O Tribunal da Cidadania - MAT:ÉRIA CONSTITUCIONAL E … · 2019-04-02 · em choque: de respeito...
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MAT:ÉRIA CONSTITUCIONAL
E JURISPRUDÊNCIA SUMULADA
EMBARGOS NA APELAÇAO ClVEL N~ 39.153 - SANTA CATARINA Relator: O Exmo. Sr. ~1inistro Paulo Távora Revisor: O Exmo. Sr. Ministro Aldir Guimarães Passarinho Relator Designado: O Exmo. Sr. Ministro Carlos Mário Velloso Embargante: União Federal Embargada: Massa Falida de Indústria Busatto SI A
EMENTA Desapropriação - Indenização - Preço Justo -
Nova AvalIação"- CF, art.15~, §§ 3? e 22. I. Em tema de desapropriação, prevalece o pre
ceito constitucional da justa indenização (CF, art. 153, § 22),
lI. ConfUto entre doIs princípios constitucionais Inscritos na tábua dos direitos e garantias individuais: prevalecimento daquele que, de forma imediata, ê garantidor de direito individual que a Constituição consagra e que, se não prevalecesse, tornaria inócua a liberdade pública.
llI. No caso, dois princípios constitucionais estão em choque: de respeito à coisa julgada (art. 153, § 3?) e à justa indenização por expropriamento de bem alheio (art. 153, § 22), interferindo na questão, outrossim, como indicador de rumo para o intérprete, um outro princípio, o que não admite o confisco, inscrito no § 11 do art. 153, da CF, a não ser nas hipóteses excepcionais ali mencionadas. Prevaleclmento do principIo da justa indenização (CF. art. 153, § 22), tendo-se em linha de conta, ademais, as peculiaridades do caso.
IV. Realização de nova avaliação, para obtençao do preço justo,porque a avaliação anterior data de mais de 25 (vinte e cinco) anos, por isso mesmo manifestamente irreal. Se a nova avaliação operará efeitos jurldlcos-patrtmonials idênticos aos que poderiam ser obtidos numa ação de ressarcimento de prejuízos/impedir que, nos próprios autos da expropriatória, se obtenha o mínimo que, noutra ação, de tramitação penosa e lenta, seria obtido, é prestar obséquio à regra formal, em detrimento do direito substantivo, com maus tratos, ademais, no princípio da economia processual que domina todo o processo.
V. Embargos rejeitados.
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ACORDA0
Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide o Plenário do Tribunal Federal de Recursos, por maioria, rejeitar os embargos, na forma do relatório e notas taquigráficas anexas, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Custas como de lei. Brasília, 1 de junho de 1978. (Data
do julgamento) - Ministro Peçanha Martins, Presidente - Ministro Carlos Mário Venoso, Relator Designado - "Art. 82, RI"
RELATORIO
o Sr. M1n1stro Paulo Távora: A União opõe embargos ao acórdão da 1~ Turma que, pelos votos dos Srs. Ministros Moacir Catunda, Relator e Peçanha Martins, Revisor, vencido o Sr. Ministro Jorge Lafayette, negou provimento à apelação da Expropriante, confirmando a sentença do Dr. Juiz Federal Hervandil Fagundes em Santa Catarina (fls. 247/260).
O acórdão embargado sintetizase nesta ementa (fls. 301):
«Desapropriação. Avaliação feita há mais de 25 anos. Caducidade. O valor da indenização será contemporâneo da avaliação (Decreto-Lei n? 3.365/41, art. 26).
O que consta é a satisfação do preceito da justa indenização do desfalque patrimonial conseqüente à desapropriação, seja mediante reavaliação do bem, seja mediante ação direta de ressarcimento de prejuízos, pouco importando a denominação do meio descoberto pela criatividade dos juristas, com vistas a dar realidade ao direito à justa indenização. Leis n?s 4.686 e 5.670/71. Sendo lícito à desapropriada deixar de utilizar o julgado que fixou o quantum indenizatório,
em virtude de sua caducidade e manifesta irrealidade, e atendendo a que a nova avaliação operará efeitos jurídicos patrimoniais idênticos, e, possivelmente, mais rápidos aos que se obteriam remetendo-se o interessado a uma penosa e lenta ação de ressarcimento de prejuízos, confirma-se a sentença que mandou proceder à nova avaliação». O voto do Sr. Ministro Moacir Ca
tunda retrata a espécie, assim (fls. 290):
«Da leitura do minucioso relatório da sentença, apura-se que o caso dos autos tém particularidades que o destacam daqueles em que os desapropriados pleiteavam atualização do valor da indenização, em virtude de demora do pagamento pelo Desapropriante.
A ação de desapropriação de dez mil (10.000) pinheiros e mil e quinhentas (1.500) imbuias, para constituírem reserva florestal remanescente, de acordo com o Código Florestal, foi ajuizada em 7 de outubro de 1949, tendo a Autora ofertado preço de trezentos e cinqüenta mil cruzeiros velhos (350.000,00), equivalentes a trezentos e cinqüenta cruzeiros atuais (Cr$ 350,00) cuja quantia disse achar-se à dispOSição do JÚízo.
No fecho da contestação, oferecida em 11 de abril de 1950, a Massa Falida contestante, ale~ando sérios prejuízos econômicos. oriundos do fato de ter a Autora: por intermédio do seu funcionário, Dr. Horta Barbosa, delegado do Acordo Florestal em Santa Catarina, determinado a suspensão definíti"a do corte de pinheiros em dezembro de 1948, o que foi feito, requereu o levantamento por conta da futura indenização, da quantia de (Cr$ 350.000,00), depositada no Banco do Brasil, à dispOSição do Juizo, sem proveito, como se verifica do despacho que indeferiu o pedido.
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Desse depósito, no entanto, os autos não fornecem nenhuma prova.
A sentença de primeira instânçia, ao fixar a indenização, esclareceu:
«Fls. 110: Como já frisamos, o laudo de avaliação nao sófreu discrepância, e o valor dado às árvores pelo mesmo, pouco difere do que foi calculado pelo Banco do Brasil. Nestas condições, se nos afigurando justa e razoável a avaliação constante do laudo em apreço, fixo o valor das árvores desapropriadas em cento e dez cruzeiros (Cr$ 110,00) para os pinheiros, e oitenta cruzeiros (Cr$ 80,00), as imbuias, por unidade, tudo no valor de um milhão e duzentos e vinte mil cruzeiros ( Cr$ 1.220.000,00). A Serraria São Jerônimo, pertencente à Expropriada-, tem que ser removida, pelos motivos acima expostos. JlllSto é assim que cabe à União arcar com as despesas dessa mudança e, consoante o citado laudo, fixo essa despesa em duzentos e Cinqüenta e seis mil cruzeiros (Cr$ 256.000,00).
Honorários do perito e dos assistentes foram arbitrados, de comum acordo com as partes, em cinco e três mil cruzeiros, respectivamente, e as despesas com a realização da peritagem orçaram em doze mil, cento e trinta cruzeiros (Cr$ 12.130,00), importância essa que também cabe à União pagar. Ante o exposto, julgo procedente o presente pedid<f de indenização para condenar a Fazenda Nacional a pagar à Massa Falida Indústria Busaíto SI A, a importância de um milhão quatrocentos e noventa e nove mil, cento e trinta cruzeiros (Cr$ 1.499.130,00), acrescida dos jUros legais a contar da propositura da presente ação. Deixo de condenar a União ao pagamento dos honorários de advogado da parte contraria, uma vez que os mesmos
não são devidos. Nos termos do artigo 28, § 1? do Decreto-Lei- n? 3.365, de 21-6-1941, recorro ex-off1cl0 para o Egrégio Tribunal Federal de Recursos, uma vez que a condenação excedeu ao dobro da quantia oferecida».
O Tribunal Federal de Recursos, provendo recurso, diminuiu a indenização.
Em grau de embargos, no entanto, restaurou o valor fixado pela sentença, conforme acórdão de 2 de dezembro de 1954, cujo trãnsito em julgado foi certificado em 25 de jUnho de 1955 - fls. 170.
Baixados os autos ao Juízo da 4~ Vara. de Florianópolis, intimou-se' do acórdão somente o Dr. Procurador Nda República, em 18.7.1955 -fls. 171.
