O TRATADO DE LISBOA: UMA EUROPA MAIS SEGURA NO...

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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 4 | julho de 2015 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA JULHO 2015 4 O TRATADO DE LISBOA: UMA EUROPA MAIS SEGURA NO SÉCULO XXI? THE TREATY OF LISBON: A SAFER EUROPE IN THE 21ˢͭ CENTURY LUÍS MIGUEL DA LUZ ALMEIDA DOS REIS Mestrando em Direito e Segurança RESUMO Este trabalho aborda o Tratado de Lisboa na área da segurança, enquadrado na unidade curricular Sistema de Defesa Nacional do Mestrado em Direito e Segurança da Universidade Nova de Lisboa. PALAVRAS-CHAVE Europa, Democracia, Segurança e Justiça ABSTRACT This essay is an approach to The Treaty of Lisbon in the area of security, within the curricular unit of National Defense System from the Master in Law and Security of Nova University of Lisbon.

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DIREITO, SEGURANÇA E

DEMOCRACIA

JULHO

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Nº 4

O TRATADO DE LISBOA: UMA EUROPA MAIS SEGURA NO SÉCULO XXI? THE TREATY OF LISBON: A SAFER EUROPE IN THE 21ˢͭ CENTURY LUÍS MIGUEL DA LUZ ALMEIDA DOS REIS Mestrando em Direito e Segurança RESUMO

Este trabalho aborda o Tratado de Lisboa na área da segurança, enquadrado na

unidade curricular Sistema de Defesa Nacional do Mestrado em Direito e Segurança da

Universidade Nova de Lisboa.

PALAVRAS-CHAVE Europa, Democracia, Segurança e Justiça

ABSTRACT This essay is an approach to The Treaty of Lisbon in the area of security, within the

curricular unit of National Defense System from the Master in Law and Security of Nova

University of Lisbon.

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DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA

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KEYWORDS Europe, Democracy, Security and Justice

Introdução

O Tratado de Lisboa - Fundamentos, negociação e assinatura

Após décadas de conflitos em que morreram milhões de pessoas, a fundação da

União Europeia assinalou o início de uma nova era em que os países europeus resolvem

os seus problemas através da negociação e não da guerra. Hoje mais do que nunca, num

mundo globalizado e em constante mudança, a Europa do século XXI deve fazer face a

novos desafios que não conhecem fronteiras, tais como a crise económica, as alterações

climáticas, o desenvolvimento sustentável, a segurança energética e a luta contra a

criminalidade transfronteiriça internacional. O mundo está a mudar rapidamente e a União

Europeia tem potencialidades para resolver estes problemas, mas só o poderá fazer

melhorando o seu funcionamento, modernizando-se, renovando as regras de vida em

comum dos Estados Membros. Os Estados Membros que redigiram o Tratado de Lisboa

reconheceram que os tratados em vigor não dotavam a União Europeia dos instrumentos

necessários para fazer face a estes desafios e dar resposta a esta evolução. É pois esse

o objectivo do Tratado assinado em Lisboa a 13 de Dezembro de 2007 e que entrou em

vigor em 1 de Dezembro de 2009, pondo termo a vários anos de negociações sobre

questões institucionais e que veio concluir o processo de reforma iniciado com os acordos

de Amesterdão (1999) e Nice (2001) - facilitar a condução das relações exteriores da

União Europeia, reduzir a complexidade de procedimentos decisórios e reforçar a

legitimidade democrática das suas instituições deliberativas. Os fundamentos deste

tratado foram lançados a partir de 2001, quando foi negociado um projecto de

Constituição para a Europa, com o objectivo de aprimorar o funcionamento da União

Europeia e simplificar o Direito Comunitário por meio da consolidação do emaranhado de

tratados num único texto. Com isso, buscava-se possibilitar o alargamento do bloco para

a Europa do Leste. O projecto fracassou em 2005, diante da rejeição de franceses e

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holandeses, consultados em referendo popular. Posteriormente, decidiu-se optar por uma

proposta reformadora menos ambiciosa. As negociações foram novamente retomadas em

2007, mas, desta vez, adoptou-se a estratégia de eliminar a nomenclatura constitucional

do documento. Segundo a nova fórmula, seriam mantidos em vigor os tratados de Roma

(1957) e Maastricht (1992), cujos dispositivos seriam emendados. Diferente na forma, o

Tratado de Lisboa, foi concebido para abarcar a maior parte dos elementos substanciais

que compunham o fracassado projecto de Constituição para a Europa. Após a assinatura

do documento em Lisboa, no final de 2007, durante o exercício da Presidência do

Conselho da União Europeia por Portugal, seguiu-se um conturbado processo de

ratificação. Novas rejeições em consultas populares – desta vez na Irlanda – retardaram a

conclusão das ratificações a Novembro de 2009. O Tratado de Lisboa é assim fruto de

negociações entre Estados Membros, reunidos em Conferência Intergovernamental, em

cujos trabalhos participaram a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu. Os Chefes de

Estado e de Governo chegaram a acordo sobre novas regras que regem o alcance e as

modalidades da acção futura da União Europeia. Assim, o Tratado de Lisboa permite

adaptar as instituições europeias e os seus métodos de trabalho, reforçar a legitimidade

democrática da União Europeia e consolidar a base dos seus valores fundamentais. O

Tratado foi finalmente ratificado por cada um dos 27 Estados Membros (actualmente 28,

com a adesão da Croácia em 2013). Neste trabalho serão brevemente descritas as

principais disposições do Tratado de Lisboa, tratando de forma mais detalhada os

aspectos que dizem respeito à segurança, com o objectivo de procurar responder à

questão sobre se o Tratado possibilitará ou não uma Europa mais segura no Século XXI.

