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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Departamento de Ciência dos Alimentos Bacharelado em Química de Alimentos Disciplina de Seminários em Alimentos Características Gerais da Carne Bovina e Defeitos Relacionados ao Declínio do pH post mortem Matheus Francisco da Paz

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Departamento de Ciência dos Alimentos

Bacharelado em Química de Alimentos

Disciplina de Seminários em Alimentos

Características Gerais da Carne Bovina e Defeitos Relacionados ao Declínio do pH post mortem

Matheus Francisco da Paz

Pelotas, 2009.

Matheus Francisco da Paz

Características Gerais da Carne Bovina e Defeitos Relacionados ao Declínio do pH post mortem

Trabalho acadêmico apresentado ao

Curso de Bacharelado em Química de

Alimentos da Universidade Federal de

Pelotas, como requisito da disciplina de

Seminários em Alimentos.

Orientadoras: Prof.a Dr.a Márcia Gularte e Prof.a Dr.a Rosane Rodrigues

Pelotas, 2009.

1

Agradecimentos

Agradeço primeiramente a minha força de vontade em terminar este

trabalho, pois sem ela eu jamais o teria concluído.

À Prof.a Dr.a Márcia Gularte pela ajuda, principalmente ao empréstimo do livro

Ciência, Higiene e Tecnologia da Carne (PARDI et al), que foi de extrema

importância na elaboração deste trabalho.

Ao meu amigo Gabriel Plada que no momento de urgência, emprestou seu

computador para a realização da parte escrita deste seminário, bem como a

Michelle Nogueira, amiga constante e detentora do recorde de ganhar pêra do amor

no Campus Universitário da UFPel.

Agradeço também a Dionatan Tissot, que contribuiu significativamente com

suas regras de português, teorias malucas e explicações de como um abate deve

ser bem feito para sua respectiva tia.

Aos funcionários das bibliotecas setoriais da FAEM e principalmente da

setorial de Ciência e Tecnologia, que me agüentaram quase constantemente em

procuras apressadas por livros.

À todos os meus colegas que não agüentam mais me ouvir o quanto eu

adoro falar sobre carnes.

E por fim e não menos importante, à meus pais, que mesmo distantes,

permanecem constantes, imutáveis e presentes.

2

Resumo

PAZ, Matheus Francisco da. Características Gerais da Carne Bovina e Defeitos Relacionados ao Declínio do pH post mortem. 2009. 42f. Trabalho acadêmico –

Bacharelado em Química de Alimentos. Disciplina de Seminários em Alimentos.

Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

Sendo a carne bovina a mais consumida no Brasil e o carro-chefe da exportação

de carnes no país (principalmente in natura), vários fatores que influenciam na

qualidade da carne tem sido estudados de modo a preservar características

sensoriais, fatores cruciais para a aceitabilidade do consumidor. Para que a carne

contenha uma qualidade elevada, diversos fatores devem ser controlados para que

os bovinos sofram a menor quantidade de estresse possível, tanto no transporte,

chegada no abatedouro, curral de espera, insensibilização e sangria; quando estes

tratamentos são mal executados, a reserva glicosídica cai, ocasionando defeitos de

origem tecnológica. Após a morte, o músculo tende a se manter vivo pelo processo

de homeostasis, que nada mais é do que uma contração/relaxamento com o intuito

de sustentar a quantidade de calor no músculo post mortem, e para isso, a fonte de

energia é oriunda do glicogênio muscular. A sangria remove boa parte do sangue

do animal e essa contração e relaxamento ocorre em meio anaeróbio, gasto de

glicogênio e produção de ácido láctico, posteriormente havendo uma diminuição do

pH. Quando há uma degradação rápida da glicose e formação do acido láctico em

temperatura alta no músculo, ocorre o defeito denominado PSE. Em

circunstâncias onde o animal é estressado ao longo de todas as operações que o

envolve, observa-se como conseqüência a diminuição acentuada da quantidade de

glicogênio, sendo assim, não ocorrendo o abaixamento do pH, caracterizando um

defeito chamado DFD. Melhoramentos na qualidade da carne tem sido observados

através da implantação do bem-estar animal, que visa a redução de seu estresse,

e com isso, uma qualidade superior da carne in natura.

Palavras-chave: PSE, DFD, carne, pH, qualidade, bovinos.

3

Lista de Figuras

Figura 1: Brasil: exportações de carne bovina Halal – Mercados atuais e

potenciais em 2004 .............................................................................................

Figura 2: Produção, consumo e exportação de carne bovina brasileira até

2015 ...................................................................................................................

Figura 3: Esquema de modificação na estrutura e cor da mioglobina e

correspondentes fatores responsáveis por sua alteração .................................

Figura 4: Estrutura muscular: epimísio, perimísio e endomísio .........................

Figura 5: Estrutura da fibra muscular ................................................................

Figura 6: Encurtamento do sarcômero através da aproximação de actina e

miosina, ocorrendo a contração muscular .........................................................

Figura 7: Esquema da degradação do glicogênio muscular em meio aeróbio e

anaeróbio ...........................................................................................................

12

13

16

22

23

24

27

4

Lista de Tabelas

Tabela 1: Mundo: principais exportações de carne bovina e de vitelo,

principais países (mil toneladas equivalente carcaça)...................................... 11

Tabela 2: Brasil: consumo per capita de carnes (kg/habitante/ano)................. 12

Tabela 3: Quantidade em mg/g de CLA (ácido linolênico conjugado) em

diferentes espécies........................................................................................... 19

Tabela 4: Media de água, proteína, gordura (%) e colesterol (mg/100g)

presente na carne de diferentes espécies.............................................................20

5

Sumário

Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

Lista de figuras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

Lista de tabelas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2 Objetivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

3 Mercado da carne bovina. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

4 Composição química da carne. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

4.1 Proteínas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

4.1.1 Miofibrilares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

4.1.2 Sarcoplasmáticas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

4.1.3 Proteínas do estroma ou tecido conjuntivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

4.2 Água. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

4.3 Gordura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

4.4 Substâncias não-proteícas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

4.5 Carboidratos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

5 Tecido muscular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

6 Contração muscular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

7 Transformação do músculo em carne. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

8 Carne tipo DFD e PSE em bovinos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

8.1 Carne PSE (Palide, soft and exsudative) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

8.2 Carne DFD (Dark, firm and dry) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

9. Fatores que influenciam na formação da carne tipo DFD e PSE em bovinos 34

9.1 Jejum antes do transporte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

9.2 Transporte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

9.3 Recepção no abatedouro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

9.4 Curral de espera e jejum pós-transporte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

9.5 Corredor antes do abate. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

9.6 Insensibilização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

9.7 Sangria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

6

10 Abates Religiosos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

11 A questão do bem-estar animal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

12 Conclusão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

13 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

7

1 Introdução

Por definição, qualidade é o conjunto de atributos que satisfaz às

necessidades do consumidor ou até mesmo supere suas expectativas iniciais. Em

relação à qualidade da carne, atributos como cor, textura e suculência, por exemplo,

são de extrema importância para que aquele consumidor exerça uma ação de

aceitação mediante aquele produto (KITO; PEREIRA; JORGE, 2009).