Por circunstãncias não bem esclarecidas, os autos ficaram esquecidos na Procuradoria da República, de 18.7.55 a 23.11.71 -mais de 16 anos - quando o Dr. Procurador Regional Eleitoral os devolveu ao Juiz de Direito da Vara dos Feitos da Fazenda e Acidentes do Trabalho, de Florianópolis, cujo titular mandou remetê-los à Justiça Federal, o que foi feito.
A Massa Falida desapropriada, então, alegando falta de pagamento de qualquer indenização, pleiteou «uma de duas soluções, a saber: compOSição, com o retorno das árvores à sua propriedade e posse, ou nova avaliação das árvores» (fls. 249), tendo a sentença, considerado irrisória a indenização de Cr$ 3.657,74, inclusive juros, contados de 7.10.1949 a 7.10.1973, conforme cálculo de fls. 236, decidido mandar proceder à segunda avaliação, de acordo com julgados do Colendo Supremo Tribunal Federal e parecer do Dr. Procurador da República.
A União Federal, por voz de outro Procurador da RepÚblica, não
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conformada, apelou da sentença, sob os argumentos primordiais de inovação de decisão do TFR, com trãnsito em julgado, e de culpa reciproca das partes, no que tange à demora na execução do julgado.
A Desaproprianda acompanhou a ação nas duas instâncias, por intermédio de advogados, de sorte que a lamentável retenção dos autos, durante mais de 16 anos, pelo representante da Autora, de certo modo resultou contrabalançada com sua estranha omissão, de não os cobrar, nem diligenciar a execução do julgado durante tão considerável lapso' de tempo.
Como quer que seja, decorridos quase vinte e seis anos da p~rda das árvores, não recebeu ela, Desaproprianda, um centavo, sequer, o que caracteriza situação singularíssima, Céj.paz de justificar a solução excepcional que lhe deu a sentença, sem injúria à coisa julgada, compendiada nas decisões prévias de primeira e segunda ins~ância que estabeleceram o quantüm da indenização, por isso que se trata de divida de valor, .(Arnold Wald - A Correção Monetária no Direito Privado p. 3 e Cláudio Viana de Lima - fi. inflação e o Direito, em Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado da Guanabara - 1968, 19/16-25 - apud - J. Cretella Júnior -Comentários às Leis de Desapropriação pág. 268), - e não de divida de dinheiro, como ensina a melhor doutrina.
A moeda, em caso de dívida de valor, constitui mero instrumento da sua fixação. Superadas, pela inflação, as circunstâncias econômicas e os preços vigentes na época da elaboração dos laudos que serviram de base à determinação da quantia, não será possível mantêla, pena de, por respeito religioso a julgados meramente formais, ou processuais, ofender-se o direito
básico à justa indenização do bem, compulsoriamente retirado da posse do legitimo proprietário.
Face à demora no pagamento e à erosão do poder de compra da moeda, por obra da inflação permanente que assola o país, o Colendo Supremo Tribunal Federal, alterando, implicitamente, a Súmula n? 416, determinou, em numerosos casos prolatados antes da Lei 4.686, de 21 de junho de 1965, nova avaliação, com vi~tas a dar efetividade ao ditame constitucional de justa indenizaçã6~ do que sejam exemplos os RE n? 54.221-GB - em grau de embargos - RTJ, vol. 34, p. 91, exibidos pela Recorrida - fls. 91, idem 21.639, e outros, muitos, dentre os quais os transcritos pela sentença apelada.
Certo de que, depois da Lei 4.686, de 21 de junho de 1965, que permite a correção do valor apurado, decorrido prazo superior a um ano a partir da avaliação, tais decisões se tornaram menos freqüentes, dando lugar a numerosas ações de ressarcimento de prejuízos decorrentes da demora no pagamento, com desconto da quantia paga na ação de ôesapropriação, acolhidas pela jurisprudência, do que sejam exemplos os RE n?s 74.581-GB em RTJ - vol. 66, p. 237; - 66.807-em RTJ - vol. 51/139; 65.053 em RTJ - vol. 51/441; 69.299 - em RTJ - vol. 55/715, e outros, muitos.
Posto que infreqüentes, remanescem casos em que a jurisprudência do Pretório Excelso não considera ofensiva à coisa julgada, decisão que determina avaliação atual do bem desapropriado, desde que o laudo seja antigo e o Desapropriante procrastina o pag:;lmento da indenização, do que sejam exemplos os acórdãos nos RE n? 68.608-GB, julgado em 7.11.1969 - Relator Ministro Barros Monteiro -RTJ - 54/p. 376 e 65.395 julgado
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em sessão plenária de 13.8.69, e Agravo n? 47.564 - DJ de 26.9.1969 - p. 44023.
O que conta é a satisfação do preceito da justa indenização do desfalque patrimonial conseqüente à desapropriação, seja mediante reavaliação do bem, seja mediante ação direta de ressarcimento de prejuízos, pouco importando a denominação do meio descoberto pela criatividade dos juristas, com vistas a dar realidade ao direito à justa indenização.
No caso vertente, em virtude da determinação da Lei 5.670, de 2 de julho de 1971, de que a correção monetária do valor apurado seja feita a partir da Vigência da Lei 4.686, de 21 de junho de 1965, o período de tempo, de mais de 14 anos que, da última data, contado regressivamente, vai ao dia 8 de janeiro de 1951, quando se apresentou o laudo de avaliação - fls. 69 - dito período de tempo - dizia -será excluído dos benefícios da citada Lei 4.686, de 1965, com a conseqüência de contarem-se somente juros legais à aviltada quantia indenizatória.
O período a ser excluído, desse modo, é bem supe:r;ior ao período remanescente, que se beneficiará da Lei 4.686/65.
Considerando a jurisprudência que mandava reavaliar o bem, quando houvesse demora no pagamento, a qual se tornou predominante nos anos imediatamente anteriores à Lei 4.686, de junho de 1965, com o objetivo de neutralizar o violento surto inflacionário que minimizava as indenizações, e atendendo, por outro lado, ao mandamento legal de que o valor da indenização será contemporãneo da avaliação (Decreto-Lei 3.365, de 21.6.1941 - art. 26) cuja observãncia não será possível com laudo feito vinte e cinco anos atrás, entendendo que a sentença fez boa
justiça, quando mandou reavaliar as árvores' e a serraria, no interesse do encontro da justa indenização.
Sendo lícito à desapropriada deixar de utilizar o julgado que fixou o quantum indenizatório, em virtude de sua caducidade e manifesta irrealidade, e atendendo a que a nova avaliação operará efeitos jurídicos - patrimoniais idênticos, e, possivelmente, mais rápidos aos que se obteriam remetendo-se o interessado a uma penosa e lenta ação de ressarcimento çl~ prejuízos, o meu voto é negando provimento aos recursos, pata confirmar a sentença recorrida».
O Sr. Ministro Peçanha Martins acompanhou o Relator, verbls (fls 295): .
«~este caso, após julgada a açao, os autos estiveram paralisados, em Cartório, por mais de 15 anos. E, não tendo ocorrido o pagamento da indenização, evidente que a velha avaliação procedida, havia mais de vinte anos, não pOdia prevalecer. Nem se argumente com a correção monetária advinda muitos anos depois, por is~ 80 que a sua computação não corresponde ao valor real da coisa desapropriada. Tenho, assim, que se fazia necessário uma nova avaliação que apontasse o preço no inst~nte da ~fetivação da expropriaçao, que so se realiza, na forma da Constituição, mediante justa indenização. Por esses motivos, acompanho o voto do eminente Ministro Relator, negando provimento ao recurso». Dissentiu o Sr. Ministro Jorge La
fayette por estas razões (fls. 296): «(Senhor Presidente, a hipótese
apresenta, realmente, aspectos particulares e absolutamente anormais, como a retenção dos autos durante dezesseis anos pelo Procurador da República, o que foge por
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completo à regra, e ao que normalmente acontece. Pagar a indenização fixada, numa moeda antiga, da época em que foi apreciada, leva realmente a uma iniqüidade. Mas, afastando a sOlução pleiteada e concedida pelo Dr. Juiz, encontro um obstáculo, de ordem processual; é que julgada a desapropriação em segunda instãncia, com o trãnsito em julgado do acórdão, não vejo como, em execução, se possa ordenar uma nova apuração do valor do bem desapropriado, ou atualização da indenização.
