O valor da vida

48
FACULDADE VICENTINA CURSO DE BACHARELADO DE TEOLOGIA LORECI TERESINHA WALTER À DISCIPLINA DE METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTÍFICO. O VALOR DA VIDA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA PROFESSOR ORIENTADOR: SANDRO MARCOS CASTR CURITIBA 2013

description

Trabalho de conclusão de curso de Ir. Loreci Teresinha Walter, ascj. - Graduada em Teologia pela Faculdade Vicentina.

Transcript of O valor da vida

Page 1: O valor da vida

FACULDADE VICENTINA

CURSO DE BACHARELADO DE TEOLOGIA

LORECI TERESINHA WALTER

À DISCIPLINA DE

METODOLOGIA DO TRABALHO

CIENTÍFICO.

O VALOR DA VIDA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

PROFESSOR ORIENTADOR:

SANDRO MARCOS CASTR

CURITIBA 2013

Page 2: O valor da vida

LORECI TERESINHA WALTER

O VALOR DA VIDA NA SOCIEDADE PÓS- MODERNA

Monografia apresentada ao curso de Bacharelado de Teologia da Faculdade Vicentina de Filosofia e Teologia, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharelado em Teologia. Orientador: Prof. Ms. M. Milton Mayer

CURITIBA 2013

Page 3: O valor da vida
Page 4: O valor da vida

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus autor e principio da vida, que esteve comigo em

todos os momentos, dando-me forças quando eu não acreditava que iria

conseguir, e me fez crer que para querer, é preciso seguir em frente apesar,

das dificuldades. Muito obrigado.

Aos meus pais que me geraram no amor, que brota do Deus da vida, e

me ensinaram a enfrentar os desafios da vida, com carinho e amor. Muito

obrigada.

Ao Instituto das Apostolas do Sagrado Coração de Jesus, na pessoa de

Ir. Maria de Lourdes Castanha seu Conselho, pela oportunidade, que me

proporcionou esta possibilidade de formação humana e religiosa. Muito

obrigada.

A Ir. Maria das Dores Silva e comunidade, pela ajuda , incentivo nos

momentos de dificuldade e desanimo, mostrando-me que todo esforço vale a

pena e que obterá recompensa, meu muito obrigado.

Uma palavra de gratidão aos professores do curso de teologia, que me

ensinaram a arte de refletir e experienciar o amor de Deus em minha vida.

Ao professor Milton Mayer, que me auxiliou neste trabalho sempre

compreendendo minhas dificuldades e limitações, e pelo árduo trabalho de

correção desta monografia meu muito obrigado de coração que Deus lhe

recompense por tudo.

Minha gratidão a Ir. Fernanda Olivette dos Santos, pela preciosa

amizade e ajuda neste trabalho não medindo esforços para me auxiliar nesta

conquista muito obrigada do fundo do meu coração.

Aos meus colegas de turma, pela amizade e partilha de vida ao longo

deste quartos anos de curso meu muito obrigada a todos.

A minha comunidade Ir. Antonia Cavalini e Ir. Maria Eugenia Silva, muito

obrigada pelo apoio e incentivo e amizade, durante o termino deste trabalho

meu muito obrigada.

Page 5: O valor da vida

EPÍGRAFE

“A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a

partir do momento de concepção. Desde o primeiro momento de sua

existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa,

entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente á vida.”

Catecismo da Igreja Católica 2270

Page 6: O valor da vida

RESUMO

A bioética costuma refletir sobre temas relacionados com a vida humana, discutindo-os na perspectiva de sua possível licitude ou ilicitude. A presente pesquisa visa propor uma reflexão sobre o valor da Vida Humana. Neste sentido, ainda que de forma breve, pretende-se compreender a dignidade da pessoa humana e seu valor, por meio do debate de um assunto que se considera estar muito presente na sociedade atual: o aborto. Trata-se, sem dúvida, de tema polêmico e conflitivo, de difícil consenso entre as diversas esferas que o discutem: igrejas, sociedade civil, segmentos político e jurídico. No entanto, tendo presente estas dificuldades, o objetivo é levantar e tornar mais sólidos os argumentos em favor da vida. Como fundamento desta reflexão, busca-se definir o conceito de pessoa, identificando-o historicamente, desde os Gregos até o Cristianismo, nas suas configurações atuais. Relativo ao tema aborto, faz-se necessária uma especial disponibilidade para discutir as principais noções sobre a origem da vida, a fim de possibilitar meios de conhecimento para se chegar à permissibilidade ou não do aborto. Objetivando despertar e aprofundar a reflexão sobre o assunto, serão apresentados os principais argumentos que auxiliem na compreensão do problema e no estabelecimento de alguns parâmetros que possibilitem juízos éticos mais corretos.

PALAVRAS-CHAVE: bioética, vida, aborto, pessoa.

Page 7: O valor da vida

RESUMEN

Bioética menudo reflexionan sobre temas relacionados con la vida humana, hablando de ellos en el contexto de su posible legalidad o ilegalidad. Esta investigación propone una reflexión sobre el valor de la vida humano. Esta investigación propone una reflexión sobre el valor de la vida humano. En este sentido, aunque breve, tiene como objetivo comprender la dignidad de la persona humana y de su valor, a través de la discusión de un tema que se considera muy presente en la sociedad actual: aborto. Es, sin duda controversial y polémico tema, difícil consenso entre los distintos ámbitos que tratan: las iglesias, la sociedad civil, los segmentos políticos y legales. Sin embargo, teniendo en cuenta estas dificultades, el objetivo es empezar y hacer argumentos más fuertes a favor de la vida. En apoyo de esta reflexión, se busca definir el concepto de persona, que lo identifica históricamente, desde los griegos hasta el cristianismo, en su configuración actual. En cuanto a la cuestión del aborto, es necesario una preparación especial para discutir las ideas principales sobre el origen de la vida, para que los medios de comunicación para conocimientos llegar a la licitud del aborto o no. Trata de despertar y profundizar la reflexión sobre el tema, se presentarán los principales argumentos que ayudan a la comprensión del problema y establecer algunos parámetros para juicios éticos más precisos.

PALABRAS CLAVE: bioética, la vida, el aborto, la persona

Page 8: O valor da vida

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................... 9

1.RECONSTRUINDO A HISTÓRIA..................................................................11

1.1 Sociedade grega.........................................................................................13

1.2 Sociedade romana......................................................................................14

1.3 Idade média.................................................................................................15

1.4 Idade contemporânea................................................................................15

1.5 O aborto no brasil.....................................................................................17

2 CONCEITO DE ABORTO E DIGNIDADE DA PESSOA.............................. .22

2.1 Tipologia do aborto...................................................................................24

2.2 Legislação brasileira.................................................................................25

2.3. Conceito de pessoa..................................................................................26

2.3.1 Conceito clássico de pessoa..........................................................27

2.3.2 Kant e sua contribuição na formulação do conceito de pessoa.....28

2.3.3 Na antropologia cientifica...............................................................28

2.3.4 A contribuição do cristianismo no conceito de pessoa…………....29

2.4 Início da vida humana?.............................................................................30

2.5 Dignidade da pessoa.................................................................................32

3 O VALOR DA VIDA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA...............................35

3.1 Via Vitalista.................................................................................................35

3.1.1 Descriminação X Legalização........................................................36

3.2 Visão Bíblica do aborto.............................................................................39

3.3 O Magistério da Igreja Católica e sua perspectiva teológica................41

3.4 O Valor da Vida..........................................................................................42

CONSERAÇÕES FINAIS..................................................................................46

REFERÊNCIAS.................................................................................................47

Page 9: O valor da vida

9

INTRODUÇÃO

A bioética, ramo da ética que estuda e investiga os problemas

relacionados, entre outros, ao agir médico, discute os limites das intervenções

e das experiências, aceitáveis ou não, sobre a vida e a pessoa humana.

No decorrer desta pesquisa, o que se busca é compreender um pouco

mais sobre a temática do aborto. Para adentrar na temática, o primeiro capítulo

abordará o desenvolvimento de sua conceituação, tal como sendo consolidado

ao longo da histórica, iniciando pela sociedade Grega até os dias atuais. Neste

capítulo, intitulado “reconstruindo uma história”, é possível perceber que a

temática sobre o aborto está presente nas discussões da sociedade,

evidenciando que não se trata de assunto apenas das rodinhas

contemporâneas, mas que se arrasta de longa data.

No segundo capítulo, será trabalhada a etimologia e a tipologia do

aborto. O intento é levantar as diversas causas sócio-culturais do aborto,

insinuando-se, entre tantas, a situação de extrema pobreza em que as pessoas

muitas vezes se encontram, resultando em dificuldades financeiras na hora de

acolher um novo membro na família. Identifica-se, também, as gravidezes

indesejadas, resultantes, normalmente, da falta de cuidados nos

relacionamentos e o não uso ou uso inadequado de métodos contraceptivos,

ou mesmo a falha dos mesmos.

Para fundamentar o conceito de pessoa, tema dos mais importantes da

bioética, serão abordados alguns tópicos, relacionando-os com a legislação

vigente do Brasil sobre esta temática: a dignidade da pessoa humana e o início

da vida.

No terceiro e último capítulo, após as reflexões históricas e conceituais

do dois primeiros capítulos sobre a noção de pessoa e as diversas tipologias

do aborto, o leitor será convidado a refletir sobre alguns pontos éticos em

relação à legalização do mesmo, sobre a possibilidade e necessidade de fazer

algumas distinções e nuanças. Serão identificados, no discurso das pessoas,

os argumentos favoráveis e contrários às práticas abortivas. Os fundamentos

que iluminarão os argumentos a favor do valor da vida, da defesa da pessoa

humana, serão retirados, principalmente e não somente, dos escritos do

Magistério da Igreja.

Page 10: O valor da vida

10

A autora desta pesquisa tem claro que não é sua pretensão propor algo

inédito, mas, de forma singela, contribuir e auxiliar na compreensão e no

respeito à vida. E, na medida em que a defende, busca replicar e ampliar o

som das vozes que não têm com quem contar para gritar pela defesa da vida.

A pesquisa, que agora segue em forma de textos, mesmo não sendo

assunto novo, convida o leitor à reflexão sobre o valor da vida humana.

Page 11: O valor da vida

11

1 RECONSTRUINDO A HISTÓRIA

Para uma compreensão mais próxima do objetivo desta pesquisa

monográfica, far-se-á necessário uma incursão na história, para uma

compreensão mais exata e eficaz da problemática do aborto ao longo da

trajetória humana, assim como, suas conseqüências na vida da mulher, e de

toda a sociedade. De maneira particular, far-se-á uma exposição dos últimos

dois decênios, numa tentativa de remontar a historicidade do tema e os

aspectos que o acompanham.