Sendo a carne bovina muito exportada pelo Brasil – em especial a venda in

natura – é de interesse que se observe com cuidado tais atributos sensoriais para

que o produto agregue um valor mais significativo e um lucro por partes dos

frigoríficos e produtores rurais, e como conseqüência, uma qualidade superior do

produto final.

Diversos fatores no momento do pré-abate são determinados como pontos

de observância em termos de qualidade da carne. Dependo destes fatores, o animal

consegue reter uma quantidade significativa de glicogênio, e com isso, uma queda

de pH normal, sem o aparecimento de defeitos.

Dentre os mais diversos problemas da carne in natura, podemos considerar

dois de grande relevância: a carne DFD (dark, firm and dry) que é a obtenção de

uma carne escura, firme e seca muito comum em bovinos e a carne PSE (palide,

soft e exsudative) cuja aparência é pálida, mole e exsudativa (geralmente ligado a

suínos porém com uma incidência razoável em bovinos).

Em termos tecnológicos, esses dois defeitos acarretam inúmeras perdas para

o produtor rural e para os frigoríficos, visto que o produtor rural recebe pela

quantidade que a carcaça do animal rendeu em termos financeiros de carne.

O mais grave em se tratando de qualidade microbiológica é a carne DFD,

onde o pH da carne não sofre uma redução, devido à insuficiência de glicogênio no

interior do músculo para posterior transformação em ácido láctico. Com o pH

aumentado de forma significativa, a carne está sujeita a um ataque de

microrganismos deteriorantes e patogênicos, sendo esta não aceita em termos de

exportação.

8

Para reduzir as perdas por esses dois defeitos apresentados, uma das

saídas mais viáveis e mais aceitas é o chamado bem-estar animal. Este é um

conceito novo que visa um abate adequado com uma insensibilização adequada, e

todo um manejo pré-abate que tem por objetivo minimizar o estresse sofrido pelo

animal desde a sua ida ao lugar de engorda até o momento da sangria. Reduzindo

o estresse do animal, se tem uma minimização e até uma extinção desses dois

defeitos. Soluções para isto é aplicável principalmente para animais destinados à

exportação.

9

2 Objetivo

O objetivo deste trabalho é apresentar uma revisão bibliográfica sobre a

carne bovina de uma forma geral - como mercado, composição química,

característica do músculo - focando nos defeitos ligados ao pH deste alimento (PSE

e DFD), bem como os fatores que delimitam esses tipos de defeitos e o manejo

adequado para a obtenção de uma carne com uma qualidade superior mediante a

aplicação correta de métodos que diminuam o estresse do animal.

10

3 Mercado da carne bovina

Uma mudança acentuada e progressiva na venda de carne bovina a outros

países vem se destacando no panorama mundial. Dados revelam que as

exportações de carne bovina evidenciaram um crescimento médio de 25% ano até

2005, sendo o Brasil principal exportador de carne bovina do mundo. (tab. 1)

Tabela 1 – Mundo: principais exportações de carne bovina e de vitelo, principais

países (mil toneladas equivalente carcaça)

Fonte: BUAINAIN; BATALHA, 2007 apud USDA 2007.

Os padrões de aceitação estão cada vez mais rigorosos, principalmente para

uma carne que tem como principal meio a exportação. Carnes com defeitos PSE e

DFD não são aceitas (tanto para venda no país quanto fora), pois são considerados

defeitos comumente associados ao bem-estar animal, e, portanto, não sendo bem

vistas para o comprador, em especial, aquele com padrões mais exigentes de

qualidade.

Dentre as exportações da chamada carne Halal (carne para muçulmanos), o

Brasil também apresenta venda para um número significativos de países (Fig. 1).

11

Figura 1 – Brasil: exportações de carne bovina Halal – Mercados atuais e

potenciais em 2004.

Fonte: BUAINAIN; BATALHA, 2007 apud CAMADERLLI; ABIEC, 2005.

Em se tratando de consumo interno, a carne bovina é preferência na mesa

do consumidor (tab. 2).

Tabela 2 – Brasil: consumo per capita de carnes (kg/habitante/ano)

Fonte: BUAINAIN; BATALHA, 2007.

O Brasil tem uma ampla oportunidade de crescer nas exportações e

consumo interno, porém um aumento de volume produtivo não deve afetar a

qualidade da carne. Uma grande potência em termos econômicos, o Brasil (que já é

uma referência em exportação de carne) tende a ampliar horizontes e aumentar sua

produção, seu consumo interno e exportação, como mostra a Fig. 2, uma

perspectiva do desenvolvimento do mercado brasileiro até 2015:

12

Figura 2 – Produção, consumo e exportação de carne bovina brasileira

até 2015.

Fonte: BUAINAIN; BATALHA, 2007

13

4 Composição química da carne

Em se tratando de composição química, a carne tem uma gama enorme de

variáveis que interferem significativamente na quantidade de seus componentes

básicos. Nestes, incluem-se espécie, raça, idade, sexo, alimentação e manejo.

Tanto as proteínas, tão comumente citadas como constituinte abundante em

carnes, os demais componentes também variam em função do corte. Músculos com

intensa atividade estão relacionados ao alto teor de água, que então, é

inversamente proporcional ao conteúdo de gordura (PARDI, et al. 1995).

Em um conceito geral, a carne pode ter, aproximadamente, 75% de água,

2,5% de gordura, 19% de proteína e 3,5% de substâncias não protéicas solúveis

(nitrogenados e carboidratos por exemplo) (LAWRIE, 1998).

4.1 Proteínas

Diversas são as funções das proteínas, variando entre estrutura muscular a

reações metabólicas vitais. Compreende o segundo componente mais abundante

em carnes, precedido apenas da água (FORREST et al. 1975).

Podem ser classificadas segundo a sua solubilidade, podendo ser solúveis

em água ou em soluções salinas diluídas (sarcoplasmáticas), em soluções salinas

concentradas (miofibrilares) e, por fim, as insolúveis em solução salina concentrada

(proteínas do tecido conjuntivo ou do estroma)1 (PARDI, et al. 1995).

4.1.1 Miofibrilares

Estão presentes entre 11 a 12% na composição na carne. Dentre as

proteínas miofibrilares, as de maior interesse se diferenciam por participar da

contração muscular, um fator importante para a caracterização do rigor mortis,

também chamada de “rigidez cadavérica” (PRICE; SCHIWEIGERT, 1995).

A actina e a miosina são especialmente responsáveis pela contração

muscular, formando o composto denominado actomiosina. Para que haja um 1 Tecido conectivo (ORDÓÑEZ, 2005).

14

controle sobre a contração muscular voluntária, outras proteínas coexistem neste

meio, são chamadas proteínas reguladoras - troponina e tropomiosina - e estas,

não são contráteis. O funcionamento da contração muscular em detalhes se

encontra no item 6 deste trabalho.

4.1.2 Sarcoplasmáticas

Seu conteúdo na carne corresponde a porcentagem de 6 a 7% de sua

composição total. As demais proteínas que estão presentes nas células musculares

e que, não se encaixam na descrição de contrátil, se incluem nas sarcoplasmáticas.