Capítulo I – Principais disposições do Tratado de Lisboa

Um dos principais objectivos da Europa é o de preservar os seus valores como uma

sociedade aberta, incluindo o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais,

respondendo simultaneamente às ameaças crescentes e diversificadas em matéria de

segurança. O Tratado de Lisboa define claramente os objectivos e valores da União

Europeu: paz, democracia, respeito pelos direitos humanos, justiça, igualdade, Estado de

direito e sustentabilidade. A União Europeia compromete-se nos termos do Tratado a:

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- Proporcionar à população um espaço de liberdade, segurança e justiça, sem

fronteiras internas;

- Trabalhar a favor de um desenvolvimento sustentável da Europa, baseado num

crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social

de mercado altamente competitiva, que promova o pleno emprego e o progresso social,

juntamente com um elevado nível de protecção do ambiente;

- Combater a exclusão e a discriminação social e promover a justiça e a protecção

social;

- Promover a coesão económica, social e territorial e a solidariedade entre os

Estados-Membros;

- Manter o compromisso da união económica e monetária, com o euro como moeda;

- Defender e promover os valores da União Europeia no mundo em geral e contribuir

para a paz, a segurança e o desenvolvimento sustentável na Terra, a solidariedade e o

respeito entre os povos, o comércio livre e justo e a erradicação da pobreza;

- Contribuir para a protecção dos direitos humanos, nomeadamente os direitos da

criança, bem como para uma observância estrita e o desenvolvimento do direito

internacional, incluindo o respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas.

São estes os grandes objectivos para a realização dos quais o Tratado de Lisboa

deve fornecer à União Europeia os necessários instrumentos.

a) Mais democracia, mais abertura, mais transparência

A Carta dos Direitos Fundamentais

O Tratado de Lisboa especifica e reforça os valores e objectivos democráticos que

orientam a União. Além de serem uma referência para os cidadãos europeus, estes

valores pretendem mostrar ao resto do mundo o que a Europa tem para oferecer. O

Tratado consagra também direitos existentes e cria novos direitos. Em especial, garante

as liberdades e os princípios estabelecidos na Carta dos Direitos Fundamentais e confere

um carácter juridicamente vinculativo às suas disposições. Consagra os direitos civis,

políticos, económicos e sociais e protege e reforça a liberdade política, económica e

social dos cidadãos europeus. Isto significa que quando a União Europeia propõe e aplica

legislação, deve respeitar os direitos enunciados na Carta, e o mesmo devem fazer os

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Estados Membros quando aplicam a legislação da União Europeia. Os direitos de que

todos devem gozar incluem a protecção dos dados pessoais, o direito de asilo, a

igualdade perante a lei e a não discriminação, a igualdade entre homens e mulheres, os

direitos da criança e dos idosos e direitos sociais importantes como a protecção contra os

despedimentos sem justa causa e o acesso à segurança social e à assistência social. O

Tratado permite que a União Europeia defenda melhor os interesses dos seus cidadãos,

dando-lhes uma palavra a dizer nas questões europeias, em várias áreas políticas de

grande importância, por exemplo, na área da liberdade, segurança e justiça, com

destaque para o combate ao terrorismo e à criminalidade. São igualmente abrangidas

outras áreas como a política energética, a saúde pública, a protecção civil, as alterações

climáticas, os serviços de interesse geral, a investigação, o espaço, a coesão territorial, a

política comercial, a ajuda humanitária, o desporto, o turismo e a cooperação

administrativa. A Carta tem força jurídica vinculativa, competindo ao Tribunal de Justiça

assegurar o cumprimento das suas disposições. No Reino Unido e na Polónia foi

celebrado um protocolo que estabelece que a Carta não alarga as competências do

Tribunal de Justiça ou dos respectivos tribunais nacionais para apreciarem a

conformidade das respectivas leis com os direitos fundamentais. Os Estados Membros

assinaram a Carta em 2000, mas ainda não faz parte dos Tratados actualmente em vigor.

A Iniciativa de Cidadania Europeia

Através de um novo instrumento, a Iniciativa de Cidadania Europeia, que entrou em

vigor a 1 de Abril de 2012, o Tratado de Lisboa reconhece o direito de iniciativa dos

cidadãos europeus, em que passa a ser possível que um milhão de pessoas (numa

população de 500 milhões de habitantes da União Europeia) de diferentes Estados

Membros possam dirigir à Comissão Europeia uma petição para que apresente novas

propostas políticas, dando pela primeira vez aos cidadãos a possibilidade de participarem

directamente no processo de decisão legislativo da União Europeia. Para melhorar a

informação sobre a forma como são tomadas as decisões na UE, as reuniões do

Conselho de Ministros em que sejam analisados e votados projectos legislativos passarão

a ser públicas. O Tratado aumenta o número de domínios em que o Parlamento Europeu

partilha o poder de decisão com o Conselho de Ministros, o que reforça o seu papel. Os

eurodeputados, eleitos directamente pelos cidadãos, terão muito mais influência no

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processo legislativo e no orçamento da EU, bem como no que diz respeito aos acordos

internacionais. O recurso mais frequente à co-decisão no processo de decisão política

coloca o Parlamento Europeu praticamente em pé de igualdade com o Conselho. Nos

respectivos países, os parlamentos nacionais terão também mais oportunidades de

participar directamente no processo de decisão da União Europeia. Um novo mecanismo

assegura que a União só intervém nos casos em que a sua intervenção permita obter

melhores resultados do que uma intervenção a nível nacional (subsidiariedade). Em

conjunto com o maior peso do Parlamento Europeu, a participação dos parlamentos

nacionais reforça a democracia e confere uma legitimidade acrescida ao funcionamento

da União. Em suma, passa a existir uma classificação mais precisa das competências,

que permite uma maior clarificação da relação entre os Estados Membros e a União

Europeia. E, pela primeira vez, o Tratado de Lisboa reconhece explicitamente a

possibilidade de um Estado Membro sair da União.

b) Um processo de decisão mais rápido e mais eficiente

O Tratado de Lisboa simplifica os processos de decisão da União Europeia. No

Conselho de Ministros, é alargada a votação por maioria qualificada, em vez das decisões

tomadas por unanimidade, o que contribuirá para acelerar e conferir mais eficiência à

acção. A votação por maioria qualificada significa que, as decisões do Conselho de

Ministros deverão ser apoiadas por 55% dos Estados Membros, representando pelo

menos 65% da população europeia. Este sistema confere uma dupla legitimidade às

decisões. Em domínios políticos importantes como a fiscalidade e a defesa continuará,

contudo, a ser exigido o voto por unanimidade. Aplicar-se-ão regras estritas a todas as

propostas de utilização do sistema de votação por maioria qualificada em novos domínios

políticos. Todos os Estados Membros devem concordar com essa alteração e os

parlamentos nacionais terão direito de veto. O Tratado de Lisboa cria ainda a função de