Sabe-se que as questões relacionadas ao aborto, em geral, sempre

foram causa de preocupação para a humanidade. Tal tema atravessou e

continuará a atravessar a história, numa gama sem conta, de envolver e

principalmente conhecer, as causas que levam uma mulher a abortar o ser que

nela está sendo gerado, ou mesmo as situações que circundam sua existência

que a “obrigam” tomar tal atitude contrária à vida.

Desde que a humanidade percebeu que era necessário organizar-se em

sociedade, foi-se criando uma configuração elementar, pautada numa

sociedade tribal, porém foi evoluindo até os dias atuais. Nesta construção

histórica verifica-se a formação de ideias ora favoráveis e ora contrárias ao

aborto.

As diferentes sociedades, assim como o pensamento filosófico do

tempo, que premeditou ideias e objetivos, que foram por elas alimentados, ao

longo da história, permitiram ou restringiram a prática do aborto. De tal modo,

que a história do aborto, mescla-se, funda-se com a própria história da

evolução humana.

Pouco se sabe como as civilizações que não tinham domínio da escrita,

lidavam com a questão do aborto, e nem como lidavam com a questão da

geração de filhos, visto que uma prole grande significava bênção do Criador.

Muitos filhos eram gerados para que pudessem tornar possível a sobrevivência

do grupo, e a eliminação da vida a ser gerada não constava na pauta da vida

nestas sociedades.

No entanto, também houve períodos, vários e alguns longos, em que o

aborto não era encarado como crime, e nesta época, predominava a total

indiferença com relação ao direito da mulher decidir sobre o aborto ou a

Page 12: O valor da vida

12

continuidade de sua gestação. Neste período, sabe-se que muitas foram às

mulheres que fizeram uso de substâncias abortivas para a eliminação de seu

filho, provocando em alguns casos, lesões e por vezes graves à saúde da

mulher, após o ato de eliminação do feto.

Por meio de pesquisas, sabe-se que se alguém desejasse evitar a

gravidez ou mesmo interrompê-la, o método permitido “legalmente” eram

magia, superstições, baseados em amuletos ou simpatias.

Segundo PERES1, citando MAGALHÃES, Osmar Patti, assim se

expressa:

As primeiras referências escritas sobre anticoncepção se encontram num papel egípcio de 1850 a.C, com prescrições médicas para evitar a gravidez, a aplicação vaginal de uma mistura de mel e carbonato de sódio ou pasta preparada com fezes de crocodilo ou com gomas de árvores. Outro papiro, datando de 1550 a.C., prescreve uma pasta resultante da mistura de brotos de acácia com mel. Posteriormente se verificou que essas receitas, aparentemente estranhas, tinham bases muito práticas: os brotos de acácia, por exemplo, tem goma arábica que, sob fermentação e em contato com água, forma acido lático, agente anticoncepcional utilizado ainda hoje em cremes e geléias vaginais. (Diretório de Artigos Gratuitos Artigonal em 25/jan/2011)

Povos antigos como os da India, Síria, China não consideravam o aborto

um crime. Em outros ainda, tais como o Egito, permitiam o aborto, mas a

matança sem conta de crianças, era considerada crime bárbaro. Receitas de

práticas abortivas foram encontradas relatadas nos papiros de Kahun, Ebers,

Berlim, Carlsberg e Ramesseum, e que para esta sociedade era simplesmente

descrito com o “abandono do estado de gravidez”. Tais métodos consistiam de

lavagens de vários tipos, como a realizada com azeite muito quente.

O Código de Hamurabi, 1.700 a.C., sancionava uma inscrição que

considerava o aborto um crime contra os interesses do pai e do marido e uma

lesão contra a mulher. Desta forma, o marido poderia exigir seus direitos

alegando ter sido prejudicado e ofendido na sua moralidade e finanças.

O povo hebreu antigo acreditava que o feto não era dotado de

existência humana antes de seu nascimento, de modo que eles permitiam o

aborto em qualquer tempo da gestação desde que este fosse em prol da vida

da mulher. Estudos revelam que este povo, o hebreu, utilizava-se de meios que

1Autora do artigo: Aborto de feto anencefalo, publicado em http: // w w w. artigonal.com /rss/

authors /243665, Diretório de Artigos Gratuitos Artigonal em 25/ jan/2011.

Page 13: O valor da vida

13

impediam a concepção, e o mais conhecido era o do coito interrompido, que

tinha por finalidade inviabilizar a gravidez.

1.1 Sociedade grega

Na perspectiva grega, a mulher era vista como pertencente ao pai, e

posteriormente ao seu marido, de forma que sua vida era tutelada por eles e na

falta de ambos pelo Estado. A mulher não tinha autonomia sobre ela mesma,e

era incapaz de tomar as decisões por si. Os filhos gerados, eram considerados

propriedade do pai, e este, tinha direito de vida e morte sobre eles, sem a

intervenção da mulher. E nos casos que a mulher provocasse aborto sem o

consentimento do marido, era punida com a pena de morte.

A prática do aborto na sociedade grega era bastante comum, práticada

especialmente por prostitutas e defendida por alguns pensadores tais como

Platão e Aristóteles. Na Grécia antiga, Platão (427-347 a.C), na sua obra

intitulada “República”, recomendava o aborto a mulheres acima de 40 anos e

também como meio de contenção populacional (PLATÃO, 2002) e via a

interrupção de uma gravidez não desejada como um meio para aperfeiçoar o

próprio corpo. Socrates defendia que o aborto deveria ser um direito materno,

mas Hipócrates, pai da Medicina, negava terminantemente o direito aoaborto e

exigia dos médicos que assumissem o compromisso e o juramento de não

darem as mulheres bebidas fatais que pudessem levar a morte a criança que

estava no ventre materno.

Aristóteles relata que a prática da anticoncepção na Grécia era feita,

untando a mulher com óleo de cedro, incenso misturado ao azeite de oliva. Em

seu pensamento defendia que o aborto poderia ser práticado sem qualquer

prejuízo, desde que precedesse a animação do feto, ou seja, antes dele

receber sua alma, o que acontecia em idades diferente entre a gestação

masculina e a feminina. O feto masculino recebia sua alma aos 40 dias e o

feminino aos 80 dias de gestação.

Os gregos defediam o aborto para regular o tamanho da população e

manter estáveis as condições sociais e econômicas, sem que as famílias

tivessem dificuldades para educar sua prole.

Page 14: O valor da vida

14

Na Grécia antiga, as leis de Licurgo e de Sólon, e a legislação de Tebas

e Mileto, classificavam o aborto como crime, com punição severa para quem

práticasse tal ato. Pode-se assim afirmar, que o aumento populacional era

incentivado em Esparta, levando em conta o interesse militar desta cidade

grega, visto que a defesa militar do território grego, dependia das forças

“armadas” desta cidade-metropole da época. O aborto nesta cidade era

proibido, mas o Estado no entanto, poderia decidir sobre o destino dos

nascidos com má-formação, que em geral eram sacrificados.

De acordo com BEVERANÇO (2011, p. 20), a eliminação das crianças

com má-formação era permitida, e tal afirmação encontra respaldo em seu

pensamento:

Na Grécia antiga, no antigo Peloponeso, crianças malformadas eram expostas à própria sorte para morrer, sendo que na lei das XII tábuas da Roma antiga também havia autorização para o patriarca eliminar filhos defeituosos, o mesmo ocorrendo em Esparta, onde recém-nascidos, frágeis ou deficientes, eram lançados do alto do Taigeto (abismo de mais de 2.400 metros de altitude, próximo de Esparta).

1.2 Sociedade romana

Em Roma, a prática do aborto era realizada a partir da combinação do

uso de diversdas plantas que tinham o poder de expelir o feto, desde que a

mulher tivesse consciência de seu corpo e primasse pelo cuidado do mesmo,

desta forma, ao optar pelo aborto, tal prática tornasse possível por tutelar à

mulher a plena autonomia sobre seu corpo. Assim sendo, o feto, poderia ser

eliminado, pois no momento era considerado algo contrário aos beneficios para

a manutenção de seu corpo.

Tal como na Grécia, em Roma, o aborto passou a vincular-se às

decisões do marido, visto que a mulher era considerada propriedade e

dependente do homem, e o mesmo poderia decidir sobre a interrupção da

gestação de sua mulher, de modo que o aborto voluntário continuou a ser

permitido, sem sofrer sanções por ser considerado crime.

A convivência conjugal oferecia e oferece ainda hoje inúmeros desafios,

aos quais os cônjuges devem aprender a transpô-los, e em Roma, quando a

mulher sentisse que sua relação estava ameaçada e ela quisesse se vingar de

Page 15: O valor da vida

15

seu marido, usava o aborto como forma de agredir e punir seu companheiro,

mesmo que tivesse consciência que incorria em perigo de morte.

Devido a guerras constantes no inicio do século II d.C. Roma passou a

criminalizar o aborto, pelo fato que a sociedade local precisava aumentar em

número e força seu exercito, e não pelo direito a vida e a dignidade humana.

Por vezes, a prática do aborto, foi punida com trabalhos forçados em minas

quando práticado por pessoas simples do povo, e confisco de bens

pertencentes a corte. Séptimio Severo foi o legislador de tal lei para todo o

universo romano. Cícero por sua vez, justificou tal medida (lei) defendendo a

ideia que o homem, poderia sentir lesado no seu direito de continuar a memória

de sua família, garantindo-lhe um herdeiro que pudesse levar adiante seus

projertos e bens, assim como, de tornar-se um cidadão destinado a servir o

Estado.

O Direito Canônico da Igreja desde sempre se posicionou

contrariamente ao aborto. Seguindo o pensamento de Santo Agostinho,

valorava a gravidade do aborto segundo o tempo de gestação. No Ocidente, a

lei civil, sob a influência do judaísmo e do cristianismo, adotou uma postura de

rejeição ao aborto. Para o cristianismo, o aborto contempla a morte de um ser

humano e, na atualidade, a Igreja Católica mantém a condenação ao aborto,

por infringir um de seus mandamentos e por impedir o batismo do feto e sua

convivência mesmo que temporária na sociedade.

1.3 Idade média

Na Idade Média, a Lex Romana ordenava penas severas à prática do

aborto, porém nota-se que ao longo da trajetória humana até a Idade Média

poucos foram os avanços com relação ao tratamento do assunto, assim como

o aperfeiçoamento dos métodos contra-conceptivos.