De um modo mais significativo, dois tipos de proteínas sarcoplasmáticas influeciam

na qualidade da carne durante a fase post mortem. (PRICE; SCHWEIGERT, 1995).

O grupo das proteases musculares, responsáveis pela maciez da carne e

resolução do rigor mortis e os pigmentos – em especial a mioglobina –

responsáveis pela coloração vermelha característica da carne (PRICE;

SCHWEIGERT, 1995).

A mioglobina exerce um fator crucial na decisão do consumidor em optar por

uma determinada carne, pois é responsável por uma das questões mais

importantes em termos sensoriais: a cor.

A mioglobina (como a maioria dos pigmentos) não é estável, sofrendo

modificações estruturais. Este pigmento pode se apresentar de 4 modos diferentes:

mioglobina (vermelho púrpura), oximioglobina (vermelho brilhante), metamioglobina

(vermelho-amarronzado) e sulfomioglobina (coloração esverdeada) (Fig. 3).

15

Figura 3 – Esquema de modificação na estrutura e cor da mioglobina e

correspondentes fatores responsáveis por sua alteração.

Tanto a oximioglobina quanto a mioglobina propriamente dita, são aceitáveis

ao consumidor, pois ambas retomam ao conceito de cor da qual a carne pertence.

16

O mesmo não se pode dizer da metamioglobina e sulfomioglobina, que desviam da

idéia de normalidade de um pigmento cárneo.

4.1.3 Proteínas do estroma ou tecido conjuntivo

Um dos grupos mais importantes em carnes e associado à dureza da mesma

é o grupo das proteínas do estroma ou tecido conjuntivo. Suas funções são as mais

diversas, desde conectar de músculos à proteção mecânica, esta última a mais

importante. São proteínas insolúveis em solução salina concentrada e estão

presentes na carne entre 2 a 3% de sua constituição total. Dentre estas proteínas,

são duas as que merecem destaque: o colágeno e a elastina (PRICE;

SCHWEIGERT, 1995).

O colágeno está presente em todos os tecidos conjuntivos (como o tendão,

ossos, cartilagem, etc.) sendo seu componente principal. Sua unidade estrutural

básica é a molécula monomérica de tropocolágeno, sendo que três destas

enroladas em hélice constituem uma fibrila de colágeno. Com o tempo o animal

envelhece e o colágeno sofre modificações, dentre outras, a mais importante é a

sua estabilização por ligações covalentes transversais, fazendo assim, com que a

dureza da carne se acentue. Portanto, podemos dizer, que quanto maior a

quantidade de colágeno em um animal de idade avançada, pior será a qualidade da

carne em se tratando da maciez (PRICE; SCHWEIGERT, 1995; ORDÓÑEZ, 2005).

A elastina, como o próprio nome já diz, possui propriedades elásticas,

encontrada em tecidos que sofrem processos de deformação, tensão ou alta

pressão, que incluem-se pele, os ligamentos, e até mesmo a parede de grandes

artérias (PRICE; SCHWEIGERT, 1995).

4.2 Água

Em músculos bovinos, o teor de água varia entre 70 a 75%, e também varia

conforme a quantidade de gordura presente. Pode-se dizer que a água decresce

conforme aumenta o conteúdo de tecido adiposo na carne. Uma observação

relevante no conteúdo de água é a ligação com a idade do animal, sendo que

jovens possuem um teor mais elevado (PARDI, et al. 1995; PRICE; SCHWEIGERT,

1995).

17

Na sua importância está contida como fator de interesse higiênico-sanitário e

tecnológico cogitado como elemento vital no processo de conservação. Também

unido-se as estruturas celulares, meio de transportes para nutrientes etc. Se avalia

a atividade de água, para que com ela se possa ter um controle devido nas reações

de deterioração dos alimentos, de um modo especial, o desenvolvimento

microbiano (PARDI, et al. 1995)

As proteínas têm um papel de destaque no mecanismo de retenção de água.

Estas são as principais substâncias que captam a água de organismos vivos,

referindo-se assim as proteínas musculares, quando o assunto é carne.

A água também está ligada com a cor da carne. No caso da carne

exsudativa (PSE) como há liberação de água na superfície, há uma limitada

capacidade de absorção luminosa (superfície refletora) e assim a intensidade da luz

se reduz muito (carne pálida). No caso DFD, a água se encontra ligada as fibras,

não se alojando na superfície mas sim no interior da carne, portanto, as reflexões

da luz branca diminuem, aumentando a absorção (coloração escura) (FORREST et

al. 1975).

4.3 Gordura

A gordura no bovino está presente em uma porcentagem de 2 a 3,2% de sua

composição. Tem como função aporte energético, funções metabólicas (em forma

de hormônios por exemplo), estrutura e funcionalidade da membrana celular

(FORREST et al. 1975; ORDÓÑEZ, 2005).

Em se tratando de nutrição humana, em especial carnes, fatores como o

valor calórico, diferentes características nutricionais essências, suas relações com

outros nutrientes e as conseqüências de sua ingestão e manipulação adequada são

abordadas como importantes (PRICE; SCHWEIGERT, 1995).

Em termos de armazenamento, a gordura se apresenta disposta no músculo

em extramuscular, intermuscular e intramuscular; a extramuscular se entende por

gordura externa, a intermuscular entre os músculos e a intramuscular esta contida

no interior do músculo. As duas últimas se caracterizam como o chamado

“marmoreio da carne”, que está associado a suculência da carne e aceitação em

termos sensoriais.

18

Estas gorduras, também chamadas de ácidos graxos, estão apresentados

em duas formas básicas: os ácidos graxos saturados – no qual se enquadram o

palmítico, mirístico e o esteárico – e os insaturados – oléico, linolênico, linoléico e

arquidônico – destes, o oléico é o mais presente, em torno de 71 a 91% da gordura

dos bovinos.

Um caso a parte destes componentes, pode-se citar o CLA (acido linolênico

conjugado) que tem como origem animais ruminantes, ocorrendo a

biohidrogenação, onde as bactérias do rumem “abrem” as duplas ligações. O CLA é

considerado anticarcinogênico, antitrombótico e redutor de colesterol.

Tabela 3 – Quantidade em mg/g de CLA (ácido linolênico conjugado) em diferentes

espécies

Espécie Mg/gOvinos 5,6

Bovinos 4,3

Frango 0,9

Suíno 0,6

Peixe 0,3

Na tab. 3, pode-se observar que os bovinos apresentam uma quantidade

superior comparado as outras espécies, atrás apenas de ovinos.

Fatores intrínsecos podem ser observados a importância de composição da

gordura na carne. A idade do animal, onde a medida que há um envelhecimento, há

um acumulo de gordura. Esta se apresenta em quantidade superior em animais que

foram submetidos à menor seleção genética. O sexo é um fator que afeta o

conteúdo de gordura intramuscular, sendo esta mais abundante em fêmeas, assim

como animais castrados, que apresentam um índice de gordura superior ao não

castrado. Entre os fatores extrínsecos, o de importância fundamental é a

alimentação, que está associada a qualidade da carne (ORDÓÑEZ, 2005).

