode ter nas co-munidades locais (BAILLIE, Alexandra et al. 2003, p.13-18).

No sentido de alcançar padrões de desenvolvimento sustentável quanto aos aspectos socioculturais das atividades turísticas, muitos organismos públicos e privados internacionais, nacionais e locais, inspiram-se em um conjunto de normas, convenções, padrões e có-digos consagrados internacionalmente. Entre esses se destacam: a

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Agenda 21 — capítulo da sustentabilidade sociocultural; o Código de Ética da OMT; as convenções da Organização Internacional do Trabalho — OIT —, especialmente as que tratam de trabalho in-fantil e trabalho forçado, liberdade de associação e igualdade de tratamento, condições de trabalho justas, seguras e saudáveis, se-gurança no emprego e contrato legal; a Declaração Universal do Di-reitos Humanos; as normas de Responsabilidade Social Empresarial da ONU; e as Diretrizes da OCDE para empresas multinacionais.

Vale lembrar que a atividade turística pode contribuir para elevar os padrões de vida de populações locais. No entanto, o crescimen-to descontrolado do turismo pode levar a impactos negativos nas comunidades e nos destinos turísticos resultando em distribuição desigual dos benefícios, aumento da criminalidade, mendicância, prostituição, abuso de álcool e drogas, além de danos à cultural lo-cal e ao patrimônio cultural (BAILLIE, Alexandra et al. 2003, p. 13).

O turismo responsável, na opinião da WWF Brasil (2004), “no con-texto de uma estratégia para a sustentabilidade ampla dos destinos turísticos, é aquele que mantém e, onde possível, valoriza as caracte-rísticas dos recursos naturais e culturais nos destinos, sustentando--as para futuras gerações de comunidades, visitantes e empresários”.

A cadeia local do turismo deve ser sensível aos potenciais impactos e estabelecer formas que assegurem o desenvolvimento sociocul-tural do destino, tal como recomenda o Responsible Tourism Hand-book (BAILLIE, Alexandra et al. 2003, p. 13-18) observando, entre outros pontos, os seguintes aspectos:

» Envolvimento de todo os stakeholders da cadeia local do turismo no planejamento e gerenciamento da atividade turística.

» Criação de uma estrutura de gerenciamento dos benefícios para a comunidade.

» Promoção de projetos de educação, saúde e cultura para a comunidade.

» Respeito à cultura local.

» Promoção da empregabilidade e da capacitação da população lo-cal com respeito à diversidade de gênero, etnia, idade e aos por-tadores de necessidades especiais.

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As comunidades locais têm o direito de manter e controlar a he-rança cultural e assegurar que o turismo não tenha efeito nega-tivo sobre ela. O turismo deve então respeitar direitos e desejos dos povos locais e promover a oportunidade para que amplos se-tores da comunidade contribuam nas decisões e nas consultas so-bre planejamento e administração do turismo (WWF Brasil, 2004).

Ainda no que concerne à dimensão sociocultural da sustentabilidade do turismo, os impactos causados por essa atividade podem influir positivamente: na geração de emprego e renda; na melhoria da qua-lidade de vida; na valorização e preservação do patrimônio histórico--cultural; no aumento das oportunidades de lazer; na aproximação entre diferentes culturas; nos processos de inclusão social; na respon-sabilidade social dos empreendimentos locais, entre outros aspectos.

Por outro lado, o crescimento do turismo pode gerar diversos im-pactos negativos sobre a população local, como aumento nas taxas de mendicância, criminalidade e prostituição, e no abuso de álcool e drogas; na exposição ao sexo e nas doenças sexualmente trans-missíveis; na prostituição e no trabalho infantil; na sazonalidade do trabalho com longas jornadas e baixos salários; assim como na per-da e destruição do patrimônio histórico-cultural e nas áreas de lazer para uso da população local.

Medidas de prevenção e regulação podem ser tomadas para que o turismo possa desenvolver-se de formar sustentável sem impactar negativamente o destino.

Dimensão econômica da sustentabilidade A análise do impacto econômico do turismo sobre uma localidade, em seus aspectos positivos e negativos, não deve abdicar de considerar questões outras — ambientais, sociais e culturais — que eventualmen-te neutralizam os benefícios econômicos. Tais benefícios econômicos, como relatam Archer e Cooper (2002, p. 85), são mais facilmente quan-tificados e mensurados, o que estimula uma análise parcial da situação.

Viana (2007, p. 5) salienta que a dimensão econômica da sustentabi-lidade “deve garantir que o desenvolvimento seja economicamente efi-ciente, beneficie todos os agentes de uma região afetada e os recursos sejam geridos de maneira que se conservem para as gerações futuras”.

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A dimensão econômica da sustentabilidade na atividade turística pressupõe uma atuação integrada, proativa e interativa dos vários agentes da cadeia de valor do turismo de modo a obter ganhos de produtividade que visem ao bem-estar da(s) comunidade(s) afetada(s) pela atividade turística, levando-se em conta as gerações futuras.

Conforme aponta Baillie et al. (2003, p. 8), a dimensão econômica da sustentabilidade no turismo implica, entre outros aspectos, aten-ção aos seguintes pontos:

» Compras locais de produtos e serviços sempre que possível.

» Venda de artigos produzidos localmente.

» Oferta de treinamento em técnicas que ampliem a capacidade de gestão dos negócios.

» Recrutamento, emprego e treinamento da população local, mes-mo que inicialmente não capacitada.

» Geração de benefícios à comunidade local e às comunidades vizinhas com base em cada uma das atividades ligadas ao turismo.

» Estímulo aos turistas para gastarem dinheiro na economia local.

» Marketing de produtos locais em brochuras e websites.

» Prospecção de apoio econômico-financeiro via empréstimos e isenção de impostos.

» Pagamento de preços justos por serviços e mercadorias adquiri-das localmente.

» Estabelecimento de redes de cooperação entre empresas atuantes na área de turismo de forma a aumentar a competitividade.

Dimensão ambiental da sustentabilidade Foi a ameaça representada pela degradação ambiental à sobrevi-vência humana que, em síntese, fez eclodir o movimento que re-sultou na proposição de um novo paradigma de desenvolvimen-to, em que a sustentabilidade, em seus vários aspectos, é o foco.

Sachs (2000), analisando a pluridimensionalidade do desenvolvimento, chama a atenção de que a vertente ecológica entra como uma con-dicionalidade para o desenvolvimento, que se baseia num postulado

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ético de solidariedade sincrônica com as gerações atuais e, diacrônica, com as gerações futuras.

A sustentabilidade pressupõe uma questão de interconexão da humani-dade com outros elementos biofísicos do ecossistema natural. Se degra-dados os recursos naturais e o meio ambiente, corre-se o risco de não apenas reduzir a produtividade de diferentes setores econômicos, mas, em última análise, de destruir as possibilidades de vida humana na Terra.

Diversas têm sido as iniciativas das organizações do setor de turis-mo desde o lançamento, em 1995, da Carta do Turismo Sustentá-vel pela OMT; hoje, está entre suas preocupações a contribuição para o aquecimento global. Respondendo por cerca de 5% da emissão de gases do efeito estufa, o turismo é, ao mesmo tempo, vítima e responsável pelo aquecimento global e precisa limitar os efeitos de-vastadores das grandes viagens, na visão do presidente da OMT, Francesco Frangialli, conforme sua intervenção na Conferência das Na-ções Unidas sobre Mudança Climática realizada em Bali, em 200710.

As relações entre meio ambiente e turismo são, portanto, bastante estreitas, não só porque os recursos ambientais são, de modo geral, a base sobre a qual se constrói a atividade turística (o que a faz altamen-te dependente do meio ambiente), como também porque o turismo tem um largo espectro de efeitos ambientais nas localidades onde se desen-volve, podendo dar uma contribuição positiva ou negativa para o de-senvolvimento sustentável local, conforme a condução de sua gestão.

Dias (2003, p.13) ressalta que o turismo contemporâneo “é altamente consumidor de recursos naturais, existindo profunda interdependência entre a atividade turística e o meio ambiente”. Nesse sentido, sua con-tribuição para o desenvolvimento dos destinos turísticos estará cada vez mais condicionada à capacidade de preservação desses recursos.

Para Garcia (2004), as tendências atuais da demanda turística sinali- zam o interesse por um turismo baseado na natureza e, assim, a ativi-dade turística pode dar uma importante contribuição para a conserva-ção do patrimônio natural. Segundo o autor, as características que defi-nem o turismo sustentável no que concerne à dimensão ambiental são:

» A manutenção da qualidade do meio ambiente.

» A incorporação de um planejamento que assegure um desenvolvi-mento turístico adequado à capacidade de carga do ecossistema.

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» O controle e a mitigação dos impactos causados pelo turismo.

» A promoção da conscientização dos impactos do turismo sobre o meio ambiente.

» A contribuição para a recuperação de usos agrários da terra, ao mesmo tempo em que favorece a conservação da vegetação na-tural em grandes áreas.

No entender de Cooper et al. (2001), a sustentabilidade do desen-volvimento do turismo depende do respeito ao meio ambiente e do envolvimento de todos — iniciativa privada, governos locais e tu-ristas têm de estar conscientes da importância de seus papéis na conservação ambiental.

As pesquisas sobre os impactos do turismo sobre o meio ambiente evidenciam a emergência da importância do planejamento e da ado-ção de uma estratégia de sustentabilidade em sua gestão.

Como observa Oliveira (2004), há uma grande complexidade nas relações entre turismo e meio ambiente, pois as atividades turísticas não são pontuais, mas se estabelecem em intrincada rede em que a interdependência dá o tom. Nessa rede pesam ambientalmente não apenas o uso dos recursos naturais como atrativos, mas a in-fraestrutura necessária ao aproveitamento turístico, assim como a intensidade e o volume de pessoas circulando.

Para Shaalan (2004), as várias categorias de stress ambiental associa-das ao turismo podem ser agrupadas em quatro tipos: (i) as mudanças ambientais provocadas pela infraestrutura turística (hotéis, marinas, vias de acesso, saneamento, energia, etc.); (ii) a geração de resíduos e o transporte; (iii) as atividades turísticas, propriamente ditas e (iv) os efei-tos na dinâmica populacional ou os impactos induzidos pelo turismo.

Autores, como Acerenza (2002), Mathieson e Wall (1988), Rusch-mann (2001), Swarbrooke (2000) e a própria OMT (2001), enten-dem que os efeitos do turismo sobre o meio ambiente podem ser positivos ou negativos.

Entre os impactos positivos gerados pelo turismo podem ser rela-cionados: a valorização econômica e social dos recursos naturais; o incentivo à adoção de medidas de proteção e de conservação do meio ambiente; a adoção de sistemas de certificação e de gestão

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ambiental; geração de divisas que podem ser usadas na conserva-ção; o maior envolvimento da gestão pública com o planejamento e a conscientização dos diferentes atores envolvidos quanto à impor-tância dos recursos naturais.

Como impactos negativos, destacam-se: descaracterização da pai-sagem; problemas relacionados com geração, coleta e disposição de resíduos sólidos; poluição do ar, do solo e da água; introdução de espécies exóticas; extinção de espécies; alteração de mecanismos comportamentais de espécies e degradação ambiental relacionada com a implantação de infraestrutura (desmatamento, aterramento, destruição de dunas e vegetação, por exemplo).

Metodologia

O bairro de Santa Teresa Situado em uma colina próxima ao centro da cidade, o bairro de Santa Teresa nasceu de um adensamento iniciado no século XVIII em torno da Igreja e do Convento da Ordem das Carmelitas Descalças, dedica-dos a Santa Teresa de Ávila, que existem ainda hoje. A fisionomia de um rio antigo, aliás, é a marca do bairro. Com seus casarões e suas ladeiras sinuosas onde ainda circulam bondinhos tombados pelo pa-trimônio histórico, os únicos que circulam no Brasil, Santa Teresa guarda uma atmosfera particular e nostálgica, que contribuiu para o crescimento do interesse turístico em seu território (RIOTUR, s.d.).

Estrategicamente situado próximo ao centro, às zonas sul e nor-te da cidade, somando uma área de 515,71ha (PREFEITURA, s.d.), o bairro conta com uma população residente de 41.145 habitan-tes distribuídos 100% em área urbana, e 20,5% vivendo em áreas classificadas como “aglomerados subnormais (favelas e similares)” (VIVA SANTA e FNMA, 2002).

Quanto à infraestrutura básica de saneamento, Santa Teresa tem uma boa cobertura, com 96,80% dos domicílios atendidos pela rede geral de água, 90,62% pela rede de esgotos ou pluvial e 82,87%, pela co-leta de lixo domiciliar, conforme Tabela 1, abaixo (PREFEITURA, s.d.).

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Na área da saúde, entretanto, o bairro não está bem servido, con-forme mostra o diagnóstico realizado por ocasião da construção da Agenda 21 Local. Toda a população conta com apenas 93 leitos, en-quanto que o recomendável seriam quatro leitos por mil habitantes.

Outra questão relevante para a sustentabilidade, em particular para o turismo, diz respeito à segurança pública. Nesse aspecto, o bairro conheceu melhorias entre 2000 e 2001, quando os registros de ocorrência caíram 20,5%, mas casos de roubo e furto de veículos, apreensão de drogas e roubo a transeuntes ainda são freqüentes (VIVA SANTA e FNMA, 2002).

No tocante ao transporte, além da opção do bonde, o bairro conta com o serviço de três linhas de ônibus, táxis e transportes alterna-tivos por kombis, vans e mototáxis (VIVA SANTA e FNMA, 2002). No domínio da educação, outro fator-chave para o desenvolvimento sustentável do turismo, o bairro apresentou um elevado perfil, com 93% da população alfabetizada, e a maioria dos responsáveis pelos domicílios tinham 11 anos ou mais de estudo.

Tabela 1: Santa Teresa — dados gerais

Santa Teresa

Território e Meio Ambiente

Área territorial em 2003 515,71 ha

Áreas naturais: total 45,30 %

Áreas naturais: florestas 36,94 %

Áreas urbanizadas e/ou alteradas 54,70 %

Unidades de conservação em 2005 1.544.393,65 m2

População

Pessoas residentes em 2000 41.145

Domicílios

Total de domicílios em 2000 14.013

Rede geral de água canalizada em 2000 96,80 %

Rede geral de esgotamento sanitário em 2000 90,62 %

Coleta de lixo domiciliar em 2000 82,87 %

Taxa de mortalidade infantil em 2005 (*) 6

Educação

Unidades escolares públicas municipais em 2006 5

(*) Por mil nascidos vivosInformações: http://portalgeo.rio.rj.gov.br/bairroscariocas/index_bairro.htm (acesso em 21/11/2008)

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O Turismo em Santa Teresa O bairro de Santa Teresa está incluído na lista dos principais cartões-postais da cidade do Rio de Janeiro. Ao lado do Cristo Redentor, do Pão de Açúcar, da praia de Copacabana, do estádio do Maracanã e da avenida Marquês de Sapucaí, também conhecida como Sambó-dromo, por onde desfilam as escolas de samba no carnaval, o bonde e a arquitetura de Santa Teresa aparecem como um chamariz para os turistas que visitam a cidade.

O bairro de Santa Teresa também pode ser considerado um destino turístico por si mesmo, como citado anteriormente. Um destino turís-tico considerado por seus habitantes, pelos turistas que o visitam de passagem ou por aqueles que nele se hospedam, como diferenciado, tanto no que se refere a seus atrativos, como ao perfil dos visitantes.

Esse diferencial se observa desde o início do processo de ocupação do bairro, em meados do século XIX, quando Santa Teresa já se des-tacava como lugar de moradia e hospedagem para nobres, artistas e intelectuais. Como se deu a ocupação do bairro?

No século XIX, com a chegada das missões es-trangeiras que acompanharam dom João VI, os ricos e poderosos escolheram o morro para viver: a vista era lin-da, a água, de melhor qualidade, e o clima, mais ameno. Naquela época, abriu-se a primeira via de acesso, a rua Dona Luzia, hoje Candido Mendes, e iniciou-se um verda-deiro boom imobiliário. No final do século, o bairro já esta-va completamente povoado por casarões nobres. A ocupa-ção era predominantemente europeia (MONTEIRO, 2008).

A história refletida na arquitetura dos antigos casarões, os bondes da Companhia Ferro-Carril de Santa Teresa, fundada em 1872, a vis-ta do Aqueduto (Arcos da Lapa), a paisagem da baía de Guanabara, e a proximidade com a Mata Atlântica na parte mais alta do bairro na subida para o Mirante Dona Marta e o Cristo Redentor, fazem de Santa Teresa um lugar peculiar, bucólico, diferenciado de outras partes da cidade.

Além do patrimônio histórico e natural que conformam a beleza da paisagem e entrecortam o bairro, Santa Teresa, é também conhecido por aspectos culturais em razão da presença de inúmeros ateliês e

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colecionadores de artes, e pelos escritores, músicos e intelectuais, que residem no bairro ou já o habitaram em outros tempos. Somam-se a esses aspectos eventos como o “Arte de Portas Abertas”, o carnaval, as atividades da Semana Santa, o Festival de Inverno, Foto em Cena, que atraem um público amplo de turistas nacionais, es-trangeiros e moradores de outros bairros da cidade.

Tais atrativos fizeram com que empresários, muitos dos quais moradores do próprio local e, mais recentemente, estrangeiros, vissem no bairro a oportunidade de investimentos em negócios ligados à cadeia do turismo, como bares, restaurantes, lojas de artesanato e meios de hospedagem.

O bairro de Santa Teresa parece ter seguido sua vocação natural, uma vez que, em meados do século XIX, se instalaram ali importan-tes estabelecimentos de hotelaria, a exemplo do Hotel Santa The-reza, o Hotel Paineiras e, no início do Século XX, a Pensão Mauá.

A primeira notícia que se tem do Hotel Santa The-reza (também conhecido, a partir de 1879, por Grande Ho-tel Santa Thereza) é do Almanak Laemmert de 1859 — este hotel é o primeiro a estabelecer-se em Santa Teresa [...]9

Em 1882, “o Grande Hotel Santa Thereza era um dos estabeleci-mentos que já dispunham de linhas telefônicas para todos os pontos da cidade e arrabaldes tendo sempre salas e quartos mobiliados com elegância; com sala de bilhar e piano a integrar suas dependências”.10

O clima agradável e a água farta e limpa trouxeram, mais para o final do século XIX, outro importante investimento em hotelaria ligado à estrada de ferro Cosme Velho-Paineiras:

[...] o imperador d. Pedro II concedeu aos engenhei-ros Francisco Pereira Passos (mais tarde prefeito da cida-de) e João Teixeira Soares, “ou à companhia que organiza-rem, privilégio por cinquenta anos para a construção, uso e gozo de uma estrada de ferro do sistema Riggenback en-tre a rua do Cosme Velho, na cidade do Rio de Janeiro, e o alto do Corcovado, passando pelo lugar denominado Pai-neiras”. O contrato, celebrado em 10 de junho de 1882, es-tabelecia que o governo imperial cederia gratuitamente os terrenos para o leito da estrada, estações e quaisquer ou-tras dependências da mesma estrada, inclusive um hotel--restaurante,que os concessionários ou a companhia pode-rão construir com as acomodações que forem julgadas mais convenientes, junto de cada uma das estações da estrada.11

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O Hotel das Paineiras foi inaugurado, junto com o trecho Cosme Velho-Paineiras da Estrada de Ferro do Corco-vado, no dia 9 de outubro de 1884. Ele pretendia oferecer aos hóspedes “todo o conforto e as vantagens que se en-contram nos bons hotéis da Suíça e dos Estados Unidos”. 12

Além do presidente Getúlio Vargas e d. Pedro II, hospedaram-se no Hotel Paineiras importantes personalidades, como o aviador Alberto Santos Dumont.13

Outro exemplo da hospitalidade do bairro foi a Pensão Mauá, funda-da nos anos 1930 pela artista plástica e moradora do bairro Djanira da Motta e Silva.

Esses exemplos mostram que, em sua formação, Santa Teresa já trazia consigo uma vocação para a hospitalidade, mas esse fluxo nem sempre foi crescente, enfrentando também situações de re-tração e declínio, sobretudo a partir da década de 1960, por causa da expansão da ocupação das encostas por comunidades de baixo poder aquisitivo, que impactou a paisagem natural e ocasionou um aumento da violência no bairro, como registra (MONTEIRO, 2008):

Nos anos 1960, no entanto, o glamour começou a des-cer a ladeira. O primeiro motivo foi uma tempestade de três dias seguidos, em 1966, que destruiu casas, matou pessoas, isolou o bairro e expôs a fragilidade da infraestrutura local. Paralela-mente, as favelas do entorno se multiplicaram. Em 1970, exis-tiam quatro. Hoje, são 17. Aos poucos, os moradores endinhei-rados partiram, e os imóveis passaram a ter preço de banana.

No entanto, a partir do final da década de 1990 até os dias atuais, observa-se o ressurgimento da atividade turística no bairro de Santa Teresa, com a instalação de pousadas, albergues, hostels, hotéis de luxo e do sistema de hospedagem domiciliar Cama e Café.

Marcou essa passagem, o ano de 1995 com a criação, por mo-radores e comerciantes do bairro, do “Movimento Viva Santa”, o qual dá partida ao processo de revitalização de Santa Teresa, com a idealização de vários eventos como o “Arte de Portas Abertas”, o Festival de Inverno de Santa Teresa e “As Cores de Santa Teresa”, que envolveu atividades de pintura e restauração do bairro, além de estímulos à formação de jovens aprendizes.

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[...] o projeto Cores de Santa Teresa, implementa-do em 1997, [...] que na época obteve grande êxito. (Vi-sava a) [...] articular Poder Público, iniciativa privada, co-munidade e capacidade técnica para a revitalização das fachadas de alguns imóveis em determinados trechos do bairro. Em 1997, foram recuperados 42 imóveis no tre-cho que vai do largo do Guimarães ao largo das Neves.14

A divulgação e a visibilidade do bairro em espaços de mídia e os baixos preços dos imóveis antigos no mercado imobiliário atraiu o interesse de estrangeiros que passaram a investir em atividades tu-rísticas em Santa Teresa.

No final dos anos 1990, estrangeiros começaram a subir o morro, atraídos pelo charme natural [...] Em 2002, os amigos Carlos Magno e João Vergara organizaram a rede Cama e Café, para hospedar turistas que apareciam de mochi-la nas costas e não encontravam hotel. Só havia na área o ve-lho Hotel dos Descasados, então bem deteriorado. O bairro foi caindo cada vez mais nas graças dos estrangeiros. O ‘Cama e Café’ acabou gerando uma importante mídia espontânea que divulgou a região lá fora. Santa Teresa entrou no roteiro do guia ‘Lonely planet’, a bíblia dos viajantes, e ganhou matérias em jornais importantes como o inglês The Guardian e o ame-ricano The New York Times, além de diversas reportagens em revistas. Dos muitos gringos que bateram pernas pelas ruelas, alguns ficaram e compraram casarões, atraídos pelos preços acessíveis. Santa Teresa viveu, então, um novo boom imobiliá-rio. O corretor de imóveis João Cabral de Melo, filho do poeta João Cabral de Melo Neto, conta que vendeu mais de quaren-ta casarões de 1999 a 2006. Todos para europeus, a maioria franceses. Ele tem um exemplo representativo da valorização meteórica de Santa. Há dez anos, avaliou uma casa na rua Al-mirante Alexandrino. Como não valia mais de R$300 mil, a fa-mília desistiu do negócio. No ano passado, o corretor, enfim, vendeu a tal casa. Valor: R$1,5 milhão (MONTEIRO, 2008).

Outro aspecto relevante dessas mudanças foi a elaboração da Agen-da 21 Local de Santa Teresa, a primeira de um bairro brasileiro, em 2001/2002, liderada pelo Movimento Viva Santa, que, entre outras propostas, indicou o desenvolvimento da atividade turística para o bair-ro como uma forma de geração de emprego e renda e inclusão social.

Além do perfil diferenciado do visitante, Santa Teresa caracteriza-se por ser um bairro residencial e ter parte de sua arquitetura tombada

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pelos patrimônios históricos federal, estadual e municipal. Soma-se ao diferencial do bairro a existência de unidades de conservação, como o Parque Nacional da Tijuca, que possui parte de sua área na região administrativa de Santa Teresa, e o fato de ter sido transfor-mado, em 1984, em Área de Proteção Ambiental15.

Tanto o tombamento histórico como as áreas de conservação e pro-teção dos recursos naturais impõem limites ao crescimento e à ex-ploração comercial do bairro e ao uso dos espaços urbano e natural. Diante desse cenário, uma pergunta se coloca: o turismo que está se desenvolvendo no bairro de Santa Teresa é sustentável dos pon-tos de vista econômico, sociocultural e ambiental? Como expandir o aproveitamento do potencial turístico do bairro sem causar danos aos patrimônios naturais e culturais?

Existe um movimento no bairro, liderado pela iniciativa privada e li-gado ao desenvolvimento da atividade turística, que visa a transfor-mar Santa Teresa em um “Território Turístico Sustentável”, conforme apontado:

Em 2003, o Cama e Café iniciou o projeto ‘Santa Teresa: Território Turístico Sustentável’, em parceria com o Sebrae no Rio, com o objetivo de fazer do bairro não apenas um lugar bom para se visitar, mas, principalmente, para se viver. A formação da primeira rede bed and breakfast do Brasil e a capacitação de seus anfitriões foram os primeiros passos de um longo caminho de desenvolvimento local sustentável, percorrido até hoje.16

[...] a proposta contagiou moradores, comerciantes e Poder Público. O Sebrae abraçou a ideia, lançando o projeto Santa Teresa Território Turístico Sustentável, para desenvolver atividades capazes de estreitar laços sociais e capilarizar os no-vos conceitos no bairro, além de realizar inventários turísticos, planos de manejo e cursos de capacitação. “Da hospedagem ao entretenimento, o trabalho está conseguindo mexer com toda a cadeia produtiva atrelada ao turismo e é extremamente participativo, o que garante legitimidade e continuidade [...]”17

Estarão suas estratégias compatíveis com a preservação do patri-mônio histórico-cultural e natural do bairro e com as premissas do desenvolvimento sustentável? Como esse movimento vem sendo percebido pelos diferentes segmentos envolvidos na cadeia do turis-mo local? Essas são algumas das questões que se pretende explorar nesta pesquisa.

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Metodologia da pesquisa

O presente trabalho é uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso único, baseada no levantamento de dados secundários, dispo-níveis em fontes diversas de conhecimento público e dados primá-rios, obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas em profundi-dade. Tem como principal objetivo explorar as correlações existentes entre o turismo praticado no destino turístico de Santa Teresa-RJ e os princípios do desenvolvimento sustentável, considerando a exis-tência, em seu território, de duas unidades de conservação — a APA de Santa Teresa e o Parque Nacional da Tijuca.

Busca-se também compreender se o público visitante predominan-te, atraído pelo patrimônio histórico-cultural e natural, constitui um turismo alternativo, diferenciado do turismo de massa, contribuindo para a sustentabilidade do destino.

Yin (1989, p. 23) descreve a pesquisa do tipo estudo de caso, como “uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâ-neo em um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenôme-no e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas”.

Esse é justamente o caso do fenômeno selecionado como objeto do estudo em tela, tanto no que se refere a sua contemporanei-dade — especialmente no que tange ao segmento de turismo que tem sido denominado “alternativo” e que surgiu apenas nos últimos anos, em oposição ao chamado “turismo de massa” (OMT, 2003) —, quanto na dificuldade de delimitação entre fronteira e contexto — uma característica típica do turismo como atividade econômica e seus múltiplos stakeholders — e, também, quanto na necessidade de recorrer-se a múltiplas fontes de evidência em busca da resposta para a pergunta da pesquisa — dada a dispersão das informações relacionadas com os resultados e os impactos dessa atividade eco-nômica, e com os diversos e muitas vezes antagônicos pontos de vista dos múltiplos stakeholders.

Os estudos de caso adotam uma variedade de formatos (YIN, 1989), podendo ser classificados como exploratórios, descritivos ou expla-natórios (causais), sendo mais frequentes os estudos de caso com

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propósitos exploratório e descritivo. O problema selecionado para pesquisa neste estudo é explorar a possibilidade de compatibiliza-ção do desenvolvimento local por meio do turismo como principal atividade econômica e uma proposta de sustentabilidade, sendo o estudo de caso, portanto, do tipo exploratório.

Os estudos de casos também podem ser de casos múltiplos ou de um único caso. O tipo de estudo escolhido como metodologia da presente pesquisa é o de pesquisa social, no formato chamado es-tudo de caso em profundidade (in-depth case study), o qual envolve a descrição e a análise detalhadas de um único caso. Estudos de caso que utilizam essa metodologia objetivam descrever um fenô-meno de maneira compreensível e exaustiva em termos do problema de pesquisa (JORGENSEN, 1989), no caso, o desenvolvimento do turismo no bairro de Santa Teresa-RJ. Uma importante pergunta de pesquisa do estudo é: Como o turismo que está se desenvolvendo em Santa Teresa se relaciona com as áreas de proteção ambiental e do patrimônio histórico-cultural?

Essa pergunta também está de acordo com a observação ressaltada por Yin (1989) para a escolha desse método de pesquisa, em com-paração a outros métodos disponíveis. Segundo esse autor, para definir-se o método a ser usado em uma determinada pesquisa, é preciso analisar as questões que são colocadas pela investigação e, de modo específico, o método do estudo de caso é mais ade-quado para responder às questões “como” e “por que” que são questões explicativas e tratam de relações operacionais que ocor-rem ao longo do tempo, mais do que frequências ou incidências.

De acordo com Yin (1989), a preferência pelo uso do estudo de caso deve-se a situações nas quais os comportamentos relevantes não po-dem ser manipulados, porém é possível se fazer observações diretas e entrevistas sistemáticas, como as propostas no presente estudo.

Os estudos de caso têm, entre suas principais vantagens (YIN, 1989), a maior ênfase na totalidade do problema de pesquisa, fo-calizando-o como um todo e superando a dificuldade comum em levantamentos quantitativos, nos quais a análise individual dá lugar à análise de traços, além da simplicidade dos procedimentos quando comparados com outras modalidades de pesquisa.

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Porém apresenta como desvantagem uma dificuldade de generali-zação dos resultados obtidos e a exigência de nível de capacitação mais elevado dos pesquisadores envolvidos (YIN, 1989), que devem possuir diversas habilidades (BRESSAN, 2000), como a capacida-de de inferir evidências por meio de discursos dos entrevistados, adotando uma abordagem etnocêntrica para evitar algum viés de interpretação dos resultados ou indução dos entrevistados, e uma postura ética, preservando o anonimato das pessoas.

Critérios para seleção dos respondentes

Para a realização desta pesquisa foi elaborada, inicialmente, uma lis-tagem com indicações de 24 estabelecimentos/pessoas de referência em Santa Teresa, representantes de diversos segmentos da cadeia produtiva do turismo local (meios de hospedagem, tours e transpor-te, atrativos históricos e culturais, restaurantes e bares, lojas e ateli-ês, Poder Público e sociedade civil). Com base nessa listagem foram selecionados seis estabelecimentos/pessoas para as entrevistas.

Características do grupo de respondentes

As pessoas selecionadas para as entrevistas são moradoras do bair-ro de Santa Teresa, à exceção de uma delas, e exercem atividades ligadas ao turismo no bairro (guia turístico, proprietário de estabe-lecimentos, como restaurante, bar, loja, meio de hospedagem). Um dos entrevistados mora no bairro desde que nasceu e dois outros são nascidos em países estrangeiros (Argentina e Itália). As idades dos entrevistados variam de pouco mais que vinte anos até a faixa entre quarenta e sessenta anos (quatro dos seis entrevistados). Um dos entrevistados tem idade próxima a trinta anos.

Os empreendimentos cujos proprietários foram entrevistados são de pequeno porte, em conformidade com a maioria dos empreendi-mentos do bairro, e nenhum deles tem mais de trinta empregados.

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Metodologia de coleta de dados

Os dados secundários sobre o bairro de Santa Teresa foram obtidos no site da Prefeitura do Rio de Janeiro18 e no do Movimento Rio Como Vamos19.

Os dados primários foram obtidos com base em entrevistas pesso-ais, semiestruturadas em profundidade e guiadas por meio de roteiro (anexo 1), com profissionais envolvidos com a atividade turística no bairro. Foram entrevistados um proprietário de hotel, dois guias de turismo (mesma entrevista), um membro da associação de morado-res do bairro, uma proprietária de restaurante, uma proprietária de loja de artesanato e um proprietário de bar.

As entrevistas, realizadas nos meses de novembro e de dezembro de 2008, foram gravadas e transcritas em sua totalidade e os conteú-dos foram analisados na óptica das três dimensões básicas do eco-desenvolvimento, constante da revisão bibliográfica sobre o tema: sociocultural, econômica e ambiental.

Metodologia de análise de dados e discursos A análise do constructo sustentabilidade do turismo em Santa Te-resa e discussão dos possíveis impactos da atividade turística nas dimensões sociocultural, econômica e ambiental, estabelecidas pelo conceito de ecodesenvolvimento, de Sachs (1986) e de Slob e Wide (2008), partiu da sistematização das informações secundá-rias coletadas e da transcrição integral das entrevistas realizadas.

Conforme Lakatos e Markoni (2001), a interpretação dos dados deve dar-se à luz de um referencial, estabelecendo relação com o tema e os objetivos propostos, de forma a lhes oferecer um sig-nificado mais abrangente. Assim, os dados coletados por meio das fontes secundárias e a interpretação do fenômeno turístico no bairro oferecida pelo discurso das entrevistas pessoais realizadas foram confrontados com o referencial teórico sobre turismo e as dimensões básicas do desenvolvimento sustentável, de modo a que se pudesse tecer considerações quanto ao problema colocado para a pesquisa: “É possível compatibilizar o desenvolvimento lo-cal por meio do turismo com uma proposta de sustentabilidade?”.

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Resultados

Impactos gerais do desenvolvimento do turismo em Santa Teresa

De acordo com o documento “Turismo responsável: manual para polí-ticas públicas” WWF Brasil (2004 p. 5.), o fenômeno atual do rápido crescimento do turismo no mundo vem trazendo algumas importantes reflexões para governos, mercados, pesquisadores, ambientalistas e comunidades. Sabe-se que o turismo pode contribuir sensivelmente para o desenvolvimento socioeconômico e cultural de amplas regiões e, ao mesmo tempo, em poucos anos, pode degradar o ambiente na-tural, as estruturas sociais e a herança histórico-cultural dos povos.

Esse mesmo documento aponta que

[...] a educação, conscientização e capacitação compõem a base do turismo sustentável e que todos os integrantes do se-tor devem ser alertados sobre os seus impactos positivos e ne-gativos e encorajados a serem responsáveis e apoiar a conser-vação por meio de suas atividades. Isso inclui o mercado, os governos locais e nacionais, as comunidades locais e consumi-dores. Os visitantes também devem receber informações sobre assuntos ambientais, culturais e sociais como ponto essencial da viagem. Sempre que possível deve haver a oportunidade de os visitantes compartilharem a cultura e as tradições locais.

Com base nos elementos teóricos apresentados anteriormente para cada uma das dimensões analisadas, construiu-se uma análise crítica dos impactos positivos e negativos do desenvolvimento do turismo no bairro de Santa Teresa, apresentada a seguir. Pessoas da comuni-dade local envolvidas na atividade turística já tomaram consciência dessa questão, como pode ser observado em uma das entrevistas: “[...] a única preocupação é ver como isto está acontecendo, a co-munidade mesmo ver como isso está, e cuidar para que não exploda ou tome um rumo negativo”.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO178

Impactos positivos do desenvolvimento do turismo

Dimensão sociocultural da sustentabilidade

Um dos aspectos ressaltados pela literatura para o sucesso de projetos turísticos sustentáveis diz respeito ao envolvimento da comunidade local. Em Santa Teresa, essa iniciativa parece ter par-tido do empresariado local por meio do Projeto Santa Teresa Ter-ritório Turístico Sustentável e contou com a parceria do Sebrae.

Eis as principais ações previstas nesse projeto: desenvolvimento de metodologias de arranjos produtivos locais; inclusão social das comu-nidades locais na cadeia produtiva do turismo; geração de emprego e renda e melhoria da qualidade de vida.

Tais ações desdobram-se em várias propostas de atividades e inves-timentos a exemplo do tour social; jardins orgânicos; concurso de projetos de turismo sustentável; estudos de impactos do turismo no bairro; construção de um portal virtual para Santa Teresa; residên-cias culturais; incentivo a hospedagem domiciliar (Cama e Café).

O projeto Santa Teresa Território Turístico Sustentável tem procurado envolver os diferentes segmentos da cadeia do turismo local.

[...] o turismo chegaria aqui de qualquer forma porque tem esse potencial turístico, então resolvemos fazer isso de forma sus-tentável, para não descaracterizar o bairro, com gente daqui, fazer com que as pessoas não vivam para o turismo e sim do turismo decentemente, isso mexe com a autoestima do bairro, mexe com quem mora aqui. [...] o bairro tem um potencial tu-rístico, é inevitável, vai chegar e agora como vamos fazer para que seja de uma forma sustentável? A maneira que a gente encontrou é esse projeto Santa Teresa Território Turístico Sus-tentável, é que o morador tem que estar envolvido com isso.

No entanto a adesão ao projeto não é total, e alguns setores de-monstram que se opõem ao desenvolvimento do turismo no bairro.

[...] Tem muitas discussões. Tem morador que não queria nem que o turista viesse aqui. [...] Tem reuniões com altas discus-sões. Sobretudo as pessoas que são moradoras. Hoje elas estão chegando a certo nível de consciência, mas geralmente elas se opõem a tudo que tem a ver com turismo. [...] Você não

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pode fechar Santa Teresa! Não concorda que vai ter que abrir um bonde turístico, não concorda que o turismo traga uma me-lhoria. Acham que não. Acham que o turista deve ser condu-zido como vacas, vir a tal hora, sair a tal hora, deve entrar por aqui e sair por ali e não é assim. A gente vai a tantas cidades históricas, Tiradentes... Acho que os lugares que são bonitos e as pessoas circulam com cuidado. [...], mas tem muita dis-cussão. Tem grupos bem antagônicos referentes ao turismo.

[...] Eu acho que tem uns moradores, as pessoas que per-tencem à Associação dos Moradores que reclamam um pou-co, eu não sei o porquê que eles ficam tão insatisfeitos... [...] Sinceramente eu não sei... É que tá movimentado.

Sobre a valorização e a preservação do patrimônio e dos valores culturais locais, a opinião de que a atividade turística tem impactado o bairro divide-se:

[...] Não. Não descaracterizou, ao contrário, acho que fez mais que as pessoas fizessem mais coisa para ter mais pesso-as assistindo. Não descaracterizou em nada. [...] Fortaleceu. [...] A parte artística totalmente. [...] De músicos e artistas plásticos. [...] Aquele evento de “Portas Abertas” tem muito a ver aqui. Esse foi um evento que valorizou muito o bairro [...] Que traz pessoas do mundo inteiro que vêm só para as-sistir a esse evento, para ver as obras dos artistas plásticos.

[...] Eu acredito assim pelos imóveis, né, característica do bairro, já que a gente não pode descaracterizar nada e construir nada, qualquer imóvel que tem se você tiver que mexer, você tem que manter a fachada pelo menos, então isto já é uma parte turística.

[...] Desde que começou a se falar na chegada desse hotel, o Hotel Santa Teresa mais especificamente, a população fi-cou muito preocupada, porque é um prédio histórico, que re-almente estava abandonado, precisava de uma revitalização e se chega alguém querendo abrir um negócio, com capital para revitalizar tudo bem, porém eles se comprometeram de fazer de uma forma que fosse legal para o bairro, mas não foi nada do que aconteceu, mudaram completamente a es-trutura do prédio, coisa que não era para ser feita, derruba-ram paredes que não eram para se derrubar, e foram chegan-

do. [...] a comunidade não vê o hotel como uma coisa boa.

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Uma das preocupações é com a preservação do bonde e a proposta de privatização, que pode trazer melhorias, mas também aumento de custo para os moradores:

Então falando do bonde, por exemplo, que já estão discutindo este tema, a privatização...[...] Depois desses sete anos que moro aqui, eu vejo que o bonde não está indo muito para frente, né? Agora vamos ver... se for para privatizar e ter um serviço que funcione, com certeza vai ser mais barato que pegar um ônibus. Acho que, bem ou mal, os moradores precisam ter um serviço privilegiado, como existem em ou-tros países. Lá em Veneza para pegar um Vaporeto, que é um ônibus local, você paga o dobro, paga cinco euros, mas quem mora em Veneza paga o preço normal. [...] o que é um mau exemplo, já que no caso é que o turista não queria pagar tanto... muitos portugueses falaram do bairro da “Afama”, um bairro antigo que tem um bondinho, tem muitos ateli-ês... um exemplo assim, de repente, para os novos adminis-tradores... (Referindo-se à mudança no governo municipal).

[...] E essa questão da privatização não sei se foi uma coi-sa declarada ou se algumas pessoas entenderam, mas as-susta. Por que será que vão privatizar mesmo? Quanto vai custar? Se deixar, daqui a pouco está trinta reais e ninguém viu, ninguém sabe. Mas a AMAST, a comunidade está bem atenta. O sucateamento dos serviços públicos que é o pro-blema e sempre aconteceu, o que é uma ótima desculpa para privatizar, daí privatiza, coloca o preço que quiser colocar.

[...] não pode virar equipamento turístico, tem que ser que nem nossos ônibus, o morador usa e o turista se qui-ser também pode usar, mas é um serviço público, uma op-ção de transporte, não tem cabimento fazer como o bon-dinho que vai para o Pão de Açúcar, outro que vai para o Cristo e virar o que vai para Santa Teresa. O do Pão de Açúcar e o do Cristo são realmente turísticos, mas o bon-de daqui não é turístico, é para circular no bairro [...]

[...] no dia [em} que o bonde estiver funcionando bem, o bairro também vai funcionar melhor, porque estávamos pensando em fazer uma campanha como em qualquer ou-tro bairro histórico, onde as pessoas larguem seus carros e passem a vir a pé visitar Santa Teresa, só que fica impos-sível se não tem o bom funcionamento do bonde, não vou mandar a pessoa vir de bonde se ele não funciona [...]

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[...] Acho que o bonde funcionando bem são menos carros na rua, menos problemas com estacionamento e todos poderiam viver muito melhor e estimular o turista a vir de bonde, não com carros de empresa, nem jipe, nem van e melhora a con-dição do bairro [...]

Empregabilidade e inclusão social:

[...] Falando como empreendedores do bairro, a gente tem essa iniciativa de trazer o pessoal do bairro para traba-lhar [...] sem nenhum dado específico, tem muita gen-te do bairro trabalhando, por exemplo, o novo restauran-te que abriu a maioria são pessoas que moram aqui, no Mineiro que é tradicional daqui também, acho que to-dos eles têm pelo menos alguém que more aqui no bairro.

[...] Hotéis de Santa Teresa tem bastante gente que mora em Santa Teresa, mas eles esbarram com o problema de capa-citação, como não tem um programa para capacitação, tem que buscar em outros lugares, de outras formas. Acho que realmente uma deficiência na chegada desse grande [...] foi a capacitação local, se eles queriam mão de obra local e sabiam que essa mão de obra local não era especializada, talvez cou-besse a eles investir nessa mão de obra e usar. [...] não fizeram nada daquilo que se comprometeram. Tem gente daqui traba-lhando lá, mas estão lentamente saindo, sendo demitidos ou não aguentam a pressão. [...] Tem gente do bairro trabalhan-do, mas o problema é que eles não estão capacitando, estão pegando e colocando mais para os cargos que ninguém quer.

[...] Que eu tenho visto sim (se os outros hotéis também empregam mão de obra local). Não da forma que eu acho que deveria ser. No caso de hotel, como são empresários que estudam o local, o que vai acontecer e tudo, eles de-veriam prever que vão precisar de mão de obra qualificada, então isso eles já sabiam e também sabiam que iam che-gar ao bairro e não iam encontrar [...] Para mim era dever deles já que queria chegar dessa forma, e não foi feito.

Sobre as condições de trabalho (salário justos e regulares, etc.) na atividade turística:

[...] Sim, aqui há muito respeito com o funcionário. [...] Tudo que pelo menos eu conheço do comércio e das pes-soas. Eu conheço aqui todo mundo. Nunca vi menores de idade de trabalhando [...] Até porque o comércio daqui não

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vai muito além da madrugada, tem alguns restaurantes uma vez ou outra. Aqui não tem aquela coisa de ficar até altas horas. Aqui não tem nada depois da 01:30, 02:00 da ma-nhã. Aqui tudo acabou. Aqui tem mais essa coisa do dia.

[...] O pessoal aqui é muito cuidadoso. Todo mundo bem consciente do problema. Aqui eu não tanto, mas aqui é quase tudo de gastronomia, né? Isso o sindicato traz muitos problemas se você não trouxer tudo direitinho. Hoje em dia existem legalmente contratos temporários.

Um dos entrevistados apontou uma opinião contrária: [...] uma parte ínfima com carteira assinada, é raridade,

Sazonalidade do trabalho: [...] Igualzinho que em todo o Rio. Não tem nenhuma dife-rença. Você chega réveillon e carnaval lota tudo. São duas datas onde há uma superlotação, férias de inverno tem um pouquinho mais. Igual que quase todo o Rio. Não tem ne-nhuma diferença. Existe período de mais alta e mais baixa [...] Baixo, baixo tem mais que ver com o baixo, baixo do Brasil que realmente não tem a ver com o turismo, que é só maio, que é baixo por todos os lados não é só pelo turismo.

Alguns estabelecimentos indicam que procuram ajustar-se ao calen-dário para manter a equipe:

[...] Existe, existe. Não mando embora. Raramente. Tenho 1 ou 2 freelancers. 1 garçom ou 2. A maioria é fixo. [...] Te-nho alguns parados aqui, mas fim de semana de movimen-to aí melhora, troca um dia pelo outro. [...] O bom (período de alta) pra todos nós é na temporada, né, então eles ga-nham mais porque trabalham mais e ganham comissão.

Os entrevistados também não identificam posturas discriminatórias (por sexo, por raça, credo) por parte dos empreendimentos locais:

[...] Não. Acho que não. Em Santa Teresa não.

[...] Não, mas também não posso responder por todos. Aqui não tem, ali não tem, mas eu não sei, por exemplo, nos lugares que vejo tem pessoas de cor, brancas, menores é que não vejo.

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Sobre a criminalidade, há uma constatação de que ela diminuiu com o crescimento do turismo:

[...] a violência, já teve um ápice, mas vem caindo, até por essas iniciativas, já vem abaixando um pouco, não que tenha acabado. É uma faca de dois gumes, porque como vêm mais turistas você pensa que virão mais pes-soas para assaltar, mas com a chegada de uma boa rede empresarial no bairro, os caras também não vão querer que ninguém seja assaltado porque vai trazer prejuízos.

[...] Muito. E depois desta inauguração deste último hotel que tá tendo evidência agora, o Hotel de Santa Teresa, né, aí mu-dou muito a segurança.

Um dos fatores apontados para esta diminuição é a participação da comunidade nos debates sobre segurança:

[...] do que eu vejo é uma galera em massa dos empreendi-mentos daqui que está na reunião de segurança, vejo três, quatro moradores nas reuniões e vejo todos os donos de al-guma coisa lá, porque estão interessados para que não haja violência no bairro, para sucesso de seus empreendimentos. Nas reuniões que a gente também participou temos visto uma melhora grande, tem trazido melhorias, conseguimos patrulha-mento nas ruas de acesso, guarda para Curvelo, o grande pro-blema de Santa Teresa ainda são os acessos, é complicado.

Sobre o aumento da oportunidade de lazer para a população local:

[...] As pessoas daqui de Santa Teresa são muito bairristas. Se sair e jantamos comemos aqui em Santa Teresa. Conheço muitos restaurantes. Agora existem coisas que são necessá-rias que aqui não tem.

A responsabilidade social do empresariado local é identificada por pequenas iniciativas, que demonstram uma busca de maior envolvi-mento com a comunidade local:

[...] nós não ajudávamos, [...], depois que nós montamos o bar, restaurante pra cá, a gente ajuda, temos um grupo na Biblioteca de Santa Teresa, que é a Biblioteca Viva que todo mês tem dois escritores de livros infantis, é um gru-po, pegam as crianças nas escolas municipais, são 80 crian-ças pra eles lerem os livros com o autor, aí nós ajudamos, né, com um lanche das crianças. Então esta parte é nossa.

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[...] Dos funcionários, nós, eles coletam todas as latinhas, todas as pets, eles guardam pra eles fazerem a caixinha pra eles. Tem um ou-tro cliente que faz horta comunitária, então todos os pets dois litros nós separamos pra este senhor porque ele faz hortas comunitárias nas comunidades com as pets. Isto é nosso, nós é que fazemos, né, então tem a preocupação com os nossos funcionários e ajuda às crianças do bairro e das comunidades também, a nossa parte.

[...] Então através das entidades, Instituição Aman, Creche Can-tinho Feliz, Grupo de Bordadeiras, aí você tem alguma coisa que vai nessa direção de responsabilidade socioambiental compreen-de, fica numa fronteira ali, entre a filantropia, assistencialismo, uma nova vertente empresarial de responsabilidade social, mas é pouca coisa.

Dimensão econômica da sustentabilidade

A expansão da atividade turística em Santa Teresa possibilitou a criação de empreendimentos registrados formalmente e proporcio-nou um aumento na empregabilidade da mão de obra local, confor-me o depoimento dos entrevistados.

Sim, tudo isso, com CNPJ, formal, com sócio e tudo. Começamos a confeccionar uns flyers, site, dar um up mesmo na coisa, sem esquecer a central de informação do bairro. Então foram essas três coisas, o espaço, esse rotei-ro e a Prefeitura (que) precisava de um ponto de informa-ções no Guimarães, aqui em Santa Teresa, que é um bairro com uma geografia um pouco complicada para quem vem de fora, o turista chega um pouco perdido e é um bairro muito turístico, atrai qualquer pessoa, é muito bonito, charmoso.

Outros entrevistados também apontam o surgimento de oportunida-des de trabalho para os moradores do bairro nos restaurantes, bares e locais de hospedagem.

[...] O bairro de Santa Teresa ficou tipo como um polo quase turístico, apareceram hotéis, pousadas, lugares novos e o pes-soal que investiu e eles estão trabalhando com o pessoal da área. [...] Todas as pessoas que conheci por aqui. [...] Todas são do bairro. Eu até não me incluo nestes empresários porque sou mais antiga, mas os novos investimentos. Eu quando abri aqui não havia turismo... Quando abri, abri uma loja não tinha nada a ver com o turismo. Não abri para turistas, abri para moradores. Agora os novos empreendimentos eu tenho a impressão que moram aqui. Tudo o que eu vi todos estão empregando daqui.

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[...] Os garçons são de Santa Teresa, as pessoas. Os poucos que conheço trabalham com muitas pessoas de toda a comu-nidade. Assim tem a ver indiretamente tem. [...] Eles são trei-nados, tem curso de línguas, são treinados profissionalmente. Isso é muito bom!

[...] Aqui tem 28 funcionários e destes, 25 são moradores de Santa Teresa, dos arredores, das comunidades.

Fora ela que mora no Flamengo [ri apontando para a outra entrevistada] Temos nós mesmos aqui e temos funcio-nários que moram aqui [risos]. [São] nove.

Um dos entrevistados cita o exemplo do próprio estabelecimento, onde todos os oito empregados são moradores do bairro. Outro afirma ter conhecimento de que os empregados de hotéis e lojas têm carteira as-sinada pelo empregador e que os direitos trabalhistas são respeitados.

A criação da rede de hospedagem Cama e Café contribuiu para maior divulgação de Santa Teresa como destino turístico, tendo papel prepon-derante inclusive para a expansão que se verifica atualmente no bairro.

O Cama e Café tem mais ou menos uns quatro ou cinco anos. Foi quase junto com a agenda 21 [...], criaram aquele Cama e Café que até hoje acho que nos impulsionou um pouco no exterior porque eles trabalharam muito como aprenderam o empreendedorismo. Muito por intermédio co-locaram Santa Teresa mundo afora. Eu acho que foi com eles que surgiram mais tudo. Eles procuraram muita parce-ria. [...] Acho que o Cama e Café parou um pouco o seu crescimento e através dele cresceram outras coisas. Cres-ceu Santa Teresa a nível turístico, mas isso fez que Santa Teresa fosse mais visada internacionalmente e aí começou aquele investimento de estrangeiros e aí começaram a vir aqui, começaram a comprar casas. [Santa Teresa] foi mais colocada em um telão internacional através do Cama e Café.

Apesar das criticas colocadas anteriormente em relação à falta de capacitação da comunidade local, o Sebrae é confirmado, pela maio-ria dos entrevistados, como uma instituição que apoia o pequeno empresário em questões como treinamento de pessoal, técnicas de gestão empresarial, etc.

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[...] Do Sebrae veio aqui bastante gente. [...] através da rede empresarial. [...] Foi através da iniciativa jovem, por medida do Cama e Café.

[...] através dela (iniciativa do Cama e Café) veio o Senac, o Se-brae. Veio um monte de grupos que estimularam...

[...] Eu tenho agora recentemente contato mais no Sebrae, tem os cursos lá... E aí conversando com as pessoas que dão assistência no Sebrae — os coordenadores eu soube de projeto sobre turismo (San-ta Teresa Território Turístico Sustentável) e a gente vai continuar...

Dimensão ambiental da sustentabilidade

O maior envolvimento das instituições públicas e a valorização eco-nômico-social dos recursos naturais podem ser constatados com a iniciativa do Ministério do Meio Ambiente, em parceria com a Pre-feitura do município do Rio de Janeiro, para transformação do an-tigo Hotel das Paineiras em um “complexo para o ecoturismo, com centro de convenções, restaurante, projetos de pesquisa ambiental, entre outros” (TIJUCA, 2009). Essa iniciativa atende ao interesse de moradores, conforme manifestado por um dos entrevistados:

Queremos fazer dele um centro de referência da Mata Atlântica, uma parte pequena de hospedagem cor-porativa para capacitação de agentes da sustentabilidade.

Esse mesmo entrevistado afirmou que tal iniciativa irá contribuir para trazer maior visibilidade à importância ambiental da Floresta da Tijuca:

Nós até lamentamos extremamente, o fato [de] que boa parte desse turismo que vem ao Corcovado não sabe que a Floresta existe, pelo menos na sua dimensão de bioma, Mata Atlântica, como vegetação, grande órgão prestador de servi-ços ambientais.

Os empreendimentos turísticos parecem ter começado uma trajetó-ria de maior consciência ambiental, o que é demonstrado pelas ini-ciativas de reciclagem de óleo, de aproveitamento de água de chuva e de coleta seletiva:

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Nós temos feito o lance de reciclagem de óleo, porque antigamente não tinha, né? [...] Eu adotei captação de água pros banheiros, antes não tinha.

No entanto essas iniciativas ainda são poucas e carecem de incen-tivo. A coleta seletiva, por exemplo, é cobrada e o preço não é nada animador. Um dos entrevistados relatou pagar entre R$700,00 a R$1.000,00 por mês para que a Comlurb — Companhia Muni-cipal de Limpeza Urbana — recolha o material de sua empresa:

Eu, coleta seletiva eu tenho, não são todos aqui que têm [...] eu pago uma quantia alta pra ter a co-leta e a Comlurb passa, não sei, quarta de manhã [...] Eu pago de R$700,00 a R$1.000,00 por mês pra ter.

Para alguns moradores o turismo contribuiu para melhorias na limpeza do bairro e maior cuidado do órgão responsável pela prestação do serviço:

Acho que limpeza, teve... Acho que em Santa Teresa mudou muito, né? Sempre bem limpinho, todo dia de manhã tá sempre muito limpo.

A Comlurb que faz um trabalho bom, legal. [...] Acho que o bairro está bem limpo, limpeza bem legal.

Para alguns dos entrevistados o envolvimento da comunidade com o turismo tem contribuído para mudanças ambientais, que se mani-festam em um maior cuidado com o bairro:

Você vê, as casas se profissionalizaram, os vizinhos, os moradores em si não deixam fazer bagunça como antigamente; antes, tinha. Cobram mais da Prefeitura, da admi-nistração, a parte de limpeza, por isto até que melhorou bem.

Identificou-se, também, o início de preocupação com a adoção de sistema de certificação, observada por meio da sugestão de um dos entrevistados para a criação de um selo verde para as empresas que adotassem medidas de gestão ambiental:

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Você não vê um selo verde, nós mesmos queremos criar um selo verde para as pousadas economizarem energia, fazerem coleta seletiva, aproveitamento.

Durante a pesquisa, no entanto, não foram identificadas experiên-cias de certificação envolvendo setores ligados à cadeia de turismo.

Outra percepção foi de que o turismo contribuiu para a melhoria da consciência ambiental, mas apenas para moradores das comunidades, em particular os jovens que se profissionalizam na área de turismo:

[...] tem despertado essa consciência ambiental sim numa parcela, mas não nos moradores de Santa Teresa tradi-cionais e sim nos moradores das comunidades. São es-ses que, quando tem programas de capacitação para guias, monitores de turismo participam, são eles que veem na apreciação do outro a valorização do seu peda-ço, ele aprende com o outro, a autoestima vai lá em cima.

Outra opinião revela: [...] Pra consciência ambiental não. Nada. [...] Mas pra

autoestima sim.

Impactos negativos do desenvolvimento do turismo

Dimensão sociocultural da sustentabilidade

Um dos aspectos levantados da responsabilidade social dos empreen-dimentos locais foi sobre condições de acessibilidade para portadores de necessidades especiais. Nesse ponto, observa-se que não há inicia-tivas nesse sentido por parte de empresários e do Poder Público local:

[...] Que eu saiba também não. Não tem. Nenhuma.

[...] Nem visual, nem cadeirantes, nada, infelizmen-te. [...] Isso não é só o Poder Público como o empresaria-do também. [...] Aqui não tem nada, nenhuma rua tem, nós temos um vizinho aqui nessa rua que é um cadei-rante, volta e meia o vejo chegando, ele saindo, mas sem nada para ajudar. [...] Você não vê nem em restaurante.

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[...] Tipo acesso para quem anda de cadeira de rodas, é...Aqui em Santa Teresa? Eu não estou sabendo de nada. [...] Não eu não vi nada disto aqui.

[...] Assim como muitos lugares nessa cidade, a empre-sa de ônibus que trabalha aqui não está preparada para isso, até para atender normalmente ela não está prepa-rada, o bonde é deficiente, foi abandonado pelo Poder Pú-blico, então não tem como atender [a] isso. È muito difícil, complicado. [...] As ruas não têm nem calçada porque os carros ficam em cima, no meio tem os trilhos.

Então historicamente o bairro não tem esse potencial para atender os portadores de deficiências, seria uma coisa, um trabalho bastante complicado, as calçadas são muito estreitas.

Sobre as condições das ruas do bairro:

[...] O que tem de reclamação das mães com os be-bês, neném não pode, chega em casa tudo tremendo por-que é paralelepípedo, né, e as calçadas são estreitas, têm degraus [...] Tem que avançar muito aqui no bairro.

Alguns dos entrevistados apontam que, entre os aspectos negati-vos causados pela atividade turística, constata-se o aparecimento de atividades informais, como flanelinha, bandinha e mendicância:

[...] Trouxe muita melhoria porque tanto o comércio como o que tem a ver com o cuidado com segurança melhorou! Mas acon-tece que também traz mais aquelas crianças pedindo, traz mais flanelinhas, traz mais bandinhas que vêm a tocar nas portas dos restaurantes tipo Copacabana que isso também já temos aqui. Sábado e domingo tem tocando três ou quatro. [...] Não exis-tia. Tem um ano e meio ou dois. [...] Mas eles tocam de dia. [...]

[...] bebe-se para caramba nesse bairro, o que tem de lati-nha, sem falar em pet, todos os dias de carnaval, o ocea-no de latinha que fica aqui, vem vendedor de tudo que é canto, até o cara que vem sambar aqui trás pacotes de latinhas pra vender, o que aconteceu... Você tem uma massa de catadores aqui que se confunde tranquilamen-te com a mendicância, a fronteira é muito pequena [...]

Quanto a problemas comumente identificados com o crescimento da atividade turística, como é o caso da prostituição e do turismo sexu-al, as opiniões sobre o impacto do turismo em Santa Teresa apontam:

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[...] Não vi nada que se pareça. Nada. Nem aproximado. Não vi na rua. Não...

[...] Se tem alguma coisa, eu não estou sabendo. Aqui eu não vejo nada disto aqui. Até porque aqui, no que eu vejo, não vi nada, não vi na rua, nem nunca escutei.

[...] No caso, no nosso específico, [...] não tem este proble-ma, nem de prostituição infantil nem adulta.

[...] prostituição não tem aqui, se tem é muito escondido como em qualquer lugar.

Apenas um dos entrevistados relatou a existência de prostituição e turismo sexual no bairro:

[...] Tem daqui também e tem de outras áreas. Tem taxis-ta que leva os caras até o turismo sexual, a garotada está no meio, essas mulheres, mas tem aqui na comunidade.

[...] como eu disse a vocês, se observarem, se vai circular a noite ou mesmo de tarde pega esses restaurantes aí, vamos falar na língua, a expressão recorrente mesmo, a quantidade de “neguinha” trazendo gringo para passear aqui ou vai às buti-ques o gringo sobe e quer dar um presente para acompanhante.

A opinião segue na mesma linha quando se trata de prostituição e trabalho infantil:

[...] Eu não vejo isto aqui. Raríssima, raríssima, raríssima, ra-ríssima eu vejo um turista que se identifique... [...] isto infeliz-mente você vê às pencas em Copacabana quando você passa na orla... [...] Muito raramente você vê um com uma mulata, que você vê que é prostituta... raramente. [...] Nem adulto, nem infantil. [...] Porque isto é uma aberração, a gente vê longe, né?

[...] Não, nessa parte que investigamos, não vi. Agora não posso tirar conclusões, se ela tem16, 15 ou 18, às vezes não dá para saber, agora muita coisa veio a acontecer não aqui às vistas porque tem gente que cuida que cuida mesmo, o povo, as pessoas se conhecem [...]

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Trabalho infantil:

[...] Agora não vejo menores trabalhando a não ser os meno-res que estão na rua pedindo.

Sobre o impacto no patrimônio sociocultural, há posições que indicam que tem havido impactos negativos pelo desenvolvimento do turismo:

[...] então no caso do Hotel “Térèze”, que foi o nome dado ao antigo Hotel dos Descasados, que era o Hotel Santa Teresa, a descaracterização foi absurda e continua sendo. Isso quando existe um grupo que se arvora de representantes de um nicho internacional de hotelaria de grande história, de grandes histó-rias. Nós temos essa coisa de tombamento do bairro, então tem imóveis que você não pode demolir usar a fachada de qualquer maneira, temos uma lista de centenas de denúncias, talvez al-guns desses até sejam hospedarias, mas podemos não saber, não tem como saber, não tem a placa, nós, como associa-ção, não podemos ter acesso, trabalhar com essa informação.

