Obesidade na balança

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DOMINGO, 26 DE AGOSTO DE 2012 - Rebeka Figueiredo rebeka.fi[email protected] O episódio do pai que fez denúncia contra a ex-mulher, no iní- cio de agosto, por causa da obesidade da filha de 6 anos, levanta a discussão sobre o papel da família na alimentação correta das crianças. O homem registrou boletim de ocorrência em Londrina, no Paraná, ale- gando que a mãe oferece comi- das calóricas à menina. “Não tem diferença de maus-tratos em matar de fome ou por exces- so de comida. Minha filha pesa mais de 50 quilos, é insustentá- vel”, disse o pai. O sobrepeso atinge 33,5% das crianças brasileiras de 5 a 9 anos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geo- grafia e Estatística (IBGE). Já a obesidade foi identificada entre 16,6% dos meninos e 11,8% das meninas. Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mostra que os quilos a mais das crianças estão ligados à percepção que os pais têm do peso dos filhos e do próprio peso. A nutricionista Isa Maria de Gouveia Jorge, autora da tese, conta que apenas 20% dos pais reconhecem que os filhos estão acima do peso. “É um problema cultural, dar comida é sinônimo de cuidar. Muitos acreditam que criança gordi- nha é saudável”, explica. Para o advogado que defende a mãe da menina em Londrina, Vanderley Doin Pacheco, a “obesi- dade está ligada à genéti- ca da família”. A advoga- da Tânia da Silva Pereira, do Instituto Brasileiro de Direito de Família, afirma que a nutrição da criança não pode virar questão cri- minal. “Os genitores de- Filhos na balança Obesidade da filha de 6 anos leva pai, em Londrina (PR), a denunciar a ex-mulher à polícia. Caso serve de alerta sobre o papel dos pais na alimentação das crianças FOTOLIA 10 brasil

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DOMINGO, 26 DE AGOSTO DE 2012 -

Rebeka [email protected]

Oepisódio do pai que fez denúncia contra a ex-mulher, no iní-cio de agosto, por

causa da obesidade da filha de 6 anos, levanta a discussão sobre o papel da família na alimentação correta das crianças. O homem registrou boletim de ocorrência em Londrina, no Paraná, ale-gando que a mãe oferece comi-das calóricas à menina. “Não tem diferença de maus-tratos em matar de fome ou por exces-so de comida. Minha filha pesa

mais de 50 quilos, é insustentá-vel”, disse o pai.

O sobrepeso atinge 33,5% das crianças brasileiras de 5 a 9 anos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE). Já a obesidade foi identificada entre 16,6% dos meninos e 11,8% das meninas. Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mostra que os quilos a mais das crianças estão ligados à percepção que os pais têm do peso dos filhos e do próprio peso. A nutricionista Isa Maria de Gouveia Jorge, autora da tese, conta que apenas 20% dos

pais reconhecem que os filhos estão acima do peso. “É um problema cultural, dar comida é sinônimo de cuidar. Muitos acreditam que criança gordi-nha é saudável”, explica.

Para o advogado que defende a mãe da menina em Londrina, Vanderley Doin Pacheco, a “obesi-dade está ligada à genéti-ca da família”. A advoga-da Tânia da Silva Pereira, do Instituto Brasileiro de Direito de Família, afirma que a nutrição da criança não pode virar questão cri-minal. “Os genitores de-

Filhos na balança

Obesidade da filha de 6 anos leva pai, em Londrina (PR), a denunciar a ex-mulher à polícia. Caso serve de alerta sobre o papel dos pais na alimentação das crianças

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PARA NÃO ESQUECERLembretes úteis para os pais que querem garantir a saúde e o bem-estar dos filhos

exceções: Marineide deixa o pequeno Victor Hugo comer salgadinhos, mas só de vez em quando

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CHvem ter participação conjunta

na vida dos filhos. Se há con-flito, vários aspectos precisam ser revistos”, explica. Para o jurista Luis Flavio Gomes, não é crime ter um filho obeso.

O estudo da USP, feito com crianças de 4 a 6 anos, aponta a batata frita como o alimento preferido delas, seguido por pizza, salgadinho e biscoito recheado. Isa Maria lembra que os pais devem servir de modelo, além de de-cidir sobre a comida que os filhos ingerem. “Não adian-ta forçar a criança a comer alimentos saudáveis se a famí-lia não consome. O paladar é aprendido, uma comida deve

OVeRDOse: Bruno Rodrigues sempre volta mais gordinho da casa da avó paterna, reclama adriana

ser provada de 10 a 12 vezes para que seja familiar.”

Marineide Nunes, de 31 anos, oferece frutas e verduras aos filhos Victor Hugo, de 2 anos, e Denílson, de 10 anos, mas admite ceder aos apelos dos meninos. “Compro salgadi-nho umas 4 vezes por mês”.

O garoto Bruno Rodrigues do Espírito Santo, de 7 anos, também gosta de frutas, verdu-ras e legumes, mas não dispensa doces. “Ele acabou de pedir pi-zza, mas hoje não pode”, conta a mãe, Adriana Rodrigues Pri-mo. O menino tem tendência para ganhar peso e, por isso, ela segue rigorosamente as orien-tações médicas. O problema são os mimos da família pater-na. “Sou separada e, quando ele passa uns dias com o pai, a avó dá tudo o que ele pede e ele volta mais gordinho.” Para a neuropsicóloga Valesca Souza, uma boa conversa pode ajudar. “É importante enfatizar a saúde da criança e até passar uma lista com o cardápio adequado.”

Se a obesidade não for tra-tada na infância, ela pode le-

var a transtornos psicológicos e alimentares na adolescência. “É seriíssimo. O jovem sofre bullying e, na tentativa de per-der peso, pode desenvolver até anorexia, quando deixa de co-mer e adota práticas radicais para emagrecer”, diz Valesca. Dados do IBGE revelam que 63% dos estudantes de 13 a 15 anos fazem alguma coisa para perder, ganhar ou manter peso

e 27,5% estão preocupados em emagrecer. Segundo Valesca, os números têm relação com a cobrança da sociedade por pa-drões de magreza.

O endocrinologista Geraldo Medeiros, professor da Faculda-de de Medicina da USP, alerta para outras consequências da obesidade. “A alteração no ní-

vel de açúcar no sangue é pre-ocupante pelo risco de diabe-tes. Colesterol alto, problemas cardíacos e ortopédicos tam-bém. Crianças obesas se tor-nam adultos obesos.” Geraldo confirma que pais obesos têm mais chances de ter filhos com sobrepeso, mas isso pode ser revertido com atividade física diária e alimentação balancea-da. “O sedentarismo é perigo-so.” Já o endocrinologista Lu-ciano Negreiros, autor do livro “Emagrecimente”, diz que os pais também devem mudar de hábitos. “O tratamento para a obesidade infantil envolve toda a família.”

Isa Maria diz que os adultos devem prestar atenção nos rótu-los dos alimentos. “Um pacote de bolacha recheada tem 900 calorias, quase 70% do reco-mendado para uma criança de 1 ano”, exemplifica, recomen-dando que a criança receba produtos naturais ou feitos em casa, em várias refeições peque-nas durante o dia. “A obesidade é responsabilidade dos pais”, re-sume a nutricionista.

CRIANÇAS OBESAS SE

TORNAM ADULTOS

OBESOS, ALERTA

ENDOCRINOLOGISTA

DA FACULDADE DE

MEDICINA DA USP

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