A qualidade da carne também é associada a quantidade de gordura

presente, em especial o colesterol amplamente explorado na aceitação ou rejeição

de um produto. Porém, a maioria das pessoas desconhece que a carne possui uma

19

baixa quantidade de colesterol, em vista que as vísceras – como fígado e coração –

possuem uma alta quantidade deste componente.

A tab. 4 mostra que a quantidade de colesterol da carne bovina é menor que

a carne de frango, e os níveis apresentados não são exorbitantes como geralmente

se pensa em se tratando de carnes.

Tabela 4 – Media de água, proteína, gordura (%) e colesterol (mg/100g) presente na

carne de diferentes espécies

Componente

Espécie

Suíno Bovino Frango

Água 75 70 73

Proteína 19 20 20

Gordura 4,5 2 5,5

Colesterol 50 50 50-80

4.4 Substâncias não protéicas

Dentre as substâncias não protéicas, podemos encontrar as vitaminas, que

na carne se dispõe em A,D,E,K (lipossolúveis) e hidrossolúveis, compostas por

vitaminas do complexo B e vitamina C, sendo pobre nesta última e rica em

vitaminas do grupo B, em especial a niacina, tiamina e riboflavina (PARDI, et. al.

1995).

Em se tratando de vitaminas hidrossolúveis, são encontradas em maior

quantidade em carnes magras, devido ao alto teor de água no seu interior. O

contrário ocorre com vitaminas lipossolúveis, que estão presentes em maior

quantidade em carnes com percentual elevado de gordura, obviamente devido as

suas respectivas afinidades (PARDI, et al. 1995).

Ainda em relação as lipossolúveis, é constatado que a vitamina A em relação

a bovinos é encontrada em maior concentração no outono. A vitamina D é

encontrada em traços na carne de animais de corte. A vitamina E é mais abundante

em bovinos, encontrando-se em (1,0mg/100g) em relação a suínos (0,6mg/100g),

ovinos (0,5mg/100g) ou frangos (0,2mg/100g). A vitamina K se apresenta na

20

mesma concentração, tanto para bovinos, suínos e ovinos (0,14 a 0,15mg/100g), já

o frango está abaixo com 10,02mg/100g). (PARDI, et. al. 1995).

Também, como parte destas substâncias não protéicas se encontra os

minerais. Com exceção do cálcio – que está presente em sua maioria nos ossos e

dentes – a carne é uma boa fonte mineral. Os minerais estão ligados a parte magra

da carne, sendo um mineral importante o ferro, o qual está presente em boa

quantidade. Este é indispensável para se manter a boa saúde. Sabendo que o ferro

que se armazena no organismo é escasso, a manutenção deste mineral é

importante, em virtude de que a carne proporciona uma forma facilmente absorvível

(FORREST et. al. 1975).

Entre os compostos nitrogenados que não compõe as proteínas, podemos

citar os aminoácidos livres, a creatina e os nucleotídeos.

4.5. Carboidratos

Em se tratando de organismo animal, este é considerado pobre em

carboidratos, a maioria se localiza no músculo e principalmente no fígado. O

carboidrato de maior presença é o glicogênio, que desempenha um papel

fundamental no pH após a morte. Tem-se observado um teor de 3% de glicogênio

em bovinos recém sacrificados. Na maturação o glicogênio se transforma em acido

láctico, e como conseqüência, a queda do pH é observado (FORREST et al. 1975).

É de dependência do glicogênio que carnes DFD e PSE existem, bem como

a carne que possui um caminho de pH normal em relação a quantidade de ácido

láctico produzido e a velocidade com que o pH cai por formação deste ácido.

No abate, a quantidade de glicogênio (e sua velocidade de glicólise post

mortem) afetam características como a cor do músculo, a textura, a firmeza, a CRA

(capacidade de retenção de água), a capacidade de emulsificante e sua vida útil

(FORREST et. al. 1975).

Os carboidratos também estão associados com o escurecimento não

enzimáticos promovido pelo calor, chamado de reação de Maillard, o que dá a

carne um aspecto suculento durante o preparo.

21

5 Tecido muscular

O tecido muscular em termos gerais representa aproximadamente 50% do

peso da carcaça do gado bovino. Este, apresenta-se recoberto por uma membrana

de tecido conjuntivo chamado epimísio, que recobre todos os feixes musculares

unindo-os. Em cada feixe muscular, encontra-se o perimísio, uma membrana

envoltória deste feixe. As fibras musculares se encontram dentro do feixe muscular,

e esta fibra é recoberta por uma membrana de nome endomísio (Fig. 4).

Figura 4 – Estrutura muscular: epimísio, perimísio e endomísio.

Fonte: CARCERONI, D. Disponível em: <http://www.fiqueinforma.com/wp-content/uploads/2009/05/estrut_musc.jpg>. Acesso em: 7 Junho 2009.

Na fibra, há uma membrana logo abaixo do endomísio, chamada de

sarcolema. Dentro deste há o sarcoplasma, formado de substâncias intracelulares,

dentre seus componentes, encontra-se o glicogênio, importante no declínio do pH

post mortem. O sarcolema também envolve as miofibrilas, que estão presentes na

fibra muscular, estas miofibrilas contêm miofilamentos. Dentro destes miofilamentos

se encontram as proteínas de actina e miosina, responsáveis pela contração

muscular. (PARDI, et al. 1995; PRICE; SCHWEIGERT, 1995 ; FORREST et al.

1975; ORDÓÑEZ, 2005; LAWRIE, 1998).

22

Figura 5 – Estrutura da fibra muscular.

Fonte: CARCERONI, D. Disponível em: <http://www.fiqueinforma.com/wp-content/uploads/2009/05/fibra_muscular.jpg>. Acesso em: 7 Junho 2009.

É necessário entender a estrutura da carne, para a total compreensão da

contração muscular, gasto de glicogênio em meio anaeróbio e posterior declínio do

pH ou ausência deste declínio.

23

6 Contração muscular

Para compreender o declínio do pH no músculo, é necessário uma

compreensão do sistema de contração muscular, que está interligado de uma

maneira evidente com o rigor mortis, que é a contração muscular sem relaxamento

e formação do composto actomiosina, este irreversível após formado em se

tratando do animal abatido. Além disso, a contração muscular é o mecanismo pelo

qual o glicogênio é gasto no músculo, gerando ácido láctico em meio anaeróbio (pH

da carne).

A miofibrila, possui uma unidade funcional, chamada sarcômero, onde há a

contração e relaxamento muscular. O sarcômero é a parte da miofibrila constituída

entre duas “linhas” denominadas linhas Z.

Entre estas duas linhas ocorre a contração. A contração se dá pela liberação

de íons de cálcio que fazem com que a troponina se afaste da actina, assim a

miosina se liga a ela e acontece a contração muscular. A troponina e a

topromiosina são substâncias consideradas reguladoras, pois impedem que o

músculo permaneça em infinita contração (Fig. 6).

Figura 6 – Encurtamento do sarcômero através da aproximação de actina e

miosina, ocorrendo a contração muscular.

24

Fonte:

<http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/sala_de_aula/biologia/biologia_animal/fisiologia/musculo>. Acesso em: 6 Jun. 2009.