1.4 Idade contemporânea

Sabe-se que durante a Idade Contemporânea, muitos países adotaram

leis e práticas que tutelavam a conduta com relação a interrupção voluntária da

Page 16: O valor da vida

16

gravidez. O Código Penal Francês datado de 1791, na vigência da Revolução

Francesa, determinava que os cúmplices de aborto, fossem flagelados e

condenados a prisão. Em 1810 Napoleão Bonaparte promulgou o novo Código

Penal, que previa a pena de morte para o aborto. Tempos depois, a pena de

morte foi convertida a prisão perpétua. Os profissionais da saúde tais como os

médicos, farmacêuticos e cirurgiões que auxiliavam na execução do aborto

eram condenados a trabalhos forçados.

Sabe-se que a partir do século XVIII multiplicaram-se os estudos e

pesquisas relacionados ao tema, assim como à reprodução humana e

contracepção. Muitos foram os paises que emanaram leis que inibissem tal

prática, tornando-o ilegal.

No inicio do século XX, mais precisamente na era pós-moderna, em

1920 a União Soviética tornou-se o primeiro país a legalizar o aborto. Os

hospitais soviéticos instalaram unidades especiais denominadas abortórios,

que tinham a capacidade de executar um grande número de abortos em um

curto período de tempo, em ritmo acelerado. A Alemanha Nazista foi a segunda

nação a legalizar o abortamento em 1935, mediante uma reforma da Lei para a

Prevenção das Doenças Hereditárias para a Posteridade, que permitiu a

interrupção da gravidez de mulheres consideradas de "má hereditariedade"

("não-arianas" ou portadoras de deficiência física ou mental), como o intuito de

construir uma sociedade de raça pura.

Estudos apontam que entre 1996 e 2009, pelo menos 47 dos 192 países

da ONU aprovaram leis com artigos mais liberalizantes com relação a prática e

consecução do aborto. Na Europa, exceto Malta, o aborto não é penalizado em

situações controladas, ao contrário os países ibéricos são exemplos de

liberalização e legalização do aborto.

Em 2007, o aborto sem restrições até a 10ª semana de gestação foi

legalizado em Portugal; depois desse período, em casos de má-formação fetal,

de estupro ou de perigos à vida ou à saúde da mãe. Na Espanha, lei com

termos semelhantes tal legislação começou a vigorar em 2010.

Na América Latina a legislação vigente sofre diferenciação na questão

da condução e consecução do aborto. Enquanto que em Cuba o aborto é legal

sem restrições, na Colômbia, a Corte Constitucional definiu em 2006 que o

Page 17: O valor da vida

17

aborto é legítimo em casos de estupro, má-formação fetal ou de riscos para a

vida da mãe, de tal modo que em outras situações a prática é proibida no país.

Países como Irã e Tog, o que eram totalmente contrários ao aborto,

passaram a legitimar o mesmo desde que a mãe esteja correndo riscos ou se

houver má-formação fetal.

1.5 Aborto no brasil

No Brasil, a discussão sobre o assunto e sua legislação, práticamente

inicia sua história no final do século XIX. O contexto de discussão tornou-se

mais acirrado a partir das décadas de 60 e 70 do século XX, com o surgimento

do movimento feminista.

Segundo Ardaillon (1997, p. 373-388) a prática do aborto no Brasil até

1975 era visto como um drama social, proveniente da pobreza e ignorância das

mulheres e considerado um problema de saúde pública. A partir de 1975 e até

1988 houve uma corrente que buscou legalizar o aborto tendo por base o

movimento feminista, principalmente junto ao Poder Legislativo, que visava a

reforma da lei com a punição para tal ocorrência. Após 1988 a demanda

passou a viabilizar a saúde reprodutiva, com o intuito de legitimar o aborto na

perpectiva dos direitos humanos reprodutivos e com o uso da liberdade

pessoal.

Nos períodos que datam de 1970 ao início de 1980, com a queda do

regime militar, houve o afrouxamento das punições e a promulgação da Anistia

política. As mulheres que detinham condições de estudo e com influência

intelectual que estavam exilidas puderam retornar ao Brasil, trazendo em sua

bagagem ideias revolucionárias que permitiram o desenvolvimento do

pensamento feminista. Progressivamente o aborto passou a ser assunto de

pauta em toda discussão que buscasse superar tabus e ampliar os espaços de

discussão democrática, desta forma, a descriminalização do aborto na

concepção da época, poderia ampliar a autonomia e tutelar a cidadania das

mulheres em qualquer situação e meio.

Sabe-se que a aprtir de 1988 as propostas de reforma da legislação

punitiva do aborto tornaram-se cada vez mais frequentes, sejam elas de caráter

Page 18: O valor da vida

18

permissivo ou proibitivo. Faz-se necessário, então, retomar a lei promulgada

pelo Código Penal de 1940 que nos Artigos de 124 à 128 trata da questão legal

do aborto como prática criminosa.

Até abril de 2012, somente duas formas de aborto eram permitidas em

território brasileiro de forma legal, ou seja, duas tipologias desde que fossem

“necessário” ou terapêutico, e quando a gravidez acontecia em decorrência de

estupro. O Código entende o seguinte: práticar ou auxiliar o aborto é crime,

salvo quando práticado por médico para salvar a vida da mulher gestante,

quando esta estiver em perigo de morte e quando a gravidez provier de estupro

e a mulher deseje por isso interrompê-la. Esta exclusão é evidenciada no artigo

128, incisos I e II do Código vigente.

Em 1955 foi apresentado o Segundo Projeto de Lei (PL810/55) pelo

Senador Martiniano José Fernandes que pedia a proibição e venda de produtos

farmacêuticos com fins abortivos. As poucas discussões e proposições

legislativas ocorridas entre 1964-1985, eram em sua maioria de cunho

liberativo dos meios anticoncepcionais, que tipificavam como contravenção

pela Lei de Contravenção Penal. Neste período tudo indicava que o aborto

ainda não estava no centro dos debates, muito provavelmente porque a

discussão do mesmo, ainda não estava pautada de forma explícita e articulada

na sociedade civil brasileira.

Em 1983, o Ministério da Saúde criou o Programa da Assistência

Integral à Mulher (PAISM) que marcou a discussão acerca do planejamento

familiar, que na época, ainda sofria com os resquícios da filosofia de controle

de natalidade, como respeito a saúde sexual e reprodutiva da mulher. O Poder

Legislativo recebeu várias propostas de projetos de lei, relacionados a

criminalização do aborto, porém três deles dispunham sobre a

descriminalização e ampliação da prática abortiva, ou dos dados que permitiam

legalmente o aborto no debate com o legislativo.

A Igreja Católica desde o principio da discussão sobre o aborto, se

posicionou de forma contrária à sua prática em todas as suas instâncias, mas o

crescimento do movimento feminista fez com que esta relação se tornasse

cada vez mais insustentável. A aliança entre a Igreja Católica e as mulheres se

desvinculou, pelo fato de que o pensamento feminista se tornou auto-suficiente

e dissociado das ideias das mulheres.

Page 19: O valor da vida

19

A partir do momento em que as mulheres se tornaram artífices do

debate público do aborto, foram se realizando encontros, seminários, estudos,

debates sobre a questão, e gradativamente o tema ganhou grandes

proporções, passando a ser pauta de revindicação junto aos órgãos

competentes. Neste momento sociológico, o aborto começou a ser vinculado

às questões de saúde pública, sexualidade e reprodução, ou seja, adotou

medidas que lutaram pela emancipação e dignidade da mulher, quebrando os

paradigmas existentes.

A partir de 1985 até a atualidade, a sociedade brasileira presenciou a

discussão cada vez mais acirrada sobre a temática do aborto e suas

implicações socio-culturais e religiosas. Mesmo diante das mobilizações

feministas, a Constituição de 1988 não contemplou o direito do aborto, e nem

mesmo conseguiu tutelar as inúmeras revindicações que o movimento pedia

que constasse na nova Carta Constitucional. Os três últimos anos que

antecederam a nova Constituição foi um processo inverso ao que costuma

acontecer quando um assunto polêmico entra em discussão, ou seja, por

algum tempo se discute, depois o tema cai em desuso, mas com a temática do

aborto aconteceu o contrário, o que se viu entre 1985 à 1988 foi uma crescente

discussão em torno da temática, fazendo com que padrões até então inflexíveis

fossem discutidos.

No Estado do Rio de Janeiro, a Lei n. 2.802, de 1º/10/97, estabeleceu a

obrigatoriedade de os servidores das Delegacias de Polícia, informar às vítimas

de estupro que tenham engravidado em decorrência do mesmo, a possibilidade

de interrupção, fornecendo-lhes, no ato do registro policial, os locais da rede

pública de saúde, aptos a realizar o aborto com segurança e sem

descriminalização. A iniciativa embora polêmica agradasse grande parte da

sociedade, pois desvelou a possibilidade do aborto sem restrições legais para

este tipo de gravidez, muitas mulheres ignoram a possibilidade legal do aborto,

sem falar das inúmeras dificuldades e tabus que permeiam o assunto, não só

em face da carga de preconceitos, como pelo desconhecimento dos serviços

públicos que lhe deveriam ser disponibilizados.

A prática legal do aborto é proibida no Brasil. Há, porém algumas poucas

exceções, como já foram citadas acima, em que é permitida a prática como, no

Page 20: O valor da vida

20

caso de estupro e a geração de fetos acometidos por graves anomalias

(grifo nosso) que impossibilitem ou reduzam a qualidade de vida extra-uterina.

Um Projeto de Reforma no Código Penal, em tramitação no Congresso

Nacional, acrescentou um terceiro inciso ao art. 128, prevendo a exclusão da

ilicitude no caso de aborto motivado por anomalia fetal grave, que vem

merecendo a denominação de aborto piedoso.

A opção de induzir ao aborto nas condições de Anencefalia passou em

abril de 2012, a ser protegida por lei, desde que siga alguns parâmetros e

normas para tal. Embora não possuisse previsão legal para a prática do aborto

do feto anencéfalo, uma corrente jurisprudencial se posicionou pela legalidade

deste aborto. É notório que muitas gestantes, sabendo da situação que o feto

se encontra, procuram clínicas que realizam o aborto clandestinamente, as

quais não estão tecnicamente preparadas para tal prática, além de o autor

incorrer em crime de competência do Tribunal do Júri.

Uma primeira atitude, segundo a FEBRASGO2, seria que fosse feita a

interrupção logo após o diagnóstico da anencefalia. Quando a decisão da

mulher ou do casal for favorável à interrupção da gestação, deverão ser

elaborados documentos para obtenção de autorização judicial para que o

procedimento seja legalmente realizado. Os documentos necessários são:

relatório médico solicitando autorização judicial, explicando no relatório que a

doença é letal em 100% dos casos; exames de ultra-som com avaliação de

idade gestacional e descrição da patologia; avaliação psicológica e assinatura

do casal. Sendo concedida a autorização judicial, a gestante deverá retornar ao

hospital a fim de ser internada e o parto induzido com medicamentos. Após

esse procedimento a mãe deverá ter tratamento psicológico que ajude a evitar

o quadro depressivo.

