“O TREM E SUAS CANÇÕES” T -...
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odos conhecem o fascínio que o trem exerce na vida das pessoas. Nas grandes cidades, ou nos locais maisdistantes, desde o tempo da saudosa Maria Fumaça aos dias de hoje, a passagem do trem, com o seutrilhar característico e o apito da locomotiva, invariavelmente nos transporta ao passado, ou para aquela
estação, com a imagem de seus impacientes passageiros em chegada ou partida, trazendo e levando a vida de cadaum, bem como suas histórias, em constantes encontros e desencontros, sob o olhar atento do agente da estação.
Essa magia vem de longa data. Em nosso país, ela se fez notar com mais intensidade no século passado, maisprecisamente nos anos quarenta a sessenta, áureos tempos da ferrovia brasileira.
Tal fascínio se estende aos trens de carga transportando alimentos, combustível, água e muito mais: a esperançade uma vida melhor. Um pouco desse imaginário, bem como da realidade do dia-a-dia, está registrada em versoe prosa e ao som contagiante de músicas inesquecíveis, verdadeiras obras-primas. Com esse propósito destacoalgumas delas, que por si dão o recado.
Pois bem, ficaram para trás:lembranças, trilhos arrancados,estações esquecidas e o velhomaquinista; tal como ocompositor e cantor mineiroMilton Nascimento, em seu discoMinas, lançado em 1975, comparceria do também mineiroFernando Brant. Ambosfotografaram o que viram, emverso e em tom nostálgico, namúsica “Ponta de Areia”:
Ponta de Areia ponto finalDa Bahia-Minasestrada natural
Que ligava Minasao porto, ao marCaminho de ferro
mandaram arrancarVelho maquinista
com seu bonéLembra o povo alegre
que vinha cortejarMaria-fumaçanão canta mais
Para moças, flores,janelas e quintais
Na praça vazia um gritoCasas esquecidas
viúvas nos portais.
Embarcando no trem, os mes-mos Mi lton Nascimento eFernando Brant, chegaram emuma estação com muitos “En-
contros e Despedidas”:
Mande notícias Do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço Venha me apertar
Tô chegando...Coisa que gostoé poder partir
Sem ter planos Melhor ainda é poder voltar
Quando quero...Todos os dias é um vai-e-vem A vida se repete na estação
Tem gente que chega prá ficar Tem gente que vai Prá nunca mais...
Tem gente que vem e quer voltar Tem gente que vai, quer ficar Tem gente que veio só olhar Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir...São só dois lados
Da mesma viagem O trem que chega É o mesmo trem
Da partida...A hora do encontro
É também, despedida A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar É a vida desse meu lugar
É a vida...
“O TREM E SUAS CANÇÕES”
Tais encontros e desencontros, oleva e trás dos trens, contado pelopróprio trem, com final bemhumorado, fazem parte da canção“Trenzinho”, composta porToquinho e Mutinho:
Corro o tempo inteiroE nunca tenho muito tempo pra
pararSempre e tanta gente pra partir
Igualmente pra chegarFaço encontros cheios de
emoções...Sempre o mesmo trilho a
percorrerE o velho tic, tic, tic, ticNum eterno leva e trás
Isso não tem fimJá não aguento maisComo se eu corresse
Na minha frenteE também viesse atrás...
Na linha romântica, o coraçãoficou batendo parado “Naque-
la Estação”. É o que diz a com-posição de João Donato, Caeta-no Veloso e Ronaldo Bastos. Amúsica, mais conhecida na vozde Adriana Calcanhoto, fala dealguém que partiu para ver ou-tras paisagens:
Você entrou no trem E eu na estação
Vendo um céu fugir Também não dava mais
Para tentar Lhe convencer A não partir...
“Ficaram paratrás: lembranças,
trilhos arrancados,estações esquecidas
e o velhomaquinista.”
T
E agora, tudo bem Você partiu
Para ver outras paisagens E o meu coração embora
Finja fazer mil viagens Fica batendo parado Naquela estação...
Quem nunca cantou ou ouviu oinesquecível “Trem das Onze” deAdoniram Barbosa? A música foiimortalizada pelo grupo paulistaDemônios da Garoa.
...Não posso ficarNem mais um minuto com você
Sinto muito, amorMas não pode serMoro em Jaçanã
Se eu perder esse tremQue sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã...
Ainda na vertente romântica, ZéRenato, Juca Filho e Claudio Nucci,à época, componentes do GrupoBoca Livre, compuseram “Toada”,tendo o trem como coadjuvante:
Vem morena,ouvir comigo essa cantiga
Sair por essa vida aventureiraTanta toada eu trago na vida
Pra ver você mais felizEscuta o trem de ferro
alegre a cantarNa reta da chegada
pra descansarNo coração sereno
da toada...
Já chorei na estrada da vidaEsquecido no último trem
Procurando emestradas perdidas
Os pedaços do meuquerer bem...
A paixão que enlouqueceos meus dias
Adormece nos olhos de alguémAmanhece na minha alegriaE anoitece no último trem...
Da série: o trem e o trabalhador;destaca-se a composição de ChicoBuarque “Pedro Pedreiro”, naqual a canção, em seu final,música e letra, em perfeitaharmonia, lembram o movimentoe o som do trem nos trilhos: “quejá vem, que já vem, que já vem...”:
Pedro Pedreiro penseiroesperando o tremManhã, parece,
carece de esperar tambémPara o bem de quem tem bem
De que não tem vintém...Esperando, esperando,
esperandoEsperando o sol
Esperando o tremEsperando aumento
para o mês que vem...Que a esperança aflita,
bendita, infinitaDo apito do trem
Pedro Pedreiro penseiroesperando
Pedro Pedreiro penseiroesperando
Pedro Pedreiro penseiroesperando o trem
Que já vem, que já vem,que já vem, que já vem...