Na contração muscular, o sarcômero diminui, reduzindo o espaço entre as

linhas Z. O inverso acontece quando o músculo relaxa, há um afastamento de

linhas Z. Na fig. 6, estam representadas as linhas Z, aquelas na extremidade da

figura, de forma vertical.

Para que ocorra estes processos de contração e descontração muscular, há

um gasto energético, que é efetivado pela degradação de glicogênio. Em meio

anaeróbio, a contração e descontração muscular também acontece, produzindo

ácido láctico, e é este ácido láctico que baixará o pH da carne logo após o abate,

pois mesmo após a morte do animal, a contração do músculo é observada,

enquanto energia remanescente estiver presente.

25

7 Transformação do músculo em carne

O músculo constitui um sistema contrátil muito complexo, que necessita ser

estudado com profundidade para se ter uma compreensão mais completa do

mecanismo de conversão do músculo em carne. Após o abate, o músculo passa

por muitas transformações, tanto físicas quanto químicas, e estas mudanças são de

interesse vital para entendimento da queda do pH referente a glicólise (FORREST

et al. 1975).

Com o surgimento de técnicas centralizadas de produção em massa, como

se utiliza ultimamente nas indústrias de produção de carne, há um aumento da

preocupação com fatores que buscam a qualidade e uniformidade do produto final,

isto leva a um estudo sobre as causas de suas variações, buscando uma melhora

nestes quesitos. Atualmente se conhece um numero realmente grande de variáveis

que influenciam a qualidade da carne e que se sabe que são devidas as mudanças

que ocorrem depois do sacrifício animal. (FORREST et. al. 1975)

As mudanças que ocorrem no músculo vivo e no tecido após a morte, são de

certo modo parecidas, com exceção que no último há a incapacidade dos tecidos

para sintetizar e eliminar certos metabólicos depois da morte (PRICE;

SCHWEIGERT, 1995).

No momento em que o animal morre, tipos particulares de metabolismos

continuam agindo naquele músculo. Embora este não esteja se contraindo de uma

forma abrupta, a energia se faz responsável por manter a temperatura e a

integridade das células contra a tendência natural de seu colapso, este efeito é

denominado homeostasis. Em resumo, o músculo se contrai e relaxa diversas

vezes mesmo após a morte para tentar manter sua temperatura interna (LAWRIE,

1998).

No momento que a sangria é efetuada, o aporte de oxigênio cessa e o

músculo passa a executar contrações em meio anaeróbio, e é neste meio que

ocorre um dos fenômenos mais importantes em termos tecnológicos de carne: a

glicólise post mortem.

26

A glicólise post mortem é um dos processos de maior interesse em se

tratando de qualidade da carne, pois é através desta que a queda do pH será

observada. Como já foi dito no item 6 deste trabalho, o músculo no momento de

sua contração, utiliza energia tanto para a extensão do sarcômero quanto para sua

retração. Em se tratando de músculo recém abatido, se a sangria for bem efetuada,

o aporte de oxigênio cessa, porém a homeostasis do músculo continua, e o

músculo necessita de energia para que estas contrações aconteçam.

A energia que o músculo utiliza provém do glicogênio, mais especificamente

da glicólise, que se faz para ressintetizar o ATP e utilizá-lo na homeostasis.

Portanto, podemos dizer que o glicogênio é o principal fator para a contração e

relaxamento muscular em se tratando de post mortem. Porém, a sangria se for

efetivada, remove o oxigênio presente no músculo, e esta glicólise acaba

acontecendo em meio anaeróbio, gerando ácido láctico, e este, diminui o pH da

carne em um número determinado de horas (ORDÓÑEZ, 2005).

Figura 7 – Esquema da degradação do glicogênio muscular em meio aeróbio

e anaeróbio.

Portanto, o valor de pH pode variar conforme a quantidade de glicogênio

presente no músculo, e isso acarreta em interferências de grande escala em termos

sensoriais e tecnológicos, podendo originar carnes do tipo DFD, que é a carne onde

o declínio do pH não está presente devido a falta de glicogênio anteriormente gasto

por um manejo pré-abate inadequado, e também poderá gerar uma carne do tipo

PSE, como se apresentará mais adiante.

Um dos processos mais importantes na transformação do músculo em carne

é a rigidez cadavérica, chamada mais comumente de rigor mortis. O músculo do

27

animal abatido tenta se “manter vivo” contraindo e relaxando, como um modo de

manter a temperatura do músculo. No momento em que a contração e relaxamento

cessa, nota-se que o músculo não possui mais energia em forma de ATP para esta

função, e em conseqüência disto, forma-se um composto chamado actomiosina,

que é uma contração do músculo irreversível, chamado rigor mortis.

Vale ressaltar que uma vez que a glicólise post mortem acontece em um

músculo com uma reserva de glicogênio adequada tem um pH final em torno de

5,5, e este é o ponto isoelétrico das principais proteínas do músculo, alguma perda

da capacidade de retenção de água é a inevitável conseqüência da morte do animal

(LAWRIE, 1998).

A desnaturação protéica está ligada com a capacidade de retenção de água,

pois quando a proteína desnatura, ela está no seu ponto isoelétrico, onde as cargas

são iguais, portanto insolúveis em água, e assim, diminuindo sua capacidade de

aderência com a mesma. Dentre as proteínas atingidas por este efeito, estão as

proteínas sarcoplasmáticas, às quais se deve a capacidade de retenção de água e

que são especialmente afetadas pela queda post mortem do pH (LAWRIE, 1998).

E ainda, parte da capacidade de retenção de água se deve ao fato da

ausência de ATP e posterior formação do complexo actomiosina à medida que o

músculo entra em rigor mortis, pois este causa a perda da capacidade de retenção

de água em qualquer valor de pH, pois o complexo actomiosina tem uma

capacidade de retenção de água menor do que as da miosina e actina (LAWRIE,

1998).

Um dos pontos relevantes em termos de retenção de água, independentes

do pH é a desnaturação das proteínas oriundas da queda de energia do músculo.

Com a diminuição do ATP, inicia o processo de desnaturação daquelas proteínas

cuja integridade do animal vivo depende única e exclusivamente da provisão de

energia (LAWRIE, 1998).

Após a resolução do rigor mortis, há uma liberação de enzimas proteolíticas,

essas enzimas proteolíticas degradam as proteínas miofibrilares, aumentando a

maciez da carne, ocorrendo um rompimento da linha Z. Dentre essas enzimas,

podemos destacar as catepsinas e as calpaínas.

Além dos fatores citados – como homeostasis, glicólise, rigor mortis, e

degradação enzimática – dentre as conseqüências que marcam a transformação

do músculo em carne está a perda de proteção frente ao povoamento microbiano, a

28

perda da integridade estrutural e também, as modificações de aspecto físico. Todos

esses fatores são citados como a transformação do músculo em carne, a partir

destes pontos em comum se pode chamar o músculo do animal de carne. O tempo

para este efeito acontecer varia em torno de 24 horas para bovinos, porém esse

valor pode ser modificado conforme o uso da estimulação elétrica, tal processo

diminui o tempo de espera para o alcance do pH final do músculo (PARDI, et al.

1995).