O Supremo Tribunal Federal, é certo, antecipando-se à Lei n? 4.686, de 1965, em acórdãos antigos, admitiu fosse a indenização atualizada, quando não havia sido ainda instituída a correção monetária num trabalho precursor da Jurisprudência. Mas depois que se estabeleceu a correção monetária, não mais decidiu o Supremo Tribunal Federal nesta linha.
Pode, em circunstâncias excepcionais, pleitear o Expropriado indenização decorrente de conduta anormal do Expropriante, mas em ação própria, nunca em execução de sentença, alterando a decisão transitada em julgado que, na ação, fixou o valor da indenização.
Neste sentido há duas decisões recentes: no Recurso Extraordinário n? 68.608, recitado no memorial distribuído pela parte, que recebi, mas neste caso, tratava-se de uma ação própria, para obter uma nova avaliação, diante de circunstâncias extraordinárias - não estava em causa uma execução de sentença - e também no Recurso Extraordinário n? 70.124, Relator o Sr. Ministro Amaral Santos, caso até certo ponto parecido com a hipótese, porque havendo a Expropriante protelado o pagamento da indenização durante dez anos, o Pretório Excelso
admitiu que se efetuasse uma nova avaliação, mas isto também em ação própria, não em execução de sentença.
Vejo assim esse obstáculo de ordem processual à pretensão dos ora Apelados. .
O direito da Expropriada terá que ser deduzido em outra ação -não na própria ação de desapropriação - face à conduta anormal e ilícita do representante da União, dando lugar a uma reparação pelos prejuízos conseqüentes.
}~~ de notar, aliás, que a indenizaçao decorrente desta conduta anórmal, precisa ainda ser examinada, em seu fundamento, porque se realmente não se justifica a retenção dos autos por dezesseis anos, pelo Procurador da RepÚblica, o certo é que tal não ocorreria, sem negligência da Expropriada que dispunha em lei dos remédios própriOS contra o abuso, podendo inclusive cobrar os autos. Dezesseis anos constituem tempo mais que suficiente, até mesmo para restaurar os autos, se não encontrados ou se desaparecidos.
A Expropriada, todavia, se omitiu por completo durante todo esse período, ao que parece e segundo o que ouvi. Não posso assegurar que assim tenha realmente ocorrido, mas isso será matéria para a ação própria, onde as circUnstâncias em que ocorreram tais {atos serão investigados e apuradOS.
Abandonar, porém, acórdão transitado em julgado que fixou um valor para a indenização e mandar fazer nova avaliação do bem desapropriado, com a devida vênia, não me parece possível.
Por esses fundamentos, sou levado a dar provimento à apelação, para reformar a decisão do Dr. Juiz, que concedeu nova apuração do valor do bem desapropriado, com a ressalva de, em ação
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própria, poder a Expropriada fazer valer a referida pretensão». Os embargos visam ao prevaleci
mento do voto divergente pelos mesmos fundamentos (fls. 304).
A Embargada, Massa Falida Indústrias Busatto S/ A, impugna o recurso (fls. 312). Transcreve acórdãos dos Tribunais da Guanabara e de Alçada de São Paulo em que se sustenta só haver coisa julgada com a sentença do art. 29 da Lei Expropriatória que autoriza a imissão definitiva na posse e decreta a perda da propriedade. Invoca arestos do Supremo Tribunal (RTJ 51/313 e 697; 521711; 54/376; 55/499 e 63/178) e traz à colação os magistérios de Seabra Fagundes, Cretella Junior, Pontes de Miranda e Vicente Sabino. A reparação dos prejuizos, por inércia da Expropriante, pode fazer-se nos próprios autos dâ ação, independente de ação própria. Cita julgado da 2~ Turma desta Corte, de que fui Relator (DJ, 25.6.75, pág. 4559). Insurge-se contra a aplicação pura e simples da correção monetária que, só podendo incidir a partir de 1965, segundo a Lei 5.670171, deixaria a descoberto o período anterior de 14 anos. Exclui a responsabilidade pela demora no pagamento da indenização que recai toda na Procuradoria da RepÚblica em Santa Catarina.
E o relatório.
VOTO
O Sr. Ministto Paulo Távora: Consta a fls. 170v, de certidão da Secretaria do Tribunal Federal de Recursos que o acórdão do Plenário transitou em julgado a 25 de junho de 1955. Prevaleceu, assim, a indenização fixada no laudo do perito em janeiro de 1951 que estimou os dez mil pinheiros e as 1.500 imbuias por cruzeiros novos, NCr$ 1.220,00 em terras de propriedade da União, no município de Caçador, em Santa Catarina, mais a verba de NCr$ 256,00 para re-
moção da Serraria S. Jerônimo. Condenou a União a pagar as despesas da perícia, em cruzeiros novos, Cr$ 12,13 e juros a partir da propositura da ação em outubro de 1949, excluidos honorários de advogado (fls. 116/118).
Baixaram os autos à Comarca de Florianópolis, e o Juizo da 4~ Vara determinou a intimação dos interessados. Existe nota de «ciente, 18-7-1955» (fls. 171) sem identificação de rubrica, não havendo certidão de abertura de vista nem de qualquer outro registro do Cartório. Em novembro de 1971 (fls. 180), os autos foram restituidos ao Juizo Estadual por ofício do Procurador Regional Eleitoral com a informação «que se encontravam guardados nas dependências desta Procuradoria» em meio a processos antigos (fls. 180).
Dois princípios constitucionais se defrontam: de respeito à coisa jtJllgada (art. 153, § 3?) e à justa indenização por expropriamento de bem alheio (art. 153, § 22). Longe de se antagonizarem, o «preço justo» apura-se pelo devido processo legal, de que resulta a «coisa julgada». A lei expropriatória fixa o valor da propriedade no momento da avaliação (art. 26 do Decreto-Lei 3.365/41). As instâncias judiciárias determinaram a «justa indenizaçãO» e o Expropriado conformou-se com a decisão do Tribunal Pleno que não pode ser mais desfeita após o decurso do prazo para a rescisória.
A satisfação do preço podia ser promovida ou pela União, mediante dep~slto do preço fixado, ou pelos desapropriados, via extração de precatório, a fim de, efetuada a consignação ou o pagamento, expedir-se mandado de imissão definitiva de posse, se não houve liminar nesse sentido.
O Supremo Tribunal assentou, na interpretação da Lei 4.686, de 21-6-1965, que o processo de desapropriação termina com o efetivo pagamen-
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to do preço até quando é lícito à parte reclamar a correção monetária nos próprios autos (RTJ 63/178). Foi essa a hipótese que julguei na 2~ Turma, a que faz menção a Embargada. O reajuste da expressão pecuniária, não infirma, entretanto, o prinçípio da «coisa julgada». Ao contrário, funda-se na «justa indenização» estabelecida na sentença para, até a execução, corrigir o valor nominal da moeda. Não é a mesma coisa que anular o preço encontrado em processo regular e sacramentado por julgamento irrecorrível, a fim de repetir a avaliação. Equivaleria, com a devida vênia, rescindir o acórdão do Plenário do Tribunal por via estranha à ação própria, para desconstituir a coisa julgada ..
A execução deve guardar fidelidade ao decreto judiciário. Os fatos posteriores, como a demora, podem dar lugar a outras pretensões do Expropriado, por indenização complementar em virtude da procrastinação no pagamento do preço.
Antes de institucionalizada a correção monetária, o Supremo Tribunal provia recurso extraordinário nos processos expropriatórios, para anular indenizações que o decurso do tempo e a inflação haviam aviltado. Admitiu também a mais alta Corte que, por ação ordinária, o Desapropriado pleiteasse reparação suplementar por retardamento na satisfação do preço. Nenhum, porém, dos precedentes invocados sufraga a tese de rescindir sentença indenizatória nos próprios autos em que está certificado o trãnsito em julgado' para fazer-se nova avaliação.
Por essas razões, recebo os embargos.
VOTO
O Sr. Ministro Aldir G. Passarinho (Revisor): Embora reconheça a va-
lia de vários dos argumentos da Embargada, recebo os embargos.
Na verdade, a pretensão da Embargada, acolhida na Turma, importaria em fazer voltar o processo a sua fase de conhecimento, o que não seria possível.
Não é possível, de fato, em execução de sentença, dar-se o elastério pretendido pela Expropriada.