Partindo desta e de outras premissas, o Supremo Tribumal Federal

(STF), numa decisão datada de 12 de abril de 2012, decidiu que a interrupção

de gravidez de feto anencefálo não é crime, e as mães podem interromper a

gestação com assistência médica qualificada. Com exceção dos casos de

estupro e risco de vida para a genitora, o aborto continua sendo crime no

Brasil.

2Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia.

Page 21: O valor da vida

21

Santos (2012, sem página), relata a decisão do Supremo Tribunal

Federal fazendo memória das situações em que é permtida no Brasil a prática

do aborto:

O Código Penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de risco à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo. Para a maioria do plenário do STF, obrigar a mulher manter a gravidez diante do diagnóstico de anencefalia implica em risco à saúde física e psicológica. Aliado ao sofrimento da gestante, o principal argumento para permitir a interrupção da gestação nesses casos foi à impossibilidade de sobrevida do feto fora do útero.

Embora a legislação brasileira tutele atualmente três tipos de aborto sem

penalidades legais, sabe-se que os abortos voluntários continuam a ocorrer.

Clandestinos ou não, merecem um maior aparelhamento da equipe de saúde,

incluindo a área de saúde mental, voltada para ações na esfera da prevenção

primária, secundária e mesmo terciárias, em face dos inúmeros conflitos que

circundam a mulher antes, durante e após a prática abortiva.

A quantidade de complicações maternas provindas de aborto não bem

sucedido resulta em grandes prejuízos para o Brasil, o que significa enorme

perda de recurso, recursos esses que poderiam ser usados em outras áreas de

atendimento integral à saúde da pessoa humana, assim como, regulamentar o

atendimento nas regiões onde a vida humana está constantemente ameaçada.

Page 22: O valor da vida

22

2 CONCEITO DE ABORTO E DIGNIDADE DA PESSOA

O vocábulo aborto, assim definido etimologicamente pelo autor

Barchifontaine (2004, p. 105), vem do “latim ab-ortus e traduz-se da seguinte

forma: ab significa privação; ortus” como nascimento; logo podemos entender

que o aborto significa a privação do nascimento, a interrupção do processo

natural de gestação, resultando na morte pré-natal da vida humana intra-

uterina, isto é, a morte de um ser humano antes que esteja em condições de

sobreviver fora do útero materno.

Como vimos no capítulo anterior, o aborto voluntário sempre existiu, e

não é problema dos dias hodiernos. Historicamente, as grandes civilizações

fizeram um julgamento negativo do aborto, como se percebe quando

Hipócrates formula seu juramento deixando claro, de maneira explícita, sua

rejeição e repúdio de tal prática.

Apenas na atualidade podemos identificar um movimento que busca

levar as pessoas a uma séria revisão cultural da temática, para uma maior

sensibilização. Em prol da descriminalização e da legitimação, que caminha

como uma proposta, para respeitar a autodeterminação e a liberdade da

mulher e em evitar abortos clandestinos. Porém, no caso do aborto corre-se o

risco de tornar esta autonomia e liberdade um valor mais importante que o

direito do nascituro.

Nota-se, porém, que há um grande dilema: a interrupção voluntária da

gravidez pode prevalecer sobre o destino de um “outro”, neste caso, a vida do

bebê?

Entendemos que os abortos clandestinos são um mal a ser combatido.

Contudo, seria ingênuo acreditarmos que legalização de sua prática bastaria

para diminuir estes abortos, pois mesmo em alguns países onde o aborto é

legalizado, a prática clandestina ainda continua. As mulheres, perante a

sociedade, por medo de perder sua dignidade ou privacidade ou sua “honra

social”, buscam ainda auxílio nas clínicas clandestinas, e continuam a evitar a

exposição ao buscar os meios públicos para tal procedimento.

Mas, defender a legalização seria algo correto?Percebemos que a

sociedade hodierna não chegou ainda a consenso sobre a defesa do aborto.

Para nos auxiliar no debate sobre esta temática surge a bioética, ramo da ética

Page 23: O valor da vida

23

aplicada que se preocupa com as questões referentes a vida, deste seu início

até o seu declínio natural.

Diversos são os problemas com os quais a bioética se ocupa, e são

bastante complexos os seus temas, difíceis de serem compreendidos e

explicados pelas ciências.

Uma das questões discutidas pela bioética é o aborto. Tais assuntos

começam a fazer parte de nossas vidas e serem discutidos em rodas de

amigos; por vezes expressamos nossas opiniões, mas antes de tudo se faz

necessário um conhecimento prévio, não irmos somente pelo nosso achismo,

isto é, achando certo ou errado, fazendo o julgamento e condenando. Mas,

sabendo que por trás de tais discussões estão vidas humanas e as mesmas

precisam ser respeitadas e valorizadas. É por isso, que precisamos conhecer

claramente o que nos diz a ciência a respeito destas questões fazendo uma

análise do ponto vista ético, à luz da fé cristã, em atitude de diálogo e de

fidelidade ao “Evangelho da Vida”. Procuraremos entender as diversas causas

sócio-culturais desta temática do aborto: uma delas é a situação de extrema

pobreza, na qual a pessoa se encontra diante de dificuldades financeiras para

acolher um novo membro na família, a gravidez indesejada, resultante da falta

de cuidados nos relacionamentos e o não usam de métodos contraceptivos, ou

falha do mesmo.

Do exposto pode-se assumir a conceituação clássica o aborto,

consumado entre a grande maioria das correntes: a filosófica médica e

religiosa que o definem como sendo:

“A expulsão ou extração de toda ou qualquer parte da placenta ou das membranas, sem um feto identificável, ou de um recém-nascido vivo ou morto, que pense menos de quinhentas gramas”. (BARCHIFONTAINE, PESSINI, 2004, p. 105)

Dentro de uma visão antropológica, toda a vida é convocada a

desabrochar. Sendo assim, retirar, abreviar uma vida que está por nascer

torna-se um ato contra a natureza em relação ao ser humano. O ideal seria

assegurar condições sociopolíticas, econômicas psíquicas para que possa

desenvolver-se. Infelizmente, nossa realidade atualmente está longe de

alcançar este ideal. É, então, que nos defrontamos com a temática do aborto,

Page 24: O valor da vida

24

que é sempre um processo doloroso a ser enfrentado pela mulher ou pelo

casal.

Quando falamos em aborto logo nos vem à mente o seguinte

questionamento: quando começa a vida humana?É o que tentaremos

esclarecer, de maneira suscita, no decorrer deste capítulo.

2. 1 Tipologia do aborto

Aborto espontâneo ou natural: a interrupção ocorre de forma

espontânea, que pode acontecer por diversos fatores, como doenças que

surgem no decurso da gestação, as condições precárias da gestante

preexistentes antes da fecundação ou defeitos estruturais do próprio ovo,

embrião ou feto. O mesmo pode ocorrer involuntariamente, por acidente, por

alguma anormalidade orgânica na mulher, ou ainda por defeito no ovo. O

aborto espontâneo ocorre normalmente nas primeiras semanas de gestação,

pode-se perceber que algo está errado porque ocorre um sangramento quase

igual ao fluxo menstrual, podendo assim confundira gestante sobre o que está

acontecendo realmente. Mas, podem acontecer outros tipos de aborto

espontâneo, onde a mulher tem leve sangramento seguido de dores nas costas

ou dores parecidas com cólicas menstruais. Por vezes, torna inevitável o

aborto, pois quando se tem uma dilatação no útero ocorre então à expulsão do

feto acompanhado de fortes dores e hemorragia.

Acidental: é aquele que não decorre da vontade da gestante, o aborto

simplesmente acontece sem que a mãe dolosamente cause o fato. Pode

ocorrer este tipo de aborto como conseqüência de um traumatismo, ou por

queda, ou acidente doméstico, ou ainda uma forte emoção, sem que haja

qualquer ato culposo praticado pela gestante.

Terapêutico: geralmente é realizado pelo médico com o intuito de salvar

a vida da gestante. Neste caso, Interrupção terapêutica da gestação é a

intervenção em nome da saúde materna, isto é, situações em que se

interrompe a gestação para salvar a vida da gestante.

Sentimental: ocorre quando a gravidez for resultado de estupro, com o

consentimento da gestante ou por responsável quando a mesma for menor ou

Page 25: O valor da vida

25

não estiver em condições emocionais para tomar tal decisão, que teve ser

autorizado por um representante legal da mesma.

Eugênico: ocorre quando é diagnosticado no exame pré-natal, que

apresenta alguma anomalia fetal, ex. dos anencéfalos. O aborto eugênico é a

interrupção da gravidez, que acontece até a 24ª semana. Geralmente,

acontece por indicação médica nas gestantes cujo produto da concepção seja

portador de condições capazes de determinar alterações patológicas,

incompatíveis com a plenitude da vida como, por exemplo, o retardo mental de

tal intensidade que acarrete uma dependência física e socioeconômica do

indivíduo, alterações do sistema nervoso e/ou osteomuscular por aberrações

cromossômicas.

2.2 Legislação brasileira

O Código Penal Brasileiro (Lei no 2.848, de 07 de dezembro de 1940),

declara a proibição do aborto. Mas, faz algumas ressalvas em determinadas

situações, com o aborto necessário (legal ou terapêutico) e o aborto no caso de

gravidez resultante de estupro (sentimental) não são punidos. Nestes casos de

aborto legal, a lei, prevendo situação especial, os autoriza.

Percebemos que duas são as hipóteses previstas na legislação: para

salvar a vida da gestante e quando não há outra probabilidade, e se faz

necessária a interrupção da gravidez, e a resultante de estupro. O artigo 128

de Estatuto Penal, assim dispõe: “Não se pune o aborto praticado por médico”.

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

“II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento

da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”

Neste primeiro caso, trata de aborto terapêutico ou necessário, cuja

intervenção do médico é justificada pelo chamado estado de necessidade,

imprescindível para salvar a vida da mulher. Considera-se uma prática lícita e

irrenunciável frente à incompatibilidade entre a vida materna e a embrionária. A

maioria dos países permite este tipo de aborto em suas legislações.

Num outro caso, trata de evitar que a mulher estuprada venha levar a

termo a gravidez em decorrência desse ato.

Page 26: O valor da vida

26

Ressalte-se que a norma excludente faz menção ao aborto praticado por

médico, portanto, conduta exclusiva desses profissionais. Há também o projeto

de reforma do novo código penal que prevê algumas modificações, sendo um

pouco mais liberal no tocante ao aborto.