29

8 Carne tipo DFD e PSE em bovinos

A qualidade e uniformidade da carne é um dos fatores que mais tem

influenciado o desenvolvimento de pesquisas para produtos cárneos.

Principalmente ao longo dos últimos anos em que o Brasil tem se tornado um

dos principais exportadores de carne bovina no setor mundial, sendo que em 2007,

foram exportadas 2,53 milhões de toneladas, deste montante, 80% foi representado

por carne in natura. (KITO; PEREIRA; JORGE, 2009).

Para que a carne continue com um índice alto de exportação, é interessante

um cuidado com não somente as características nutricionais da carne, mas também

com as características sensoriais – tais como cor, suculência, exsudação, maciez –

que interferem diretamente na escolha do consumidor.

Tais características podem sofrer modificações conforme o tratamento que o

animal recebe, podendo ocorrer vários defeitos na carne in natura, dentre eles os

defeitos chamados PSE (palide, soft and exsudative) e DFD (dark, firm and dry),

que representam defeitos diretamente ligados à falta de bem-estar animal e manejo

pré e pós-abate inadequado.

Visto que o músculo passa por diversos processos em sua transformação em

carne, alguns defeitos podem ser observados podendo ser constatados no produto

final. Nesta transformação, como visto, o pH do músculo cai devido a transformação

do glicogênio em ácido láctico através da glicólise anaeróbia.

Quando o animal sofre um estresse momentos antes do abate, a carne

diminui drasticamente seu pH, acarretando na chamada carne PSE (pálida, mole e

exsudativa), sendo esta muito comum em suínos, porém ocorrendo em bovinos.

Já quando o animal é estressado por fatores intrínsecos e extrínsecos ao

longo do processo pré-abate e sua reserva glicosídica deixa de existir, a carne

assume o defeito denominado DFD (escura, seca e firme), sendo esta mais comum

em bovinos, porém podendo ocorrer em outros animais. Estes defeitos serão

abordados com minúcia nos itens 8.1 e 8.2, respectivamente (PELICANO; PRATA,

2007).

30

8.1 Carne PSE (Palide, Soft e Exsudative)

A carne PSE (pálida, mole e exsudativa) é caracterizada pela diminuição do

pH em uma velocidade bastante rápida antes do abate através do estresse que o

animal sofre antes de sua morte, sendo muito comum em suínos, porem com uma

incidência razoável em bovinos.

A desnaturação protéica é observada tanto na queda brusca de pH quanto o

valor de pH final e diminuição da capacidade de retenção de água. Tal músculo

contém uma superfície muito aquosa, e em casos extremos, a superfície do

músculo goteja (FORREST et al., 1975).

A desnaturação das proteínas, dentre elas as sarcoplasmáticas, é tanto mais

agravada quanto mais rápida for a queda de pH, e isto aumenta a tendência da

actomiosina em contrair-se assim que ela se forma, forçando assim, a saída do

líquido que se dissociou das proteínas para o exterior.

Quando uma velocidade rápida de queda de pH associada a temperaturas

elevadas do músculo, há um uma perda cada vez maior de retenção de água, que

se da, em parte, ao aumento da desnaturação das proteínas musculares e

parcialmente ao aumento do movimento da água para os espaços extracelulares.

O pH da carne entra no ponto isoelétrico da proteína (em torno de 5,5) e a

desnaturação acontece, e assim, a proteína deixa de reter a água, portanto a

exsudação é observada. E é por esse fator da desnaturação protéica devido ao

ponto isoelétrico é que a textura da carne se torna mole (LAWRIE, 1998).

Conforme há migração da água do interior para o exterior da carne

(exsudação) ocorre a cor pálida da carne. Isso se dá ao fato de que a água tem um

potencial de refração da luz acentuado, e, como no caso da carne exsudativa a

água permanece na superfície, e consequentemente reflete mais a luz, tornando a

carne pálida.

Uma das razões para a palidez se dá pela ausência da mioglobina, e

também a mudança química do pigmento, sendo essa causada pela rápida queda

do pH (expondo as proteínas sarcoplasmáticas, incluindo a mioglobina a um pH

mais baixo enquanto a temperatura post mortem ainda está alta).

31

8.2 Carne DFD (Dark, Firm and Dry)

Este defeito da carne é caracterizado por uma carne escura, e isso se dá ao

fato de que a carne retém água no seu interior, portanto não se direcionando para a

superfície, fazendo com que os raios de luz não sejam refletidos e sim absorvidos,

portanto, tornando a carne mais escura.

Uma das principais desvantagens do defeito denominado DFD (também

chamada de carne de corte escuro) é que o pH da carne não diminui como uma

carne com um pré-abate adequado. O glicogênio gasto através de um manejo pré-

abate defeituoso e componentes que influem para que isso ocorra, fazendo com

que o glicogênio não se degrade em forma de contração/relaxamento, ele foi

degradado antes através do estresse animal, não há formação de ácido láctico e

não há o abaixamento do pH. Esse pH alto tem vários fatores de influenciam

tecnologicamente na qualidade da carne.

Uma observação relevante é na manutenção da sanidade microbiológica da

carne, visto que o aumento de uma unidade de pH requer o aumento de 10 vezes

da concentração de nitrito para prevenir o crescimento microbiano. E ainda algo

mais agravante é que como o nível de carboidratos deste tipo de carne é

praticamente inexistente, os microrganismos ao invés de degradá-los de uma forma

primordial, degradam as proteínas diretament, causando uma deterioração rápida,

incluindo odores indesejáveis (LAWRIE, 1998).

Um dos fatores mais importantes em termos de tecnologia, principalmente

para carne de exportação é a faixa de pH. Essa determina se a carne será aceita

fora do país, sendo os países importadores estipularam que o pH da carne deve

estar abaixo de 5,9 porque o vírus da febre aftosa é inativado abaixo desse valor.

Portanto, um fator de extrema importância para a aceitação no exterior é a faixa de

pH, que está relacionada com a qualidade microbiológica da carne, e assim, a

carne DFD nunca será aceita para a comercialização da carne fora do país, e

sendo assim, um frigorífico deve tomar medidas para que o pré-abate seja

adequado evitando assim a formação da carne DFD.

A falta da desnaturação protéica acontece em carnes DFD, então, a proteína

não entra em seu pronto isoelétrico, e isso a faz reter mais água, e assim a carne

se torna firme, escura e seca. Este termo “seca” é errôneo, porque a quantidade de

água dentro da carne é superior as demais tipos de carnes, porém ela é dita seca

32

porque na sua superfície ela não emana água, e em um teste simples, se for

colocado um papel sobre a carne DFD, o papel dificilmente se tornará úmido. O

contrário acontece com a carne PSE, que se fizermos o mesmo teste, o papel se

tornará úmido de uma forma intensa, acusando a exsudação.

33

9 Fatores que influenciam na formação da carne tipo DFD e PSE em bovinos

Estresse é um termo de expressão genérica, referente a mudanças

fisiológicas, tais como alterações no ritmo cardíaco e respiratório, temperatura

corporal e pressão sanguínea, que ocorrem quando o ambiente torna-se

desfavorável para o animal. Isto é o que se quer evitar conhecendo os pontos que

esse ambiente adquire esse predicado e corrigindo esses pontos para que o animal

não sofra tanto com esses processos (BATISTA DE DEUS; SILVA; SOARES,

1999).