Há acórdão transitado em julgado fixando valor certo para a expropriação. Encontra-se a demanda em sua fase executória. Impossível seria reabrir a questão, voltando-a à fase anterior. de conhecimento, já ultrapassada de forma definitiva, eis que existe coisa julgada.
Assim, entendo, tal como o eminente prolator do voto vencido, o Sr. Ministro Jorge Lafayette, que o prejuízo decorrente da demora excepcional na definitiva solução do pagamento há de ser obtido mediante outra ação, mas não efetuar-se a verdadeira rescisão do acórdão para nova avaliação, reabrindo-se, de fato, toda a questão.
Na ação de desapropriação o que se discute é o preço. Se nova avaliação for feita isto importaria na anulação do julgado.
Pelo exposto, como disse, recebo os embargos.
E: o meu voto.
VOTO (QUESTÃO DE ORDEM;
O Exmo. Sr. Ministro' Paulo Távora: Sr. Presidente, sou o Relator dos embargos, e o julgamento se iniciou com o quorum anterior de 13 membros. Com o superveniente aumento da compOSição do Tribunal, afigura-se-me se deva aplicar o dispositivo regimental para computar os votos j á proferidos e renovar o relatório, a fim de os novos Ministros que compõem a assentada poderem manifestar-se. Como o Sr. Ministro
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Carlos Mário Velloso, que pedira vista, está renovando o relatório, o julgamento poderá prosseguir a partir de Sua Excelência.
EXTRATO DA ATA
E.A.C. 39.153 - SC - ReI: Sr. Min. Paulo Távora. Rev: Sr. Min. Aldir G. Passarinho. Embgte: União Federal. Embgda.: Massa Falida de Indústria Busalto.
Decisão: Após. os votos dos Srs. Ministros Relator, Revisor, Oscar Corrêa Pina e José Dantas acolhendo os embargos, adiou-se o' julgamento em face do pedido de vista formulado pelo Sr. Ministro Carlos Mário S. Velloso. Aguardam os Srs. Ministros Márcio Ribeiro, Moacir Catunda, José Néri da Silveira, Jarbas Nobre e Jorge Lafayette Guimarães. Não tomaram parte no julgamento os Srs. Ministros Amarilio Benj amim e Armando Rolemberg. Usaram da palavra, pela embargada e pela União Federal, respectivamente, os Drs. José Paulo Sepulveda Pertence e Gildo Corrêa Ferraz, SubprocuradorGeral da República. (Em 2Õ-I0-77 - T. Pleno).
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Peçanha Martins.
VOTO - VISTA
O Exmo .. Sr. Ministro Carlos Mário Venoso: A União Federal ajuizou ação de desapropriação, no ano de 1949, contra Indústrias Busato SI A, para o fim de tornar efetiva a desapropriação de 10.000 pinheiros e 1.500 imbuias, situadas tais árvores em terras suas, no municípiO de Rio Caçador, Estado de Santa Catarina.
A ação foi julgada procedente pelo Juizo da Fazenda Pública de Florianópolis, em sentença de 5-9:-1952, fixada a indenização a ser paga pela Expropriante, União Federal, na importãncia de Cr$ 1.499,13, acrescida
de juros legais, a contar da propositura da ação.
Este Egrégio Tribunal, dando provimento à apelação interposta, reduziu a indenização para Cr$ 1.100,00.
Recebendo embargos opostos pela Ré, o Egrégio Tribunal restabeleceu o valor fixado na sentença em acórdão que passou em julgado em 25-6-1955.
Restabeleceu-se, destarte, a sentença de 1~ grau, que se vê às fls. 116/118.
Baixaram os autos à Comarca de Florianópolis, em 25-6-55.
A seguir, descreve o eminente Ministro Paulo Távora, Relator, o que ocorreu:
« ... o Juízo da 4~ Vara determinou a intimação dos interessados. Existe nota de «ciente», 18-7-1955 (fls. 171) sem identificação de rubrica, não havepdo certidão de abertura de vista. nem de qualquer outro registro doi Cartório. Em novembro de 1971 (fls 180), os autos foram restitui dos ao Juízo Estadual por ofício do Procurador Regional Eleitoral, com a informação de que se encontravam guardados nas dependências desta Procuradoria» em meio a processos antigos (fls. 180).»
Os autos, em 25-11-1971, foram encaminhados à Justiça Federal de Sta. Catarina, ali recebidos em 30-11-1971 (fls. 181 e v.).
A decisão de fls. 247/260, do Dr. Juiz Federal, relata, em seguida, a espéCie: diz que, intimadas as partes, a Expropriada, com vista dos autos, sJi'geriu e requereu uma de duas destas soluções: o retorno das árvores expropriadas à sua propriedade e posse, ou nova avaliação das árvores (fls. 186/187), mesmo porque, no caso, segundo afirmou, não houve indenização, nem préVia e nem justa.
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Argumentou, segundo o resumo da . decisão de fls. 247/260:
«Quanto à segunda hipótese, proposta para o caso de não aceitação da primeira, sustenta a Expropriada a sua exeqüibilidade reconhecida pela jurisprudência, mesmo na vigência da Lei 4.686/65, isso porque, «no caso em tela, uma indenização baseada em avaliação feita há 20 anos atrás seria, não só injusta, como até ridícula, mesmo que sobre o valor encontrado por aquela avaliação fosse aplicada a correção monetária. Nem é preciso argumentar, prossegue, basta lembrar o valor da avaliação procedida naqueles tempos, para indenizar dez mil pinheiros e mil e qUinhentas imbuias' - Cr$ 1.499,13. Aplicada sirÍlplesIIÍente a correção monetária sobre tal valor, a indenização resultante não pagaria nem o justo valor das imbuias somente ... (fi. 188).
Fundamenta, a Expropriada suas proposições na lei e jurisprudência, trazendo à colação Vv. Acórdãos, do. Excelso Supremo Tribunal Federal, publicados na RTJ, dos quais junta fotocópias, autuadas às fls. 193/196.» Continua o relatório da r. decisão:
«Cumprido o de~pacho de fl. 197 e verso, foi citado, para fase executória, o Dr. Procurador da República. Este ingressou nos autos com a petição de fls. 199/200, em que reconhece, em princípio, assistir razão à Expropriada, que, não tendo recebido o valor da indenização que a União fora condenada a pagar durante todo esse tempo, foi levada à falência. Atendo-se aos pedidos alternativos formulados pela Exeqüente, considera o representante legal da União o vultoso capital que esta deverá despender com a indenização, se corrigida para o justo valor, pelo que alvitra a pré-
via audiência do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, quanto a subsistir, ou não, interesse em manter a área como reserva florestal remanescente. E conclui que, caso a manifestação seja pelo interesse, deva se proceder a nova avaliação das árvores expropriadas, por já se haver diluído a primeira' ao longo desse . tempo.
Não deixo sem registro, ao mencionar a posição firmada pelo representante da Fazenda Nacional, a exteriorização de sua preocupação pelo resguardo do «bom nome de que goza a União a partir de 1964» (fi. 200).
Este Juízo, a propósito, mandou ouvir o Ministério da Agricultura e o IBDF - representações de Santa Catarina (fis. 200/verso).
Tais órgãos, em ofícios autuados às fls. 214 e 218/220, se manifestaram, em resumo, assim:
O Ministério da Agricultura, mediante pronunciamento da sua Consultoria Jurídica, transmitido pela Procuradoria local do IBDF, censurando inércia da Expropriada que, em 19 anos, não diligenciou para o recebimento da indenização devida, insurge-se contra a recuperação, por esta, das árvores, que «não podem ser objeto de transação, nem pelas autoridades do Ministério da Agricultura e nem pelo IBDF (art. I?, c.c. art. 3?, Lei 4.711, de 15-9-65)>>; quanto à hipótese de nova avaliação, abstém-se de opinar, não sem afirmar tratar-se, de medida em desfavor dos interesses da União» (fi. 217);
O IBDF, por procurador, sustenta o interesse nas árvores expropriadas, sendo, pois, contrário à sua devolução, e à segunda avaliação, porque « ... não houve desídia por parte do Poder expropriante, mas sim, da própria Expropriada que deixou de
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diligenciar, em tempo útil, as medidas judiciais cabíveis pata que se efetuasse o pagamento do valor da condenação, requerendo o competente precatório para aquele fim» (fIs. 219/220).