Em nosso país, porém, essa prática ainda não se encontra

regulamentada. A lei silenciou no tocante à interrupção da gestação por

anomalia fetal grave quando da elaboração do Código penal brasileiro, muito

provavelmente devido à falta de tecnologia quando da implantação deste

(1940).

O Código Penal de 1890 trazia a possibilidade de aborto legal se

houvesse risco á vida da mãe. Contudo, se durante o procedimento médico

houvesse falha, seria punido por imperícia ou negligência. Com o Código Penal

de 1940 foram caracterizados três tipos de aborto: o auto-aborto, o aborto

consentido, o aborto não consentido.

Os Artigos 124, 125 e 126 do Código Penal tutela como bem jurídico, a

vida do ser humano em formação protegendo-se à vida intra-uterina, para que

possa o ser humano desenvolver-se normalmente e nascer, tendo assim o feto

seu direito assegurado, conforme a Constituição da República.

O Artigo 124 do Código Penal prevê punição para quem comete aborto e

para esse dispositivo tem-se como sujeito ativo a gestante, considerando tal

crime como próprio ou especial, já nos demais dispositivos, pode ser o sujeito

ativo qualquer pessoa. E como sujeito passivo há o feto; entretanto,

considerando que este ainda não é titular de bem jurídico ofendido, será

considerado a gestante se não houver o seu consentimento.

2.3. Conceito de pessoa

O conceito de pessoa é o tema mais importante da bioética, que

contribui para definição de pessoa. A idéia de que os indivíduos e grupos

humanos não podem ser reduzidos a um conceito ou categoria geral, que a

todos engloba, é de elaboração recente na Historia “Ha muitos anos já se fala

em pessoa, entretanto, de modo sistemático, trata-se de uma reflexão

Page 27: O valor da vida

27

recente”. Consideremos, pois, as diferentes elaborações. O dicionário de

filosofia assim define o conceito de pessoa:

A Pessoa como sujeito moral e responsável é fruto de um longo percurso histórico. Como cristianismo, esta noção começa a distinguir-se. Mas é Kant que faz da pessoa uma noção filosófica propriamente dita.” (RUSS, 1994, p.218).

Com o surgimento da bioética nasce uma nova preocupação como

definir critérios morais para uma conduta humana, no qual a vida está

implicada e a mesma tem por objetivo, promover e defender a vida, nos mais

diferentes aspectos, e num sentido global, pois a vida está continuamente

ameaçada, essencialmente no diz respeito á própria vida humana.

Uma vez que há também uma degradação do meio ambiente e formas

muitas distintas de vida. Devemos compreender a vida humana, não podemos

reduzi-la a um fato meramente biológico.

“Pessoa é um conceito abrangente, porque se funda na própria autocompreensão do ser humano, que independe de circunstância e é compreensível em todos os contextos morais, porque expressa intuições éticas comuns.” (JUNGES 2006, p.103-104)

Para atingirmos uma melhor compreensão do conceito de pessoa, é

necessário fazermos um breve regaste histórico do mesmo. Ao longo da

história percebe-se uma evolução na compreensão do termo pessoa humana e

sua singular importância. Dentro da reflexão filosófica procuraremos oferecer

um breve esboço histórico da compreensão do conceito de pessoa ou

“homem”.

2.3.1 Conceito clássico de pessoa

Na raiz clássica da cultura grega o conceito de pessoa buscará

exemplificar de forma sintética, elementos importantes para tal definição, que

ganha forte expressão nos séculos Vll e Vlll a. C.

Ali nos é apresentada uma riqueza cultural extraordinária que, em suas

manifestações especialmente a clássica, será responsável para recolher e

organizar de maneira harmoniosa e coerente o universo espiritual, que foi

influenciada fortemente por Roma, onde seus elementos fundem-se com os de

Page 28: O valor da vida

28

Roma, dando início assim a cultura grego-romana fornecendo, portanto para o

ocidente seus primeiros idéias e valores.

Quando se fala a respeito do conceito de pessoa, a filosofia Grega assim

se expressa: “O elemento comum que une os seres humanos no mesmo

gênero seria a natureza (physis), como principio universal de organização do

cosmo”. Com Aristóteles, o mundo sensível não é posto de lado, como fora

feito por Platão.

2.3.2 Kant e sua contribuição na formulação do conceito de pessoa

Kant em sua elaboração do conceito de pessoa contribui, para que o

homem seja conhecido como um valor absoluto (não relativo) e um fim (não um

meio, do qual esta ou aquela vontade possa servir-se conforme seus

caprichos).

De forma resumida, a elaboração teórica do conceito de pessoa dentro

da filosofia kantiana assim se expressa: “Age de maneira que sempre tomes a

humanidade, tanto em tua pessoa como na de qualquer outro, como fim e

nunca como puro meio”. As pessoas, desse modo, são entes racionais,

marcados por sua própria natureza, com fins em si mesmos. Assim sendo, os

entes que dependem da vontade da natureza, que são irracionais, possuidores

de valores relativos (que se pode substituir), são denominados coisas. Mas se

a pessoa fosse tida como meio, estaríamos limitando o livre arbítrio e o seu

direito de escolha. Percebemos, então, que a pessoa possui dignidade, as

coisas um valor monetário. Refletindo o pensamento que predomina desde os

gregos até Kant podemos perceber que também o Direito, sobre essas ideias,

ajudou muito na elaboração do conceito de pessoa, bem como a Filosofia e a

Teologia. Na busca da compreensão da realidade torna-se difícil pensar

pessoa, assim como se torna inviável pensar humano, sem o auxilio da ciência.

2.3.3 Na antropologia cientifica

Na antropologia científica, observamos que o conceito de pessoa nasce

tardiamente, e não aparece definido como o do cristianismo, pois o mesmo

Page 29: O valor da vida

29

busca elementos das diversas culturas para formular o seu conceito, enquanto

a antropologia cristã firmava sua posição quando se refere ao ser humano.

Verificamos que com a cultura Grega o ser humano aparece como máscara

dos autores, mas para nós o importante é perceber como a ciência define a

pessoa humana. Diferentemente do cristianismo, que ontologizou o conceito de

pessoa a ciência manteve o caracterização psicossociológica, pois considera o

indivíduo como simplesmente uma elaboração social progressiva e mutável.

Dentro da visão científica, de maneira especial na biologia, desconhece-

se o termo pessoa, não é utilizado por ela. Quando se refere à pessoa prefere

usar critérios científicos para decidir quando existe uma pessoa. Para a ciência

a pessoa não passa de um termo cultural e psicossocial decorrente da ética.

2.3.4 A contribuição do cristianismo no conceito de pessoa

O cristianismo dentro de sua concepção cristã de pessoa constitui-se um

fator importante para a sua expressão, a gênese da pessoa humana para o

desenvolvimento da valorização do homem como pessoa. Mas este conceito

de pessoa em sua origem é pré-cristão, sendo que dentro do cristianismo lhe é

atribuído seu caráter especifico, ou seja, através dele que a palavra alcançou o

seu traço característico trazendo aqui a singularidade do individuo.

Joseph Ratzinger-Bento XVI afirma:

O conceito de pessoa e a idéia em que se funda são produtos da teologia cristã; em outras palavras, essa noção se originou inicialmente do debate do pensamento humano com os dados da fé cristã, entrando na história do espírito por este caminho. (Joseph Ratzinger-Bento XVI, 2007, p. 177-178).

Na forma religiosa, a vivência da fé do homem em sua relação com

Deus, além da concepção medieval, teve início à elaboração do conceito de

pessoa. O catecismo da Igreja Católica afirma: a pessoa humana, criada a

imagem de Deus, e um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual. Pois o corpo

humano é precisamente animado pela alma espiritual. Portanto a alma não é

produzida pelos pais, é imortal, ela não se separa do corpo humano.

Page 30: O valor da vida

30

2.4 INÍCIO DA VIDA HUMANA?

No campo da medicina continua-se afirmado que o início da vida

humana com tal acontece no momento em que se dá a união do óvulo e do

espermatozóide. Os grandes defensores do direito da mulher e do aborto

concordam com esta afirmativa. Podemos citar aqui o exemplo de Peter Singer,

quando foi perguntado sobre o início da vida humana, em sua resposta disse

que não havia dúvida sobre o início vida e que a mesma inicia-se no momento

da fecundação. Torna-se importante esclarecer que desde o princípio nãohá

possibilidade de dúvidas quanto ao início da vida.

Dentro desta perspectiva, procuraremos esclarecer as dúvidas surgidas

no decorrer desta pesquisa.

Uma das questões fundamentais que aparecem em qualquer discussão

ou reflexão ética relacionadas ao aborto, é o início da vida humana. E

geralmente aparece formulada assim: Quando começa a vida humana no

desenvolvimento embrionário? Ou a partir de que momento existe um ser

humano ou vida?

“Vida” propriamente não se interrompe nem se inicia, mas trata-se de

um processo contínuo. São células vivas de dois indivíduos que se fundem para formar uma nova célula viva que dá origem a todo o organismo adulto. Todas as células desse organismo adulto vão eventualmente morrer e, somente algumas células germinativas poderão sobreviver, justamente após se fundirem com células germinativas de um indivíduo do sexo oposto para formar nova célula ovo que se desenvolverá em um indivíduo adulto. Não há, pois, do ponto de vista biológico, “início” de vida, mas continuidade de uma a outra geração.

3

Estas questões que giram em torno da vida tornam-se fundamentais no

debate sobre a eticidade da interrupção da gestação. Tentaremos resumir, na

tabela a seguir, o desenvolvimento inicial da vida, para auxiliar esta

compreensão.

3

ZAGO, Marcos Antonio; ZATZ, Mayana; CARVALHO, Antonio Carlos Campos de. A propósito da Ação Direta de Inconstitucionalidade da lei que autoriza a pesquisa em células-tronco embrionárias.

Disponível em <http://www.ghente.org>.

Page 31: O valor da vida

31

Para que o quadro acima nos ajude na compreensão do início da

vida faremos a seguir a explicitação de cada uma destas etapas referida acima.

a) A fecundação: esta é a posição oficial da Igreja Católica, sendo que aqui

começa o direito a vida do novo ser, no instante da fecundação, que acontece a

realidade biológica e é constituído o zigoto ou célula-ovo que é o resultado da

fusão do ovulo com o espermatozóide.

O zigoto formado é único, porque, como metade de seus cromossomos vem do pai e metade da mãe, ele é o resultado de uma nova combinação diferente da de seus pais. Esse processo resulta na variabilidade da espécie humana. Durante o processo meiótico, o deslocamento de segmentos cromossômicos permite um embaralhamento do material genético, tornando impossível a cópia de um indivíduo idêntico a outro. Somente os gêmeos monozigóticos, isto é, provenientes da mesma fecundação, terão o mesmo genoma. Mas cada um, mesmo assim, continua sendo único, visto que a expressão é individual. (GARCIA, Sonia Maria Lauer& FERNÁNDEZ, Casimiro Garcia. Embriologia, p. 246).