9.1 Jejum antes do transporte

Para os bovinos, o jejum antes do transporte não é necessário, sendo

apenas preciso para o momento pós-transporte. Porém outros tipos de animais

necessitam de um jejum antes de transporte, como no caso de suínos e aves.

9.2 Transporte

Reconhece-se cada vez mais que o manejo sem cuidado ou rude dos

animais no período imediatamente pré-abate afeta a carne de diversos modos,

além de ser não-humanitário. Causas estressantes podem ser maximizadas ao

longo do transporte, e é um dos pontos críticos em se tratando da queda de

glicogênio do músculo animal. Durante o transporte, pode haver perda de peso,

lesões e se animais estiverem em caminhões ou em vagões de trem, o

sufocamento pode acontecer devido à ventilação inadequada (LAWRIE, 1998)

(PARDI, et. al. 1995).

São diversos os fatores que levam ao estresse no transporte, dentre eles o

clima, o pessoal envolvido nas atividades, as distâncias e os equipamentos

utilizados nas atividades de pré-abate. Fatores como temperatura, umidade, luz,

ruído, espaço, bem como a resistência daquele animal ao estresse e a herança

genética , influenciam na degradação do glicogênio no músculo.

34

Na temperatura, podemos destacar que para minimizar o estresse térmico, a

maioria das viagens executadas, principalmente em termos de países tropicais

(como no caso do Brasil) são realizadas a noite, com o intuito de que o animal se

sinta mais “confortável” com a viagem.

Um período longo de transporte acarreta em problemas na qualidade da

carne, sendo um período superior a 15 horas inaceitável do ponto de vista do bem-

estar animal, portando cabe aos donos de frigoríficos acionar os produtores mais

próximos (com um devido programa de rastreabilidade e controle dos bovinos) para

minimização das viagens, até porque, o custo que se tem comprando animais de

distâncias superiores com o transporte e qualidade da carne é de total relevância

(KITO; PEREIRA; JORGE, 2009).

O veiculo não deve possuir pontas de madeira, ripas, pregos ou parafusos

expostos, o que também poderá afetar a qualidade do couro. A altura das

carrocerias, bem como a rampa com inclinação própria devem ser observados,

além dos fatores já citados acima. Importante também, são as condições de higiene

deste transporte, sendo de fácil higienização e remoção das sujidades encontradas

(KITO; PEREIRA; JORGE, 2009).

Também se pode chamar a atenção para o fator equilíbrio dos bovinos no

veículo, tendo em vista o perigo de grandes lesões e sufocamento. Para isso, um

motorista bem treinado em transporte animal deve ser contratado, para que seja

adequado o modo como remover os animais se locomovem seja o mais suave

possível. O espaço durante o transporte muitas vezes em função do lucro é

utilizado de uma forma errônea, tanto porque os animais tendem a se debater mais

e o estresse é evidenciado. Esse transporte, ao invés de trazer um benefício de

forma rentável ao frigorífico, perde em termos qualitativos (ILLICH; HAGUIWARA,

2006).

Tranqüilizantes tem sidos administrados para acalmar os animais durante o

transporte, agem como compesadores de suscetibilidade ao stress. Porém essa

medida adotada pode ser perigosa à proporção que os animais não podem parar de

pé e podem ser sufocados (LAWRIE, 1998).

Métodos benéficos para o transporte devem ser analisados com precisão,

visto que é um dos principais fatores de estresse animal, para que a qualidade da

carne se acentue, é de total relevância que os métodos de pré-abate sejam

35

executados com precisão, e com isso inibindo o aparecimento de defeitos como

DFD e PSE em bovinos.

9.3 Recepção no abatedouro

Os animais após o transporte se alojam no curral de chegada, ontem vão ser

separados em lotes que facilitam tanto a função de pesagem quanto a de

fiscalização. A separação por lote também tem a função de classificar por local de

origem, sexo, idade etc. Em termos de sexo por exemplo, animais devem ser

separados para evitar a monta e possível degradação da qualidade da parte nobre

do animal (quarto). Essas etapas são também pontos de observância, porque o

animal deve ser conduzido sem movimentos bruscos e sem uso de instrumentos

que possam afetar de modo significativo a quantidade de glicogênio no organismo

animal.

9.4 Curral de espera e jejum pós-transporte

Para bovinos, o curral de espera caracteriza um tempo de aproxidamente 24

horas, passado esse tempo, o animal deve ser alimentado para evitar a perda de

glicogênio. O curral de espera tem diversas finalidades, das quais se pode citar a

inspeção de animais com possíveis doenças, e o isolamento destes animais para

posteriores exames comprovantes. Também tem como finalidade a recuperação de

glicogênio no músculo e o relaxamento do animal antes estressado pelo transporte.

Neste curral de espera, o animal fica em jejum por um determinado tempo, somente

com dieta hídrica para limpar o trato gastrointestinal, sendo esse um dos principais

focos de contaminação na hora do abate.

9.5 Corredor antes do abate

Após o animal residir um determinado tempo no curral de espera, na hora do

abate ele passa para um corredor com banho de aspersão. A água utilizada para

esse banho é uma água hiperclorada para uma diminuição da carga microbiana

(principalmente das patas e couro). Outro beneficio de ordem tecnológica para o

36

banho de aspersão é o relaxamento muscular, juntamente com a dilatação dos

grandes vasos para facilitar a sangria do animal.

9.6 Insensibilização

Logo que o animal é retirado do corredor com aspersão, ele é insensibilizado

para o abate. Alguns métodos de abate religiosos não permitem o uso de

insensibilizadores, e isso é aceito pela legislação vigente. Porém, o método a

marretada, muito utilizado em abates clandestinos, foi retirado dos possíveis meios

de insensibilização prescritos, tanto por motivos de crueldade com o animal quanto

para a qualidade da carne.

O objetivo da insensibilização é a imobilização do animal visando evitar o

maior sofrimento deste. No caso tecnológico, é de interesse fundamental que os

pulmões e coração continuem funcionando após efetuado a insensibilização, para

que seja melhor executado a sangria logo após. Também ele é fundamental para se

garantir o abate dentro dos princípios humanitários. Dentre os mais comuns

métodos de insensibilização, estão os mecânicos – concussão cerebral – o método

elétrico, chamado de eletronarcose, e o método de camara de gás carbônico

(PARDI, et al. 1995) (BARBOSA FILHO; SILVA, 2004).

O método de concussão cerebral é o mais utilizado para animais de grande

porte, no caso os bovinos. Existe dois meios para sua execução: o modo de

percussivo penetrativo,onde um dardo penetra no cérebro e usa-se uma pistola

pneumática. E também há o método percussivo não-penetrativo, que causa um

aumento da pressão intercraniana e por conseqüência uma lesão encefálica.