Nova e singular intervenção da Procuradoria da República verifica-se, à fi. 223, em seqüência às promoções recém-vistas, desta vez manifestando, contraditoriamente, sua «plena concordãncia com os termos da petição de fIs. 218/220, oferecida pelo Procurador do IBDF ... »·.
Entretanto, não chega a causar espécie essa nova intervenção, a qual não se deve a cumprimento de despacho judicial, senão a encaminhamento, diretamente ao seu signatário, pelo IBDF, das informações requisitadas pelo juizo. E: o que se infere de fi. 214, representada por ofício do IBDF enviando ao juizo cópia do expediente «remetido ao Senhor Doutor Procurador da República neste Estado».
Dando curso ao tumulto processual, a Expropriada achou-se com direito, também, a retornar aos autos, às fIs. 224/228, repisando sua posição, já em face das manifestações dos órgãos federais ouvidos, e respondendo à argúição de inércia.
Em despacho correcional, à fi. 229, foi mandado, afinal, o processo ao Contador, que elaborou o cálculo, de fIs. 236, sobre os quais f O] ram convidadas as partes a se pronunciarem (fI. 237).
A União Federal silenciou (fI. 242), enquanto a Exeqüente acorreu, sucessivamente, com as manifestações de fIs. 239/246, sustentando que, a partir do cálculo, que «matematicamente está correto», deve-se reconhecer o aviltamento da indenização, já apurada, para o efeito de ser ordenada nova avaliação, de vez que, consoante
abundante jurisprudência que cita, não se configura, in casu, a coisa julgada, que a obstaculizaria». O Dr. Juiz, na decisão menciona
da, depois de acentuar que à União Federal cabe a responsabilidade pela situação criada, dada a «confessada retenção dos autos pela sua Procuradoria, de 18-7-55 a 23-11-71 - por mais de 16 anos - desde a data da intimação em cartório da antiga Vara da Fazenda Nacional, sem o conhecimento, pela ora Exeqüente, de sua baixa do Tribunal Federal de Recursos», escreveu:
«Cumpre, em seqüência, ferir de exame o segundo pedido alternativo, isto é, o de nova avaliação, tendente a amoldar o quantum indenizatório ao preceito constitucional que põe como condição a ser observada, em ordem a tornar legitima a desapropriação, que o preço seja, além de previamente pago, justo.
O requisito do pagamento prévio, tem-se-o por satisfeito, segundo a lei da desapropriação, mediante o depósito do preço ofertado, na ação, facultado ao Expropriado o seu levantamento (arts. 33 e 34); quanto à justiça do preço, há de' ser alcançado pela sua aceitação, pelo Expropriado, ou por avaliação no processo, em ambos os casos, depois do homOlogação judiciaL
No caso sub judice, o justo preço foi encontrado por obra de sentença judiCial homologatória de laudo . pericial, confirmada pelo Tribunal.
Entretanto, tendo ocorrido os fatos já descritos, foi a Expropriada, ora Exeqüente, impedida de receber a indenização, objeto do V. Acórdão de 1955, perdurando o impasse, já há 19 anos.
Aplicando-se os juros legais ao valor da indenização, segundo cálculo (fI. 236), soma a mesma a
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importância de Cr$ 3.657,74, para pagar 10.000 pinheiros e 1.500 imbuias.
A mais elementar noção do preço da madeira basta para ensejar a percepção de que, mesmo com os juros legais de 6% a. a., o quantum indenizatório, mais do que aviltado, tornou-se irrisório, desajustando-se à regra constitucional de justiça. ....ifa'
Após outras considerações, em que mencionou decisões de Tribunais, inclusive do Pretório Excelso, concluiu: • ..1..
«A vista do exposto, conside-rando tudo mais que dos autos consta' sendo assente a jurisprudênciá: dos Tribunais do Brasil, esoecialmente . a do Supremo Tribunal Federal no sentido de reconhecer a nová avaliação como meio idôneo para corrigir desatualizaçâo de indenização aviltada pelo decurso do tempo e procrastinação no pagamento, tal como ficou demonstrado ocorrer no presente caso, julgo procedente o segundo pedido alternativo, da Exeqüente, adotando, inclusive, a manHestação, no mesmo sentido, da Egrégia Procuradoria da República, e invocando a regra do art. 5?, do DL 4.657/42, para que se proceda segunda avaliação, nesta ação, dos bens expropriados. Para tanto, expeça-se precatória para a Comarca de Caçador, devendo, também, pelo MM., J.uiz de Direito deprecado, ser nomeado~ o competente peritó e os assistentes, se houver, a serem indicados pelas partes, deferindo-lhes, inclusive, o compromisso legal, assinando prazos para oferecimento de quesitos e apresentação de laudos, e praticando todos os demais atos pertinentes, a seu juízo. Para maior facilidade no cumprimento da precatória, remetam-se os autos ao MM. Juizo deprecado (art. 42, da Lei 5.010/66»).
De tal decisão, houve recurso de apelação, que a Egrégia 1~ Turma, por maioria, Relator o Sr. Ministro Moacyr Catunda, vencido o Sr. Ministro Jorge Lafayette Guimarães, negou provimento (fls. 2821302).
Com base no voto vencido, a União Federal apresentou embargos infringentes (fls. 304/308).
N a Sessão do dia 20 outubro de 1977, o eminente Ministro Paulo Távora, após relatar o feito, proferiu voto acolhendo os embargos, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Aldir Passarinho, Revisor, e pelos Srs. Ministros Oscar Pina e José Dantas.
Chamado a votar, em seguida, pedi vista dos autos e os trago hoje a julgamento.
O voto vencido na Turma, do Sr. Ministro Jorge Lafayette Guimarães, dava provimento à apelação da União, tendo em vista os argumentos que, a seguir, resumirei:
a) O direito da Expropriada somente poderia ser deduzido em outra ação, não na própria ação de desapropriação, «face à conduta anormal e ilicita do representante da União, dando lugar a uma reparação pelOS prejuízos conseqüentes».
b) Todavia, «é de notar, aliás, que a indenização, decorrente desta conduta anormal, precisa ainda ser examinada, em seu fundamento, porque se realmente não se justifica a retenção dos autos por dezesseis anos, pelo Procurador da República, o certo é que tal não ocorreria, sem negligência da Expropriada que dispunha em lei dos remédios próprios contra o abuso, pOdendo inclusive cobrar os autOS».
c) Não é possível abandonar acórdão transitado em julgado que fixou um valor para a indenização e mandar fazer nova avaliação.
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Concluiu o Sr. Ministro Jorge Lafayette Guimarães, então, por dar provimElnto à apelação da União, «para reformar a decisão do Dr. Juiz, que concedeu nova apuração do valor do bem desapropriado, com a res.salva de, em ação própria, poder a Expropriada fazer valer a referida pretensão». (fi. 298).
O eminente Ministro Paulo Távora, Relator dos embargos, já falamos, acolhe o voto vencido, na Turma, do Sr. Ministro Lafayette. Diz S. Exa.:
«Dois princípios constitucionais se defrontam: de respeito à coisa julgada (art. 153, § 3?) e à justa indenização por expropriamento de bem alheio (art. 153, § 22). Longe de se antagonizarem, o «preço justo» apura-se pelo devido processo legal, de que resulta a «coisa julgada». A lei expropriatória fixa o valor da propriedade no momento da avaliação (art. 26 do Decreto-Lei 3.365/41). As instâncias judiciárias determinaram a «justa indenização» e o Expropriado conformou-se com a decisão do Tribunal Pleno que não pode ser mais desfeita após o decurso do prazo para a rescisória. ~
A satisfacão do preço podia ser promovida, ou pela União mediante d~pósito do preço fixado, ou pelos Desapropriados. via extração de precatório, a fim de. efetuada a consignação ou pagamento, expedir-se mandado de imissão definitiva de posse, se não houve liminar nesse sentido.
O Supremo Tribunal assentou, na interpretação da Lei 4.686, de 21-6-1965, que o processo de desapropriação termina com o efetivo pagamento do preço até quando é licito à parte reclamar a correção monetária nos próprios autos (RTJ-63/178). Foi essa a hipótese que julguej na 2~ Turma, a que faz menção à Embargada. O reajuste da expressão pecun!ária não
infirma, entretanto, o princípio da «coisa julgada». Ao contrário. funda-se na «justa indenização» estabelecida na sentença para, até a execução, corrigir o valor nominal da moeda. Não é a mesma coisa que anular o preço encontrado em processo regular e sacramentado por julgamento irrecorrível. a fim de repetir a avaliação. Equivaleria, com a devida vênia, rescindir o acórdão do Plenário do Tribunal por via estranha à ação própria para desconstituir a coisa julgada.