[...] Outro ponto que descaracteriza esse patrimônio é a presença desses transportes turísticos monstros, enor-mes e esse jipe tour. [...] Esses ônibus grandes de turismo. [...] é terrível quando têm que fazer manobra aqui. [...] Os ônibus inclusive vêm comprometendo o patrimônio de ma-neira invisível, que é o estremecimento de todas as passa-gens e tubulações, porque o bonde tem uma estrutura de areia que amortece os impactos, é distribuído ao longo.

[...] No caso do bondinho, foi aquilo que te falei, se você quer um turismo sustentável, a primeira coisa é respeitar, o bonde [...] o transporte do bairro, que serve inclusive com seus sessenta centavos e o seu estribo de graça, serve majo-ritariamente a moradores de favela. [...] E o bonde é a energia do passado e o futuro, [...] é energia limpa, adequado a um bairro que é todo em encostas, com altíssimos riscos de des-lizamentos, são as características desse maciço que estamos.

Dimensão econômica da sustentabilidade

O interesse por parte de empresários na expansão da atividade ho-teleira em Santa Teresa é visto com ressalva por um dos entrevis-tados, o que reforça o distanciamento entre a prática na atividade turística e uma prática que leve em conta a sustentabilidade em to-das as suas dimensões, conforme apontado na revisão bibliográfica.

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[...] o mote do empreendedor turístico aqui tem sido a revita-lização, ora você só revitaliza o que está morto, abandonado e nós sempre dizemos que a nossa essência vital, o nosso lado cultural, andar pelo bairro, sair de bicicleta, onde todos se conhecem, mal ou bem nas esquinas há interação comuni-dade/bairro, nós sempre temos dito que eles vêm aqui atrás da nossa essência vital, nós estamos vivos e muito vivos, é por isso que eles veem aqui um objeto de investimento.

Embora exista a REST (Reunião dos Comerciantes de Santa Tere-sa), não há um movimento de cooperação de forma que as empre-sas do bairro possam atuar de forma integrada, conforme relato de um dos entrevistados.

Não se tem muito consenso nas reuniões. A gen-te tentou, mas não vão muitas pessoas. Sempre são mui-to poucas. O trabalho é mais individual, de cada um.

De acordo com um dos entrevistados, apesar da existência da REST, não há ação conjunta dos empresários do bairro no sentido de estabelecer-se uma rede de cooperação entre empresas do bairro. As compras não são feitas no bairro — exceção para as compras de emergência —por causa de preço, variedade ou qualidade dos produtos disponíveis. Há, no entanto, dois moradores que fornecem alimentos do tipo petisco.

Tal ideia é confirmada por outro entrevistado quando afirma: “A gen-te estava no mailing da REST em uma época, mas já faz algum tem-po que não estamos mais recebendo... não sei se está meio parado.”

Um dos entrevistados não percebe a parceria público-privada que impacte na atividade turística no bairro quando afirma: “Não é uma coisa contínua. Eu não sinto aquele apoio que deveria ter do governo para as instituições privadas. Eu não estou vendo não.”

Embora determinado entrevistado não veja impacto inflacionário no bairro em decorrência da atividade turística, à exceção do valor dos imóveis, outro identifica aumento do custo de vida como decorrência da atividade turística, o que está em linha com a revisão bibliográfica.

Uma coisa inevitável foi o aumento do custo de vida, ainda mais aqui no centro de Santa Teresa, os alugueis tam-bém aumentaram bastante, o que está acontecendo é que a galera está começando a pensar já em euro, nem em dólar porque quem tem interesse em morar no bairro, visi-

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tar o bairro em grande parte: o público europeu. Mas são alguns, nos restaurantes, pela pesquisa que a gente fez os preços não são muito acima da média do Rio de Janeiro.

Sobre parcerias público-privadas:

[...] Houve em uma época um pouco de apoio da Pre-feitura quando houve alguns lançamentos empresariais, quan-do se criou o polo gastronômico, como um lançamento de um folheto até muito interessante na época que foi lançado aqui no Hotel Bela Vista, com o apoio da Prefeitura e Secretaria do Turismo, mas são coisas esporádicas. Não é uma coisa contínua. Eu não sinto aquele apoio que deveria ter do go-verno para as instituições privadas. Eu não estou vendo não.

Sobre articulação/cooperação empresarial:

[...] A gente teve, algum tempo atrás, uma reunião, depois veio o grupo do Cama e Café, os mesmos meninos do Cama e Café tentaram e insistem, mas insistem, mas ficam assim em papéis [...] Começaram a fazer alguma coisa. Conseguiram fa-zer um polo gastronômico que eu não apoiei no momento mui-to acho que essa coisa de polo... aí, sim, é que traz concen-tração demais, mas tudo estava na reunião que participei, está tudo no papel, mas não se consegue [...] avançar não. Parou.

[...] Acho que tá muito desunido, muito desunido. [...] Eu mes-ma, por exemplo, fiquei afastada... Então eu não sei de fato o que tem acontecido. [...] com a AMAST, com a REST [...] Não tão me mandando e-mail, antes me mandavam [...] O Cama e Café estava fazendo um movimento, mas não sei, não sei se tá acon-tecendo alguma coisa [...] Eu realmente estou muito afastada.

Atualmente há um surto de investimento econômico no bairro de San-ta Teresa com a vinda de dinheiro de fora (capital estrangeiro). Essa questão tem sido percebida de diferentes formas pelos entrevistados.

Isso que vocês estão vendo, é um movimento de ocu-pação irregular, que gera ou está ligado a uma indústria de alvará provisório, então muitas vezes no improviso, não tem como funcionar, sequer como hostess, porque há medidas de segurança, critérios de taxa de ocupação, pela estrutura, etc., então o que tem acontecido? Tem acontecido que, na hora da reforma, [...] tudo é festa, corredores gastronômicos, [em que] sabemos pelo próprio diretor, que ali só é permitido o uso exclusivamente residencial [...] o que um brasileiro não con-

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segue manter, comprar, eles estão comprando, e isso acaba reforçando a tal da indústria de alvará provisório, numa certa precariedade provavelmente nas condições de atendimento.

O impacto inflacionário em decorrência da atividade turística pode ser percebido no valor dos aluguéis e preço de venda dos imóveis, assim como de alimentos e bebidas nos bares e restaurantes, segun-do a maioria dos entrevistados.

Segundo um dos entrevistados, em Santa Teresa tudo é mais caro.

[...] Acho caro aqui. Acho tudo caro. Acho que até o cara que vende tomate aqui, a padaria, tudo é mais caro. [...] Tem muito turista morando aqui. [...] E que quem acaba saindo prejudicado aí é o morador. [...] Ainda bem que ele pode descer aqui porque é perto do supermercado, como eu faço [...] Todo mundo faz isto. Até o mercadinho aqui é caro.

E a atividade turística acentua essa condição. Outro entrevistado demonstra receio da especulação imobiliária.

Tenho medo da especulação imobiliária, porque não conheço uma pessoa que veio para se hospedar que não te-nha pensando em comprar uma casa aqui, vir morar, é muito perigoso isso, porque o cara tem dinheiro, tem capital para isso, então a gente tem sofrido uma invasão do capital es-trangeiro, coisa do tipo o brasileiro não conseguir comprar um imóvel e um estrangeiro chegar e comprar; acho que isso tem que ser visto e revisto pelos órgãos responsáveis.

E também o receio da concentração de certas atividades nas mãos de estrangeiros.

E os grandes hotéis de Santa Teresa estão nas mãos do capital estrangeiro, temos o Cama e Café que ainda tem muita influência no bairro, são brasileiros, é gente que nasceu e foi criada aqui, é um sistema superlegal, não tem como não falar em Cama e Café aqui quando se fala de hospeda-gem em Santa Teresa: é um esquema legal porque as casas aqui são grandes, tem um estilo colonial, algumas do perío-do Brasil Império também, são caras de manter, manter esse patrimônio público, então quando você está hospedando gente na sua casa e consegue pegar essa parte dessa renda e investir no seu negócio é bom para pessoa, é bom para o bairro, é bom para o turista estar na casa de alguém do bairro, vai estar mais intimo, mais dentro da cultura local.

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A questão do uso da mão de obra do bairro nos empreendimentos hoteleiros pode estar limitada pela capacitação dessa mão de obra, conforme indicado por um dos entrevistados.

Hotéis de Santa Teresa, tem bastante gente que mora em Santa Teresa, mas eles esbarram com o problema de capacitação, como não tem um programa para capacita-ção, tem que buscar em outros lugares, de outras formas. Acho que realmente uma deficiência na chegada desse gran-de hotel em Santa Teresa foi a capacitação local, se eles queriam mão de obra local e sabiam que essa mão de obra local não era especializada, talvez coubesse a eles inves-tir nessa mão de obra e usar, talvez tenha sido uma falha.

Entre quarenta e cinquenta por cento dos produtos vendidos numa das lojas do bairro (artesanato) são de artistas locais, se-gundo um dos entrevistados. Outro entrevistado relata que, “às vezes, são adquiridos pães e doces feitos de forma artesanal”.

A questão econômica impõe-se, segundo um dos entrevistados, quando são analisadas as várias dimensões da sustentabilidade na atividade turística no bairro.

Quisera eu que o turismo numa área ambiental viesse difundir mais discernimento e mais consciência para os mora-dores, mas infelizmente a questão econômica nos opõe. Tem uma franja aí que está demonstrando uma consciência maior. É a do jovem das favelas, porque algumas favelas passaram a ter representação, algumas favelas já existem no mapa, tem lá favelinha no Pereira, tem quem desça no ponto em frente à fa-vela do Fallet, então ela passa a existir, tem o baile funk, então os artistas juntam com os estrangeiros e vão para uma noitada.

Dimensão ambiental da sustentabilidade

A falta de entendimento e resistência de parcela do empresariado com relação à importância da existência de duas áreas de prote-ção no bairro foi denunciada por um dos entrevistados. Segundo ele, essas áreas mais restringem do que dinamizam o turismo, pois impõem limites quanto ao uso do espaço pela atividade turística e, de certa forma, essa proteção vem causando certo “desconforto”:

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[...] passa a atuar como um elemento que limita, define novos contornos para a visitação. [...] com os avanços dessas regu-lamentações, em termos de unidades de conservação, esse avanço vem criando desconforto para os setores empresariais.

A descaracterização da paisagem provocada pelo turismo foi ressal-tada em uma das entrevistas:

Houve outros, como a casa de hóspedes de dom Pedro — servia só aos hospedes — descaracterizou; colocaram retroes-cavadeira, então a maior parte das fachadas não foi preservada, houve embargo [...] houve a caracterização de crime ambiental, e a volumetria acabou suprimindo a vista da rua do Aqueduto que era umas das vistas mais tradicionais do Rio de Janeiro.

No entanto essa percepção não foi a tônica, como demonstram as afir-mativas abaixo; o que pode representar, talvez, a falta de atenção para possíveis impactos do turismo no meio ambiente e na arquitetura local:

Empreendimentos tem, mas não vejo descaracteriza-ção nenhuma.

Eu passo naquela bica, aquele lugar maravilhoso ali pelas Paineiras eu não vejo, eu acho que tá tudo normal... eu não vejo nada.

Se por um lado o turismo tem contribuído para a conservação da paisagem (e para alguns esse fato tem muito mais relação com a própria luta dos moradores), para outros, a atividade turística no bairro tem ocasionado alguns problemas, como o aumento da cir-culação de veículos que tem provocado o desgaste dos trilhos do bonde e problemas de estacionamento:

Eu não sei se o turismo tem que ver com isso. Tem que ver a luta também dos moradores. Tem feito mudança... agora, o turismo sempre traz as duas coisas: tem melhorias, mas não é melhoria só, porque também tem os contras [...] Tem algum transtorno para o morador, mas é porque os luga-res ficam mais lotados.

Aumentou muito a quantidade de carros, a quantidade de ônibus que circulam. Tem ônibus de turismo pequeno, tem carro, van. Isso dá pra sentir. Não tem como, né? Tem as coi-sas boas e a coisa ruim. Não tem como melhorar umas coisas que vêm do turismo. No trânsito se sente muito. Principal-

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mente porque não tem vaga, não tem espaço para estacionar.Por exemplo, tem algumas empresas que atuam aqui

no bairro, que sobem de jipe com bastante gente, acaba com os trilhos, então é de forma negativa.

Alguns discursos denunciam o aumento da poluição sonora e o receio de que o bairro não suporte o movimento crescente nas manifestações, que podem trazer prejuízos para o ambiente urbano. É sabido o risco para cidades/locais históricos representado por uma trepidação regu-lar, e não é sem razão a preocupação demonstrada pelo entrevistado:

Sonora sim. Eu não posso dizer do turismo em si, eu posso dizer, pelo aumento de frequência das pessoas no bairro, né? Muitas manifestações, intervenções cultu-rais que antigamente não tinha, e hoje tá tendo muito, os desfiles, os blocos em Santa Teresa que hoje pode se tornar uma nova Olinda. Os blocos no carnaval... e não comporta.

A iniciativa do bairro na elaboração de uma Agenda 21 trouxe, para alguns dos entrevistados, não apenas conscientização e estímu-lo à conservação do bairro, mas também à organização e expan-são do turismo, como pode ser percebido pela declaração abaixo:

Eu acho que trouxe muita conscientização. Tem mui-tas pessoas aqui que não gostaram, mas eu achei muito inte-ressante. Eu achei porque é uma coisa séria inclusive juntando um montão de pessoas da comunidade por isso que não foi só comerciante...

Eu acho que sim, eu assim própria não conheço mui-to, vocês estão me pegando meio de surpresa, mas acho que trouxe porque reuniu muitas pessoas ligadas na comu-nidade. Não só comércio, digo, diretores de escola, grupos de iniciativa jovem. Havia líderes comunitários, havia muitas pessoas onde se tratou todo esse assunto sobre turismo...

No entanto, uma parcela dos entrevistados demonstrou desconhe-cimento sobre o significado e importância da Agenda 21 e, quando não, de sua existência:

[...] Eu lembro. Eu soube da Agenda 21 dentro do Cama e Café, né, eu nem sei se continua, continua tendo, não, né? [...] Eu não tenho participado das reuniões, mas eu acho que contribuiu. [...] Eu acho que aumentou o turismo aqui. [...] Eu tenho que achar que pra mim o resultado foi positivo, não sei pros moradores

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[...] Nunca soube de nenhuma proposta assim. [...] Está um pouco parado agora? [...] Com certeza, faria muita diferença.

A identidade do destino Santa Teresa : turismo de massa x turismo alternativo

Há um consenso entre os diferentes setores de que o turismo em Santa Teresa é um turismo diferenciado que se identifica mais com os aspectos histórico-culturais e, secundariamente, com os atrativos naturais e as áreas de proteção ambiental do que com outros as-pectos que atraem o turista de massa, como compras, praia, visitas rápidas a pontos turísticos.

[...] Particularmente acho que o turismo não tem que ver com área de proteção ambiental. Acho que tem mais a ver com bairro histórico. Área de proteção ambiental é muito importante, mas a pessoa vem aqui porque tem história, porque tem o bonde, tem os trilhos, o aqueduto, as casas da Lapa, vem mais por isso, vem na parte do Rio antiga né? Por que da parte ambien-tal, de floresta, é importante, mas é muito vasta. Acho que vem mais para ver a parte histórica do que a parte ambiental. [...]

[...] Arquitetura, os artistas, os eventos, tem muito ateliê aqui, acho que a beleza... Na arquitetura, né. [...] A paisagem, os Arcos... [...] Uma mostra de arte... Um bairro que sempre pri-mou por isto. Tem muitos artistas. [...] Música, né. Não pode ter música alta, mas alguns bares fazem música, eles fazem roda de choro, roda de samba, jazz aqui do lado, eles sobem pra curtir aqui a música também.

[...] Acho que é o bairro mesmo que atrai bastante... já é mais tranquilo, já mais perto do Centro. Não é como Copacabana que é tudo muito cheio, não dá para andar na rua, [com] todo mundo se esbarrando... Aqui já é mais tranquilo, mais fácil.

[...] Olha a vista, a situação aqui de estar em cima da cidade num casarão antigo, que enfim as pessoas que de repente moram na Europa, lá fora, não estão acostumadas com esses espaços. Então é a vista, o lugar, é uma casa de férias em uma grande cidade...

[...] Acho que o lado artístico, as artes, os ateliês, artesana-to. [...] Acho que essa parte meio bucólica... natureza em volta também...

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O perfil do visitante também é considerado diferenciado:

[...] o turista que vem para cá geralmente não é o turista que vai para Copacabana, outro lugar, é um turista bem di-ferenciado, ele quer realmente conhecer o lugar, a cultura, é um turista que está interessado em saber da língua, da mú-sica, até mais voltado para as artes. Por essa demanda que as coisas aqui para o turismo são pequenas, as iniciativas são dos bares e restaurantes ou de hotelaria, mas alguma coisa aqui que leve o turista a conviver com o bairro não só passar ainda não tinha acontecido [...]. Nós vimos que tem muito brasileiro também, é muito legal o brasileiro estar via-jando conhecendo seu próprio País tem seu próprio lugar e tem os cariocas que nunca vieram e agora têm seu espaço.

[...] Acho que o turista que vem aqui é muito respeitoso. Mais do que os que moram. O turista que vem a Santa Teresa é muito especial. Não é o tipo de turista que [se] vê na orla. É diferente.

[...] eu sinto que a pessoa que vem para aqui que é dife-rente daquele turista que vem tomar um banho de sol, um banho de praia, que está naquele só oba-oba de querer só...Só um banho de mar, que é muito bom, mas por está procu-rando aqui história [...] Tem um outro olhar de vir ao lugar e ter a visão de conhecer a cidade, como começou, por que aqueduto, por que o bondinho, gosta de ver a arquitetura do casario, gosta de ver essas coisas. É um turista bem dife-rente. [...] Pelas perguntas mesmo que fazem. Eles se inte-ressam, eles perguntam como vão e como tomam o bonde, onde saltam o que podem fazer. Perguntam muito sobre o aqueduto, quantos anos tem o bonde, são pessoas que estão interessadas [...] nessa parte, como no Cristo, como na Lapa são lugares históricos e eles vão a procurar. É como quem vai, por exemplo, a Recife, procuraria Olinda, procura o Recife velho, não fica vendo só Porto de Galinhas, nem as praias.

[...] Eles só falam bem. Eles são agradáveis, é um turista alter-nativo, é um turista diferente, né?!

A relação entre hóspede e anfitrião também é apontada como diferencial:

[...] A proximidade com os hóspedes, né? Eu acho que eles sem-pre voltam. [Há] uma relação assim, o que a gente tem é mes-mo de amizade, não é só aquela coisa de hóspedes e pronto. A gente está bem próximo deles e tenta atender a todos, a tudo...[...] acho que tem hóspede que não gosta dessa coisa de

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hotel, porque está de férias e quer conhecer outras pessoas, quer saber o que acontece mesmo na cidade.

Sobre a origem, perfil e duração média da hospedagem no bairro, um dos entrevistados indica que em seu estabelecimento:

[...] tem uma média de noventa por cento de estrangeiros que vem para cá, os primeiros cinco países são Estados Unidos, França, Holanda... A França, é que ultimamente têm vindo muitos franceses... Então: Estados Unidos, França, Holanda (a gente trabalha com umas agências da Holanda), Inglaterra [...] Alemanha...

[...] E a faixa etária deles é... não são muitos jovens. Às vezes tem uns 25, 28, ou de 30 para 50, 60... [...] A maioria são casais. [...] Às vezes nós recebemos com filhos.

[...] (ficam) três, quatro dias em média. [...] Muitas ve-zes chegam ao Rio, passam um tempo, aí começam a se deslocar e como vão viajar de novo, voltar para casa sain-do daqui, aí já reservam mais uma noite ou duas na volta.

Para outro entrevistado que atua como guia de turismo:

[...] A maioria (é) estrangeiros, europeus. Festa italiana! Isso aqui fica cheio. Depois vêm os latino-americanos. [...] Argen-tina, Chile, (e) Estados Unidos, daí começa a espalhar...Tem muito alemão, francês demais, eles fazem comparações com Mônaco e Montmartre, na França.

Sobre o fluxo do turismo no bairro há um consenso sobre os perío-dos de alta e de baixa:

[...] São dois períodos de baixa, entressafras, digamos assim. Que é em abril/maio e setembro/outubro. [...] (Período de alta) Concentra nessa época, janeiro/fevereiro. E julho/agosto sen-do férias na Europa, no hemisfério norte, vem bastante gente. [...] Sim carnaval também. Tem as Festas, aí o carnaval... de-pois o verão brasileiro, até fevereiro... tem muito movimento em Santa Teresa.

Alguns dos entrevistados apontaram várias estratégias do empresa-riado local para enfrentar os períodos de baixa, alguns aproveitam esses momentos para reforma e investimento.

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Quando indagados sobre os riscos da expansão da atividade turística no bairro, identificaram-se preocupações, mas prevalece uma visão ain-da muito positiva fundamentada nesse perfil diferenciado do turismo:

[...] Acho que o risco de turismo de massa para Santa Tere-sa, só muito assim no futuro mesmo. Acho que esse turismo de massa gosta mais do Centro, a proximidade com a praia, aqui realmente é mais “zen”... Por exemplo, tipo vamos che-gar aqui e ficar três dias fazendo compras — isso é coisa do público de Copacabana, os turistas chegam no hotel por exemplo, já perguntando “onde é o shopping? Onde é o “não sei o quê” mais para comprar mesmo e ir para praia. Aqui eu não vejo tanto isso não. É mais mesmo para conhecer o Rio, passear, conhecer o bairro... Porque aqui a gente faz tudo andando, né? Você conhece o bairro andando e é bem legal!

Conclusão

O debate sobre a sustentabilidade do desenvolvimento de destinos turísticos é uma questão complexa. A princípio, porque é um campo de estudo recente; depois, porque o próprio conceito de desenvolvi-mento sustentável é passível de diferentes interpretações e sujeito a críticas diversas e, por último, avaliar destinos turísticos impli-ca o estudo de sua trajetória, que envolve múltiplas subjetividades.

No entanto a discussão sobre a sustentabilidade do turismo se faz cada vez mais necessária em razão de sua expansão no cenário econômico mundial e de suas repercussões nos destinos turísticos, que podem resultar em expressivos benefícios ou danos, às vezes irreparáveis.

A análise dos dados coletados sobre o turismo no bairro de Santa Tere-sa coloca em evidência alguns aspectos que merecem ser destacados.

Tendo conhecido uma significativa expansão do turismo em anos re-centes, no bairro de Santa Teresa, município do Rio de Janeiro, tem-se manifestado preocupação com a sustentabilidade, vide o pioneirismo na elaboração de uma Agenda 21, a primeira versão de bairro no Bra-sil e, mais recentemente, o lançamento do projeto “Santa Teresa Ter-ritório Turístico Sustentável”, uma iniciativa do empresariado local.

Outras iniciativas somam-se a essas, como as relativas à preservação e valorização dos patrimônios histórico-cultural e natural, que lhe con-

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ferem singularidade no cenário turístico do município e demonstram as potencialidades de um desenvolvimento sustentável para o turismo.

O turismo tem-se manifestado, pois, como um importante agente para a inclusão social, contribuindo para a geração de trabalho e renda, uma vez que a mão de obra para os estabelecimentos é recrutada no próprio bairro. De um modo geral, o setor abriu novas oportunidades de negó-cios, mostrando-se um elemento de dinamização da economia local.

Esse efeito do turismo é, no caso de Santa Teresa, de alto valor, levando-se em conta que o bairro é cercado por 17 comunidades de baixa renda e que ações que promovam a geração de trabalho e renda têm um significado especial.

A queda de braço entre parcela do empresariado e a população quan-to ao uso do antigo Hotel Paineiras pendeu favoravelmente para os interesses da população, que gostaria de ver o hotel transformado em um Centro de Referência da Mata Atlântica. Tendo voltado às mãos do MMA, o hotel está hoje sob a responsabilidade do PARNA da Tiju-ca, tendo, inclusive, iniciado atividades já em 2009 com a transforma-ção do restaurante em galeria de arte com a mostra que se estende até junho deste ano.

Aliás, o envolvimento da comunidade de Santa Teresa com as questões ligadas à sustentabilidade foi sendo evidenciado ao longo do trabalho, o que traz muito otimismo quanto ao rumo do desenvolvimento, uma vez que se considera a participação um fator-chave na promoção do desenvolvimento sustentável. No entanto se constatou a necessidade de fortalecimento das associações representativas da iniciativa privada em torno de uma proposta de cooperação entre empresas do bairro e de seu entrosamento com as entidades representativas dos moradores.

Outros indicativos de um caminho de sustentabilidade relacionam-se com a implantação, por uma parcela do empresariado, de algumas práticas, como a reciclagem do óleo e a coleta seletiva, mas ainda são experiências esparsas que precisam de um trabalho de sensibi-lização para a sua importância e de incentivos para a sua adoção.

Embora a existência da APA não tenha sido suficiente para a pro-teção da paisagem em alguns casos, como no exemplo da casa de hóspedes de dom Pedro, que teve sua fachada descaracterizada e cuja obra resultou na supressão da vista da rua do Aqueduto, pode

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ser observada a percepção da importância da criação da APA e do tombamento (mesmo quando não explicitado) para a conservação do meio ambiente natural e do construído. Ao mesmo tempo, há quase que um consenso quanto ao fato de que a conservação tem estreita ligação com o crescimento da demanda turística no bairro.

Mas denúncias foram registradas quanto ao fato de que essa prote-ção do meio ambiente é encarada por alguns como um fator limitan-te para o crescimento do turismo, em especial, por empresários li-gados aos investimentos hoteleiros, que procuram subterfúgios para burlar a legislação.

Apesar de o bairro experimentar, com o crescimento do turismo, maior segurança e limpeza das ruas, conforme avaliação dos entre-vistados, foi observada a necessidade de investimentos que aten-dam aos portadores de necessidades especiais.

O bairro tem apresentado ainda, segundo as falas registradas, algu-mas manifestações de insustentabilidade, como a invasão de “flane-linhas” nas ruas, a alta dos preços de bens e serviços e o aumento da poluição, em particular da sonora.

O crescimento das manifestações no bairro, como o carnaval, por exemplo, que por um lado servem ao fortalecimento do turismo, por outro, incomodam uma parcela dos moradores e colocam em risco o acervo arquitetônico do bairro. Não é sem razão a preocupação revela-da por um dos entrevistados de que Santa Teresa possa ver degradado o seu patrimônio.

Nesse sentido, medidas precisam ser tomadas, como o estudo de impacto e delimitação de circulação em certas áreas.

A respeito do perfil do turista que predomina na área de estudo, há um consenso de que é um turista diferenciado e com consci-ência ambiental. Esse turista enquadra-se na definição de turista alternativo proposta pela OMT: procura estabelecer uma relação mais próxima com os moradores, em especial com seus anfitri-ões, circula a pé pelo bairro, usa os meios de transporte público.

Tal turista encanta-se com as características que marcam o bairro, e convém que não se esqueça de que o esforço de criação de infraes-trutura para recebê-lo pode ser justamente a razão para seu afasta-mento, caso as condições de sustentabilidade não sejam observadas.

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Aliás, as relações entre o perfil do turismo, se alternativo, e suas conexões com o desenvolvimento sustentável local ficam como su-gestão de aprofundamento da pesquisa.

Concluindo: é importante destacar que a discussão aqui encaminhada traz muito claras as limitações que encerra, não tendo a pretensão de definir verdades, mas sim, a esperança de apresentar reflexões que contribuam para a construção da sustentabilidade do turismo no bairro de Santa Teresa e para o debate sobre o desenvolvimento sustentável dessa atividade.

Para a realização da pesquisa, a equipe não dispunha de recursos financeiros e contou, por isso, com o trabalho voluntário dos pes-quisadores. Essa condição impôs limite de tempo, sobretudo para a realização do trabalho de campo. Em termos investigativos, entre os aspectos que poderiam ser mais aprofundados, destacam-se o deba-te conceitual sobre turismo alternativo e a influência dos diferentes meios de hospedagem no grau de sustentabilidade do turismo local.

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Notas

1 Decreto nº 26.199 de 22 jan. 2006, compreendendo o comércio de bares, restaurantes e casas noturnas instalado nos logradouros e arredores, além das principais atrações turísticas desses bairros.

2 As principais características dessa categoria são: luxo, design e originalidade. Ver MOTA, A. et al., 2007, p .2.

3 O hotel, também conhecido como Hotel dos Descasados, vinha funcionando de forma precária. Foi adquirido e reformado por um grupo francês de hotelaria exclusiva passando a funcionar com nova administração em 2008.

4 Onde se localiza a sede da Ebape-FGV, responsável pelo curso do Observatório de Turismo (OIT) do qual fazem parte os alunos-autores do presente trabalho.

5 Em menção à primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brun-dtland, que chefiou a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos anos 1980.

6 WCED, sigla em inglês.

7 Esse autor também utiliza a expressão ecodesenvolvimento para falar de desenvolvimento sustentável.

8 Extraído do site: http://www.eturbonews.com/339/tourism-can-help-global-action-climate-change-and-poverty .

9 Extraído do site: http://www.amast.org.br/novo/memoria/memo-ria.htm#histhotel, acesso em 14 fev. 2009.

10 Extraído do site: http://www.amast.org.br/novo/memoria/memo-ria.htm#histhotel, acesso em 14 fev. 2009.

11 Extraído do site: http://www.lightrio.com.br/web/institucional/cul-tura/ccl/memoria/hotel_paineiras/tehpaineiras.asp

12 Extraído do site: http://www.lightrio.com.br/web/institucional/cultura/ccl/memoria/hotel_paineiras/tehpaineiras.asp

13 Construído pela Light, o hotel passou a ser propriedade da União em 1970 e foi privatizado em 1984, passando a ser da Universidade Veiga de Almeida. Como essa instituição prometeu realizar obras de

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reforma, mas não cumpriu o prometido, e o hotel é tombado pe-las esferas dos governos federal, estadual e municipal, voltou para a União. Fechado há quase trinta anos, o hotel foi revitalizado no final de 2008 e transformado em um Centro de Referência da Mata Atlân-tica. Extraído do site: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u125581.shtml, acesso em 14 fev. 2009

14 Extraído do site: http://www.acrj.org.br/article.php3?id_article=1329, acesso em 14 fev. 2009.

15 Pela Lei municipal n.° 495, de 9 jan.1984.

16 Extraído do site: http://asn.interjornal.com.br/noticia.kmf?noticia=3772752&canal=212, acesso em 15 fev. 2009.

17 Extraído do site: http://revistahost.uol.com.br/publisher/preview.php?edicao=1104&id_mat=39, acesso em 15 fev. 2009.

18 Extraído do site: http://portalgeo.rio.rj.gov.br/bairroscariocas/in-dex_bairro.htm.-

19 Extraído do site: http://www.riocomovamos.org.br/indicadores/area29.html

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO212

Anexo 1

Roteiro das entrevistas Identificação do entrevistado

Nome:Instituição:

Contato:

Morador de Santa Teresa: ( ) Sim ( ) Não

Se a resposta for sim, desde quando:

Dimensão ambiental 1. Em 12 de janeiro de 1984, o bairro de Santa Teresa foi transfor-mado em Área de Proteção Ambiental – APA. Parte do bairro tam-bém se situa no Parque Nacional da Tijuca.

De que forma o aumento da atividade turística no bairro tem sido influenciada por esse aspecto?

O turismo tem impactado positivamente ou negativamente estas unidades de conservação?

2. Valorização/degradação da paisagem.

O turismo no bairro de Santa Teresa tem contribuído para a desca-racterização da paisagem ou para a sua valorização? Exemplifique.

3. Adoção de iniciativas de gestão ambiental pelos empreendi- mentos turísticos

Os empresários locais ligados à atividade turística têm promovido a gestão ambiental de seus empreendimentos? De que forma? (Eco-nomia de energia, água, coleta seletiva, redução de uso de produtos químicos, etc.)

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SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO: UM ESTUDO DE CASO DO DESTINO SANTA TERESA — RJ213

4. Valorização/impacto no meio ambiente urbano.

Como o turismo tem impactado o meio ambiente urbano? Por exem-plo: melhoria dos espaços públicos, acessibilidade — condições e meios de acesso, limpeza e tratamento de resíduos (coleta seletiva), melhoria na arborização e no mobiliário, maior segurança e tran-quilidade para os moradores, melhoria no uso e ocupação do solo, melhoria nos serviços de saneamento básico (água e esgoto), dimi-nuição da poluição sonora e do ar?

5. Contribuição para o aumento da consciência ambiental (morado-res/turistas).

Pode-se dizer que o turismo trouxe um aumento da consciência am-biental dos moradores?

De acordo com sua observação, os turistas demonstram preocupa-ção com a qualidade e a conservação do meio ambiente?

Dimensão sociocultural

6. Há um projeto que relaciona o bairro de Santa Teresa a um “Terri-tório Turístico Sustentável”, o que, no caso, considera que o desen-volvimento do turismo no bairro continuará sendo uma atividade de sucesso em longo prazo.

Você concorda com essa afirmativa? Por quê? Em que pontos/carac-terísticas específicas diferencia-se de outros destinos turísticos no Rio de Janeiro (no Brasil ou no mundo)?

7. Diversos estudos apontam a importância do tipo de envolvimento da comunidade local no desenvolvimento turístico/econômico, para a sustentabilidade do destino turístico.

Qual sua opinião a esse respeito, em relação à história de Santa Teresa?

8. Santa Teresa é um bairro tradicionalmente residencial.

Você atribui alguma diferença/mudança nos costumes, tradições, crenças e valores da comunidade de Santa Teresa, que seja decor-rente do desenvolvimento turístico local?

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9. Em relação a esses costumes, tradições, crenças e valores da comunidade de Santa Teresa:

Você acha que estão sendo preservados?

São valorizados ou não pela própria comunidade e pelos turistas?

Algum deles é ou foi utilizado como fonte geradora de renda pela comunidade?

Quais os mais marcantes e/ou característicos da região ou comuni-dade local?

10. O desenvolvimento da atividade turística em Santa Teresa tem proporcionado a inclusão social da comunidade local na cadeia pro-dutiva? Exemplo: geração de renda, empregabilidade, empreendedo-rismo, acesso a bens e serviços.

Caso ela ocorra, de que forma tem-se dado essa inserção? Como a população local tem-se beneficiado do crescimento da atividade turística?

11. Como o empresariado local tem-se portado ante o debate e as demandas de responsabilidade social, dentro e fora da empresa.

Há empresas que aderem aos indicadores Ethos de Responsabilida-de Social ou outros sistemas de normatização (Exs.: NBR 16001, AS 8000, GRI)?

12. Como as instituições locais (setor público, empresariado e co-munidade organizada) vêm atuando em questões que tendem a cres-cer com o aumento da atividade turística, como o turismo sexual e a prostituição infantil?

Há medidas preventivas para controlar esse processo?

13. Há políticas e ações no bairro que facilitem criar condições de acessibilidade a pessoas portadoras de deficiência (transporte, meios de hospedagem, museus, infraestrutura — elevadores, telefones pú-blicos, banheiros, etc.)? Cite exemplos.

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14. Qual a influência dos padrões e normas internacionais na ati-vidade turística em Santa Teresa: Exemplos: Agenda 21, Metas do Milênio, Código de Ética da OMT, Convenções da OIT, Normas de responsabilidade social, nacionais e internacionais (ISO, SA 8000, NBR 16001, etc.)?

O governo, empresariado e a sociedade civil local têm considerado tais acordos/normas?

15. No que se refere às condições de trabalho na atividade turística:

Há respeito à idade mínima e combate ao trabalho infantil?

Há investimento na qualidade do emprego (contrato legal de traba-lho; salário mínimo; estabilidade no emprego x sazonalidade da mão de obra, organização sindical e liberdade de associação dos funcio-nários; condições de trabalho seguras e saudáveis; número máximo de horas x longas jornadas)?

Há igualdade de tratamento e não discriminação por sexo, raça, credo, etc.?

Dimensão econômica 16. Existe algum movimento das empresas/instituições com ativida-des ligadas ao turismo no bairro em participar [de] ou estabelecer redes de cooperação com outras empresas do bairro de forma a atuar de maneira integrada, proativa e interativa aumentando a com-petitividade?

Como é hoje? Como é o seu caso? (A REST pode ser considerada um exemplo?)

17. Existe interesse de parte das empresas/instituições com ativida-des ligadas ao turismo no bairro em adquirir produtos vendidos e/ou fabricados no bairro?

Como é hoje? Como é o seu caso? Onde você se abastece? Onde estão seus fornecedores?

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO216

18. Existe parceria público-privada que impacte na atividade turística no bairro?

Ou seja, empresas/instituições com atividades ligadas ao turismo no bairro recebem algum apoio de entidades/instituições (governamen-tais), por exemplo: educação e treinamento a funcionários, técnicas de gestão, linhas de crédito facilitadas, etc.? Como é o seu caso? Caso existam, elas são satisfatórias?

19. A renda gerada com base na atividade turística no bairro perma-nece no bairro? Município / estado / país?

20. Existe uma pressão inflacionária no bairro com base na ativi- dade turística?

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Cama e Café: um modelo empreendedor para um turista-flâneur

AUTORES

Carlos Eduardo Sarmento

Erika Conceição Gelenske Cunha

Gabriel de Sena Jardim

Letícia Borba Balceiro

Rosane Soares dos Santos

Tatiana Oliveira Siciliano

Victor Lamas Cunha

RESUMO

Diante do desenvolvimento e da expansão dos meios de hospedagem, novos modelos alternativos surgem como empreendimentos capazes de gerar maior integração com a comunidade e o ambiente visitado. Para explicitar tais mudanças, realizou-se um estudo de caso sobre o Cama e Café, modelo empreendedor que se posiciona para um tipo diferenciado de turista, que pratica flânerie. Esse conceito inovador e talvez inédito em termos de pesquisa em turismo traz uma nova forma de concebê-lo.

Palavras-chave: Turismo, Empreendedorismo, Flâneur, Cama e Café

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Experi-ências de viagens na construção do indivíduo moderno, ministrada pelo professor Carlos Eduardo Sarmento com a tutoria de Tatiana Oliveira Siciliano, no Curso Observatório de Inovação do Turismo, da EBAPE/FGV.

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Introdução

A cidade aparece como um todo no qual nenhum desejo é desperdiçado e do qual você faz parte, e, uma vez que aqui se goza tudo o que não se goza em outros lugares, não resta nada além de residir nesse desejo e se satisfazer. Como é realmente a cidade sob esse carregado invólucro de símbolos, o que contém e o que esconde, ao se sair de Ta-mara, é impossível saber [...] (CALVINO, 1990, p. 16-18).

O Cama e Café é uma adaptação brasileira do conceito internacional de hospedagem bed and breakfast no qual o turista se hospeda na casa de uma família que mora na cidade. Atualmente, o empreendi-mento oferece residências nas cidades do Rio de Janeiro — no bairro de Santa Teresa1 — e em Olinda2, regiões de grande importância his-tórica. A proposta dessa linha de hospedagem é, conforme divulga-do em seu site institucional3, possibilitar ao turista a experiência de conhecer o local na “perspectiva de seus moradores”, estabelecendo uma relação anfitrião/hóspede. No Rio de Janeiro, a rede conta com 25 residências, e os preços das diárias de casal variam entre R$ 70 e R$ 230,00 — preço alinhado ao de hotéis de categoria três estrelas4 nos bairros do Flamengo e de Copacabana, fora da orla marítima.

O Cama e Café foi criado pelos empreendedores Carlos Magno, João Vergara e Leonardo Rangel, em 2003, ao perceberem o po-tencial turístico pouco desenvolvido de Santa Teresa. Amigos de colégio no bairro, começaram a idealizar o empreendimento quando notaram que turistas mochileiros procuravam por hospedagem em casas de residentes. Com base nessa observação, surgiu a iniciativa de desenvolver-se um estilo de hospedagem diferente, uma forma de promover a integração anfitrião/hóspede, presente no modelo bed and breakfast, com uma personalização mais abrangente. Dessa for-ma, a exemplo das agências de intercâmbio experimentadas pelos sócios quando estudantes, o Cama e Café sugere o melhor local para o turista hospedar-se com base no cruzamento de dados e per-fis entre hóspedes e anfitriões.

Pelo trabalho em questão propõe-se refletir sobre os significados presentes no modelo de hospedagem Cama e Café com base em discursos de alguns atores envolvidos — anfitriões e idealizadores

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—, sobre o que os levou, respectivamente, a credenciarem-se na rede e a idealizarem o conceito. Entende-se que estudar os significa-dos desse modelo de hospedagem e o modo como ele é posicionado para os turistas seja relevante por tratar-se de um tipo alternativo de vivência do turismo. Dessa forma, pretende-se aqui levantar hipóte-ses que possam ser futuramente investigadas.

Afinal, quais são os apelos desse modelo de hospedagem turística — com custo semelhante ao praticado por hotéis de padrão três es-trelas — pela óptica do anfitrião e dos idealizadores do conceito? O que levou os idealizadores a conceberem tal modelo? O que motivou alguns moradores locais a credenciarem-se como anfitriões? Que ex-periências de viagem eles pretendem proporcionar a seus hóspedes? Que imagens sobre esse conceito de hospedagem são construídas e divulgadas pelos anfitriões e idealizadores? Como esse conceito é visto na imprensa?

No âmbito do estudo, emergem os conceitos de “empreendedoris-mo” e de flâneur. Destaca-se que o empreendedor é aquele que é responsável pelo processo de “destruição criativa”: o principal impulso que ativa e mantém em curso o motor capitalista, crian-do constantemente novos produtos, novos métodos de produção e novos mercados, sobrepondo-se aos antigos métodos, menos efi-cientes e mais caros (SCHUMPETER, 1911 apud DEGEN, 1989). Já o conceito de flâneur e, por extensão, o de “turista-flâneur”, tem sua aplicação pouco explorada na literatura do turismo e percebe-se que ele se assemelha muito ao perfil do hóspede do Cama e Café, segundo seus idealizadores e o anfitrião entrevistado.

A metodologia utilizada foi um estudo de caso, baseado em duas entrevistas em profundidade, pessoais e gravadas, uma com um an-fitrião e a outra com um dos idealizadores do projeto. Nesse momen-to, preferiu-se focar o posicionamento do modelo de hospedagem e, por isso, prescindiu-se de entrevistas com turistas. Também foram analisadas reportagens sobre o modelo de hospedagem Cama e Ca-fé5. Pressupõe-se que (a) o turismo é uma construção por consumir e apropriar-se dos espaços (CASTRO, 1999), e (b) que, para caracte-rizar o visitante como turista, é importante que haja pernoite6. Com base nos depoimentos coletados e desenvolvidos posteriormente, conjetura-se que o turista que busca o modelo de hospedagem

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Cama e Café diferencia-se do turista mais prevalente, aquele que compra pacotes. Na ânsia de misturar-se à cidade e conviver mais de perto com os hábitos locais, esse turista parece preferir outras formas de hospedagem que não as tradicionais. Presume-se que alu-gar um apartamento na cidade visitada ou hospedar-se num estabe-lecimento bed and breakfast estaria mais próximo de seus anseios.

O argumento é que o Cama e Café é um exemplo de empreendedo-rismo. De acordo com o economista austríaco Schumpeter (1961), o empreendedor é a essência da inovação no mundo, tornando obsoletas as antigas maneiras de fazer negócios. O termo empreendedor — do francês entrepreneur — significa aquele que assume riscos e come-ça algo novo, assim como os idealizadores do Cama e Café fizeram.

A inovação do empreendimento consiste em tomar posição para esse perfil diferenciado de turista que, inclusive, se assemelha à figura do flâneur, caracterizada por Baudelaire e discutida em Ben-jamin (1991), Veneu (1990) e Bastos (s/d). A hipótese é que, do mesmo modo que o “flanador”, esse turista vivencia a urbe sem um roteiro de viagem definido a priori; ele se propõe a descobrir a ci-dade, experimentando-a subjetivamente, aproximando-se do tipo de vida de seus moradores, o que justifica sua escolha por hospedar-se em uma residência. Mas o flâneur do Cama e Café é bem distinto do flâneur do turismo de mochileiros (JUODINIS, 2004). Apesar de am-bos procurarem por novas experiências e por um aprimoramento de sua “cultura subjetiva” (SIMMEL, 1971), o turista do Cama e Café paga pelo conforto e por um estilo. Como salienta Pallamin (2002), o essencial é que a cidade ensaia a convivência com aquele que não se conhece, que é o estranho, mas que, no entanto, não é excluído.

O flâneur se opõe ao homem blasé, que Simmel (2005 [1903]) de-fine como o tipo comum urbano, que adota um distanciamento e uma reserva como proteção aos estímulos da cidade. Tomando de empréstimo o conceito de Simmel, o turista blasé seria aquele dos “pacotes de viagem”, que não discriminaria os detalhes da arqui-tetura urbana; enquanto o turista flâneur estimularia seus sentidos experimentando subjetivamente a cidade e desvendando nuances da urbe. No entanto, todos esses tipos de turistas são consumidores e compram produtos e experiências (BAUMAN, 1999). Outro ponto a ser discutido é a possibilidade de a cidade do Rio de Janeiro ser lida

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como um texto (HUYSEN, 2002; RAMA, 2004) a ser desvendado pelos turistas, cujas interpretações são plurais. No jogo do perder-se pelo “labirinto de signos bifrontes”, que compõe a cartografia da metrópole, é que o turista construiria sua leitura sobre a cidade e criaria uma cidade particular.

O Cama e Café como modelo em-preendedor

De acordo com Carlos Magno Mendes Cerqueira Júnior, gerente co-mercial, sócio e um dos idealizadores do empreendimento, em en-trevista concedida em 18 de agosto de 2008, o Cama e Café surgiu fundamentado em experiências dos próprios sócios. Carlos Magno havia participado de um programa de intercâmbio em Nova Iorque, convivendo por seis meses com uma família americana. Essa ex-periência possibilitou que percebesse hábitos, costumes, tradições, comportamentos e, principalmente, a diferença entre a cultura do Brasil e a dos EUA, despertando seu interesse para mostrar o coti-diano de uma família e as características do povo brasileiro, que lhe parecia mais cativante e hospitaleiro.

Paralelamente, João Vergara e Leonardo Rangel viajaram para a Eu-ropa, hospedando-se em alguns Bed and Breakfast na Itália, na Re-pública Tcheca e na França. Com isso, constataram que, além de mais econômico, era mais original conhecer o lugar por meio de um morador local. Afinal, por mais que esse morador não participasse das atividades e dos programas com o visitante, ele daria dicas, explicaria como se chega aos lugares, forneceria informações que fariam grande diferença. Segundo Carlos Magno, “é outro olhar”: um morador local querendo proporcionar uma experiência inovadora e autêntica para o visitante.

De 1993 a 1995, os três sócios estudaram no CEAT (Centro Educa-cional Anísio Teixeira), que fica no alto de Santa Teresa. Desde essa época, desejavam fazer alguma coisa pelo bairro, embora não sou-bessem o quê. Em 2001, a Dialog — ONG de responsabilidade social da Shell — lançou um projeto chamado Iniciativa Jovem. Coinci-dentemente, o escritório do Carlos Vergara, pai do João, ficava em

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO222

frente à sede desse programa. No dia em que João viu uma placa “transforme o seu sonho em realidade” na porta da ONG, resolveu entrar para ver o que havia por trás dessa proposta.

Os três sócios então se reuniram e começaram a articular-se. Em um primeiro momento, sabiam que gostariam de fazer algo por Santa Teresa. Assim, inicialmente resolveram montar uma agên-cia de turismo alternativo, com foco em cultura, natureza e saú-de. Na verdade, eles ainda não tinham um produto, mas muita vontade de transformar o potencial do bairro em “alguma coisa”.

Com o tempo, perceberam que o bairro era muito carente em opções de hospedagem e contava basicamente com o Hotel Santa Teresa, conhecido como o Hotel dos Descasados7. Santa Teresa era consi-derado um bairro charmoso, que, no início da década de 1920, atraía artistas e representantes da elite, mas começou a perder seu poder de atratividade na década de 1960 quando as chuvas de 1966 des-truíram várias residências e provocaram algumas mortes, o que res-saltou a precária infraestrutura da região. Contudo, conforme des-taca Parente (2001), a atmosfera “bucólica” do bairro, que sublinha um estilo de vida peculiar, não o destituiu de sua posição singular:

[...] o bairro de Santa Teresa é um dos mais originais da cidade, pela sua geografia, pela sua história e pela maneira como vivem seus habitantes. Um bairro sem bancos ou grandes supermer-cados, sem praças ou postos de gasolina, sem luxo ou moder-nidade. Seus privilegiados moradores, intelectuais, artistas e artesãos parecem não precisar de nada disso, entre as ruelas e curvas que sobem e descem e que só eles entendem. O rui-doso bondinho, sacolejando sobre os velhos trilhos, é a alegria e o símbolo de um bairro que resiste ao tempo (Ibid., p. 49).

Ao longo dos anos 1980, Santa Teresa desvalorizou-se ainda mais, com o crescimento das favelas8. No final da década de 1990, turistas começaram a procurar por lazer em Santa Teresa, atraídos pela vista e pelo “charme do bairro”. Mas não havia opções de hospedagem.

Carlos Magno afirma que muitos turistas vinham para o bairro de “mochilão”, procurando algum tipo de hospedagem alternativa. Ao frequentarem estabelecimentos, como bares, restaurantes e lojinhas de artesanato, encontravam anúncios do tipo “alugo quarto” ou “pro-curo alguém para dividir despesas” e iam em busca desses lugares.

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Dessa forma, o que acontecia era uma relação muito informal, ama-dora. O hóspede não sabia quanto, como, nem o que ia pagar, ou seja, não sabia o que estava incluído no preço do serviço ofertado.

Os sócios constataram que alguns moradores já hospedavam turistas em suas casas, mas essa recepção ocorria de forma desorganizada. Além disso, a parte mais delicada de todo o processo era o momento da cobrança, porque o anfitrião, muitas vezes, já tinha estabelecido tan-ta afinidade com o hóspede que ficava sem jeito de cobrar. Em 2002, quando perceberam que a atividade já existia no bairro, mas sem um modelo que a regesse, surgiu a ideia de criar o Cama e Café. Ao vislum-brar necessidades do mercado que não se encontravam satisfeitas, começava a revelar-se o perfil empreendedor dos três futuros sócios.

Vale lembrar que o empreendedor é a pessoa que inicia e/ou opera um negócio para realizar uma ideia ou projeto pessoal, assumin-do riscos e responsabilidades e inovando continuamente. Ele é a pessoa que consegue fazer as coisas acontecerem, pois é dota-do de sensibilidade para os negócios, tino financeiro e capacidade de identificar oportunidades. Com esse arsenal, transforma ideias em realidade, para benefício próprio e para benefício da comuni-dade (DOLABELA, 1999; DORNELAS, 2001). Por ter criatividade e alto nível de energia, o empreendedor demonstra imaginação e perseverança, aspectos que, combinados adequadamente, o ha-bilitam a transformar uma ideia simples e mal estruturada, como era a hospedagem domiciliar em Santa Teresa, em algo concreto e bem-sucedido no mercado, como veio a tornar-se o Cama e Café.

Carlos, João e Leonardo notaram que, se houvesse uma central organi-zadora, que pudesse dar suporte 24 horas ao cliente, fizesse o creden-ciamento das casas e fornecesse treinamento especializado em café da manhã, governança, qualidade do atendimento ao cliente, etc., pode-riam maximizar a experiência não só para o hóspede, mas também para o anfitrião, que não teria de cuidar da parte burocrática da atividade.

Inicialmente, o Cama e Café contava com vinte quartos, em aproxima-damente 12 a 15 casas. A divulgação boca a boca dos moradores era a tônica do marketing do negócio. Nessa época, Carlos Magno tam-bém era guia em uma agência de turismo e abordava os backpackers que faziam os passeios, mas não tinham reserva de hospedagem.

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No carnaval de 2003, no boom dos blocos carnavalescos de Santa Teresa, o Cama e Café teve superlotação. A experiência do carna-val foi bastante positiva. O resultado foi excelente: os hóspedes aproveitaram um carnaval diferente e desmistificaram a imagem do carnaval do Rio de “praia e mulata”. Isso deu fôlego para que eles levassem o projeto à frente. Os sócios então procuraram o Se-brae — Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empre-sas — e conseguiram um projeto de treinamento para os anfitriões.

Hoje, eles já perceberam que uma premissa básica para que o anfitrião faça parte do projeto é o aspecto psicológico. O anfitrião deve ser paciente, comunicativo, tranquilo, criativo, pronto para ajudar, além de ter interesse por outras culturas e gostar de receber. Além disso, é importante que fale outro idioma. Atualmente, 90% deles falam in-glês, mas há os que falam francês, italiano, espanhol. Depois do perfil psicológico, o aspecto infraestrutura é considerado: é feita uma vis-toria na casa. Nessa ocasião, o Cama e Café observa a localização, se a casa está próxima à rede de transportes do bairro, se o contexto da residência está de acordo com a proposta do projeto, se os quar-tos têm o mínimo de 9m2, além de outros itens básicos essenciais.

Hoje, o Cama e Café, já na primeira conversa com o futuro hóspede, tenta caracterizar ao máximo esse cliente para poder encaminhá-lo para a casa/anfitrião que melhor se encaixa com seu perfil. O cruzamento de perfis, além da boa parceria com os estabelecimentos locais (bares, restaurantes, lojas de artesanato) são diferenciais do empreendimento.

As acomodações do Cama e Café estão classificadas em três cate-gorias, subdivididas em cinco tipos, de acordo com as facilidades e as vantagens oferecidas:

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Tabela I: Categorias, tipos e tarifas de acomodações do Cama e Café

Categoria Tipo Característicasvalor

quarto individual quarto duplo

econômica ____

Opção mais econômica da rede; não tem banheiro

privativo; quarto com no mínimo 9m2.

R$ 75,00 R$ 95,00

econômica com banheiro indi-vidual

Banheiro priva-tivo; quarto com no

mínimo 9m2.R$ 90,00 R$ 115,00

turística ____Banheiro priva-

tivo; quarto com no mínimo 12m2.

R$ 110,00 R$ 140,00

turística com ar-condicionado

Banheiro priva-tivo; quarto com no mínimo 12m2; ar-condicionado.

R$ 130,00 R$ 165,00

superior ____

Banheiro privativo; ar-condicionado;

frigobar; TV a cabo e internet.

R$ 155,00 R$ 195,00

Fonte: Elaborada com base na entrevista realizada com Carlos Magno em setembro de 2008.

Atualmente, está em fase de credenciamento em Santa Teresa9 uma casa na categoria Premium, com quartos de 40 a 50m10 e pé-direito alto. Os valores das acomodações nessas casas já estão definidos: R$ 195,00, o quarto individual e R$ 245,00, o duplo. Carlos Magno ressalta que, de acordo com a legislação municipal sobre hospeda-gem domiciliar, cada casa pode oferecer no máximo três quartos.

O Cama e Café — nas palavras dos idealizadores — trouxe alguns benefícios para o bairro de Santa Teresa, especialmente em termos de segurança e valorização dos imóveis. Carlos Magno acredita que a segurança do bairro tenha melhorado desde que o empreendimen-to começou. Alguns incidentes não muito graves aconteceram com os hóspedes — roubos ou furtos de mochilas, câmeras, carteiras com cartão de crédito —, o que fez com que os idealizadores fos-sem participar dos cafés da manhã do 1.º Batalhão da Polícia Militar no centro do Rio, com o objetivo de conseguir que o efetivo policial em Santa Teresa fosse aumentado e que houvesse policiamento em pontos estratégicos ou nos mais visados do bairro. Hoje em dia, o policiamento em Santa Teresa é feito pela Guarda Municipal e pela PM, resultando em um decréscimo no número de incidentes. Além disso, o Cama e Café estabeleceu uma parceria com a DEAT (Dele-gacia Especial de Atendimento ao Turista). Com relação aos imóveis

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do bairro, Carlos Magno afirma que, depois do Cama e Café, houve um aumento em torno de 20 a 30% nos valores de venda e aluguel.

Em termos de transportes, o entrevistado lembra que o bairro teve o funcionamento do metrô/ônibus, que inicialmente saía da Cinelândia e depois passou a sair da Carioca. No entanto houve um retrocesso, e essa linha não existe mais. Em Santa Teresa, os bondes ainda são um problema delicado.

O tempo médio de estada do turista no Cama e Café era de dois dias. Atualmente, são três dias e meio. Carlos Magno afirma que esse aumento se deve à criação dos roteiros arquitetônicos, de bo-emia e de artes plásticas. Esses roteiros foram criados pelo Cama e Café aproveitando a boa localização do bairro, que possibilita ao visitante: natureza, arquitetura, boemia, ângulos inusitados, am-pla oferta gastronômica. A estimativa atual do percentual de tu-ristas que retorna ao Cama e Café está em torno de 15 a 20%.

Pode-se dizer que perceber novas oportunidades de produção — isto é, métodos de produção mais eficientes e produtos mais efi-cazes em termos de resultados finais para os consumidores — é visto como atitudes empreendedoras. A rede de hospedagem Cama e Café insere-se nesse contexto em razão da visão de seus idealizadores (empreendedores) ao decidirem implantar um para-digma de hospitalidade e gestão em uma cidade como o Rio de Janeiro, com oferta e infraestrutura hoteleira tão consolidadas, mormente em um bairro como Santa Teresa, fora do eixo da orla marítima, apesar da proximidade e facilidade de deslocamento.

No que tange às motivações dos moradores locais a credenciarem-se para a rede e assim se tornarem anfitriões do Cama e Café, pode-se pontuar, em especial, o depoimento de Wanderley Figueiredo:

O meu interesse se deve ao fato de que eu gosto da atividade de receber pessoas em casa. Tive uma experiência, durante aproximadamente sete anos: uma pequena Pousada no sul da Bahia e, por priorizar em um determinado momento o meu trabalho como artista plástico, eu resolvi retornar pro Rio de Janeiro e, então, negociei essa pequena pousada e, dois anos após eu ter tomado essa decisão, surgiu o Cama e Café. Então, para mim, foi absolutamente oportuno, porque, fora o fato de achar que tenho esse perfil, que gosto de receber, esta experiência com a pousada também me deu um know-how que me facilitou muito me tornar um anfitrião do Cama e Café.

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Ainda com base na entrevista de Wanderley, ressalta-se que a prin-cipal característica de ser um anfitrião do Cama e Café é o fato de que é uma rede de hospedagem familiar, o que proporciona a esse anfitrião permanecer em seu ambiente, na própria casa, man-tendo assim suas atividades: “quando tem o hóspede, acredito que essa é a principal característica e que exige mais atenção, é o fato de estar em minha casa e, no momento em que estou com hóspedes, a minha casa se torna a casa dos hóspedes também”.

Um posicionamento inovador para atrair o turista-flâneur O conceito do flâneur perpassa a questão da experiência turística, do fenômeno urbano e do indivíduo moderno. Nesta seção, busca-se entender quem é o flâneur e como ele se caracteriza e se e por que ele se aproxima do posicionamento idealizado pelo Cama e Café. Pretende-se, ainda, identificar que experiências de viagem os idealizadores do projeto e os anfitriões desejam proporcionar a seus hóspedes, e de que forma eles pretendem atrair esse turista-flâneur.

As cidades grandes são o que Simmel (2005 [1903]) chama de verdadeiros locais do caráter blasé. A subjetividade na urbe é a temática central de “As grandes cidades e a vida do espírito”, que discute os mecanismos psicológicos adotados pelos indivíduos das grandes metrópoles, provocados por um aumento na intensificação nervosa desses tipos urbanos e pelo excesso de estímulos que a cidade oferece. A cidade grande cria as condições psicológicas de seus habitantes, os “fundamentos sensíveis da vida anímica” e, em sua organização lógica, opõe-se ao padrão mental dos habitantes das cidades pequenas, cujo ritmo de vida é mais lento e as adapta-ções psicológicas não são tão necessárias. Essa “reserva mental”, denominada por Simmel de “atitude blasé”, é necessária, pois ga-rante ao sujeito uma liberdade pessoal, o que o ajuda a preservar sua vida subjetiva ante as “coações da grande cidade” (2005 [1903], p. 578) e diferenciar-se dos demais, tornando-se um ser único e singular. Enfim, é uma “reserva” — sentida como um embotamento do poder discricionário, uma indiferenciação — que se cria diante da impossibilidade de reação a tantas coações externas, a tantas

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novas sensações. E também é um fenômeno adaptativo às grandes cidades, para “autoconservação de certas naturezas” (op. cit., p. 582), pois não podem dar conta de responder a tantos estímulos, o que acaba por aumentar a possibilidade de liberdade individual.

Para Simmel, as grandes cidades, por seu cosmopolitismo, é o ló-cus do indivíduo, com múltiplos pertencimentos, poder desfrutar de sua liberdade pessoal, entendida como possibilidade de elaboração de estilos de vida, embora o risco da solidão esteja sempre pre-sente. É a liberdade da cidade grande, por outro lado, que também permite a privacidade necessária ao florescimento da cultura sub-jetiva. Com o aumento quantitativo de estímulos urbanos, pode-se agarrar “à particularização qualitativa”, ao desejo de diferenciar-se.

No cenário citadino, emerge a figura do flâneur, imortalizada por Bau-delaire, que fez dela o protótipo do sujeito moderno. Segundo Bastos (s/d), o flanador explora as gamas perceptivas da cidade, por meio do vagar errante e fortuito que mantém a percepção aberta para experi-ências de toda ordem. Ao analisar o flâneur na obra de João do Rio, Veneu (1990), afirma que o flâneur não tem entrada nas estruturas fixas da vida social. É um ser das passagens e da mobilidade, con-sumidor do tempo. No entanto, o tempo é gasto com inteligência. Flanar é perambular com inteligência. Ele caminha a passos lentos, deixa-se levar pela variedade, sem pressa. E a variação na experiência enriquece seu mundo interno. Ele é um sujeito que se individualiza e se distingue dos demais por meio de suas impressões do mundo ex-terior. Seu mundo interno amplifica-se por meio dessas impressões.

A hipótese deste trabalho é que a figura do flâneur se encontra tam-bém no turismo das cidades grandes. Nesse sentido, o turista-flâneur difere do convencional. Caminha pela cidade, apreendendo flashes do ambiente exterior. Anda devagar, sem destino e, muitas vezes, não sabe o que quer. Deixa-se livre para viver as experiências propiciadas pela paisagem urbana. Sujeito moderno, ele é inconstante. De acordo com Bastos (s/d), “o flâneur reinventa a cidade a cada passeio, inter-preta a infraestrutura amealhada de qualquer significação para aque-les que não compreendem suas particularidades, sua modernidade”.