Também podemos citar o uso de eletronarcose, onde se passa uma corrente

elétrica através do cérebro do animal, e este entra em estado de epilepsia,

ocorrendo a despolarização dos neurônios cerebrais. Pouco utilizado em casos de

animais de grande porte, geralmente utilizados para caprinos, ovinos, suínos e

aves. Igualmente tem-se observado um uso crescente de câmara de gás carbônico

onde o animal passa numa esteira e vai perdendo a consciência conforme o tempo

que permanece naquela câmara (utilizados para pequenos animais).

A insensibilização deve ser executada de um modo efetivo, e para notificar

que esta foi bem executada, vários fatores físicos são evidenciados para determinar

37

se a insensibilização foi realizada com sucesso. A queda imediata com as pernas

flexionadas, uma respiração rítmica ausente, espasmos musculares nas pernas,

expressão fixa e vidrada são exemplos de sinais que o animal apresenta após uma

insensibilização adequada.

Uma insensibilização mal feita gera dor para o animal a ser abatido, e há um

momento de estresse para o animal, ocorrendo a perda do glicogênio muscular

muito rapidamente, podendo assim ocasionar em defeitos na carne (em especial o

PSE). E também há o perigo do animal acordar e se debater, dificultando a sangria

e podendo colocar em risco a proteção dos funcionários.

9.7 Sangria

A sangria é executada em torno de 5 a 10 segundos após a insensibilização,

e tem como principal objetivo a morte do animal e a remoção da maior quantidade

de sangue possível da carcaça.

Esta etapa é um ponto de cuidado em relação aos microrganismos, tanto

patogênicos quanto deteriorantes. Para isso, se utiliza de duas facas para sua

execução, a primeira faca abre o couro para a entrada da segunda faca, e esta por

fim corta os grandes vasos. O sangue é um ótimo meio de cultura microbiano, por

tanto, é de extrema importância que a sangria seja efetuada com sucesso. Se essa

etapa demorar a acontecer, pode ocorrer fraturas ósseas, salpicamento e uma

aceleração da taxa de metabolismo post mortem, resultando em carnes do tipo

PSE.

Quanto mais bem feita a sangria, mais rápido o pH da carne irá baixar devido

a falta de oxigênio que essa operação proporciona. Isso não dá margem para o

desenvolvimento microbiano. Para que a sangria se estabeleça de uma forma mais

eficiente e o rigor mortis aconteça de uma forma mais rápida, geralmente se utiliza

a estimulação elétrica, e esta está diretamente ligada a maciez da carne. Uma

necessidade para o rigor mortis aconteça de uma forma mais rápida é a cadeia do

frio. Resfriar um alimento possui um custo muito elevado, então quanto mais

rapidamente o produto abatido sofrer as mudanças post mortem, mais rápido ele

será comercializado e menos tempo permanecerá no frigorífico. Há um porém nesta

historia, pois carne tipo exportação, por via de regra, não pode ficar menos de 24

38

horas na câmara fria, pois os processos post mortem devem ser efetuados a modo

de que seja efetivo o abaixamento do pH (inibição do vírus da aftosa).

10 Abates religiosos

Existem dois tipos de abates religiosos executados no Brasil para

exportação: o abate Halal, para países muçulmanos e o abate kasher (judaico),

este ultimo sem o método de insensibilização já descrito.

Com o abate Halal, o uso de insensibilização é permitido, porém pouco

usual, e tem a condição de não ser penetrativo. Porém a religião judaica é mais

exigente quanto as normas de alimentação, que envolvem seleção de matéria-

prima, o abate dos animais, preparo e consumo dos alimentos, uso de

determinados utensílios e sobretudo, regras de alimentação em certos dias, como

sabá ou dias de festas. Este abate em específico envolve uma contenção animal,

estiramento da cabeça através de um gancho, e uma incisão, sem movimentos

rápidos, entre a cartilagem cricóide a laringe, cortando músculos, pele, traquéia,

esôfago, veias jugulares e carótidas e, às vezes, se aproximando das vertebras

cervicais, e tem como objetivo final a máxima remoção de sangue. (SIMBALISTA et

al., 2003).

Em casos de abate que não utilizam a insensibilização e métodos que

diminuem o gasto de glicogênio no sangue, podem possuir uma grande incidência

de defeitos na carne, dentre eles os estudados neste trabalho (DFD e PSE). Porém,

para padrões específicos de cada país, para uma exportação bem executada, é

necessário seguir as peculiaridades recomendadas segundo cada método.

39

11 A questão do bem-estar animal

Uma luta constante dos grupos contra o consumo de carne tem desenvolvido

projetos que levem em consideração o bem-estar animal. Este tema é motivo de

várias matérias em diferentes revistas relacionadas ao tema, e um assunto muito

polêmico em relação ao modo de tratamento e abate do animal.

Em tempos que ativistas vem lutando para que o consumo de carne cesse,

é de importância vital que o frigorífico em questão esteja de acordo com as normas

de um abate adequado conforme os termos descritos (KITO; PEREIRA; JORGE,

2009).

A chamada “carne ética” leva em consideração o alimento que é produzido

ou obtido de uma forma mais humanitária possível, levando em consideração que

os animais não sofram nenhum tipo de dor ou injúria desnecessária e nem stress

por períodos prolongados durante a sua criação e abate. (BARBOSA FILHO;

SILVA, 2004).

Porém, cada vez mais o abate humanitário tem ganhado espaço dentre os

produtores de alimentos cárneos. Tem se visto que o bem-estar animal, além de

estar de acordo com a legislação em termos de cuidados com os animais de corte,

entra em consenso com fatores que determinam a qualidade da carne, em especial,

carnes in natura do tipo exportação.

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12 Conclusão

Para uma qualidade da carne acentuada, é de necessidade básica um

manejo pré-abate adequado para que o músculo obedeça ao seu declínio comum

de pH da carne. Quando isso não é aplicado, a carne pode acarretar em problemas

tecnológicos considerados preocupantes, principalmente em função do pH.

Os principais fatores que levam o animal ao stress e conseqüente diminuição

do teor de glicogênio no músculo ou queda brusca de pH são basicamente o

transporte, a recepção e a sangria.

Entre os principais defeitos ligados ao pH da carne se encontram o DFD e

PSE, que são defeitos relacionados a ausência de glicogênio e ao declínio rápido

do pH respectivamente. Estes defeitos estão intimamente ligados ao modo como o

animal é tratado momentos antes de seu abate ou dias antes, como no caso do

transporte.

A carne PSE tem característica exsudativa, pálida e mole, e é caracterizada

pelo abaixamento do pH rápido, enquanto o animal ainda permanece com uma

temperatura corporal elevada, provocando a desnaturação protéica. Já no caso da

carne tipo DFD, ela pode ser considerada mais problemática, visto que a carne DFD

tem uma pequena queda de pH, com isso os microrganismos patogênicos e

deteriorantes se estabelecem com maior facilidade. Também um fator importante

na exportação, é que a carne deve ter um pH adequado, pois carnes com pH acima

de 5,9 não são aceitos para os padrões internacionais, isto se dá devido ao vírus da

aftosa que não se manifesta em pH abaixo de 5,9.

Se pode concluir também que o animal deve ser tratado conforme as normas

de bem-estar animal, para que a qualidade da carne se torne cada vez melhor.

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13 Referências

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