A execução deve guardar fidelidade ao decreto judiciário. Os fatos posteriores, como a demora. podem dar lugar a outras pretensões do Expropriado, por indenização complementar em virtude da procrastinação no pagamento do preço.
Antes de institucionalizada a correção monetária. o Supremo Tribunal previa recurso extraordinário nos processos expropriatórios para anular indenizações. que o decurso do tempo e a inflação haviam aviltado. Admitiu também a mais alta Corte que, por ação ordinária. o desapropriado pleiteasse reparação suplementar por retardamento na satisfação do preço. Nenhum, porém. dos precedentes invocados sufraga a tese de rescindir sentença indenizatória nos próprios autos em que está certificado o trânsito em julgado para fazer-se nova avaliação.
Por essas razões. recebo os embargos ..
Data venta do eminente Ministro Paulo Távora, rejeito os embargos.
S. Exa. reconhece que, no caso, dois princípios constitucionais estão em choque: de respeito à coisa julgada (art. 153. § 3?) e à justa indenização por expropriamento de bem alheio (art. 153, § 22).
Interfere na questão. outrossim. acrescento, um outro princípio cons-
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titucional: O que não admite o confisco, inscrito no § 11 do art. 153, da CF, a não ser nas hipóteses excepcionais ali mencionadas.
A questão se põe, é bem de ver, no c a m p o d a h e r m e n'ê u t i c a constitucional onde se situam os temas da interpretação e da construção constitucional, e que tem princípios próprios, posto não deixar de lado os princípios da Teoria Geral do Direito.
José Alfredo de Oliveira Baracho, em rico trabalho doutrinãrio publicado na «Revista de Informação Legislativa», n? 53, pãg~ 113, sob o título «Hermenêutica Constitucional», acentua, forte em tratadistas nacionais e estrangeiros, que «os problemas da interpretação constitucional são mais amplos do que aqueles da lei comum», que, por isso mesmo, hã regras especiais «que devem servir de orientação para a boa interpretação dos dispositivos constitucionais», destacando aqueles princípios que se referem ao conteúdo teleológico ou finalista da Constítuição.
Linares Quintana, por exemplo, esclarece José Alfredo Baracho, «procura sistematizar as conclusões, da jurisprudência em geral e, especialmente, da Corte Suprema, ao retirar dessas decisões as seguintes regras:
a) Na interpretação constitucional deve sempre prevalecér o conteúdo teleológico da Constituição, que é instrumento de governo, além de ser instrumento de restrição de poderes de amparo à liberdade individual.
b) A finalidade suprema e última da norma constitucional é a proteção e a garantia da liberdade e dignidade do homem.
c) A interpretação da lei fundamental deve orientar-se, sempre, para esta meta suprema.
d) Em caso de aparente conflito entre a liberdade e o interesse do governo, aquela deve prevalecer sempre sobre es último, pois a
ação estatal, manifestada através de normas constitucionais, não pode ser incompatível com a liberdade». (S.V. Linares Quintana, «Teoria de la Ciencia deI Derecho Constitucional Argentino y Comparado», Ed. Alfa, Buenos Aires, 1953, H/469. Apud José Alfredo de Oliveira Baracho, ob. cit., pãg. 121).
Do exposto, parece-nos razoãvel concluir, resumindo, que, em caso de aparente conflito de uma norma constitucional com outra, sendo uma delas de proteção à liberdade, aos direitos individuais, hã de prevalecer esta última.
Examinemos o caso dos autos. AqUi, dois princípios constitucio
nais estão em choque: o que estabelece o respeito à coisa julgada (art. 153, § 3?) e a garantia de respeito ao direito de propriedade, tal seja o da justiça da indenização em caso de desapropriação (art. 153, § 22).
Qual dos dois haveria de prevalecer?
Esclareça-se, abrindo o debate, que a norma inscrita no art. 153, § 3? da CF conságra um direito indiviaual cUjo obJeto imediato é a segurança dos direitos subjetivos em geral. Por outro lado, o direito de propriedade, porque condicionada a propriedade ao bem-estar social (CF, art. 160, IH), sofre limitações, colocando-se, dentre estas, os casos de desapropriação. Inobstante, apresenta-se o direito de propriedade, no constitucionalismo brasileiro, que compatibiliza direitos sociais com direitos individuais, como uma liberdade pública do homem. Por isso, tal direito é garantido pela clãusula constitucional que prescreve que toda desapropriação somente poderã ser efetivada mediante préVia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no artigo 161 (CF, art. 153, § 22).
Respondo, agora, à indagação suso formulada.
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Há de prevalecer, no choque entre os dois princípios, aquele que, de forma imediata, é garantidor do direito consagrado na Constituição e que, se não prevalecesse, tornaria letra morta a liberdade pública.
Por outro lado, acentue-se, o outro princípio em debate, o do art. 153, § 3? - que é uma garantia da segurança dos direitos subjetivos em geral - se prevalecesse, na hipótese, agiria de modo contrário à sua finalidade: impediria a efetivaç~o do, respeito a um direito individual a uma liberdade pública.
Importa, destarte, construir, na espécie, para fazer valer 'o conteúdo teleológico ou finalistico da norma constitucional vista de forma sistematizada.
Este é o primeiro argumento com que me oponho, data venta, ao respeitável voto do eminente Relator.
Há mais. Tanto S. Exa., quanto o eminente
Ministro Jórge Lafayette Guimarães, este no voto vencido proferido na Turma, reconhecem que «os fatos posteriores, como a demora, pOdem dar lugar a outras pretensões do Expropriado, por indenização complementar, em virtude da procrastinação no pagamento do preço« (voto do Sr. Ministro Paulo Távora), ou que teria havido, na verdade, «conduta anormal e ilícita do representante da União, dando lugar a uma reparação pelos prejuízos conseqüentes», posto seja necessário examinar, também, a própria conduta da Expropriada, que teria agido com negligência, por não ter se ut1l1-zado dos remédios próprios legais, inclusive a cobrança dos autos (voto do Sr. Ministro Jorge Lafayette Guimarães).
Ambos os Senhores MInistros entendem que a indenização decorrente da «conduta anormal» do representante da União somente poderia ser buscada em ação própria.
Tem-se, no caso, uma conduta ilícita do preposto da União, esta é a verdade, conduta ilícita que causou danos.
As pessoas jurídicas de direito público, dispõe a Constituição, respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros (CF, art. 107).
Consagra a Constituição, em tal caso, a teoria da responsabilidade objetiva, prescindindo a reparação de prova de culpa ou dolo por parte do causador, desde que não tenha o ofendido concorrido com dolo ou culpa, não sendo necessário indagar da existência de culpa do preposto, a não ser para a responsabilização deste! em ação regressiva.
No caso, a indenização não seria menor do que a consecução do justo preço pelo bem expropriado. Poderia, sim, ser maior.
O Expropriado pretendeu, apenas, o justo preço, conforme requereu às fls. 184/191, ou o retorno dos bens ao seu patrimônio.
Ouvida a União Federal, deixou esta expresso que entendia assitir razão «à Ré, hoje, Massa Falida Indústrias Busato SI A» (fi. 199). Pediu, então, a audiência do Ministério da Agricultura e do IBDF, para se saber se ainda havia interesse na desapropriação. E concluíu:
«Em segundo lugar, caso o Ministério da Agricultura, através do pronunciamento do IBDF, se manifeste pelo interesse das árvores, nosso entendimento é que se deva efetuar uma segunda avaliação, pois que a primeira, embora confirmada por sentença, em primei)"a e segunda instância, já foi diluída através dos anos. .
:E: nosso desejo que esta ação Chegue ao seu final, o mais rapidamente possível, para a tranqüilidade da Ré e o bom nome de que goza a União a partir de 1964» (fi. 200).
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Tal manifestação, ao que me parece, \10 representante da União Fede,al . que falou nos autos na época prõpria, adequada, dispensa o exame da conduta da Expropriada, se teria ela concorrido com negligência. Não importa, ao que penso, que tenha a União, por outro procurador, voltado atrás, depois.