Enquanto o turista tradicional viaja em busca de pontos turísticos convencionais, o flâneur sai em busca de uma nova percepção da cidade. É em busca da experiência de uma vida em transfor-

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mação que ele parte. Ele quer tanto fazer suas escolhas e definir sua rota, assim como deseja observar as pessoas sem ser perce-bido como turista. Ainda seguindo as indicações de Bastos (s/d), o gesto de flanar, por si só, consiste em uma atitude simultânea de presença e ausência na aglomeração, na medida em que insere o sujeito na multidão ao mesmo tempo em que aprofunda seu iso-lamento da grande massa. E, como aponta o anfitrião Wanderley:

Eles chegam com muitas dúvidas. Às vezes chegam às 22h, após 12h de viagem querendo saber tudo. Eu peço calma e lhes digo que, no dia seguinte, após o café da manhã, eu mostro como se deslocam pela cidade. Aí tem o mapa de Santa Teresa que o próprio Cama e Café nos fornece e um mapa da cidade, que facilita muito. Eles normalmente vêm com algum guia. Eles têm uma certa orientação. Mas chegam aqui em Santa Teresa e a primeira coisa que querem saber é onde é a casa. E, então, eu vou até o mapa de Santa Tere-sa e aponto: você está aqui! Aí, eu ponho o mapa de Santa Teresa em cima do mapa da cidade e ele começa a se situar acerca de ônibus, táxi, metrô. Assim, no primeiro café da ma-nhã, eles têm uma aula de geografia. Se ficarem mais tem-po, já começam a usar a escadaria2 também como um local.

De acordo com Veneu (1990), o anonimato do indivíduo da cidade grande é essencial para o flanador. É dessa forma reservada que ele pode transitar livre e tranquilamente pelos diversos espaços, mistu-rando-se aos demais indivíduos, como um possível simpatizante ou cliente. Pressupõe-se que o turista-flâneur não quer ser reconhecido como turista, mas sim integrar-se à paisagem e à população que visita.

Para mesclar-se à cidade e a seus costumes, acredita-se que o flâ-neur prefira evitar os tipos convencionais de hospedagem. Uma casa da rede Cama e Café é muito mais adequada a seu estilo de viajar do que um quarto de hotel. Segundo Carlos Magno, o Cama e Café é um marco na questão do turismo. O empreendi-mento tem como missão proporcionar aos visitantes — estrangeiro ou doméstico — uma experiência inovadora, intensa, autêntica e, acima de tudo, agradável. O anfitrião Wanderley lembra que a pes-soa que se dispõe a hospedar-se no Cama e Café está buscando um tipo de acomodação distinta, diferente da que já conhece. E que talvez essa maneira informal represente fatores positivos para os turistas. Wanderley mostra aos hóspedes que Santa Teresa é

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um componente dos vários atrativos turísticos da cidade, fazen-do do próprio bairro uma extensão dessa forma de hospedagem.

O espaço fictício, cenário criado pela indústria do turismo para o espetáculo roteirizado pelas agências de viagens, não interessa ao flâneur. Seu perfil contrapõe-se ao desse turista tradicional, que se submete a horários, atrações e comportamentos. Na viagem crono-metrada de um pacote turístico, não há tempo de fixar na memória as referências observadas. Transformar essas referências em lem-branças é ainda mais difícil. Nessa viagem-percurso, é preciso foto-grafar para registrar o que a mente não conseguirá absorver. História, cultura, hábitos do povo, tudo é registrado pela câmera do turista.

Mas, conceitualmente, o flanador não se submete às limitações de um pacote turístico. Não deseja ter apenas o pseudoconhecimen-to dos espaços visitados. Mais do que correr contra o tempo para consumir mais e mais lugares, sempre registrados na câmera foto-gráfica, o turista-flâneur deseja conhecer e vivenciar o espaço ur-bano que visita. Observar as pessoas que nele vivem, seus modos, seus costumes. A ele não interessa rechear seu álbum de fotos com inúmeros pontos turísticos, já conhecidos dos cartões-postais. Wanderley informa aos hóspedes que usarão mais a memória vi-sual ao circularem pela cidade. Sugere que prestem mais atenção ao que estão vendo e que deixem a máquina em casa, guardada.

Com seu olhar perdido, vago, o flâneur capta a fugacidade da urbe, que é sempre igual, mas ao mesmo tempo diferente. Sua postura é ativa na observação do espaço urbano. Dessa forma, ele é capaz de, a cada novo olhar, enxergar uma nova cidade. Em sua concepção, a viagem é uma descoberta, não é um roteiro. Nesse sentido, ele sai em busca de novos lugares não visitados, não recomendados nos guias, mas, às vezes, indicados pelos moradores locais. Na sua viagem-descoberta, o flâneur perde-se pela cidade e, assim, é capaz de encontrar e ob-servar novas paisagens que se estabelecem em diferentes territórios.

Nesse ponto, o tipo de turista para quem o Cama e Café se posiciona se aproxima sobremaneira do perfil do flâneur. Segundo o idealizador Carlos Magno, o cliente do Cama e Café é o turista desbravador, inde-pendente, viajado, que gosta de mergulhar no dia a dia da comunidade que visita, que quer sentir a temperatura local, olhar nos olhos dos mo-radores, e vivenciar o cotidiano como se fosse um habitante. Segundo

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ele, quem faz isso hoje em dia é o europeu, que está a anos-luz à nossa frente em termos de experiência de viagem. Destacam-se como prin-cipais clientes do Cama e Café os alemães e os franceses11, que são grandes admiradores da cultura brasileira e respeitam muito Santa Te-resa, pois geralmente tiveram uma pré-recomendação sobre o bairro.

Carlos Magno afirma que o turista que procura o Cama e Café é aquele que põe a “mão na massa”, faz uma busca na internet e vê que existe no Rio de Janeiro um tipo de hospedagem domiciliar, que é muito mais do que o Bed and Breakfast lá de fora, em que você tem um quarto exclusivo, mas, após o café da manhã, é praticamente “enxotado” da casa, pois não pode ficar circulando pelas dependências da hos-pedagem. De acordo com o gerente comercial do Cama e Café, aqui acontece exatamente o oposto: há a integração hóspede/anfitrião.

Essa integração entre hóspede/anfitrião, que Carlos Magno sublinha como o diferencial do negócio, é também salientada por Wanderley, o anfitrião entrevistado. No discurso de Wanderley nota-se um trata-mento que transcende a relação padrão da hospedagem hoteleira; ele se preocupa que a estada seja uma experiência agradável, que o turista deguste a cidade e não apenas siga um roteiro dos pontos turísticos.

Tem informações sobre os pontos turísticos clássicos, eu falo que vale à pena. Porque eu gosto. Dá orgulho. Eu falo de pas-seios agradáveis. Muitos querem só saber como chegar à Lapa à noite — perguntam muito. Tem essa revitalização e dinamização dos bairros vizinhos Lapa e Santa Teresa — o que é muito bom.

Apesar de menos inspiradora e segura que as metrópoles de outro-ra, a cidade grande continuará sendo espaço para flanar. A cidade, cada vez mais fragmentada em distintos ambientes, é objeto de uma observação fugidia. Ainda assim, ou talvez por esse motivo, o turista-flâneur terá sempre a oportunidade de experimentar as cida-des grandes, conhecê-las em seus detalhes mais curiosos e enigmá-ticos. As cidades são espaços privilegiados quanto à concentração de atrações, serviços, simbolismos e produções culturais. O papel que assumem na etapa pós-industrial e de globalização econômi-ca tem possibilitado um deslanchar de estruturas, equipamentos, serviços e a revitalização de áreas pouco utilizadas para o turismo, mas com grande expressividade na formação turística dos lugares.

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Cada pedaço da cidade constitui-se em uma unidade específica com características próprias; surge a necessidade de pensar cada pedaço nas próprias limitações, descobrir e reconhecer suas potencialidades, o modo de viver de seus habitantes, sem, no entanto, desconsiderar a cidade como um todo. Pode-se afirmar que há várias cidades inseridas na cidade, e o reconhecimento de suas diversas faces deve ter como pressuposto o respeito à qualidade do meio ambiente e aos valores histórico-culturais, que fornecem singularidade a cada comunidade.

Gastal (1999) salienta que o ambiente urbano possui significados mui-to mais representativos do que apenas seus respectivos valores mate-riais. Tais significados e representações simbolizam a relação entre o lugar e seus habitantes. O que conta em uma cidade não é somente sua forma exterior, mas especialmente os acontecimentos e significa-dos ali consolidados.

A perda desses elementos, na maioria das vezes impossíveis de se-rem recriados, leva ao desaparecimento dos referenciais e faz com que o habitante da cidade não mais encontre seu lugar na urbe nem reconheça mais seu meio ambiente. O receio quanto à perda desses elementos é o que leva à preocupação de como conviver com as transformações oriundas do rápido crescimento.

É fundamental, no entanto, que as transformações que acontecem na cidade não se deem de forma aleatória e que a renovação não signifique a destruição do que é vital à construção da identidade da área. A cidade deve ser vista como uma fala a ser interpretada pelo visitante, sendo uma obra de arte viva, como nos assinala Ítalo Cal-vino em As cidades invisíveis:

[...] nas cidades, o olhar percorre as ruas como se fossem pági-nas escritas: a cidade diz tudo o que você deve pensar, faz você repetir o discurso e, enquanto você acredita estar visitando Ta-mara, não faz nada além de registrar os nomes com os quais ela define a si própria e todas as suas partes (CALVINO, 1990, p. 18).

A atividade turística propõe uma aproximação cuidadosa entre po-vos de culturas diferentes. E, embora as imagens da cidade sejam construídas individualmente, há uma imagem pública que alinhava esses destinos urbanos. Essa imagem, em geral, é consagrada e, por isso, vista como produto de consumo, consolidando a cidade como turística. Observa-se assim que as cidades desejam vender a experi-

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ência da interação entre o visitante e a sua “autenticidade”.

O turista desloca-se por inúmeros fatores condicionantes, e as cidades, independentemente de suas características, costumam possuir uma variada oferta de atividades culturais para atrair também esse visitante.

As imagens do Cama e Café na mídia Segundo Ries (1993), para obter destaque no mercado, uma empre-sa deve construir um conceito (ou marca) na mente do público-alvo para, dessa forma, conquistar seu objetivo. Nessa concepção, para que a empresa tenha força, é imprescindível posicioná-la em um espaço ainda não focalizado, já que “o marketing não é uma batalha de produtos. Marketing é uma batalha de percepção” (RIES, 1993, p.14). É isso que o Cama e Café vem buscando ao longo de sua existência. Como apontado por um de seus sócios, Carlos Magno, a empresa ganhou destaque na mídia, sendo pioneira no segmento Bed and Breakfast no Brasil, adaptando a fórmula já existente à re-alidade brasileira, trabalhando em assessoria de imprensa a imagem de um tipo de hospedagem calorosa e alegre, “tipicamente carioca”.

Carlos Magno expõe que o Cama e Café se faz conhecido no exte-rior por meio da divulgação espontânea de jornalistas e editores que emitem opiniões sobre o empreendimento. Ele cita, como exemplos, que o Lonely Planet recomenda o Cama e Café, assim como o Top 5 Sleeps e o renomado Guia Michelin.

Entre as estratégias de divulgação adotadas pelos sócios do empre-endimento, é possível destacar: a atualização constante do site12, a participação em feiras de turismo nacionais e internacionais, a dis-tribuição de displays (porta-folders) em diversos idiomas (português, inglês, francês, alemão e espanhol) e o apoio institucional de orga-nismos de turismo, como a Riotur e o Convention & Visitors Bureau. Contudo a “mais poderosa estratégia adotada”, segundo os idealiza-dores, é a própria indicação dos turistas que utilizaram os serviços.

A análise do clipping do Cama e Café, entre janeiro de 2006 e julho de 2007, revelou os seguintes números: 29 inserções, oitenta cita-ções e 12.109,5cm2 de espaço de divulgação na mídia impressa, tudo com abordagens positivas acerca da empresa e dessa modali-

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dade de hospedagem. Como apresenta Kotler (1999, p. 89), tal fato é primordial para a consolidação da marca: “[...] as marcas são for-tes quando seus nomes, na mente do comprador, conotam atributos positivos, benefícios, valores [...]”

Um importante aspecto identificado no clipping analisado é o pio-neirismo do Cama e Café no Brasil, como uma modalidade de aco-modação baseada no sistema Bed and Breakfast. Matérias especiais sobre o Rio de Janeiro, em revistas como Viaje Mais, Viagem e Turismo, apontam o Cama e Café como uma opção de hospedagem alternativa na “Cidade Maravilhosa”.

Ainda em relação ao clipping, os jornais alemães merecem destaque. O jornal alemão Rhein Zeitung, por exemplo, cita o Cama e Café como uma interessante alternativa de hospedagem. Outro jornal desse país, em matéria intitulada “A escola dos dançarinos de sam-ba”, convida o leitor a passear em um “antigo trem” (bondinho de Santa Teresa) enquanto visita belas paisagens da cidade e menciona o Cama e Café como forma alternativa de estada no Rio de Janeiro. Já o Allgemeine Zeitung apresenta a cidade do Rio de Janeiro como opção econômica interessante para que os alemães “fujam” do rigo-roso inverno e sugere o Cama e Café como possibilidade de acomo-dação. O Die Presse e o Cosmopolitan Magazine recomendam a pos-sibilidade de hospedar-se de uma forma diferente — com artistas ou boêmios — como uma excelente opção para fugir do caos e barulho de uma grande metrópole sem estar distante do centro da cidade.

É interessante observar que, por ocasião da realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007, os sócios do Cama e Café foram convi-dados pela Prefeitura do Rio de Janeiro a colaborar com o projeto de cadastramento de residências para hospedagem domiciliar. Essa par-ceria rendeu inúmeras inserções em jornais especializados e revis-tas de âmbito nacional, tais como Jornal de Turismo, Caderno Boa Viagem do jornal O Globo, Folha do Turismo, Folha de São Paulo e revista IstoÉ. A economia, a praticidade e a experiência proporciona-da pela convivência com os anfitriões foram os pontos de destaque.

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Considerações finais

Este estudo de caso levantou uma reflexão sobre os significados pre-sentes no modelo do Cama e Café com base nos discursos de um anfitrião e dos idealizadores e sobre o modo como esse tipo de hos-pedagem posiciona-se para os turistas. Observou-se que o empreen-dimento é inovador e situa-se para um tipo de turista, que se denomi-nou “turista-flâneur”.

Nesse cenário, o Cama e Café aproxima-se do conceito de “pós-tu-rismo”, proposto por Molina (2003). O autor segmenta o desenvol-vimento turístico e organizacional em três períodos diferentes: o pré-turismo (o grand-tour), o turismo industrial e o pós-turismo13. Se na fase do turismo industrial já era evidente uma preocupação com os serviços, na fase contemporânea o pós-turismo busca, na “experiên-cia”, o seu potencial competitivo. Além disso, o autor destaca que o pós-turismo se estrutura em dois conceitos: tecnologia e informação.

Com este trabalho, pôde-se verificar que o Cama e Café está organi-zado de forma a valorizar a experiência individual do turista que uti-liza esse serviço, assim como as empresas do pós-turismo. Trata-se de um empreendimento que se posiciona para receber turistas cujo perfil está afim com o do flâneur, indivíduo que busca experimen-tar a cidade, misturar-se ao ambiente e integrar-se aos moradores locais. A rede ainda pode ser vinculada ao conceito de pós-turismo por causa de sua característica de virtualidade, pois reservas e cru-zamentos de perfis podem ser feitos diretamente no site na internet.

No sentido de aprofundar as hipóteses aqui apresentados, sugere-se, para trabalhos futuros, a realização de entrevistas com outros anfitriões da rede, além da inclusão do ponto de vista do hóspede do Cama e Café.

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Notas

1 Apesar de próximo ao Centro, o morro do Desterro era lugar de quilombos e esconderijo de escravos fugitivos e, nas matas, eram realizados rituais africanos. A primeira mudança ocorreu quando a água do rio Carioca foi desviada para passar pelo Caminho do Aque-duto, hoje Rua Almirante Alexandrino, e, depois, pelos Arcos da Lapa, de 1723. Até então a água era trazida do Boqueirão da Glória, um braço do mesmo rio Carioca, em barris, pelos escravos agueiros. Na mesma época, duas meninas de nobres famílias abraçaram a vida religiosa e criaram um Convento na Chácara da Bica, na Estrada do Mata-Cavalos, hoje rua do Riachuelo. Depois, no lugar da antiga Ermida de Nossa Senhora do Desterro, de 1629, foram erguidos para elas, em 1750, a Igreja e o Convento de Santa Teresa. A partir de meados do século XIX, foram sendo construídas no morro do Desterro, chácaras e grandes mansões, devido ao privilegiado clima de montanha e pelo fato de ali não chegarem os indesejáveis mos-quitos das lagoas do centro (PARENTE, 2001, p. 49-50).

2 Apesar de a cidade de Olinda fazer parte do empreendimento, para a elaboração do artigo, considerou-se apenas o bairro de Santa Teresa/RJ.

3 Web-site: <http://www.camaecafe.com.br>.

4 Categoria Turística (ABIH — Associação Brasileira da Indústria de Hotéis).

5 Os sócios do empreendimento forneceram o clipping do Cama e Café, atualizado até o ano de 2007.

6 Organização Mundial do Turismo (OMT).

7 Durante décadas, Santa Teresa abrigou o sofisticado Hotel Santa Tere-sa, que acompanhou a decadência do bairro nos anos 1980, tornando-se moradia de “descasados”. Comprado em setembro de 2008 por inves-tidores franceses, o hotel foi reinaugurado em “alto estilo”, oferecendo diárias a partir de R$ 475,00. Conforme reportagem “Alta temporada: reabertura em grande estilo do Hotel Santa Teresa marca a volta do gla-mour com sotaque estrangeiro ao bairro”, publicada na Revista O Globo em 14 de setembro de 2008.

8 Segundo Lícia do Prado Valladares em A invenção da favela: do mito de origem à favela, “o Morro da Favela, pouco a pouco, passou a esten-

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der sua denominação a qualquer conjunto de barracos aglomerados sem traçado de ruas nem acesso aos serviços públicos. Conjuntos que então começaram a se multiplicar no centro e nas zonas sul e norte da cidade do Rio de Janeiro” (2005, p. 26).

9 Já há uma casa nessa categoria credenciada e operando em Olinda.

10 A escadaria citada liga o bairro de Santa Teresa (localizado na parte alta da cidade) à Lapa, tradicional bairro da boêmia carioca e que abriga o ponto turístico Arcos da Lapa.

11 Segundo Carlos Magno, o principal mercado emissor para o Cama e Café é o povo que mais viaja no mundo, os alemães. Depois estão os franceses, que tem um carinho pela MPB, pelo povo, pela moda, pelo jeito do brasileiro. Em terceiro lugar, estão os ingleses. Em seguida, estão os turistas do Canadá, da Holanda, da Dinamarca, da Suíça, da Espanha e a nova geração americana, que vem redescobrindo o mundo. O Cama e Café quase não recebe italianos e portugueses, que vêm muito mais para o Nordeste do Brasil. Do Brasil, vem muita gente de São Paulo e de Minas Gerais, representando aproximadamente 20% do movimento.

12 De acordo com Leonardo Rangel, o site do Cama e Café recebe uma média de dez mil visitas por mês.

13 As fases do desenvolvimento turístico propostas por Molina (2003) são:

» pré-turismo: fase da sociedade pré-moderna, analógica, em que o tu-rismo se fundamenta na idéia do grand tour, que proporciona uma educação analógica aos participantes;

» turismo industrial: rompe com esse grand tour, instaurando uma sociedade digital e um turismo apoiado nos petits tours, em que as viagens são organizadas com curta duração, proporcionando apren-dizados fragmentados e não necessariamente relacionados entre si. Nessa etapa, as organizações turísticas começam a segmentar seus serviços, a fim de se adaptar ao perfil dos clientes;

» pós-turismo: última e atual fase do turismo, vai além da prestação de serviço, passando a evocar as experiências turísticas.

» O autor ainda argumenta sobre a justaposição das fases do desenvol-vimento organizacional do turismo, justificando o não desaparecimen-to dos chamados “turismos industriais”.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO238

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO240

Turismo musical: uma idéia empreen-dedora?

AUTORES

Adriana Ramos

Alessandra Mello da Costa

José Cezar Castanhar

Luciana Vianna

Mariana Barbosa Nasser

Patricia Algranti

RESUMO

O objetivo do presente artigo é investigar quais as possíveis contribui-ções de eventos musicais e da cadeia produtiva da música, ligados ao fomento do turismo, para o processo de desenvolvimento econômico da cidade do Rio de Janeiro, por meio do discurso de empreendedores locais. Estipulou-se que os discursos mais relevantes seriam aqueles pronunciados por empresários, produtores e executivos de organizações vinculadas à música e ao turismo. Além das entrevistas, utilizaram-se fontes documentais, coletadas em associações e órgãos públicos, pes-quisas bibliográficas e consultas a sítios na internet. Assim, de forma a alcançar o objetivo proposto, o texto divide-se em cinco seções. Após a introdução, apresenta-se o referencial teórico utilizado para a discussão acerca da terminologia inovadora proposta de “turismo musical”, por meio de seu viés empreendedor. A terceira seção expõe os procedimen-tos metodológicos utilizados para coleta e tratamento dos dados. Na quarta seção, interpretam-se os resultados. E, na quinta e última seção, fazem-se considerações finais e sugestões para pesquisas futuras.

Palavras-chave: turismo, turismo cultural, turismo musical, empre-endedorismo, desenvolvimento regional do Rio de Janeiro

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Empreen-dedorismo, ministrada pelo professor José Cezar Castanhar com a tutoria de Alessandra Mello da Costa, no Curso Observatório de Inovação do Turismo, da EBAPE/FGV.

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Introdução

A ideia de desenvolver um texto relacionando o tema turismo musi-cal com empreendedorismo surgiu após o depoimento de Ana Maria Maia — na época secretária de Turismo da cidade do Rio de Janeiro — no seminário “Cadeia Produtiva da Economia da Música”, realizado pelo Instituto Gênesis da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 2004.

Segundo Maia, pode-se identificar um importante processo contínuo de desenvolvimento do turismo receptivo na cidade do Rio de Janei-ro, vinculado à promoção de eventos musicais, uma vez que: (a) a música está presente em todas as culturas; (b) atinge todas as faixas etárias; e (c) possui um diferencial ante qualquer tipo de lazer, pois pode interagir com qualquer atividade. No caso específico da música brasileira, é conhecida e reconhecida no mundo inteiro e tornou-se moda na Europa depois do movimento dos DJs que redescobriram a Bossa Nova. Assim, vários artistas brasileiros têm, atualmente, uma agenda lotada de shows no exterior — não somente em luga-res dedicados especialmente às comunidades brasileiras —, o que divulga a música/cultura brasileira e desperta o interesse de turistas estrangeiros em conhecer o Brasil (PRESTES FILHO et al., 2004).

Nesse sentido, o objetivo do presente artigo é investigar quais se-riam as possíveis contribuições do que aqui se nomeia de turismo musical para o processo de desenvolvimento econômico do Rio de Janeiro, por meio do discurso de empreendedores musicais locais.

A opção por estudar-se a cidade do Rio de Janeiro justifica-se em função de ela ser considerada — de acordo com indicadores da infra-estrutura cultural, relacionados na Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE (1999-2001) — como um grande centro cultural do País. Tal categorização decorre das seguintes condições: (a) ter a mais importante rede de TV do Brasil; (b) abrigar o maior parque de produção audiovisual do mundo; (c) ser a localização de todos os es-critórios de gravadoras e editoras multinacionais; (d) alocar estúdios de gravação com alto padrão tecnológico; (e) ser a sede das ativi-dades de arrecadação e distribuição de direitos autorais musicais; e (f) dispor de uma grande quantidade de estações de rádios comer-ciais e comunitárias. Tais condições colaboram ainda para reafirmar

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO242

o vigor das atividades musicais do Rio de Janeiro, uma vez que elas se apresentam como satélites de redes produtivas comandadas por gigantescas organizações, controladoras dos canais de comer-cialização e suprimentos essenciais (PRESTES FILHO et al., 2004).

Esse é o caso de megaespetáculos, como o carnaval, o Rock in Rio e as festas e shows de ano-novo na praia de Copacabana. Tais eventos viabilizam a geração de empregos, atendendo à demanda de músicos, técnicos, divulgadores, empresários artísticos, além de toda uma cadeia produtiva que se beneficia. Apenas para citar um exemplo, pode-se destacar a primeira edição do festival de música Rock in Rio, em 1985, que fomentou a economia e o turismo re-ceptivo na cidade do Rio de Janeiro por meio da supervisão direta, por parte de sua organização administrativa, de 42 atividades e 363 subatividades, assinando cerca de 150 contratos com mais de cem empresas para a construção e a realização de obras de montagem da Cidade do Rock. Ao mesmo tempo, mobilizou cerca de cinco mil pessoas para trabalhar antes, durante e após a sua realização. Se-gundo seus realizadores, se fosse maior a solidariedade das autori-dades públicas, seria possível realizar o evento com regularidade bia-nual, trazendo benefícios sociais, econômicos, culturais, artísticos e turísticos crescentes para o estado e a cidade do Rio de Janeiro.

De forma complementar, a opção por estudar o que pensam empre-endedores locais baseia-se na literatura sobre o estudo do desenvol-vimento de destinos turísticos que se relaciona, na maioria dos casos, com o impacto fundamental dos empreendedores, sobretudo na capa-cidade de visualização do potencial turístico (McKERCHER 1999 apud ROSLYN, 2000). Os empreendedores são heróis populares do mundo dos negócios: fornecem empregos, introduzem inovações e incenti-vam o crescimento econômico. Não são simplesmente provedores de mercadorias ou de serviços, mas fontes de energia que assumem riscos inerentes em uma economia em mudança, transformações e crescimento. É essa força vital que faz pulsar o coração da economia.

Assim, de forma a alcançar o objetivo proposto, o presente artigo di-vide-se em cinco seções. Após a introdução, apresenta-se o referen-cial teórico utilizado para a discussão acerca do turismo musical e de seu viés empreendedor. A terceira seção expõe os procedimentos metodológicos utilizados para coleta e tratamento dos dados. Na quar-

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ta seção, interpretam-se os resultados. E, na quinta e última seção, fazem-se considerações finais e sugestões para pesquisas futuras.

Referencial teórico

Turismo musical Pode-se afirmar que a atividade turística é relativamente nova e pouco estudada por pesquisadores apesar de ser “uma atividade importante em termos econômicos e o impacto que produz sobre as economias, os ambientes e a sociedade ser bastante significativo” (COOPER et al., 2007, p. 33). Quando os olhares acadêmicos se voltam para áreas mais específicas do turismo, tais lacunas adquirem ainda mais relevân-cia. Esse é o caso da relação entre turismo cultural e turismo musical.

De acordo com o Ministério do Turismo, turismo cultural define-se como uma das atividades que se relacionam com o conjunto de ele-mentos significativos do patrimônio histórico e cultural e de eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura. Na delimitação conceitual do turismo cultural, o termo cul-tura é bastante amplo, pois abrange tanto a cultura própria do turista como o conjunto de hábitos, ideias e criações que ele pode assimilar ou não, em seu contato com novas realidades e convivências dife-rentes. As características básicas ou fundamentais do turismo cultu-ral não se expressam pela viagem em si, mas por suas motivações, cujos alicerces se situam na disposição e no esforço de conhecer, pesquisar e analisar dados, obras ou fatos, em suas variadas manifes-tações, como representações religiosas, rotas, festivais de música, cinema e teatro, cavalhadas, exposições de arte (Cf. Ministério do Tu-rismo — Programa de Regionalização do Turismo Roteiros do Brasil).

O turismo musical é uma vertente do turismo cultural. Apesar de o turismo musical não ser reconhecido pelos turismólogos como especialidade propriamente dita, ele é mencionado em centenas de sítios na internet em todo mundo. A música está presente em todas as culturas, atinge todas as faixas etárias e tem um gran-de diferencial ante qualquer outro tipo de lazer: pode ser ouvida em quase todos os tipos de ambiente simultaneamente ao de-

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sempenho de diversas atividades (PRESTES FILHO et al., 2004).

Pode-se dizer que fazer turismo musical é incluir, na viagem, um grande número de experiências musicais ou então que o turista musical é aquele que objetiva, em primeiro lugar, vivenciar expe-riências musicais. A música, como parte da economia do entre-tenimento, pode ser analisada nas atividades da cultura, do lazer e do turismo mediante várias práticas e o seu conteúdo é forma-dor da identidade nacional (PRESTES FILHO e RABELO, 2003).

A importância do turismo para o desenvolvimento regional Segundo dados do Ministério do Turismo, em 2007, foram arrecada-dos US$ 4,9 bilhões pelo setor do turismo, e, por isso, atualmente, é um dos principais produtos da pauta brasileira de exportações de serviços, com crescimento contínuo nos últimos cinco anos. De acordo com o Banco Central, o acumulado de gastos de turistas no Brasil, entre janeiro e setembro de 2008, no valor de US$ 4,334 bilhões, é 20,13% maior do que o verificado no mesmo período de 2007 e já ultrapassa, em 18 milhões, toda a receita gerada em 2006. Já os gastos de brasileiros com viagens internacionais caí-ram em virtude da alta do dólar, o que sugere que haverá um cres-cimento do turismo interno, conforme afirma João Quirino Júnior, diretor de Relações Parlamentares da ABAV (CNC Notícias, 2008).

Pela Lei Geral do Turismo (n.º 11.771/2008), que estabelece nor-mas sobre a Política Nacional de Turismo, reconhece-se a impor-tância econômica do setor para o Brasil. Assim, considera-se tu-rismo as atividades realizadas por pessoas físicas durante viagens e estadas em lugares diferentes de seu entorno habitual, por um período inferior a um ano, com finalidade de lazer, de negócios ou outras. Prevê-se a atuação do Poder Público, mediante apoios téc-nico, logístico e financeiro, na consolidação do turismo como im-portante fator de desenvolvimento sustentável, de distribuição de renda, de geração de emprego e de conservação natural e cultu-ral. A Política Nacional de Turismo tem como um de seus objeti-vos criar e implantar empreendimentos destinados às atividades de expressão cultural, de animação turística, entretenimento e lazer.

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O World Travel and Tourism Council (WTTC, 2003) evidencia que o turismo é a segunda maior indústria no mundo, gerando em tor-no de duzentos milhões de postos de trabalho. De fato, a contri-buição do turismo varia de país para país, dependendo do turismo doméstico e do número e dos gastos de visitantes internacionais, mas se pode afirmar que o segmento que mais cresce hoje é o turismo de negócios, feiras e eventos, e a receita gerada é mui-to significativa para toda a cadeia turística. A cada evento reali-zado, existe uma movimentação significativa em diversos seto-res produtivos do destino, que, consequentemente, injeta divisas na economia local, promove a circulação de renda, criando pos-tos de trabalho e movimentando a estrutura de serviços.

De acordo com a International Congress & Convention Associa-tion — ICCA1, maior entidade mundial do setor de eventos, o Bra-sil está entre os países que mais sediam eventos internacionais, e a cidade do Rio de Janeiro está na 2ª posição do ranking. As cidades brasileiras que mais se destacaram, nos últimos anos, nesse segmento foram São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Por-to Alegre, Florianópolis, Foz do Iguaçu, Ouro Preto e Campinas.

Do ponto de vista econômico, o turismo é considerado como ex-portação de uma região ou nação até o lugar de destino, pois gera renda, favorece a entrada de divisas e aquece a ativida-de empresarial do local visitado. Nesse sentido, pode-se obser-var que os gastos dos turistas não se limitam ao pagamento da hospedagem, transporte e alimentação, mas também se desti-nam ao consumo de entretenimento, excursões, entre outros, au-mentando a demanda por bens e serviços (OMT, 2003, p. 10).

A crise mundial converteu-se em um indicador de rumos para o turis-mo no Brasil: a volatilidade do dólar encarece as viagens ao exterior, fazendo com que os destinos nacionais se tornem mais atraentes para os brasileiros; por outro lado, a alta da moeda norte-americana em re-lação ao real incentiva a vinda de estrangeiros para o País. Entretanto, o cenário não é estável, já que, a cada dia, novas notícias alteram a or-dem dessa complexa — e globalizada — questão (CNC Notícias 2008).

Já no ranking de turismo do fórum econômico mundial, o quesito cultura também foi responsável pela boa performance do Brasil no

http://www.iccaworld.com/npps/story.cfm?ID=1577¹

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ranking dos países, sendo classificado em 14ª posição em recursos culturais. No item “recursos culturais, naturais e humanos”, ocupa a quarta posição no ranking geral2; o que reafirma que eventos cul-turais, sociais ou de negócios são ferramentas importantes para um destino criar novas oportunidades e atrair investimentos para a região, principalmente nos períodos de baixa temporada, diminuindo, as-sim, os efeitos da sazonalidade dessa atividade (LOHMANN, 2007).

Segundo Barbosa (2001), a estimativa do impacto econômico do turismo, quando baseada somente nos gastos, tende a ser imprecisa e enganosa. Somente quando todos os efeitos de impactos (dire-tos, indiretos e induzidos) são estimados é que se pode afirmar que os resultados dos gastos turísticos foram, realmente, mensurados.

De acordo com Cooper et al. (2001), os efeitos diretos são os gastos dos turistas nos estabelecimentos de linha de frente, que fornecem os bens e serviços turísticos, como hotéis, restaurantes e táxis, e, em seguida, se expandem para o resto da economia. Os efeitos indiretos são gerados pela necessidade que os estabelecimentos, que recebem os gastos diretos dos turistas, têm de adquirir mercadorias e serviços de outros setores da economia local; e, por último, os efeitos induzi-dos, gerados por salários, aluguéis e juros recebidos das atividades turísticas, que serão, em parte, gastos novamente na economia local.

Barbosa, em seu artigo “Os impactos econômicos do turismo no município do Rio de Janeiro e suas implicações no desenvolvimento local”, aponta para a importância do efeito multiplicador da ativida-de turística:

Considerando esses diversos efeitos, percebe-se que a tarefa de mensurar os impactos econômicos do turismo é complexa, exigindo o cálculo de multiplicadores econômicos específicos ainda não desenvolvidos nos estudos econômi-cos brasileiros para as diferentes regiões do País. Portan-to, a estimativa do impacto econômico do turismo, quando baseado nos gastos dos turistas, pode ser considerada um excelente indicador da importância do turismo na econo-mia de um determinado destino (BARBOSA, 2006, p. 401).

O PNT — Plano Nacional do Turismo — concebe o turismo como fator de construção da cidadania e da integração social. Desse modo, a eco-nomia é deslocada do centro de referência da atividade turística e com-2 http://www.global21.com.br/materias/materia.asp?cod=23821&tipo=noticia

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preendida como um vetor para a promoção do desenvolvimento socio-cultural, além do econômico. Parte-se, pois, de uma perspectiva de que o turismo pode e deve democratizar-se e humanizar-se (Mtur, 2004).

Evidencia-se que a dimensão da sustentabilidade sociocultural é particularmente importante para o desenvolvimento do turismo re-gional e só será alcançada caso, durante o processo, se valorizem os patrimônios cultural e histórico, se preservem os costumes lo-cais e se incentive o resgate das tradições e da cultura popular, incluindo manifestações artísticas, como a música, o folclore, as danças, o teatro e o artesanato (Ministério do Turismo — Progra-ma de Regionalização do Turismo — Sustentabilidade Sociocul-tural — 2006). Ou seja, cultura “é um processo complicado de construção de significados, que articula a sociedade e uma geração com a realidade e lhe dá sentido econômico” (TOSCANO, 2001).

Esse sentido econômico pode ser identificado quando se trabalha com o conceito de cadeia produtiva da música. Segundo Hague-nauer (2001), cadeia produtiva pode ser compreendida como o “conjunto das atividades, nas diversas etapas de processamento ou montagem, que transforma matérias-primas básicas em produtos finais”. Segundo o programa Fórum de Competitividade do Ministé-rio de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), cadeia pro-dutiva é o conjunto de atividades que se articula progressivamente, desde os insumos básicos até o produto final, incluindo distribui-ção e comercialização, constituindo-se em elos de uma corrente. Já Fernsterseifer e Gomes (1985) definem como cadeia produtiva uma rede de interrelações entre vários atores de um sistema in-dustrial, que permite a identificação do fluxo de bens e serviços por meio dos setores diretamente envolvidos, desde as fontes de matéria-prima até o consumidor final do produto, objeto de análise.

Segundo a pesquisa do Núcleo de Turismo da FGV sobre o impac-to econômico de eventos internacionais realizados no Brasil 2007-2008, o mercado de eventos tem-se tornado uma atividade de âm-bito mundial em razão dos impactos econômico, comercial, técnico, científico e sociocultural. A captação de eventos turísticos é hoje uma estratégia utilizada pelo setor público para a atração de turistas e o desenvolvimento local em todo mundo. O âmbito de atuação do mercado de eventos é extremamente amplo, podendo movimentar,

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em sua cadeia produtiva, segundo a Organização Mundial do Turismo, mais de cinquenta segmentos, abrangendo as mais variadas formas de transporte, hospedagem, lazer, alimentação, comércio e demais serviços especializados que um evento pode demandar/oferecer.

Dessa forma, a perspectiva econômica predomina na decisão de sediar um evento. No entanto existe um crescente reconhecimen-to de outros benefícios urbanos, socioculturais e políticos que um evento pode gerar, como promoção da imagem de um país e ga-nhos sociais. Como destaca Ansarah (2000, p. 75), “nos próxi-mos anos, haverá explosões de festivais (música, cinema, arte, entre outros) e eventos esportivos, de comemorações históricas e de feiras [...]” A captação e a promoção de eventos no mun-do vêm sendo consideradas as áreas que mais retorno econômi-co e social oferecem ao país e à cidade que sediam um evento.

A realização de eventos movimenta diversos agentes econômi-cos, que vão desde produtores, organizadores, associações de classe até patrocinadores e entidades públicas. No que se refe-re especificamente à cadeia produtiva de um megaevento mu-sical, ela pode ser considerada gigantesca e envolve (benefician-do) diversos setores da economia, conforme Quadro I em anexo.

Ao mesmo tempo, a existência de patrocinadores do evento também pode gerar outras contratações, pois normalmente quem o patrocina tem direito a um camarote VIP e, para atender aos convidados, contra-tará outros serviços: de alimentos e bebidas, decoração, recepção, etc.

A relevância do setor de turismo para a economia é incontestável, tornando-se mais do que evidente, ao analisarem-se as estatísticas relacionadas com o crescimento do setor nos últimos anos, assim como as previsões futuras de especialistas: responde pela gera-ção de 6 a 8% do total de empregos mundiais, e, no período de 1975 a 2000, cresceu a um ritmo médio de 4,4% anual, enquan-to o crescimento econômico mundial médio, medido pelo PIB, foi de 3,5% ao ano no mesmo período (MTur, 2007). Já as previsões apontam que, até 2010, serão criados pelo setor 5,5 milhões de novos postos de trabalho por ano e o Brasil estará entre os três maiores países geradores de empregos no setor no período de 2008 a 2017, com um total de 1,9 milhões, ficando atrás apenas da Chi-na — 3,2 milhões — e da Índia — 2,7 milhões (WTCC, 2007).

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Ao final da década de 1980, a Organização das Nações Unidas — ONU — criou a expressão “desenvolvimento sustentável”, condicionando o crescimento presente ao não comprometimento do crescimento fu-turo. Para a Organização Mundial do Turismo — OMT — (2004 apud MTur, 2006), o desenvolvimento sustentável do turismo é um pro-cesso contínuo que requer monitoramento constante dos impactos que a atividade pode causar, de modo que, com ações de manejo, seja possível minimizar os impactos negativos e maximizar os benefí-cios potenciais, introduzindo medidas preventivas ou de correção de rumo. Requer a participação e o comprometimento de todos os atores envolvidos na atividade, em que o lucro deve ser distribuído de for-ma equitativa entre os promotores da atividade e a população local.

O turismo também tem características peculiares em relação aos demais setores da economia, apresentando alto poder de ir-radiação de seus benefícios de grande capilaridade. Tanto a mão de obra qualificada como a não qualificada são beneficiadas, as-sim como diversos segmentos da economia local, como o alimen-tício, habitacional, bancário, cultural, recreativo. Também reve-la uma lógica original de implantação e seus impactos têm sido considerados, em regiões economicamente deprimidas, como uma boa alternativa para minimizar problemas (MTur, 2006).

A atividade turística tem grande repercussão nas economias dos locais onde se desenvolve, ainda que sua importância tenha intensi-dade diferente, conforme o dinamismo e a diversificação dos setores econômicos que são ali desenvolvidos. O setor pode trazer benefícios e alguns transtornos para as comunidades, que, envolvidas ou não com a atividade turística, são as quem mantêm maior contato com o turismo, sofrendo os maiores impactos, sejam negativos ou positivos.

Empreendedorismo e desenvolvimento No transcorrer da história, várias foram as tentativas de definição do que seria empreendedorismo e quais seriam as especificidades de seu agente social: o empreendedor. A ascensão socioeconômica dos empreendedores tem início no começo do século XIX inserida em um contexto econômico refletido pelas forças livres do mercado e da concorrência. No século XVIII, Cantillon (1755) apresenta o

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empreendedor como um comerciante, produtor de manufatura ou agricultor que se ajusta ao risco por causa das oscilações de oferta e demanda. Para o economista clássico Jean Baptiste Say, o empreen-dedor é de fundamental importância no desenvolvimento econômico, dada a sua capacidade de combinação e transferência de recursos de setores de baixa para os de alta produtividade (GOMES, 2005). No entanto a definição mais recorrente é a extraída de Schumpeter (1934), para quem empreendedor é, sobretudo, um inovador que im-pulsiona o desenvolvimento econômico por meio da reforma ou revo-lução do padrão de produção (COSTA, BARROS e MARTINS, 2008).

Segundo Castanhar (2007), Joseph A. Schumpeter explica o pro-cesso de desenvolvimento econômico (e seus ciclos) como decor-rência do surgimento de novas combinações e novos usos de recur-sos: (a) introdução de um novo bem ou de um bem já existente com nova característica; (b) introdução de um novo método de produção; (c) abertura de um novo mercado; (d) descoberta de novas fontes de suprimento; e (e) desenvolvimento de novas formas de orga-nização. Essas inovações apresentam-se como potencializadoras de desequilíbrios (ou perturbações) que movimentariam as econo-mias e as sociedades em direção ao desenvolvimento. E o empre-endedor é o agente que inicia tais mudanças, alterando o sistema em equilíbrio por meio da identificação de novas oportunidades.

O termo empreendedor — do francês entrepreneur — significa aquele que assume riscos e começa algo novo. O empreendedor é, pois, a pessoa que inicia e/ou opera um negócio para realizar uma ideia ou um projeto pessoal, assumindo riscos e responsabili-dades e inovando continuamente. Mas o espírito empreendedor está também presente em todas as pessoas que — mesmo sem fun-darem uma empresa ou iniciarem seus próprios negócios — estão preocupadas e focadas em assumir riscos e inovar continuamente.

Segundo Shane e Venkataraman (2000), empreendedorismo pode ser compreendido como o processo de identificação e ex-ploração econômica de novas oportunidades (opportunity recog-nition). Para esses autores, o comportamento empreendedor é transitório, resultado da capacidade de certos indivíduos para responder a sinais sobre oportunidades, existentes no ambiente. De forma complementar, Roslyn (2000) apresenta uma detalha-

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da revisão da literatura que apresenta estudos específicos sobre o papel do empreendedor no desenvolvimento de destinos turís-ticos, dando especial atenção ao trabalho de McKercher (1999).

Existem vários mitos em torno da figura do empreendedor. As pessoas acreditam que sejam pessoas dispostas a correr riscos e que sempre conseguem estabelecer empreendimentos de su-cesso porque têm boas ideias. Mas nem sempre é assim. Para Barroso (2001), os empreendedores devem estabelecer metas pessoais e verificar se elas são compatíveis com as do empreendi-mento, porque só dessa maneira serão capazes de definir que ris-cos aceitam assumir e se dispõem de boas estratégias para isso.

Observando que o empreendedorismo é um processo no qual o reconhe-cimento de oportunidades ocorre no início, antes mesmo da formaliza-ção do empreendimento, Hills (1995) realizou um estudo empírico des-tinado a identificar os diferentes comportamentos de empreendedores bem-sucedidos, no que toca ao reconhecimento de tais oportunidades.

Dessa forma, salienta-se que o comportamento empreendedor é transitório, resultando da capacidade de certas pessoas de respon-derem a sinais do ambiente sobre oportunidades, e não uma caracte-rística estável e permanente que diferenciaria umas pessoas (empre-endedoras) de outras (não empreendedoras) em todas as situações.

Podem-se destacar algumas características pessoais do empreende-dor: ser proativo, ser um competidor agressivo, ser comprometido e determinado, ser um líder, ter capacidade de estabelecer alianças estratégicas, saber interpretar o ambiente, ser capaz de perceber oportunidades, tolerar riscos, ambiguidades e incertezas, criar novos modelos de negócios e promover transformações.

Deve-se salientar que o esforço de análise do processo de geração (ou identificação) de oportunidades é importante porque a natureza da oportunidade pode, também, influenciar o próprio processo da exploração dessa oportunidade, ou seja, o próprio processo empre-endedor, bem como o seu resultado.

Lumpkin e Dess (1996) observaram a orientação empreendedora e o desempenho (de uma nova empresa criada por um empreendedor ou de uma empresa já existente), que coexistiam, até aquela data, como uma aparente tendência normativa de assumir a orientação

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empreendedora (ou empreendedorismo, na sua definição mais geral) e algo inerentemente positivo para o desempenho dos negócios, com uma escassez de estudos empíricos que confirmassem ou rejei-tassem essa premissa. Essa orientação empreendedora é composta por cinco dimensões: (1) autonomia; (2) inovação (de produto e mercado); (3) capacidade de assumir riscos; (4) capacidade de agir de forma “proativa” (voltada para o futuro); e (5) competitividade agressiva (voltada para o presente).

Por fim, Sarasvathy (2000) sugere que o processo de decisão e ges-tão do empreendedor segue uma lógica de “efeituação”, consubstan-ciada em quatro pontos: (1) a decisão com base numa “perda acei-tável”, em vez de análise de retorno esperado; (2) a constituição de alianças estratégicas, em vez de análise de mercado e da competição; (3) a capacidade de enfrentar e explorar contingências, em vez da ex-ploração do conhecimento prévio e; (4) em estratégias que visem a controlar um futuro imprevisível, em vez de tentar prever um futuro.

Com relação ao papel do empreendedorismo no desenvolvimento regional, uma boa contribuição pode advir da literatura econômica sobre empreendedorismo. Segundo Castanhar (2007), podem-se identificar três correntes principais.

A primeira corrente é a alemã que engloba aspectos das teorias de história econômica, gestão, economia industrial e economia evolu-cionária, considerando, explicitamente, a importância do empreende-dorismo como um fator vital para produção do crescimento econô-mico. Os principais trabalhos dessa corrente são os de Schumpeter (1934) e Baumol (1968, 1990 e 1993).

A segunda corrente é a neoclássica tradicional, que considera o crescimento econômico como sendo tanto função da contribuição dos fatores de produção (capital, trabalho e matéria-prima) quan-to da evolução tecnológica, considerada como um fator exógeno. Os trabalhos mais significativos são os de Marshall (1961), Knight (1921) e Schultz (1980).

A terceira e última corrente é a austríaca que enfatiza a capacidade de o empreendedor identificar e explorar oportunidades lucrativas, usualmente após algum choque exógeno e fundamenta-se nas con-tribuições de Kirzner (1973, 1985 e 1997) e Von Mises (1949).

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Além desses modelos teóricos da economia tradicional, o trabalho de Solow (1970 apud CASTANHAR, 2007) inspirou o desenvolvi-mento da chamada nova teoria de crescimento endógeno, que en-fatiza o papel da educação (capital humano) e da inovação como variáveis intermediárias que levam ao crescimento econômico — o empreendedorismo, entretanto, permanecendo praticamente como um fator implícito — knowledge spillovers. As suas principais con-tribuições teóricas são provenientes do trabalho de Romer (1986; 1990) e Lucas (1988).

A interligação entre empreendedorismo e crescimento econômico tem sido também pesquisada e retratada por meio de indicadores e instrumentos de análise do Global Entrepreneurship Monitor (GEM). O GEM é uma pesquisa coordenada pelo Babson College (EUA) e pela London Business School, publicada anualmente desde 1999. Seu objetivo é avaliar de forma abrangente o papel do empreendedo-rismo como principal motivador do crescimento econômico nos pa-íses participantes por meio de uma série de estudos comparativos.

No caso do Brasil, a vocação empreendedora dos habitantes vem sendo proferida por pesquisadores em livros (MARCOVITCH, 2005), artigos (BARBIERI, 1999; NETO e MARTINS, 2006) e reportagens (CHAVES JÚNIOR, 2007; MARTINS, 2007). No entanto no que se refere ao turismo musical, cabe ressaltar que somente indivíduos altamente empreendedores aceitam arriscar-se em eventos do porte de um Rock in Rio, Hollywood Rock, Free Jazz Festival, Tim Fes-tival, entre outros. Ou seja, a vinda de expoentes da música in-ternacional para o Brasil, muitas vezes necessita de até três anos de negociação prévia com seus empresários. Ao mesmo tempo, os ganhos provenientes da bilheteria dos shows, na maioria das vezes, não cobrem os custos da vinda do artista; portanto o pa-trocínio de empresas é essencial para a realização desses eventos. É por isso que a existência de leis de incentivo à cultura, como a federal Rouanet (abatimento no Imposto de Renda), as estadu-ais (ICMS) e municipais (ISS), e as parcerias com a iniciativa pri-vada e com o Poder Público tornam-se quase que imprescindíveis.

Mais especificamente, a Lei n.o 8.313 de 1991 — Lei Rouanet — instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), que canaliza recursos para o desenvolvimento do setor cultural e tem as

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finalidades de: (1) estimular a produção, a distribuição e o acesso a produtos culturais — CDs, DVDs, espetáculos musicais, teatrais, de dança, filmes e outras produções na área audiovisual, exposi-ções, livros nas áreas de ciências humanas, artes, jornais, revistas, cursos e oficinas na área cultural, entre outros —; (2) proteger e conservar o patrimônio histórico e artístico; (3) estimular a difusão da cultura brasileira e as diversidades regionais e étnico-culturais.

De forma complementar, para entender melhor o funcionamento do PRONAC, é importante também consultar os atos legais que regu-lamentaram a lei: a Portaria n.º 46 do Minc de 1998 e o Decreto n.º 5.761 de 2006. Por último, cabe mencionar a existência da lei da meia-entrada para estudantes e idosos. Essa lei, que tanto bene-ficia esse público, é um entrave para os produtores, que são obri-gados a aumentar o custo do ingresso para cobrir esse benefício.

Procedimentos metodológicos

O objetivo desta pesquisa é investigar quais seriam as possíveis con-tribuições do turismo musical para o processo de desenvolvimento econômico do Rio de Janeiro, por meio do discurso dos empreende-dores locais.

Para o cumprimento de tal objetivo, previamente delineado, optou-se por analisar o discurso de empreendedores vinculados à área musi-cal. Estipulou-se que os discursos mais relevantes seriam aqueles pronunciados por empresários, produtores e executivos de organiza-ções vinculadas à música e ao turismo. Além das entrevistas, foram utilizadas fontes documentais coletadas em associações e órgãos públicos, pesquisas bibliográficas e consultas a sítios na internet.

Para a construção do corpo de dados, realizaram-se oito entrevistas em profundidade (McCRAKEN, 1988), de cerca de uma hora cada, até que houvesse saturação dos dados. As entrevistas seguiram um roteiro semiaberto baseado nos seguintes pontos: (a) definição de turismo musical; (b) relação entre eventos musicais e atração de tu-ristas; (c) impacto dos eventos musicais na economia da cidade do Rio de Janeiro; (d) quando um evento musical pode ser categorizado

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como uma atração turística; (e) quando um evento musical se trans-forma em turismo musical; (f) possíveis contribuições do turismo musical para o processo de desenvolvimento econômico local. Cabe ressaltar que, por tratar-se de uma pesquisa qualitativa baseada em entrevistas em profundidade, o roteiro básico serviu apenas de norte, permitindo que o discurso transbordasse para outras questões — tam-bém importantes — ligadas ao tema, mas não previstas inicialmente.

A posterior análise, seguiu, nesta pesquisa, três procedimentos prin-cipais: (1) a leitura crítica; (2) a análise de conteúdo; e (3) a classi-ficação de termos e ideias (PATTON, 1990; REMENYI et al., 1998). Uma vez praticada a escolha de trabalhar com a palavra textual de empresários e gestores, é natural que tenha ocorrido inicialmente uma leitura crítica das transcrições das entrevistas, identificando os pontos que mereciam atenção e articulando-os com as informações obtidas com base na revisão bibliográfica. A análise de conteúdo pre-parou e codificou o texto para seu fracionamento na etapa seguinte.

Interpretação dos resultados Procurou-se identificar, nos discursos dos empreendedores entre-vistados, cinco blocos temáticos: (1) a compreensão do que seria turismo musical; (2) a importância da realização dos eventos musi-cais para o processo de atração de turistas; (3) a parceria entre os setores público e privado nas realizações de eventos musicais; (4) a calendarização dos eventos musicais; e (5) o levantamento dos impactos negativos dos eventos musicais no dia a dia da cidade.

O que é turismo musical? Apesar de ser um tema muito recente na área do turismo, alguns entrevistados identificaram a importância do turismo musical como um fenômeno que já ocorre em suas práticas cotidianas:

Turismo musical é o turismo gerado pela música.

Fazer turismo musical é aliar o lazer das férias ao prazer de assistir [a] concertos musicais, [...] o turismo musical deveria ser gerado principalmente por cidades que já têm certo glamour.

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Turismo musical é [um tema] bem específico, que atrai mais pessoas para a cidade.

O turismo musical é uma segmentação do turismo na área da música [...] uma matriz do desenvolvimento turístico, a partir da música como produto.

Outros, nunca tinham pensado a respeito, mas identificaram alguma importância com relação ao tema:

Turismo musical, nunca tinha ouvido falar, mas que existe, existe.

Apesar de trabalhar há muito tempo com música, nunca parei para pensar na questão do que seria turismo musical [...] o Brasil tem uma musicalidade muito forte [e as] diferentes capi-tais e cidades [...] deveriam criar um roteiro de turismo musical.

Nunca ouvi a nomenclatura [...] mas vou começar a usar [a nomenclatura] de agora pra diante.

Com relação a esse tema, apenas um dos entrevistados foi categó-rico com a posição de que o turismo musical não existe:

Turismo musical não existe, é um neologismo e uma tentativa de criar uma adjetivação para um segmento econô-mico que já é muito forte, que é o turismo.

Eventos musicais e atração de turistas Não se tem como avaliar precisamente o impacto econômico lo-cal do turismo musical em razão da dificuldade em obter estatís-ticas precisas a respeito do tema, porém o discurso dos empreen-dedores nos indica que um grande evento musical tem potencial para atrair turistas para a cidade. Ou seja, todos os empreendedores entrevistados são unânimes em afirmar que a música é um impor-tante chamariz na atração do turista que vem ao Rio de Janeiro:

A gente vendia muito [ingresso] para agências de via-gens. Agências de viagens eram grandes clientes [...] pagavam direito, compravam pacotes grandes de ingressos e revendiam pacotes completos com hotel, com transporte, com passagem e o que faz isso? Movimenta com city tour, com sightseeing, ida a restaurante, isso movimenta a cadeia turística da cidade inteira.

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É possível sentir diretamente o aumento de turistas que visitam o Pão de Açúcar nas datas próximas à realização dos grandes eventos musicais da cidade do Rio de Janeiro.

Sem dúvida nenhuma, o Rock in Rio [...] trouxe mui-tos turistas do Brasil e do mundo para o Rio, principalmente da América Latina.

[Eventos musicais] [...] lógico [que atraem] muitos turistas, como a Lapa atrai turistas hoje em grande número, nacionais e estrangeiros, cariocas, turistas de vários estados do Brasil e estrangeiros.

Parceria entre os setores público e privado nas reali-zações de eventos musicais De acordo com alguns dos empreendedores entrevistados, o desen-volvimento do turismo somente crescerá caso seja compreendido como fruto de parceria profissional e eficiente entre o setor público — que busca maximizar benefícios sociais — e o setor privado — que busca maximizar lucros:

Quando um megaevento musical é apresenta-do para a Prefeitura, pode-se dizer que estamos vendendo um projeto. Esse projeto tem que ser bem vendido e bem comprado e por isso o representante da Prefeitura que com-pra o evento deverá entender muito sobre organização de eventos, pois, caso contrário, poderá levar gato por lebre.

O entrevistado Plínio Fróes, sócio da Casa Rio Scenarium na Lapa, afirma que sua atividade econômica além de gerar riqueza para a área denominada Novo Rio Antigo (Lapa, Lavradio, Cinelândia e Ti-radentes), também se preocupa, como a prefeitura, em promover o desenvolvimento da região:

Hoje podemos dizer que temos na Lapa cerca de 40 casas com música e certamente são casas que não fi-cariam abertas pagando para trabalhar [...] então eu acho que tem a música, ela realmente é uma grande, é, ela é a grande responsável [...] pelo sucesso inclusive econô-mico [...] dessa região, a gente chama de Novo Rio An-tigo. A música foi um ponto central desde a primeira feira de antiguidades da rua do Lavradio e é até hoje [...] a es-trela mor de todo o processo de revitalização da Lapa.

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Planejamento e calendarização dos eventos musicais A maioria dos entrevistados mencionou que os eventos musicais de-vem constar no calendário oficial da cidade para que possam atrair mais turistas, e, então, a definição desse calendário seria feita em parceria com os órgãos governamentais:

A nossa programação é divulgada no Convention Bu-reau o conceito que a música popular, faz parte do calendário da cidade, é uma responsabilidade.

No entanto, torna-se premente a ocorrência de um sério planejamen-to do processo de calendarização:

Tem que ter um planejamento, esse é o nosso problema. Quais são os artistas que vão cantar no réveillon? Hoje é dia 11 de dezembro e ainda não sabem quem vai cantar no réveillon.

A calendarização dos eventos deve ser feita de ma-neira inteligente, dividindo-se o fluxo de eventos de uma ci-dade durante o ano todo. Se dois festivais musicais acon-tecem ao mesmo tempo em uma cidade, os hotéis ficam lotados e não conseguem atender à demanda total de turistas.

Ou seja, se vários eventos musicais acontecem ao mesmo tem-po em uma cidade, os hotéis não conseguem atender à demanda dos turistas, pois ainda têm de socorrer a demanda corporativa. Dessa forma, o recurso da “calendarização” dos eventos permi-tirá que as agências de viagem comercializem os ingressos dos shows, que poderão ser oferecidos antecipadamente aos clien-tes nos pacotes de turismo musical. As agências de viagem são um excelente canal de venda de ingressos, desde que tenham tempo hábil para se programarem. Elas são ávidas por adquirir produtos turísticos diferenciados e sabem que todo evento musi-cal tem seu público cativo, independentemente do estilo musical.

Além da dificuldade de encaixar o evento musical no calendário de eventos da cidade, o empreendedor ainda precisa ficar à mercê da agenda do artista. O artista que vem da Europa ou dos Esta-dos Unidos para o Brasil, em geral, o faz durante o nosso verão, quando nesses países é inverno. Isso acontece porque esses me-

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gaeventos acontecem em locais abertos, durante os meses quentes do ano. Porém ocorre que esses artistas vêm ao Rio de Janeiro justamente no nosso período de alta temporada, quando a cidade já está repleta de turistas. Por essa razão, os empreendedores de-veriam fazer um esforço de trazer artistas estrangeiros renomados para o Rio de Janeiro fora do período de alta temporada: afinal o Rio é uma cidade que é quente praticamente durante todo o ano.

Impacto negativo dos eventos musicais Com relação a este tema, apenas um entrevistado (do Sebrae) men-cionou os aspectos negativos dos eventos musicais, como engarra-famento de veículos nas ruas próximas, brigas, roubos, sujeira, lixo acumulado e aumento da poluição sonora: “As sujeiras que eles [turistas] deixam é infernal”.

Também foi mencionado, por esse mesmo entrevistado, o dinhei-ro gasto pelos órgãos públicos na limpeza do local que, às vezes, compromete grande parte da arrecadação financeira do evento:

[...] Vamos ter uma surpresa com a quantidade de lixo que deixam na rua [...] Não fica um centavo na ci-dade [Cabo Frio] o lucro é utilizado para limpeza dela.

Conclusão O objetivo do presente artigo foi investigar quais seriam as possíveis contribuições do que aqui chamamos de turismo musical para o pro-cesso de desenvolvimento econômico do Rio de Janeiro, por meio do discurso de empreendedores musicais locais.

Os resultados da pesquisa apontaram alguns caminhos.

Um primeiro ponto refere-se ao reconhecimento do termo ‘turis-mo musical’ pelos entrevistados, até mesmo identificado como algo vinculado às práticas profissionais. Estabelecendo um parale-lo entre a indústria da música e o turismo, nas entrevistas con-cedidas por empreendedores musicais, destacaram-se elementos que são considerados importantes para análises mais detalhadas acerca do que se nomeia, neste trabalho, como turismo musical.

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Um segundo ponto foi a possível identificação — ainda no discurso dos entrevistados — do evento musical (a música e seus produtos turísticos) como gerador de recursos econômicos para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o discurso de todos é bastante seme-lhante e destaca a importância da existência de eventos e roteiros musicais para o aumento do turismo. Com relação a esse ponto, no entanto, há uma carência de dados estatísticos sobre a entra-da na cidade do Rio de Janeiro de turistas durante a realização de eventos musicais. A única exceção é no período do carnaval. Como a maioria dos eventos musicais na cidade acontece na alta tempo-rada (verão), não há como aferir se o turista veio ao Rio em virtude do evento musical ou se veio a passeio. Acredita-se que esses da-dos poderiam ser levantados por associações ligadas ao turismo, tais como a Riotur (Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro) e a ABIH (Associação Brasileira da Indústria dos Hotéis).