Presidente do Conselho Europeu, com um mandato de dois anos e meio, e introduz uma

relação directa entre a eleição do Presidente da Comissão e os resultados das eleições

europeias. O Tratado prevê novas disposições para a futura composição do Parlamento

Europeu e introduz regras mais claras no que se refere ao reforço da cooperação e às

disposições financeiras. Pretende-se uma Europa mais eficiente, com regras de votação e

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métodos de trabalho simplificados, instituições modernas e um funcionamento mais

racional, adaptados a uma União Europeia com 28 Estados Membros e maior capacidade

de intervenção nas áreas prioritárias de hoje.

c) O compromisso de realização da União Económica e Monetária

A União Económica e Monetária é um objectivo central da União Europeia, uma

força vital para assegurar o regresso da Europa à prosperidade e ao pleno emprego. A

União Europeia e os Estados Membros no seu conjunto comprometeram-se no Tratado a

contribuir com financiamentos no montante de 200 mil milhões de euros para estimular a

economia comunitária na crise financeira actual. O Tratado formaliza ainda o estatuto do

Banco Central Europeu, consagrando-o como uma instituição da União Europeia.

d) Política Social

O Tratado de Lisboa reforça os objectivos sociais da União Europeia e prevê que,

em todas as suas políticas e acções, a União terá em conta a promoção de um nível

elevado de emprego.

É reconhecido o papel essencial de serviços económicos como os transportes

públicos, as telecomunicações, os serviços postais e o fornecimento de gás e

electricidade. O papel da União Europeia nestes domínios é limitado, deixando aos

Estados Membros muito espaço de manobra para disponibilizarem, manterem em

funcionamento e organizarem os serviços, de modo a dar uma reposta eficaz às

necessidades nacionais. A União Europeia deve abster-se de acções que interfiram com

o papel dos Estados Membros no domínio da prestação de serviços de interesse geral

como os serviços de saúde, os serviços sociais, a educação, a polícia e as forças de

segurança. Os salários, o direito de associação e as disposições que regulam o direito à

greve são da competência dos Estados Membros.

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e) Mais segurança para todos

A União Europeia tem agora mais capacidade para intervir nas áreas da liberdade,

segurança e justiça e, por conseguinte, para lutar contra o crime e o terrorismo. As novas

disposições em termos de protecção civil, ajuda humanitária e saúde pública têm

igualmente como objectivo reforçar a capacidade de reacção da União em caso de

ameaça contra a segurança dos cidadãos europeus.

Capítulo II – Resoluções em matéria de segurança

Ao longo da última década temos assistido a uma mudança nas ameaças de

segurança. A luta contra o terrorismo e o crime organizado, a protecção das fronteiras

externas Europeias, a necessidade de preparação para resposta em caso de desastres

naturais e a gestão de crises civis tem vindo a ganhar importância no nosso dia-a-dia. A

segurança interna e externa torna-se cada vez mais inseparável. A resposta a estas

questões requer a utilização de tecnologias modernas que estimulem a preocupação dos

cidadãos. Paralelamente, a Europa precisa de proteger a sua economia e a sua

competitividade contra uma ameaça crescente de perturbação das suas infra-estruturas

económicas de base, nomeadamente os seus activos industriais e as suas redes de

transporte, de energia e de informação. Cooperando e coordenando esforços à escala

europeia, estimulando a cooperação de prestadores de serviços e utilizadores de

soluções de segurança civil, a União Europeia espera poder melhor compreender e dar

resposta aos riscos de um mundo em constante mudança. O Tratado de Lisboa é um

esforço para reforçar o espaço de liberdade, segurança e justiça na Europa, pretendendo

garantir os meios adequados a uma melhor acção conjunta contra o terrorismo e a

criminalidade, dotar a União Europeia de uma efectiva política comum de asilo e

imigração, estabelecer um estatuto uniforme para os refugiados e uma melhor gestão

integrada das fronteiras externas. Pretende-se que os cidadãos europeus fiquem mais

protegidos em resultado de uma melhor cooperação em matéria civil, com vantagens no

reconhecimento mútuo das decisões, na cooperação na obtenção de provas e no acesso

à justiça, ao mesmo tempo que uma melhor cooperação policial e judiciária em matéria

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penal terá repercussões na luta contra o terrorismo, tráfico de drogas e armamentos,

exploração sexual, branqueamento de capitais, corrupção e outras formas de crime

organizado. Com o Tratado, os cidadãos europeus passam a usufruir de maior protecção

consular e diplomática. Reconhecendo as grandes disparidades existentes na União

Europeia no que diz respeito tanto a vontade política em matéria de defesa como a

capacidades militares efectivas, o novo Tratado prevê a criação de cooperações

estruturadas permanentes no âmbito da União entre os Estados membros cujas

capacidades militares preencham os critérios mais elevados e tenham assumido

compromissos mais vinculativos em determinada matéria. Essa cooperação estruturada

está aberta a posteriores adesões de Estados membros que, entretanto, tenham

adquirido capacidade para a integrar e que manifestem vontade de o fazer.

a) Segurança e defesa

O Tratado de Lisboa define mais claramente o papel da União Europeia no domínio

da política externa e de segurança comum. A Europa assume maior protagonismo na

cena mundial através da articulação dos diferentes instrumentos de política externa da

União Europeia, tanto na elaboração como na adopção de novas políticas. O Tratado de

Lisboa permite à Europa assumir uma posição clara nas relações com os seus parceiros e

tirar maior partido das suas vantagens económicas, humanitárias, políticas e diplomáticas

a fim de promover os interesses e valores europeus em todo o mundo, no respeito pelos

interesses individuais dos Estados Membros em matéria de política externa. A criação do

novo cargo de Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de

Segurança e Vice-Presidente da Comissão reforça o impacto, a coerência e a visibilidade

da acção externa da União Europeia.