Então, se numa ação autônoma, obteria a Expropriada, no mínimo, o preço justo; se, no caso, houve reconhecimento do direito da Expropriada a uma nova avaliação para obtenção desse preço justo, ássim reconhecimento de que não teria ela concorrido para a ocorrência da mora, impedir que, nestes próprios autos, se obtenha o mínimo que, noutra ação, seria obtipo, é, data venta, prestar obséquio à regra formal, adjetiva, em detrimento de direito substantivo. No caso, outrossim, estar-se-ia aplicando maus tratos no principio da economia processual que domina todo o processo.
Também por tais razões, data venia, rejeito os embargos.
E rejeito-os, finalmente, com base no voto do Sr. Ministro Moacyr Catunda, vencedor, na Turma, ao qual me reporto. Chamo à colação, ao cabo, o V. Acórdão proferido pela Egrégia 2~ Turma na AC n? 42.785-MT, Relator o Sr.'Ministro Amarílio Benjamin, em cujo voto S. Exa., invocando decisões do Colendo Supremo Tribunal Federal, admitiu a realização de nova avaliação, em caso semelhante ao presente.
Em face do exposto, com a devida vênia dos Srs. Ministros que entendem de forma contrária, rejeito os embargos.
VOTO
O Sr. Ministro José Néri da SilveIra: Sr. Presidente. A matéria
realmente não se entremostra fácil. A nova avaliação determinada pelo Dr. Juiz o foi, no momento da execução da sentença, tendo em conta largo espaço do tempo' desde o trãnsito em julgado do acórdão deste Tribunal e a efetiva satiSfação, pela União, do quantum estabelecido no aresto exeqüendo. O longo trato de tempo que fluiu, deveu-se à circunstância de o Dr. Procurador da República, no Juízo de origem, haver retirado os autos do Cartório, para exame, mantendo-os em seu poder, pelo lapso de 16 anos. A evidência, a indenização, com o fluxo de tempo assim dilatado, tornou-se irrisória. Mesmo aplicada a correção monetária, sobre o valor estabelecido no acórdão, ainda assim, é isso insusceptível de debate nos autos, receberia o Expropriado importância muito aquém do justo preço.
Duas são, então, as soluções debatidas no recurso e no acórdão embargado. Uma, determinar-se, desde logo, nova avaliação do bem expropriando, em ordem a pagar a União o preço efetivamente atualizado e justo. Outra, executar-se o acórdão, assim como está em sua literalidade, aplicando-se a correção monetária, reservando-se ao Expropriado - se assim pr~tender - em ação própria, postular a complementação do -preço,' léndo em conta que haveria ato ilícito de representante da União Federal.
Compreendo, no confronto das soluções, que melhor é a consagrada, data venia, no acórdão embargado.
Dir-se-á que a determinação de nova avaliação feriria o princípio da coisa julgada, visto que o acórdão exeqüendo já fixara determinado valor como sendo o justo.
Em matéria de desapropriação, vale observar, a meu entender, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não acolhe a invocação de coisa julgada, para que se possa atingir a meta da indenização justa.
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Isso ficou meridiano, quando se debateu amplamente a possibilidade de aplicar a ,nova lei sobre correção monetária aos processos de desapropriaçàÓ, em que já existia sentença trânsita em julgado. Nem se diga que, afinal, a conclusão decorreu da circunstância de a lei estabelecer que, em qualquer momento, seria possível aplicar-se a correç~o monetária. Se houvesse afronta ao princípio constitucional da coisa julgada, a determinação da lei da correção monetária não poderia evidentemente prosperar.
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, ao se inclinar pela aplicação da lei, determinando-se a correção monetária, mesmo em relação aos processos com decisões transitadas em julgado, em primeiro lugar, teve em conta o princípio também constitucional da justa indenizaçao a ser garantida ao Expropriado.
O Sr. Ministro Paulo Távora: V. Exa. me permite?
O Sr. Ministro José Néri da Silveira: Com prazer.
O Sr. Ministro Paulo Távora: O Supremo Tribunal, antes de institucionalizar-se a correção monetária, resolvia o problema do aviltamento das indenizações, provendo o recurso extraordinário a fim de determinar nova avaliação. Quando havia, entretanto, coisa julgada no processo expropriatório, admitia o cabimento de ação ordinária para obter reparação do desajuste por atraso imputável ao expropriante.
A desapropriação tem como causa de pedir um ato lícito, a declaração de utilidade pública. A demora excessiva no pagamento, com degradação do valor aquisitivo da moeda, constitui causa de pedir distinta, de perdas e danos. A analogia que Vossa Excelência invoca, com a correção monetária, permita-me não aceitar a p~emissa porque a atualização nada mais é do que nova ex-
pressão nominal do dinheiro. Tratase de alteração do padrão de troca. A lei que estabelece o curso forçado da moeda para atribuir-lhe valor x pOde em momento posterior, elevar a relação para x + y. A aplicação da correção monetária aos números da sentença irrecorrível. não informa seu valor intrínseco nem a coisa jUlgada. Modifica-se apenas a tradução pecuniária do passado para o presente. Já a nova avaliação afeta o núcleo do decreto judicial porque contempla fatores de estimativa diferentes da época do trânsito em julgado.
Agradeço a atenção do Sr. Ministro José Néri da Silveira. Como o julgamento se iniciou há alguns meses, penso que o esclarecimento pode contribuir para a rememoração dos termos em que, como Relator, apreciei a questão.
O Sr. Ministro Aldir Passarinho (Aparte): O processo de desapropriação tem feição própria. O art. 20 diz que: "A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta". Portanto, fora a questão da nulidade, o objetivo cerne de urna ação de desapropriação é a questão do valor do bem expropriado. Assim, transferindo-se para a fase de execução a discussão sobre o preço, na verdade, se está renovando o processo na fase de execução, porque a discussão versará, novamente, sobre o preço, o que me parece realmente incabível.
O Sr. Ministro José Néri da Silveira: A resposta a ambos os apartes já consta do que anteriormente disse. A Lei da Correção Monetária, ao contrário do que sustenta o Sr. Ministro Paulo Távora, data venia, sem querer insistir, no particular, porque sempre respeito a lucidez dos votos de Sua Excelência, não parece, por sí só, bastante a afastar, realmente, a dificuldade que naqueles casos
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existiria, em face da coisa julgada. Os acórdãos haviam estabelecido o valor certo para a indenização dos bens, em decorrência do processo expropriatório. Cumpria, pois, executar o acórdão, assim como nele estabelecido. Dessa maneira, se se admitiu que é válida a norma da Correção monetária, não atentando, portanto, côntra o princípio constitucional da coisa julgada, nos processos em que o preço já estava fixado anteriormente, parece, com igual razão, flagrante, como se entremostra aqUi, a injustiça da indenização, nos termos em que seria entregue o preço discutido nos autos, que também se possa dar a solução que o acórdão embargado acolheu, qual seja, desde logo, determinar, em fase de execução, uma nova avaliação, para que o preço a ser pago, o qual a Constituição exige que seja justo, se revele, de fato, atualizado. Se, desde logo, se ressalva a possibilidade de o Expropriado, numa complexa e morosa ação, vir pedir essa complementação, que naturalmente ainda será mais onerosa para o Poder expropriante, em devendo pagar este valor com os acréscimos decorrentes do tempo, por que, então, de imediato, não dar a solução que o principio constitucional da justidade da indenização está a exigir?
Se a dificuldade resultaria da coisa julgada, - em matéria de desapropriação, em face da precedente orientação do Alto Tribunal, quanto à lei da correção monetária, cumpre tê-la como contornada.
Assim sendo, com essas brevíssimas considerações, ponho-me de acordo com o voto do ilustre Ministro Carlos Mario Velloso, rejeitando os embargos, para também ficar com os fundamenos do voto vencedor na Turma, da lavra do eminente Ministro Moacir Catunda, que, à sua vez, invocou precedente da colenda 2~ Turma, na Apelação Cível n? 42.785, de Mato Grosso, de que foi
Relator o Sr. Ministro Amarílio Benjamim.
Rejeito os embargos.
VOTO
O Sr. Ministro Jarbas Nobre: Nesta altura da votação em que as correntes estão perfeitamente caracterizadas, adiro àquela sustentada pelo Ministro Carlos Mário Velloso e agora explicitada pelo Ministro José Néri da Silveira.
Rejeito os embargos.