Um terceiro ponto diz respeito à parceria entre setores públicos e privados. Nos dias de hoje, apresenta-se como fundamental o apoio do Poder Público no processo de inserção de grandes eventos, sho-ws musicais e casas noturnas no roteiro turístico da cidade do Rio de Janeiro. Em um cenário de crise da indústria da música brasileira (e também internacional), os empreendedores do setor são levados a buscar novas formas de escoar a produção musical: a produção de shows, os grandes eventos musicais e o estabelecimento de casas noturnas, cujo atrativo principal é a apresentação de shows musicais, são hoje os grandes pilares da nova maneira de “distribuir música ao público” e alimentar a economia da música, antes baseada princi-palmente na venda de CDs e DVDs em formato físico. Dessa forma, além de concretizar expressões da cultura local e contribuir para a sustentabilidade dos centros urbanos, as indústrias do turismo — em geral — e do turismo musical — em particular — ainda contribuem para aumentar a já forte demanda externa por música brasileira.

Um último ponto que chama a atenção refere-se ao fato de que, nos discursos analisados, apenas um entrevistado mencionou os aspectos negativos dos eventos musicais. Shows gratuitos e populares atra-em um público muito grande, mas que nem sempre tem um compor-tamento adequado. Vários desses eventos presenciam atos de van-dalismo e trazem muita sujeira para a cidade, apesar da instalação de banheiros químicos e latas de lixo por toda a área. Ao mesmo tempo,

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para evitar ou minimizar os impactos negativos, a alternativa é um bom planejamento e parceria, tanto com a administração municipal, quanto com as associações de bairros, o que nem sempre ocorre.

Finalmente, os resultados da pesquisa levam a considerar a exis-tência de um viés empreendedor na ideia do turismo musical, pelo menos na percepção de empreendedores locais vinculados à mú-sica, uma vez que: (1) identifica-se um potencial incremento do turismo proporcionado pela música; (2) tal incremento se viabi-lizaria por meio de shows, eventos específicos e casas noturnas em parceria com o governo; que (3) causariam impacto no proces-so de desenvolvimento econômico da cidade do Rio de Janeiro.

Como sugestão para pesquisas futuras, verifica-se que existe uma carência, no Rio de Janeiro, de um roteiro musical a ser divulgado, já que a cidade tem um enorme potencial para a música em função de sua diversidade musical. Nesse sentido, sugere-se um estudo de viabilidade para a criação de um museu da música brasileira, que objetivaria a atração de turistas, em conjunto com a Cidade do Samba, a Cidade da Música, o Teatro Municipal, entre outros espaços culturais cariocas.

Outra opção seria um estudo mais aprofundado da organização Rio Scenarium e do seu projeto “Scenarium Musical”. Vale lembrar que esse projeto, em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria de Turismo (Riotur), desenvolve programas de inclusão social.

Sugerem-se, ainda, mais projetos de viabilidade e sustentabilidade de eventos musicais nas áreas urbanas do Rio de Janeiro, de forma a minimizar os efeitos negativos para a população local (por exem-plo, os eventos que ocorrem na orla marítima: a praia talvez não seja o local mais adequado para realizá-los sem estudos sobre o impacto no ecossistema).

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO262

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Entrevistas realizadas

Heliana Marinho, gerente da Área de Economia Criativa — Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no estado do Rio de Janei-ro — SEBRAE.

Gaetano Lops, diretor presidente Rio360 Comunicação.

Luiz Oscar Niemayer, diretor musical do Rock in Rio I, presidente da PlanMusic, empresa responsável pela produção dos shows do Rolling Stones, na praia de Copacabana, e do U2, em São Paulo.

Maria Ercília Leite de Castro, diretora-geral da Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar — CCAPA.

Myriam Daueslberg, presidente da Dell’Arte Soluções Culturais, responsável pela produção dos festivais de música de Petrópolis e Friburgo e pela vinda, em 2008, de José Carreiras, Russian State Ballet, Freddy Cole, Parsons Dance Company, entre outros.

Paulo Rosa, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Discos — ABPD.

Plínio Froes, importante liderança da Associação dos Comerciantes do Centro do Rio Antigo — ACCRA — e proprietário das casas de espetáculo Mangue Seco e Rio Scenarium.

Sergio Nogueira, Superintendente da Associação Brasileira da Indús-tria de Hotéis do Rio de Janeiro — ABIH-RIO.

Sites consultados

www.abem.com.br — Associação Brasileira de Editores de Música

www.lanalapa.com.br — Lá na Lapa

www.sebrae.com.br — Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pe-quenas Empresas

www.brasilcultura.com.br

www.turismo.gov.br

www.cultura.gov.br

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TURISMO MUSICAL: UMA IDÉIA EMPREENDEDORA?265

A - Na produção do even-to: contratação através de pessoas jurídicas ou profis-sionais autônomos, para os

seguintes serviços:

B - Na produção do evento, através da utilização de serviços e/ou

apoio de órgãos públicos ou asso-ciações privadas:

C - Empre-sas e pes-

soas físicas envolvidas no apoio ao

turista:

D - Empresas e pessoas físicas que são beneficiadas pelo aumento do fluxo turístico, em virtude da existên-cia de um mega-evento musical:

Captação de recursos para a realização do evento Prefeitura Agências de

viagensRestaurantes e produ-

tores de alimentos.

Montagem das estruturas físicas: palcos, coberturas, pisos, banheiros químicos, arquibancadas, áreas vips,

camarins, etc.

CET-Rio – Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de

Janeiro

Transportadoras aéreas e terrestres

Pontos turísticos

Divulgação do evento: assessoria de imprensa, publicidade e

relações públicas

ECAD – Escritório Central de Arrecada-ção e Distribuição

Hotéis e pousadas Comércio em geral

Programação visual Guarda Municipal e Polícia Civil Seguradoras Vendedores ambulantes

Sonorização e iluminação Corpo de Bombeiros Guias de turismo

Empresas que prestam serviços para os hotéis (alimentos e bebidas,

lavanderia, etc.)

CenografiaComlurb – Companhia Municipal de Limpeza

Urbana

Efeitos especiais Light (energia)

Projeção multimídia Cedae (água e esgoto)

Recepção dos convidados Emissoras de rádio e televisão

Comercialização do evento

Alimentos e bebidas no camarim e para o público em geral

Produção e venda de souvenirs

Serviço de atendimento médico (UTI móvel)

Limpeza,

Camarim

Motoristas

Contra-regras

Seguranças

Eletricistas

Brigada de incêndio

Gerador de energia

Seguro do evento

Impressão gráfica

Controle de acesso ao evento

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO266

Satisfação dos turistas: uma análise da experiência de visita aos locais de música ao vivo na cidade do Rio de Janeiro AUTORES

Alda Rosana Duarte de Almeida

Delane Botelho

Maíra Meyer

Márcia Silva

Mariana Barbosa Nasser

Renata Silencio

RESUMO

A formação da imagem turística de uma cidade depende da qualida-de dos serviços prestados ao longo de uma grande cadeia produtiva, determinando o nível de satisfação do turista com a visita. No âmbito do turismo cultural, a musicalidade tem efeito de atração de turistas, especialmente no Rio de Janeiro, cidade que se destaca como destino turístico de lazer. Este capítulo avalia a qualidade dos serviços envolvi-dos na experiência de visita a estabelecimentos de música ao vivo nes-ta cidade, especificamente nos bares de música ao vivo e nas casas de espetáculo, tanto por turistas nacionais como por turistas estrangeiros, comparando o nível de satisfação entre eles. Para isso foram realizadas uma pesquisa qualitativa para delimitar o escopo de estudo no turismo cultural, e outra quantitativa, com 305 respondentes, que mediu o grau de satisfação dos turistas com diversos serviços — desde o meio de comunicação pelo qual obtiveram a informação do local até o atendi-mento recebido. Os resultados evidenciam aspectos positivos, como a qualidade das bandas, e negativos, como a insatisfação com a higiene dos estabelecimentos. Tais considerações poderão orientar estratégias de gestores interessados em promover as devidas melhorias e em ga-rantir a satisfação do turista, fortalecendo a imagem turística da cidade.

Palavras-chave: marketing de serviços, turismo cultural, casas de espetáculos, satisfação, qualidade de serviços.

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Marketing, ministrada pelo professor Delane Botelho com a tutoria de Alda Rosana Duarte de Almeida, no Curso Observatório de Inovação do Turismo, da EBAPE/FGV.

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Introdução

Ao longo dos anos, o setor de turismo tem aumentado sua impor-tância na parcela da economia, tanto como gerador de divisas, como de emprego e renda. Dados divulgados pela Organização Mundial do Turismo (UNWTO, 2009) revelam crescimento de 1,8% das receitas mundiais geradas pelo turismo em 2008, comparati-vamente a 2007, somando um total de US$ 944 bilhões. Ainda segundo a UNWTO (2009), o número de desembarques de turis-tas internacionais no mundo, no ano de 2008, foi de 922 milhões.

No Brasil, dados do Banco Central do Brasil (2009), revelam que os gastos dos turistas em viagem ao País, em 2008, somaram US$ 5,785 bilhões, 16,82% a mais do que o observado em 2007 (US$ 4,952 bilhões). Além disso, de acordo com o Anuário Es-tatístico da EMBRATUR, o Brasil totalizou, em 2008, 5.050.099 de chegadas de turistas residentes no exterior (EMBRATUR,2009).

O Estudo da Demanda Turística Internacional 2005-2007 (FIPE, 2008) mostra que o Rio de Janeiro é a cidade que mais recebe turistas internacionais no Brasil, por motivo de lazer (30,2%) — seguido de Foz do Iguaçu (16,1%) e de Florianópolis (15,3%) —, consagrando-se como principal destino turístico internacional do Brasil. Além disso, a pesquisa ainda revela que o turismo cultural ocupa o 3.º lugar em termos de motivação para viagem de lazer, com 11,7% dos turistas na análise do turismo no Brasil — e, no âmbito especificamente do destino Rio de Janeiro, o percentual de turistas que procuram o turismo cultural eleva-se para 22,1%.

Nas viagens domésticas, o Rio de Janeiro também tem posição de destaque entre os destinos que mais recebem turistas, ocu-pando a 3.ª colocação (8,4% do turismo receptivo nacional), logo após São Paulo (com 27,7%) e Minas Gerais (com 10,8%), con-forme dados da pesquisa de Caracterização e Dimensionamen-to do Turismo Doméstico no Brasil 2002 e 2006 (FIPE, 2007).

Ao estudarmos o turismo cultural, observa-se um conceito bastante difundido que o considera como a prática do turismo cuja motivação está diretamente relacionada com o interesse pelo patrimônio histó-rico e cultural de uma sociedade. Contudo, pode-se analisá-lo como

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a própria essência do turismo, pois o deslocamento do visitante para fora de seu entorno habitual, presume o conhecimento de novas re-alidades e experiências, por meio do contato direto com outras cul-turas. Assim, o estudo dos serviços turísticos, no âmbito do turismo cultural, foi o ponto inicial da realização deste estudo.

A prestação de serviços no turismo ocorre ao longo de uma gran-de cadeia produtiva que desenvolve a percepção dos turistas sobre o local visitado. Diversos elementos contribuem para a construção dessa imagem; sendo fundamental identificá-los e avaliá-los a fim de garantir a satisfação dos turistas, pois eles ainda são os principais meios de divulgação de um destino, porque o promovem pela pro-paganda boca a boca.

Por essas razões, optou-se por estudar o nível de satisfação dos turistas com relação aos serviços prestados no âmbito do turismo cultural na cidade do Rio de Janeiro que, atualmente, se destaca como principal destino turístico de lazer.

O reconhecimento da música brasileira no cenário internacional e a procura dos turistas por seus mais variados estilos foram fatores que incentivaram a escolha de fazer dos estabelecimentos de música brasileira o objeto de estudo deste trabalho. A pesquisa qualitativa — realizada com recepcionistas e concierges de diferentes meios de hospedagem — serviu para que se identificasse a música brasileira como um dos elementos da cultura mais procurados pelos visitantes.

Dessa forma, o estudo do nível de satisfação dos turistas nos estabe-lecimentos que ofertam música brasileira ao vivo na cidade no Rio de Janeiro é relevante para os gestores de turismo e de políticas públi-cas, responsáveis pelo planejamento da atividade em toda a cadeia de produção (dos serviços prestados) e para todos os integrantes desse processo, mas, principalmente, para a administração dos estabeleci-mentos, que, por meio do conhecimento geral dos aspectos ainda de-ficientes nesses locais, poderá orientar suas estratégias para promo-ver as devidas melhorias e garantir a satisfação do consumidor. Para encontrar esse caminho, procurou-se responder à seguinte indaga-ção: Como os turistas, nacionais e internacionais, avaliam a qualidade dos serviços envolvidos na experiência de visita a um estabelecimen-to de música brasileira ao vivo, situado na cidade do Rio de Janeiro?

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Assim, este trabalho tem por objetivo geral analisar a percepção pós-uso dos serviços prestados com esse tipo de oferta na cidade do Rio de Janeiro, especificamente nos bares de música ao vivo e nas casas de espetáculo, tanto dos turistas nacionais como dos tu-ristas estrangeiros, comparando-se o nível de satisfação entre esses dois tipos de turistas.

O questionamento engloba o momento da escolha do local, o meio de comunicação por meio do qual o turista obteve informação sobre o estabelecimento, o acesso ao local, a qualidade e a variedade dos produtos oferecidos, entre outros pontos de relevância, para pres-tadores de serviço e clientes, uma vez que os objetivos específicos consistem em:

» Identificar os locais de oferta de música brasileira e os estilos de mú-sica mais procurados pelos turistas na cidade do Rio de Janeiro.

» Avaliar a qualidade das fontes de informação, dos meios de trans-porte e da infraestrutura envolvidos na experiência de visita a um estabelecimento de música ao vivo da cidade.

» Determinar o perfil dos turistas que frequentam tais estabelecimentos.

» Avaliar a qualidades dos serviços prestados nos locais de oferta de música ao vivo na cidade do Rio de Janeiro.

O presente artigo foi elaborado, a partir de uma pesquisa bibliográfi-ca para construção dos conceitos relativos ao turismo cultural e ao marketing de serviços, para então ser realizada a pesquisa qualitati-va, que contribuiu para a delimitação da área de estudo. Finalmente, foi elaborada pesquisa quantitativa com turistas nacionais e estran-geiros, tanto pessoalmente, quanto por meio de website. Assim, o artigo pretende identificar os pontos fortes e fracos na prestação de serviço para um turista que deseja assistir a um show de mú-sica brasileira na cidade do Rio de Janeiro, podendo ser utilizado como uma ferramenta de subsídio para o planejamento dos locais.

O artigo está dividido em cinco capítulos. Na introdução, apresen-tam-se o tema, as justificativas para o estudo e os objetivos. No se-gundo capítulo, desenvolve-se o embasamento teórico e conceitual, no que diz respeito ao turismo cultural e ao marketing de serviços. No terceiro, identifica-se a metodologia utilizada para desenvolvi-

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mento do trabalho e das pesquisas realizadas para sua elaboração. No quarto capítulo, revelam-se a análise dos resultados da pesquisa quantitativa e a comparação entre turistas nacionais e internacio-nais. Por fim, no capítulo cinco, expõem-se conclusões, discussões e possibilidades para futuras pesquisas.

Referencial teórico Turismo cultural O fluxo da história mundial demonstra que o homem tem viajado, moti-vado por diversos fatores que podem ser o turismo ou o simples desloca-mento. O homem primitivo, por exemplo, viajava em busca de melhores condições, o que não é considerado como turismo pelos autores da área.

Apesar de não haver uma definição única do que seja turismo, a OMT — Organização Mundial de Turismo — define como “um conjunto de ativi-dades que as pessoas realizam durante suas viagens e permanência em lugares distintos dos que vivem, por um período de tempo inferior a um ano consecutivo, com fins de lazer, negócios e outros” (OMT, 2001, p. 38).

Analisando-se os primórdios dos movimentos que vieram a dar origem ao que hoje se chama de turismo, pode-se citar que, na época do movimento renascentista, durante os séculos XV e XVI, por sua forte característica de ardente interesse pelo mundo a conquistar, viajar passou ser uma gran-de oportunidade de conhecer o novo e ainda acumular conhecimentos.

De certa forma, esse movimento contribuiu para o conhecido ”Grand Tour“ ou pré-turismo, segundo o autor Molina (2003, p. 22). Esse movimento surgiu, na Idade Moderna, no final do século XVI, e ca-racteriza-se pelo costume de mandar os jovens aristocratas ingleses para fazerem uma viagem grandiosa ao final de seus estudos, com a finalidade de complementar a formação e adquirir certas experi-ências que ampliariam a visão do mundo. Essas viagens duravam longos períodos, de três a cinco anos, e aconteciam especialmen-te para cidades que se destacavam no cenário mundial da época.

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Salgueiro definiu “Grand Tour” como:

Um novo tipo de viajante surge no século 18 em cone-xão com as transformações econômicas e culturais na Europa do Iluminismo e da Revolução Industrial. Trata-se aqui não do viajante de expedições de guerras e conquistas, não do missio-nário ou do peregrino, e nem do estudioso ou cientista natural, ou do diplomata em missão oficial, mas sim do grand tourist, conforme era chamado o viajante amante da cultura dos antigos e de seus monumentos, com um gosto exacerbado por ruínas que beirava a obsessão e uma inclinação inusitada para con-templar paisagens com seu olhar armado no enquadramento de amplas vistas panorâmicas, compostas segundo um idioma permeado por valores estéticos sublimes. Um viajante dispon-do acima de tudo de recursos e tempo nas primeiras viagens registradas pela historiografia da prática social de viajar por puro prazer e por amor à cultura (SALGUEIRO, 2002, p. 29).

Num pulo no tempo, agora voltado para o avanço tecnológico, afir-ma-se que o turismo deu o seu salto para a expansão mundial logo após a Segunda Guerra Mundial, como afirma o seguinte trecho:

O surgimento da indústria aérea comercial após a Se-gunda Guerra Mundial e o subsequente desenvolvimento da era dos jatos na década de 1950 assinalaram o rápido cresci-mento e a expansão das viagens internacionais. Esse cresci-mento conduziu ao desenvolvimento de uma nova indústria, o turismo (THEOBALD , 1997, p. 3 apud BARBOSA, 2002, p. 6).

Com os avanços tecnológicos, a atividade turística consolidou-se e cresceu, e, com esse movimento, surgiram reflexões sobre seus efeitos na economia e também no âmbito sociocultural.

As redes de serviços que envolvem o turismo, a demanda de mer-cado, os investimentos, as arrecadações tributárias, o emprego e a distribuição de renda passaram a ser alvos de análise. Também surge o interesse por estudos com base sociocultural que visam a enten-der o deslocamento de pessoas, a integração entre povos, a troca de conhecimento e a vivência. Nesse cenário, uma grande diversifi-cação da oferta turística mundial e a relação dela com as tendências da demanda do mercado, além de outros fatores, foram inevitáveis para a expansão do mercado turístico, surgindo variados segmentos, entre eles o turismo cultural. O turismo cultural está, pois, inserido

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em diversos segmentos do setor, sob outras tipologias, como o an-tropológico, o religioso, o arqueológico, o artístico.

O antropólogo Xerardo Pereiro, em seu artigo sobre turismo cultural, identifica o que Salgueiro (2003, p. 22) chamou de “Grand Tour”, explicado anteriormente, como o pioneirismo do turismo cultural, conforme citação:

Na história contemporânea do turismo. emer-ge uma realidade entre os séculos XVIII e XIX: é o “Gran-de Tour”. Esta era uma viagem de formação dos nobres e burgueses com o objetivo de contactar com outros povos e culturas, criando assim um capital cultural que lhes servi-ria para ter melhor aceite no seu próprio país e investir nas tarefas de liderato e governança (MIRANDA, 2004, p. 3).

Em uma visão mais etnocêntrica, a OMT (2003, p. 88) define que o “turismo cultural é o segmento do turismo que dá destaque especial a atrativos culturais, como apresentações, museus, mostras, etc.”. Segundo esse estudo, nos países mais desenvolvidos, os atrativos culturais incluem desde museus de arte até apresentações de or-questras, por exemplo; já em países menos desenvolvidos, as práti-cas religiosas, o artesanato e as apresentações culturais são a base dos atrativos para tal segmento.

Ainda desse ponto de vista, o conselho Internacional dos Museus e Monumentos — ICOMOS —, no ano de 1976, em sua Carta do Turismo Cultural, afirma que “turismo cultural é aquela forma de turismo que tem por objetivo, entre outros fins, o conhecimento de monumentos e sítios histórico-artísticos” (PRIMO, 1999, p.153), o que corrobora com a amplitude das demais definições.

Já o Ministério do Turismo, em sua definição sobre turismo cultural, deixa claro que não é somente um segmento rico em atrativos cultu-rais, mas também um conjunto de atividades que valoriza e promove os bens de uma sociedade, como afirma o trecho:

Turismo cultural compreende as atividades turísti-cas relacionadas com a vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos even-tos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura (Ministério do Turismo do brasil, 2006).

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Essa definição do Ministério do Turismo do Brasil está de acordo com o Código Mundial de Ética do Turismo (1999), em seu artigo 4.o — Turismo, fator de aproveitamento e enriquecimento do patrimônio cultural da humanidade — em que declara:

4.1 Os recursos turísticos pertencem ao patrimônio comum da humanidade.

As comunidades dos territórios onde eles se situam têm, face a eles, direitos e obrigações especiais.

4.2 As políticas e atividades turísticas serão desenvol-vidas respeitando os patrimônios artístico, arqueológico e cul-tural, que devem ser preservados e transmitidos às gerações futuras. Uma atenção especial deve ser concedida à preser-vação e restauração dos monumentos, santuários e museus, bem como aos templos religiosos, sem prejudicar as necessi-dades de culto.

4.3 Os recursos obtidos pela frequência dos locais e

monumentos culturais devem ser empregados, pelo menos em parte, preferencialmente, na manutenção, salvaguarda, valori-zação e enriquecimento desse patrimônio.

4.4 A atividade turística deve ser concebida de for-ma a permitir a sobrevivência e o desenvolvimento de produ-ções culturais e artesanais tradicionais, bem como do folclore, e que não provoque a sua padronização e empobrecimento (OMT, 1999, p. 8).

O turismo cultural, por trazer o termo cultura em seu contexto, propicia a amplitude de seu conceito. É um segmento de turismo que permite o convívio da cultura do turista com a cultura do local visitado por ele, e vice-versa, pois é rica em novas realidades e convivências diferentes.

Na definição de Cunha (2000, p.171), turismo cultural é “o meio que permite às pessoas conviverem com os modos de vida de outros povos e de poder desfrutar de todo o patrimônio de conhecimentos desses povos seja qual for o modo por que se expressam”. Essa definição trás como base uma visão antropológica da definição de cultura que é entendida como modo de vida, isto é, o modo como os seres huma-nos pensam, falam e fazem, despertando interesses entre os povos. Hoje em dia, em função das facilidades de deslocamento encontra-das e da globalização, a vontade de conhecer dos turistas aumentou.

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O ex-ministro da Cultura do Brasil Gilberto Gil (2003-2008), em uma entrevista ao rádio MEC, em 13 de novembro de 2007 citou:

[...] que, até meados do século XX, entendia-se por cultura apenas as artes, de modo geral, e a preservação do patrimônio. “Cultura é a vida de tudo o que está além do ‘comprar’ e do ‘vender’ para satisfação das necessidades ma-teriais. Tudo o que é subjetividade, expressividade. Tudo o que é espírito. Tudo o que é linguagem.” (GIL, 2007).

Numa ampla definição de cultura, Barretto (2000) afirmou que a motivação para o turismo cultural é de fato a busca de informações de novos conhecimentos, da interação com outras pessoas, comu-nidades e lugares, da curiosidade cultural, dos costumes, da tradi-ção e da identidade cultural. As atividades turísticas oferecidas têm como motivação principal para os turistas o prazer que os recursos culturais, de certos locais, cidades ou aldeias, possam proporcionar.

Hoje o turismo cultural é analisado de formas diversas: pode ser uma atividade, a experiência de troca entre culturas, um tipo de for-mato do produto turístico, a motivação ou o ponto mais importante para a viagem e ainda uma forma de realizar a atividade cultural.

Os resultados da pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas — FGV — com participantes do 3.º Salão do Turismo, no mês de junho de 2008, em São Paulo, mostraram que o turismo cultural é um segmento que cresce na lista dos mais visados, citado por 25,6% dos entrevistados (PESQUISA, 2008).

As características fundamentais do turismo cultural não estão di-retamente relacionadas com o ato de viajar em si, mas sim com o que é imaterial, intangível, isto é, as motivações que levam ao co-nhecimento e à experimentação do diferente, cujas bases estão em conhecer, pesquisar e analisar dados, obras ou fatos, em suas varia-das manifestações, como representações religiosas, místicas, eso-téricas, cívicas, étnicas, rotas, festivais, cinema, teatro, cavalhadas, exposições de arte, música, etc. No Brasil, por exemplo, os turistas interessam-se por uma partida de clássico de futebol no Maracanã para sentir de perto o calor da torcida do Flamengo. A música bra-sileira também é um forte atrativo para eles: há uma grande procura pelo samba, não só no período do carnaval, mas durante todo o ano em casas de música ao vivo que toquem esse estilo de música. A

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visita a museus, apesar de acontecer em pequena escala no Brasil, é uma das atividades que também é praticada pelos turistas e, como as outras que estão inseridas nesse segmento do turismo, acabam por aproximar o visitante da história da sociedade e cultura local.

Assim, define-se aqui, de modo a embasar o estudo, que turismo cultural é o conjunto de elementos culturais que propiciam as ativi-dades turísticas e permitem o convívio entre a cultura do turista e o conjunto dos elementos que compõem o fazer e pensar da cultural local. Estas atividades podem ser:

» Materiais, como os museus.

» Imateriais, como aprender a dançar jongo.

» Patrimônio preservado, como igrejas e prédios históricos.

» Eventuais, como shows e festivais.

Assim, é de vital importância que tais atividades contribuam para a sustentabilidade da cultura local.

O marketing de serviços O setor de serviços vem contribuindo, nos últimos anos, para o aque-cimento da economia, destacando-se pela quantidade de empregos gerados, bem como por sua participação no PIB (Produto Interno Bruto) não só dos países desenvolvidos, como também dos países em desenvolvimento. No Brasil, por exemplo, esse setor representa mais de 55% (cinquenta e cinco por cento) no PIB, revelando taxas de crescimento anual superiores à dos demais setores, que apresentaram queda. No primeiro trimestre de 2009, o setor de serviços apresentou crescimento de 0,8%, enquanto que a indústria apresentou queda

(-3,1%) (IBGE, 2009b). Kotler e Keller (2006, p. 396) afirmam que as empresas prestadoras de serviço são cada vez mais o combustí-vel da economia mundial.

A prestação de serviços inclui empresas de diversos setores, como hotéis, restaurantes, bares, empresas aéreas, bancos, telecomunica-ções, além de advogados, equipes médicas e instrutores de vendas.

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Uma vez que o lazer requer serviços cada vez mais complexos e eficientes, resulta em um interesse cada vez maior pelos problemas específicos dos serviços no turismo. As atividades características do turismo “constituem-se, exclusivamente, como atividades de prestadora de serviços, e sua participação no total do valor da pro-dução gerado pelo setor de serviços foi de 7,1%” no ano de 2006 (IBGE, 2009a), caracterizando a importância do turismo no setor e do marketing de serviços para o turismo.

O serviço é qualquer ato ou desempenho essencialmente intangível que uma parte pode oferecer a outra e que não tem como resultado a propriedade de nada (KOTLER e KELLER, 2006, p. 397). Já para Zeithamal e Bitner (2003, p. 28), os “serviços são ações, processos e atuações. Serviços prestados por uma empresa não são ‘coisas’ tangíveis que possam ser tocadas, vistas e sentidas, pelo contrá-rio, são ações e atuações intangíveis”. Assim, a execução de um serviço pode estar ou não ligada a um bem ou ainda a um produto concreto. Consultorias são serviços puros, que dependem somente das pessoas envolvidas, enquanto o serviço de transporte aéreo, por exemplo, depende de um bem, que é a aeronave. De qualquer forma, para o serviço é muito importante a interação dos clientes com o prestador do serviço, bem como a comunicação interna, com todos os aspectos comportamentais e psicológicos que envol-vem essas relações, como confiança, atitude, proatividade, interes-se, acolhimento, consideração, troca, cooperação e compreensão.

O marketing de serviço tem foco em três dimensões: 1) os consumi-dores atuais e potenciais; 2) os prestadores/provedores de serviços; e 3) a interação consumidor /prestador de serviço ou o chamado “encontro do serviço”.

O marketing de serviço ainda considera, além dos tradicionais 4Ps do mix de marketing (produto, preço, praça e promoção), expostos por Kotler, outros 3Ps: 1) pessoas: todas aquelas envolvidas direta e indiretamente na produção e no consumo de um serviço são parte importante do marketing mix — o valor percebido pelo cliente de-pende em grande medida dos trabalhadores e gestores envolvidos; 2) processos: processos do serviço que visam a tornar a prestação do serviço de qualidade, como processos de padrão de atendimento em um hotel; e 3) evidências físicas (physical evidence, em inglês): o ambiente no qual um serviço é prestado e os materiais impressos

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e outros itens físicos podem tornar palpável a promessa que um serviço representa, como um restaurante limpo e bem arrumado. Assim, as organizações e seus integrantes precisam estar atentos nesses elementos de forma a atender às expectativas dos clientes.

Os serviços têm características peculiares em relação aos bens que merecem ser destacadas, pois afetam a elaboração de programas de marketing (HOFFMAN e BATESON, 2003). Essas características são a intangibilidade, perecibilidade, inseparabilidade e variabilidade.

A primeira delas, e a mais importante, é a intangibilidade. “Um servi-ço é essencialmente intangível, o que o torna incapaz de ser tocado, sentido, cheirado, provado ou visto como acontece com os bens ou produtos físicos” (KOTLER e KELLER, 2006, p. 399). Assim, a avaliação de um serviço antes de ser adquirido é subjetiva, intangí-vel, como quando se assiste a um show de música ao vivo, pois as expectativas de cada cliente podem ser diferentes e cada um poderá ter uma avaliação específica. É como uma cirurgia plástica, que não pode apresentar resultados antes da compra, o que torna difícil a tangibilização. Essa característica ainda trás algumas implicações, como a falta de proteção de patentes, uma vez que os serviços não podem ser patenteados, revelando-se um problema para os presta-dores, já que podem ser facilmente copiados. O serviço de moto-ristas cedidos por restaurantes para levar as pessoas em casa em função da lei seca, por exemplo, pode ser facilmente copiado pelos concorrentes. Outra implicação é a dificuldade de serem identifica-dos pelo mercado-alvo, isto é, a dificuldade de comunicação. Como comunicar a qualidade de uma banda sem que as pessoas a ouçam? Como informar que o serviço de atendimento do balcão é eficiente sem experimentá-lo? Além disso, ainda existe a dificuldade relacio-nada com o cálculo do preço de serviços. Como calcular o preço se não há um custo tradicional de produção? Como calcular o valor de um profissional de serviços? A resposta dessas indagações depen-derá de cada profissional, de parâmetros que podem ser avaliados como caros por uns e baratos por outros (BOTELHO, 2009, p. 25).

O grande desafio para os profissionais que trabalham com marketing de serviços é ser capaz de transformar os serviços intangíveis em benefícios, isto é, criar a tangibilidade para o usuário, ou minimizá-la: uma casa de show pode mostrar ao usuário, por meio de seu site, o ambiente agradável que ele vai encontrar além dos “quitu-

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tes” e um pedaço do show que irá apresentar. Poderá ainda fazer reservas e manter um relacionamento com o cliente. Um hotel, por sua vez, pode tentar tangibilizar sua qualidade com uma recepção bem organizada, funcionários impecavelmente vestidos e treina-dos de forma a causar uma boa impressão ao turista que chega.

A segunda característica dos serviços é a perecibilidade, que se refere ao fato de os serviços não poderem ser estocados (HOFF-MAN e BATESON, 2003, p. 45). Diferentemente de um bem, como um carro, não é possível guardar o serviço de um garçom para o momento em que mais se precisa. A capacidade não usada não pode ser recuperada e precisa ser administrada. A consequência é a grande dificuldade em sincronizar a oferta e a demanda em serviços. Por exemplo, os hotéis ficam normalmente lotados nas férias e vazios na baixa temporada, bares ao ar livre ficam vazios em dias de mau tempo. E, ainda, serviços malfeitos ou que não agradam o usuário não podem ser devolvidos. Não se pode trocar um serviço, como um atendimento no caixa, mesmo que o usuário não esteja satisfeito, ou devolver um corte de cabelo ruim. É por isso que alguns estabelecimentos já estão revertendo certas ações para minimizar essa característica, aplicando algumas estratégias, como aumentar o número de clientes em horários de baixo fluxo, com preços especiais para o chope no final da tarde, e a oferta de serviços durante a espera do consumidor para não perder clientes nos momentos de grande fluxo, como no caso de restaurantes que criam bares e áreas de lazer para minimizar os efeitos da espera.

Outra característica é a inseparabilidade, que se refere a serviços que, de um modo geral, são, inicialmente, vendidos e, depois, produ-zidos e consumidos simultaneamente (ZEITHAML e BITNER, 2003, p. 28): não há a separação entre a produção e o consumo, mas a interação serviço-cliente, característica do marketing de serviços. Importante observar que os funcionários participam e interferem no resultado do serviço à medida que têm uma experiência comparti-lhada, que pode ser negativa ou positiva, com o cliente. Da mesma forma, o cliente do serviço também exerce direta influência no resul-tado e na percepção dos outros sobre o serviço, pois, se um usuário num restaurante faz uma reclamação ao lado de outro usuário, por exemplo, a avaliação do restaurante pelo segundo pode ter sido afe-tada pelo primeiro. Considerando-se também a influência dos funcio-

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nários no resultado final do serviço, é recomendável que eles sejam incentivados e treinados, minimizando, assim, eventuais problemas.

A quarta e última característica dos serviços é a variabilidade, que se refere à variação de consistência de uma transação de serviço para a seguinte (HOFFMAN e BATESON, 2003, p. 43). Serviços são altamen-te variáveis, pois dependem de quem, onde e quando serão executados, isto é, há uma variação de constância de transação de um serviço para o outro. Essa característica provoca implicações, como a dependência das ações dos funcionários para a prestação do serviço. Por exemplo: um garçom que deixa cair uma garrafa de água em um cliente, pois está nervoso, afetará a avaliação do serviço, embora essa ação não seja constante. Ainda existem fatores incontroláveis, como a habilidade do cliente em expressar corretamente suas necessidades, do funcionário em interpretá-las e o correto atendimento das expectativas do cliente. Vale lembrar que os clientes têm percepções distintas do serviço pres-tado. Isso acontece muito nos locais pesquisados por turistas. Para con-trolar essas dificuldades é fundamental a seleção de pessoal de acordo com o perfil do público-alvo. Por exemplo: para atender turistas, faz-se necessário o entendimento de idiomas para uma boa comunicação e boa vontade para interpretar, o que só será minimizado com treinamen-to intensivo de pessoal. A padronização do atendimento também ajuda a diminuir a variabilidade, apesar de não eliminá-la. Porém as caracte-rísticas locais devem ser mantidas; é comum encontrar no Nordeste do País, por exemplo, hotéis de cadeias internacionais que adotam unifor-mes informais e mantêm linguagem local no atendimento aos clientes, sem perder a qualidade do serviço. Certas variáveis, como normas, trei-namento e adequada seleção de pessoal, possibilitam uma padronização eficiente de um serviço, diminuindo os riscos inerentes à variabilidade.

Muitos serviços dependem exclusivamente ou intensamente de pes-soas. O fator humano é o conjunto de atitudes (empatia, elegância, sinceridade, humildade) capazes de estreitar vínculos, gerar credibili-dade e causar motivação em qualquer relação comercial (SPILLER et al., 2006, p. 25). Esse é, sem dúvida, o grande desafio e a base do marketing de serviços porque os resultados dependem fortemente do desempenho do elemento humano e ainda de um acompanhamento das reais necessidades e dos desejos do cliente, por meio de sistemas de sugestão e reclamação, pesquisas com clientes e comparação com os concorrentes.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO280

Assim, o que diferencia um prestador de serviço do outro é a capaci-dade de superar os obstáculos que as características do serviço im-põem e oferecer uma qualidade de serviço superior, uma vez que in-fluencia diretamente na satisfação do cliente e na avaliação geral do desempenho de uma organização. A satisfação é a comparação entre as expectativas do cliente e suas percepções a respeito do encontro de serviço real, isto é, o “momento da verdade”, o momento em que o serviço é prestado. Estabelecer a qualidade dos serviços pode signi-ficar a diferença entre o sucesso e o fracasso financeiro de uma orga-nização. Uma oferta de um serviço de qualidade resulta em compras repetidas, como também em novos clientes (BOTELHO, 2009, p. 29).

Portanto os serviços que o turista recebe, ao visitar uma casa de show ou local de música ao vivo, irão variar, desde o serviço de transporte para chegar ao local até ao atendimento no local escolhido propria-mente dito. As seguintes variáveis foram identificadas e pesquisadas neste estudo: meios de comunicação, transportes, estacionamento, recepção do estabelecimento, espera, acomodação, pedido, qualida-de da banda e do som, ambiente (decoração e higiene), atendimento (garçons, atendentes de balcão e caixas), qualidade e variabilidade de comida e bebida, segurança e fechamento da conta. Algumas delas estão diretamente ligadas ao estabelecimento em que o turista assistiu ao show, mas outras, como transporte, não são diretamente controladas por eles, mas podem influenciar na satisfação geral do cliente. Assim, cada variável deve ser trabalhada de forma a que a qualidade superior, oferecida pelo estabelecimento e pela cidade, seja bem avaliada. Estabelecimentos que dispõem de serviços de transporte credenciados — táxis ou vans, por exemplo — conse-guem administrar os problemas que possam causar aos clientes.

Tanto o setor de serviços como o de turismo têm crescido, e é natu-ral que o ritmo das transformações venha a mostrar-se intenso, ne-cessitando de ações que possam minimizar os problemas causados pelas características inerentes ao serviço. As ferramentas do marke-ting de serviços podem ajudar aos gestores a entender e trabalhar as necessidades dos clientes/turistas e, dessa forma, aumentar as ofertas de serviços diferenciados com qualidade superior. Só as-sim será possível atender às expectativas dos turistas e superá-las.

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Procedimentos metodológicos A realização deste estudo baseou-se inicialmente numa pesquisa bi-bliográfica, de identificação e seleção do material a ser estudado, a fim de construir o embasamento teórico e conceitual no que tange às definições de turismo cultural, às atividades inseridas nesse contexto, ao marketing de serviços e à importância do turismo e dos serviços.

Em seguida, realizou-se uma pesquisa qualitativa exploratória, por meio de entrevistas pessoais, com base em um roteiro, com os pro-fissionais do front-office1 do setor de turismo de sete meios de hos-pedagem de diferentes tipos (um cama e café, dois albergues, dois hotéis da categoria luxo e dois hotéis de categoria superior), a fim de avaliar o que eles compreendiam como turismo cultural, quais atrativos os turistas procuram, desde museus até gastronomia, en-tre os atrativos culturais da cidade do Rio de Janeiro, para quais efetivamente existe uma procura turística significativa, e se tinham conhecimento da avaliação dos turistas sobre os serviços prestados nessas modalidades. Portanto essa primeira pesquisa teve como ob-jetivo analisar o entendimento sobre turismo cultural, investigando quais os principais atrativos usados pelos turistas, escolhendo-se o melhor nicho para se avaliar os serviços prestados na pesquisa.

Com base nesse estudo, observou-se que a percepção de turismo cultural compartilhada pelos respondentes remete a tudo que se rela-ciona com cultura e história do local visitado, como shows e bares de música brasileira (por exemplo: Rio Scenarium), feiras de artesanato (por exemplo: feira hippie de Ipanema), museus (por exemplo: Museu Histórico Nacional). E que tais opções não constituem a principal mo-tivação do turista; quer dizer: geralmente a procura de atrativos cul-turais ocorre após o visitante conhecer as praias e os principais atra-tivos da cidade, reconhecidamente o Corcovado e o Pão de Açúcar.

A pesquisa também possibilitou identificar três itens que esta-vam presentes em todas as entrevistas realizadas, considerados como parte da cultura brasileira e bastante solicitados pelos turis-tas: o futebol, mais especificamente o Maracanã; o artesanato e as feiras de rua, como a feira hippie de Ipanema aos domingos;

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e a música brasileira, principalmente casas de espetáculos e ba-res de música ao vivo. Verificou-se que a música se enquadra-ria no conceito de turismo cultural proposto, sendo frequente-mente considerada como um dos atrativos mais procurados por turistas nacionais e estrangeiros na cidade do Rio de Janeiro.

Além disso, notou-se que existe uma procura por estilos musicais diversos, como samba, bossa nova, funk (os mais procurados por turistas nacionais), e, em razão disso, por uma ampla variedade de estabelecimentos que oferecem música brasileira, principalmente samba, na cidade do Rio de Janeiro. Cabe ressaltar que os locais de música mais indicados pelos recepcionistas entrevistados foram Rio Scenarium, Carioca da Gema, o bairro da Lapa como um todo, Plataforma Show — quando indicavam samba — e Vinicius Bar — quando o interesse era por bossa nova. Assim, verificou-se que os locais de oferta de música brasileira na cidade do Rio de Janeiro, mais indicados aos turistas, concentram-se principalmente nos bair-ros da Zona Sul e na Lapa. Além disso, algumas das entrevistas revelaram a procura por aulas de música e dança brasileira (samba).

Também se questionou os entrevistados sobre reclamações dos tu-ristas no que tange aos serviços prestados. Todos informaram que havia poucas reclamações, e alguns afirmaram que, normalmente, os turistas nacionais reclamavam mais do que os internacionais.

Por essas razões, e pela grande representatividade da música brasi-leira no cenário internacional, optou-se por fazer dos locais de oferta de música brasileira, na cidade do Rio de Janeiro, o objeto de estudo deste trabalho. Dessa forma, o foco do trabalho ficou na qualidade dos serviços envolvidos na experiência de visita a estabelecimentos de oferta de música brasileira na cidade do Rio de Janeiro, especi-ficamente nos bares de música ao vivo e nas casas de espetáculo, avaliados tanto pelos turistas nacionais como pelos estrangeiros.

A fim de atingir o objetivo, realizou-se, na segunda etapa do traba-lho, uma pesquisa quantitativa com turistas que já haviam visitado algum dos estabelecimentos de música brasileira, na cidade do Rio de Janeiro, incluídos no âmbito da pesquisa. Não foram conside-rados shows ao ar livre abertos ao público em geral, como os que ocorrem na praia, e em boates.

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SATISFAÇÃO DOS TURISTAS: UMA ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DE VISITA AOS LOCAIS DE MÚSICA AO VIVO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO 283

Para a realização da pesquisa, utilizaram-se dois métodos de co-leta de dados: entrevistas pessoais e questionário eletrônico. Compõe-se o questionário de 6 (seis) partes. A primeira parte foi formada por um filtro para identificar os turistas que realmente haviam visitado um estabelecimento de música ao vivo. Nessa parte, ainda foram incluídas questões para identificar quais os es-tabelecimentos e estilos de música mais procurados. A segunda parte serviu para identificar-se o meio de comunicação pelo qual o entrevistado obteve conhecimento da existência do local. A ter-ceira ajudou a determinar e avaliar o meio de transporte utilizado para chegar ao estabelecimento visitado. A quarta parte consistiu em uma avaliação do estabelecimento quanto à infraestrutura e aos serviços prestados. A quinta parte correspondeu à identi-ficação e avaliação quanto à forma de atendimento. E a última parte possibilitou a identificação do perfil do turista entrevistado.

Depois de elaborado o questionário, efetuou-se um pré-teste com cinco pessoas, durante a primeira semana de junho de 2009, a fim de avaliar o conteúdo do questionário e, assim, verificou--se que o tempo de aplicação era de aproximadamente quatro minutos. Além disso, durante o pré-teste, observou-se que al-guns turistas tomavam conhecimento do estabelecimento andan-do pela rua. Por essa razão, incluiu-se essa opção na questão 5 do questionário (que se referia à forma pela qual o turista ficou sabendo do estabelecimento). Ainda nessa questão, optou-se também por colocar uma orientação para que os respondentes fossem diretamente para a questão 7, em caso de saberem da existência do estabelecimento por amigos/conhecidos pois, nes-se caso, não faria sentido responderem à questão 6, referen-te à avaliação do meio de comunicação. Tais alterações foram essenciais para garantir a clareza e a confiabilidade do ques-tionário, evitando-se possíveis erros de aplicação da pesquisa.

Realizaram-se as entrevistas pessoais em albergues, hotéis, atrati-vos turísticos, na orla de Copacabana, etc., após o uso dos serviços. Além disso, o questionário também foi disponibilizado em versão on-line, hospedado em web survey, em português, espanhol e inglês,

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e os convites para preenchimento foram feitos por e-mail e redes de relacionamento.

Coletaram-se os dados entre os meses de junho e julho de 2009, tendo um total de respondentes de 305 turistas, sendo 48,9% da amostra composta por turistas nacionais e 51,1% por turistas inter-nacionais. Cabe ressaltar que esse número foi obtido após a limpeza dos resultados, pois quatro dos questionários foram invalidados em função do local visitado não corresponder ao âmbito da pesquisa, como os shows na praia.

Após a coleta das respostas, fez-se a tabulação dos dados e, em se-guida, trabalharam-se os resultados no software SPSS. A confecção de gráficos e tabelas foi realizada em Excel, sendo, então, elaborada a análise da pesquisa, exposta a seguir.

Análise dos resultados Dos 305 questionários obtidos junto aos turistas que visitaram o Rio de Janeiro, 105 foram via questionário on-line e 200 respondi-dos pessoalmente em locais frequentados por turistas, como praias, meios de hospedagem e atrativos turísticos.

Do total de pessoas abordadas, 7,5% não visitaram um estabeleci-mento com música ao vivo, o que pode indicar ou falta de interesse por parte do turista por esse tipo de atrativo, ou falta de divulgação por parte dos estabelecimentos.

Dos respondentes que visitaram uma casa de espetáculo, 51,1% eram turistas internacionais e 48,9%, turistas nacionais. Tal equilí-brio permite a comparação entre os dois grupos.

Na Tabela 1 estão relacionados os principais países de origem dos turistas internacionais entrevistados.

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SATISFAÇÃO DOS TURISTAS: UMA ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DE VISITA AOS LOCAIS DE MÚSICA AO VIVO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO 285

Tabela 1: País de origem dos turistas Internacionais

País de origem %

Estados Unidos 23

Argentina 11

México 9

França 9

Alemanha 6

Inglaterra 6

Chile 5

Itália 5

Rússia 3

Israel 3

China 3

Outros 17

A Tabela 2 indica os principais estados de residência dos turistas nacionais entrevistados.

Tabela 2: Estado de residência dos turistas nacionais

Estado de residência %

SP 36

RS 14

MG 12

BA 9

PR 5

ES 4

SC 4

DF 3

BH 2

CE 2

MA 2

GO 1

PE 1

Não resposta 5

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Com relação ao gênero, 46% dos turistas internacionais e 59% dos nacionais entrevistados são mulheres, e 54% dos internacionais e 40,6% dos nacionais são homens. Apesar da predominância mas-culina entre os turistas internacionais entrevistados e da feminina entre os nacionais entrevistados, a amostra foi relativamente equili-brada com relação ao gênero.

Quanto ao estado civil dos entrevistados, 74% dos turistas interna-cionais e 73% dos nacionais são solteiros, enquanto 22% dos turistas internacionais e 20% dos nacionais são casados. Isso talvez possa ser explicado por uma maior tendência de os turistas solteiros visita-rem mais estabelecimentos de música ao vivo do que os casados.

Observa-se uma predominância de entrevistados na faixa de idade de 25 a 34 anos: 64% dos turistas internacionais e 57% dos nacio-nais. A faixa de idade de 18 a 24 anos tem a segunda maior porcen-tagem entre os turistas internacionais, 20%, e a terceira maior entre os turistas nacionais, 12%. A faixa de idade de 35 a 44 anos está em terceiro lugar entre os turistas internacionais, 12%, e, em segun-do, entre os turistas nacionais, 23%. Na amostra, fica caracterizado que os turistas que visitam estabelecimentos com música ao vivo, no Rio de Janeiro, são predominantemente jovens.

Com relação ao nível de escolaridade dos entrevistados, a maioria — 50% dos turistas internacionais e 48% dos nacionais — tem o en-sino superior, seguido por especialização — com 34% dos turistas internacionais e 33% dos nacionais. Esses dados evidenciam um alto nível de escolaridade entre os turistas pesquisados que visitam estabelecimentos com música ao vivo no Rio de Janeiro.

Quanto à ocupação dos entrevistados, 35% dos turistas internacio-nais e 36% dos nacionais estão empregados no setor privado; 31% dos turistas internacionais e 23% dos nacionais são estudantes; 10% dos turistas internacionais e 16% dos nacionais estão empre-gados no setor público; 10% dos turistas internacionais e 12% são profissionais liberais.

As casas de shows da Lapa receberam 67% das visitas dos entre-vistados. Na análise em separado dos turistas nacionais, verificou-se que 79% frequentaram casas na Lapa, enquanto que a porcentagem dos turistas internacionais que visitaram esse bairro foi de 59%.

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Entre as casas mais visitadas, o Rio Scenarium foi a mais citada, com 27% do total dos entrevistados, e, dos turistas nacionais, 28% visitaram o estabelecimento e, dos internacionais, 25%. Na Tabela 3, a seguir, é apresentado um resumo sobre os estabelecimentos mais pesquisados com a comparação entre os grupos.

Tabela 3: Estabelecimentos mais visitados

Estabelecimento Todos (%) Internacional (%) Nacional (%)

Rio Scenarium 27 25 28

Quadra de escola de samba

13 18 6

Lapa 40º 12 11 13

Carioca da Gema 8 9 7

Estrela da Lapa 8 5 11

Outros 33 33 35

No Gráfico 1 estão relacionados os principais estilos de música pro-curados pelos entrevistados ao visitarem o estabelecimento.

Gráfico 1: Estilo de música procurado pelos entrevistados

O tipo de música mais procurado pelos turistas internacionais foi música brasileira em geral (52,3%), já que se supõe que o conhe-cimento deles sobre as diferenças entre estilos seria menor que o dos turistas nacionais. O samba é o estilo de música mais procurado (40,4%), o que pode explicar a grande porcentagem de estabeleci-mentos citados no bairro da Lapa, já que ali esse é o ritmo predo-minante das casas com música ao vivo. A bossa nova é o segun-

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do estilo de música mais procurado entre os turistas internacionais (12,1%), enquanto esse lugar é ocupado pelo funk no caso dos turistas nacionais (6,5%). Porém há menos oferta de casas de sho-ws com o estilo bossa nova que o de samba. Os números analisados evidenciam que, ao buscarem um estabelecimento com música ao vivo, os turistas, sejam nacionais ou internacionais, desejam ouvir música brasileira, o que caracteriza a cidade do Rio de Janeiro como um destino associado à música nacional.

O Gráfico 2 demonstra as principais fontes buscadas pelos entrevis-tados para obter informações sobre os estabelecimentos.

Gráfico 2: Fontes de informação sobre os estabelecimentos pesquisados

Entre os meios de comunicação citados, por meio dos quais os en-trevistados buscaram a informação sobre o estabelecimento visita-do, estão os websites www.lanalapa.com.br, www.mellowyellow.com.br e www.orkut.com.

A maioria dos turistas entrevistados (60,4%) buscou informações so-bre estabelecimentos de música ao vivo no Rio de Janeiro por meio de amigos e conhecidos. Esse comportamento é mais evidente entre os turistas nacionais (72,1%, contra 50,0% dos turistas internacionais), o que pode ser explicado pela facilidade de eles conhecerem pessoas que moram ou visitaram a cidade. No entanto se evidencia, nos dois tipos de turistas, a predominância do comportamento de busca de informações sobre estabelecimentos de música ao vivo com amigos e conhecidos, o que demonstra uma forte influência da “propaganda boca a boca” para esse tipo de serviço. Isso reforça a importância deste estudo, ao avaliar a qualidade dos serviços envolvidos na experiência de visitar um esta-

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belecimento de música ao vivo na cidade do Rio de Janeiro, pois será com base nessa percepção da qualidade dos serviços que os turistas irão indicar ou não um estabelecimento para outro amigo/conhecido.

Concierges e recepcionistas dos meios de hospedagem são a se-gunda fonte mais utilizada pelos turistas (15,4%), principalmente os internacionais (18,4%, contra 12,4% dos nacionais). Esses da-dos mostram uma oportunidade para que os estabelecimentos de música ao vivo do Rio de Janeiro foquem suas ações de divulgação entre esses profissionais.

Muitos turistas internacionais (11,8%) acabaram entrando num es-tabelecimento pelos quais sentiram interesse ao andar pela rua. Isso pode ser explicado pela grande quantidade de estabelecimentos pes-quisados pelos entrevistados na Lapa, bairro onde existe grande con-centração de casas de música ao vivo. Essa característica da Lapa pode também explicar o grande número de respondentes que visitou o bairro, já que é mais prático indicar ao turista uma região onde ele próprio poderá escolher entre muitas opções. Essa é uma tendência que já existe em outros países em zonas recuperadas, como a área das Docas em Lisboa — Portugal, sendo de grande importância para o desenvolvimento da região, que passa a estabelecer-se como polo cultural e turístico.

Na Tabela 4, estão apresentadas as avaliações dos turistas a respei-to das fontes de informação buscadas.

Tabela 4: Avaliação das fontes de Informação

Categoria Avaliação Concierge/ Recepcionista

Andando pela rua

Internet

Avaliação meio de co-municação

Positiva 84% 54% 79%

Regular 10% 31% 14%

Negativa 7% 15% 7%

Compreen-são das

informações

Positiva 85% 54% 71%

Regular 12% 31% 21%

Negativa 3% 15% 7%

Confiabili-dade das

Informações

Positiva 87% 61% 86%

Regular 6% 23% 7%

Negativa 6% 15% 7%

Facilidade de encontrar asinformações

Positiva 81% 69% 79%

Regular 13% 23% 14%

Informações 6% 8% 7%

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Concierges e recepcionistas de meios de hospedagem, além de uma das fontes de informação mais procuradas pelos turistas, são também das mais bem avaliadas, o que aumenta a importância desse tipo de fonte.

Apesar de muitos turistas acabarem entrando em um estabelecimen-to por interessar-se pelo local ao caminhar pela rua, essa fonte de informação não foi bem avaliada, o que pode ser explicado pelo risco que o visitante corre quando não segue uma indicação, seja de uma pessoa ou de um meio de comunicação, e acabar deixando-se levar pelas aparências, que nem sempre são confirmadas ao entrar na casa.

A internet recebeu uma boa avaliação como fonte de informações, além de ser uma das mais procuradas, indicando o potencial des-se meio de comunicação na divulgação dos estabelecimentos.

O Gráfico 3 mostra os principais meios de transporte utilizados pe-los turistas para ir ao estabelecimento.

Gráfico 3: Meios de transporte utilizados

O táxi foi o meio de transporte mais utilizado pelos entrevistados (53,4%) para ir ao estabelecimento visitado, seguido pelo carro (19,8%). Esse dado mostra uma oportunidade para que os estabe-lecimentos de música ao vivo voltem a atenção da propaganda para tais profissionais.

Os turistas nacionais (26,6%) utilizaram mais o carro do que os internacionais (12,8%), o que pode ser explicado pela maior facili-dade que os brasileiros têm de viajar com os próprios carros para o

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Rio de Janeiro. A maioria — 54,9% dos entrevistados que foram ao estabelecimento de carro — encontrou dificuldade para estacionar o veículo. Isso pode ser explicado por terem ido a um estabelecimento na Lapa, bairro com grande concentração de automóveis e área de estacionamento aquém da demanda nos dias de maior movimento.

Na Tabela 5, estão apresentadas as avaliações dos turistas a respei-to dos meios de transporte utilizados. Tabela 5: Avaliação dos meios de transporte

Categoria Avaliação Táxi (%) Carro (%) Ônibus (%)

A pé (%)

Van/Ônibus de excursão

Meio de Transporte

Positiva 77 67 67 75 72

Regular 20 33 24 25 28

Negativa 3 - 9 - -

Facilidade de encontrar o Meio de Transporte

Positiva 83 100 67 49 86

Regular 14 - 24 38 14

Negativa 4 - 9 13 -

Segurança do Meio de Transporte

Positiva 63 100 46 36 86

Regular 28 - 36 64 14

Negativa 9 - 18 - -

Conforto do Meio

de Trans-porte

Positiva 70 66 44 56 100

Regular 26 17 38 33 -

Negativa 4 17 19 11 -

Nota: Sinal convencional utilizado:- Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.

O táxi, além de ser o meio de transporte mais usado entre os entre-vistados, é o mais bem avaliado. No entanto, com relação à seguran-ça, esse meio de transporte não teve uma boa avaliação. Somente carros e ônibus/vans de excursão obtiveram boas avaliações em se-gurança, o que mostra que o turista se sente inseguro no desloca-mento pela cidade sem ser com pessoas conhecidas ou indicadas por uma agência de turismo ou hotel.

Quanto à facilidade de encontrar o meio de transporte, com segu-rança e conforto, a van e o ônibus de excursão têm as melhores avaliações, apesar de serem muito pouco utilizados pelos turistas. Isso deve ser resultado da especificidade do serviço, uma vez que os motoristas são treinados para atender turistas.

O carro e o ônibus, apesar de serem muito utilizados, obtiveram uma má avaliação. O ônibus obteve más avaliações em todos os atributos.

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Já o carro foi avaliado como o mais fácil de encontrar e o mais seguro entre os meios de transporte, mas teve má avaliação no atributo confor-to. Como não há elementos suficientes na pesquisa para que se possa analisar tal informação, fica aqui uma sugestão para futuras pesquisas.

Os turistas que foram a pé até o estabelecimento avaliaram bem o meio de transporte, o que mostra que se sentem à vontade em caminhar pela cidade, apesar de este meio ter sido avaliado negati-vamente nos itens segurança e conforto.

O Gráfico 4 relaciona as formas de atendimento que os turistas tive-ram nos estabelecimentos que visitaram.

Gráfico 4: Formas de atendimento

A maioria dos entrevistados (52,1%), principalmente os turistas internacionais (57,8%), visitou estabelecimentos cuja forma de atendimento foi diretamente no balcão e pagamento no caixa. Tal-vez isso possa ser explicado porque a maioria da amostra, 77%, tem entre 18 e 34 anos. A hipótese de que esse tipo de público costuma buscar estabelecimentos que proporcionem maior inte-ração entre os clientes poderia ser testada em futuras pesquisas.

Na Tabela 6, estão apresentadas as avaliações dos turistas a respei-to da qualidade dos estabelecimentos pesquisados.

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SATISFAÇÃO DOS TURISTAS: UMA ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DE VISITA AOS LOCAIS DE MÚSICA AO VIVO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO 293

Tabela 6: Avaliação da qualidade dos estabelecimentos pesquisados

Origem do turista Internacional Nacional

Avaliação estabelecimento Positiva Regular Negativa Positiva Regular Negativa

Avaliação geral do estabelecimento 80% 19% 1% 88% 11% 1%

Localização 71% 23% 6% 83% 13% 4%

Recepção 67% 27% 6% 79% 16% 5%

Tempo de espera para entrar 60% 28% 13% 64% 26% 10%

Ambiente/ Atmosfera 78% 18% 4% 92% 8% -

Higiene 48% 39% 13% 74% 17% 9%

Qualidade da banda 91% 7% 2% 96% 3% 11%

Qualidade do som/acústica 81% 15% 4% 91% 6% 3%

Qualidade da comida/bebida 71% 22% 7% 85% 14% 11%

Variedade da comida/bebida 64% 29% 7% 74% 20% 6%

Segurança 66% 26% 8% 81% 15% 4%

Atendimento Internacional Nacional

Atendimento garçom Tipo A* 63% 30% 7% 82% 18% -

Atendimento garçom Tipo B** 74% 22% 4% 76% 24% -

Atendimento no caixa Tipo B** 64% 28% 8% 81% 17% 2%

Atendimento no balcão Tipo C*** 63% 29% 8% 63% 25% 12%

Atendimento no caixa Tipo C*** 53% 35% 12% 55% 35% 10%

Nota: Sinal convencional utilizado:- Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.*Atendimento Tipo A — na mesa pelo garçom.**Atendimento Tipo B — na mesa pelo garçom e pagamento no caixa.***Atendimento Tipo C — diretamente no balcão e pagamento no caixa.

De maneira geral, os estabelecimentos pesquisados tiveram uma melhor avaliação pelos turistas nacionais do que pelos interna-cionais. Isso pode ser explicado pela diferença cultural e por um possível maior nível de exigência por parte dos estrangeiros e con-trapõe-se à percepção dos entrevistados na pesquisa qualitativa.

A higiene foi o item no qual essa diferença ficou mais evidencia-da, já que 74% dos turistas nacionais contra 48% dos turistas internacionais avaliaram positivamente esse atributo. A seguran-ça também foi um atributo com grande diferença de avaliações positivas entre os turistas nacionais, 81%, e os turistas interna-cionais, 66%. O ambiente/atmosfera, a recepção, a qualidade e a variedade da comida/bebida também tiveram diferenças signifi-cativas de avaliações entre os turistas nacionais e internacionais.

O tempo de espera para entrar foi o atributo que apresentou a menor diferença de avaliações entre turistas nacionais e internacionais, no entanto foi o item com menor avaliação positiva entre os brasileiros

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(64%) e o segundo, pelos estrangeiros (60%), depois da higiene.

A qualidade da banda foi o atributo que teve a melhor avaliação, tanto entre turistas nacionais, quanto internacionais. Para ambos, os três atributos com as melhores avaliações foram a qualidade da banda, o ambiente/atmosfera e a qualidade de som/acústica.

O único atributo que não teve mais de 50% de avaliações positi-vas foi higiene. Ainda assim, somente entre turistas internacionais.

Quanto ao atendimento, mais uma vez se evidencia a tendência de os turistas nacionais avaliarem mais positivamente do que os inter-nacionais. Os estrangeiros avaliaram todos os tipos de atendimento de maneira não muito positiva, enquanto que os brasileiros avaliaram somente o atendimento tipo C dessa maneira. O atendimento no caixa foi apreciado de maneira negativa, tanto por turistas interna-cionais, quanto nacionais.

O atendimento do garçom foi mais bem avaliado pelos turistas na-cionais nos estabelecimentos onde foram, por completo, servidos à mesa do que naqueles onde, embora servidos, pagaram a conta no caixa. No entanto os turistas internacionais avaliaram melhor o segundo tipo de atendimento do que o primeiro, evidenciando ainda mais as possíveis diferenças culturais entre os dois tipos de turistas e a necessidade de maior atenção nesse tipo de atendimento aos turistas internacionais. Apesar da conhecida “simpatia” do povo ca-rioca, o atendimento nos estabelecimentos de música ao vivo não segue essa fama internacional.