Por se tratar de um complemento cromossômico das células

germinativas, masculina e feminina, do ponto de vista genético, este novo ser

difere dos pais. Dessa forma, a dependência biológica da mãe por parte do

novo indivíduo não afeta sua autonomia genética. Assim, conclui-se que no

momento da fecundação começa uma nova vida que requer tempo para

desenvolver cada uma de suas habilidades, capacidades e disposições.

b) Implantação ou Nidação: é quando ocorre à fecundação, e a mesma

acontece no terço superior das trompas, então o novo ser começa a avançar

através das trompas num processo que dura aproximadamente três a quatro

dias.E neste pequeno período que ocorre a implantação no útero materno.

Início da vida Fase embrionária Dia/ Mês

Fecundação Zigoto 1º dia

Implantação/ nidação Blastocisto 14 dias

Aparição do córtex cerebral Feto 2 meses

Page 32: O valor da vida

32

Afirmam que somente a partir do início do implante (aos seis dias) é possível admitir-se a caracterização de ‘pessoa’, eis que só então as células podem ser consideradas capazes de gerar um indivíduo distinto. Para os adeptos dessa corrente, a partir do sexto dia, a blastocisto passa do estado de totipotência para o estado de unipotência. (MEIRELLES, p. 116)

Quando acontece a nidação a mesma aponta para a individualização, ou

seja, depois que ocorre a implantação do zigoto no útero, ele não é mais capaz

de se dividir ou se unir, tornando-se verdadeiramente único.

c) Aparição do córtex cerebral: o desenvolvimento embrionário é um processo

extremamente rápido, podemos simplificar desta forma, já no primeiro mês de

desenvolvimento são lançados os “alicerces” se assim podemos dizer, da criança

que vai nascer.

Há também os que afirmam que tal identificação só é possível após 14 dias, com a formação do plano construtivo do embrião e a rudimentar organização do sistema nervoso central. Esse limite de 14 dias, a reconhecer o caráter humano do embrião, é conhecido como a ‘cifra de ouro da embriologia humana’ foi proposto inicialmente em 1979 pela Ethics AdvisoryBoard, nos Estados Unidos, com a justificativa de que o 14

o dia corresponde ao final da implantação.

(SGRECCIA 1996, p. 347)

Neste período já se formou o apêndice cefálico, existe rudimentos dos

olhos, do coração, do fígado, da coluna vertebral. No decorrer deste processo,

que ocorre ao longo dos dois primeiros meses, percebe-se uma evolução

gradativa; então, já se configuram os órgãos vitais internos e em alguns casos

já são funcionais.

2.5 Dignidade da pessoa

Ao refletirmos sobre a dignidade, constatamos que a mesma aplicada ao

ser humano nasce com a Tradição cristã, com uma nítida fundamentação

religiosa. Kant reconheceu dentro de sua reflexão filosófica a dignidade de

pessoa, como também na ética, observando o dever correlato e a correta

relação do agir.

Junges, fazendo menção a Kant, ao falar da dignidade nos dias

hodiernos, assim a define:

Page 33: O valor da vida

33

[...] age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro sempre simultaneamente como fim e nunca como meio (Junges 1999, p.110)

Ao observarmos este sentido iremos notar que a dignidade não tem

preço, em outras palavras podemos dizer, o quando é insubstituível por algo

equivalente assim, por ser tão sublime, e por não admitir gradualidade, a

dignidade é sempre igual para todas as pessoas.

Compreendemos que a dignidade humana é uma qualidade essencial e

distintiva de cada ser humano que é merecedor de respeito e consideração por

parte da comunidade e do Estado.

Entendemos que a dignidade humana é um conceito filosófico, que é

capaz de sustentar outras concepções:

De modo geral, dignidade indica o status de uma entidade que, dadas suas qualidades intrínsecas ou seus méritos adquiridos, tem direito a, e merece respeito: (Garrafa, Pessini, 2003, p. 145).

Dentro da filosofia e das Tradições religiosas, no que diz respeito ao ser

humano assim se expressam:

[...] dignidade é tudo que não tem preço, segundo conhecida e sempre atual formulação de Immanuel Kant que procurou distinguir aquilo que tem um preço, seja pecuniário seja estimativo, do que é dotado de dignidade, do que é indisponível, do que não pode ser objeto de troca. (Reis, 2006, p. 22).

Algo que não tem um preço, neste caso a dignidade, não pode ser

substituída por qualquer outra coisa equivalente e relativa, enquanto aquilo que

não é um valor relativo é superior a qualquer preço, é um valor interno e não

admite substituto equivalente, é o que tem uma dignidade.

Pois o valor supremo do ser humano, levando em consideração que a

dimensão deve ser mais elevada, buscando compreender o ser humano

através de sua vivência espiritual não puramente biológica, deve ser respeitada

e revestida de um valor ético e moral.

[...] se a pessoa humana é o bem supremo do direito, qualquer dano que contra ela se cometa, deve ser valorado, independentemente das conseqüências de ordem patrimonial que possam advir simultaneamente, da agressão cometida. Vale dizer, a pessoa vale por si mesma e não, como geradora de riquezas, ou fonte de utilidade. (REIS, 2006, p.22)

Page 34: O valor da vida

34

Percebemos que a dignidade humana está na base do reconhecimento

de seus direitos fundamentais, pois somente a pessoa humana é o sujeito de

direito, e seus direitos fundamentais são o mínimo para sua subsistência, para

seu desenvolvimento e realização. Assim, a defesa do aborto, em nome da

dignidade humana, não tem fundamento, pois uma vida só é digna de ser

vivida se forem condições ótimas em seus vários aspectos.

A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca, podemos

dizer inseparável do ser humano, é a característica que o define com tal.

Page 35: O valor da vida

35

3 O VALOR DA VIDA NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

Neste capítulo, o foco da reflexão ética se restringirá à questão da vida

do não nascido e seu direito a vida.

Procurar-se-á fazer uma abordagem a partir da visão vitalista (provida) e

de algumas justificativas a favor ou contrárias a tal prática.

Dentro desta perspectiva de reflexão ética, o aborto se torna uma das

questões fundamentais que envolvem o direito à vida do não nascido.

3.1 Via Vitalista

A via vitalista conhecida também por essencialista que parte da

concepção de que o discurso bioético precisa estar fundamentado em valores

básicos essenciais e absolutos, não partindo de uma visão utilitarista mais sim

aderindo ao ciclo natural da vida e sua sacralidade, sendo que esta justifica em

si a razão pela qual se estabelece, pois esta considera a pessoa em sua

totalidade, para que baseada nesta totalidade venha a compreender uma

concepção moral vigente para o comportamento humano, visando que esteja

em conformidade com o que é próprio do ser humano.

Sendo focalizada no ser humano a sua singularidade, valoriza o que lhe

é próprio e fundamental, ou seja, a dignidade. Através desta visão

O essencialista, em regra, acredita firmemente na possibilidade de chegar ao essencial da realidade humana, pois só este percurso oferece segurança para captar o ser humano a partir dele mesmo, das propriedades que o definem como tal. Neste modo de apreensão a essência humana é captada como algo que está em si e que existe por si. (SILVA, 2004, p.43-44)

Os que são favoráveis a este pensamento, no caso a Igreja Católica e

também os movimentos pró-vida, ou ainda alguns grupos sociais que se

posicionam contrários à prática do aborto, partem da idéia que o discurso

bioético precisa estar fundamentado em valores básicos essenciais e

absolutos, isto quer dizer no valor incondicional da vida e a obediência ao seu

ciclo natural. Assim sendo, os adeptos deste estilo de pensamento, aceitam o

aborto caso o mesmo aconteça de forma espontânea, pois são defensores da

vida, levando em conta o aspecto que envolve as condições da gestante ou por

Page 36: O valor da vida

36

problemas biológicos, ou do próprio feto, o qual já tivemos a oportunidade de

refletir no capítulo anterior.

A reflexão ética deve sempre levar em consideração a complexidade a

realidade, por isso a discussão procura sintetizar o maior grau de realismo em

relação ás conseqüências, aos fins, aos interesses, aos valores que estão em

jogo.

É a posição do autor Gafo Fernandez, quando se refere a aborto, de

maneira especial ao mencionar sobre a legalização e descriminalização do

mesmo, o que já tivemos a oportunidade de trabalhar no capitulo anterior.

Observamos que as concepções éticas sobre temática do aborto não vêm

automaticamente incorporada, ao que diz-nos a parte jurídica, percebemos que

existem pessoas para quem o aborto não é eticamente aceitável. Porém ao

mesmo tempo, elas consideram que tal prática não deveria acarretar penas e

que poderia até mesmo ser legalizado.

Dentro da Tradição Cristã, mais especificamente a católica, segue-se a

linha de pensamento de Tomás de Aquino, que diferencia os planos legais e

éticos. Por isso o legislador não deve prescindir dos valores éticos, mas ter em

vista sempre o bem comum que pode levá-lo a não sancionar penalmente

algumas infrações do ponto vista da ética que seriam aceitas como mal menor.

Por diversas vezes a Igreja em seus pronunciamentos tem levado em

conta este ponto de vista, embora afirmando que na questão do aborto, o que

está em jogo é o valor da vida humana, devendo a mesma ser protegida e

amparada também juridicamente.