VOTO VOGAL
O Sr. Ministro Lauro Leitão: O direito de propriedade tem sido assunto polêmico ao longo dos tempos.
Na técnica do Direito, domínio e propriedade são expressões que se equivalem.
A propriedade não é sagrada, como afirmava a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Deve sujeitar-se às limitações exigidas pelo bem comum.
A propriedade foi assim definida pelos romanistas:
«Dominium est jus utendl, fruend! et abutend! re sua quante~us jurls ratio patit~)
O seu uso, então, já estava subordinado ao bem comum.
Desde o ImpériO, as nossas Constituições vêm assegurando este direito fundamental.
O Código Civil Brasileiro, por outro lado, assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor dos seus bens, e de reavê-los do poder de quem injustamente os possua.
Com a industrialização dos países mais adiantados, grandes transformações se operaram na ordem econômica, surgindo, em conseqüência, novos critérios para a distribuição das riquezas.
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Por isso, foi mister que se adaptasse o conceito jurídico de propriedade às novas realidades sociais, notadamente depois da Grande Guerra de 1914-1918.
A ConstitUição Alemã de Weimar, por exemplo, já limitava o direito de propriedade, estabelecendo que ele também acarretava deveres ao proprietário.
A Constituição do Brasil, de 1934, garantia o direito de propriedade, que não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo.
A doutrina dos direitos sociais, pois, não considera o proprietário como titular de um direito absoluto sobre determinada coisa, quando esta for útil à coletividade.
O proprietário tem, pois, hoje, a obrigação de fazer seus bens produzirem sob pena de serem os mesmos desapropriados pelo Poder Público, na forma que a lei prescrever, para que atinjam a sua finalidade social.
A nossa Constituição atual, como as anteriores, permite a desapropriação, pelo Poder Público, da propriedade particular, mas mediante préVia e justa indenização em dinheiro. Isto no que tange à desapropriação de modo geral.
Quanto, porém, à desapropriação da propriedade territorial rural, para efeito de reforma agrária, por interesse social, só a União Federal pode efetivá-la, mediante pagamento de justa indenização, fixada segundO os,critérios que a lei estabelecer, em títulos espeCiais da dívida pública, éom a cláusula da exata correção monetária, sendo que as benfeitorias úteis e necessárias são sempre indenizadas em dinheiro.
Isto significa que, se um Estadomembro ou um MunicípiO quiserem promover a desapropriação da propriedade territorial rural, para efeito de reforma agrária, poderão fazêlo, mas mediante préVia e justa indenização em dinheiro.
Essa transferência, como se disse, deve ser indenizada pelo justo valor, para evitar que uma pessoa só arque com o preço do bem que irá beneficiar uma coletividade.
A indenização é que distingue a desapropriação do confisco.
O interesse social, como fundamento da desapropriação, no Brasil, passou a ser reconhecido na Constituição Federal de 1946.
O fundamento da desapropriação influi sobre a forma de indenização.
O Judiciário, consoante a jurisprudência, não pode discutir se há, no caso, necessidade, utilidade pública ou interesse social. É essa uma apreciação política que cabe ao Executivo e ao Legislativo.
Isto posto, no caso sub judice, é aconselhável que se realize nova avaliação, com vistas à fixação do justo preço, para que se atenda ao mandamento constitucional.
Convém frisar, por outro lado, que a decisão que determinou nova avaliação, face ao espaço de tempo decorrido, não ofende a coisa julgada.
Destarte, data vénia, acompanho o voto do Eminente Ministro Carlos Mário Velloso.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Madeira: Rejeito os embargos, com os fundamentos do voto do Sr. Ministro Carlos Mário da Silva Velloso e os suplementos não menos brilhantes do Sr. Ministro Néri da Silveira.
VOTO
O Sr. Ministro Evandro Gueiros Leite: Sr. Presidente, meu voto é de adesão ao pronunCiamento do eminente Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, ao qual acrescentarei apenas a segUinte ponderação. Deve-se reiterar a avaliação para adequar a hipótese ao art. 153, § 23, da Consti-
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tuíção Federal, tanto mais que se cogita de mera execução de sentença. nos próprios autos da ação. como reparação pelo seu atraso, independentemente da vontade da Expropriada, mas por Culpa do poder Expropriante e com indiscutível lesão, sabendose, ademais, que a nova avaliação importará em indiscutível atualização do valor real dos bens expropriados, procedimento que se vem impondo em precedentes dos nossos Pretórios, inclusive do Supremo Tribunal Federal.
Rejeito, pois, os embargos, tanto mais para segurar o Expropriado do risco de mais tarde ter de enfrentar um processo autônomo, ai, sim, sob o peso de possível alegação da coisa julgada. como elemento negativo da validade do novo processo.
VOTO
O Sr. Ministro Washington Bolívar de Brito: Acompanho o voto do Sr. Ministro Carlos Mário Venoso, com os suplementos do voto do Sr. Ministro Néri da Silveira.
Rejeito os embargos, data venia.
VOTO VOGAL
O Sr. Ministro Antônio Torreão Braz: Senhor Presidente, rejeito os embargos nos termos do voto do Sr. Ministro Carlos Mário Venoso que adoto integralmente.
VOTO
O Sr. Ministro AmariHo Benjamin: Renovado o relatório, como se acha, devem votar todos os Ministros que estiverem presentes.
Nestas condições, acho que devo manifestar-me, e assim, profiro meu voto no sentido de rejeitar os embargos, de acordo com a orientação que adotei na Apelação Cível n? 42.785-MT, já mencionada, aliás, pelOS ilustres colegas que estão seguindo a
fórmula, de mandar fazer nova avaliação no caso dos autos.
VOTO O Sr. Ministrol Márcio .Ribeir<.?: Sr.
Presidente, o Siesapropnado nao se contenta com a correção monetária. No caso, trata-se de execução. Portanto, a sentença que julgara a desapropriação havia transitado em julgado, não cabendo nova avaliação porque não se sabe de quem a culpa pela demora.
Examinamos neste plenáriO caso semelhante, de uma ação de indenização por danos de guerra, provenientes da Revolução de 1893 no Rio Grande do siú, mas nesse precedente, a demora ocorrera devido a um engano: o recolhimento dos autos ao arquiVO do Supremo Tribunal Federal. Ficou patenteado que se tratava, realmente, de embaraço jUdicial. Julguei os embargos. A Turma tinha declarado a inexistência de preliminares do julgamento. Fomos ao mérito da causa.
o
N a espéCie o processo ficou no gabinete do Procurador. Então, nem embaraço judicial, a meu ver, . ficou comprovado, porque qualquer das partes poderia ter promovido o andamento da execução.
Pode-se admitir, portanto, que a aesapropriada não recebeu a indeni'zação (pelo valor da época) por culpa própria.
Pelo menos, temos assunto para uma nova demanda, de indenização por ato ilícito.
Renovar ou fazer uma nova avaliação contra a coisa julgada não me parece possível.
Assim, ponho-me de acordo com o Sr. Ministro Relator e com o Sr. Ministro Paulo Távora.
VOTO
O Sr. Ministro Moacir Catunda: Sr. Presidente, rejeito os embargos nos
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termos de votos proferidos na Turma, de acordo com os acréscimos dos Srs. Ministros Carlos Mário venoso e José Néri da Silveira.
EXTRATO DA ATA ,
EAC 39.153-SC - ReI. Sr. Min. Paulo Távora. Rev. Sr. Min. Aldir Guimarães PassaIjnho. Embgte: União Federal. Embgda.: Massa Falida de Indústria Busatto.
Decisão: Prosseguindo-se no julgamento, rejeitaram-se os embargos, vencidos os Srs. Ministros Relator,
Aldir Guimarães Passarinho, Oscar Corrêa Pina, José Dantas e Márcio Ribeiro. Lavrará o acórdão o Sr. N.Íinistro Carlos Mário Velloso. (Em 1-6-78 - T. Pleno).
Os Srs. Ministros Otto Rocha, Lauro Leitão, Carlos Madeira, Evandro Gueiros Leite, Washington Bolívar de Brito, Antonio Torreão Braz, Amarílio Benj amin, Armando Rolemberg, Moacir Catunda, Décio Miranda, Jósé Néri da Silveira e Jarbas Nobre votaram de acordo com o Sr. Min. Carlos Mário Velloso. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Peçanha Martins.