A Política Comum de Segurança e Defesa

O estabelecimento de uma Política Comum de Segurança e Defesa é talvez o

aspecto mais inovador do Tratado, já que prevê que, por unanimidade, haja uma definição

progressiva de uma política de defesa comum, complementar e não concorrencial com a

Organização do Tratado do Atlântico Norte. Embora a Organização do Tratado do

Atlântico Norte seja responsável pela defesa territorial da Europa, a União Europeia

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adoptou missões de paz e humanitárias. Anteriormente, as missões empreendidas pela

União Europeia no exterior do seu território tinham por objectivo a manutenção da paz, a

prevenção de conflitos e o reforço da segurança internacional, no contexto da Carta das

Nações Unidas. O Tratado alarga as funções da União Europeia de modo a incluir

operações de desarmamento, consultoria e assistência militar e de restabelecimento da

estabilidade na sequência de conflitos. O Tratado prevê que os Estados - Membros

disponibilizem à União Europeia a capacidade civil e militar necessária para aplicar a

Política Externa e de Segurança Comum e define as funções de uma Agência Europeia

de Defesa. Os artigos do Tratado de Lisboa no que se refere à Segurança e Defesa vêm

no seguimento do Tratado Constitucional, sendo esta a secção que gerou mais consenso,

tanto durante a Convenção como nos trabalhos da Conferência Intergovernamental.

O Alto Representante

A par da Política Comum de Segurança e Defesa, a criação do cargo de Alto

Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança

pretende tornar mais coerente toda a acção externa da União, tanto nos vectores políticos

como nos económicos e humanitários, permitindo que o Alto Representante se torne na

voz da Politica Externa de Segurança Comum da União. O Alto Representante assegura

a representação externa da União, tanto em matérias de Politica Europeia de Segurança

Comum da competência do Conselho, como em matérias de Politica Externa e de

Segurança Comum atribuídas à Comissão. O Alto Representante conduz a Politica

Externa de Segurança Comum da União, dispondo para esse efeito de um direito de

iniciativa em matéria de política externa e executa essa política como mandatário do

Conselho de Ministros. O Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a

Politica de Segurança é nomeado (ou destituído) pelo Conselho Europeu deliberando por

maioria qualificada, com o acordo do Presidente da Comissão. O Alto Representante

exerce igualmente a função de Vice-Presidente da Comissão. A este título, faz parte da

Comissão e tal como os demais membros da Comissão, está colegialmente sujeito a um

voto de aprovação do Parlamento Europeu antes de ser investido nas suas funções. Com

base nesta aprovação, a Comissão é nomeada pelo Conselho Europeu, deliberando por

maioria qualificada. Em Novembro de 2009, Catherine Ashton foi nomeada para estrear o

cargo após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, desempenhando a tripla missão de

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Mandatária do Conselho para a Politica Externa e de Segurança Comum, Vice-Presidente

da Comissão para as Relações Externas e Presidente do Conselho dos Negócios

Estrangeiros. Teve a seu cargo a complexa tarefa de estruturar, implementar e

operacionalizar o novo Serviço Diplomático da União Europeia. As 136 Delegações

externas da União Europeia passaram a fazer parte do Serviço Europeu para a Acção

Externa da União, que assiste o Alto Representante no exercício das suas funções e é

uma espécie de Ministério dos Negócios Estrangeiros. O Serviço Europeu para a Acção

Externa é instaurado por uma decisão do Conselho de Ministros, após consulta do

Parlamento Europeu e aprovação da Comissão. É composto por funcionários originários

dos serviços competentes do Secretário - Geral do Conselho de Ministros da Comissão, e

por diplomatas nacionais destacados, trabalhando em colaboração com as redes

diplomáticas dos Estados Membros. Em Agosto de 2014, Federica Mogherina foi

nomeada para o cargo.

A Agência Europeia de Defesa

A nova Politica Comum de Segurança e Defesa ganha expressão através da

Agência Europeia de Defesa, um organismo da União Europeia que passa a ter uma base

de sustentação logística e visa ajudar e promover a coerência em lugar da fragmentação

na capacidade de defesa e segurança da Europa, inclusive no que diz respeito a

armamentos e equipamento, investigação e operações. Prevista inicialmente no artigo III-

212 do Tratado Constitucional, a Agência Europeia de Defesa foi implementada antes do

Tratado de Lisboa e independentemente do chumbo ao Tratado Constitucional, por meio

da Acção Comum do Conselho nº 551 de 12 de Julho de 2004. Consoante o artigo 28 D

do Tratado de Lisboa, compete à agência contribuir na identificação dos objectivos das

capacidades militares dos Estados Membros da União Europeia e avaliar a observância

dos compromissos assumidos por estes nesta área, além de promover a coordenação de

programas executados pelos Estados Membros. A Agência Europeia de Defesa

representa um instrumento fundamental de actuação em três áreas fundamentais: a

sobrevivência (ou seja, protecção de forças); a capacidade de projecção (em particular o

transporte estratégico) e intelligence (ou seja, superioridade de informação). Suprir estas

necessidades e construir um conjunto de capacidades militares autónomas deve constituir

uma prioridade para a política de Defesa Europeia. Não estando as indústrias de defesa

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inseridas no mercado comunitário, é necessário um mecanismo intergovernamental que

regule os mercados e promova uma base industrial comum, fundamental ao

desenvolvimento da política externa e de segurança europeia. É este o papel da Agência

Europeia de Defesa. Ou seja, a promoção da necessária harmonização que permita criar

uma base comum de indústrias de Defesa entre o Estados Membros da União Europeia.

O objectivo final deste esforço, que deve ser conjunto, é a criação de um mercado

europeu de defesa competitivo e capaz.

Cooperação Estruturada Permanente

Segundo o art.28 A, par.6º do Tratado de Lisboa, Os Estados-Membros cujas

capacidades militares preencham determinados critérios e que tenham assumido

compromissos mais vinculativos na matéria tendo em vista a realização das missões mais

exigentes, estabelecem uma cooperação estruturada permanente no âmbito da União.