3.1.1 Descriminação X Legalização

a) Posições a Favor. Os argumentos utilizados pelos que tomam a postura

a favor do aborto são as seguintes:

b) Pluralismo social, neste principio, é observado como um aspecto positivo

o fato de que aja uma legalização, pelo fato de que a mesma contempla

a pluralidade de opiniões existentes na sociedade, mantendo sempre o

respeito à liberdade do maior numero de pessoas. No debate sobre esta

temática do aborto há muitas pessoas que defendem ou representam o

Page 37: O valor da vida

37

direito da mulher controlar a natalidade que se pressupõe ao direito do

embrião que é de ser percebido como ser humano.

c) Argumento da não discriminação social. Se o aborto deixar de ser

legalmente aprovado e permitido, considerando que existe muita

demanda e procura para tal ato, seria discriminação não deixar

acontecer ou não facilitar tal procedimento. Neste caso, alegam que

somente as mulheres com aquisição e recursos financeiros poderão

valer-se disto, enquanto as de níveis econômicos inferiores, não

podendo bancar com os elevados custos do procedimento, terão que

recorrer a clínicas clandestinas e se submeter a todos os riscos

inerentes a tal ato.

d) Argumento dos riscos de um aborto não clínico. Não podendo considerar

o aborto dentro de condições clínicas como totalmente isento de contra

indicação ou riscos para a saúde física e psíquica da mulher, é

indiscutível que as conseqüências para a mulher podem ser muito sérias

quando o aborto é realizado em condições não clínicas. Observa-se que

por vezes as estatísticas divulgadas sobre a mortalidade e a morbidade

da mulher que se submete a tal procedimento clandestino são um tanto

quando exagerado, mas comprovar veridicamente tal estatística torna-se

difícil quase impossível, mas não podemos negar que existem riscos

acarretados por esta prática. Neste contexto, levando em consideração

que o aborto é uma realidade social que por vezes não se pode evitar,

então, é mais lógico proceder a sua regulamentação legal, e desta

maneira evitar as complicações do aborto realizado na clandestinidade

evitando assim as conseqüências negativas, de maneira especial nas

mulheres de renda inferior.

e) Irrealismo do aborto. Mesmo dentro de uma legalização restritiva, o

aborto constitui uma prática a qual se tem um acesso facilitado. Então,

faz sentido manter uma legislação restritiva do aborto, se existem

inúmeras clínicas clandestinas que podem facilitar tal ato. Mas será que

as mesmas oferecem segurança as mulheres que recorrem a esta

prática? Ao reconhecer que leva a gravidez nas indicações terapêuticas

que vimos no capitulo anterior, entendidas agora quando coloca em

risco a vida e a saúde da genitora, ou do feto, o que exige da genitora

Page 38: O valor da vida

38

atitudes que podemos considerar como heróicas. Então, é justo

podermos nos perguntar agora, que ela suporte todo o ônus da lei

penal? É razoável exigir dela uma postura de altíssima envergadura

ética?

Todos estes argumentos citado acima, são utilizados pelos que são

favoráveis a legalização e a descriminação do aborto, são situações reais e

bem elaboradas e de conhecimento amplo da temática. Mas seria justo

defender somente a situação da mulher e esquecermos este ser indefeso, que

está sendo gerado? Seria ele obrigado a ter sua vida abreviada antes do seu

nascimento?

1) Posição Contraria á legalização X descriminação do aborto.

Os que são contrários à legalização e descriminação do aborto utilizam-se

dos seguintes argumentos:

a) Proliferação dos casos de aborto. Usando a alegação que é conveniente

regulamentar a inevitável prática do aborto, mas usando como

experiência a prática de outros países, que parece querer mostrar para

quem pretendia regulamentar tal procedimento, que o mesmo contribui

para um significativo crescimento da estatística, podemos citar aqui o

exemplo dos Estados Unidos. O que também aconteceu à semelhança

dos Estados Unidos e de outros países, embora sendo verdade, é

necessário observarmos a elevação do número de abortos que tendem

a estabilizar-se com o tempo como aconteceu em países como Grã-

Bretanha e França. Podemos observar que este fenômeno, no que diz

respeito às indicações para procedimento do aborto e sua permissão

legal, foram avaliados sendo admitida em certos tipos de aborto,

desencadeando um processo por onde passa a indicação de prazos que

vão sendo ampliados e cuja decisão torna-se uma prática que só

depende da mulher e sua vontade, o que tende a ser considerado um

legítimo direito.

b) Valor da lei. Naquilo que tange a lei, vem dos seus objetivos que é de

manifestar os valores para a sociedade, nos quais a mesma acredita. A

lei não visa apenas enquadrar os comportamentos dos seres humanos,

mas também como proclamar os valores e os princípios éticos que

fundamentam a sociedade. Neste caso, a transição legal para o ético

Page 39: O valor da vida

39

parece relativamente fácil; a pessoa tende a considerar que o que está

legalmente permitido é também automaticamente ético. Quando se

admite determinada prática, acarreta também conseqüências que por

vezes se tornam inevitáveis. Podemos citar aqui como exemplo as

atrocidades cometidas pelos nazistas. Devemos ter consciência de que

as opções feitas incorrem em conseqüências e implicações. No caso do

aborto, pensemos que seja necessária uma indicação para fetal do

aborto. Atualmente, disseminam-se ideias de que a vida dos deficientes

seria um erro e que a mesma deveria ter sido evitada. Ao deparar com

essas concepções, como estarão se sentindo os inúmeros deficientes

que vivem em nossa sociedade? Será que as pessoas com deficiências

físicas têm seu valor diminuído como pessoa, por serem portadoras de

necessidades especiais? Seus valores estariam somente na aparência

física? Aqui entra o valor da vida, como veremos ainda neste capítulo.

3.2 Visão Bíblica do aborto

A Igreja católica desde os primórdios de sua fundação até os dias

hodiernos se opõe ao aborto. O mesmo se pode afirmar de diferentes

denominações religiosas, sejam elas cristãs ou não. Apesar disso, é

interessante constatar que na Bíblia a mensagem revelada não nos apresenta

nenhum texto que, de maneira explícita, considere tal ato.

Toma-se, então, como defesa da vida o 5º preceito do mandamento da

lei de Deus, “não matarás”. Observa-se, porém, que o 5º mandamento não se

refere diretamente à questão do aborto, mais sim a qualquer forma de ceifar a

vida prematuramente, e de quaisquer pessoas não só dos nascituros. Por isso,

os comentaristas dos textos sagrados são unânimes ao afirmar que o quinto

mandamento não cogitava sobre a temática do aborto ao preceituar o “não

matarás”.

Se homens brigarem, e acontecer que venham a ferir uma mulher grávida, e esta der à luz sem nenhum dano, eles serão passíveis de uma indenização imposta pelo marido da mulher, e que pagarão diante dos juízes. Mas, se houver outros danos, urge dar vida por vida [...] EXÔDO 21:21-23

Page 40: O valor da vida

40

Ao refletir sobre o texto anterior percebemos que para tal ato humano é

computada uma pena, visando assim que vida humana carrega em si a sua

plenitude indepentente de ainda ser feto ou já estar presente como nascido,

pois conforme a natureza de Deus e dado que a vida prescede Dele, a vida

constitui um valor por excelência que marca o existir humano e determina todo

o agir, para que a pessoa humana seja sempre valorizada em sua plenitude.

Já no Antigo Testamento a profeta Amós afirma o seguinte:

Oráculo do Senhor: Por causa do triplo e do quádruplo crime dos

amonitas, não mudarei meu decreto. Porque rasgaram os ventres das

mulheres grávidas de Galaad, a fim de dilatar suas fronteiras, porei

fogo aos muros de Rabá, para que devore seus palácios. (AMÓS 1:

13-14)

Como se pode notar, o texto não explicita em si a questão do aborto

mais sim a ambição presente no povo amonita que abriu um canal, fazendo

com que as mulheres não gestassem, evitando assim a sua descendência para

que o mesmo pudesse dominar e ocupar facilmente o seu território.

Referindo-se ao Antigo testamento FERNANDEZ (2000, p. 57) afirma:

Entretanto, embora não existam textos que condenem explicitamente o aborto, há uma série de intuições éticas básicas no Antigo Testamento que posteriormente farão que esta prática seja considerada incompatível com a fé cristã. Cabe fazer referência aqui a vários textos bíblicos que proclamam a soberania de Deus sobre a vida do homem, condenam o derramamento de sangue do inocente, enaltecer o valor do fraco e indefeso aos olhos de Deus, particularmente, a diversos textos verotestamentários que revelam a solicitude e a especial providencia de Deus para com a vida que está sendo gerada.

No novo Testamento não há nenhum texto que condene clara e

explicitamente o aborto porém a opção preferencial de Cristo pela vida, e vida

em plenitude, deixa claro que a opção dos seus seguidores posteriormente se

coloca sempre a favor da vida e sendo assim consequentemente contra o

aborto.

Contudo, a Sagrada Escritura oferece uma visão decididamente em

favor da vida, que podemos aplicar de maneira coerente à realidade concreta

do aborto.

Page 41: O valor da vida

41

3.3 O magistério da igreja católica e sua perspectiva teológica

O Magistério da Igreja é muito claro em seus posicionamentos

mostrando-se contrário à prática do aborto. Entende que a vida já concebida no

útero materno deve ser protegida e defendida em todas as suas formas.

Afirma que a vida deste sua concepção é inviolável, colocando-se assim

em defesa do valor da vida humana, baseia sua reflexão em dados científicos

acerca do ser que foi concebido, em seu caráter biológico humano, e o

processo de continuidade do desenvolvimento embrionário como já se viu no

capítulo anterior.

Porém, o pensamento da Igreja ao longo da historia no que se refere à

vida é bastante claro, confirma seu valor desde a concepção, mesmo diante

das controvérsias que gira em torno da vida. Especialmente no que diz respeito

ao feto e sua formação imediata ou mediata, toma posição contrária em relação

ao aborto e coloca-se a favor da vida em gestação.

Em seu ponto vista, a Igreja Católica afirma que a vida no mundo é

manifestação da presença de Deus, sendo Ele fonte da vida de todo ser

humano. A sua reflexão vem alicerçado com as verdades afirmadas na

Encíclica Evangelium Vitae, que a vida é um dom e sempre um bem, sagrada e

inviolável.

Segundo o autor Bolda Silva isso pode ser sistematizado da seguinte

forma.

Sendo a vida um bem, sempre um bem, se comparada a de outros seres

vivos, no damos conta de sua grande diferença, sua originalidade e

manifestação da presença de Deus. O Concilio Vaticano ll recorda que pela

encarnação do Filho de Deus, Deus une-se de certo modo a cada homem.

Dentro da perspectiva teológica, a dignidade humana tem sua raiz na

íntima ligação que existe entre Deus criador e a pessoa, pois é Deus que

proporciona este bem inestimável. O ser humano possui a essência divina, logo

este se assemelha a Ele, só pode ser também um bem inestimável.

A vida humana como dom de Deus só pode afirmar essa verdade da

vida como dom se a mesma for compreendida à luz da relação pessoal com

Deus, sendo que esta relação se estabelece a vida como uma oferta divina.

Page 42: O valor da vida

42

Pois Deus a oferece ao ser humano de forma gratuita, como um verdadeiro e

autentico dom.

A sacralidade da vida humana, com base nesta verdade que a vida

humana é sempre um bem inestimável e um dom, nós a podemos intuir tendo

seu fundamento em Deus e em sua ação criadora. Por isso, a vida humana é

sagrada, porque desde sua origem supõe a ação criadora de Deus, e

mantendo-se para sempre em relação especial com o criador, seu único fim.

João Paulo ll, na Encíclica Evangelium Vitae, destaca a sacralidade da vida,

cuja fonte mais genuína indica a origem da vida que provem de Deus.

Confiando ao homem a liberdade para administrar a mesma como dom

precioso, faz desabrochar toda a riqueza e potencialidade inerentes, não

dispondo o homem do direito de abreviá-la.