O atendimento de tipo C, diretamente no balcão e o pagamento no caixa, apesar de ser o mais oferecido entre os estabelecimentos pesquisados pelos entrevistados, foi o que teve as piores avaliações. Um dos motivos para isso podem ser as filas pelas quais o turista tem de passar para ser atendido no balcão e no caixa, problema inerente aos serviços.

Considerações finais Os resultados da pesquisa permitiram que fossem atingidos os prin-cipais objetivos do estudo, identificando os pontos fortes e fracos

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dos serviços relacionados com a experiência de visitar um estabele-cimento de música ao vivo na cidade do Rio de Janeiro.

A grande cadeia produtiva com a qual o turista tem contato ao longo desse processo, desenvolvendo a construção da imagem do estabe-lecimento, foi avaliada em toda a sua extensão. Desde os meios de comunicação utilizados para obter informações dos estabelecimen-tos, passando pelos meios de transporte utilizados, pela qualidade e variedade de produtos, serviços e atendimento oferecidos, até as infraestruturas dos locais, permitindo uma análise comparativa entre turistas nacionais e internacionais.

A pesquisa também serviu para identificar os locais de oferta de música ao vivo mais frequentados pelos turistas pesquisados na cidade do Rio de Janeiro e os estilos de música mais procurados na cidade, além de determinar o perfil dos visitantes que frequentam tais estabelecimentos.

A Lapa, segundo os dados deste estudo, consagrou-se como polo cultural e turístico mais visitado por turistas que buscam estabe-lecimentos de música ao vivo no Rio de Janeiro. A grande oferta de casas com bandas tocando músicas brasileiras nesse bairro, as mais buscadas pelos turistas, contribuiu para esse reconhecimento.

De acordo com a amostra do estudo em tela, pode-se supor que os turistas que visitam estabelecimentos de música ao vivo no Rio de Ja-neiro são jovens, na maioria, solteiros e com alto nível de escolaridade.

Ao compararem-se as avaliações dos turistas internacionais e nacio-nais, foram constatados alguns atributos nos quais há uma nítida di-ferença de percepção. Apesar de a pesquisa qualitativa ter indicado uma maior tendência de o turista nacional reclamar dos pontos fracos dos serviços associados ao turismo cultural, a pesquisa quantitativa mostrou que o nível de satisfação do turista internacional foi, em ge-ral, menor que o do nacional. Isso pode indicar que os turistas inter-nacionais costumam expressar menos a insatisfação para os atores da indústria do turismo, como recepcionistas e concierges de meios de hospedagem, do que o turista nacional, sendo um problema para o setor. O turista insatisfeito pode gerar entre amigos uma propa-ganda boca a boca negativa, vindo a prejudicar os resultados dos es-tabelecimentos, do setor e até mesmo da cidade do Rio de Janeiro.

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No estudo, evidenciaram-se diferenças existentes entre turistas inter-nacionais e nacionais ao avaliarem-se estabelecimentos de música ao vivo, principalmente com relação à higiene e à segurança. Essa reali-dade também foi identificada na avaliação das fontes de informação sobre os estabelecimentos. Tais resultados poderiam ser explicados por uma maior exigência do turista internacional, que está acostumado com outro padrão de serviços ou pela expectativa elevada em relação ao atendimento no Rio de Janeiro em razão do perfil “vendido”, sim-patia, por exemplo. Ressalta-se a necessidade de entendimento des-sas expectativas para que os atendentes sejam treinados a contento.

Este estudo mostra ainda uma oportunidade para os estabeleci-mentos focarem sua promoção tanto em concierges e recepcio-nistas dos meios de hospedagem, os mais bem avaliados entre os mais utilizados como fonte de informação sobre estabelecimen-tos, quanto nos taxistas, que, apesar de não terem sido pesqui-sados como fontes de informação, podem exercer algum tipo de influência nos turistas, principalmente ao conduzirem-nos à Lapa, onde existem muitas opções. Uma pesquisa futura sobre o taxis-ta como fonte também pode trazer informações importantes para o setor. Cabe ressaltar que o táxi foi o meio de transporte mais utilizado por turistas em visita a estabelecimentos de música.

Os resultados do estudo ainda demonstraram que os turistas utilizam muito a indicação de amigos e conhecidos na escolha dos estabele-cimentos, o que torna a “propaganda boca a boca” a mais eficiente forma de promoção. No entanto esse não é um fenômeno controlável pelos empresários. Uma das formas de influenciar essa forma de pro-paganda entre os turistas que visitam o Rio de Janeiro é oferecendo um serviço de boa qualidade em todos os atributos que o compõem. Nesse caso, o estudo em discussão mostra quais são aqueles que necessitam de uma melhoria imediata. Além disso, pesquisas peri-ódicas de satisfação e abertura de canais para reclamação facilitam a recuperação dos clientes e podem evitar a propaganda negativa.

Entre os atributos a serem trabalhados, a higiene é o que mais se destacou como deficiente nos estabelecimentos para o público pes-quisado. O tempo de espera para entrar também mostrou ser um grande problema para os turistas. A falta de vagas suficientes para estacionar os veículos, da mesma forma, foi um fator importante de

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insatisfação entre os turistas. A má avaliação da forma de atendimen-to mais oferecida pelos estabelecimentos pesquisados pelos entre-vistados, a do tipo C — diretamente no balcão e pagamento no caixa — igualmente indica um importante fator de insatisfação dos turistas.

Por outro lado, o principal atributo dos serviços envolvidos na expe-riência do turista ao visitar um estabelecimento de música ao vivo no Rio de Janeiro, que é a qualidade da banda, foi muito bem avalia-do, o que mostra que os profissionais da música estão fazendo a sua parte e que as casas de shows sabem escolher a atração, além de proporcionar infraestrutura nesse atributo, como bons equipamen-tos que garantem a qualidade do som.

Eis algumas sugestões de ações que poderiam ser implementadas, tan-to pelos gestores de turismo, quanto pelos proprietários/gerentes dos estabelecimentos, para aumentar o nível de satisfação dos turistas:

» De forma a melhorar a higiene nos estabelecimentos, podem ser oferecidos cursos de qualificação da mão de obra. Muitas insti-tuições, como SEBRAE, oferecem esse tipo de curso a preços acessíveis. Depende de os empresários se interessarem pela ca-pacitação dos funcionários. Pode-se também terceirizar o serviço, exigindo metas para a empresa responsável. Alguns estabeleci-mentos poderiam, ainda, pensar na reforma de algumas instala-ções de forma a proporcionar maior tangibilidade quanto à higie-ne. Banheiros modernos, com mais quantidade de equipamentos, materiais fáceis de limpar e aroma agradável são alguns exemplos.

» Dois atributos mal avaliados — a espera para entrar e o pagamen-to no caixa — poderiam ser melhorados por meio de uma maior automatização desses sistemas e/ou aumento de mão de obra nos horários de maior demanda.

» A ampliação de locais para estacionamento de veículos próximos aos estabelecimentos é uma iniciativa que pode ser realizada, tan-to pela iniciativa pública, quanto pela privada, podendo ser feita uma parceria entre as duas para a solução do problema. Uma alter-nativa é desestimular completamente o uso do carro, criando áre-as somente de pedestre e bolsões de estacionamento fora dessas áreas, com transporte público ou privado confiável entre elas.

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» De modo a aproveitar o potencial de concierges/recepcionistas de hotel e de taxistas como fontes de informação sobre estabeleci-mentos de música ao vivo na cidade, poderiam ocorrer treinamen-tos, de modo a dotá-los de ferramentas para melhor exercerem seus papéis. Muni-los de folheteria ou guias impressos com ma-pas também facilitaria o processo. O idioma poderia fazer parte da capacitação, visando ao atendimento de turistas internacionais.

» Quanto aos táxis, deveria haver cooperativas incentivadas e con-troladas pelos empresários, como na Lapa, de modo a facilitar o treinamento no atendimento (por exemplo: cursos de idiomas) e na indicação dos estabelecimentos.

» Como a forma de atendimento do tipo C — diretamente no balcão e pagamento no caixa — é a mais oferecida pelos estabelecimentos citados na pesquisa e teve uma avaliação ruim, os gestores dos lo-cais deveriam apreciar até que ponto valeria a pena alterar essa ca-racterística ou aprimorar o atendimento por meio de treinamento.

O estudo não avaliou a capacidade de atendimento em idioma estran-geiro nas interações do turista internacional com a cadeia envolvida na experiência de visita a um estabelecimento de música ao vivo no Rio de Janeiro, o que representa uma limitação da pesquisa. Outra li-mitação do estudo foi não explorar a atuação do taxista como fonte de informação sobre estabelecimentos de música ao vivo, já que se mos-trou um importante meio de transporte para os turistas entrevistados. Cabe ressaltar que, na pesquisa exploratória e mesmo durante o pré-teste, os taxistas não foram mencionados como tal. A pesquisa ain-da está limitada pelas características do método e quanto à amostra.

Alguns resultados do estudo indicam interessantes questões que poderiam ser respondidas por futuras pesquisas. Uma delas seria se a diferença entre turistas estrangeiros e nacionais, na avaliação da cadeia associada à experiência de visita a outros atrativos turís-ticos, culturais ou não, se confirma. Outra sugestão seria explorar a importância da atuação dos taxistas como fonte de informação de atrativos turísticos para turistas.

Como 7,5% dos turistas abordados não visitaram estabelecimentos de música ao vivo em sua estada no Rio de Janeiro, poderia ser ex-plorado o motivo dessa realidade: se falta interesse ou informação sobre os estabelecimentos.

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Uma pesquisa que identifique a imagem da Lapa como um atrati-vo turístico poderia ser comparada com os resultados deste estu-do de modo a verificar se os atributos avaliados, positiva e nega-tivamente, correspondem à imagem que os turistas têm do bairro.

Ademais, a cidade do Rio de Janeiro foi considerada a cidade mais feliz do mundo, segundo uma pesquisa da revista econômica Forbes feita com dez mil pessoas de vinte países publicada em 2009. A pesquisa destaca que o Rio é famoso pelas belas paisagens e pelo povo festivo. Portanto, se os turistas se sentirem mais satisfeitos quando envolvi-dos com a música brasileira, a cidade poderá manter-se nesse posto durante muito mais tempo, e ter sua imagem turística fortalecida.

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DO ‘BARRACÃO’ AO ‘GALPÃO: UM ESTUDO SOBRE A ‘CIDADE DO SAMBA’ COMO MERCADORIA TURÍSTICA303

Do ‘barracão’ ao ‘galpão: um estudo sobre o ‘cidade do samba’ como mercadoria turística

AUTORES

Bianca Freire Medeiros

Érika Conceição Gelenske Cunha

Gabriel de Sena Jardim

Palloma Menezes

Rosane Soares dos Santos

Simone Alves

RESUMO

A investigação proposta para este trabalho problematiza a produção e o consumo de bens culturais imateriais. A ‘Cidade do Samba’ é apresentada não apenas como local para produção do carnaval, mas também como atrativo turístico, espaço configurado para o consu-mo da cultura popular carioca. O objetivo principal fixou-se na aná-lise das diferentes percepções de atores sociais sobre a produção e o consumo da ‘Cidade do Samba’como produto turístico do Rio de Janeiro. O referencial teórico-metodológico é interdisciplinar e abor-da a pesquisa de documentos e periódicos, além da realização de entrevistas guiadas por roteiros semiestruturados. Os resultados indi-cam melhorias significativas no que diz respeito à produção e orga-nização do carnaval carioca, embora as tradições e manifestações populares parecem ter perdido parte do protagonismo comunitário.

Palavras-chave: Turismo, lazer, consumo, ‘Cidade do Samba’

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Turismo, la-zer e consumo, ministrada pela professora Bianca Freire Medeiros com a tutoria de Palloma Menezes, no Curso Observatório de Inovação do Turismo, da EBAPE/FGV.

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Introdução A ‘Cidade do Samba’, empreendimento criado com o objetivo de organizar a produção do carnaval e também de expandir o potencial turístico do Rio de Janeiro, constitui-se hoje em mais um dos atra-tivos da ‘Cidade maravilhosa’1. O empreendimento caracterizou-se, em seu projeto inicial, como investimento público de ativação social, também com a finalidade de valorizar/revitalizar a zona portuária. A iniciativa mesclou o tradicional e o moderno, recriou alegorias e adereços, tematizou enredos, criando representações que se apoiam no suporte tecnológico e que trabalham com a imaginação, mas também gerando tensões.

Este artigo problematiza a produção e mercantilização da cultura popu-lar carioca em um espaço de consumo – a ‘Cidade do Samba’, empre-endimento que pode ser vislumbrado como um parque que se apropria das manifestações populares. Importa destacar que este novo ‘Par-que Temático’ não se estabelece com base em um imaginário ilusório ou inventado, trata-se da ‘tangibilização’ de uma cultura considera-da Patrimônio Imaterial Nacional com finalidade turística comercial.

O objetivo principal do trabalho fixou-se na investigação das dife-rentes percepções de atores sociais (sambistas e entidades repre-sentativas das escolas de samba, representantes do Poder Público, profissionais em turismo e artesãos) sobre a produção e o consu-mo da ‘Cidade do Samba’ como produto turístico. De modo au-xiliar, busca-se: analisar a proposta inicial da ‘Cidade do Samba’ como projeto e compará-la com a realidade atual; compreender a importância da ‘Cidade do Samba’ na revitalização da zona por-tuária; interpretar de que maneira a concentração dos ‘galpões’ em um único local modificou o processo de produção do carnaval das Escolas de Samba do Grupo Especial, em relação aos antigos barracões; pensar na ‘Cidade do Samba’ como empreendimento que democratizou ou restringiu o acesso à produção cultural do carnaval e, por fim, investigar como os diferentes atores interpre-tam a apropriação do espaço e da cultura como produto turístico.

O desenvolvimento do presente estudo está embasado em um refe-

1 Alusão à música “Cidade maravilhosa” de André Filho, de 1934, transformada no hino oficial da Guanabara pelo governador Carlos Lacerda, em 1961 (CUNHA, 2008).

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rencial teórico-metodológico interdisciplinar que congrega teorias em turismo e lazer com estudos antropológicos. Foram realizadas entre-vistas guiadas por roteiros semi-estruturados, além da pesquisa de documentos, periódicos (Revista ‘Ensaio Geral’, informativo oficial da LIESA – Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, e ‘Samba em Revista’, publicação do Centro Cultural Cartola) e si-tes (‘Cidade do Samba’ e LIESA2) pertinentes ao assunto abordado.

As entrevistas foram realizadas com quatro personalidades ligadas ao universo que compreende a ‘Cidade do Samba’: Efraim Shvaitzer – Operador de Turismo e proprietário da agência Carioca Tropical, Nilcemar Nogueira – vice-presidente do Centro Cultural Cartola e neta de Agenor de Oliveira (Cartola), Hiran Araújo – diretor cultu-ral da LIESA, pesquisador e autor do livro ‘Carnaval: seis milênios de história’, e Sávio Neves – presidente do Trem do Corcovado e da ABOTTC (Associação Brasileira das Operadoras de Trens Turís-ticos Culturais) e Patrono da GRES União da Ilha do Governador.

A revista Ensaio Geral apresenta os temas abordados pelas Esco-las de Samba do Grupo Especial em duas edições anuais, uma em setembro, tratando-se de uma retrospectiva do carnaval passado, e outra em janeiro/fevereiro, servindo de guia para os interessa-dos no carnaval do ano corrente. A revista é dirigida ao público interessado no carnaval e suas repercussões. A versão impres-sa tem uma tiragem de quarenta mil exemplares sendo distribuída em diversos lugares: nas quadras das Escolas de Samba do Gru-po Especial, na ‘Cidade do Samba’, nos principais hotéis do Rio de Janeiro, em agências de viagens, no escritório da Riotur – Em-presa de Turismo do Município do Rio de Janeiro, entre outros lu-gares, estando o conteúdo também disponível no site da LIESA.

O periódico Samba em Revista, por sua vez, é uma publicação ins-titucional do Centro Cultural Cartola, espaço cultural diverso que abriga exposições, biblioteca, telecentro, seminários, mostras de filmes, oficinas de dança, teatro e poesia, também responsável no direcionamento de pesquisas que conduziram à oficialização das Matrizes do Samba como Patrimônio Histórico Imaterial do Brasil. A instituição trabalha na construção de um ‘pontão de memória que reúne importante acervo sobre a história cultural do samba'

2 Respectivamente <http://cidadedosambarj.globo.com/> e <http:// liesa.globo.com/>.

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cujo objetivo é 'promover o desenvolvimento comunitário, prote-ger as tradições e preservar a memória das manifestações cultu-rais e populares'. A revista apresenta importantes considerações e questionamentos de pesquisadores, carnavalescos e sambistas, em especial, artigos e entrevistas realizados com a colaboração de componentes da chamada ‘Velha Guarda’ das Escolas de Samba.

Espera-se que, com o suporte da coleta de informações por meio de entrevistas, possamos dialogar com teorias sobre a produção e o consumo de bens culturais imateriais – nesse caso específico, entendendo o samba como o patrimônio a ser estudado – realizados pelo mercado turístico, contrastando com as opiniões daqueles que estão bastante próximos das mudanças ocasionadas pela constru-ção da ‘Cidade do Samba’, transformações que, de alguma forma, alteraram suas vidas. Buscamos conhecer o antes e o depois, do ‘Barracão’ ao ‘Galpão’, que modificações foram significantes e em que nível a ‘profissionalização’ do carnaval no contexto da ‘Cidade do Samba’ – atualmente contando com sofisticados equipamentos e tecnologias – reconfigurou tradições e manifestações populares.

As transformações do carnaval e o surgimento do projeto da ‘Cidade do Samba’

No início do século XX, o bairro da Gamboa, local onde hoje está situada a ‘Cidade do Samba’, foi alvo de reformas urbanistas que vinham apregoando um novo modelo civilizatório que bania as prá-ticas culturais populares, em especial aquelas de origens africanas provenientes dos terreiros de candomblé, consideradas anacrôni-cas em tempos de progresso científico e modernidade. A cidade ideal estava longe das crendices dos negros, criaturas considera-das exóticas, desqualificadas e incômodas (VELLOSO, 1988).

O contraste existente entre as ideologias da elite e as tradições foi solucionado radicalmente. O Estado autoritário desalojou as camadas populares do centro, deslocando-as para áreas periféri-cas. A vigilância policial era frequente, iniciou-se o combate e a proibição às expressões da cultura popular, manifestações consi-deradas primitivas e selvagens que eram tratadas com hostilidade.

Inspirado no modelo civilizatório parisiense, buscava-se a imple-mentação de projetos de modernização das cidades: os jardins, a valorização da beleza e da elegância, a construção de avenidas

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largas e iluminadas, os boulevards – elementos que compunham o cenário do estilo art nouveau. Cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, viviam o fascínio pela ideologia cosmopolita – a mo-vimentação nas ruas, a substituição das carroças por bondes, a eletricidade e o telefone foram algumas delas. E mais: novos cos-tumes mudando a vida daqueles que deixavam o mundo rural em direção às cidades, novas maneiras de vestir e andar, o flerte, as revistas, os cigarros, os jogos de futebol e as companhias de te-atro. Esse período, marcado pela efervescência da vida moder-na, ficou conhecido como belle époque e passou a modificar não só as paisagens urbanas, mas também configurou novas relações sociais de modo a combater aquelas expressões não considera-das civilizadas, marcou a passagem das relações senhoriais às do tipo burguês e consolidou o regime capitalista (JARDIM, 2009).

O início do século XX foi também um marco para a história do samba e do carnaval. Em um cenário conturbado de perseguições às manifestações populares, discriminadas como inferiores, surge o samba – a reunião da música, poesia, dança, cena, roda, religiosida-de, comida, vários elementos em uma única expressão.

No começo do século XX, a partir de influências rítmicas, poéticas e musicais do jongo, do samba de roda baiano, do maxixe e da marcha carnavalesca, consolidaram-se três novas formas de samba: o partido alto, vinculado ao cotidiano e a uma criação coletiva baseada em improvisos; o samba-enredo, de ritmo inventado nas rodas do bairro do Estácio de Sá e apropriado pelas nascentes escolas de samba para animar os seus desfiles de Carnaval; e o sam-ba de terreiro, vinculado à quadra da escola, ao quintal do subúrbio, à roda de samba do botequim (IPHAN, 2007)3.

O samba, de acordo com Nilcemar Nogueira, compõe a expressão da cultura popular, “um conjunto de símbolos que fazem parte da referência de um povo: a dança, a culinária, a vestimenta, a música, o ritmo – são muitos valores agregados – um momento de fé e cele-bração”. Ao longo dos anos, e desde o seu surgimento no início do século XX, essa expressão sofreu processos de crescimento e adap-tação, tal como a união de vários segmentos sociais e a “música do morro com a música do asfalto”.

3 Dados disponíveis em: http://www.iphan.gov.br. Acesso em: 16 jan. 2010

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Dessa confluência surgiram também, as escolas de samba na cida-de do Rio de Janeiro a partir da década de 1920. Desde o primei-ro desfile, cresceram rapidamente em popularidade e passaram a associar-se, somando forças.

Em 1934, fundaram a União Geral das Escolas de Samba; em 1947, estabeleceram-se a Federação e a Confederação das Esco-las de Samba; já em 1952, essas três associações fundiram-se, dando origem à Associação das Escolas de Samba (CAVALCANTI, 2006). Por causa dos crescentes custos dos desfiles de carnaval, a partir de 1935, as Escolas de Samba “passaram a receber, como já o faziam os demais grupos carnavalescos preexistentes, subven-ções governamentais para seu desfile” (CAVALCANTI, 2006, p. 30).

Um dos maiores desafios técnicos e logísticos para a produção dos desfiles das Escolas de Samba carioca sempre foi a construção dos carros alegóricos, que, com o tempo, deixaram de ser utilizados ape-nas como alegoria de abre-alas, passando também a fazer parte da cenografia ao longo de todo o percurso do desfile, pontuando a evolução e a harmonia, o desenvolvimento dos “principais tópicos do enredo” (CAVALCANTI, 2006, p. 34). Assim, a disponibilidade de um espaço físico adequado para instalação das oficinas de arte próximas ao Sambódromo tornou-se uma das questões-chave para a superação de tal desafio.

Durante a década de 1960, essas oficinas foram instaladas em gal-pões e ginásios situados nas próprias comunidades onde cada Escola surgiu, ficando conhecidas como “barracões” – alusão ao grau de im-provisação dos espaços, geralmente localizados em bairros distantes do centro, nos subúrbios da cidade ou em municípios vizinhos. Tradi-cionalmente, desde o surgimento das Escolas de Samba, o desfile de Carnaval é realizado no centro da cidade. Naquela época, e até bem pouco tempo, a maioria das Escolas eram obrigadas a percorrer gran-des distâncias para transportar os carros alegóricos e demais adere-ços até o centro, em percursos de até sessenta quilômetros. O esfor-ço acabava causando a avaria de muitos carros alegóricos, que, “sem condições de prosseguir, eram abandonados pelo meio do caminho, desperdiçando os recursos minguados das agremiações e pontos pre-ciosos na avaliação dos julgadores” do desfile (LIESA, 2006, p. 10).

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Na década de 1970, na tentativa de amenizar o problema e atender aos constantes apelos das Escolas de Samba, a Prefeitura do Rio de Janeiro cedeu o espaço interno do Pavilhão de São Cristóvão para ser compartilhado entre as principais Escolas. Embora estivessem mais próximas ao local de desfile, as instalações, nesse novo espaço, per-maneceram precárias, sendo comum a ocorrência de incêndios que destruíam alegorias, fazendo com que várias Escolas preferissem abandonar o Pavilhão e instalar o ‘barracão’ em espaços improvisa-dos, localizados sob pontes, passarelas e viadutos, nas redondezas do Cais do Porto, mais próximos do local do desfile4 (LIESA, 2006).

A primeira grande conquista das Escolas de Samba ocorreu em 1984 com a construção do Sambódromo, patrocinado pelo governo do estado do Rio de Janeiro. A partir de “1986, a LIESA e a Prefei-tura passaram a firmar contratos anuais que destinam às Escolas de Samba direitos na participação da venda de ingressos” dos desfiles de Carnaval (OLIVEIRA e GOMES, 2007); e o contrato anual de prestação de serviço foi substituído pelo de locação do espaço do Sambódromo da Prefeitura pela LIESA5. Ainda em meados da déca-da de 1980, em termos de representação, as Escolas de Samba ca-riocas dividiram-se em dois blocos distintos de associação: 1) Grupo Especial: reúne as maiores e mais tradicionais Escolas de Samba, que constituem a LIESA6; 2) Grupo de Acesso e demais Escolas de Samba: formado por mais de sessenta Escolas de Samba menores, divididas em cinco subgrupos – A ou de Acesso, B, C, D e E. Essas Escolas fazem parte da AESCRJ – Associação das Escolas de Sam-ba da Cidade do Rio de Janeiro7.

Aos poucos, as Escolas de Samba foram montando um espetáculo que atualmente é reconhecido internacionalmente. Já com as grandes Escolas reunidas pela LIESA, entidade que passou a representá-las, a

4 Os novos barracões continuaram tendo problemas e, ainda na década de 1990, eram atingidos por incêndios como no caso da Escola União da Ilha do Governador, em 1999, e da Escola Imperatriz Leopoldinense, em 2002 (OLIVEIRA e GOMES, 2007).

5 Depoimento do pesquisador Hiram Araújo, durante as entrevistas realizadas para o presente estudo, em 2009.

6 No início de sua organização, o Grupo Especial era composto por 13 agremiações, mas, a partir do carnaval de 2007, apenas 12 Escolas passaram a fazer parte do Grupo, e a desfilar em dois dias (domingo e segunda-feira), divididas em grupos de seis Escolas cada dia. Essas 12 escolas são as que têm o direito a usufruir da infraes-trutura da ‘Cidade do Samba’.

7 Uma exceção é o caso das Escolas de Samba do Grupo de Acesso, que, quando se sagram campeãs do car-naval em seu Grupo – [pôr travessão] que também é realizado no Sambódromo, porém nos dias que antecedem o carnaval (sexta e sábado) [pôr travessão] ganham o direito a participar do Grupo Especial no próximo ano, beneficiando-se de um dos galpões da ‘Cidade do Samba’(desocupado pela Escola do mesmo Grupo que obteve menor pontuação no desfile).

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meta passou a ser conseguir um espaço definitivo para que as agre-miações pudessem instalar os seus centros de produção. A conquista desse espaço era um sonho antigo dos integrantes das Escolas, re-mentendo a idealistas como Ismael Silva, Cartola e Paulo da Portela .

O empreendimento começou a ganhar contornos em 1999, quando surgiu a ideia de criar-se um projeto semelhante aos que existem no Caribe, atraindo turistas em viagens de cruzeiros. O projeto po-deria beneficiar-se do fluxo de turistas em viagens de cruzeiros que circulam pela zona portuária na temporada de verão –exatamente a época de maior destaque para as atividades das Escolas de Samba em razão da proximidade do carnaval.

A LIESA passou, então, a procurar terrenos ociosos nas proimidades do Cais, solidificando a parceria com a Prefeitura do Rio de Janei-ro – com a qual já dividia as responsabilidades de organização dos desfiles. O então prefeito, Cesar Maia, autorizou a compra de um terreno com 130.000 m² de propriedade da Rede Ferroviária Federal, situado no coração da Gamboa, próximo aos armazéns do Porto.

A ‘Cidade do Samba’ e a revitalização da zona portuária

No triângulo formado pelos bairros Saúde, Santo Cristo e Gamboa, na zona portuária carioca, concentra-se grande parte da tradição e cultura popular da cidade do Rio de Janeiro, notadamente por ser um local de personagens ligadas ao samba e ao carnaval carioca. As-sim, o fato de o monumento ‘Cidade do Samba’ ter sido construído no bairro da Gamboa, retoma uma longa trajetória de valores e pro-cessos culturais que, longe de serem estáticos, estão em contínuo processo de metamorfose. A localização do novo empreendimento representa a retomada de um espaço, o resgate da cultura popu-lar que fora banida do centro para a periferia há quase um século.

Esse aspecto parece, inclusive, ser explorado no discurso de promo-ção turística da ‘Cidade do Samba’ a julgar-se pelo depoimento do sr. Efraim Shvaitzer da agência Carioca Tropical de receptivo turís-tico, em relação ao tour em inglês chamado ‘Historical Rio’, que é oferecido aos clientes:

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Nós abordamos também o local. A ‘Cidade do Samba’ está situada no bairro da Gamboa, no centro da cidade, e ali ela se mistura com toda a área do cais do porto, que é uma área muito antiga, considerada a parte velha da cidade, mas que nem por isso perdeu o seu encanto. (...) O lugar é espetacular, o local em si, mas o bairro todo é espetacular.

A ‘Cidade do Samba’ pode ser compreendida como uma sinédoque. Nessa figura de linguagem, o todo – o Brasil, ou mais especifica-mente o Rio de Janeiro – é representado por uma pequena parcela: a edificação que revitalizou parte da zona portuária, que há muito anda abandonada.

Desde a sua concepção, o projeto da ‘Cidade do Samba’ faz parte do conjunto de obras de recuperação da zona portuária, e, confor-me pontua Sávio Neves, esse empreendimento representou o pri-meiro passo na revitalização de toda aquela área8. De uma forma geral, os projetos políticos da cidade, baseados em planos estra-tégicos, estão fortemente centrados nos processos de ‘renovação’ ou ‘reestruturação’ urbana, considerados simultaneamente eco-nômicos, espaciais e simbólicos, e tendo como marca registrada a transformação de áreas consideradas ‘degradadas’ nas chama-das ‘novas centralidades’ conforme definidas por Sánchez (2003).

Segundo Duarte (2005), os processos de recuperação de áreas ur-banas degradadas – mais comumente identificados como processos de revitalização – são, de certa forma, distintos dos chamados pro-cessos de renovação, requalificação ou reabilitação urbana e podem ser também associados ao que o geógrafo Smith (1996) chama de processo de gentrificação (gentrification). O autor discute tais con-ceitos analisando a proposta de revitalização da zona portuária da cidade do Rio de Janeiro.

O tema da revitalização, no qual se insere, de certa forma, o próprio projeto da ‘Cidade do Samba’, tem sido objeto de muitas discussões pelo menos nos últimos vinte anos e, como observado por Menezes (2008, p. 51), “pode ser considerado um exemplo de tentativa de produção de uma ‘nova centralidade’ por parte de um governo local”.

A degradação de regiões portuárias é um fenômeno que tem sido observado mundialmente, e é causado, em grande parte, pela 8 Dados coletados em out. 2009.

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modernização e novas demandas do tráfego marítimo das úl-timas décadas (tais como o aumento do uso de containers e do calado dos navios) que tornaram os portos tradicionais obsoletos (NOBRE, 2009; MENEZES, 2008; SOARES e MOREIRA, 2007).

De acordo com Soares e Moreira (2007), no Brasil a alternativa adotada desde os anos 1970, seguindo o mesmo modelo praticado mundialmente, foi o desenvolvimento de portos maiores afastados dos limites urbanos9, fazendo com que as áreas portuárias tradi-cionais, imbricadas em centros urbanos, como o Rio de Janeiro, sofressem grandes redefinições que terminaram por diminuir seu núcleo dinâmico e sua área de trabalho, gerando espaços degrada-dos e antiquados, como ocorrido em outras cidades portuárias do mundo. No caso da cidade do Rio de Janeiro, após a implantação do Porto de Sepetiba, no município de Itaguaí na década de 1970,

o Porto do Rio perdeu grande parte de suas atividades, ficando muitos de seus armazéns obsoletos. As atividades de carga e descarga do antigo cais foram deslocadas para o bairro do Caju (...) [e] alguns dos armazéns passaram a ser utilizados como galpões para as atividades de produção das escolas de samba cariocas. (SOARES e MOREIRA, 2007, p. 106)

Esses autores apontam que o impulso para a preservação da região portuária carioca partiu de preocupações ambientais, surgindo en-tão, em 1988, a figura jurídica da Área de Preservação Ambiental – APA — e a instituição de logradouros dos bairros Saúde, Santo Cristo, Gamboa e Centro como APA, conhecida como SAGAS. Des-de essa época, foram desenvolvidos diversos estudos e projetos visando à revitalização da zona portuária da cidade do Rio – inspi-rados em modelos como o de Puerto Madero (Buenos Aires, Argen-tina) –; porém, nem todos bem-sucedidos ou mesmo executados.

O que se observa, no entanto, é que toda essa operação tem sido conduzida com base num modelo bem conhecido, caracterizado, por um lado, pela imposição de projetos alta-mente questionáveis, do ponto de vista técnico, e por ou-tro, pela ausência de diálogo com a maior parte da popu-lação direta ou indiretamente afetada (NOBRE, 2009, p. 2).

9 Como os de Sepetiba, no Rio de Janeiro; Pecém, em Fortaleza; Suape, em Recife e Vila do Conde, em Belém.

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O assunto retornou à pauta pública apenas em 2001, com a divul-gação do Plano de Recuperação e Revitalização da Região Portuária do Rio de Janeiro. Conhecido também como Projeto Porto do Rio e desenvolvido pela Prefeitura local, foi dividido em seis funções: urbanismo, transportes, habitação, desenvolvimento econômico, projetos especiais e gestão urbana. Foi esse projeto que finalmen-te viabilizou as obras, tanto da ‘Cidade do Samba’ quanto da ‘Vila Olímpica’, inauguradas posteriormente em 2005. No entanto, mui-tas das propostas do Projeto de 2001 continuaram ‘apenas no pa-pel’ e, ainda recentemente, o tema voltou ao debate público com o lançamento oficial, em 23 de junho de 2009, do projeto ‘Porto Maravilha’ pela gestão pública corrente, como resultado de uma par-ceria entre os governos municipal, estadual e federal, intensificando mais uma vez a agenda de discussões em torno da região portuária.

No referido projeto, o samba é mencionado como um dos pon-tos de relevância histórica da região, por causa do nascimento das rodas de choro e do samba na “Pedra do Sal”, no Morro da Conceição, e da primeira Escola de Samba do Rio em 1932 – a Vizinha Faladeira10. De acordo com o relator da comissão de tu-rismo na Câmara Municipal de Vereadores, Alfredo Sirkis, a área portuária revitalizada será um polo relevante do turismo no Rio de Janeiro. Nesse cenário, Sirkis afirma a importância da ‘Ci-dade do Samba’, que, para ele, já atrai muitos turistas ao local11.

A estrutura da ‘Cidade do Samba’ e suas contribuições para a logís-tica da produção do carnaval

O projeto arquitetônico da ‘Cidade do Samba’ foi elaborado pelo Ins-tituto Pereira Passos em parceria com a LIESA. A construção abriga 14 galpões, propositalmente posicionados um ao lado do outro e dispostos ao redor de um círculo. Trata-se, segundo os autores do projeto, de uma metáfora para o formato tradicional das rodas de samba, nas quais “os participantes (...) sentam, em geral, uns ao lado dos outros, mas tocam e cantam sempre voltados para o centro do círculo, trocando olhares e sinais entre si” (BLASS, 2008, p. 4).

O empreendimento envolveu investimentos da ordem de R$ 102,6 milhões orçados em 2005 e aplicados pela Prefeitura. Além dos 14

10 Dados da apresentação do projeto “Porto Maravilha”. Disponível em: http://spl.camara.rj.gov.br/planodiretor/pd2009/porto2009/aud_public_porto_maravilha.pdf . Acesso em: 28 fev. 2010. 11 Entrevista concedida ao Jornal do Comércio, em julho de 2009.

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galpões que servem às Escolas de Samba do Grupo Especial – que passaram a ser chamados pela Prefeitura e pela LIESA de “Fábricas de Carnaval” –, incluem-se também um prédio administrativo, uma praça central com espaços destinados a exposições e espetáculos, além de estrutura de apoio geral com lanchonetes, banheiros e estacionamento.

As obras para construção da ‘Cidade do Samba’ foram iniciadas em agosto de 2003. Mas, apenas em setembro de 2005, as Es-colas associadas à LIESA receberam autorização da Prefeitu-ra para ocupar seus novos centros de produção, a fim de iniciar os trabalhos relacionados com o Carnaval de 2006. A adminis-tração do complexo da ‘Cidade do Samba’ foi entregue pela Pre-feitura à LIESA. A prioridade da escolha para ocupação dos gal-pões pelas escolas foi dada em função da ordem de classificação no desfile de carnaval do ano anterior, realizado no ano de 2004.

Na infraestrutura oferecida, cada galpão dispõe de área constru-ída12 de 6.500m², com altura média de 24,5m, distribuídos em quatro pavimentos: 12m no térreo, onde é feita a montagem dos carros alegóricos; dois andares de 3,5m cada um, com salas para a diretoria das Escolas e almoxarifados para estoque do material das alegorias; um último andar, de 5,5m onde são confecciona-das esculturas e alegorias de grande porte (TARTAGLIA, 2006).

O processo de produção do desfile das Escolas de Samba é dividido em quatro partes e inclui atividades distribuídas ao longo de todo o ano: 1) a criação e preparação dos elementos musicais (samba-en-redo e bateria); 2) a produção dos carros alegóricos; 3) a produção de fantasias e adereços e; 4) a criação e preparação das performan-ces e coreografias das alas (SILVA JR., 2009; LOPES et al., p. 9).

A produção de alegorias e adereços é centralizada nos galpões, exceto no caso das fantasias das alas comerciais13, que são confeccionadas em ateliês ou nas residências dos responsáveis pelas alas. As Esco-las iniciam os trabalhos de preparação do próximo carnaval quase que concomitantemente com o término do último desfile, de forma que, em geral, até o mês de maio, é concluído o desmonte dos car-

12 Dimensão que, em média, corresponde ao dobro do espaço físico que havia nos antigos barracões improvi-sados (LIESA, 2005: 28).13 As alas podem ser de dois tipos: a) alas da Escola, também conhecidas como alas da comunidade; e b) alas comerciais, que funcionam como concessionárias de serviço público, ou seja, a Escola concede a um terceiro, às suas expensas, o direito de reproduzir um protótipo de fantasia, comercializá-lo e produzi-lo em nome da Escola (OLIVEIRA e GOMES, 2007).

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ros alegóricos a fim de selecionar os materiais que estejam em con-dições de ser reaproveitados. E, assim, recomeça-se a produção do carnaval do ano seguinte: escolha de enredo, composição e eleição de samba-enredo, confecção de alegorias e adereços e disposição das alas. Entre outras etapas, fazem parte da produção do carnaval: o projeto dos carros alegóricos (instalação de ferragens, montagem de carpintaria, criação das esculturas, pintura, adereçamento, ins-talações elétricas e de efeitos especiais e mecânicos), o desenho (croquis) dos figurinos e a confecção dos protótipos das fantasias.

A arquitetura da ‘Cidade do Samba’ permitiu a adoção de tecnolo-gias inovadoras que buscam facilitar ao máximo esse processo de produção de alegorias e adereços, praticamente eliminando qualquer tipo de limitação técnica à criatividade e imaginação dos carnavales-cos na materialização do enredo escolhido pela Escola, reduzindo o esforço físico dos trabalhadores envolvidos. Entre tais tecnologias, destacam-se os elevadores de carga (com capacidade de até 1,5 tonelada) e os monotrilhos de aço (com capacidade de até uma tonelada) equipados com guinchos para transporte automático das alegorias maiores. Da mesma forma, os espaços projetados com dimensões especialmente calculadas para permitir a montagem com segurança de até 12 carros alegóricos14 em seu tamanho original, ou seja, com oito a nove metros de altura, substituindo a trabalhosa montagem em dois ou três estágios, como era feito até então nos antigos barracões15. Esse conjunto permite a integração dos quatro pavimentos e o transporte interno, automático e mecânico, de escul-turas e alegorias diretamente para o carro alegórico correspondente, montado no térreo. Completando a infraestrutura dos galpões, um portão central de dez metros de largura por 7,5 metros de altura, com entrada pelas ruas que circundam a ‘Cidade do Samba’, facilita o transporte dos carros alegóricos prontos pelas ruas da cidade no percurso até o Sambódromo (BLASS, 2008; TARTAGLIA, 2006).

Uma das providências tomadas para a construção dos galpões foi buscar reproduzir para os carnavalescos a mesma visão que os ju-rados e o público nas arquibancadas do Sambódromo têm de sua criação durante o desfile. Esse foi um importante fator de compe-

14 Apesar do atual Regulamento dos desfiles estabelecer que cada agremiação pode apresentar, no máximo, oito alegorias no desfile de carnaval.15 Revista Ensaio Geral. Informativo da Liesa, ano 10, n.º 15, set. 2005, p. 28; Revista Liesa News. Informativo da Liesa, N.º 5, Edição Especial, 2006, p. 22-23.

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titividade na produção do carnaval (ABRANTES, 2006). As mu-danças são destacadas em depoimento do carnavalesco Max Lo-pes sobre as instalações da ‘Cidade do Samba’: “[...] temos uma visão aérea do carro alegórico, o que dá uma dimensão parecida com a da avenida” (LOPES, 2006 apud TARTAGLIA, 2006, p. 24).

A ‘Cidade do Samba’ trouxe melhores condições para a produção do carnaval das ‘Escolas do Grupo Especial’ — um ponto bastante comentado por todos os nossos entrevistados. A infraestrutura me-lhorou as condições da cadeia produtiva. A setorização da fabrica-ção, de acordo com Nilcemar Nogueira, organizou e operacionalizou o controle de todo o processo produtivo. Além disso, nos ‘galpões’, após a realização do carnaval, é possível desmontar e aproveitar peças e tantos outros materiais que antes eram descartados nos ‘barracões’, por não haver espaço e condições adequadas de arma-zenamento – um almoxarifado16.

Um ponto relevante a ser abordado é acerca do custo do empre-endimento. É preciso lembrar, que, para conquistar todas as me-lhorias logísticas que o empreendimento trouxe para produção do carnaval, a Prefeitura teve de investir muitos recursos no lo-cal e as Escolas/LIESA, ainda hoje, continuam arcando com um alto custo para prover a manutenção de uma área física enorme – que serve como espaço não só da produção do carnaval, mas também de visitação turística, como veremos na seção a seguir.

A produção e o consumo da ‘Cidade do Samba’ como atrativo turístico

O samba e o carnaval sempre sofreram transformações, conside-radas partes fragmentárias de uma cultura híbrida e dinâmica. Tal-vez uma de suas maiores modificações tenha ocorrido quando a lógica da produção cultural popular foi suplantada pela lógica do consumo generalizado de commodities, passando a ser conside-rados como objeto ou mercadoria, parte de um produto turístico. Na primeira parte do artigo, apresentamos um breve retrocesso histórico-cultural que buscou evidenciar algumas dessas mudanças.

A construção da ‘Cidade do Samba’ parece-nos apropriada para apresentar como a concentração de ‘galpões’ em um único local configurou não só uma nova logística no processo de produção do carnaval das Escolas de Samba do Grupo Especial – em relação aos 16 Conforme entrevista concedida em 6 nov. 2009.

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antigos ‘barracões’–, mas também, apropriou-se do espaço e da cul-tura como produto turístico organizado e consumível no modelo de um ‘Parque Temático’. Nessa segunda parte do artigo, refletiremos sobre a Cidade do Samba com base em discussões sobre os concei-tos de parque temático, autenticidade e mercantilização da cultura.

Como dito anteriormente, a ‘Cidade do Samba’ foi planejada para ser também um espaço de entretenimento e atrativo turísti-co, com funcionamento durante o ano todo e não apenas restrito ao período do carnaval. Sendo a cidade palco de uma das maio-res manifestações populares do mundo – o carnaval –, pareceu legítimo pensar na construção de um equipamento que promo-vesse o encontro da tríade turismo, cultura e entretenimento17.

Foi, com base nessas premissas, que os arquitetos João Uchoa e Victor Vanderley, que dirigiram a equipe de criação do projeto, co-mentaram que, desde a sua concepção, “acreditavam que a ‘Cidade do Samba’ também pudesse se consolidar como um grande centro de entretenimento, principalmente nos finais de semana” 18.Na épo-ca da inauguração do espaço, em 2005, o então prefeito da cidade do Rio de Janeiro, César Maia, declarou:

O samba ganhou um parque temático e poderá mostrar a sua pujança como expressão de cultura popular durante o ano todo. O parque temático transformará as atividades das Esco-las de Samba numa prática permanente [...]. Também teremos a culinária típica dos terreiros e as Escolas poderão comercia-lizar seus produtos. Ou seja, será mais um apoio para que as Escolas continuem proporcionando esse espetáculo que atrai admiradores do mundo inteiro (LIESA News, 2006, p. 26).

Eis a opinião do entrevistado sr. Hiram Araújo:

Para o objetivo operacional com que foi criada a ‘Cidade do Samba’– quer seja operacionalizar e modernizar os antigos barracões – ela funciona. Porém no que diz respeito à explora-ção ou ao aproveitamento como atrativo turístico, é irrelevan-te o que tem siso feito, basicamente restrito aos shows que ocorrem apenas uma vez na semana. Não existe ainda plane-jamento neste sentido, e real interesse, quer seja da adminis-tração pública, quer da iniciativa privada do trade turístico.

17 Conforme reportagem do jornal americano Chicago Tribune, segundo o site “World Party”, os internautas escolheram o carnaval do Rio de Janeiro como a melhor festa popular do mundo. Essa notícia foi publicada no jornal O Globo em 14 de março de 2002.18 Revista Liesa News. Informativo da Liesa, n.º 5, Edição Especial, 2006, p. 25

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A ideia em si parece ter sido, de certa forma, internalizada, pelo menos para quem trabalha com turismo no local, como se percebe na fala do sr. Shvaitzer:

A ‘Cidade do Samba’ veio coroar a atmosfera de um desfile de Escola de Samba. O desfile nas passarelas, na Marquês de Sa-pucaí, ele acontecia somente no período de carnaval, né?! ... A ‘Cidade do Samba’ trouxe a possibilidade de você relembrar não só o desfile que acontece no período do carnaval, mas isso ao longo de todo ano, porque você começa a conviver com o mundo que antes da ‘Cidade do Samba’ só acontecia no Carnaval. Quando é que a gente ia assistir um show de uma bateria de Escola de Samba fora do período de carnaval?! Não tinha. A não ser que a gente fosse num ensaio de uma escola de samba, na própria quadra, e os ensaios acontecem só a partir do mês de outubro até o carnaval. Então a ‘Cidade do Samba’ veio resumir, veio mostrar que é possível a gente absorver ou conviver com a atmosfera do carnaval o ano todo.

No website oficial da ‘Cidade do Samba’, o termo parque temático também é utilizado. A ideia era que o espaço fosse utilizado não ape-nas para a produção do carnaval, mas também para oferecer, ao longo do ano, entretenimento aos turistas interessados em visitar o local, conforme afirmação feita pelo administrador Ailton Guimarães Júnior:

Uma de nossas primeiras metas será discutir com as Escolas de Samba de que forma os visitantes poderão utilizar a passarela para ver as alegorias no interior das fábricas. Estabeleceremos outras práticas importantes, como a realização de grandes es-petáculos e exposições de fantasias e alegorias nas lonas da Praça Central. O contrato firmado com a Prefeitura possui cláusulas que abordam as questões de eventos culturais e de entretenimento, que são fundamentais para fazer com que o fluxo de turistas seja freqüente. (LIESA News, 2006, p. 26).

A indústria do entretenimento é indicada como uma das principais atividades econômicas do mundo desde o final do século XX (SA-LOMÃO, 2000). Os parques temáticos estão relacionados com o conceito de entretenimento e podem ser compreendidos como lu-gares “híbridos contemporâneos que – como a maioria dos fenôme-nos pós-modernos – cruzam as fronteiras que normalmente separam os até então distintos reinos da cultura, da economia, da filosofia, da sociologia e da política” (SOJA, 1996 apud ASHTON, 2003, p.

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123). Esses espaços têm o objetivo de oferecer diversão, a fim de proporcionar fuga do dia a dia, já que são concebidos e realizados como espaços de fantasia, ilusão, espetáculo – configurando uma zona segura de divertimento que proporciona libertação dos hábitos do cotidiano (SALOMÃO, 2000).

O parque, ao adotar um tema, apropria-se de sua simbologia e tenta representá-la como uma forma de reviver ou retornar no tempo e no espaço ou ainda buscar algo no futuro, suprimindo parte da curio-sidade em relação a ele. Assim, o imaginário do turista é acessado por meio de “uma coleção de imagens que vão sendo liberadas pela revisitação” (ASHTON, 2003, p. 123).

Inicialmente, a grande atração oferecida ao público da ‘Cidade do Samba’ era o espetáculo semanal ‘Cidadão Samba’, apresentado às quintas-feiras à noite. Criado em 2006 por profissionais reco-nhecidos no mundo do samba – tais como o dançarino Carlinhos de Jesus (responsável pela direção artística), Jorge Cardoso (na direção musical) e o carnavalesco Milton Cunha (responsável pe-los cenários e figurinos) –, o show contava com um elenco de oi-tenta integrantes das agremiações do Grupo Especial, que usavam fantasias que foram destaques do carnaval. O evento incluía, no repertório, obras de compositores considerados ícones do samba brasileiro – como Ary Barroso, Tom Jobim e Dorival Caymmi – as-sim como antigos sambas-enredo de sucesso do carnaval carioca. A atração contava ainda com um encerramento apoteótico, no qual os artistas desciam do palco e convidavam o público a interagir, participando de um desfile de carnaval pelas ruas da ‘Cidade do Samba’, que terminava com uma queima de fogos de artifício, como acontece nos desfiles do Sambódromo (LIESA News, 2006c, p. 35).

Diferentemente da visitação diária ofertada a preços relativamente populares19, os ingressos para os shows das quintas-feiras à noite foram oferecidos ao preço de R$ 80,00 por pessoa, com direito a buffet (LIESA News, 2006c, p. 35). A ‘Cidade do Samba’ pas-sou também a oferecer a mesma programação para a realização de eventos fechadose para o atendimento à visitação previamen-te agendada de grupos de turistas. Além disso, passou também a proporcionar um Pocket Show – uma versão reduzida do espe-

19 Em 2006, variavam entre R$ 10,00 (meia-entrada – para moradores do Rio de Janeiro apresentando compro-vante de residência, idosos, professores e estudantes) e R$ 20,00 (inteira).

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táculo semanal das noites de quintas-feiras –, composto de bate-ria, cantor, baianas, passistas, mestre-sala e porta-bandeira para apresentações externas e em eventos com até 250 participantes.

Em novembro de 2009, o espetáculo semanal ressurgiu remodelado para a nova temporada de apenas seis apresentações, com o título “Forças da Natureza”, merecendo inclusive campanha publicitária de divulgação na televisão aberta do Rio de Janeiro. O preço da atração também foi atualizado, com ingressos incluindo buffet e souvenir, oferecidos a R$ 95,00 (meia-entrada) e R$ 190,00 (in-teira) – ou seja, mais do que o dobro do valor anunciado para a es-treia em setembro de 2006 – embora os ingressos para a visitação diária tenham, ao contrário dos preços dos shows semanais, sido reduzidos para R$ 2,00 (meia-entrada) e R$ 5,00 – ou seja, um terço do valor cobrado em 2006 (LIESA News, 2009, p. 22-23).

Os valores, no entanto, parecem ser negociáveis para operadores do trade turístico, como esclareceu o sr. Efraim Shvaitzer durante sua entrevista, e acabam sendo percebidos pelos turistas como parte de um contexto/pacote turístico maior, embora para os brasileiros represente um valor alto:

Esse é o preço da bilheteria, no entanto, é um produ-to comercial e [...] [em] algumas empresas – a minha se inscreve nesse contexto – tem um valor um pouco me-nor. Pra poder administrar uma situação, nós colocamos guias de turismo, nós colocamos vans, ônibus, veículos, e isso gera custos, e não posso também inflacionar. [Mas] eu reconheço que é um produto caro, para o nível do bra-sileiro, não é tão fácil assim. [...] ainda que a alimentação e a bebida estejam incluídas a gente pensa duas vezes...

Após a consolidação de uma agenda de visitações e espetáculos, a ‘Cidade do Samba’ passou a fazer parte dos atrativos turísticos do Rio de Janeiro. Algumas agências de turismo começaram a comer-cializar o parque temático, como no caso da agência Carioca Tropical, que vende a ‘Cidade do Samba’ como parte do tour cultural deno-minado ‘Historical Rio’. Segundo Efraim Shvaitzer20, proprietário da agência, a ‘Cidade do Samba’ tem o seu valor intrínseco, em função de que é uma obra única, assim como o sambódromo. A qualidade e adequação do formato adotado pela ‘Cidade do Samba’ para os

20 Entrevista concedida em 30 out. 2009 . (Agência Carioca Tropical – Tour Operator).

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shows noturnos parece atender às expectativas dos profissionais do trade turístico, a julgar-se pelo depoimento do sr. Efraim Shvaitzer

Um show na ‘Cidade do Samba’ [...] – eu falo isso com toda a segurança – é o show mais bonito que pode ser oferecido no Brasil. Não tô falando do Rio de Janeiro não, eu tô falando do Brasil. [...] é um show que consegue agradar turistas in-ternacionais, cariocas e brasileiros. Todos gostam do produto. Então é porque é produto bom. Porque se você vai assistir a um produto que é só para turista, você vai dizer que é só pra turista... Da mesma maneira que se você for levar um turista para uma festa que não tem muito a ver, uma coisa muito típica nossa ele também [...], essa não, é, é bem eclético, ele consegue agradar a todos. Todos, todos, todos, é espetacular.

É um produto eminentemente vencedor, não tem ris-co de dar errado, ali só tem fera trabalhando, os profis-sionais envolvidos são os melhores dentro da área que cada um atua, a área artística está muito bem entregue a um profissional, a área de fantasias está muito bem entre-gue a um profissional, a área que faz as alegorias também está [...] Vale a pena! Eu já tenho cliente pra lá quinta-feira.

No entanto o mesmo parece não pode ser dito quanto à regularidade da oferta desses shows, o que pode ser verificado em mais de uma das entrevistas realizadas e pode ser exemplificado pela seguinte citação também do sr. Shvaitzer referindo-se ao show que havia sido realizado duas semanas antes da entrevista, no mês de dezembro:

Eu espero que [...] [possam] ter outros shows. O desfile na ‘Ci-dade do Samba’ hoje é feito somente às quintas-feiras. Mas o último show foi há 15 dias atrás, e antes disso não tinha... Esse ano depois do carnaval foi o primeiro dia [de show]. É uma pena...

De fato, a programação da nova temporada do show “Forças da Natureza”, anunciada no Informativo da LIESA do mês de novembro de 200921, relaciona apenas seis espetáculos, sendo três deles em novembro (dias 12, 19 e 26) e os demais em dezembro (dias 3, 10 e 17). Informação que confirma a percepção do sr. Shvaitzer que suge-re que a atração seja oferecida pelo menos “três vezes por semana”.

Com relação ao número de turistas que costumam assistir ao espe-táculo oferecido às quintas-feiras, o sr. Shvaitzer estimou que, na 21 Revista Ensaio Geral. Informativo Oficial da LIESA, ano 14, N.º 23, p. 22-23.

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última apresentação de novembro de 2009, levou um grupo de turis-tas em que deveria haver entre 350 a 400 pessoas, embora estime que já houve grupos de mais de 500 pessoas.

Outro ponto positivo do projeto destacado pelos entrevistados é a questão da segurança:

Do ponto de vista da segurança [...] eles fizeram um trabalho tão bem feito, que vale a pena destacar. [...] A segurança na ‘Cidade do Samba’ é considerada um expoente. Lá tem esta-cionamento coberto e tem um outro estacionamento aberto em frente, todos absolutamente seguros (sr. Efraim Shvaitzer).

Para efeitos de análise, sublinhamos ao menos duas importantes funções desempenhadas pela ‘Cidade do Samba’: oferecer suporte, infraestrutura e logística, para a produção do carnaval das Escolas de Samba da Liesa; e servir de atração turística com funcionamento durante todo o ano, dando oportunidade àqueles que viajam para o Rio fora do período de carnaval de conhecer um pouco mais sobre a cultura popular carioca.

No que diz respeito à primeira função citada, reconhecemos que a ‘Cidade do Samba’ colaborou com a organização e produção do car-naval carioca, sendo esse aspecto inclusive muito reverenciado por nossos entrevistados. Vejamos no que implicam as relações da ‘Ci-dade do Samba’, considerada atrativo turístico, com as discussões sobre parque temático, autenticidade e mercantilização da cultura popular carioca. Retomamos então o problema-chave posto para in-vestigação no presente estudo.

Na ‘Cidade do Samba’, foi montada uma estrutura para que os tu-ristas pudessem conhecer a forma como se dá a produção do car-naval. O espaço foi aberto à visitação pública, no segundo semes-tre de 2006, passando, a partir de então, a funcionar diariamente no horário entre 12 e 20 horas (LIESA News, 2006b, p. 35). Um número cada vez maior de visitantes passou então a ir até o local com a expectativa de acompanhar de perto o modo como o carna-val é produzido e reproduzido. Ainda que a organização produtiva do carnaval também faça parte dos projetos de um roteiro turístico cultural, observamos que a maior atratividade oferecida pelo empre-endimento apoia-se nos shows oferecidos às quintas-feiras, ou seja,

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na reprodução cênica do próprio carnaval. Considerando que o fator atratividade é proporcional à demanda, esse fato é ratificado por nosso entrevistado Efraim Shvaitzer, que afirma haver maior inte-resse por parte dos turistas em conhecer os espetáculos (re)produ-zidos do que em realizar visitas aos galpões da ‘Cidade do Samba’:

A visitação simples não tem o mesmo apelo do que o show.

Uma coisa é levar o público ao show, outra coisa é levar o público para visitar a ‘Cidade do Samba’. [...] Como um ponto de atração turística é isolada, ela não está associada a outros atrativos turísticos. Ninguém vem ao Rio de Janeiro, ou se vem são muito poucos, só pra ir à ‘Cidade do Samba’ num dia que não tem show.

O entrevistado ainda aponta que o número de shows ainda é pequeno e que a atividade turística poderia beneficiar-se mais com o aumento da oferta: “tomara que essa entrevista possa ter uma repercussão tal que faça com que as autoridades envolvidas [se mobilizem], porque todos vamos nos beneficiar: do ponto de vista financeiro, do pon-to de vista profissional, do ponto de vista de atrair mais turistas”.

A busca do espetáculo e dos bastidores do carnaval remete-nos a algumas reflexões feitas por MacCannell (1973). O autor ampliou analiticamente a questão da ‘irrealidade do mundo turístico’ ao criar o conceito de ‘autenticidade encenada’.

Segundo MacCannell, o que todos os turistas têm em comum é a busca pela autenticidade em outros ‘lugares’ que estejam distantes de sua vida cotidiana. Na visão desse autor, todos os turistas são fascinados pelas ‘vidas reais’ dos outros e buscam ir além do que é normalmen-te mostrado nos lugares que visitam. MacCannell constata que o tu-rista não se satisfaz com um conhecimento de fachada, superficial, pois também quer penetrar nos bastidores dos lugares por onde anda.

[...] A modernidade produz sentimentos de alienação e falta de autenticidade. Mas, produz, também, o desejo de escapar procurando algo que é real. [...] o objetivo do turista é procu-rar, por trás dos bastidores, algo real para experienciar (MAC-CANNEL, 1989 apud PISCITELLI, 2008, p. 204).

MacCannell destaca que, nesses locais de visitação, os olhares dos turistas não podem ser deixados ao acaso. As pessoas têm de apren-

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der como, quando e para onde ‘olhar’. E, para que isso aconteça, marcos claros precisam ser providenciados. Na ‘Cidade do Samba’, o olhar dos turistas é guiado por um roteiro de visitação composto por um balcão suspenso na altura do terceiro piso dos barracões, que permite que o público possa ter acesso ao interior dos barracões por meio de uma passarela externa que circunda os galpões. Assim, é possível que os turistas apreciem a construção das alegorias e o trabalho dos artesãos e dos artistas das escolas de samba, atra-vés de vidraças e de uma varanda, a 8m de altura (BLASS, 2008).

Além disso, em 2006, a LIESA também instalou em seu galpão, lo-calizado na entrada da ‘Cidade do Samba’, quatro oficinas de carna-val integradas ao projeto que denominou “Cidadão Samba”, às quais o público passou a poder assistir diariamente, em três horários fixos (14, 16 e 18h) e guiado por um mestre de cerimônia. As oficinas são: 1) de percussão - onde ritmistas colocavam couro e faziam a afi-nação dos instrumentos de percussão, e percussionistas mostravam sua habilidade, fazendo pequenos solos ao final; 2) de costura - onde duas costureiras ofereciam informações sobre tecidos e aviamentos usados na confecção das fantasias da Escola; 3) de confecção de esculturas de isopor; 4) de samba no pé - com passistas, cantores e ritmistas de samba relembrando antigos sambas-enredo de sucesso do carnaval carioca, e contando com a distribuição de fantasias e chapéu aos visitantes (LIESA News, 2006c, p. 37). Ao término das oficinas, ainda se oferecia ao público um pequeno show de samba, apresentado sob um palco montado dentro de um surdo de marca-ção que já havia servido de abre-alas à Escola de Samba Mangueira.

É importante destacar que MacCannell não avalia a ‘inautencida-de’ dos settings turísticos como algo negativo ,porque, para ele, os ‘pseudoacontecimentos’ – como esses pequenos shows de samba encenados para os visitantes – resultam não de uma procura indi-vidualista do autêntico, mas sim das relações sociais estabelecidas durante as experiências turísticas.

Outra interpretação poderia ser feita com base em Cohen (1988). O autor preconiza a ideia da ‘autenticidade emergente’ ao considerar a autenticidade um conceito construído socialmente, as culturas são dinâmicas e podem reinventar-se. A autenticidade, nessa visão, é considerada ‘o sucesso da farsa’, já que a espetacularização pode

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passar a ser considerada autêntica pela sociedade local. Essa visão é corroborada pela fala do sr. Efraim, ao afirmar que o fato de ela ser encenada não faz com que perca seu mérito, apesar de o foco ser também comercial e seu acesso “elitizado”, em especial, em razão do valor cobrado.

Em torno da mesma questão, porém em uma nova interpretação, Car-los e Cruz (1999, p. 26) indicam que “a indústria do turismo transfor-ma tudo o que toca em artificial, cria um mundo fictício e mistificado de lazer, ilusório, onde o espaço se transforma em cenário para o ‘es-petáculo’[...]”. Tal espetacularização, ao deturpar o patrimônio para atender às configurações do turista, muitas vezes reescreve a histó-ria de forma intencional e retira as lembranças desagradáveis, em-belezando-as e tornando-as, assim, inautênticas (HENNING, 2007).