Essa cooperação rege-se pelo disposto no artigo 46.º. Tal não afecta o disposto no artigo

43.º. A cooperação estruturada permanente cumpre duas tarefas essenciais: primeiro

trata-se de uma oportunidade para o aprofundamento da Política Europeia de Segurança

e Defesa, que permite àqueles Estados Membros que preencham os requisitos mínimos

executarem operações civis ou militares em nome de toda a União Europeia e segundo

permite o desenvolvimento das capacidades militares operacionais dos Estados Membros

da União Europeia. Esta cooperação estruturada permanente é resultado da pressão

exercida por França e Alemanha (apoiados por Bélgica e Luxemburgo) para uma maior

integração na área da defesa dentro da União Europeia. Em 2003, quando a conjuntura

europeia era de divergência entre os Estados Membros da União Europeia por causa da

Guerra do Iraque, os quatro países mencionados acima propuseram a criação de uma

União Europeia de Segurança e Defesa. Esta seria dotada de uma unidade de

planeamento operacional (a ser instalada em Tervuren, na Bélgica) e obrigaria os seus

Membros a uma harmonização das suas posições em matéria de segurança e defesa,

bem como a uma maior coordenação de suas capacidades militares, de investimento e de

compras governamentais no sector da defesa e seria uma espécie de subgrupo de

integração mais profunda no sector da defesa dentro da União Europeia (à semelhança

do que ocorria com a Zona Euro no sector monetário). Paralelamente a isto, decorriam as

negociações do Tratado Constitucional, no âmbito das quais se discutia a inclusão da

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cooperação estruturada permanente. Tanto neste caso quanto no da criação da União

Europeia de Segurança e Defesa, houve muita polémica e controvérsia. Sobretudo entre

os atlanticistas, liderados pelo Reino Unido, que temiam a formação de um “clube

exclusivo” em matéria de defesa dentro da União Europeia, o qual se tornaria um

potencial concorrente da Organização do Tratado do Atlântico Norte no que se refere à

defesa colectiva da Europa. Entre 2003 e 2004 os protagonistas destes factos – França e

Alemanha, favoráveis ao aprofundamento da integração na área da defesa, e Reino

Unido, contrário a tal situação – entraram em consenso. Por um lado, alemães e

franceses reconheceram a importância da participação do Reino Unido em qualquer

iniciativa que aprofundasse a integração no sector; por outro, os britânicos desistiram de

uma oposição ferrenha a partir do momento em que lhes foram dadas garantias de que

não haveria concorrência relativamente à Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Desta forma, embora não se tenha avançado com o estabelecimento da União Europeia

de Segurança e Defesa, criaram-se as condições para a incorporação da cooperação

estruturada permanente no Tratado Constitucional (posteriormente reproduzida no

Tratado de Lisboa). Com este mecanismo, a condução da política de defesa na União

Europeia passa a ser top down – ou seja, liderada pelos Estados Membros dotados de

maior vontade política e capacidade militar. Consequentemente, a implementação dos

benefícios da cooperação estruturada permanente (sobretudo o desenvolvimento das

capacidades militares) é estendida a todos os Estados-Membros da União Europeia. Os

critérios para a participação na cooperação estruturada permanente estão fixados nos

artigos. 1º e 2º do Protocolo 4º ao Tratado de Lisboa. São eles:

A contribuição e participação em forças multinacionais e nas actividades da

Agência Europeia de Defesa com o intuito de desenvolver as suas capacidades de

defesa;

A aquisição de capacidade para, no máximo, fornecer unidades de combate

para missões, organizadas, em termos tácticos, enquanto batalhões, com o apoio

de transporte e de logística, capazes de implementar as missões Petersberg,

accionáveis num período entre 5 e 30 dias, sustentáveis por 30 dias (renováveis

por até 120 dias), destinadas particularmente a atender às solicitações da

Organização das Nações Unidas. Este aspecto relaciona-se com o conceito de

Battlegroups. Estes são batalhões de 1500 homens, dotados de apoio ao combate

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e de serviço de apoio ao combate, capazes de operar no terreno por 30 dias

(renováveis por até 120 dias) e de implementar a fase inicial de missões civis ou

militares da União Europeia de larga escala). Os battlegroups são considerados

fundamentais para a execução do headline goal militar, bem como para o

desenvolvimento das capacidades operacionais militares da União Europeia;

A cooperação para consecução dos objectivos em termos de níveis de

investimento em equipamentos de defesa, tendo em atenção a conjuntura de

segurança e as responsabilidades internacionais da União Europeia;

A harmonização das estruturas de defesa de cada Estado Membro, por meio

da identificação das necessidades militares de cada país, da partilha e/ou da

especialização de capacidades e de meios de defesa e do estímulo à cooperação

em treino e logística. Trata-se de uma tentativa de gerar externalidades positivas

resultantes da cooperação operacional a fim de superar as restrições orçamentais

da área da defesa nos países Membros da União Europeia;

As medidas para aperfeiçoar a disponibilidade, flexibilidade e capacidade de

deslocamento das forças. Relaciona-se, portanto, com o headline goal militar que,

sinteticamente, estabelece metas para o aperfeiçoamento de aspectos qualitativos

da operacionalidade militar dos Estados Membros da União Europeia;

Solução dos gaps identificados no Mecanismo de Desenvolvimento de

Capacidades;

Participação no desenvolvimento de programas europeus de equipamentos,

no âmbito da Agência Europeia de Defesa.

A cooperação estruturada permanente é um mecanismo aberto e inclusivo, na

medida em que prevê a possibilidade de ingresso à posteriori de Membros não

participantes, bem como a auto-exclusão voluntária (art.28 E, par.5º do Tratado de

Lisboa). Prevê-se a aplicação do critério da maioria qualificada em diversas situações,

nomeadamente, quando da autorização do estabelecimento da cooperação pelo

Conselho, da autorização para a participação de novos Membros e da suspensão de

Membros participantes (art.28 E, pars.2º a 4º do Tratado de Lisboa). Trata-se, portanto,

de uma mitigação da aplicação da regra da unanimidade – que, contudo, permanece

válida para as situações que tenham implicações militares (art.28 E, par.5º do Tratado de

Lisboa). A cooperação estruturada permanente é a principal novidade introduzida pelo

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Tratado de Lisboa no sector de defesa. Pode ser considerada um avanço em termos de

integração nesta área e, neste sentido, materializa o ideal de flexibilidade consagrado no

Tratado de Lisboa e auxilia na operacionalização do papel civil e militar da União

Europeia. Tal facto, aliado à manutenção da unanimidade como critério para tomada de

decisão em situações com implicações militares e ao estabelecimento de critérios de

participação submetidos mais à vontade política do que a aspectos técnicos, evidencia

que, apesar de tudo, o carácter intergovernamental continua a ser determinante no sector

da defesa dentro da União Europeia.