Na mesma série insere-se: o “O
Trem Atrasou”, música e letra deV ilarinho, Estanislau Silva ePaquito. Na composição, osautores referem-se à Estrada deFerro Central do Brasil, ou seja, aCentral:
Patrão o trem atrasouPor isso estou chegando agora
Trago aqui um memorandumda Central
O trem atrasou meia horaO senhor não tem razãoPra me mandar embora
Inspirando-se em um trabalhador,também estudante, Martinho daVila, compôs a letra e música do“O Pequeno Burquês”. Otrabalhador-estudante, queviajava de trem, passou novestibular, mas não tinha dinheiropara pagar a faculdade, que eraparticular:
...Morei no subúrbioAndei de trem atrasadoDo trabalho ia pra aula
Sem jantar e bem cansado...Mas felizmente
Eu consegui me formarMas da minha formaturaNem cheguei a participarFaltou dinheiro para becaE também pro meu anel
Nem o diretor carecaEntregou o meu papel
O meu papel, meu canudode papel.
Mais uma do Chico Buarque,vinculando o trem à vida simplesdos subúrbios, em “Gente
Humilde”:
Tem certos diasEm que penso em minha gente
E sinto assimTodo o meu peito apetar
Quando eu passo no subúrbioEu muito bem
Vindo de trem de algum lugarE aí me dá como inveja
dessa genteQue vai em frente
Sem nem ter com quem contar
Raul Seixas não podia ficar de fora.Em sua composição “O Trem das
sete”, descreveu, em sua visão,um poderoso e enigmático trem:
Ói, ói o tremVem surgindo detrásdas montanhas azuis,
“Quem nuncacantou ou ouviuo inesquecível
‘Trem das Onze’de Adoniram
Barbosa.”
Os versos de Raimundo Fagner eFausto Nilo, retratam a paixão dealguém que fora esquecido no“Ultimo Trem”:
olha o tremÓi, e o trem
Vem trazendo de longeas cinzas do velho eon
Ói, já vemNão precisa passagemnem mesmo bagagem
no tremQuem vai chorar?Quem vai sorrir?Quem vai ficar?
Quem vai partir?Pois o trem está chegandoTá chegando na estação.
É o trem das 7 horasÉ o último do sertão...
O trem virou expresso e saiu daCentral do Brasil pra depois doano dois mil. “Expresso 2222”,letra e música de Gilberto Gil, emuma visão futurista, à época dacomposição.
...Começou a circularo Expresso 2222
Da Central do BrasilQue parte diretode Bonsucesso
Pra depois do ano 2000Dizem que tem muita
gente de agoraSe adiantando,partindo pra lá
Pra 2001 e 2 e tempo afora...
E o clássico: “O trenzinho do
Caipira”? Claro, não pode seresquecido. É “Sua Majestade oTrem” personificado em músicade Heitor Villa Lobos, com poemade Ferreira Gullar:
Como eu não sei rezarSó queria mostrar
Meu olhar, meu olhar,meu olhar
Sou caipira, pirapora nossaSenhora de Aparecida
Ilumina a minaescura e funda
O trem da minha vida
E a Rede Ferroviária Federal S.A. -RFFSA, onde foi parar? Na letra emúsica dos gaúchos e Kleiton &Kledir, que conta a façanha de umnoivo viajando em uma “Maria
Fumaça”, título da música:
...Essa Maria Fumaça é devagar,quase parada
Ô seu foguista, bota fogo nafogueira Que essa chaleira tem
que tá sexta-feiraNa estação de Predo Osório,
sim senhorSe esse trem nãochega a tempovou perder meu
casamento...Dá-lhe apito e manivela,passe sebo nas canelasSeu maquinista eu voutirar meu pai da forcaPor que não joga essemuseu no ferro velho
E compra logo um tremmoderno japonês?...
Se por acaso eu não casarAlguém tem que indenizarE é o presidente dessa tal
RFFSA, RFFSA, RFFSA, RFFSARFFSA, RFFSA, RFFSA, RFFSA.
Pois bem, chega de saudade. Ih, essa frase dá outra história, mas fica para a próxima.
Desculpem-me os poetas, músicos e tantos outros artistas, e são muitos, que se inspiraram notrem, inclusive inúmeros ferroviários, mas procurei relembrar, em síntese, por meio desta matéria,os sucessos musicais mais conhecidos que abordam o tema.
Não poderia deixar de registrar minhas sinceras homenagens aos ferroviários, herdeiros diretos damagia do trem, do seu apito, daquela estação, do velho maquinista, da FEPASA e da RFFSA, e de tudomais que foi cantado e escrito em verso e prosa sobre a ferrovia. Por tudo que os ferroviáriosconstruíram e continuam a fazê-lo merecem a admiração e o respeito de todos. Parabéns a eles.
Saudações ferroviárias!
Flavio Rabello.
Engenheiro da extinta RFFSA
Lá vai o trem com o meninoLá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destinoCidade e noite a girar
Lá ai o trem sem destinoPro dia novo encontrarCorrendo vai pela terra
Vai pela serraVai pelo mar
Correndo pela serra do luarCorrendo entre as estrelas a voar
No ar, no ar, no ar.
E o trem e o misticismo religioso?Então: “Romaria” de RenatoTeixeira, muito conhecida nainterpretação da saudosa ElisRegina, fala da fé de um caipiraque não sabe rezar:
...Sou Caipira, Pirapora nossaSenhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e fundaO trem da minha vidaMe disseram porémQue eu viesse aqui
Pra pedir de romaria e precePaz nos desaventos
“E a RedeFerroviária
Federal S.A. -RFFSA, ondefoi parar?”