Outra questão relacionada com a discussão proposta é o fator co-mercialização, pois, para alguns autores (MEETHAN, 2003; SHE-PHERD, 2002 apud BARRETTO 2007), quando um bem cultural se torna bem de consumo, automaticamente deixa de ser autêntico.

Nesse contexto, os desfiles das escolas de samba ao transforma-rem-se, produzindo inovações em sua estrutura, acabaram sendo acusados de perder seu caráter de autenticidade e ficarem vivendo à mercê do dilema entre o ser ou não autêntico. De acordo com Haroldo Costa (2001, p.213),

[...] os componentes e artífices da escola estão sujeitos à radiação informativa que nos chega através de todos os mé-todos e meios. E seria incongruente que uma agremiação destinada a recontar, a sua maneira, episódios, interpreta-ções, avaliações de fatos, pessoas e fragmentos do nosso imaginário prescindissem de uma linguagem contemporânea.

Segundo o autor, muitas mudanças podem ser consideradas positivas, pois, do ponto de vista carnavalesco, “a Escola de Samba, em sendo uma entidade coletiva e mutante, felizmente não se cristalizou e tem disposição para trilhar novos caminhos” (COSTA, 2001, p. 213).

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Considerações finais

Samba e carnaval são partes constituintes da dinâmica cultural da sociedade brasileira. Representam um misto de sentimentos, o po-ético e o de pertencimento, que congregam: a musicalidade – por meio de instrumentos, tais como o surdo de marcação, o tamborim e a cuíca; a dança – no requebrado e no gingado; a comida – nos aromas e sabores; a religiosidade e o sincretismo - na crença e na fé, que, pelo histórico do carnaval, perpassa desde o rito do sagrado até o profano; e o agradecimento – da colheita farta dos primór-dios até os dias atuais, em que são exaltados os corpos à mostra.

O carnaval está, portanto, junto daquelas instituições per-pétuas que nos permitem sentir (mais do que abstrata-mente conceber) nossa própria continuidade como grupo [...] o rito, assim, entre outras coisas, pode marcar aquele instante privilegiado em que buscamos transformar o par-ticular em universal; o regional no nacional; o individual no coletivo ou, ao inverso [...] (DAMATTA, 1997, p. 30).

Desde outubro de 2007, o samba foi declarado Patrimônio Cultu-ral Imaterial do Brasil pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histó-rico e Artístico Nacional. Antes perseguido, tornou-se, pois, patri-mônio cultural do Brasil. Vale lembrar que o samba é uma forma de expressão que se manifesta no cotidiano das pessoas e se transforma em herança cultural de famílias inteiras, sendo trans-mitido de modo geracional e constantemente recriado em todas as suas dimensões. A titulação recebida alavancou a importância da preservação da memória coletiva do saber de um povo, além de ter trazido reconhecimento às tradições populares. Além disso, o samba representa uma das maiores marcas da identidade bra-sileira, e é considerado importante movimento social e político22.

A ‘Cidade do Samba’ é um empreendimento criado com o obje-tivo principal de organizar a produção do carnaval, mas também para ser utilizado como atrativo turístico da cidade, voltado à ex-pressão cultural da população nos domínios das Escolas de Sam-

22 Depoimento de Nilcemar Nogueira, vice-presidente do Centro Cultural Cartola e neta de Agenor de Oliveira – o próprio Cartola. Entrevista realizada em 2009 para a realização do presente estudo.

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ba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. O objetivo principal do presente estudo fixou-se na análise das diferentes percepções de atores sociais sobre a produção e o consumo da ‘Cidade do Samba’ como produto turístico do Rio de Janeiro. Os resultados deste trabalho podem ser divididos basicamente em dois grupos:

1) do ponto de vista de profissionalização e busca de excelência do processo de produção do desfile de carnaval das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro: parece haver um consenso en-tre os entrevistados de que o objetivo foi atingido e que, atualmente, as agremiações dispõem do que há de mais avançado em termos de tecnologia para preparação dos desfiles. Contudo, a confiança que todos tinham de que os problemas de segurança e riscos de incêndio teriam sido definitivamente eliminados – permitindo que todos trabalhem com segurança e de modo organizado no planeja-mento dos desfiles – foi severamente abalada devido a um grande incêndio que ocorreu na ‘Cidade do Samba’ em fevereiro de 201123.

2) do ponto de vista do uso do espaço como atrativo turístico: embora também pareça haver consenso em relação ao potencial e à apropriação da ideia, o mesmo não se pode dizer em relação à execução e efetividade da implantação do projeto, sobretudo no que tange à irregularidade na frequência dos eventos oferecidos aos turistas e ao volume do público que ali tem visitado amiudadas vezes, mas também em relação ao nível dos preços das atrações, em geral considerados muito altos. Nesse sentido, os entrevistados criticam tanto o modelo adotado de administração do espaço - a cargo, quase na totalidade, da LIESA sem o necessário e espera-do envolvimento da esfera pública (notadamente da Secretaria e

23 Um incêndio atingiu, na manhã de 7 de fevereiro de 2011, a Cidade do Samba. Os bombeiros foram acio-nados por volta das 7h30min, e só pouco depois de 11h o incêndio foi controlado. Não houve vítimas. Mas, na manhã do incêndio, a monumental coluna de fumaça que saía da Cidade do Samba podia ser vista a quilômetros de distância. O tipo de material utilizado no local para produzir carros, alegorias e fantasias — plástico, isopor, cola, madeira e tecidos —, altamente inflamável, facilitou a propagação das chamas. O bloco onde ficam os barracões da União da Ilha do Governador, da Portela e da Grande Rio e também a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) foi destruído. As três escolas estavam com os trabalhos bem avançados e, obviamente, seria impossível recuperar tudo o que foi perdido, em menos de um mês, para a realização do carnaval. Por conta disso, decidiu-se que, em 2011, não haveria rebaixamento de nenhuma escola do Grupo Especial. No dia seguinte ao incêndio, o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro (MPRJ) instaurou inquérito civil para apurar as causas do incêndio, levando em conta os danos ao patrimônio público e, também, as notícias de que houve falhas no sistema de prevenção de incêndio. Após o episódio, na Cidade do Samba, as informações eram desencontra-das. O administrador do complexo, Ailton Guimarães Jorge Júnior, disse que não descartava a possibilidade de os sprinklers — importante dispositivo de segurança contra incêndios — terem funcionado abaixo da potência necessária para apagar o fogo.

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demais instâncias publicas de turismo) – quanto a falta de interes-se da iniciativa privada em envolver-se diretamente com o projeto.

Com relação à importância da ‘Cidade do Samba’ na revitalização da zona portuária, a percepção geral dos entrevistados é que, a despei-to de ser reconhecida pontualmente (por estudiosos e profissionais de turismo), na prática não há qualquer esforço real de interação das atividades do espaço com a área portuária. Seus administradores sequer têm sido envolvidos nas discussões recorrentes dos projetos de revitalização da área, apesar de praticamente em nenhum deles os autores omitirem a citação da ‘Cidade do Samba’ (para efeitos de marketing, portanto, parece apropriado) – o que infelizmente não parece ter força para tornar os projetos empreendimentos reais.

O presente estudo sugere que não pode ser atribuído ao projeto da ‘Cidade do Samba’, qualquer tipo de restrição do acesso às etapas 2 (produção dos carros alegóricos) e 3 (produção de fantasias e adereços), pois são fases destinadas ao espaço e que, na verda-de, nas precárias condições e na dispersão da localização dos an-tigos barracões, era um acesso praticamente inviável para turistas.

Já com relação às outras duas fases (criação e preparação do samba-enredo e da bateria, e das performances e coreografias das alas) que são destinadas aos espaços das quadras de ensaio nas comunida-des, as apresentações encenadas para turistas na ‘Cidade do Samba’ como não correspondem aos processos reais, só podem ser associa-das a manifestações encenadas, carentes de sua identidade real..

É importante destacar que o carnaval das Escolas de Samba sofreu com a espetacularização da cultura e com a mercantilização, pois passou a ser produzido para e pela mídia e para um público infinita-mente maior do que o que comporta o espaço destinado aos desfi-les das agremiações. Atualmente, o desfile das grandes Escolas de Samba do Rio de Janeiro tornou-se um grande espetáculo que mo-vimenta consideráveis investimentos públicos e privados e envolve “milhões de reais na divulgação do evento e seus próprios produtos e serviços. Transformando, assim, o próprio desfile, coração da festa, num produto de mídia, propaganda e de mercado” (PEGADO, 2005, p. 18) o que, na opinião de alguns dos entrevistados, dificulta ainda mais para que haja uma atenção maior para a ‘Cidade do Samba’ e o que ela oferece em termos de atrativos turísticos - os quais passam

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a ser considerados produtos de mercado de menor valor. Por outro lado, amplia sobremaneira o acesso ao mesmo em razão da trans-missão ao vivo pelas redes de televisão e internet de todo o mundo.

Todavia, cabe salientar que ainda há tentativas de manter acesa a chama do que há de mais tradicional na manifestão, apesar das di-versas transformações. O que pode ser exemplificado pela opinião de Nilcemar Nogueira que acredita que existam movimentos de resgate das tradições: “O ator Ailton Graça não dispensa o chinelo de char-lote porque tem orgulho das tradições. Martinho da Vila também”.

Como o estudo em tela se trata de uma investigação inicial, diver-sas possibilidades de aprofundamento chamam nossa atenção. Uma delas diz respeito ao fato de que os desfiles de carnaval eram consi-derados verdadeiros teatros ambulantes, os enredos narravam situa-ções e condições de vida da população. Será que o atual ‘boom’ dos blocos de rua que crescem a cada ano no carnaval da cidade, repre-senta a busca do povo pela liberdade de expressão, a procura pela identidade? Trata-se de uma reação popular que pode ser compreen-dida como um movimento contra, que quer incluir, integrar e feste-jar – tal como o samba e o carnaval – uma expressão espontânea?

Outra interessante ideia, que foi até mesmo citada por algum dos entrevistados, seria pensar em uma boa forma de fazer o turista vivenciar a cultura do samba e do carnaval carioca, levando-o a conhecer as quadras das Escolas de Samba, as feijoadas — expres-sões espontâneas da cultura local —,a fim de buscar democratizar o acesso ao processo de produção também nas etapas destinadas a esses espaços? A organização de APL’s – Arranjos Produtivos Lo-cais – poderia ser uma boa iniciativa na retomada do protagonismo comunitário, desde a pré-produção ao consumo final, com a comu-nidade tendo a liderança no processo de criação do carnaval, como evento e espetáculo, dessa vez verdadeiramente, ou melhor, como representativo da expressão de uma cultura considerada popular.

Para Wainberg (1999, p. 12) há uma imagem pública – trademark – dos destinos turísticos urbanos, a ‘marca’ que os consagram e que os fazem se estabelecer como “produtos de consumo”. O autor ainda aponta que toda cidade deseja “vender a experiência da interação do visitante com a sua originalidade específica, o patrimônio propriamen-te dito”. Seria esse o papel da ‘Cidade do Samba’ no Rio de Janeiro?

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As discussões suscitadas sobre autenticidade encenada, parque temático ou simulacro do real podem ser melhor compreendidas com base na análise de Urry (2001), ao salientar que a encenação resulta das relações sociais do turismo e, de certo modo, “todas as culturas são encenadas e são inautênticas. As culturas são in-ventadas, refeitas, e os elementos, reorganizados”. Tal raciocínio, percebido como pessimista a respeito da dinâmica estabelecida en-tre o turismo e a cultura, é contraposto por outra gama de ideias que admitem que produtos turísticos sejam consumidos como alternativa de valorização das culturas locais, no qual os interes-ses dos turistas se voltam para a vivência dos aspectos culturais mais peculiares de cada lugar, enaltecendo suas singularidades.

Nesse sentido, as apresentações atualmente disponibilizadas para visitantes e turistas pela ‘Cidade do Samba’ – os shows noturnos com buffet e apresentação de bailarinos e até desfile ao final e os tours diurnos pelas oficinas, guiados por um mestre de cerimônias – não deveriam ser repensadas para tornarem-se mais autênticas, pois apenas com esse olhar, o turismo torna-se uma prática compatível e comprometida com o fortalecimento da identidade, da preservação da memória e do patrimônio cultural em lugares de destinação turís-tica, como a ‘Cidade do Samba’?

Enfim, são tantas perguntas que acreditamos que não faltem oportu-nidades para que novas pesquisas mais aprofundadas ou que utilizem diferentes metodologias, como técnicas etnográficas e a observação participante, possam ser realizadas e permitam que o esforço de muitos que tornaram o projeto da ‘Cidade do Samba’ uma realidade, seja ainda mais recompensado.

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DO ‘BARRACÃO’ AO ‘GALPÃO: UM ESTUDO SOBRE A ‘CIDADE DO SAMBA’ COMO MERCADORIA TURÍSTICA335

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO336

Intensidade do trabalho no setor hoteleiro da cidade do Rio de Janeiro

AUTORES

Anderson Felisberto Dias

Beatriz dos Santos Machado

Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira

Claudio Osias

Fernando Guilherme Tenório

Mirella Marchito

Patricia Algranti

Rodolfo Muanis

Valentina Schimitt

RESUMO

O mundo do trabalho está no centro de importantes transformações de-correntes da incorporação das novas tecnologias de informação e co-municação, da reestruturação das atividades produtivas, da criação de novas formas de trabalho e da flexibilização das relações de produção. Como conseqüência, tem-se novas características do trabalho e do em-prego: a flexibilização, a intensificação e a precarização do trabalho, o desemprego, a sub-remuneração, a exploração do trabalhador, entre ou-tras. A atividade turística, por sua, vez, ao mostrar-se como importante alternativa para as economias locais de geração de emprego e renda, configura-se como vasto campo para estudo das relações estabeleci-

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Gestão de trabalho, ministrada pelo professor Fernando Guilherme Tenório com a tutoria de Valentina Schimitt, no Curso Observatório de Inovação do Turismo, da EBAPE/FGV.

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das no âmbito do trabalho. Nesse sentido, por este estudo, buscou-se analisar a intensificação do trabalho e suas formas de manifestação no setor hoteleiro da cidade do Rio de Janeiro. A intensificação foi analisada com base nas categorias: forma de contratação, filiação ao sindicato, remuneração, jornada e horário de trabalho, acúmulo de funções e esta-belecimento de metas. Esquadrinharam-se dados da pesquisa do SindRio (2007) e, ainda, dados coletados por meio de questionários aplicados a 133 funcionários de 14 hotéis localizados na cidade do Rio de Janeiro. Entre as categorias investigadas, observou-se que as que mais contri-buem para a intensificação do trabalho nos hotéis pesquisados são a remuneração e o acúmulo de funções.

Palavras-chave: turismo, hotelaria, flexibilização e intensificação do trabalho

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Introdução

A dinâmica imposta pela expansão do capital nos mercados pro-dutivos, contextualizada pela macroeconomia, imprimiu um ritmo acelerado de mudanças nos aspectos endógenos das organizações, influenciando diretamente o mundo do trabalho e, por conseguinte, as relações trabalhistas. Nesse sentido, muito tem sido pesquisado sobre as formas de contratação da mão de obra empregada nas atividades econômicas e sobre abordagens contemporâneas de fle-xibilização organizacional e seus impactos nas relações trabalhistas.

Privatização de organizações e serviços públicos, volatilidade e transnacionalização do capital, desregulamentação do trabalho, flexibilização das leis trabalhistas, incentivo ao investimento priva-do e desregulamentado são algumas das interferências exógenas que contornam o ambiente socioeconômico de empresas e nações. Como consequência, tem-se lucratividade ou o desencadeamento de crises nos extremos da relação ‘risco x retorno’, conforme pôde ser observado no final de 2008, com a problemática originada em empresas norte-americanas.

O mundo do trabalho, como não poderia deixar de ser, esteve e está no centro de importantes transformações decorrentes da incorpora-ção das novas tecnologias de informação e comunicação, da rees-truturação das atividades produtivas, da criação de novas formas de trabalho e da flexibilização das relações de produção. Por conseguin-te, surgem novas características do trabalho e do emprego: a flexi-bilização, a intensificação e a precarização do trabalho, o desempre-go, a sub-remuneração, a exploração do trabalhador, entre outras.

Sennett (1943, p. 9) já apontava mudanças no campo do trabalho, com o relato do desejo de “trabalhadores que sejam ágeis, estejam abertos a mudanças a curto prazo, assumam riscos continuamen-te, dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais”, explicitando o que viria a tornar-se um fator crítico de gestão no século XXI. O autor também aborda a mudança do significado do trabalho, quando o termo ‘carreira’, entendido como “um canal para as atividades econômicas de alguém durante a vida inteira” encon-tra seu substituto na expressão job, que, em inglês do século XIV, significava “um bloco ou parte de alguma coisa que se podia trans-

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portar numa carroça de um lado para o outro”. Nos dias atuais, job reflete a realidade em que as “pessoas fazem blocos, partes de trabalho no curso de uma vida”, atribuindo a essa flexibilidade o sur-gimento da ansiedade na interface empregador versus empregado.

Na busca de diferenciais competitivos, o mundo organizacional pas-sa, então, a ter desafios que podem ser conflitantes, visto que a flexibilização em processos e pessoas resulta em aumento de re-cursos, ou seja, para “reagir de forma flexível e rápida às diferen-tes e complexas demandas do negócio”, conforme registra Tenório (2007, p. 44), faz-se necessário delegar “[...] cada vez mais po-der e autonomia às pessoas que estão envolvidas nos processos e, portanto, mais próximas dessas demandas”. Por outro lado, a racionalização dos processos prevê o aumento da eficiência por meio da qualidade de informações, integrando atividades e tarefas.

Na atividade turística, especificamente, destacada por Barreto Filho (1995) como capaz de ampliar o conhecimento humano ao promo-ver o acesso aos recursos naturais ou aos costumes de outras popu-lações de forma organizada, o enquadramento no rol dos “serviços” e a utilização intensiva da mão de obra apresentam-se como fortes componentes de competitividade.

Objetiva-se, por meio desta pesquisa, verificar e analisar a ocorrên-cia de intensificação do trabalho no setor hoteleiro, na cidade do Rio de Janeiro, e as eventuais formas de manifestação. Para isso, busca-se responder às seguintes questões:

» Existe a ocorrência de intensificação do trabalho no setor hotelei-ro, da cidade do Rio de Janeiro?

» Quais suas formas de manifestação?

Na seção dois, são apresentados alguns conceitos que susten-tam o referencial teórico deste artigo. Na seção três, a linha me-todológica adotada é exposta e justificada. Finalmente, na seção quatro, são feitas considerações sobre os resultados alcançados e, por último, na seção cinco, nas considerações finais, abor-dam-se as possibilidades de aprofundamento desta investigação.

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Referencial teórico

Turismo e hotelaria

O setor turístico é definido pelo Ministério do Turismo como o “conjunto de agentes, operadores, hoteleiros, transportadores e prestadores de serviços”, constituído por atividades secundárias pertencentes à categoria ‘serviços’, conceitualmente estrutura-da como “qualquer ato ou desempenho, essencialmente intangí-vel, que uma parte pode oferecer a outra e que não resulta em propriedade”, caracterizada por intangibilidade, variabilidade, inse-parabilidade e perecibilidade; podendo classificar-se o serviço em “baseado em equipamentos (máquinas)” ou “baseado em pesso-as”, como no caso dos meios de hospedagem (BRASIL, 2009).

A importância econômica do setor está expressa no relató-rio do Fórum Econômico Mundial de 2007, o qual se refere à in-dústria de viagens e turismo “como uma das maiores ativida-des econômicas do mundo”, tendo participado com 10,3% do PIB mundial no ano de 2006, sendo responsável por 234 mi-lhões de empregos, o que corresponde a 8,2% do total glo-bal de postos de trabalho (WORLD ECONOMIC FORUM, 2007).

Especificamente em relação ao Brasil, o setor representa a quin-ta principal pauta de exportação e a primeira na área de servi-ços, com a passagem de mais de cinco milhões de estrangeiros pelo País que possibilitaram US$ 5,8 bilhões de entrada de divi-sas em 2008 (GRECO, 2009). O Ministério do Turismo, por meio do Plano Nacional do Turismo — PNT —, projetava, para o triê-nio 2007-2010, a geração de US$ 6,3 bilhões em receitas e a en-trada de sete milhões de turistas estrangeiros (BRASIL, 2007).

A Organização Mundial do Turismo (OMT) demonstra uma evolução irregular do turismo nos últimos anos, evidenciando-se a diminuição da procura nos principais mercados emissores de turistas, exceções feitas apenas à África e América Latina, que conseguiram crescer 3 a 5%, mesmo com a crise financeira mundial e expansão da gripe suína. Levantamentos da OMT apontam, nos últimos cinquenta anos, a alternância entre períodos de lento e de rápido desenvolvimento

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no turismo mundial; contudo, a longo prazo, a perspectiva de cres-cimento deverá provocar o aquecimento da atividade (WORLD TOU-RISM ORGANIZATION, 2009). Tal cenário pressupõe o respectivo aumento da mão de obra ocupada nas empresas do trade turístico, o que pode resultar em contratação ou em situações de intensificação.

Pesquisa sobre os meios de hospedagem e os impactos na economia constatou que o setor de hospedagem é uma das atividades que mais contribui para melhorar a distribuição regional de renda no País, com um papel de destaque na geração de empregos em que cerca de trezentos mil postos de trabalho são ofertados. Isso se explica pelo fato de a hospedagem ser um dos setores mais intensivos em mão de obra e com grande participação na atividade turística: de-manda cerca de R$ 16.198,60 do valor de produção da atividade para a geração de uma unidade de emprego. Na indústria têxtil, esse valor é de R$ 27.435,20, na construção civil, R$ 28.033,00 e, na siderurgia, R$ 68.205,90 (MINISTÉRIO DO TURISMO et al., 2006).

No Brasil, estima-se que o setor foi responsável, em 2008, por 5,9% dos empregos gerados, tendo participado com 6,2% do PIB nacional, conforme o Conselho Mundial de Viagens e Turis-mo (2009). Nesse contexto, o setor de acomodações, inseri-do nas atividades-meio, vem-se transformando, segundo Walker (2002), de pequenos estabelecimentos de administração familiar em um negócio complexo e lucrativo, e, por conseguinte, buscan-do, nas práticas de gestão, os meios para aumento da produtivi-dade, que, obrigatoriamente, passa pela administração de pessoal.

Cruz e Zouain (2004) observam que há de lançar-se luz a essa entu-siasta geração de empregos sob o foco da disciplina psicodinâmica do trabalho, observando-se quais seriam as condições de emprego geradas pelo turismo. As autoras tecem críticas ao modelo de ges-tão organizacional vigente no turismo brasileiro, quando afirmam:

O modelo de gestão praticado pela quase totalidade das organizações do setor turístico brasileiro — públicas e privadas — está alicerçado, como preconizado pela teoria or-ganizacional científica, no reducionismo e na fragmentação do ser humano como força de trabalho que, em decorrência, tem gerado resultados pouco satisfatórios, quiçá insatisfatórios, ou porque não dizer, nefastos, para a potencialização da satisfação motivacional do corpo funcional (CRUZ; ZOUAIN, 2004, p. 44).

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Ainda segundo as autoras, são práticas recorrentes nos empregos do setor turístico: salários em patamares inferiores aos praticados no mer-cado; gorjeta como complemento do salário; descumprimento de leis trabalhistas (não pagamento de horas extras, ausência de vínculo em-pregatício, ausência de recolhimento de FGTS, INSS); carga horária de trabalho superior à prevista em lei; metas de produção superdimensio-nadas; emprego de natureza temporária; engessamento de carreiras.

Marinho Neto (2006) define a empresa hoteleira como um negócio imobiliário porque comercializa bens e serviços utilizando-se de imó-veis, em que há dois gerenciamentos distintos:

» imobiliário: compreende o imóvel e seus acessórios;

» hoteleiro: relaciona-se com a prestação dos serviços realizados no âmbito do imóvel, como locação de quartos e espaços para even-tos, venda de comidas e bebidas, lazer e entretenimento, telefo-nia, governança, ocasionando a demanda forte por contratação de mão de obra.

Em suma, a indústria de viagens e turismo é tida como uma das maiores atividades econômicas do mundo, e o setor de hospedagem destaca-se no segmento como uma das ativida-des que mais contribui para a geração de empregos no País, pelo fato de a hotelaria ser um dos setores econômicos mais in-tensivos em mão de obra. Desse modo, na seção seguinte, rea-liza-se uma revisão de literatura sobre o setor de hospedagem.

Funções e departamentos dos meios de hospedagem O desenvolvimento deste artigo, cujo enfoque é a intensificação do trabalho nos meios de hospedagem no município do Rio de Janeiro, demanda o entendimento das funções e dos departamentos de um hotel visando à análise das características da intensificação. Estas fun-ções são apresentadas no quadro a seguir e explicadas posteriormente.

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Funções essenciais da empresa hoteleira

Técnicas Comerciais Administrativas Financeiras Contábeis Segurança

RecepçãoGovernançaReservas

A & BTelefoniaEventos

EntretenimentoLavanderiaServiços Diversos

VendasMarketingPromoção

RPPropaganda

Ass. de imprensa

PlanejamentoRH

ComprasInformáticaTransporte

AlmoxarifadoServ. geraisControles

Operacionais

Contas a receber

Contas a pagar

TesourariaCaixaAplic.

financeirasCaptação recursos

Orçamento

ContabilidadeBalanço

patrimonialApropriação de custosAuditoria

EstatísticasContas a pagar e a receber

Manutenção predial

Manutenção equipamentos

VigilânciaPrevenção de

incêndiosPreservação ambientalLimpeza e

higiene

Fonte: Adaptado de SEBRAE - MG (2007).

Segundo Walker (2002), a função principal de qualquer hotel é prover acomodações. Um grande hotel (acima de trezentos apar-tamentos) é administrado pela gerência geral e tem, sob sua di-reção, os seguintes departamentos: (i) hospedagem, (ii) alimentos e bebidas (A & B), (iii) vendas e marketing, (iv) recursos huma-nos (RH), (v) controladoria, (vi) engenharia. A estrutura adminis-trativa de hotéis menores não suportará todos esses departamen-tos, ocorrendo, nesse caso, o acúmulo das funções por outros setores. A contextualização dos departamentos permitirá a análi-se sobre a pesquisa de campo desenvolvida, conforme se segue:

Departamento de hospedagem Responsável pelas partes administrativa, financeira e operacio-nal da hospedagem e pela promoção da segurança do hóspe-de, no hotel. Além disso, é o setor que presta apoio ao hóspe-de em tudo que for necessário, tais como emergências médicas, orientações sobre a cidade e informações gerais. Compreende os setores: 1) recepção; 2) reservas; 3) governança; 4) porta-ria (concierge); 5) atendimento geral ao hóspede; e 6) segurança.

» Recepção: funciona 24h por dia em três turnos de trabalho, nas funções: a) apoio na venda de acomodações; b) controle das des-pesas do hóspede; c) serviço de correspondências; d) apoio geral às necessidades do hóspede.

» Reservas: registra as solicitações de reserva, adequando-as à dis-ponibilidade de habitações do hotel, e informa as condições de pagamento e facilidades do hotel.

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» Governança: é o maior departamento do hotel, pois até 50% dos empregados estão trabalhando neste departamento, cujo objeti-vo principal é cuidar da limpeza e arrumação tanto dos quartos, quanto das áreas comuns do hotel.

» Portaria (concierge — é um funcionário que goza de certa inde-pendência em relação à recepção do hotel): constam de seus serviços: reservas em restaurantes, ingressos para shows, infor-mações sobre serviços e atrações da cidade e outros pedidos especiais demandados pelo hóspede. Nos hotéis menores, os re-cepcionistas do hotel fazem o trabalho do concierge.

» Atendimento geral ao hóspede: compõe-se a equipe de porteiros, mensageiros e telefonista, subordinados, em muitos hotéis, à re-cepção e cujas atribuições consistem na recepção dos hóspedes, retirada da bagagem do carro e serviços de informação.

» Segurança: atua na prevenção e proteção aos hóspedes contra quaisquer tipos de crime e acidentes pessoais que ocorram no ho-tel, envolvendo as seguintes responsabilidades: procedimentos de emergência, segurança dos quartos, controle de chaves, acesso restrito a determinadas áreas, vigilância da área externa, ilumina-ção, sistemas de alarmes, cofres na recepção/quartos, registros.

Departamento de alimentos e bebidas (A & B) Responsável pela administração da cozinha, pelo fornecimento de refeições e banquetes, pelos serviços de restaurantes, de quarto, por frigobar, bares e copa.

Departamento de vendas e marketing Responsável pela promoção do hotel entre clientes corporati-vos, operadores de turismo e agências de viagens e eventos. O departamento de marketing desenvolve as campanhas promo-cionais do hotel, responsabilizando-se pela elaboração de fol-ders, encartes, malas-diretas, propagandas eletrônicas e conta-to com a imprensa especializada para a publicação de anúncios.

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Departamento de recursos humanos (RH) Responsável por recrutar, selecionar e treinar o pessoal do hotel. Além disso, o RH deve funcionar como motivador do funcionário, promovendo campanhas de incentivo/premiação, por meio de even-tos internos e/ou premiações.

Departamento de suprimentos Responsável por contratações de serviços diversos e compra de materiais necessários para o hotel, Assim, cuida de contratos de manutenção dos equipamentos, da compra de alimentos e bebidas, material de limpeza, material elétrico, etc.

Departamento de eventos Responsável pela reserva das salas de reunião, elaboração dos or-çamentos dos eventos, que incluem locação das salas, serviço de alimentos e bebidas e locação de equipamentos audiovisuais, entre outros itens.

Departamento administrativo-financeiro Controlador das finanças do hotel (contas a receber e a pagar) e res-ponsável pela área contábil e pelo atendimento à fiscalização, em geral.

Os diversos departamentos e suas respectivas funções na hotela-ria mostram o caráter multifuncional do setor e, ao mesmo tem-po, apresentam desafios aos administradores no sentido de recru-tar, treinar, motivar e controlar uma mão de obra tão diversificada. Nesse sentido, a compreensão da administração do trabalho pas-sa a ser fundamental para o referencial conceitual deste artigo.

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Da administração científica à flexibilização O trabalho, definido por Marx como “[...] a transformação da na-tureza, o agir dos seres humanos com o apoio de meios e ins-trumentos, guiados por um projeto mental” (apud DAL ROSSO, 2006a, p. 5), vem sendo objeto de análise de estudiosos nos campos ético, moral, legal e operacional. No entanto, é no âm-bito da produtividade empresarial que se encontra o desafio da compatibilização teoria x prática: Como racionalizá-lo? Como torná-lo mais eficiente? Como administrá-lo cientificamente?

Os primeiros estudos e tentativas de racionalização do trabalho estão relacionados com as ideias desenvolvidas por Taylor, Ford e Fayol, precursores da administração científica. Em busca de au-mentar a eficiência do trabalho, Taylor demonstrou as grandes vantagens produtivas da divisão do trabalho e da especialização, ao comparar com tradicionais sistemas que não empregavam tais princípios. Fayol apresentou uma divisão das operações da empresa de acordo com as funções essenciais que precisam ser desempe-nhadas em qualquer organização e estabeleceu 14 princípios que devem ser observados para o bom desempenho das funções ad-ministrativas; enquanto Ford aperfeiçoou o sistema de trabalho em linhas de montagem, a produção em massa e fundamentou sua metodologia de gestão do trabalho em três princípios básicos: in-tensificação, economicidade e produtividade (TENÓRIO, 2007).

A separação entre a concepção e a execução na produção de bens faz emergir, no século XX, o modelo da organização fa-bril taylorista, em que surgem dois tipos distintos de profissio-nais: um homem para planejar e outro para executar o trabalho:

O homem, cuja especialidade sob a administração científica é planejar, verifica inevitavelmente que o traba-lho pode ser feito melhor e mais economicamente median-te divisão do trabalho, em que cada operação mecânica, por exemplo, deve ser precedida de vários estudos preparatórios, realizados por outros homens. E tudo isso envolve, como dis-semos, uma divisão equitativa de responsabilidade e de tra-balho entre a direção e o operário (TAYLOR, 1970, p. 50).

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Em particular, Taylor sustentava sua concepção teórica com base em cinco princípios básicos, assim condensados por Morgan (1996, p. 32):

1. Transfira a responsabilidade da organização do trabalho do trabalhador para o gerente; 2. Use métodos científicos para determinar a forma mais eficiente de fazer o trabalho; 3. Selecione a melhor pessoa para desempenhar o cargo, assim especificado; 4. Treine o trabalhador para fazer o tra-balho eficientemente; 5. Fiscalize o desempenho do traba-lhador para assegurar que os resultados sejam atingidos.

Somam-se a essas ideias, a concepção de Motta e Vasconcelos (2002, p. 38): a boa organização de uma empresa é condição in-dispensável para que todo o processo de racionalização do trabalho tenha bons resultados. Outrossim, a contribuição de Fayol (2007, p. 43) relaciona os princípios da boa administração, dividindo as funções do administrador em “planejar, organizar, coordenar, co-mandar e controlar” por meio de uma proposta complementar de 14 princípios gerais de administração, perpassando pela divisão do trabalho, disciplina, unidades de comando e direção, remune-ração, hierarquia, estabilidade do pessoal, iniciativa, entre outros.

Complementarmente ao taylorismo, Tenório (1994) demons-tra que o fordismo é um método de organização da produ-ção e do trabalho que se caracteriza pelo gerenciamento tec-noburocrático de uma mão de obra especializada sob técnicas repetitivas de produção de serviços ou de produtos, visão ex-pandida por Ferreira et al. (1991 apud TENÓRIO, 2002, p. 140) ao dividir os princípios constitutivos do paradigma fordista em:

Racionalização do trabalho — divisão horizontal/vertical e es-pecialização do trabalho; Desenvolvimento da mecanização por meio de equipamentos altamente especializados; Produção em massa de bens padronizados; Norma fordista de salários — salários relativamente elevados e crescentes para compensar o tipo de trabalho predominante.

Henry Ford (1925, p. 108), por sua vez, desenvolveu e aperfeiçoou o sistema de trabalho em linhas de montagem, impondo o próprio e inflexível ritmo aos trabalhadores. Baseado em plataformas vo-lantes que transportavam as peças de um lugar para outro da linha

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de montagem, deixava os operários em seus postos de trabalho evitando um movimento desnecessário no interior da fábrica e, as-sim, maximizando o tempo. Mas, além dessa ideia, outra merece registro: a de produção em massa, descrita por Womack et al. (apud TENÓRIO, 2002, p. 142), que consiste na completa e consistente intercambialidade das peças e na facilidade de ajustá-las entre si.

A introdução do modelo japonês de qualidade com suas ferramentas e técnicas, como qualidade total, just in time, kanban, kaizen e outras, marca a evolução nos processos produtivos no mundo do trabalho. Segundo Valle e Peixoto (2006, p. 5), o ‘modelo japonês’ não repre-senta uma ruptura completa com as formas anteriores de raciona-lização do trabalho, mas, simplesmente, um relaxamento ou recuo parcial. Ainda, segundo esses autores, a única alteração realmente fundamental proposta no Controle pela Qualidade Total (TQC) é um re-laxamento no grau de separação entre tarefas manuais e intelectuais.

O sistema Toyota de produção, ou produção flexível, é outro exem-plo que, rompendo com os preceitos do fordismo, caracteriza-se pela mecanização flexível da produção relacionada com a deman-da do mercado e não mais com a rígida automação fordista, pela multifuncionalidade dos trabalhadores e pelo trabalho em equipe; pelo just in time (produzir o necessário, na quantidade necessá-ria e no momento necessário) e pela customização dos produtos.

Como se pode observar, a estratégia empresarial incansavelmente busca maior produtividade, e, nesse caminho percorrido em nome da flexibilidade, o impacto recai diretamente sobre o trabalhador, como identificado por Singer (1999, p. 25):

A flexibilidade externa procura traduzir para a gestão do pessoal o que representa o método do just in time na ges-tão de estoques. Trata-se de evitar estoques de mão de obra sem utilidade imediata. Procurar-se-á, pois, ajustar continua-mente o nível de efetivos o mais rente possível às flutuações do mercado. Emprego estável só será assegurado a um núcleo de trabalhadores de difícil substituição em função de suas qualificações, de sua experiência e de suas responsabilidades.

As técnicas preconizadas pela administração científica, aplicadas desde o taylorismo até o toyotismo, estão relacionadas com a bus-ca incessante da maximização da produção e não necessariamente

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com o bem-estar do trabalhador, conforme os críticos da evolução das relações de produção e trabalho. Os reflexos desse processo no trabalho são discutidos nesta pesquisa com base na intensificação, tema da próxima seção.

Intensificação do trabalho Flexibilização, desregulamentação e precarização do trabalho dividem o montante de trabalho economicamente compensador de forma cada vez mais desigual: enquanto uma parte trabalha mais por uma remuneração horária declinante, outra parte crescente perde seus postos de trabalho. A precarização do trabalho tornou sem efeito a legislação trabalhista para uma parcela crescente da força de traba-lho, inclusive a que limita a jornada diária em oito horas, determina a obrigatoriedade de descanso semanal e de férias remuneradas.

Fenômeno antigo na história do capitalismo ocidental, a intensifi-cação do trabalho foi descrita por Marx, valendo-se da metáfora da porosidade do trabalho para explicá-la: “tanto menos recorta-do por paradas, interrupções, tempos de descanso, intervalos de qualquer ordem — genericamente chamados de ‘tempos mortos’ — mais intenso é o trabalho, mais energias são consumidas do tra-balhador e mais resultados produz” (DAL ROSSO, 2006b, p. 33).

Dal Rosso (2006a, p. 70) denomina intensificação do trabalho “aos processos que resultam em maior dispêndio das capacidades físi-cas, cognitivas e emotivas do trabalhador com o objetivo de elevar quantitativamente ou melhorar qualitativamente os resultados”. Por envolver as “capacidades de seu corpo, a acuidade de sua mente, a afetividade despendida, os saberes adquiridos através do tempo ou transmitidos pelo processo de socialização”, ela representa mais do que o esforço físico simplesmente (DAL ROSSO, 2006a, p. 70).

Ao processo inverso o autor chama de redução da intensidade do trabalho ou menos trabalho. Ambos são “processos que se definem em função de relações comparativas no tempo. Comparando-se a intensidade nos momentos t1 (antes) e t2 (depois), pode-se reco-nhecer se houve intensificação ou redução de intensidade do agir” (DAL ROSSO, 2006a, p. 70).

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Pensar em intensidade do trabalho requer foco no trabalhador, e não nas variáveis tecnológicas do processo produtivo, já que elas se encontram ligadas à produtividade. Dessa forma, é possível separar os conceitos de intensidade, esforço humano despendido, de produtividade, mudan-ças técnicas agregadas ao trabalho, na produção de mais resultados.

Nesse sentido, toda atividade compreende certo nível de esfor-ço, gasto de energia física e mental, desgaste com o trabalho e, em decorrência, um aspecto de intensidade. Assim, a intensida-de do trabalho se refere à forma como se realiza essa atividade e ao grau de dispêndio de energia pessoal realizado pelo trabalha-dor na atividade laboral, que pode variar de pessoa para pessoa.

Na perspectiva de Antunes (2002, p. 34), o toyotismo reinaugura um novo patamar de intensificação do trabalho, combinando for-temente “as formas relativa e absoluta da extração da mais valia”.

Este se estrutura preservando um número reduzi-do de trabalhadores dentro das empresas matrizes, mais qualificados, multifuncionais e envolvidos com seu ideá-rio, bem como ampliando, através do aumento de horas extras, da terceirização no interior e fora das empresas, da contratação de trabalhadores temporários [...], opções es-tas que são diferenciadas em função das condições do mercado em que se inserem (ANTUNES, 2002, p. 35).

A velocidade das mudanças expulsou do mercado o trabalhador espe-cializado, fruto da cultura taylorista e fordista, iniciando o movimento pela busca do trabalhador ‘polivalente’, ‘multifuncional’ da era toyo-tista. Conforme Antunes (2006), o trabalhador que cada vez mais as empresas buscam é o que se gestou na fase ‘de especialização mul-tifuncional’, do ‘trabalho multifuncional’, que expressa em todos os setores da economia a intensificação dos ritmos, tempos e processos de trabalho, visto que ser polivalente significa trabalhar muito mais.

Entre as formas de caracterização da intensificação, o trabalho pen-dular, descrito por Antunes, aborda a oscilação entre a perenidade e a superfluição do trabalho:

[...] do lado da perenidade, cada vez menos homens e mu-lheres trabalham muito, com uma jornada ilimitada, às vezes chegando a 16 horas por dia. Do outro lado desse pêndulo, a superfluidade, onde encontramos cenas degradantes em que

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as pessoas precisam trabalhar em cinco ou seis empregos para ter um salário que não corresponde a uma vida digna (ANTUNES, 2008a, p. 10).

Por fim, a incorporação do controle da qualidade pelo proces-so produtivo redunda no repasse, ao trabalhador, da responsabi-lidade sobre a execução das tarefas: “esta incorporação resulta em uma responsabilidade adicional na realização dos trabalhos, reduzindo e até mesmo desaparecendo as categorias laborais e com isso o sistema remunerativo e de garantias sobre a ativida-de exigida pela empresa ao trabalhador” (PONTES, 2006, p. 89).

Ao considerar as formas de intensificação anteriormente citadas, encontram-se evidências, em maior ou menor grau, de transfe-rência para os trabalhadores da ‘responsabilidade’ sobre o risco x retorno, esperando-se, como afirma Sennett (1999, p. 9) que “sejam ágeis, estejam abertos a mudanças a curto prazo, assu-mam riscos continuamente, dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais”, ou seja, que incorporem características presentes no discurso que qualifica o trabalhador empreendedor.

O controle das horas de trabalho por meio de legislação ou por mo-vimentos sociais, impedindo que os empregadores obtivessem mais trabalho pelo alongamento da jornada, levou Marx (apud DAL ROS-SO, 2006b, p. 33) a idealizar a intensificação “como uma prática de exploração do trabalho que é colocada em ação pelos capitalistas de maneira sistemática”. Como recurso, as empresas passaram a alternar ‘alongamento da jornada’ e ‘intensificação do trabalho’, evi-tando operar ambos ao mesmo tempo (DAL ROSSO, 2006b, p. 33).

Por fim, Edwards (1979 apud SINGER, 1999) argumenta a existên-cia de um segmento secundário do mercado de trabalho, em que o trabalho é precarizado, em que o trabalhador é de baixa qualifica-ção, não sindicalizado, composto por atividades características de serviço, entre as quais se destacam algumas relacionadas com o setor de hotelaria: faxineiros, garçons, entregadores, mensageiros, recepcionistas, entre outras.

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Metodologia

O estudo caracterizou-se por uma abordagem predominantemente quantitativa. A intensificação do trabalho foi analisada com base em categorias analíticas expostas no quadro a seguir. O instrumen-to de coleta foi elaborado de forma com que pudesse ser respon-dido em, no máximo, vinte minutos. Optou-se pela realização de um pré-teste com trabalhadores de dois hotéis que resultou em ajustes na redação das perguntas que compunham o questionário.

Categoria Detalhamento

Forma de contratação Tipo de relação trabalhista estabelecida entre o trabalhador e o hotel

Filiação ao sindicato Existência de vínculo com o sindicato

Remuneração Forma pela qual a remuneração acontece

Jornada de trabalho Horas trabalhadas e necessidade de extensão da jornada por meio de horas extras

Horário de trabalho Forma de estabelecimento das folgas e do horário em que o trabalho é executado

Acúmulo de funções Variedade de funções e tempo para execução

Estabelecimento de metas Terminação de metas e pressão que exercem sobre o desempenho

Fonte: Elaborado pelos autores.

Fez-se a definição dos hotéis que seriam pesquisados, inicialmente, com base em uma conversa informal com dois representantes de sindicatos de categorias de trabalhadores ligados ao setor hoteleiro. Esse encontro serviu para expor o objetivo da pesquisa e para a defi-nição conjunta de uma estratégia para a coleta dos dados. Foi infor-mado que um desses sindicatos tinha uma boa relação com os hotéis e que os questionários poderiam ser distribuídos durante as visitas realizadas pelo sindicato aos hotéis em que eram feitos informes ge-rais aos sindicalizados. Essa opção foi descartada em virtude da di-ficuldade de congregar a agenda dos pesquisadores com a do repre-sentante do sindicato que optou em fornecer uma listagem de hotéis que eram recorrentemente visitados. Com base nessa listagem, os hotéis localizados entre o centro e a zona sul1 foram contatados para que fosse dada uma permissão para a aplicação do questionário entre seus funcionários, mencionando-se que o sindicato havia indicado o hotel para participar da pesquisa. Alguns hotéis solicitaram o ques-

1 Região compreendida pelos seguintes bairros: zona sul — Botafogo, Catete, Copacabana, Cosme Velho, Fla-mengo, Gávea, Glória, Humaitá, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa, Laranjeiras, Leme, Rocinha, São Conrado e Urca; centro — Lapa e Santa Teresa.

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tionário para apreciação prévia o que resultou na recusa em partici-par da pesquisa por parte de alguns sob a alegação de que o questio-nário abordava temas controversos para o setor, como horas extras.

Entre os hotéis contatados, 14 concordaram em participar da pesquisa. Cada hotel recebeu de 15 a vinte questionários que foram recolhidos pelos pesquisadores após alguns dias. O critério para a determinação do tamanho da amostra foi a conveniência, dada a disponibilidade dos hotéis em aplicar os questionários e o tempo disponível para a coleta de dados. Considerando-se esses aspectos, 185 questioná-rios foram respondidos, dos quais 52 foram descartados por estarem incompletos, totalizando uma amostra válida de 133 questionários.

Apresentação e análise dos dados Em 2007, o Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes — SindRio — divulgou um estudo sobre o perfil do emprego e da ocupação no se-tor de alojamento do município do Rio de Janeiro (SINDRIO, 2007), cujos dados serão analisados nesse artigo. A pesquisa buscou, com base em dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) do Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), e da PNAD (Pesquisa Nacio-nal por Amostra de Domicílios) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), retratar o perfil do emprego com carteira assinada e da ocupação2 nos segmentos de hospedagem no município do Rio de Janeiro, bem como a evolução e representatividade de seus es-tabelecimentos na economia local, entre os anos de 1995 e 2005.

Atendendo à abrangência do SindRio, o estudo considerou o grupo de atividades 551 que, de acordo com a Classificação Nacional de Ati-vidades Econômicas — CNAE —, é composto por atividades de alo-jamento de curta duração em hotéis, motéis, pousadas, com ou sem serviços complementares, e por imóveis residenciais de curta duração com fins turísticos (IBGE, 2007). Portanto, abrange outros empreendi-mentos além dos hotéis, categoria à qual pertencem os trabalhadores investigados nesse texto. No entanto, considera-se que, para efeito de complementaridade da análise que será feita, os dados da pesqui-sa do SindRio podem ser utilizados, dada a proximidade das caracte-

2 O emprego formal foi analisado com base nos dados da RAIS, e a ocupação compreende os postos informais de trabalho, coletados pela PNAD.

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rísticas do tipo de trabalho desenvolvido nesses empreendimentos.

O estudo do SindRio (2007) demonstra que, no Rio de Janei-ro, havia, em 2005, 464 estabelecimentos no setor de aloja-mento, representando 0,2% do total de estabelecimentos no município. Esse número representa um decréscimo de 20% no número de estabelecimentos quando comparado aos dados de 1995 em que eram 579. Comparativamente a outras capitais brasileiras, a cidade ocupa o segundo lugar, perdendo somen-te para São Paulo que detinha, em 2005, 964 estabelecimentos.

Forma de contratação e filiação ao sindicato Com relação ao mercado de trabalho a pesquisa do sindicato apon-ta, com base em dados da RAIS 2005, que, do total de postos de trabalho no município, 0,8% era proveniente do setor de alojamento, o que representa 15.831 postos em números absolutos. Observa-se que, mesmo com menos estabelecimentos, o setor emprega mais no município do Rio de Janeiro do que no de São Paulo, no qual gera 15.268 postos de trabalho.

Ao compararem-se os dados da RAIS (relativos ao emprego for-mal) com os da PNAD (que abarca tanto o emprego formal quan-to o informal), o estudo aponta que houve uma diminuição no grau de informalidade no setor. No entanto, o número de ocupa-dos (18.214 postos formais e informais) era, em 2005, 15,05% maior do que o de postos formais de trabalho (15.831 postos).

O estudo do sindicato aponta, no entanto, que, no período analisa-do, houve uma relação inversa entre o número de estabelecimentos e a geração de postos de trabalho, ou seja, enquanto o primeiro diminuiu em 20%, o segundo aumentou em 1,5%. Esses dados podem representar, de acordo com esse estudo, maior formaliza-ção dos postos de trabalho no setor ou o fechamento de empre-endimentos de pequeno porte, em que a informalidade seria maior.

Os dados coletados pelos questionários aplicados aos trabalhado-res no Rio de Janeiro apontaram que, ao menos nos hotéis pes-quisados, o grau de informalidade é irrisório. Além disso, a maior parte dos trabalhadores, quase 73%, declarou que é sindicalizada.

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O grau de formalização e de filiação ao sindicato supõe que, na amostra pesquisada, a propensão para a intensificação do trabalho seja menor, já que, ao ter suas relações trabalhistas respaldadas pela legislação e intermediadas pelo sindicato, os trabalhadores es-tariam resguardados de eventuais excessos e imposições dos con-tratantes. Talvez essas características dificultem a classificação des-sa atividade, no contexto estudado, como secundária no mercado de trabalho, como propõe Edwards (1979 apud SINGER, 1999).

Remuneração

A pesquisa do SindRio evidencia outra característica determinante do emprego formal em estabelecimentos de hospedagem: a baixa remuneração. Os dados de 2005 demonstram que 49,4% dos tra-balhadores recebiam, mensalmente, até dois salários mínimos. Além disso, somente uma minoria de trabalhadores, 12,4%, tinha remu-neração que ultrapassava o valor de cinco salários mínimos. Com-parados aos dados de 1995, a remuneração média piorou no setor, já que, nesse ano, 36,3% recebiam até dois mínimos, e 19,6% apresentavam ganhos acima de cinco salários.

Outro aspecto importante apresentado por essa pesquisa diz res-peito ao crescimento de 64,6% no número de trabalhadores que recebem no máximo um mínimo por mês. Essa faixa salarial é carac-terizada pelo sindicato como referente aos menores aprendizes, e o estudo alerta para o risco de esse tipo de mão de obra estar sendo usado regularmente em substituição a trabalhadores mais qualifica-dos e mais bem remunerados.

Quando comparados os dados referentes ao emprego formal com o informal, há uma pequena melhora na renda média. Primeiro, porque há uma diminuição de 49,4% para 44,8% no número de trabalhado-res que recebiam até dois salários mínimos. Segundo, porque a faixa de cinco a dez salários passa de 7,6% para 13,8%. Isso pode ser explicado, de acordo com o sindicato, pelo fato de, no trabalho in-formal, estarem incluídos profissionais autônomos, tradicionalmente mais bem remunerados.

De acordo com o SindRio, o setor é caracterizado por expressivo número de trabalhadores de baixa qualificação. A pesquisa demons-

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trou que, em 1995, 56% dos trabalhadores tinham, no máximo, sete anos de estudo (ensino fundamental incompleto). Número que, em 2005, caiu para 31%.

Na amostra pesquisada, cerca de 30% dos respondentes tinham, no máximo, o ensino fundamental completo (dos quais quase a metade declarou ter ensino fundamental incompleto). Pouco mais de 28% tinham ensino médio completo ou incompleto, e 38,35%, ensino superior completo ou incompleto. Os dados parecem traçar um pa-norama melhor do que o presente na pesquisa do SindRio, já que 15,79% somente declararam ter ensino fundamental incompleto. No entanto, boa parte da amostra é de baixa escolaridade, já que, soma-dos os extratos, 41,35% não tinham nem ensino médio completo.

Como a pesquisa do SindRio levou em consideração a evolução his-tórica no período de dez anos (1995 a 2005), foi possível observar o comportamento da remuneração em relação à escolaridade. Os números indicam, de acordo com o sindicato, indícios da precariza-ção das relações de trabalho no setor, na medida em que os dados apontam para um aumento no grau de escolaridade dos trabalhado-res que não se reflete em aumento da remuneração. Ou seja, “no setor de alojamento, remuneram-se menos seus trabalhadores mes-mo que estes apresentem melhor nível de instrução que no início do período [analisado]” (SINDRIO, 2007).

A presente pesquisa não coletou dados especificamente sobre a remu-neração recebida, no entanto questionou sobre a necessidade de com-plementação de renda pelo trabalho em outros locais. Nesse sentido, 41,67% expressaram satisfação com a renda gerada pelo trabalho no hotel, enquanto cerca de 50% se declararam insatisfeitos com a ren-da (dos quais 11,36% trabalham em outro lugar para complementar a renda). A baixa remuneração pode ser entendida como um fator pre-ponderante na intensificação do trabalhador no contexto analisado.

A insatisfação com a renda, no entanto, não se reflete no cumpri-mento de horas extras que pudessem complementar a remuneração dos trabalhadores pesquisados. A grande maioria dos respondentes, 75,20%, afirmou que, usualmente, não faz horas extras. Dos que disseram fazê-las, limitaram-nas a uma hora semanal (6%), ou a duas (6%) ou três (4,5%) horas semanais. Além disso, questiona-dos sobre o motivo que os levariam a fazer horas extras, somente

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3% dos trabalhadores afirmaram que seria a necessidade de aumen-tar o salário. A maioria, 25,56%, apontou a possibilidade de folgar como o principal motivo. Assinalaram-se outras respostas, como a pressão exercida pelo hotel para que a jornada de trabalho se am-pliasse ou o risco de demissão, por 6% e 1,5%, respectivamente.

Questionados sobre a forma por que são pagos por essas horas, os respondentes afirmaram que as recebem em dinheiro (7,52%) ou em folgas (35,34%). Somente uma pequena parcela, 5,26%, afirma não ser paga quando faz horas além do expediente normal. Pode-se, portanto, afirmar que, no contexto pesquisado, não exis-tem evidências de superfluição, ou seja, da prática de diversos em-pregos para que a renda seja complementada (ANTUNES, 2008a).

Jornada e horário de trabalho No período analisado na pesquisa do SindRio, havia um predomínio da jornada de trabalho máxima permitida pela legislação trabalhista, já que 96% dos postos de trabalho se caracterizavam por carga horária semanal que estava entre 41 e 44 horas. Quando analisados os dados referentes aos trabalhadores informais (baseados na PNAD), esse quadro agrava-se muito, já que 55,2% desses trabalhadores declara-ram jornada de trabalho superior a 44 horas semanais. Esses dados podem sugerir que trabalhadores não formalizados se submetem a condições mais precárias de trabalho ou ao aumento da carga horária em busca de complementação na remuneração, ou até mesmo reve-lam uma inconsistência nos dados fornecidos pelas empresas à RAIS.

Os dados coletados por meio dos questionários indicam que, nos hotéis pesquisados, a jornada de trabalho mais predominante é a de oito horas diárias (59,4%), seguida pela de sete horas (27%) e pela de seis horas (4,5%), não configurando, portanto, carga horá-ria excessiva, além da permitida pela legislação ou que representem a perenidade alertada por Antunes (2008) como característica do trabalho intensificado.

Também não ficou evidente, nos hotéis pesquisados, que haja uma prática de adiamento ou cancelamento de folgas, o que poderia in-cidir na intensificação do trabalho. Os trabalhadores declararam que raramente isso acontece (45,11%) ou que, eventualmente, (25,56%)

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têm suas folgas adiadas ou canceladas. Somente 4,5% declararam que essa é uma prática recorrente. Da mesma forma, a grande maio-ria dos respondentes, 72%, expressou que as pausas no horário de trabalho (como horário de refeição) são sempre respeitadas. Parece que, na realidade analisada, o trabalho não poderia ser classifica-do como denso, ou seja, com poucas paradas e intervalos (DAL ROSSO, 2006b), já que a legislação vigente é obedecida e não há questionamentos por parte dos trabalhadores sobre esse aspecto.

Acúmulo de funções e estabelecimento de metas Os trabalhadores que responderam ao questionário ocupavam di-versas funções, entre as quais se destacam: mensageiro (15,79%), recepcionista (15,04%), arrumadeira (12,78%), gerente (6,02%), telefonista (5,26%) e garçom (3,8%). Portanto, a amostra obtida representa boa parte das funções características exercidas em es-tabelecimentos hoteleiros e algumas delas apontadas por Edwards (1979 apud SINGER, 1999) como mais propensas às características do trabalho precarizado.

Os dados demonstraram que os trabalhadores pesquisados, em sua maioria (59,4%), não consideram que executam mais tarefas do que deveriam na função que exercem. No entanto, uma parcela consi-derável, 36,84%, apontou considerar que acumula tarefas. Pode-se supor que para esses últimos há uma exigência maior de suas capa-cidades físicas e cognitivas, representando certo grau de intensifica-ção (DAL ROSSO, 2006a).

Indagados sobre a adequação do tempo disponível para o cumpri-mento das tarefas, a grande maioria (81,2%) considera suficiente, enquanto 13,5% dos respondentes julgam que a execução das tare-fas que lhes são atribuídas é incompatível com o tempo disponível. A adequação entre o tempo e a carga de trabalho, portanto, não expressa características do trabalho intensificado.

Com relação ao cumprimento de metas, boa parte (38,35%) dos respondentes afirmou não precisar cumprir metas. Entre os que de-claram a determinação de metas por parte do hotel, 40,6% consi-deram-nas de fácil alcance, enquanto 12% expressaram que têm dificuldade em atingi-las. A forma como as metas são estabelecidas

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indica que, nos hotéis pesquisados, não há evidências de que elas pressionem os trabalhadores para que atinjam desempenho para além de suas capacidades físicas e cognitivas. Portanto, as metas não incidem na intensificação do trabalho.

Considerações finais A sazonalidade da atividade turística poderia sugerir que o tra-balho no setor estivesse muito mais propenso aos reflexos da in-tensificação do que os dados dessa pesquisa sugerem. Entre as categorias investigadas, ou seja, forma de contratação, filiação ao sindicato, remuneração, jornada e horário de trabalho, acú-mulo de funções e estabelecimento de metas, observou-se que as que mais contribuem para a intensificação do trabalho nos hotéis pesquisados são a remuneração e o acúmulo de funções.

No que se refere à primeira categoria, os dados coletados entre os trabalhadores dos hotéis pesquisados indicam que a maioria está insatisfeita com a remuneração, e pouco mais de 10% da amos-tra trabalham em outro local para complementação salarial. Os dados do SindRio reforçam o argumento de que, no setor, a re-muneração característica é baixa e que maiores níveis de escola-ridade não refletiram em ganhos salariais durante o período anali-sado. O acúmulo de funções, por sua vez, fica evidente em uma parcela considerável dos respondentes (quase 37%) e indica que esses trabalhadores estão mais sujeitos ao trabalho intensificado.

Ressalte-se que as características dos hotéis pesquisados e as op-ções metodológicas adotadas limitam o alcance das análises aqui expostas, mesmo que a intenção de generalização dos resultados em nenhum momento tenha sido almejada.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO360

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PRODUÇÃO E DIFUSÃO DE CONHECIMENTOS ACADÊMICO-CIENTÍFICO EM TURISMO: ESTUDOS COMPARATIVO DE DOIS PERIÓDICOS ELETRÔNICOS 363

Produção e disseminação de conhecimento científico em turismo: um estudo comparativo de dois periódicos eletrônicos

AUTORES

Adriana Simões

Alessandra Mello da Costa

Danielle Julião

Ester Juer

Joaquim Rubens Fontes Filho

Maria Emilia Melo

Roberto Dutra

RESUMO

Este artigo tem como proposta analisar de forma exploratória e descri-tiva a produção e disseminação do conhecimento científico na área de turismo por meio de um estudo comparativo dos artigos publicados, no período de 2005 a 2009, em dois periódicos eletrônicos, quais sejam: (1) Caderno Virtual de Turismo do Laboratório de Tecnologia e Desenvol-vimento Social/Coppe/UFRJ; e (2) Revista do Observatório de Inovação do Turismo, do Núcleo de Turismo da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE/FGV). Com base na metodologia da aná-lise bibliométrica, procurou-se analisar a produção acadêmico-científica difundida por esses periódicos eletrônicos, avaliando: (a) a quantidade de artigos disseminados; (b) a diversidade e a frequência dos temas trabalhados; (c) as categorizações metodológicas dos estudos (teóri-co/empírico — qualitativo/quantitativo); e (d) as temáticas dos artigos

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Técnicas de pesquisa, ministrada pelo professor Joaquim Rubens Fontes Filho com a tutoria de Alessandra Mello da Costa, no Curso Observatório de Inovação do Turismo, da EBAPE/FGV.

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mais lidos. Esta pesquisa permitiu aos pesquisadores a identificação de pontos convergentes e divergentes entre os interesses dos editores e dos leitores em relação aos temas publicados e acessados. Ao mesmo tempo, com base na análise dos conhecimentos gerados pelos periódi-cos e dos interesses dos leitores, procurou-se traçar um paralelo com o debate acerca do rigor e da relevância na produção e disseminação de conhecimentos em Turismo.

Palavras-chave: turismo, análise bibliométrica, produção de conheci-mento, rigor e relevância, periódicos eletrônicos

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Introdução O presente artigo tem por objetivo contribuir de forma exploratória para um melhor entendimento do que vem a ser a produção acadê-mica em periódicos da área de conhecimento do turismo. Por meio desta análise, acredita-se possível compreender e problematizar um pouco mais os caminhos metodológicos e temáticos que a produção acadêmica do turismo vem traçando nos últimos cinco anos. Apesar de o turismo ser um campo de produção de conhecimento relativa-mente novo no País, vem crescendo nos últimos anos com a abertura de novas graduações, pós-graduações, grupos e centros de pesqui-sas. Acrescenta-se a esse aspecto a característica do turismo como campo interdisciplinar, composto por várias abordagens possíveis e válidas. Esse fato explica o grande número de publicações na área, com diferentes ênfases e influências de outros campos do saber.

Entende-se pertinente, para uma avaliação consistente da comunica-ção científica no campo do turismo no País, o estudo sobre periódicos da área, como veículos de produção e disseminação do conhecimento.

A importância de estudar-se a produção acadêmica em periódi-cos está em ser ela “o arquivo oficial da comunidade científica” (DIAS, 1999, p. 5): em geral, constituídos por textos submetidos previamente à avaliação e à crítica de editores e bancas de espe-cialistas, que consideram a “plausibilidade e a importância da ar-gumentação, sem nenhuma deferência especial à identidade do autor ou da empresa para a qual trabalha” (DIAS, 1999, p. 5).