Cooperação Reforçada

Este mecanismo permite aos Estados Membros da União Europeia, que queiram e

que tenham capacidade para tanto, avançarem no processo de integração numa área

específica, aprofundando os objectivos e protegendo os interesses da União Europeia

(art.10, par.1º do Tratado de Lisboa). O parágrafo 3º do art.10º do Tratado de Lisboa, diz

existirem três condições para que o mecanismo da cooperação reforçada seja accionado:

1º - O carácter de último recurso, ou seja, a declaração formal, por parte do

Conselho, de que os objectivos da cooperação objecto de bloqueio não podem ser

alcançados pela União Europeia como um todo dentro de um prazo razoável de

tempo;

2º - A participação mínima de nove países – um a mais do que o previsto no

Tratado Constitucional;

3º - O enquadramento dentro da estrutura institucional e normativa da União

Europeia.

A cooperação reforçada exige, pois, que se utilize os mesmos poderes, os mesmos

instrumentos e os mesmos procedimentos da União Europeia. A cooperação reforçada é

aberta à participação de todos os Membros – mesmo após ter sido iniciada – desde que

aqueles que desejam aderir preencham os requisitos necessários (art.280 C do Tratado

de Lisboa). Embora todos os Membros possam participar das deliberações, apenas os

participantes da cooperação podem votar, sendo a decisão vinculativa apenas para os

participantes do mecanismo (art. 280 E do Tratado de Lisboa). Nos termos do artigo 280

D, par.2º do Tratado de Lisboa, o estabelecimento de uma cooperação reforçada é

solicitada ao Conselho que, por sua vez, submete o pedido a pareceres do Alto

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Representante e da Comissão. O Conselho, então, decidirá pela implementação ou não

da cooperação, por consenso (trata-se de um retrocesso relativamente ao Tratado

Constitucional, que previa a aplicação do critério da maioria qualificada). É possível, no

entanto, que o Conselho não venha a deliberar por unanimidade – desde que ele próprio,

por unanimidade, decida optar por outro critério de tomada de decisão. No entanto, esta

possibilidade de reversão do critério de tomada de decisão não se aplica a matérias que

tenham implicações na área da defesa. À semelhança da cooperação estruturada

permanente, a cooperação reforçada representa uma tentativa de avanço na integração

do sector da defesa dentro da União Europeia e, consequentemente, de maior

operacionalização do perfil civil e militar do bloco – bem como de concretização da

flexibilidade e da continuidade (em virtude da terceira condicionante mencionada acima)

concebidas pelo Tratado de Lisboa para a área em questão. No entanto, trata-se de um

mecanismo de difícil accionamento face à cooperação estruturada, em virtude das

condicionantes que constrangem a sua implementação. E, por fim, trata-se de um

mecanismo que reflecte as consequências da dicotomia

supranacionalidade/intergovernamentalidade, na medida em que permite avançar com a

integração quando o sistema de unanimidade do Conselho representa um obstáculo para

tanto.

Cláusula de Defesa Mútua

Segundo o art.28 A, par.7 do Tratado de Lisboa, se um Estado Membro vier a ser

alvo de agressão armada em seu território, os outros Estados Membros da União

Europeia deverão prestar-lhe auxílio e assistência, por todos os meios ao seu alcance.

Há, no entanto, três condicionantes ao exercício desta norma:

1º - O respeito ao artigo 51 da Carta das Nações Unidas (que dispõe sobre o

exercício do direito de legítima defesa);

2º - O respeito à chamada “cláusula irlandesa”. Instituída desde o Tratado de

Maastricht, este dispositivo previne a aplicação de normas da União Europeia com

implicações na área da defesa a Estados Membros com tradição de neutralidade,

como a Irlanda (que deu nome à cláusula), a Áustria, a Finlândia e a Suécia.

3º - O reconhecimento da primazia da Organização do Tratado do Atlântico

Norte enquanto entidade de defesa colectiva da Europa. A parte final da norma

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supra referida protege o carácter específico da política de segurança e defesa de

determinados Estados Membros da União Europeia.

Respeita-se, portanto, o papel primordial da Organização do Tratado do Atlântico

Norte na arquitectura de segurança europeia. Estas ressalvas procuram responder às

preocupações dos países neutrais (também chamados de não-alinhados), bem como dos

atlanticistas com o desenvolvimento da vertente militar no seio da União Europeia. Assim

como no caso da cooperação estruturada permanente, a pressão por maior integração

exercida pelo eixo franco-alemão (acompanhados por Bélgica e Luxemburgo) trouxe

consequências para a cláusula de defesa mútua. Concretamente, tal pressão resultou no

carácter vinculativo da cláusula, ou seja, na extensão de sua aplicação a todos os

Estados Membros da União Europeia (na redacção original do Tratado Constitucional, o

cumprimento desta cláusula era condicionado à anuência dos Estados-Membros). A

cláusula de defesa mútua evidencia, uma vez mais, a influência dos jogos de interesse

dos Estados Membros da União Europeia no sector da defesa. De um lado, na medida

em que prevê que todos os Estados Membros prestem auxílio ao Estado Membro

afectado, a cláusula contribui para uma maior autonomia da União Europeia nesta área,

atendendo, assim, aos interesses sobretudo da Alemanha e da França; de outro, ao

introduzir algumas ressalvas na execução desta cláusula, resguarda-se os interesses dos

países não alinhados e dos países atlanticistas.