Observamos na Encíclica, que ela entende a vida humana como

inviolável, e seu caráter inviolável nos leva à sacralidade da vida,

inviolabilidade proposta por Deus.

3.4 O valor da vida

Ao iniciarmos nossa reflexão sobre o valor da vida, observamos que a

mesma tem uma forma abrangente e significados diversos, o que nos garantiu

observar que há varias formas de entender o que é valor.

De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil, o

direito a vida constitui um valor que é o fundamental, da onde se origina os

demais direitos humanos. Podemos observar que o mesmo faz se presente

nos Artigos 5 e 201§ ll. No Artigo 5 expressa-se maneira bem clara a

inviolabilidade do direito a vida, sem distinção da mesma. Já no Artigo 201 § ll,

garante proteção á maternidade, especialmente para a gestante.

E dentro deste contexto, a legitimação do aborto pressupõe uma ruptura

do valor ético básico e representa uma inclinação perigosa que pode ter

conseqüências graves.

Consideramos geralmente que a vida é valiosa, baseando-nos nesta

certeza que tentaremos desenvolver neste tópico e que trata do sentido do

valor que a vida tem em si mesma. Sendo ela um dom de Deus, merece

Page 43: O valor da vida

43

carinho cuidado e proteção. Mas, então, o que seria valor do ponto de vista

ético?

A vida humana é o apoio fundamental e ao mesmo tempo o sinal privilegiado dos valores éticos. Neste sentido o viver é um bem pré-moral ou ôntico, assim como também a saúde o prazer, o conhecimento a técnica [...] (VIDAL, 1981, p.235)

Na consciência humana encontra-se determinado o respeito à vida

humana, à vida do próximo e a da própria pessoa, sendo o respeito humano

um dos eixos fundamentais da vida humana onde passa a desenvolver a

consciência ética da humanidade.

E dentro de uma reflexão teológico-moral, na visão católica, podemos

observar que a mesma enaltece com ênfase o valor da vida humana, após

estudarmos ao longo deste trabalho a temática da vida. Verificamos no

decorrer do mesmo que a vida tem por si só um valor pessoal e único. E

partindo deste preceito que a mesma é um valor, tirar a vida de outro é ofender

a caridade consigo e com os semelhantes.

Entendemos, pois, que a vida é um dom de Deus, sendo que dispor dela

ou dela se apoderar é direito pertencente somente a Deus. A vida é dom dado

gratuitamente, estando sujeita a seu divino poder, único que pode abreviá-la ou

fazê-la progredir.

Marciano Vidal, quando se refere à questão do valor ético da vida

humana distingue sua justificação, seu conteúdo, sua posição.

Ao fazer menção sobre a justificação e o valor ético da vida, a mesma

brota de um reconhecimento que se estabelece pelo respeito ao que existe. E

este reconhecimento é pelo outro e por si mesmo, que ajuda a passar do bem

moral para o valor ético.

No que diz respeito ao conteúdo ético da vida humana o autor deixa

claro que a vida humana é muito abrangente, que não é simplesmente um viver

biológico. O viver é merecedor de valores que vão de sua existência até a

plena qualidade de vida. E o mesmo pode ser entendido e formulado com o

termo de humanização, assim destacando-se, que a vida humana toda ela tem

uma igualdade valorativa.

Quando nos referimos ao valor da vida, temos quer ter presente que a

mesma é dotada de valor deste sua concepção ate seu declínio natural. Como

no decorrer de nosso trabalho abordamos a temática do aborto, faz-se

Page 44: O valor da vida

44

necessário agora discorrer sobre o valor da vida em gestação. Dentro de uma

dimensão antropológica do aborto faze-se necessário observar alguns

aspectos que são importantes.

O novo ser em gestação não pertence ao gênero das coisas, mas deve

ser considerado como ser, ou seja, pessoa, não devendo ser aplicado à vida

em gestação simples parâmetros biomédicos para seu reconhecimento;

[...] não podem ser aplicadas à vida em gestação as considerações

que unicamente ponderam o peso, a medida e o efeito que ela causa

[...] (VIDAL, 1981, 256)

A vida em gestação é uma realidade que, podemos dizer, tem influência

também na genitora, embora exista uma relação de dependência. Por isso,

formas valorativas que tendem a serem capciosas e ideológicas reduzem o

valor do ser em gestação. Repercussão positiva ou negativa que possa existir

para a genitora, posicionamentos em que feto só é considerado vida humana

após e terceiro mês de gestação, repercutem negativamente na opinião

daqueles que distinguem entre “vida humana” e ”vida humanizada”. Ao ser

reconhecida a realidade de uma existência pessoal, junto com ela nasce o

direito da existência ser respeitada por todos.

Desde sua fecundação a vida humana é merecedora de respeito. O

processo de fecundação e fertilização marca a existência humana, como uma

nova realidade diferente da dos pais, com todas as características

cromossômicas e com a capacidade de auto-desenvolver-se. Diante desta

afirmação axiológica, é necessário que compreendamos que nos convém

esclarecer que a mesma não corresponde no âmbito jurídico, embora se

reconheça que a proteção neste sentido seja um bem, estar protegidos pela lei.

Convém aqui lembrarmos o conceito filosófico de pessoa, o qual

representa diretamente as realidades do mundo humano que estão implícitas

na vida em gestação. Não adentraremos mais profundamente neste conceito

de pessoa porque já o fizemos no capitulo anterior.

Nesse sentido, o nascimento como grande acontecimento ganha uma

evidência, não somente pela sua importância biológica, nem pelo seu

significado jurídico, mas porque o nascimento no seu significado abrangente

chega a sua meta principal: a vida em todas as suas dimensões.

Page 45: O valor da vida

45

Para finalizarmos nossa reflexão acerca do valor da vida humana, em

gestação, devemos estar atentos para não cairmos na tentação de acharmos

que vida humana só tem seu valor por aquilo que as pessoas realizam. Não,

elas valem por aquilo que são, sendo ser humano à imagem e semelhança de

Deus. Cada um, cada ser humano é dotado de valor, pois a vida é um dom

gratuito de Deus para todos nós.

Page 46: O valor da vida

46

CONSERAÇÕES FINAIS

Na realização deste trabalho sobre a temática do aborto, entramos

rapidamente na questão ética do dilema sobre o aborto, tal questão é baseada

no direito, especialmente no direito a vida. Quando falamos do direito a vida

devemos pensar nas duas partes o direito do feto e da mãe, em controlar seu

próprio corpo.

No decorrer deste trabalho, observamos que muitas são as perspectivas

tanto a favor como contra, do lado favor podemos perceber, que grande

preocupação em garantir uma assistência dignas, nos cuidados de saúde para

as mulheres que optam por tal pratica, com forma de reduzir as taxas de

mortalidade e garantir um atendimento de qualidade para as mesmas.

Contra o aborto muitos são os argumentos em defesa e a favor da vida,

baseados sobre tudo no conhecimento cientifico e na vivencia religiosa, que

realmente o embrião é uma pessoa em potencia, e que seu desenvolvimento

humano é continuo ate o seu declínio natural.

Diante da reflexão feita no decorrer deste trabalho, aprofundado vários

pontos de vista, pode-se afirmar que é inadmissível permitir tal pratica onde se

pretende excluir Deus da sociedade e da vida.

A Igreja coloca-se sempre em defesa da vida, em todas as idades,

sendo a voz dos não tem vez, para nos que somos brasileiros a Constituição

Federal nos assegura o direito a vida. Neste sentido qualquer forma de

convencer o interlocutor a respeito de uma ou outra posição, ira depender de

vários fatores, como por exemplo, convicções religiosas e as perspectivas

éticas a serem adotadas.

O que se torna importante no momento presente é dispor de meios que

nos levem a uma seria reflexão com bases nos valore morais e cristão.

Defender a vida esta ao alcance de todas as pessoas que querem se

compreender com um mundo mais justo e fraterno para todos. Este foi os

principais objetivos desta pesquisa.

Page 47: O valor da vida

47

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. Sao Paulo: Saraiva, 2005. BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Bioética e Início da Vida: alguns desafios. São Paulo: Idéias e Letras; São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2004.

BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. 7. ed. rev. São Paulo: Paulus, 1995. CATECISMO DA IGREJA CATOLICA (C. I. C.). Edição Tipica Vaticana. São Paulo: Loyola, 2000.

COMPENDIO DO VAT II, Gaudium et spes. 10. ed., Petrópolis: Vozes, 1976.

FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). Disponível em: http://www.ebah.com.br/violencia-sexual-e-interrupcao-da-gravidez-pdf-a33636.html. Acesso em: 10/05/2012, às 11h30min.

FERNANDEZ, Javier Gafo. 10 palavras-chave em bioética. Sao Paulo: Paulinas,2000.

GARRAFA, Volnei. PESSINI, Leo. Bioética: Poder e Injustiça. São Paulo: Edições Loyola, 2003. GARCIA, Sonia Maria Lauer & FERNÁNDEZ, Casimiro Garcia. Embriologia. 2

Ed, Artemed, 2001.

JOSEPH RATZINGER – BENTO XVI. Dogma e Anúncio. São Paulo: Loyola,

2007.

MEIRELLES, JUSSARA M. LEAL DE. A Vida Humana Embrionária e sua Proteção Jurídica. Rio de Janeiro: 2000. PAULO II, João. Evangelium Vitae. São Paulo: Paulinas, 1995.

PLATÃO. A República. Texto integral. Coleção obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2002. PRADO, D. O que é aborto. Coleção Primeiros passos. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1985.

PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C.P. Problemas atuais de Bioética. São aulo:Loyola, 2000

Page 48: O valor da vida

48

SGRECCIA, Elio. Manual de bioética I: fundamentos e ética biomédica. São Paulo: Loyola, 1996.

SILVA, Marcio Bolda da. Bioética e a questão da justificação moral. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

ULIANO, Rafael. A definição Filosófica de Pessoa e a humanização e a Problemática do aborto, 2007. Monografia (Bacharelado em Filosofia)- Curso de Filosofia, Centro Universitário Brusque.

VIDAL, Marciano. Moral de Atitudes. Aparecida: Santuário, 1981, v.2.

“Uma reflexão sobre a história da formação da problemática do aborto” Disponível em <http//:www.accio.com.br/nazare/1946/hstrab2.htm>. Acesso em 02 ago. 2012.

“Não há possibilidade de dúvida quanto ao início da vida humana” Disponívelem<http://www.presbiteros.com.br/Moral/Bio%E9tica/N%E3o%20h%E1%20possibilidade%20de%20d%FAvida%20quanto%20ao%20in%EDcio%20da%20vida%20humana.htm>. Acesso em 02 set. 2012.