O periódico como veículo de comunicação do conhecimento, se-gundo Miranda e Pereira, cumpre a função social de “registro ofi-cial público da informação mediante a reconstituição de um sis-tema de editor-avaliador e de um arquivo público — fonte para o saber científico”. Além disso, os autores ressaltam que os perió-dicos ainda estabelecem prioridade da descoberta científica, ser-vem como meio para continuidade da produção do conhecimento e, principalmente, cumprem a importantíssima função de “definir e legitimar novas disciplinas e campos de estudos, constituindo-se em um legítimo espaço para institucionalização do conheci-mento e avanço de suas fronteiras” (MIRANDA; PEREIRA, 1996, p. 376). Pinheiro (2003) aponta que, além dos periódicos, exis-

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tem outras formas de comunicação científica formais, como re-vistas especializadas, anais de congressos, coletâneas e livros.

A publicação de pesquisas e ensaios teóricos em periódicos visa a transbordar o conhecimento científico para além das esferas emi-nentemente acadêmicas, ou seja, comunicar e divulgar esse conhe-cimento para outras esferas da sociedade. Segundo Andrade e Lima, outra razão para essa forma de comunicação científica é a criação de um canal de transmissão de informações à “comunidade técnico-científica, como novas descobertas, técnicas e métodos de análise nas diversas áreas de ciências” (2007, p. 5). Além disso, aumenta o prestígio do autor, pois “os pesquisadores com um grande vo-lume de publicações desfrutam do reconhecimento técnico dentro da comunidade científica, alcançam melhores colocações no mer-cado de trabalho e divulgam o nome da instituição à qual estão vinculados” (ANDRADE; LIMA, 2007, p. 5). Vale ressaltar que, hoje em dia, a pesquisa acadêmica já incorporou a lógica instrumental do mercado de tal forma que os pesquisadores são avaliados qua-se que exclusivamente pela produtividade, em outras palavras, os pesquisadores necessitam publicar artigos em periódicos de rele-vância internacional e nacional para assegurar reconhecimento.

Na sociedade em rede, as relações sociais desenvolvem-se e esta-belecem-se intensamente em um espaço virtual, facilitado por tec-nologias digitais. As formas de comunicação científica passam tam-bém a incorporar-se nesse universo. O crescente e facilitado acesso à internet e às bibliotecas virtuais, multiplicam a disseminação de periódicos que eram exclusivamente impressos e passam a ser dis-ponibilizados também em formato digital. Em consonância com esse contexto, cresce o número de periódicos que surgem unicamente em formato on-line e que submetem os artigos científicos aos mesmos critérios de análise de rigor, relevância e prioridade dos convencionais impressos. Ao mesmo tempo, estão disponíveis também veículos in-formais de comunicação, entre pares na comunidade científica, que servem para a transferência de informações a exemplo da comunica-ção por correio eletrônico, newsgroup, grupos de discussões e infor-mações eletrônicas como a OPACs — Online Public Access Catalog.

Em seu estudo sobre o uso de recursos eletrônicos de comu-nicação e informação por pesquisadores brasileiros na geração

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de novos conhecimentos, Pinheiro (2003) percebeu que o núme-ro de pesquisadores usuários da internet, que se comunica entre pares e submete trabalhos a periódicos, é maior do que 80%; e a média entre aqueles que utilizam bibliotecas digitais e virtu-ais é superior a 50%. Isso mostra que os pesquisadores utili-zam cada vez mais os recursos da rede para o campo científico.

A presente pesquisa tem como recorte a análise comparativa entre duas revistas eletrônicas classificadas pelo sistema Qualis-Capes na área de Administração, Ciências Contábeis e Turismo: (1) o Cader-no Virtual do Turismo, uma publicação do Programa de Engenharia de Produção/Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenha-ria (COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e (2) a Revista do Observatório de Inovação do Turismo, publicada pelo Núcleo de Turismo da Escola Brasileira de Administração Pú-blica e de Empresas (EBAPE) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Este estudo tem como objetivo, pois, identificar as características da produção acadêmica desses dois periódicos, as continuidades e descontinuidades dos temas publicados, seu rigor e sua relevân-cia verificados com base no levantamento de informações de fi-chas técnicas e resumos. Pretende ainda analisar as característi-cas de acessos aos sites desses periódicos nos últimos cinco anos.

Este artigo está organizado em sete partes: a presente introdução; uma análise sobre a produção e difusão do conhecimento em tu-rismo; seguida da discussão a respeito do método bibliométrico; a quarta seção traz o debate acerca do rigor e da relevância nas pesquisas científicas concernentes ao turismo; a quinta seção trata dos aspectos metodológicos do estudo; na sexta, são apresenta-dos os resultados da pesquisa; e, por fim, as considerações finais.

Produção e difusão de conhecimentos em turismo Segundo Rejowski (2001), Barretto (2005), Souza (2008) Brunnelli et al. (2010), a atividade turística no Brasil é um fato que pode ser considerado como recente, caso se vislumbre o turismo em outras

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nações ditas desenvolvidas; consequentemente, pode-se considerar os estudos e as pesquisas no País como ainda mais recentes. O tu-rismo é entendido como um ramo estruturado de negócios de uma atividade psicossocial, apresentando-se como complexo e de efeito multiplicador pela grande quantidade de elementos envolvidos no seu trade, tais como hotelaria, transportes, agenciamento e entrete-nimento, e encontra-se em constante interação com outros aspectos da vida econômica, social, cultural, política e institucional do País. Nessa perspectiva, pensar o turismo exige uma abordagem interdis-ciplinar recorrendo a outras áreas de conhecimento, como sociolo-gia, antropologia, administração, economia, geografia, marketing. Portanto o turismo é estudado não só pelos pesquisadores da área, mas também por aqueles das áreas de conhecimento acima citadas.

Em todo o mundo, o estudo universitário do turismo é relativamente recente datando do início do século XX e tendo origem na geogra-fia e na economia. Segundo Rejowski (2001, p. 15), os primeiros estudiosos, os geógrafos Kohl, Wolf e Jorckzek e os economistas Glucksmann, Schwinck e Bormann da chamada Escola de Berlim — denominação pela qual ficou conhecido o Centro de Pesquisas Turísticas da Universidade de Berlim —, publicaram trabalhos pionei-ros na área. No Brasil, ainda segundo a autora, os cursos superiores em turismo são muito mais recentes e datam do início da década de 1970. A expansão dos cursos de turismo acentuou-se com o crescimento da atividade no País, porém a pesquisa científica, no início, acompanhou de forma bastante tímida a trajetória acadêmica. Somente a partir da década de 1990, a produção científica inten-sificou-se e passou a contar com publicações nacionais na área.

De acordo com a Organização Mundial de Turismo (2003, p. 134), “a pesquisa em turismo feita por acadêmicos contribuiu muito para o reconhecimento dos estudos turísticos como um campo legítimo de investigação acadêmica”. Segundo Rejowski (2001), notadamen-te, os maiores avanços na produção científica em turismo no Brasil são provenientes de dissertações de mestrado e teses de doutorado, uma vez que as publicações de bibliografia técnica ainda apresentam baixa produção no País e está restrita a poucos autores. Em diversas outras áreas, existem publicações sobre o tema, como em adminis-tração, economia e geografia, que também estudam as atividades turísticas e, por isso, necessitam ser identificadas e sistematizadas

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para o avanço do campo de conhecimento e para que possam ser mais acessíveis aos estudantes e pesquisadores interessados em turismo.

Ainda segundo a autora, a pesquisa científica em turismo no Brasil começou a fazer parte do meio acadêmico a partir de 1975 com uma tese de doutorado; porém, até o início da década de 1990, estudos e pesquisas em turismo eram dispersos, produzia-se pouco e os trabalhos nem sempre eram devidamente identificados pelos precários recursos informacionais em bibliotecas especializadas, bancos de dados, centros e redes de informação. Souza (2008, p. 58) ressalta a importância da análise dessa produção ao afirmar que

à medida que a produção científica de uma área do conheci-mento evolui, os próprios pesquisadores dedicam-se a analisar quantitativa e qualitativamente a produção acadêmica, com a finalidade de descobrir quem, o quê e onde se está pesquisan-do, e com qual relevância.

Uma das primeiras pesquisas que buscou avaliar a produção cien-tífica em turismo foi a tese de doutorado de Mirian Rejowski de 1993 na qual a autora realizou um estudo bibliométrico sobre um conjunto de dissertações de mestrado, teses de doutorado e te-ses de livre docência defendidas em instituições brasileiras de ensino superior entre 1975 e 1992. Além de Rejowski (1993, 1998), diversos outros pesquisadores, como Eidt (2004), Barret-to (2005), Souza (2008), Brunelli et al. (2010) têm estudado o crescimento da produção científica de turismo no País, principal-mente em periódicos, teses, dissertações e anais de congressos.

De acordo com Barretto (2005), a produção editorial sobre o tema turismo tem crescido bastante nas últimas décadas no Brasil. Em sua pesquisa, foram contabilizados cerca de mil e quinhentos títulos na-cionais. Souza (2008) confirma o interesse sobre o tema ao declarar em seu artigo que o número de trabalhos submetidos ao ENANPAD (Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduados em Pesquisa de Administração) aumentou de três em 1997 para 18 em 2006. Se-gundo Rejowsky (1998), esse crescimento também é observado in-ternacionalmente, confirmando o crescente interesse da comunidade mundial pelo estudo e pela pesquisa da atividade turística. Um estudo mais recente de Brunelli et al. (2010), no entanto, indica que, apesar de a pesquisa em turismo ser considerada um campo em expansão,

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a publicação mundial anual de artigos tem apresentado uma relativa estabilidade quando analisado o período compreendido entre 2005 e 2009, variando entre 360 a quatrocentos artigos publicados por ano.

Ainda segundo Barretto (2005), o crescimento não significa que exista uma produção científica significativa que reflita a pesquisa em torno dos fenômenos turísticos no Brasil. Já para Eidt “

a diversidade de assuntos e temas nos estudos do turismo tem sido objeto de um contínuo questionamento, pois, em sua grande maio-ria, os trabalhos publicados em turismo apontam a necessidade de buscar estudos mais criteriosos e científicos em suas várias áreas (2004, p. 18).

Em sua tese de doutorado, Rejowsky (1996 apud BARRETTO 2005) também identificou que a produção acadêmica do período analisado se constituía basicamente de surveys ou estudos de ca-sos e análises, orientados para a aplicação prática e embasados em marcos teóricos provenientes da economia, da geografia, das ciências sociais e ambientais, da comunicação e da administra-ção de empresas. A autora apontou que, nos trabalhos analisa-dos, “nem sempre se encontrou rigor científico e espírito crítico, apenas brotaram alguns temas de pesquisa, faltando, em mui-tos casos, domínio da metodologia” (REJOWSKY, 2005, p. 361).

Estudos mais recentes também apontam lacunas no desenvolvimento do conhecimento turístico. Brunelli et al. (2010), em uma revisão de literatura em periódicos relacionados com o turismo, realizada no pe-ríodo entre 2005-2009, com 1.648 artigos de 56 periódicos, mencio-nam carência de estudos, com abordagens sistêmicas no setor turísti-co, que tratem das interrelações entre diferentes atores e atividades.

Esses estudos sobre a produção acadêmica são importantes e reali-zados com frequência em outros países e, por meio deles, permite-se uma avaliação mais detalhada da produção de conhecimento, dos principais temas abordados, de metodologias utilizadas, fontes cita-das, autores, instituições de pesquisa e de nível superior e publica-ções em um determinado período.

Nesse sentido e no anseio de explorar esse campo de conhecimento, utilizou-se, neste trabalho, o método bibliométrico para identificação dos principais temas abordados, das metodologias utilizadas, de es-

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tados e regiões brasileiras mais pesquisadas e artigos mais acessa-dos. Embora considerando que essa ferramenta de análise não seja suficiente para avaliar a qualidade acadêmica e a relevância dos estudos, as informações resultantes são complementares e funda-mentais para a análise da produção científica dos campos do saber.

A contribuição dos estudos bibliométricos e da tecnologia da informação para a análise da produção de conhecimento acadêmico-científico Toda produção científica deve ser avaliada periodicamente, com a finalidade de comunicar à sociedade seus resultados, fornecendo uma prestação de contas do trabalho e mesmo do investimento que nela foi aplicado (VANTI, 2000). Nas últimas décadas, houve neces-sidade de avaliar os avanços alcançados pelas diversas disciplinas do conhecimento. Uma das formas encontradas para essa avaliação foi medir a produção dos centros de pesquisas e dos pesquisadores individuais, para tornar perceptível quais seriam as instituições e áreas do campo científico com maiores potencialidades e aquelas que mais contribuiriam para a produção do conhecimento científico (VANTI, 2002). Entre os diversos métodos ou mecanismos de me-dição voltados para avaliar a ciência e seus fluxos de informação, encontra-se a bibliometria que busca mapear quantitativamente a estrutura dos setores científicos e tecnológicos com base em fon-tes bibliográficas para identificar os autores, suas tendências, suas relações, sua produtividade, sua qualidade e utilidade científica.

Em quase todos os estudos bibliométricos estão presentes algumas definições de bibliometria. Para Rostaing (1996), a bibliometria é a aplicação dos métodos estatísticos ou matemáticos sobre um con-junto de referências bibliográficas. Macias-Chapula (1998, p. 134), por exemplo, definiu a bibliometria como o estudo dos aspectos quantitativos da produção, disseminação e uso da informação regis-trada. Para Santos (2003, p. 29), o princípio da bibliometria é ana-lisar a atividade científica ou técnica pelo estudo quantitativo das

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produções. Também para Dios (2002), o principal objetivo é o desen-volvimento de indicadores cada vez mais confiáveis distribuídos em cinco tipos principais: de qualidade, de circulação, de dispersão, de consumo de informação e de repercussão. Esses indicadores cum-prem a finalidade de apontar os resultados imediatos e efeitos impac-tantes da terminologia corrente no campo da formulação e avaliação dos trabalhos científicos, e são úteis e importantes para entender-se o ciclo de gestação, reprodução e disseminação da ciência e, con-sequentemente, o aprimoramento da política de produção científica.

Segundo Camargos (2009), com base nesses indicadores bibliomé-tricos, é possível determinar alguns aspectos do trabalho científico, tais como crescimento de um campo da ciência, segundo a variação cronológica do número de trabalhos publicados; envelhecimento dos campos científicos, segundo a vida média das referências de suas publicações; evolução cronológica da produção cientifica, segundo o ano de publicação dos documentos; produtividade dos autores ou instituições, medida pelo número de trabalhos; colaboração entre pesquisadores ou instituições, medida pelo número de autores por trabalhos ou centros de pesquisas que colaboram; impacto ou visi-bilidade das publicações no âmbito da comunidade científica nacio-nal e internacional, medido pelo número de citações que recebem em trabalhos posteriores; análise e avaliação das fontes difusoras dos trabalhos, por meio dos indicadores de impacto das fontes; dis-persão das publicações científicas entre as diversas fontes e quem as está produzindo. De forma complementar, para Souza (2008), embora o método bibliométrico não seja suficiente para avaliar a qualidade acadêmica dos trabalhos publicados, necessitando para isso de outros instrumentos de análise, ele contribui, além dos as-pectos acima citados, com a identificação de limitações e poten-cialidades de melhoria da produção acadêmica da área estudada.

Lotka, Zipf e Bradford são autores que contribuíram com três leis básicas para os avanços do campo de análise da bibliometria. Essas são as principais entre várias leis e conceitos que norteiam a biblio-metria, mas existem outras leis e princípios não menos importantes, como as derivadas de análises das informações contidas nas citações dos artigos publicados em revistas ou periódicos. Guedes e Borschi-ver (2005) relacionaram as principais leis e princípios bibliométricos, seus focos de estudo e suas principais aplicações na gestão da in-

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formação e do conhecimento em sistemas de informação e comuni-cação científica e tecnológica e verificaram que das 14 leis ou princí-pios apenas cinco não se utilizam das citações como foco de estudo.

Seriam: (1) a Lei de Bradford, que, ao estimar o grau de relevância dos autores em uma área de conhecimento, tem como foco de estu-do o periódico em si; (2) a Lei de Lotka, que, por meio da análise dos autores, estima o grau de relevância deles em dada área do conhe-cimento; (3) a Lei de Zipf e o (4) Ponto de Transição (T) de Goffman que, para realizar a indexação automática de artigos científicos e tec-nológicos, rastreiam palavras em um texto; e (5) a Lei dos 80/20 que tem como foco de estudo a demanda de informação para entender e criar estratégias para a composição, ampliação e redução de acervos.

Ainda inserido nessa temática, as demais leis, ou princípios, são o Fator de Imediatismo ou de Impacto; Acoplamento Bibliográfico; Cocitação; Obsolescência da Literatura; Vida-Média de uma unidade da literatura de dada área do conhecimento; Teoria Epidêmica de Goffman; Lei do Elitismo; Frente de Pesquisa; e Colégios Invisíveis — todas utilizam as citações dos artigos como focos de estudo para aplicação do método bibliométrico.

Portanto, como se pode observar, a bibliometria, uma ferramenta es-tatística que vem sendo utilizada cada vez mais como metodologia para obtenção de indicadores de avaliação de produção científica, tem contribuído de modo crescente para tomada de decisão na ges-tão da informação e do conhecimento, uma vez que auxilia na orga-nização e sistematização de informações científicas e tecnológicas.

Entretanto é conveniente a utilização de outros referenciais e métodos para uma análise mais profunda da dimensão coletiva da atividade de pesquisa e do processo dinâmico da construção de conhecimento que vem aumentando vertiginosamente, nos últimos anos, em uma relação direta com a disponibilização em meios eletrônicos de acer-vos, bases de dados e bibliotecas digitais (HAYASHI et al., 2007).

Como já visto, os meios eletrônicos desencadearam um processo revolucionário de divulgação de pesquisas acadêmicas pelas possi-bilidades de produção e consumo assíncronos. Hoje, de acordo com Araújo e Souza (2004), os trabalhos acadêmicos são defendidos e disponibilizados em bibliotecas digitais, de maneira mais rápida e

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menos custosa de publicação, ampliando exponencialmente a pos-sibilidade de acesso.

Tenopir e King (1998) explicam a crise dos periódicos na década de 1990, em razão do aumento do preço das revistas, a diminuição dos lucros dos editores, o desenvolvimento de novas tecnologias de in-formação e comunicação, o incentivo e a organização de catálogos e coleções virtuais, e a criação de políticas públicas e institucionais para diminuir as barreiras de distribuição e disseminação. O que levou à multiplicação do número de periódicos que surgiram exclusi-vamente em formato on-line.

Posterior a esse processo, destaca-se que, em 2001, teve início um movimento de apoio ao acesso livre à informação científica pelo Open Society Institute — OSI. Tal fato motivou a elaboração do Ma-nifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Livre à Informação Científica, publicado em 2005 pelo IBICT — Instituto Brasileiro de Informa-ção em Ciência e Tecnologia. Esse manifesto impulsionou o modelo do Portal de Periódicos da CAPES — Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Nível Superior —, utilizado como referência neste estudo.

Além dessas vantagens sobre a publicação de periódicos científicos em mídias eletrônicas, Bertin et al. (2007) complementam desta-cando a facilidade de detecção da informação pelos sistemas de busca que proporciona maior acesso, maior número de citações, facilidade de cópia e impressão. No entanto, nem todos os peri-ódicos são gratuitos, pois o custo de publicação, embora menor, continua alto, uma vez que grande parte da dinâmica de validação dos artigos permanece a mesma. Revistas ou periódicos subme-tem os artigos científicos aos mesmos critérios de análise de ri-gor, relevância e prioridade dos convencionais periódicos impressos.

Marcondes (2005) ressalta, em suas pesquisas no campo da Ciência da Informação, o fato de os periódicos eletrônicos não aproveitarem todas as potencialidades de publicação na Web por não permitirem a utilização de ferramentas disponíveis na rede. Essas publicações não admitem o acréscimo de comentários: são dependentes de um longo processo de leitura, avaliação e citação pelos pares para que novos conhecimentos possam ser incorporados ao acervo de conhe-cimento público.

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Outro fator recorrente de críticas é a não determinação, por par-te dos editores, de critérios de indexação. Indexar significa re-presentar o conteúdo temático de um documento, o que se faz mediante a determinação do assunto de que trata o documento, a seleção dos conceitos relevantes associados ao assunto deter-minado e a tradução desses conceitos para os termos autorizados de uma linguagem documentária (NUNES, 2004). Dessa forma, a indexação permite a recuperação de informações armazenadas em bibliotecas especializadas, centros de informação, bancos de dados e redes de informação. A progressiva implantação de siste-mas informatizados deveria atuar como um fator indutor da forma-lização de procedimentos de indexação, uma vez que ferramentas disponíveis na rede agilizam o processo de busca de documentos.

Assim, para que os artigos atinjam visibilidade, não basta colocá-los simplesmente na Web, é preciso que sejam tratados de forma a serem encontrados quando acionados por leitores que buscam informações sobre assuntos que estejam pesquisando.

Tomando por base a importância da análise da produção científica e do periódico como espaço legítimo do conhecimento, capaz de legitimar novas disciplinas e campos de estudos, optou-se em uti-lizar o método bibliométrico neste estudo para que, com a base de dados produzida por esse método, se construa conhecimento sobre as tendências da produção na área do turismo nesses últimos anos.

Rigor e relevância na produção e disseminação de conhecimentos em turismo O debate sobre rigor e relevância na produção de conhecimentos acadêmico-científicos relaciona-se com a questão da qualidade des-sa produção. Para Vasconcelos, editor-chefe da RAE — Revista de Administração de Empresas:

Uma pesquisa é rigorosa quando é fundamentada em uma cuidadosa construção conceitual e obedece a estritos ditames metodológicos, quando as formas e [os] mecanismos

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que nortearam a realização do trabalho e a elaboração de suas conclusões são claros, apropriados e resistentes a um pro-cesso de crítica franca e aberta. O trabalho acadêmico deve necessariamente ser rigoroso para que o conhecimento por ele gerado seja confiável, e disso derive um valor social signi-ficativo (2009 p. 5).

Ele considera que rigor seria insuficiente para garantir um trabalho de qualidade e que é necessário considerar que o conhecimento gerado também seja relevante. Esse termo, no sentido aqui atribu-ído, diz respeito ao impacto do conhecimento nas práticas sociais e econômicas. Para que um artigo seja relevante é preciso, em pri-meiro lugar, que trate de questões consideradas importantes, dignas de atenção, pela comunidade de leitores, e que traga contribuições para esclarecimento e redefinição dessas questões. Artigos que são apenas rigorosos, diz ele, “pecam pelo fato de terem baixa relevân-cia, correm risco de serem meros exercícios de preciosismo meto-dológico ou conceitual, dedicando grandes esforços à elucidação de questões que não são vistas como importantes para a comunidade” (VASCONCELOS, 2009, p 5). Se eles tratam de temas relevantes sem uma abordagem rigorosa, seja metodológica ou conceitual, “[...] podem ser inspiradores e proféticos, mas lhes faltarão uma di-mensão essencial de confiabilidade dada pelo rigor da argumentação e dos procedimentos metodológicos” (VASCONCELOS, 2009, p. 5).

No campo específico da administração, no qual se inserem os peri-ódicos analisados neste trabalho, autores — como Faria (2007) — demonstram, com base em um resgate histórico, como as principais escolas de administração de negócios, que influenciam boa parte da produção acadêmico-científica no mundo, oscilaram entre um extre-mo e outro no decurso dos anos. Na história da formação dessas escolass havia, no início, uma maior preocupação com a relevância por causa de os acadêmicos, em sua maioria, atuarem mais como instrutores do que como investigadores. No pós-guerra, tais profis-sionais começaram a ser tratados com descaso por engenheiros e economistas que os criticavam pela falta de rigor científico. Oculta-va-se, nas críticas, uma disputa por mercado de trabalho. As escolas de negócios reagiram com vigor e passaram a investir em maior rigor acadêmico montando cursos interdisciplinares e adotando métodos quantitativos. No entanto, com o passar do tempo, o excesso de rigor

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descolou-se da realidade dos praticantes da administração e os ques-tionamentos sobre o equilíbrio entre rigor e relevância na produção de conhecimentos na área voltou a incomodar as escolas de negócios.

Embora descrente de uma mudança rápida e significativa nessa di-cotomia entre rigor e relevância na administração, Faria (2007) de-fende que, quanto menor a distância entre acadêmicos e pratican-tes, mais importante será o conhecimento gerado. Essa proposta é reforçada por Vasconcelos que argumenta que

no seio da comunidade acadêmica, a relevância é nor-malmente construída por um processo de diálogo com outros autores e pelo caráter interativo da discussão que se esta-belece entre os autores dos artigos, os leitores e os poten-ciais autores [...] Este ponto reforça a visão de que a cons-trução do conhecimento, especialmente na área das ciências sociais aplicadas, é uma empreitada coletiva (2009, p. 5).

Os estudos do turismo demonstram forte interface com a área de administração conforme assinalado por Brunelli et al. (2010) na pes-quisa realizada, na qual se identifica que os artigos pesquisados priorizam os temas de marketing em 34,5% dos casos, estratégia em 14,2%, nichos de mercado em 13,9% e desenvolvimento em 12,3%. Embora Brunelli et al. considerem esses temas estratégi-cos, defendem a necessidade de o turismo ter uma abordagem sis-têmica, tratando de assuntos, como redes, cadeia e clusters. Em virtude de seu caráter interdisciplinar e da dependência de múlti-plos atores, identificou-se, ainda, no estudo citado, que, nos arti-gos analisados, menos de 1% desenvolve esse tipo de abordagem.

Tal lacuna pode ser apontada como uma ausência de rigor meto-dológico para o trato de questões relacionadas com o turismo no campo da administração, como apontado por Cooper et al. (2001 apud BRUNELLI et al. 2010, p. 2): “o turismo como um campo de estudo ainda requer uma base conceitual mais sólida, lacuna em relação a qual pode ser atribuída ao fato de a pesquisa acadêmica na área espelhar a fragmentação da indústria e a ausência de es-truturas definidas”1. Esse exemplo sinaliza que a análise de perió-dicos acadêmicos, tanto do ponto de vista do conteúdo como dos usuários, pode apontar a relevância e o rigor do que está sendo pesquisado e difundido pelos centros de estudos sobre o turismo.

1 Tradução livre dos autores.

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Metodologia

Como procedimento de pesquisa, optou-se pela utilização do mé-todo bibliométrico para análise das duas revistas eletrônicas que foram escolhidas com base em critérios preestabelecidos. Para esse recorte, utilizaram-se as seguintes premissas: (i) periódicos que res-peitassem os critérios de publicação do Portal de Periódicos da CA-PES, a saber: (a) já ter sido avaliado pelo programa Qualis CAPES — que é o conjunto de procedimentos utilizados pela instituição para estratificação da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação; (b) serem classificados como A ou B; (c) publi-carem artigos com texto completo em formato eletrônico; (d) serem acessados gratuitamente pela internet; (ii) terem relação direta com o turismo; (iii) serem nacionais; e (iv) qualificados como Qualis A ou B nas áreas de administração, ciências contábeis e turismo2.

Com base nesses critérios, elaborou-se uma listagem preliminar de revistas científicas de centros de referência que publicam artigos sobre turismo. Posteriormente, realizou-se uma pesquisa no Portal de Periódicos da Capes para buscar mais informações sobre eles. Verificou-se que quase todas as revistas propostas não estavam classificadas pela Capes ou não estavam cadastradas no Portal de Periódicos. Assim, partiu-se para a busca direta no Portal por meio da palavra-chave ‘turismo’ e outras palavras relacionadas com o tema3 em três idiomas: português, inglês e espanhol. Entre os 41 periódi-cos nacionais e internacionais encontrados no Portal, apenas quatro cumpriam todos os quesitos propostos como demonstrado a seguir:

Nome Entidade Área Qualis Período disponível

Forma de Aquisição

Caderno Virtual de Turismo UFRJ Turismo

GeografiaB4/2009

ADM2001 – até o

presente Livre

Observatório de Inovação

do Turismo

FGV / EBAPE EMBRATUR Turismo

B4 / 2007ADM

2006 – até o presente Livre

Patrimônio: Lazer e Turismo UNISANTOS Turismo

B5 / 2007ADM

2004 - até o presente Livre

Revista Global Tourism Outros editores

Ciências Sociais Aplicadas (Geral)

Turismo, Antropologia, Geografia

B5/ 2007/ ADM

2004 - até o presente Livre

2 Verificou-se que, nesse sistema de referência de periódicos, eles podem ser classificados em diferentes áreas do conhecimento, de acordo com a(s) área(s) de interesse da instituição que os publica.3 Lazer, hotelaria, patrimônio, turista, ecoturismo, cultura, hospitalidade, entre outras.

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PRODUÇÃO E DIFUSÃO DE CONHECIMENTOS ACADÊMICO-CIENTÍFICO EM TURISMO: ESTUDOS COMPARATIVO DE DOIS PERIÓDICOS ELETRÔNICOS 379

Em princípio essas revistas iriam compor o objeto de análise. Porém, durante a realização da coleta de dados, verificou-se que a revis-ta Patrimônio: Lazer e Turismo, pelo menos durante o período da coleta de dados, não se encontrava disponível on-line, impedindo o acesso às informações. A Revista Global Tourism, apesar de pre-encher todos os requisitos, é temática, e todos os números estão formatados considerando uma única temática, tais como turismo comunitário, geoturismo, turismo e hospitalidade. Esse fato seria passível de alterar o resultado da pesquisa, por isso descartou-se a revista citada de nosso universo de investigação. Portanto se defi-niram, como foco de pesquisa, as revistas: Caderno Virtual de Tu-rismo e Revista do Observatório de Inovação do Turismo, ambas classificadas pela Capes como B4 nas áreas de administração, ci-ências contábeis e turismo, tornando a amostra mais homogênea.

As duas revistas apresentam propostas de editoriais distintas. A Re-vista Acadêmica do Observatório de Inovação do Turismo foi criada com o propósito de servir ao debate de temas relacionados com gestão pública e privada do turismo, orientados para o equilíbrio en-tre abordagens teóricas e práticas. Já o Caderno Virtual de Turismo (CVT) tem ênfase no estímulo à reflexão e à discussão sobre o turis-mo como promotor de desenvolvimento social, apresentando como escopo do debate a visão multidisciplinar do fenômeno turístico que reconhece suas implicações nas dimensões da sustentabilidade: so-cial, ambiental, econômica, histórica, cultural, política e institucional.

Simultaneamente ao processo de escolha das revistas a serem in-vestigadas, foi construído um instrumento bibliométrico de coleta de dados, em que as informações necessárias foram inseridas de manei-ra uniforme, o qual contém as seguintes variáveis: nome da revista, ano de publicação do artigo, volume e número do periódico, nome do(s) autor(es), sua(s) titulação(ões) e respectiva(s) instituição(ões) de ensino/pesquisa à que se vinculam; título e resumo do artigo; mínimo de três e máximo de cinco palavras-chave; macrotemas; e categorias metodológicas.

As informações referentes ao nome da revista, ano de publicação, volume e número da publicação, nome do(s) autor(es) e respectiva(s) instituição(ões) de ensino/pesquisa à que se vinculam e suas titula-

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO380

ções, título e resumo do artigo foram extraídas da ficha técnica de cada artigo.

As palavras-chave isto é, os assuntos principais relacionados com os artigos que nortearam o pesquisador foram transpostos das fi-chas técnicas dos artigos, descartando-se a palavra-chave ‘turis-mo’. Quando o artigo não apresentava o mínimo de três palavras-chave, foi necessária a leitura do resumo para sua identificação.

Além disso, após a leitura de todos os resumos, também foi acres-centado como palavra-chave o estado brasileiro ao qual o arti-go se referia, sempre que o texto permitisse essa identificação.

No que diz respeito à classificação temática dos artigos, definiu-se, anteriormente à coleta de dados, cinco macrotemas4, que foram estabelecidos por consenso entre os pesquisadores: segmentação turística, planejamento e gestão, políticas de desenvolvimento, marketing e educação.

A classificação dos artigos, de acordo com as categorias meto-dológicas utilizadas, seguiu as premissas estabelecidas por Demo (2000) que afirma que existem várias formas de classificar as pes-quisas científicas quanto a esses aspectos. Por pesquisa empírica, Demo (1994, p. 37) entende como aquela dedicada à experimen-tação e à apreciação objetiva e subjetiva da realidade a ser estu-dada e sujeita à capacidade do observador de medir e mensurar.

Já a pesquisa teórica, na acepção de Rodrigues (2007), tem por objetivo garantir ou construir teorias, conceitos, ideias ou ide-ologias. De acordo com esse autor, a pesquisa teórica “não bus-ca a solução de problemas práticos, mas a compreensão da rea-lidade, ou a explicação, ou simplesmente descrevê-la” (2007, p. 42). Portanto a pesquisa empírica distingue-se da pesquisa teóri-ca em função de seu objeto: enquanto a primeira tem como ob-jeto uma realidade determinada, a outra, teorias e conceitos. To-davia, regra geral, ambas as abordagens tratam o objeto com base em teorias, conceitos e informações sobre a realidade.

Demo (2000) e Rodrigues (2007) consideram ainda outros dois tipos de pesquisas: a pesquisa metodológica voltada para a in-quirição de métodos e procedimentos científicos e a pesquisa 4 Em estudo semelhante de Brunelli et al. (2010), foram definidos oito macrotemas para análise da produção acadêmica em periódicos de turismo: strategy, management, marketing, development, sustainability, public police, niche, research.

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PRODUÇÃO E DIFUSÃO DE CONHECIMENTOS ACADÊMICO-CIENTÍFICO EM TURISMO: ESTUDOS COMPARATIVO DE DOIS PERIÓDICOS ELETRÔNICOS 381

prática ou aplicada que está diretamente relacionada com a bus-ca de soluções para problemas concretos e específicos, que se afasta do abstrato, porém sem perder o rigor metodológico.

Por considerar que a abordagem metodológica e a prática retomam as categorias teóricas e empíricas ou são por elas englobadas, optou-se, neste trabalho, por avaliar os artigos apenas como empíricos ou teóricos

Outro aspecto analisado da categoria metodológica diz respeito ao tipo de abordagem e ao instrumento utilizado pelos autores dos artigos, classificados como variáveis quantitativas e qualitativas.

A abordagem quantitativa busca, de acordo com Rodrigues (2007), descrever significados que são considerados inerentes aos objetos e atos, por isso é definida como objetiva. Tem como característica permitir uma abordagem focalizada, pontual e estruturada. A coleta de dados realiza-se por meio da obtenção de respostas estrutura-das. As técnicas de análise são dedutivas, isto é, partem do geral para o particular e são orientadas para resultados generalizáveis.

A abordagem qualitativa busca descrever significados que são social-mente construídos e, por isso, é definida como subjetiva. Tem caracte-rísticas não estruturadas, é rica em contexto e enfatiza as interações. Pela coleta de dados qualitativos, obtêm-se respostas que são semies-truturadas ou não estruturadas. As técnicas de análise são indutivas, orientadas por processos, e os resultados não são generalizáveis.

Vale ressaltar que os dois métodos são úteis e legítimos no desen-volvimento da investigação social. Entretanto se considera que o objeto de estudo e sua problemática definem qual dos métodos deve ser contemplado na proposta metodológica. A diferença maior entre eles, segundo Rodrigues (2007), está na possibilidade de os resul-tados de uma abordagem quantitativa investigar um fato e poder ser generalizável, enquanto a abordagem qualitativa não pode ser generalizável, pois seu objeto é o fenômeno definido com base na interpretação do observador.

Estabelecidas as variáveis a serem pesquisadas, realizou-se a coleta de dados em uma amostra de 223 artigos publicados entre 2005 e 2009, sendo 141 artigos do Caderno Virtual do Turismo (CVT) e 82 artigos da Revista do Observatório de Inovação do Turismo (OIT). Ressalte-se que o instrumento de coleta de dados foi elaborado em

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO382

planilha do software Excel. Posterior ao preenchimento do formulá-rio, os dados foram transferidos para o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) — versão 10.0 — para seu tratamento, as tabelas descritivas produzidas e, finalmente, os dados cruzados.

Após o tratamento, no Excel e SPSS, dos dados coletados, veri-ficou-se que algumas das variáveis eleitas não seriam relevantes para o objetivo do estudo, tais como nome do(s) autor(es) e da(s) respectiva(s) instituição(ões) de ensino/pesquisa à que se vincula(m); titulação dos autores, uma vez que a opção foi de não se traba-lhar com o “fator de impacto” e a “dispersão” na perspectiva da disseminação de informações com base nos centros de pesquisa.

Com base nas demais variáveis e no método bibliométrico, os da-dos foram analisados quanto aos seguintes aspectos: (i) quantidade/volume de artigos disseminados por periódicos; (ii) diversidade e frequência dos temas trabalhados: palavras-chave e categorias de indexação; (iii) categorizações metodológicas dos estudos: teórico/empírico e qualitativo/quantitativo; (iv) dispersão entre regiões/esta-dos e países pesquisados; (v) temáticas dos artigos com maior número de downloads e quantidade de acessos nos periódicos pesquisados.

Pelo presente estudo, analisou-se, ainda, o número de acessos ao site de ambas as revistas, bem como os artigos que tiveram maior núme-ro de downloads. No site do Caderno Virtual do Turismo, a partir de 2008 e sempre no primeiro volume de cada ano, é publicado o Rela-tório Estatístico do ano anterior. Analisando os dados estatísticos de 2009 e filtrando, entre os vinte mais acessados, desde o início da re-vista, os artigos incluídos no período do presente estudo, obteve-se uma lista de 11 artigos. O relatório estatístico da Revista do Observa-tório de Inovação do Turismo foi obtido no Departamento de Tecno-logia da Informação da EBAPE. O levantamento foi realizado desde o primeiro ano de publicação do periódico (2006) até 30 de dezembro de 2009. Para efeito de homogeneidade no estudo, também foram utilizados, na análise, os 11 artigos mais acessados dessa revista.

Pela análise dos conhecimentos gerados por esses periódicos e dos interesses dos leitores, procurou-se traçar um paralelo com o debate sobre rigor e relevância na produção e disseminação de conhecimen-tos em turismo.

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Análise e interpretação dos resultados

Quantidade/volume de artigos disseminados por periódicos A pesquisa contou com uma amostra de 223 artigos publicados entre 2005 e 2009, sendo 82 artigos do OIT e 141 artigos do CVT. Esses periódicos tiveram média de publicação anual de artigos/ano, assim distribuídos:

AnoPublicação de artigos

OIT CVT

2005 - 27

2006 19 39

2007 24 29

2008 19 31

2009 20 28

Média ano 20,5 30,8

Vale ressaltar que a Revista do OIT, trimestral, traz entre qua-tro e cinco artigos por número e, no ano de 2007, publicou duas edições, sendo uma Especial com cinco artigos. Já o CVT, até 2006, tinha sua periodicidade trimestral apresentando em mé-dia seis artigos por edição e, a partir de 2007, passou a ser qua-drimestral com aproximadamente 11 artigos a cada publicação.

Diversidade e frequência dos temas trabalhados: palavras-chave e categorias de indexação Nos dois periódicos analisados, observou-se um universo bastan-te amplo de palavras-chave totalizando 870. Fato que chamou a atenção, visto que havia grande ocorrência de termos (significan-tes) diferentes com significados semelhantes, por exemplo: curso de turismo/ensino do turismo, cultura/produção de cultura/promoção da cultura, desenvolvimento sustentável/sustentabilidade/gestão sustentável, método de pesquisa/metodologia. Esse aspecto pode

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO384

indicar certo desconhecimento dos autores sobre os mecanismos de indexação e sua importância, ou, ainda, a falta de critério por parte dos periódicos na definição de palavras-chave que agreguem temas sobre assuntos similares para indexação dos artigos, potencializando visibilidade e acesso.

A escolha de palavras padronizadas serve como pontos de acesso ao sistema de recuperação de informações. A falta de critérios de inde-xação dificulta a realização de estudos bibliométricos. Nesse senti-do, torna-se relevante a escolha de palavras-chave que possam iden-tificar facilmente o campo conceitual de domínio de uma disciplina.

Pode-se ressaltar ainda nesse campo conceitual que a hierarquia de classificação das palavras-chave é importante para localização; po-rém, em nossa amostra, não foi observada uma preocupação com relação a esse aspecto.

Entre as palavras-chave mais frequentes identificadas nos periódi-cos, incluem-se: ecoturismo 19; identidade cultural 19; hotelaria 17; sustentabilidade 17; desenvolvimento sustentável 16; desen-volvimento local 11; cultura 11; competitividade 10; unidades de conservação 10; imagem 8.

Na Revista OIT, os dez assuntos mais recorrentes foram: hotelaria 16; políticas de turismo 8; competitividade 6; sustentabilidade 6; desenvolvimento local 5; desenvolvimento sustentável 5; imagem 5; impacto econômico 5; planejamento 5; tecnologia 5.

No CVT, os dez assuntos mais recorrentes nas palavras-chave foram: ecoturismo 16; identidade cultural 15; desenvolvimento sustentável 13; sustentabilidade 13; cultura 11; desenvolvimento local 10; uni-dades de conservação 9; impactos 9, patrimônio histórico-cultural 8.

Como citado nessa pesquisa, as palavras-chave foram agregadas em macrotemas. No conjunto dos 223 artigos pesquisados, os macrote-mas se apresentaram, quanto à distribuição de freqüências, da seguin-te maneira: 61 ocorrências (27,4%) em planejamento e gestão; 44 (19,7%) acerca de políticas de desenvolvimento; 33 (14,8%) acerca do marketing e 64 ocorrências para temas de segmentação (28,7%), destacando-se ecoturismo e turismo cultural, respectivamente com 21 (9,4%) e 19 (8,5%) ocorrências. No item segmentação, também foram incluídos: turismo educacional, turismo étnico, turismo de eventos, de negócios, de lazer, rural, sexual, social, da terceira idade e náutico.

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PRODUÇÃO E DIFUSÃO DE CONHECIMENTOS ACADÊMICO-CIENTÍFICO EM TURISMO: ESTUDOS COMPARATIVO DE DOIS PERIÓDICOS ELETRÔNICOS 385

Quanto ao macrotema educação esteve presente em 21 artigos (9,4%), que tratam de epistemologia, metodologia e sobre o ensino profissional do turismo. (Vide Gráfico 1.)

Gráfico I - Frequencia dos Macrotemas - Total

Os 82 artigos da Revista OIT apresentam, com relação aos macro-temas, a seguinte distribuição: educação 7 (8,6%); marketing 19 (23,1%); planejamento e gestão; 27 (33%); políticas de desenvol-vimento 21 (25,6%); segmentação 8 (9,7%). Na segmentação, in-cluem-se o turismo de aventura, cultural, rural, social e o ecoturismo.

Com base nesses resultados, pode-se identificar um alinhamento entre os temas mais publicados e a proposta da revista, uma vez que planejamento e gestão e políticas de desenvolvimento do tu-rismo aparecem, no período pesquisado, na primeira e na segunda posição, respectivamente.

Os 141 artigos publicados no CVT foram organizados tematica-mente da seguinte maneira: segmentação 57 (40%); planejamen-to e gestão 34 (24%); políticas de desenvolvimento 23 (16,2%); educação 14 (9,9%); e marketing 14 (9,9%). Vale lembrar que, na segmentação, tanto o turismo cultural, quanto o turismo ecológico alcançaram 19 incidências, ficando cada um com um terço dos te-mas de artigos de segmentação, totalizando dois terços do total e, no terço final, temas, como turismo de lazer, terceira idade, náutico, negócios, eventos, sexual, social, educacional.

Confrontando esses resultados com o perfil editorial da revista, focado no desenvolvimento social do turismo, pode-se supor que existe um

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distanciamento entre a proposta e o que vem sendo publicado, pelo fato de o macrotema políticas de desenvolvimento não ser o mais citado.

Partindo, então, para uma análise mais detalhada, observa-se que, en-tre os muitos assuntos relacionados com segmentação, os artigos cen-tram-se em dois deles, ecoturismo e o turismo cultural, representando 66,7% do que foi publicado sobre o tema. Desse modo, pode-se fazer um paralelo com a proposta de abordagem da questão da sustentabi-lidade nas dimensões ambiental e histórico-cultural. (Vide Gráfico 2.)

Gráfico 2 - Frenquencia dos Macrotemas - Comparativo

Comparando as duas revistas verifica-se que, em relação à prioridade dos temas, a grande diferença ocorre em relação à segmentação turís-tica, uma vez que no CVT é o tema mais relevante, pois foi encontrado em 40,5% dos artigos. Já na Revista OIT, ele ocupa a quarta posição, representando apenas 9,7% do que foi publicado. As demais categorias aparecem em ambos os periódicos na mesma ordem, ou seja, primei-ro o planejamento e gestão, seguido por políticas de desenvolvimento e marketing, respectivamente, e, por último, o tema educação.

Categorizações metodológicas dos estudos: teóri-co/empírico e qualitativo /quantitativo Os 223 artigos também foram analisados do ponto de vista das categorias metodológicas utilizadas. Assim, 149 (66,8%) estão ba-seados em dados empíricos, enquanto 74 (33,2%) são trabalhos teóricos. (Vide Gráfico 3.)

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Gráfico 3 - Método Empírico e Teórico - Total e Comparativo

Da totalidade, 160 (71,7%) não utilizam dados quantitativos, e 63 (28,3%) artigos utilizam-nos. (Vide Gráfico 4.)

Gráfico 4 - Método Qualitativo e Quantitativo - Total e Comparativo

Ainda houve 90 (40,4%) ocorrências de propostas empíricas não quantitativas e 59 (26,4%) quantitativas. Dos trabalhos teóricos, 70 (31,4%) não utilizaram dados quantitativos, enquanto 4 (1,8%) recorreram a esses dados. (Vide Gráfico 5.)

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Gráfico 5 - Método Empírico/Teórico X Qualitativo/Quantitativo - Total

50%

40%

30%

20%

10%

0

Empírico/

Qualitativo

Empírico/

Quantitativo

Teórico/

Qualitativo

Teórico/

QualitativoLegenda:

Dos 63 artigos que utilizaram dados quantitativos 14 estão rela-cionados com temas de marketing, 14 de políticas de desenvol-vimento, 19 de segmentação, 13 de planejamento e gestão e 4 de educação. Quanto àqueles que tiveram uma proposta empírica, 49 são de segmentação, 46 de planejamento e gestão, 26 de po-líticas de desenvolvimento, 22 de marketing, e 6 de metodologia, totalizando 149. Entre os artigos teóricos, 11 são de marketing, 18 de políticas de desenvolvimento, 15 de educação, 15 de seg-mentação e 15 de planejamento e gestão, totalizando 74 artigos.

Acerca da proposta empírica ou teórica desenvolvida pelos autores dos artigos da Revista do OIT, 44 dos artigos (54,7%) foram clas-sificados como empíricos e 38 (46,3%) como teóricos. A escolha de uma análise quantitativa foi realizada por 23 (28%) dos arti-gos, enquanto 59 (72%) não recorreram ao método quantitativo. Dos 44 artigos com proposta empírica, 25 (57%) não utilizaram metodologia quantitativa e 19 (43%), sim. Quanto aos artigos te-óricos, em um total de 38, 34 (89,5%) não se utilizaram de meto-dologia quantitativa, e 4 (10,5%) fizeram uso dessa metodologia.

Dos artigos com tema educação, apenas um utilizou dados empíri-cos, e 6 não o fizeram. Com relação ao marketing, 10 caracterizam--se por serem artigos empíricos e 9, não. Com relação ao planeja-mento e gestão, 18 são empíricos e 10 teóricos. Nos de políticas de desenvolvimento, 11 são empíricos e 9, teóricos. Na segmen-tação, 4 são empíricos e 4, teóricos. Acerca da metodologia dos artigos com tema educação, 5 não são quantitativos e 2 o são.

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Dos de marketing, 12 não utilizam análise quantitativa e 7, sim. Os de planejamento e gestão, 21 não utilizam, e 5 empregam método quantitativo. Dos de políticas de desenvolvimento, 16 não recor-rem à análise quantitativa e 4, sim. Dos referentes à segmenta-ção, 5 não utilizam, e 3 fazem uso de metodologia quantitativa .

A análise da metodologia utilizada na elaboração dos artigos reforça o alinhamento com a proposta editorial do periódico, pois se verifi-cou que 54,7% dos artigos foram empíricos e 46,3%, teóricos, ra-tificando, assim, o equilíbrio esperado entre essas duas abordagens.

No Caderno Virtual do Turismo (CVT), os empíricos somaram 105 (74,5%) enquanto os teóricos, 36 (25,5%). Com relação a terem recorrido à metodologia quantitativa apenas 40 (28,4%) o fizeram e 101 (71,6%) não. Dos 105 com proposta empírica, 65 (62%) não utilizaram dados quantitativos, e 40 (38%) utilizaram. Das propos-tas teóricas nenhum artigo utilizou dados quantitativos. Organizados com base em temas, entre os artigos sobre educação, 9 são teóri-cos e 5, empíricos e apenas 2 utilizam dados quantitativos. Os de marketing, 12 são empíricos e 2, teóricos. E, ainda, 7 são quantita-tivos e 7, qualitativos. Dos de planejamento e gestão, 28 empíricos e 6 teóricos; e 6 quantitativos e 28 não quantitativos. Os artigos de políticas de desenvolvimento, 15 são empíricos e 8, teóricos; 14 não recorrem a métodos quantitativos e 9 o fazem. Segmentação: 46 empíricos e 11 teóricos. Desses, 41 não são quantitativos e 16 utilizam uma proposta quantitativa de pesquisa. (Vide Gráfico 6.)

Gráfico 6 - Método - Empírico/Teórico X Qualitativo/Quantitativo - Comparativo

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Comparando o resultado das revistas CVT e OIT, ambas apresen-tam predominância de métodos empíricos, 74,5% e 54,7%, e não utilizam, em sua maioria, técnicas quantitativas em seus estudos, 71,6% e 72%, respectivamente.

Dispersão entre regiões/estados e países pesquisados Das cinco palavras-chave interpretadas de cada resumo ou forneci-das pelo artigo lista-se, quando possível, o estado brasileiro relacio-nado. Foram citados 22 estados: Alagoas 1; Amazonas 5; Bahia 19; Ceará 3; Espírito Santo 2; Goiás 1; Maranhão 3; Minas Gerais 12; Mato Grosso do Sul 6; Mato Grosso 1; Pará 3; Paraíba 6; Pernam-buco 4; Piauí 1; Paraná 5; Rio de Janeiro 8; Rio Grande do Norte 7; Rio Grande do Sul 7; Santa Catarina 8; Sergipe 3; São Paulo 13; Tocantins 3. Destaques para Bahia, Minas Gerais e São Paulo.

Na Revista OIT, com relação aos estados, os mencionados foram: Ala-goas 1; Amazonas 1; Bahia 2; Ceará 1; Goiás 1 ; Maranhão 1; Minas Gerais 5; Mato Grosso do Sul 3; Paraíba 1; Pernambuco 4; Paraná 1; Rio de Janeiro 4; Rio Grande do Norte 4; Rio Grande do Sul 5; Santa Catarina 2; São Paulo 3. Foi encontrado um único trabalho referente à Espanha e um pelo olhar dos britânicos sobre o turismo no Brasil.

No Caderno Virtual do Turismo (CVT), os estados relacionados nos artigos foram: Amazonas 4; Bahia 17; Ceará 2; Espírito Santo 2; Maranhão 2; Minas Gerais 7; Mato Grosso do Sul 3; Mato Grosso 1; Pará 3; Paraíba 5; Piauí 1; Paraná 4; Rio de Janeiro 4; Rio Grande do Norte 3; Rio Grande do Sul 2; Santa Catarina 6; Sergipe 3; São Paulo 10, Tocantins 3. Foram também identificados outros países: Espanha 1; e Cabo Verde 1.

Temáticas dos artigos mais lidos nos periódicos pesquisados/acessos e downloads Em um primeiro momento, investigou-se se a distribuição da frequ-ência dos downloads apresenta consonância com a frequência com que os temas aparecem nos periódicos estudados. A pesquisa reali-zada na Revista do Observatório de Inovação do Turismo apresentou

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a seguinte distribuição: 41,26% dos downloads foram de artigos que tratavam do tema planejamento e gestão; 22,83% de educação; 18,81% de políticas de desenvolvimento; e 17,10% de marketing.

Gráfico 7 - Compartivo - Acesso

Como na frequência de publicação dos temas, planejamento e gestão ocupam a primeira posição em downloads. O tema educa-ção, aqui incluídas as questões de metodologia do ensino do tu-rismo e da formação profissional, aparece em segundo lugar no número de downloads; já entre os temas publicados, ocupa o úl-timo lugar, representando apenas 8,6% dos artigos. Além dessa discrepância observada em relação à temática educação, o tema segmentação também chama a atenção, pois não aparece en-tre os 11 artigos mais acessados da revista. Uma provável expli-cação seria o pequeno número de artigos sobre o assunto: ape-nas oito ou 9,7% do que foi publicado no período do estudo.

O estudo envolvendo o Caderno Virtual do Turismo obteve a se-guinte distribuição: 56,54% dos acessos foram em artigos sobre segmentação turística; 21,99%, planejamento e gestão, 7,33%, marketing; 7,31%, educação; e 6,83%, políticas de desenvolvi-mento. Confrontando-se com os resultados da análise bibliométrica, observou-se que o tema segmentação lidera, nas duas análises, pla-nejamento; gestão surge em segundo lugar; marketing e educação permanecem empatados. A única discrepância ocorreu com o tema políticas e desenvolvimento: na análise bibliométrica referente à in-cidência de publicação dos temas, posicionava-se em segundo lugar,

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com 16,4% das ocorrências, mas, no número de downloads ficou em último lugar, apresentando quase um terço desse percentual.

Considerações finais O avanço no desenvolvimento das tecnologias da informação impac-tou o processo de produção e disseminação de conhecimentos aca-dêmico-científicos em vários aspectos: aumento da visibilidade, maior facilidade de acesso e busca de informações, maior velocidade entre o processo de publicação e divulgação dos conhecimentos gerados, redu-ção de custos, assim como a criação de mecanismos para a interação entre leitores (usuários e praticantes) e produtores de conhecimento.

A análise da produção de conhecimentos também foi beneficiada pelo avanço nas tecnologias de informação, por possibilitar o desen-volvimento do método bibliométrico e suas diferentes abordagens.

No campo recente da produção de conhecimentos acadêmico-cien-tíficos gerados pelas escolas de negócios e turismo, o estudo ex-ploratório dos periódicos eletrônicos analisados neste artigo (CVT e OIT), permite demonstrar, ainda que de forma exemplar, como se tem desenvolvido essa produção: os macrotemas e assuntos que estão sendo pesquisados; sua diversidade e frequência; as cate-gorias metodológicas utilizadas (estudo empírico/teórico e quanti-tativo/qualitativo); a dispersão entre as regiões e os estados mais estudados. E, ainda, do ponto de vista dos usuários/leitores, ava-liar seus interesses, ou seja, os temas e artigos mais procurados.

Fazendo uso dos resultados gerados pelo método bibliométrico e dos recursos disponibilizados pela tecnologia da informação foi possí-vel, no presente estudo, analisar aspectos relacionados com o rigor e a relevância da produção acadêmica dos periódicos selecionados.

Quanto ao rigor, observa-se que os artigos são submetidos a processos semelhantes aos utilizados em periódicos impressos, sendo aprecia-dos por bancas que examinam sua qualidade e interesse. Os próprios periódicos também são avaliados pelo sistema Qualis-Capes. Classifi-cados como B4 significa que ainda podem galgar avanços na melho-ria de qualidade. Critérios claros de apresentação e seleção também

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são importantes para o alcance de maior rigor do que é divulgado.

Do ponto de vista científico-metodológico, vários autores chamam a atenção para o pouco rigor e análise crítica nos estudos na área de turismo, sobretudo pela ausência de abordagens que adotem enfoque sistêmico necessário à compreensão da complexidade das relações entre os múltiplos atores e setores envolvidos na atividade turística.

No que se refere à relevância, pode-se avaliá-la com base na análise da interação entre o que está sendo produzido e os interesses dos leitores, comparando-se os três macrotemas mais pesquisados com os três mais procurados.

A pesquisa nos dois periódicos aponta que a convergência/diver-gência entre os interesses dos produtores/leitores em relação aos macrotemas varia em função do perfil da revista. Considerando-se os assuntos mais estudados pelas duas revistas, os interesses dos produtores focam-se nos macrotemas: segmentação (29%), pla-nejamento e gestão (27%) e políticas de desenvolvimento (20%).

No caso dos artigos do OIT, os macrotemas mais procurados pelos leitores foram planejamento e gestão (41,26%), educação (22,83%) e políticas de desenvolvimento (18,81%), havendo uma convergência em relação a dois macrotemas e uma divergência quanto a um terceiro.

No caso do CVT, há também convergência em dois macrotemas, entre os três mais procurados, segmentação (56,54%) e planeja-mento e gestão (21,99%), e uma divergência, marketing (7,33%).

Todavia, deve-se levar em conta que, para que essa interação seja ma-ximizada é necessário que o sistema de classificação dos artigos por meio das palavras-chave seja aperfeiçoado nos dois periódicos, com base na elaboração de sistemas de indexação padronizado que leve em conta os termos mais relevantes no campo de conhecimento do turismo. Nessa mesma perspectiva, é importante que, como veículos de difusão de conhecimentos por meio eletrônico, esses periódicos aperfeiçoem suas ferramentas de busca, possibilitando listagem dos artigos com base em palavras-chave em toda a base simultaneamente. O periódico da OIT não possibilita, hoje, uma busca em toda a sua base, uma vez que elas devem ser feitas em cada número individualmente.

Na perspectiva do interesse dos usuários, de forma a afinar a re-levância do que está sendo produzido e consumido, é importante

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO394

também, a exemplo do que se vem realizando no CVT, a elaboração e divulgação de relatórios de acesso a esses periódicos, contendo, ao menos, o número de visitas ao sítio na internet e de downloads dos artigos mais procurados.

Com o propósito de aprimorar a qualidade da produção científica e, nesse contexto, o rigor e a relevância dos estudos de periódicos, ratifica-se a importância da investigação contínua do conhecimen-to produzido e disseminado no campo do turismo por meio de métodos bibliométricos.

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PRODUÇÃO E DIFUSÃO DE CONHECIMENTOS ACADÊMICO-CIENTÍFICO EM TURISMO: ESTUDOS COMPARATIVO DE DOIS PERIÓDICOS ELETRÔNICOS 395

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SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO PARA TURISTAS INTERNACIONAIS EM MEGAEVENTOS: UMA ANÁLISE SOB A ÓPTICA DO PENSAMENTO LEAN 399

Serviço de comunicação para turistas internacionais em megaeventos: uma análise sob a óptica do Pensamento Lean

AUTORES

Maria Clara Tenório

Paola Bastos Lohmann

Priscilla Haack

Renata Silencio

Ricardo Sarmento Costa

Thais Costa

Thays Guimarães

RESUMO

A organização de megaeventos esportivos exige um intenso e mi-nucioso trabalho de gestão de operação, por envolver diferentes stakeholders, como meios de hospedagem, transporte, alimentação, segurança, comunicação. Com base nesse pressuposto, o presente artigo busca trazer a abordagem do conceito Lean de produção, que visa a identificar o que representa valor para o cliente, nesse caso o turista internacional, para então avaliar tempos e atividades que não agregam valor no processo e sugerir melhorias para um fluxo contínuo. A investigação deu-se no campo da comunicação, com base em uma solução Lean: o kit do torcedor FIFA da Copa de 2010 da África do Sul. Esse caso inspirou o mapeamento de fluxo de valor (Value Stream Mapping — VSM) de um serviço de comunica-ção utilizado por um turista estrangeiro no Brasil. Tal investigação

Este capítulo foi elaborado com base nos conceitos desenvolvidos na disciplina Gestão de Operações, ministrada pelo professor Ricardo Sarmento Costa com a tutoria de Paola Bas-tos Lohmann, no Curso Observatório de Inovação do Turismo, da EBAPE/FGV.

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traduziu os gargalos existentes na prestação de serviços quando não se tem como foco criar valor para o cliente. Entre as principais contribuições do artigo, destaca-se a discussão do conceito Lean aplicado a serviços (não somente à indústria) e, em especial, aos diferentes segmentos de turismo e megaeventos esportivos, que exigirão um elaborado trabalho de gestão de operações no país.

Palavras-chave: eventos esportivos, gestão de operações, solução Lean, turismo, comunicação

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SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO PARA TURISTAS INTERNACIONAIS EM MEGAEVENTOS: UMA ANÁLISE SOB A ÓPTICA DO PENSAMENTO LEAN 401

Introdução

Nos últimos anos, o Brasil vem-se destacando no cenário mundial em razão de diversos fatores, entre eles o desenvolvimento econô-mico. Nos próximos anos, no âmbito de esporte e turismo, o País ganhará destaque especial por ter sido escolhido como sede de dois dos mais importantes megaeventos esportivos do mundo: a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos, em 2016.

Esses eventos propiciarão diversos benefícios para o País, já que envolvem investimentos para as cidades-sede, impactos econô-micos, divulgação da imagem e dos destinos pela mídia espon-tânea e a patrocinada, entre outros. No entanto, eventos de tal magnitude, se mal planejados, podem intensificar lacunas e pro-vocar o endividamento de municípios e a disseminação de uma imagem negativa do País, comprometendo os cofres públicos, a credibilidade nas relações comerciais internacionais e, em par-ticular, na realização de outros eventos internacionais no País.

De acordo com Barbosa (2005), a decisão política de sediar um evento pode contrariar diversos fatores técnicos que não podem ser postos em segundo plano. Assim, impactos positivos e negativos precisam ser avaliados, de forma a produzir um resultado minimamente satis-fatório para o desenvolvimento socioeconômico de uma localidade.

De fato, são diversos os impactos nos setores envolvidos, direta e in-diretamente, com esses megaeventos; mas alguns merecem atenção especial do ponto de vista econômico-social e estão relacionados com o turismo, tais como transportes, hospedagem, alimentação, segurança, saúde e comunicação — uma vez que os participan-tes, nacionais ou internacionais, utilizarão esses serviços durante todo o período em que estiverem na cidade ou viajando pelo País.

Outro ponto interessante a observar é que tais serviços envolvem diferentes tipos de clientes, como patrocinadores, organizadores, representantes da mídia, esportistas, residentes ou turistas, o que significa dizer que as necessidades e os valores de cada um deles são diferenciados e que, de alguma forma, deverão ser atendidos du-rante, antes e após o evento. Esse é provavelmente um dos maiores desafios de um megaevento; é, pois, necessário um trabalho minu-

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cioso que considere esses diferentes atores e suas especificidades.