Cláusula de Solidariedade

A cláusula de solidariedade, segundo o art. 188 R do Tratado de Lisboa consiste

numa actuação conjunta – em espírito de solidariedade – entre União Europeia e Estados

Membros, caso algum destes tenha sido alvo de um ataque terrorista ou vítima de uma

catástrofe natural ou de origem humana. Tal actuação conjunta deverá mobilizar todos os

meios ao dispor da União Europeia, incluindo os meios militares. O exercício desta

cláusula depende, em primeiro lugar, de um pedido das autoridades políticas do país

afectado. Em segundo lugar, está condicionado à apresentação de uma proposta

conjunta da Comissão Europeia e do Alto Representante. Tal proposta seguirá para

aprovação do Conselho, aplicando-se o critério da unanimidade (uma vez que se trata de

matéria com implicações na área da defesa). A execução da cláusula caberá ao

Conselho, auxiliado pelo Comité de Política e Segurança e pelo Comité Permanente

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(art.188 R, par.2º do Tratado de Lisboa). Outra condicionante ao exercício desta cláusula

está consagrada na Declaração nº 37 anexa ao Tratado de Lisboa. Cada Estado Membro

da União Europeia tem o direito de escolher os meios que considerar mais apropriados

para cumprir a sua obrigação de solidariedade para com o Membro afectado.

Independentemente de se tratar ou não de um pacto de defesa colectiva e

independentemente das suas condicionantes, a cláusula de solidariedade é de difícil

operacionalização. Sobretudo pela falta de limites claros em relação à cláusula de defesa

mútua. Mais precisamente, entre o que seja um ataque armado – hipótese em que se

deve invocar a cláusula de defesa mútua – e um ataque terrorista – hipótese em que a

cláusula de solidariedade é aplicável. A cláusula de solidariedade, além disso, levanta a

questão sobre a sua natureza jurídica – ou seja, se se trata de um dispositivo legal ou um

princípio político. Esta última questão é de extrema importância, na medida em que

condiciona o controlo jurisdicional do Tribunal de Justiça Europeu sobre a referida

cláusula.

Apesar de tudo, a cláusula de solidariedade apresenta uma maior dimensão

comunitária do que a cláusula de defesa mútua. Apesar da ressalva estabelecida na

Declaração nº 37, a execução da cláusula de solidariedade está a cargo do Conselho,

auxiliado pelo Comité Político e de Segurança e sob iniciativa do Alto Representante –

obrigando os Estados Membros a coordenarem seus esforços de auxílio. Já no caso da

cláusula de defesa mútua, a execução da cláusula recairá na esfera nacional. Desta

forma alegando razões de defesa comum e de solidariedade, as forças armadas dos

Estados Membros actuam no espaço da União Europeia através de uma verdadeira

cultura de partilha. É igualmente posta em destaque a solidariedade no domínio da

energia.

Missões Petersberg

Segundo o art. 28 B do Tratado de Lisboa, as Missões Petersberg podem ser:

As operações de desarmamento conjunto;

As missões humanitárias e de resgate;

aconselhamento e assistência militares;

A prevenção de conflitos e manutenção de paz;

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As forças de combate em gestão de crises, incluindo a promoção da paz e a

estabilização pós-conflito.

O Tratado de Lisboa vem, assim, estender o âmbito das Missões Petersberg, ao

incluir explicitamente:

As operações de prevenção de conflitos (que inclui alertas precoces e

medidas de reforço da confiança e da segurança);

Acções de desarmamento (programas de destruição de armas e de controlo

de armamento);

Aconselhamento e assistência em matéria militar (cooperação com as forças

militares de um país terceiro ou de uma organização regional, por meio do partilha

de experiências, boas práticas, formação); e

A estabilização pós-conflito.

Esta extensão das Missões Petersberg cumpre algumas finalidades. Em primeiro

lugar, a União Europeia pretende ampliar a sua participação na gestão de crises,

abrangendo situações pré e pós-conflito. Em segundo lugar, a menção explícita e

específica das missões visa atenuar eventuais divergências sobre o alcance das mesmas

– possivelmente potencializadas pelo ingresso de novos países no seio da União

Europeia. Por fim, tal extensão representa, na verdade, uma institucionalização de

medidas já previstas no quadro da Estratégia Europeia de Segurança. Nos termos do

art.28 B do Tratado de Lisboa, cabe ao Conselho a definição dos objectivos e condições

gerais para a implementação das Missões Petersberg. Ao Alto Representante incumbe a

coordenação dos aspectos civis e militares de tais missões – sob autoridade do Conselho

e em cooperação com o Comité Político e de Segurança. Por fim, ainda no âmbito das

missões Petersberg, deve-se referir aquilo que ficou conhecido como Entrustment. Trata-

se da situação na qual o Conselho confia a realização de uma missão, em nome e no

interesse da União Europeia, a um grupo de Estados Membros que possuam capacidade

para tanto. (art.28 A, par.5º do Tratado de Lisboa. A gestão destas missões será

compartilhada entre estes Estados Membros e o Alto Representante (art.28 C, par.1º do

Tratado de Lisboa). A extensão das Missões Petersberg representa a materialização do

princípio da continuidade consagrado no Tratado de Lisboa – à semelhança do que

ocorre na cooperação estruturada permanente e na cooperação reforçada relativamente à

flexibilidade. A extensão das missões Petersberg amplia o leque de opções de acções

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civis e militares, contribuindo, pois, para uma maior operacionalização do papel civil e

militar da União Europeia.

b) Justiça e criminalidade

O Tratado de Lisboa contém novas disposições importantes que reforçam a

capacidade da União Europeia para lutar contra a criminalidade transfronteiriça

internacional, a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos, armas e droga. Esta é uma

das áreas em que a simplificação proposta pelo Tratado de Lisboa significa que é

conferida mais transparência a este domínio, que as funções do Parlamento Europeu e do

Tribunal de Justiça são reforçadas e que o processo de decisão é acelerado, através do

recurso mais frequente à votação por maioria qualificada. As novas disposições

pretendem também permitir que a União e os Estados Membros assegurem uma

protecção mais eficaz dos interesses financeiros da União e lutem contra a criminalidade

transfronteiriça. Estas novas disposições respeitam os diferentes sistemas jurídicos e

tradições dos Estados Membros. Prevêem, por exemplo, uma cláusula de suspensão

(emergency break) que permite que um Estado Membro não participe numa nova medida,

caso considere que esta afectará aspectos fundamentais do seu sistema de justiça penal.

Excepcionalmente, no caso da Irlanda e do Reino Unido, com o seu sistema de direito de

common law e mantendo-se fora do regime de controlo de fronteiras de Schengen, está

prevista uma disposição especial que lhes permite decidir caso a caso se participarão na

legislação neste domínio.

c) Novos domínios de cooperação

Dois outros domínios assumem especial relevância no mundo de hoje: as alterações

climáticas e a energia. O Tratado dá prioridade ao objectivo da União Europeia de

promoção do desenvolvimento sustentável na União, assente num elevado nível de

protecção e de melhoramento da qualidade do ambiente. O Tratado preconiza ainda a

promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas

regionais ou mundiais do ambiente e, designadamente, a combater as alterações

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climáticas. O reforço do papel da União Europeia em matéria de alterações climáticas

significa que a Europa continuará a estar na vanguarda do combate ao aquecimento

global. O Tratado contém também novas disposições destinadas a assegurar o

funcionamento do mercado energético, nomeadamente no que se refere ao

aprovisionamento energético e a promover a eficiência energética e as economias de

energia, bem como o desenvolvimento de energias novas e renováveis. A segurança do

aprovisionamento energético é um dos grandes desafios do futuro para todos os Estados

Membros. O Tratado afirma o compromisso da União Europeia com uma política europeia

comum em matéria de energia sustentável. O Tratado proporciona também uma nova

base de cooperação entre os Estados Membros em matéria de desporto, ajuda

humanitária, protecção civil, turismo e investigação espacial.

Conclusão – Uma Europa mais segura no Século XXI?

O tempo o dirá. O Tratado trará muitas oportunidades mas também muitas

incógnitas. Falar em segurança e defesa na Europa é provavelmente entrar por terrenos

delicados e sensíveis. Ninguém pode, nesta matéria, falar definitivamente em nome da

União Europeia, porque cada um de nós tem a sua perspectiva própria sobre a evolução

do processo de integração do continente e dos reflexos disso no próprio posicionamento

da União Europeia no cenário internacional. A União Europeia poderá contabilizar em

activos a garantia de paz e prosperidade alcançadas para os seus povos, na base dos

valores da liberdade, tolerância, diversidade e solidariedade, que permanecem como

carga genética do projecto europeu. A dimensão da Defesa deverá ser tida em conta no

desenvolvimento futuro da Europa, pois vai obrigar a clarificações, não só ao nível da

coesão da Europa, mas também no domínio da capacidade das suas relações externas,

ingredientes que mexendo exactamente com a defesa e segurança, constituirão um

verdadeiro teste ao processo de construção europeia. É neste quadro que a Politica

Europeia de Segurança e Defesa poderá afirmar o papel da Europa no mundo, de forma

realista e pragmática, de um modo harmonizado numa base intra-europeia e articulada

em termos aliados.

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“VEJO O TRATADO DE LISBOA NÃO COMO UM ACORDO IDEAL OU COMO

UMA ETAPA ÚLTIMA DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA, MAS COMO UM COMPROMISSO

POLITICO DECISIVO, NESTE TEMPO E NESTAS CIRCUNSTÂNCIAS, CAPAZ DE

SUPERAR A EROSÃO DA UNIÃO EUROPEIA NA SEQUÊNCIA DO FRACASSADO

PROJECTO DE TRATADO CONSTITUCIONAL. E VEJO-O, SOBRETUDO, COMO UMA

OPORTUNIDADE PARA A EUROPA LEVANTAR OS OLHOS PARA O HORIZONTE DO

SÉC. XXI QUE TEM PELA FRENTE.”

ANÍBAL CAVACO SILVA

ANEXO I

CRONOLOGIA DOS PRINCIPAIS TRATADOS EUROPEUS

1952 - Tratado de Paris que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do

Aço

1957 - Tratados de Roma que instituem a Comunidade Económica Europeia

e o Euratom

1986 - Acto Único Europeu

1992 - Tratado de Maastricht

2 de Out. 1997 - Tratado de Amesterdão

26 de Fev. 2001 - Tratado de Nice

29 de Out. 2004 - O Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa é

assinado pelos Estados - Membros em Roma, mas não entrou em

vigor

Maio/Junho 2005 - A França e os Países Baixos rejeitam o Tratado em referendo

Junho de 2007 - Mandato do Conselho Europeu para convocar uma conferência

intergovernamental destinada a modificar os Tratados em vigor

Julho a Out. 2007 - Conferência Intergovernamental

18-19 de Out. 2007 -Aprovação do Tratado no Conselho Europeu informal de Lisboa

12 de Dez. 2007 - Proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais pelos Presidentes

do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão Europeia

13 de Dez. 2007 - Assinatura do Tratado de Lisboa pelos 27 Estados Membros

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2007- Maio 2009 - O Tratado de Lisboa obtém a aprovação parlamentar em 26 dos 27

Estados Membros

12 de Jun. 2008 - Num referendo realizado na Irlanda não é obtida uma maioria a favor

da ratificação

19 de Jun. 2009 - O Conselho Europeu confirmou que a Comissão Europeia continuará

a incluir um nacional de cada um dos Estados Membros. Os chefes

de Estado e de Governo chegaram a acordo sobre garantias

Juridicamente vinculativas, identificadas pelas autoridades irlandesas

em matéria de fiscalidade, direito à vida, educação e família e da

política tradicional de neutralidade da Irlanda, garantias essas que

serão incorporadas num Protocolo aos Tratados da União Europeia,

depois de o Tratado de Lisboa entrar em vigor. Foi também adoptada

uma declaração solene sobre a importância dos direitos dos

trabalhadores e os serviços públicos

2 de Out. 2009 - Segundo referendo na Irlanda, tendo sido aprovada a ratificação o

tratado

1 Dez. 2009 - Entrada em vigor do Tratado

BIBLIOGRAFIA

Gomes, José Caramelo (2010). Tratado de Lisboa – Anotado com todas as versões

anteriores.Colecção Textos Juridicos, Universidade Lusiada Editora

http://www.presidência.pt- intervenções

Centro de Informação Europeia Jacques Delors:

http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe_area?p_cot_id=2936

Representação da Comissão Europeia em Lisboa:

http://ec.europa.eu/portugal/temas/lisbon_treaty/tratado_lisboa_pt.htm

Portal Europa:

http://europa.eu/lisbon_treaty/index_pt.htm

http://europa.eu/lisbon_treaty/full_text/index_pt.htm