Diante desse quadro, o artigo em tela objetiva analisar como o Lean, conceito criado na indústria, pode agregar valor também aos servi-ços, particularmente na melhoria da gestão de operações de mega-eventos esportivos no País.

Para fins de análise, a investigação exploratória deu-se no campo da comunicação, relacionada com a utilização da telefonia móvel por um turista estrangeiro no Brasil. Escolheu-se esse tipo de cliente, já que megaeventos esportivos movimentam um número expressivo de estrangeiros que, muitas vezes, não dominam o idioma falado em ter-ritório nacional, o que dificulta a obtenção de informações. Além do mais, veem-se esses turistas como estratégicos para o País, pois im-pactam economicamente os diferentes destinos-sede. A utilização da telefonia móvel, de forma contínua, conforme prevista pela aplicação do conceito Lean, pode favorecer ao turista estrangeiro em diferen-tes aspectos: acesso à comunicação local, sensação de segurança, conforto e, inclusive, compra de serviços durante a estadia no País.

Assim, inicia-se o artigo com uma breve discussão sobre a impor-tância dos megaeventos esportivos para o turismo e como as cida-des ou nações-sede podem tirar benefícios por abrigar tais eventos.

Constrói-se a segunda parte de embasamento teórico-conceitual, englobando coleta de dados secundários no contexto dos megae-ventos esportivos, da comunicação móvel no País e do sistema Lean e sua aplicabilidade em serviços.

Na terceira parte, apresenta-se a investigação exploratória realizada no estudo, que busca detalhar processos e identificar momentos que não agregam valor e que, portanto, precisam ser eliminados para que seja possível um fluxo contínuo e enxuto. O foco de análise teve como refe-rência o kit do torcedor FIFA da Copa do Mundo de 2010, que agrega o conceito Lean no que tange à comunicação móvel, em contraponto com a realidade do turista internacional que viaja para o Brasil. Como pontos críticos, destacam-se: habilitação do aparelho móvel, com-pra de chip e instruções para realização de chamadas internacionais.

A estratégia de analisar o processo do ponto de vista do mapeamen-to de fluxo de valor (Value Stream Mapping — VSM) foi fundamental para apontar a aplicação do conceito Lean, que valoriza o levanta-

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SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO PARA TURISTAS INTERNACIONAIS EM MEGAEVENTOS: UMA ANÁLISE SOB A ÓPTICA DO PENSAMENTO LEAN 403

mento minucioso de informações no “gemba” (chão de fábrica, local onde ocorre o processo de transformação propriamente dito) em vez da utilização de dados médios, padrão, presumidos, agregados.

Por fim se apresentam as considerações finais sobre o tema proposto, a fim de se criar valor para o turista estrangeiro que participa de um me-gaevento no País e estimular discussões futuras e mais aprofundadas para a aplicação do conceito proposto, não só na gestão de operações de megaeventos, mas nos diferentes segmentos de turismo no País.

Turismo em megaeventos esportivos Megaeventos esportivos movimentam significativos investimentos e geram intenso fluxo de pessoas em curto espaço de tempo. Durante o período do evento, as gerências locais deparam com diferentes de-safios para atender às necessidades dos participantes. Para os orga-nizadores dos eventos nas cidades-sede, as experiências adquiridas em cada uma das edições anteriores em outros países podem somar para o planejamento dos eventos futuros. Porém, como cada experi-ência é única e como cada evento ocorre em um determinado con-texto econômico-social, os resultados positivos e negativos serão mensurados no decorrer do tempo, em curto, médio e longo prazo.

Para sediar eventos desse porte, os países e as cidades candidatas participam de uma disputa acirrada, em que diversas exigências de-vem ser cumpridas. Os investimentos são significativos, tanto por parte da iniciativa pública (que entra com maior volume de recursos), como da iniciativa privada. Certamente, o interesse em sediar tais eventos surge tendo em vista os impactos positivos que eles podem causar e, também, pela possibilidade de promover-se o país, atrair in-vestimentos locais, estimular as relações internacionais, entre outros.

Atualmente os eventos globais apresentam-se como uma oportunidade única de promover o país como também modernizar e desenvolver as cidades. Estes oferecem forta-lecimento das relações públicas, trazendo iniciativas e pro-jetos intergovernamentais que auxiliam o crescimento eco-nômico, social e político da nação (CLARK, 2008, p. 125).

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Esses eventos globais aceleram investimentos, implantando estraté-gias regionais mais rapidamente, criando oportunidades para a nação, ou a cidade, conquistar outras melhorias e manter todo o trabalho e reestruturação propiciada inicialmente. Segundo um estudo do Mi-nistério do Turismo com o Instituto Brasileiro de turismo (Embratur):

Eventos são atrativos porque geram valor. A atenção e os investimentos crescentes que países e organizações de turismo em todo mundo passam a dispensar à captação de eventos se explicam pelos benefícios que a cadeia econômica, movimentada pelo segmento, traz para o País na economia; no desenvolvimento profissional e de negócios e na comunidade (EMBRATUR, 2010).

No entanto, a realização de megaeventos gera também muitos im-pactos negativos para a cidade e o país-sede, conforme alerta Bar-bosa (2005).

Incentivar um evento simplesmente pelo seu caráter econômico pode ser tão nocivo quanto atá-lo à sua esfera cultural, de forma a limitar sua sustentabilidade. Desta forma, cabe à esfera pública a administração das necessidades para a organização dos eventos enquanto atrativo para o turismo local, negociando com a comunidade os seus limites, seu melhor aproveitamento e estratégias para a sua perpetuação (BARBOSA et al., 2005).

De acordo com Higham (1999), existe um crescente número de pesquisas acadêmicas sobre os efeitos negativos ou ambivalentes dos eventos, tanto do ponto de vista econômico, quanto do so-cial. Como afirma Barbosa et al. (2005), as críticas, em sua maio-ria, estão centradas no processo de escolha da cidade que, de acordo com Higham (1999), pode estar desviando parte dos be-nefícios econômicos e sociais da comunidade onde o evento será realizado, indo ao encontro principalmente dos interesses de patro-cinadores e organizadores que conhecem pouco a realidade local.

As exigências das organizações esportivas — Federa-ção Internacional de Futebol (FIFA) e Comitê Olímpico Inter-nacional (COI) — para a realização de seus eventos, abran-gem diversos aspectos para garantir alta qualidade técnica e organização. Desde o plano de atendimento às famílias es-portivas, à imprensa internacional, aos torcedores e espec-tadores até estruturas esportivas, acessos, deslocamentos,

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transmissão e comunicação, todos passam por uma análi-se rigorosa antes da aprovação das sedes dos eventos que, posteriormente, são apoiados e acompanhados por mecanis-mos eficientes de monitoramento (EMBRATUR, 2010 p.87).

Como se pode observar, os clientes são variados, assim como suas necessidades. Adequar as necessidades e gerar soluções para as di-ferentes demandas torna-se um desafio constante. Com base nesse contexto, as cidades e os países visam a aperfeiçoar os benefícios positivos que um evento pode trazer e, para isso, criam planos e pro-jetos específicos para atender turistas e atletas que irão participar do evento. Durante o planejamento, questões, como desenvolvimento local, infraestrutura, transporte, branding, marketing, devem ser prio-rizadas. Para isso, faz-se necessário a criação de um plano de ação por parte da organização local, baseado nos interesses dos stakehol-ders, como a população, os turistas, a iniciativa pública e a privada.

Tomazzoni (2002) aponta, no modelo dinâmico, o conjunto de relações ativas existente entre os diferentes atores: Poder Público, comunida-de local, setor privado, promotora de eventos e clientes visitantes. Figura 1: Modelo dinâmico de gestão de eventos (TOMAZZONI, 2002)

7a 1a

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Emery (2008) aponta, no entanto, que, apesar dos grandes even-tos esportivos existirem há milhares de anos, somente na última década essa indústria se profissionalizou e se tornou mais bem es-truturada. Como consequência desse processo tardio de desenvol-vimento, a gestão e o planejamento dos eventos esportivos ainda

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO406

não são devidamente trabalhados conforme a complexidade exigi-da. Os eventos são basicamente geridos com foco na experiência adquirida pelos gestores — em detrimento das qualificações ge-rais e multidisciplinares da equipe — e na formação profissional.

Telefonia celular no Brasil e possíveis “gargalos” em megaeventos esportivos Eventos como a Copa do Mundo, que será realizada no Bra-sil em 2014, são de grande importância para o desenvolvimen-to do país, e o avanço tecnológico torna-se inevitável para aten-der à demanda existente. Segundo Sirk1 (2008), os eventos são multifuncionais, exatamente como nosso celular atual. Para esse autor, é preciso, pois, apresentar inúmeras opções de serviços para assim envolver diversos públicos com objetivos diferentes.

Por outro lado, com o avanço tecnológico, são inúmeras as pos-sibilidades de aplicativos que podem ser oferecidos para o usuá-rio por meio de um celular: soluções relacionadas com informa-ções, comunicações, mobilidade, etc. A telefonia celular, nesse contexto, apresenta-se, pois, como ferramenta praticamente in-dispensável a ser utilizada por turistas e empresários em eventos.

Com a chegada de eventos internacionais ao País e os altos preços cobrados pelos acordos de roaming (deslo-camento) pelas operadoras de telefonia móvel, o mercado de aluguel de celulares estima crescimento de até 108% do faturamento em 2010. As empresas do setor ofere-cem aos viajantes cartões SIM para mais de 190 países, com planos pós-pagos e preços de ligação local. O serviço traz economia de cerca de 80% para empresários e turis-tas nos gastos com tarifas (NOGUEIRA, JB Online, 2010).

Apesar de esse serviço trazer benefícios a turistas e empresários, as soluções tecnológicas ainda geram alto custo quando se trata de roaming internacional, ou são de difícil ou demorado acesso quando se trata de cartões pós-pagos. Um dos maiores problemas relaciona-dos com a comunicação e enfrentados pelos turistas estrangeiros, 1 Membro representante da ICCA, associação global da indústria de eventos, com membros em cerca de noventa países e sede em Amsterdam.

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durante a permanência no Brasil, dá-se na compra de um chip de celular nas lojas autorizadas e na explicação de como fazer a liga-ção (código do país + código da operadora + código da cidade + número do telefone). Por causa da carência de mão de obra quali-ficada e com domínio de um segundo idioma, essa operação impli-ca desperdício de tempo, causando insatisfação ao novo usuário.

Esse problema, detectado atualmente, será maior durante o evento em virtude do aumento de usuários e da falta de estru-tura das telefonias celulares em atender a grandes demandas.

Por essas e outras preocupações, o Ministério do Turismo, por meio da Embratur, criou o relatório Convention 2020 que apresenta uma pesquisa em relação às expectativas dos participantes num evento internacional. Eis o que o documento revela acerca dos entrevistados:

[...] 92% preveem que a tecnologia permitirá que qualquer atividade, apresentação, dado ou conversação pos-sam ser capturados, armazenados e analisados antes, duran-te e depois do evento. O cenário traçado para 2020 indica, portanto, necessidade de grandes inovações, suporte tecno-lógico, capacidade de organização e oferta de sistemas de informação e comunicação sofisticados como parte do pacote básico que qualquer evento deve fornecer (Embratur, 2010).

É com essa visão da área tecnológica que os eventos futuros de-verão espelhar-se para melhor atender à demanda dos partici-pantes, proporcionando um serviço de qualidade e valor, princi-palmente diante das diversas e frequentes inovações que surgem nesse setor. É importante ressaltar que a criação da percep-ção de qualidade do viajante ou o valor não é uma tarefa fácil, uma vez que as experiências tendem a ser complexas e intangí-veis (ZEITHALM, 1988). É necessário, portanto, mapear as ne-cessidades dos usuários para um bom funcionamento do fluxo.

Nesse contexto, os meios de comunicação estão cada vez mais intensos e sofisticados para atender à atual demanda e capazes de fornecer numerosas e diferentes informações em um curto período. Assim, novas tecnologias são apresentadas e aprimoradas a cada dia. Também os canais de comunicação são inúmeros e a maioria acessível a toda a população, como televisão, jornais, rádio, inter-net, telefone, celular.

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Segundo publicação do site de O Globo, de 20 de agosto de 2010 é possível avaliar esse crescimento:

O Brasil alcançou 187.021.171 de linhas habilita-das na telefonia móvel em julho, de acordo com dados di-vulgados nesta sexta-feira pela Agência Nacional de Teleco-municações (Anatel). No último mês, este mercado obteve um acréscimo de 1.886.197 novos acessos, o que repre-senta um crescimento da base de assinantes de 0,95% so-bre o mês de junho. No acumulado dos sete primeiros me-ses de 2010, foram totalizadas 13.061.803 habilitações. Este é o segundo melhor desempenho da série histórica da agência, iniciada em 2000. O melhor período entre ja-neiro e julho foi em 2008, quando o mercado de telefonia móvel atingiu a marca de 14.350.877 de novos acessos.

De acordo com o mesmo artigo, do total de acessos no Brasil, 82,22% são pré-pagos, ou seja, recarregáveis de acordo com a ne-cessidade do consumidor, que não dispõe de nenhuma conta fixa a pagar por mês.

Vale lembrar que a tecnologia e a informação vêm ganhando for-ça no mercado, os investimentos e os eventos são cada vez mais frequentes no País. Tais fatores representam grande crescimen-to para a economia e também geram grandes benefícios a diver-sas áreas, até mesmo para o desenvolvimento do turismo no País.

Pensamento Lean Para detalhar e facilitar uma análise total do fluxo é possível utilizar o mapeamento de fluxo de valor, ferramenta típica da abordagem Lean que assim se define:

Uma filosofia operacional ou um sistema de negócios, uma forma de especificar valor, alinhar na melhor sequência as ações que criam valor, realizar essas atividades sem in-terrupção toda vez que alguém solicita e realizá-las de forma cada vez mais eficaz, ou seja, fazer cada vez mais com cada vez menos — menos esforço humano, menos equipamento, menos tempo e menos espaço — e, ao mesmo tempo, apro-ximar-se cada vez mais de oferecer aos clientes exatamente o que eles desejam no tempo certo. Também é uma forma de tornar o trabalho mais satisfatório, oferecendo feedback

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SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO PARA TURISTAS INTERNACIONAIS EM MEGAEVENTOS: UMA ANÁLISE SOB A ÓPTICA DO PENSAMENTO LEAN 409

imediato sobre os esforços para transformar desperdício em valor. É uma forma de criar novos trabalhos em vez de sim-plesmente destruir empregos em nome da eficiência. Mas trabalhos que efetivamente agregam valor. Eliminam-se des-perdícios e não empregos (LEAN INSTITUTE BRASIL, 2010).

O Lean é comumente apresentado segundo cinco princípios que nor-teiam sua proposta-raciocínio:

1. identificar o que é valor para o cliente, no qual o valor deve ser especificado pelo cliente final. Para isso, o produto deve ter requisitos que atendam às necessidades básicas do cliente, e não às da empresa.

2. criar um fluxo de valor; no qual um conjunto de ações específicas são necessárias para mapear o conjunto de todas as atividades. Nesse princípio, é importante separar os processos em três categorias: os que efetivamente geram valor; os que não geram valor, mas são importantes para a manutenção dos processos e da qualidade; e os que não agregam valor e devem ser eliminados.

3. criar um fluxo contínuo, no qual o fluxo de valor flua de forma arredondada até a chegada do produto ao cliente final. Nesse princípio, devem estar em harmonia as funções e os departamentos, de forma que contribuam para a criação de valor para o cliente.

4. realizar a produção puxada. Nesse princípio, está em foco produzir apenas aquilo que é necessário quando for necessário.

5. trabalhar em busca da perfeição. Com a aplicação dos cinco princípios anteriores é possível criar oportunidades de melho-ria e, dessa forma, executar a eliminação de novos desperdícios ou obstáculos.

Trata-se, pois, de uma ação, ou de um conjunto de ferramen-tas, que traz conceitos e procedimentos com o objetivo de simpli-ficar o modo de trabalho de uma empresa e, assim, produzir mais valor para o cliente.

O surgimento do Lean remonta a práticas industriais japonesas utilizadas após a Segunda Guerra Mundial em diversas empresas, destacando-se, em especial, a experiência da Toyota, liderada por Taiichi Ohno e mantida por seus sucessores (OHNO, 1997). O su-cesso dessa abordagem despertou o interesse de pesquisadores

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO410

em todo o mundo. No início dos anos 1990, Womack, Jones e Roos apresentaram, no livro The Machine that Changed the World, um estudo aprofundado e abrangente sobre a indústria automobi-lística mundial realizada pelo Massachusetts Institute of Techno-logy (MIT). Tendo como referência a Toyota, registra-se, na obra, um novo paradigma de gestão nas principais dimensões dos ne-gócios com repercussão em produtividade, qualidade, desenvolvi-mento de produtos e relacionamento com clientes e fornecedores.

Mais recentemente, os mesmos autores cunharam o termo Lean re-fletindo sobre a aplicabilidade desses conceitos em toda a cadeia de valor, englobando diversos estágios que vão desde a matéria-prima, distribuição dos produtos, passam pelos diversos setores da empresa, de compras a recursos humanos, e abrangem a prestação de serviços e os processos de consumo. Segundo Sullivan et al. (2002), a visão Lean baseia-se no conceito de gestão multidisciplinar a fim de identificar dificuldades e fraquezas do fluxo das operações.

Tendo em vista os grandes eventos que se realizarão no Brasil — a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 —, o siste-ma Lean pode ser uma importante ferramenta na melhoria de ser-viços e operações em geral que ocorrerão em função dos eventos.

O estudo de caso na telefonia celular Em 2010, a FIFA ofereceu um kit ao torcedor que participou da Copa do Mundo na África do Sul. Nele, havia um chip de celu-lar para o turista que viajaria para assistir aos jogos. Essa inicia-tiva reduziu uma quantidade significativa de processos e benefi-ciou o cliente final conforme proposto pelo conceito Lean. O kit do torcedor atrelou a compra de ingressos à busca da satisfação pelo cliente no país-sede, em sua futura estadia durante o evento.

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SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO PARA TURISTAS INTERNACIONAIS EM MEGAEVENTOS: UMA ANÁLISE SOB A ÓPTICA DO PENSAMENTO LEAN 411

Sistema realizado pela FIFA na Copa do Mundo de 2014

Turista se cadastra no site para a compra dos ingressos

da Copa

4 min.

O turista é sorteado para a

compra dos ingressos

Compra dos ingressos on-line e

cadastro no site da FIFA

6 min.

Kit do torcedor chega na

casa

Viagem do turista

para o país

Com o chip já habilitado o cliente pode

fazer ligações desde da sua chegada até o

término de sua viagem

Kit do torcedor:Guia turístico do PaísManual sobre a copaDicas sobre o PaísIngressos compradosChip oferecido pela empresa patrocinadora do evento

Além de facilitar a comunicação dos turistas, o kit também auxilia a promoção dos destinos turísticos do país e as informações gerais sobre o evento. A aplicação do sistema Lean, em ambos os casos, com ou sem o kit, traz diversas melhorias para o cliente e para o evento em questão.

Os kits foram vendidos pela FIFA, em parceria com uma operadora de telecomunicações, como citou a mídia online I Paraíba (2010).

[...] as pessoas que compraram ingressos para a Copa do Mundo estão recebendo uma correspondência da FIFA com seu kit-entrada. O pacote traz, entre outras coi-sas, uma carta de apresentação, com instruções para retirada das entradas, um guia sobre as nove cidades-sede e até um chip de celular, cortesia de um dos patrocinadores oficiais”.

Por meio da implantação de um procedimento ainda mais enxuto, incluindo um elemento diferencial — o kit do torcedor — é ofereci-do um diferencial para o turista que viaja para participar do evento: com o manual que vem no kit, o turista aprende o modo de fazer ligações, que já está em inglês e português, o que diminui o pro-cesso total, além de adquirir outros benefícios, como informações gerais sobre o evento e sobre os atrativos turísticos das cidades.

No último processo proposto, o turista não precisa procurar a loja e esperar para ser atendido. Na verdade, antes que sinta a neces-sidade de procurar pelo serviço, este já foi oferecido como uma facilidade incluída no kit do torcedor. Dessa forma, um processo que antes gerava desperdício de tempo e até de dinheiro para o

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO412

turista internacional, agora agrega valor e auxilia a ampliar a sa-tisfação do cliente com a experiência de participar de um megae-vento esportivo no país e, com isso, fortalece a imagem positiva do país-sede em razão da organização de determinado processo.

Com base na análise do caso, é possível constatar que a aplicação do Pensamento Lean reduz o tempo de compra do chip e facilita a comunicação do turista com seus familiares e/ou amigos, além de agregar valor a outros serviços, não só aos relacionados com os ingressos. Em um período de grande demanda por esses serviços, é fundamental que seja pensado um plano de ações para que todos se-jam atendidos da melhor forma possível. Isso inclui agilidade no mo-mento da compra, qualidade de atendimento e de serviço prestado.

A implantação do kit do torcedor na Copa do Mundo no Brasil evitaria filas, dúvidas quanto à forma de ligar e dificuldade de co-municação com o atendente. A venda dos kits seria baseada na experiência obtida na Copa do Mundo de 2010 na África do Sul.

Para aplicar-se o conceito Lean na investigação, tomou-se como referência a ferramenta de mapeamento de fluxo de valor (Va-lue Stream Mapping — VSM). Essa técnica — conforme vis-to — consiste em detalhar toda a cadeia produtiva e separar os processos em três tipos: aqueles que efetivamente geram va-lor; aqueles que não geram valor, mas são importantes para a manutenção dos processos e da qualidade; e, por fim, aqueles que não agregam valor, devendo ser eliminados imediatamente.

O mapeamento, segundo Ballé (1987 apud CURY, 2006, p. 332), funciona de acordo com o seguinte princípio: fazem-se anotações de cada operação, e, posteriormente, o processo é representado por peças físicas que podem ser reorganizadas de maneiras dife-rentes de acordo com a especificidade do processo. Como cada operação é representada por uma anotação, é possível visuali-zá-la e disponibilizá-la em um fluxo concernente ao processo.

É um método de análise ou de diagnóstico fundamental para que se atinjam os objetivos da filosofia. Por meio da identificação do fluxo de materiais e de informações de todas as etapas do produto ou serviço, é possível identificar grandes focos de desperdício, su-gerir novas alternativas (estado futuro) e um plano de ação com as etapas que deverão ser cumpridas para chegar-se à situação ideal.

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SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO PARA TURISTAS INTERNACIONAIS EM MEGAEVENTOS: UMA ANÁLISE SOB A ÓPTICA DO PENSAMENTO LEAN 413

Tome-se como referência a telefonia celular utilizada por estran-geiros no Brasil. Com a diversidade de operadoras2, para realiza-rem-se chamadas de um aparelho móvel faz-se necessário discar o código da operadora escolhida para prestar tal serviço. Além des-se código, é preciso também discar o código da cidade para onde se pretende ligar e, depois, o número em questão. Dessa forma, para que um cliente faça uma ligação para um estado diferente do cadastro de seu chip, é necessário ligar da seguinte maneira: 00, 55 (código do país), XX (código operadora), xx (código da cida-de), número do telefone. Essa forma de discagem é complexa e não se utiliza em outros países, o que faz com que muitos turis-tas e visitantes encontrem muitas dificuldades3 ao comunicarem-se.

Trabalhou-se com dois tipos de mapas de fluxo de valor: o do es-tado atual e o do estado futuro. O mapa do estado atual iden-tifica o fluxo de valor do produto, por meio de ícones e de no-menclaturas para identificar o desperdício e os processos que precisam ser melhorados ou eliminados. O mapa do estado futuro apresenta a proposta de implantação da manufatura enxuta com o foco nos fluxos que precisam ser mudados. O mapa hipoteti-camente perfeito seria o já apresentado no kit do torcedor FIFA.

No primeiro fluxo da situação analisada, mostra-se o do turista es-trangeiro, hospedado em hotel da zona sul do Rio de Janeiro, à procura de chip de celular.

O mapeamento do processo de compra e habilitação de um chip, apresentado a seguir, foi realizado com base em observação de caso real por uma das autoras, que presenciou um turista estrangeiro em uma loja de uma operadora de telefonia celular na cidade do Rio de Janeiro que tentava habilitar o aparelho telefônico para fa-zer e receber ligações. Após rememorar cada uma das etapas que envolveram esse processo, foi possível mapeá-las, de forma a iden-tificar o tempo gasto para cada ação envolvida no seguimento. 2 A agência fiscalizadora de telecomunicações é a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). De acordo com a Agência, atuam no Brasil as seguintes operadoras: Oi (empresa brasileira que recentemente comprou a Brasil Telecom e a Amazônia celular), Claro, Vivo (empresa portuguesa da Portugal Telecom que adquiriu a Telemig celular) e TIM (do grupo Telecom Itália). Além dessas, também CTBC Telecom (empresa brasileira), Aeiou (de São Paulo) e SERCOMTEL celular.

3 Até mesmo entre os próprios brasileiros essa dificuldade é percebida, a exemplo da pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi em 2001 (ano em que houve mudanças na maneira de ligar) para a Anatel que relata que mais de 50% das pessoas físicas e jurídicas entrevistadas veem o aumento da quantidade de números para teclar como uma desvantagem. Além disso, 79% das pessoas físicas declararam como desvantagem o custo da ligação de celular para longas distâncias em detrimento da telefonia fixa. Outro fator que influenciou a análise desse setor, em especial, foi a queda na avaliação desse serviço pelos visitantes do Brasil. Segundo a última pesquisa divulga-da pelo Ministério do Turismo sobre a demanda, entre os seis itens relacionados com a infraestrutura, o setor de telecomunicações foi o único que apresentou declínio em relação aos anos anteriores.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO414

Figura 2: Mapeamento das operações na compra de um chip — fluxo atual

O cliente procura uma

loja de celular

10 min.

Ida a loja

20 min.

Ida ao balcão da

loja

1 min.

Funcionário sabe falar espanhol

Funcionário não sabe

falar espanhol

Cliente tenta explicar o que deseja

Funcionário explica que o cliente deve voltar ao balcão e solicitar uma

senha

Funcionário tenta explica r que o

cliente deve voltar ao balcão e solicitar

uma senha

Fila da senha

2 min.

5 min. 5 min.10 min.

O cliente aguarda

para chamarem a sua senha e ser atendido

30 min.

No atendimento o turista tem

dificuldade em explicar que

deseja somente um chip de celular

10 min.

O funcionário explica que além do

chip p cliente precisa comprar um cartão de pré-pago

5 min.

O cliente escolhe o chip e o

cartão que deseja para

ligações

5 min.

O cliente vai até o caixa para efetuar o pagamento

3 min.

O cliente coloca o chip no celular

5 min.

O cliente não

consegue realizar uma ligação local

10 min.

O cliente procura o atendente para entender como se realiza uma ligação local

Funcionário explica sobre o

uso do código da operadora + DDD

3 min. 10 min.

O cliente consegue

realizar uma chamada

5 min.

Fonte: Observação de um caso real.

Ao analisar o fluxo acima, nota-se que há um tempo total de 137 minutos para um processo que poderia ser bem mais sim-ples. Essa constatação ocorre por causa da identificação de ações que não agregam nenhum valor ao cliente, como a procura de uma loja de celular e de algum funcionário que se comunique em outro idioma para explicar sobre o modo de ligar e a espera por atendimento. Quando se mapeia todo o fluxo, fica mais visí-vel detectar onde está o desperdício e como é possível melhorá-lo.

Ao observar o mapeamento realizado, podem-se inferir alguns pon-tos críticos: procura por uma loja, aguardo por chamada, dificuldade para explicar o que se deseja e explicação sobre forma de reali-zar as ligações — ações que não representam valor para o cliente (já que o objetivo é ter o telefone habilitado e fazer a ligação) e que, juntas, representam quase 50% do tempo total do processo.

É importante ressaltar que o tempo gasto em cada atividade levou em conta o caso em que apenas um turista estrangeiro buscava pelo serviço. À época dos eventos em questão, haverá um número significativamente maior desse tipo de cliente em busca do mesmo serviço, o que pode aumentar ainda mais o tempo de atendimento.

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SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO PARA TURISTAS INTERNACIONAIS EM MEGAEVENTOS: UMA ANÁLISE SOB A ÓPTICA DO PENSAMENTO LEAN 415

Dessa forma, ao detalhar-se o tempo gasto em cada uma das ações e quais delas geram desperdício para o cliente, pode-se propor uma solução mais “enxuta” para o mesmo processo, apresentado na Fi-gura a seguir. Figura 3: Aplicação do Pensamento Lean, baseado no que é valor para o cliente

Leitura do Guia Turístico para

localizar quais são as empresas de telecomunicação

do País

10 min.

Ida até a loja da

empresa escolhida

pelo turista

15 min.

O turista procura um funcionário que fale o seu idioma

3 min.

Atendimento exclusivo ao

turista (todas as dúvidas são sanadas pelo funcionário)

10 min.

Venda do chip e do

cartão para a utilização imediata

3 min.

O funcionário entrega ao turista o manual com todas

as informações sobre a empresa, os planos, e como efetuar ligações

nacionais e internacionais, no idioma do turista

O atendente insere o chip

no celular para facilitar o uso

do cliente

2 min.5 min.

O cliente sai da loja satisfeito após conseguir

realizar a ligação

O cliente vai até o caixa efetuar o

pagamento

No processo proposto, procurou-se suprimir as atividades que ge-ravam desperdício, identificadas anteriormente. A proposta objeti-va alterar o processo sem necessidade de grandes investimentos financeiros, mas com ajustes que tornem o procedimento mais eficiente. Após as mudanças desenvolvidas com base no mapea-mento Lean, o tempo total de atendimento foi de 48 minutos. Ao eliminarem-se fases que não beneficiavam nem ao cliente nem a empresa, constatou-se uma melhoria expressiva no serviço e re-dução de tempo. No entanto, ainda assim, verifica-se que o tem-po gasto para comunicar-se e as dificuldades de conseguir-se um chip poderiam ser evitados se a operadora fizesse uma par-ceria com o evento e distribuísse um chip para o cliente final.

Conclusões finais Com base na análise realizada, pode-se concluir que, em um gran-de evento esportivo, faz-se necessária a avaliação e a coordenação frequentes do fluxo operacional tal qual a complexidade de ações e operações inter-relacionadas. Vale lembrar que são diversos os clientes envolvidos: turistas, moradores, patrocinadores, organiza-ções, empresas nacionais e internacionais. Diante dessa realidade, o Pensamento Lean pode auxiliar no desenvolvimento das estraté-

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO416

gias de gestão de operações, pois busca estabelecer um foco no cliente e, com base nisso, minimizar erros e desperdícios, reduzindo assim os custos, otimizando o tempo e criando um fluxo contínuo.

Até a Copa do Mundo de 2014, outras tecnologias certamente sur-girão, tanto para favorecer a organização do evento, como para oti-mizar a experiência do turista no destino-sede. O presente artigo buscou abordar, de forma sucinta e objetiva, quais seriam os pos-síveis gargalos na realização e na estruturação de um megaevento, porém manteve o foco na comunicação.

Segundo as pesquisas feitas para o setor de turismo, observou-se que talvez poucas ou até mesmo nenhuma tenha abordado temas sob a óptica do sistema Lean. Este artigo pretendeu criar uma aná-lise do setor de comunicações, especificamente de serviços de tele-fonia prestados ao cliente estrangeiro, do ponto de vista da gestão de operações no setor de turismo.

Com o tripé — megaeventos, comunicações, sistema Lean — vol-tado para o cliente, procurou-se exemplificar como a melhoria de processos com foco no que é valor para o cliente pode somar para os megaeventos esportivos que acontecerão no Brasil. Como dito, no sistema Lean, o valor para o cliente é a base da proposta de me-lhoria de serviço. Os resultados obtidos demonstram a eficácia da solução utilizada e evidenciam oportunidades de melhorias para que o cliente possa alcançar uma comunicação segura e rápida com seu país de origem.

Dessa forma, pelo mapeamento de fluxo, conclui-se que a utilização da solução Lean proporciona a possibilidade do aumento da capaci-dade de oferecer os produtos que os clientes desejam, agregando valor e diminuindo o desperdício. Lean é, portanto, uma ferramenta que visa a aumentar a satisfação do cliente pela melhor utilização de todos os processos e recursos.

Conforme destacado, existem diversos setores que serão impactados direta ou indiretamente em virtude da realização da Copa do Mundo, em 2014, e dos Jogos Olímpicos, em 2016, no Brasil. Propõe-se que essa solução seja também aplicada nos demais setores envolvidos no contexto, como transportes, agenciamento, vendas de ingressos.

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SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO PARA TURISTAS INTERNACIONAIS EM MEGAEVENTOS: UMA ANÁLISE SOB A ÓPTICA DO PENSAMENTO LEAN 417

Por este trabalho, pretende-se iniciar as discussões sobre o tema e propor a filosofia de produção “enxuta” nas áreas relacionadas com a atividade turística. Dessa forma, busca-se, cada vez mais, a satisfação do cliente por meio da otimização do tempo de sua estada, eliminando-se desperdícios e aumentando os momen-tos que representam valor, a fim de atender a desejos e expecta-tivas e proporcionar uma experiência de viagem mais prazerosa.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO418

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Page 421: Observatório de Inovação do Turismo

OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO420

Autores

Adriana Ramos Bacharel em Publicidade e Propaganda pela Universidade Gama Filho (UGF); coordenadora de produto da Microservice Sales & Distribution; consultora fonográfica para artistas independentes. Ex-periência de 17 anos no mercado fonográfico. Atuação como geren-te de marketing estratégico das gravadoras multinacionais BMG e Warner Music. Responsável pelo lançamento, no Brasil, de produ-tos/projetos nacionais e internacionais com históricos resultados de vendas.

Adriana SimõesPós-Graduada em Turismo, Hotelaria e Entretenimento pela Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ); docente dos cursos de Graduação em Tu-rismo e Gestão em Eventos da Universidade Estácio de Sá (UNESA); discente do Observatório de Inovação do Turismo (EBAPE/FGV-RJ).

Alda Rosana Duarte de AlmeidaProfessora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora em administração pela FEA/USP; mestre em Ges-tão Empresarial pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE/FGV); pós-graduada em Gestão Empresarial pela COPPEAD/UFRJ; arquiteta pela Universidade Santa Úrsula no Rio de Janeiro. Experiência profissional como arquiteta/consultora de projetos executivos e gerenciamento de áreas de marketing de relacionamento com clientes. Autora de capítulos de livros e artigos.

Alessandra Mello da CostaDocente do IAG PUC-Rio. Doutora em Administração pela EBAPE/FGV, Mestre em Administração de Empresas pelo Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (IBMEC-RJ). Pesquisadora do Programa de Estudos em Administração Brasileira – ABRAS (EBAPE/FGV). Tem interesse nas áreas de: Teoria das Organizações, História dos Negó-cios, História, Memória e Organizações, Cultura e Poder nas Orga-nizações, Discursos Organizacionais e Análise Crítica de Discurso.

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AUTORES421

Alexandre Souto MaiorGraduado em Administração de Empresas (UFRJ), Especialista em Análise, Projeto e Gerência de Sistemas — PUC/RJ; MBA em Turis-mo, Hotelaria e Entretenimento (EBAPE/FGV) e diretor de Navegan-tes Operadora de Turismo.

Ana Cláudia RodriguesGraduada em Turismo pela PUC/MG; com especialização em Gestão Cultural pela Fundação Clóvis Salgado; pós-graduada em Gestão Empresarial pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH) e em Projetos pela Fundação Dom Cabral (FDC); membro do curso do Observatório de Inovação de Turismo (EBAPE/FGV); chefe do Depar-tamento de Segmentação Turística da Belotur — Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte — e responsável pelo Prodetur BH.

Anderson Felisberto Dias Doutorando pela EBAPE/FGV e integrante do Programa de Estudos em Gestão Social (PEGS). Mestre pelo Curso de Pós-Graduação em Admi-nistração da Universidade Federal de Santa Catarina (2007) e gradua-do em Ciências da Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). Professor conveniado da FGV em cursos de Pós-Gra-duação lato senso. Professor tutor nos cursos em EaD do FGV Online.

André Meyer CoelhoMestre em Administração Pública pela EBAPE/FGV, pós-graduado em Gestão de Turismo e Hotelaria pela EBAPE/FGV e graduado em História pela UFF-RJ. Coordenador de Projetos do Núcleo de Tu-rismo (FGV), atuando em projetos para órgãos públicos e privados ligados ao turismo e como professor-tutor do FGV Online e pro-fessor-tutor do Observatório de Inovação do Turismo (EBAPE/FGV).

Beatriz dos Santos Machado Mestre em Estudos da Linguagem pela PUC-Rio. Graduada em Letras Português-Inglês pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atuou no UNIBENNETT - Rio como professora de língua inglesa no Curso de Graduação em Relações Internacionais de 2001 a 2007. Ministra aulas de língua inglesa em diversas empresas multinacionais desde 1993.

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO422

Bianca Freire Medeiros Graduada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pós-graduada em Sociologia Urbana pela mesma univer-sidade, mestre em Sociologia pelo IUPERJ e doutora em História e Teoria da Arte e da Arquitetura pela Binghamton University/SUNY. Foi pesquisadora convidada da Universidade de Princeton, recém--doutora no Dept./Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ (bolsista Faperj) e pós-doutoranda no Center for Mobilities Research, Lancaster University com bolsa do CNPq, sob supervisão de John Urry. Desde 2007, é pesquisadora plena do CPDOC/FGV e professora da Escola Superior de Ciências Sociais e História (FGV). Atualmente, é bolsista do programa Jovem Cientista do Nosso Es-tado (FAPERJ) e Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2 (CNPq).

Camilla Paranhos RezendeGraduada em Turismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF); mem-bro do Observatório de Inovação de Turismo — OIT/EBAPE/FGV (pós--graduação); pesquisadora técnica do Núcleo de Turismo (FGV); e guia de turismo regional e nacional, cadastrada pelo Ministério do Turismo.

Carlos Eduardo SarmentoDoutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ). Coordena o setor de Ensino de Graduação do CPDOC/FGV, cujo quadro de pesquisadores integra desde 1996. É o Co-ordenador-geral da Escola Superior de Ciências Sociais da FGV/RJ e o Coordenador-Acadêmico dos cursos de MBA em Bens Cul-turais e Gestão e Produção Cultural. Estuda o Brasil Republicano, com ênfase em Instituições Econômicas Brasileiras, Esportes e So-ciedade Brasileira e História Política do Estado do Rio de Janeiro.

Carlyle Tadeu Falcão de Oliveira Doutorando em Administração pela EBAPE/FGV; Mestre em Adminis-tração Pública pela FGV; Especialista em Turismo - Observatório de Inovação do Turismo da FGV; Especialista em Gestão em Turismo Am-biental e Cultural (UNIRONDON); MBA em Gestão Empresarial pela FGV; Graduado em Engenharia Civil pela UGF. Foi empresário agente de viagens e professor de graduação em turismo. É pesquisador e con-

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AUTORES423

sultor do Núcleo de Turismo (FGV) e professor-tutor do FGV Online.

Claudio Osias Mestre em Administração Pública, especialista em psicologia organiza-cional e políticas públicas. Bacharel em Psicologia e Relações Internacio-nais. Consultor da FGV Projetos na área de gestão organizacional. Expe-riência em projetos de gestão e reestruturação organizacional, inclusive para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. Experiência acadêmica na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Universidade Estácio de Sá. Trabalho voluntário para a ONG Aldeias Infan-tis S.O.S. Brasil, Cáritas Diocesana e Junior Achievement Rio de Janeiro.

Danielle JuliãoMestre em Ciência Ambiental (UFF/PGCA), com foco em análise de processos socioambientais; consultora da Acolher Consultoria e Servi-ços; professora tutora do Curso de Licenciatura em Turismo (UFRRJ); discente do Observatório de Inovação do Turismo (EBAPE/FGV-RJ).

Delane BotelhoProfessor adjunto de marketing da EAESP-FGV. Doutor em Admi-nistração de Empresas pela EAESP-FGV. Autor de artigos e capítu-los de livros nacionais e internacionais, com experiência em consul-toria na área de marketing para grandes organizações de serviços.

Diana Costa de Castro Bacharel em Turismo (UFPel), MBA em Planejamento e Marketing Turís-tico (UCB). Professora da UFRRJ, participando do projeto de extensão “Povo do Aventureiro” em desenvolvimento do turismo com base co-munitária. Pesquisadora do Observatório da Realidade Organizacional, em cultura. Aluna do Observatório de Inovação do Turismo (FGV). Ex-periência em hotelaria, agência de viagem e setor público na área de turismo.

Érika Conceição Gelenske CunhaGraduada em Psicologia e Turismo. Especialista em Qualificação para o Ensino Superior, Teoria Psicanalítica e Gestão Estratégica em Recursos Humanos. Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais (FGV). Membro do Observatório de Inovação no Turismo (EBAPE/FGV). Atualmente é professora auxiliar da Universidade Estácio de Sá - RJ, Supervisora da Estácio Jr. Teoria e Talento (Turismo), Pro-

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OBSERVATÓRIO DE INOVAÇÃO DO TURISMO424

fessora da FGV Online (Graduação) e Consultora Organizacional.

Ester JuerDoutora em Ciências Sociais (UERJ); docente dos cursos de Graduação em Turismo, Hotelaria, Gastronomia e Nutrição da Universidade Estácio de Sá; discente do Observatório de Inovação do Turismo (EBAPE/FGV).

Fernanda Côrtes de FreitasGraduada em Turismo pela Universidade Estácio de Sá; mem-bro do Curso do Observatório de Inovação de Turismo (EBAPE/FGV); e operadora de turismo receptivo para grupos e incentivos.

Fernando Guilherme TenórioDoutor em Engenharia da Produção pela UFRJ. Mestre em Educação pela UFRJ. Bacharel em Administração pelo Instituto Metodista de En-sino. Experiência no ensino, pesquisa, consultoria técnica no país e no exterior. Coordenador de pesquisas de abrangência internacional: Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai. Áreas de interesse: Ges-tão Social, Teoria das Organizações, Gerência de Programas e Projetos.

Flavia Maria Frota de SouzaTurismóloga formada pela Universidade Estácio de Sá com espe-cialização em Recursos Humanos pela UFRJ e em Turismo pela EBAPE/FGV. Atuou durante 17 anos no setor hoteleiro e atual-mente é sócia da rede de hospedagem domiciliar Casa & Cia. In-tegrou a equipe de pesquisadores do Núcleo de Turismo (FGV).

Filipe SobralDoutor em Gestão de Empresas pela Faculdade de Economia da Uni-versidade de Coimbra, Portugal; doutor em Administração pela EBA-PE/FGV; mestre em Ciências Empresariais pela Faculdade de Econo-mia da Universidade de Coimbra; MBA pela Virginia Polytechnic and State University, EUA; graduado em Organização e Gestão de Empre-sas pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (profes-sor Assistente). Atualmente é professor Adjunto da EBAPE/FGV (inclu-sive do Observatório de Inovação de Turismo — OIT) e coordenador acadêmico do Programa de Certificação em Administração da FGV.

Gabriel de Sena Jardim

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Doutorando em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia So-cial pelo Programa EICOS – Universidade Federal do Rio de Janei-ro e Membro do Observatório de Inovação do Turismo – EBAPE/FGV. Especialista em Ecoturismo pela Universidade Federal de La-vras. Bacharel em Turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Atua principalmente nos seguintes temas: turismo, gênero, políticas públicas, participação, comunidades e inclusão social.

Gabriela SerpaBacharel em Turismo pela Universidade Estácio de Sá; pós-gra-duada pelo Observatório de Inovação do Turismo — EBAPE/FGV; professora e tradutora de espanhol; colaboradora/pesquisado-ra do projeto Competitividade dos 65 Destinos Indutores do De-senvolvimento Turístico Regional FGV/MTur; Coordenadora da V Pesquisa Anual de Conjuntura Econômica do Turismo FGV/MTur.

Gilda BoruchovitchJornalista e professora. Atuou, no turismo carioca, durante 28 anos, exercendo funções de direção na Riotur e na Embratur. Es-pecialista em eventos de grande porte, trabalhou como coordena-dora do carnaval carioca de 1976 a 1980 e da Conferência Rio-92. Mestre em turismo lato sensu pela FGV, da qual é pesquisadora.

João Vieira de AraújoMestre em Metrologia para a Qualidade e Inovação pela PUC/Rio. MBA em Gerência de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas, MBA em Energia Elétrica pelo IBMEC Business School e MBA em Administração de Negócios pelo IBMEC Business School. Gradu-ado em Engenharia Elétrica pela UGF. Doutorando em Adminis-tração na Universidade Nacional de Missiones / Argentina. É pro-fessor convidado dos cursos da FGV Management. Co-autor do TCC ganhador do Prêmio FGV de Excelência MBA Gerência de Projetos 2004. Co-autor do livro Negociação e Administração de Conflitos – Série Gerenciamento de Projetos – Editora FGV

Joaquim Rubens Fontes FilhoProfessor adjunto da FGV/EBAPE. Doutor em Administração pela EBAPE/FGV, Mestre em Administração Pública pela EBAPE/FGV, Gra-duado e Mestre em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, Cer-

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tificado em cursos pela Wharton Business School, National Defense University, Ansoff Associates e Institute of Canadian Bankers. Tem desenvolvido pesquisas nas áreas de governança corporativa e das organizações, e sobre estratégia aplicada aos ambientes público e privado. Foi gerente de planejamento estratégico da PREVI, assessor da presidência no Banco do Brasil e membro do conselho de admi-nistração e fiscal de diversas empresas. É autor dos livros “Planeja-mento estratégico da pequena e média empresa: aplicações no setor turístico” e co-autor de “Governança Cooperativa”, e “Governança Corporativa aplicada ao contexto empresarial brasileiro”, além de or-ganizador de vários livros e autor de artigos em revistas acadêmicas.

Jonathan Van SpeierDoutor em Administração Pública pela University of Southern Ca-lifornia e mestre pela Harvard University. Atua presentemente como professor visitante da University of Southern Califórnia e da Fundação Getulio Vargas. Concentra-se nas abordagens te-óricas e práticas do desenvolvimento sustentável, particular-mente aplicado ao turismo, além de planejamento estratégico e marketing nacional e internacional. Como executivo e consultor, criou e administrou projetos globalizados visando introduzir e ex-pandir organizações de negócios no mercado internacional; também formulou planos estratégicos e políticas nas áreas de negócios e setores governamentais. È Membro do Conselho de Turismo da Con-federação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

José Cezar Castanhar Professor da Fundação Getulio Vargas-RJ, desde 1978. Doutor em Gestão pelo Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Em-presa de Lisboa, mestre em Administração pela EBAPE/FGV e enge-nheiro civil pela Universidade Federal do Paraná. Professor de Em-preendedorismo, Administração Financeira e Finanças Públicas nos cursos regulares da EBAPE/FGV (Mestrado, Mestrado Internacional e MBAs em Administração) e conferencista sobre empreendedoris-mo e oportunidades de negócio no Brasil em cursos de parceiros internacionais da FGV, tais como: International MBA of Farleigh Dickinson (New Jersey, Estados Unidos), Ecole Superieur de Commerce de Paris e Programa Internacional do Curso de Graduação

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em Administração do Instituto Tecnológico de Monterrey (México).

Juliana Bastos LohmannPós-graduada do Observatório de Inovação do Turismo/FGV; mes-tre em Relações Internacionais (UFF), graduada em ciências so-ciais (UERJ). Analista da Área de Políticas Públicas do Sebrae-RJ.

Letícia Borba BalceiroMestre em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, gradu-ada em Desenho Industrial pela UFRJ e em Letras pela UERJ. Trabalha no desenvolvimento e gerenciamento da produção de cursos a distância. Participou da equipe de gestão do pro-grama Agente de Viagens Especialista em Brasil, parceria en-tre a Embratur e a FGV. Também lecionou no curso de Dese-nho Industrial da UFRJ e atuou no mercado de design gráfico

Liberato de Souza PintoMestre em economia empresarial — Universidade Candido Mendes (UCAM-RJ), pós-graduado em turismo e hotelaria — Observatório de Inovação do Turismo/FGV, MBA em marketing — FGV, graduado em engenharia de sistemas elétricos e de telecomunicações pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Conselheiro da ACRJ e con-sultor de negócios turísticos. Ocupou a vice-presidência e a secreta-ria executiva do Fórum Estadual de Secretários de Turismo (RJ). Foi diretor de turismo da Niterói Empresa de Lazer e Turismo (Neltur).

Luciana Vianna Pós-graduanda do Observatório de Inovação do Turismo (FGV), MBA em Administração de Empresas e Negócios (FGV), Graduada em Administração de Empresas (UNESA); pesquisadora do Núcleo de Turismo (FGV).

Luiz Gustavo Medeiros BarbosaProfessor da Escola Brasileira de Administração Publica e de Empre-sas (EBAPE) — FGV/RJ; coordenador do Núcleo de Turismo (FGV); PHD in Business and Management — University of Nottingham/UK (2004/2009); mestre em Gestão Empresarial EBAPE/FGV; MSc in Tourism Management and Planning — Bournemouth University; Eco-nomia — UFF.

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Marcelo de Oliveira Vidal Bacharel em Turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2006), mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ENCE / IBGE (2007), doutorando em Eco-nomia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Ja-neiro. Atua principalmente nos temas relacionados com desenvol-vimento, pobreza, economia política e mobilidade humana (turismo internacional e migrações internacionais).

Márcia Silva Mestranda em Administração pela FGV. Bacharel em Turismo pela UFF. Pesquisadora do Núcleo de Turismo (FGV).

Margarida Maria de Fraga Rocha Mestre em Ciência Ambiental (UFF/PGCA); MBA em Turismo e Gestão (FGV/ OIT —Observatório de Inovação do Turismo); Especialização em docência e EAD (FGV Online, Fundação Ge-tulio Vargas, Rio de Janeiro); MBA em Planejamento Governa-mental (ENA/IIAP —Institut International d’Administration Pu-blique, Paris, França); MBA em Desenvolvimento Urbano e Regional (Université Paris/IEDES — Institut d’Etudes du Dévéloppement Economique et Social, Panthéon Sorbonne, Paris, França.); MBA em Gestão de Projetos (USP); Graduação em Administração Pú-blica (EBAPE/FGV). Consultora, professora-tutora e pesquisadora nas áreas de meio ambiente, desenvolvimento regional e turismo.

Maria Clara TenórioPós-graduanda em Gestão de Projetos pela Fundação Getu-lio Vargas, Graduada em Administração Pública e de Empre-sas pela EBAPE/FGV. Pesquisadora do Núcleo de Turismo (FGV).

Maria Emília Melo Mestre em Desenvolvimento Agrícola pelo CPDA/ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro — UFRRJ e graduada em Enge-nharia Agronômica pela Universidade Federal Rural de Pernambu-co — UFRRPE. Atualmente é coordenadora administrativo-finan-ceira do Ciclo Assessoria para o Desenvolvimento e atua como

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consultora de projetos socioambientais, realizando estudos e pesquisas sobre Turismo e Desenvolvimento Sustentável e Tu-rismo e Responsabilidade Social. Desde jul. 2008 é mem-bro do Observatório de Inovação do Turismo (EBAPE/FGV).

Mariana Barbosa Nasser Bacharel e Licenciada em Letras (UGF); MBQ em Sistemas de Ges-tão da Qualidade (COPPE/UFRJ); MBA em Administração Empre-sarial (UFF); professora das universidades SENAC e Estácio de Sá. Consultora de treinamento do Amadeus, Galileo e Sabre. Coor-denadora dos cursos de transporte aéreo da ABAV/RJ; Certifica-da IATA. Experiência de trinta anos no setor de transporte aéreo

Mariana Carvalho RodriguesMBA em Gerência de Projetos/2009 — UVV/ES (Centro Universitário de Vila Velha/ES), Especialização em Avaliação Ambienta/2004 — UFC/CE (Universidade Federal do Ceará/CE). Especialização em Gestão Am-biental/2001 — UFES/ES (Universidade Federal do Espírito Santo/ES). Graduada em Turismo/1998 — Faculdade de Turismo de Guarapari/ES.

Consultora de turismo, Sócia Diretora da TEMA Consultoria e Asses-soria Ltda. ME. Mais de dez anos de experiência em gestão pública do turismo, atuando em órgãos nos âmbitos municipal, estadual e federal.

Maíra MeyerGraduada em Administração de Empresas (EAESP/FGV) e pós--graduada em Administração do Turismo e Hotelaria (EAESP/FGV). Experiência profissional gerenciando pesquisas e estudos de mer-cado, planos de negócio e estudos de viabilidade de projetos.

Marisa Guadalupe PlumGraduada em Turismo — Universidade Católica de Petrópolis, pós-graduada em Gestão em Turismo e Hotelaria — Universida-de Estácio de Sá, em Coordenação Pedagógica — Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e em Inovação do Turismo/Ob-servatório de Inovação do Turismo — Fundação Getulio Vargas.

Na Fundação de Cultura e Turismo de Petrópolis, atua na área da cul-tura em gestão de espaços em museus, como o Museu Casa de San-

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tos Dumont, e no desenvolvimento de projetos e políticas públicas.

Docente da Universidade Estácio de Sá no curso de Graduação Tecnológica em Gestão de Turismo.É membro do Conselho Mu-nicipal de Turismo — COMTUR — e do “Grupo Gestor dos 65 Destinos Indutores do Desenvolvimento Turístico” — Petrópolis.

Mirella MarchitoMestranda em sistemas de gestão na Universidade Federal Flumi-nense com ênfase em Responsabilidade Social, com a linha de pes-quisa em Empreendedorismo e Inovação. Especialista em Gestão Empresarial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e admi-nistradora pela Universidade Estácio de Sá. Acumula 3 prêmios Top Gestor (2009 e 2010) pela gestão de projetos nas áreas de turismo e comércio no SEBRAE/RJ, onde exerce atividade profissional des-de 1992. Palestrante e professora tutora da FGV Online, nas dis-ciplinas de planejamento estratégico, empreendedorismo e gestão de projetos. Experiência em planejamento estratégico e desenvolvi-mento territorial em Santo Antônio de Pádua, Petrópolis e Niterói.

Otacílio Peçanha FilhoMestre em Gestão Empresarial pela FGV, graduado em Engenharia Metalúrgica pela PUC-Rio. Experiência na área de gestão empresa-rial e de ensino, consultor na área de negociação, professor-tutor da FGV Online e do Observatório de Inovação do Turismo da EBAPE/FGV.

Palloma MenezesGraduada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Mestre em Sociologia pelo Instituto Uni-versitário de Pesquisa do Rio de Janeiro – IUPERJ. Doutoranda em Sociologia pelo IESP/UERJ. Atualmente é tutora do Observa-tório de Inovação no Turismo (EBAPE/FGV). Atua principalmente no estudo dos seguintes temas: favela, Rio de Janeiro e turismo.

Paola Bastos LohmannMestre em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas. Gra-duada em Turismo pela Universidade Federal Fluminense. Gestora de projetos do Núcleo de Turismo (FGV).

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Patricia Algranti Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro — UERJ. Especializada na organização de eventos corporativos, atu-almente trabalha na Coordenadoria de Eventos do SENAC Nacional

Patrícia Ferreira Motta Bacharel em Turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2004), membro do Observatório de Turismo da FGV e, atual-mente, gerente assistente do Hotel Fasano no Rio de Janeiro.

Paulo Cesar StilpenDoutor e mestre em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ — Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; pós-graduado em Gestão de Turismo, Hotelaria e Entretenimento pela EBAPE/FGV (MBA e Obser-vatório de Inovação do Turismo — OIT); graduado em Ciências Econô-micas pela FEA — Faculdade de Economia e Administração, da UFRJ; técnico de projetos (FGV Projetos); consultor sênior, pesquisador, coordenador de projetos, analista econômico e articulista do Núcleo de Turismo (FGV); professor das Universidades Estácio de Sá (UNE-SA) e Candido Mendes (UCAM) e professor tutor do OIT/EBAPE-FGV.

Priscilla HaackGraduada em pedagogia pela Universidade Católica de Petrópolis, especializada em hospitality management pela Universidade Cen-tral da Flórida, membro do Observatório de Inovação do Turismo da Fundação Getulio Vargas. Atualmente trabalhando na área de TI na Orange Business Services com gerenciamento de projetos. Experiên-cias em tradução. Vivência no exterior.

Renata SilêncioProdutora Cultural. Especialista - MBA pelo Observatório de Ino-vação do Turismo EBAPE/FGV, Bacharel em Produção Cultu-ral pela UFF, professora Universitária no Curso de Graduação em Tecnologia em Produção Cultural no IFRJ - Campus Nilópo-lis e do Curso Técnico de Eventos na FAETEC - Unidade Adol-pho Bloch. Consultoria e larga experiência em planejamen-to e gestão de projetos culturais e Leis de Incentivo à Cultura.

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Ricardo Sarmento CostaDoutor em Engenharia de Produção pela COPPE/ EFRJ. Coorde-nador Acadêmico do MBA em Gestão Industrial e do MBA em Gestão da Produção e Qualidade da Fundação Getulio Vargas (FGV-Management). Fundador da Trilha da Inovação. Pesquisa-dor com experiência internacional e consultor no campo das mo-dernas tecnologias de gestão de operações para empresas como Michelin, Nokia, Moto-Honda, Siemens, Sony, Fundição Tupy, CSN, Jabil, CCE-Compaz, AGFA, ABNC, Masa, Vale, Transtex(Argentina), Philips MDS, Coca-Cola (Gr.Simões), Elken, FMC, FCC, IBF, Cargill, Zen, Schemersal, Fogões Muller, dentre outras.

Roberto DutraPós-Graduado em Turismo: Planejamento e Desenvolvimen-to Local pela Universidade Plínio Leite (UNIPLI); consultor e pesquisador do Instituto Ideias; discente do Observatório de Inovação do Turismo (EBAPE/FGV); discente do Mestrado Profis-sional em Bens Culturais e Projetos Sociais no CPDOC/FGV-RJ.

Roberto Farias da SilvaMestre em Comunicação e licenciado em História pela Universi-dade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); membro do Observató-rio de Inovação de Turismo (EBAPE/FGV); professor do Centro Uni-versitário de Volta Redonda — UNIFOA; e pesquisador associado do Projeto Pronex Turismo: Capacidade Tecnológica Inovadora em Empresas do Setor de Turismo, da EBAPE/FGV e do IAG/PUC-RJ.

Roberto Pascarella JustaMestre em Administração Pública (2008) pela EBAPE/FGV e pós--graduando em Turismo pelo Observatório de Inovação em Turismo (EBAPE/FGV) e Graduado em Administração de Empresas pela UNE-SA (2004); professor convidado do CEFET-RJ no curso de Admi-nistração Industrial e consultor em projetos do Núcleo de Turismo, além de pesquisador associado do Núcleo de Gestão de Carreiras e do Núcleo de Análises e Projetos Socioambientais (todos da FGV).

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Rodolfo Muanis Mestre em Administração Pública pela EBAPE/FGV, Pós-Graduan-do em Turismo pelo Observatório da Inovação do Turismo - OIT da EBAPE/FGV, Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ. Assessor da Se-cretaria de Planejamento e Gestão do Estado do Rio de Janei-ro - SEPLAG. Possui pesquisas e artigos públicados nas áreas de Gestão Pública, Gestão Social, Cultura e Turismo. Como docen-te atua em cursos de Administração e de Projetos Comunitários.

Rosane Soares dos SantosMestranda em Engenharia Urbana pelo Programa POLI PEU (UFRJ) e Membro do Observatório de Inovação do Turismo (EBAPE/FGV). Especialista em Gestão Pública pela Universidade Candido Mendes. Bacharel em Turismo pela Faculdade Paraíso / Lusófona. Docente do Ensino Superior em Turismo – Faculdade Gama e Souza. Atua princi-palmente nos seguintes temas: turismo, cidades, políticas públicas, segregação, desigualdades, favela, comunidade e inclusão social.

Saulo Barbará de Oliveira Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ; mestre em Administração pela UFF; professor adjunto do Programa de Pós-Gra-duação em Gestão e Estratégia de Negócios da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Simone AlvesProfessora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRJ), doutoranda em Administração pelo Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ e membro do Observatório de Inovação do Turismo (EBAPE/FGV). Engenheira Química pela UFRJ e Especialista em Marketing Empresarial pela Universidade Estácio de Sá-RJ e em Pesquisa e Desenvolvimento de Processos Químicos pela COPPE e PE-TROQUISA, com mestrado em Engenharia Química pela COPPE-UFRJ.

Tatiana Oliveira SicilianoDoutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional – UFRJ, Mestre em História, Bens Culturais e Projetos Sociais pelo CPDOC-FGV/RJ, Graduada em Comunicação Social (Publicida-

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de e Propaganda) pela PUC-Rio. Cursou também pós-graduação latu sensu em Marketing (IAG Master –PUC-Rio) e MBA Executi-vo no COPPEAD/UFRJ. Atuou 15 anos nas áreas de Marketing e Pesquisa de Marketing. Leciona na graduação do Departamento de Comunicação Social da PUC/RJ e lecionou a disciplina Inter-pretações do Brasil nas escolas de Direito e Economia da FGV-RJ.

Thaís Costa da SilvaBacharel em Turismo pela Universidade Federal do Estado do Rio de Ja-neiro-UNIRIO, membro do Observatório de Inovação do Turismo — FGV e atua no setor de aviação, no grupo Air France-KLM. Segue principal-mente as linhas de pesquisa: turismo, cultura, planejamento e gestão.

Thays GuimarãesBacharel em Turismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF), membro do Observatório de Inovação do Turismo da Fundação Ge-tulio Vargas - FGV. Atua como consultora e pesquisadora no Núcleo de Turismo (FGV).

Valentina SchimittDoutoranda em Administração na EBAPE. Mestre e Bacharel em Ad-ministração pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Par-ticipou do Programa Minerva - de Especialização em Economia e Po-líticas Públicas - pela George Washington University (2010). Autora de artigos publicados em eventos e periódicos nacionais e internacio-nais nas áreas de Turismo, Estratégia, Marketing, Gestão Internacio-nal e Desenvolvimento Sustentável. Experiência profissional ante-rior como Professora Substituta na UFSC (presencial e EAD), onde lecionou disciplinas como Pesquisa Mercadológica, Administração Pública, Teoria Geral da Administração, Administração da Produção.

Victor Lamas CunhaGraduado em Turismo, especialista em Administração e em Educação pela UNESA, mestre em Educação, professor e co-ordenador do Curso de Graduação em Turismo da Universi-dade Estácio de Sá, membro do OIT — Observatório de Ino-vação em Turismo da FGV —, tutor on-line FGV (Introdução à Administração), consultor do Projeto PROAGÊNCIA — ABAV.

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