O trabalho e as organizacoes st

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-o TRABALHO E AS ORGANIZAÇOESNA PERSPECTIVA SÓC/O- TÉCNICA

• Fábio de Biazzi Jr.

A conveniência e a viabilidade da implementação do enfoque sócio-técniconas empresas.

The convenience and the viability 01sociotechnical approach in firms.

PALAVRAS-CHAVE:Sistemas sócio-técnicos, orga-nização do trabalho, projeto dotrabalho.

KEYWORDS:Sociotechnical systems, workorganization, job designo

• Engenheiro de Produção eMestre em Engenharia de Pro-dução pela POU/USP, Douto-rando do Departamento de Psi-cologia Social do Instituto dePsicologia da USP.

30 Revista de Administração de Empresas Jan./Fev. 1994São Paulo, 34(1 ):30-37

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o TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES NA PERSPECTIVA SÓCIO-TÉCNICA

A ORIGEM DA ESCOLA SÓCIO-TÉCNICA terceiro. As tarefas específicas consistiamem fazer furos e cortes no veio, abrir gale-rias, transportar o carvão, montar e des-montar a esteira rolante e fazer o teto de-sabar. A introdução do longwall methodnão trouxe o aumento de produtividadeesperado, fez com que as taxas de absen-teísmo e rotatividade se elevassem e criouuma incidência epidêmica de desordenspsicossomáticas entre os mineiros. 2

Esse trabalho de extração de carvão foientão analisado cuidadosamente por EricL. Trist e Kenneth W. Bamforth. Dado ocaráter multidisciplinar do Tavistock, ba-seado principalmente em Psicologia e So-ciologia, esta análise buscou descrever einter-relacionar os aspectos técnicos, or-ganizacionais, sociais e psicológicos dotrabalho de extração realizado sob o mé-todo de paredes longas. Dessa forma, foicunhado, pela primeira vez, um exem-plar do que podemos chamar de "análisesócio-técnica". Este trabalho foi publica-do em 195L3

Poucos anos mais tarde, a continuaçãodos estudos nas minas de carvão fez comque esses pesquisadores presenciassemuma outra experiência fundamental paraas bases da Escola Sócio-Técnica. Retor-nando às minas de Durham, Eric L. Triste seus colaboradores encontraram, na al-deia de Chopwell, as mesmas técnicas emáquinas do método de paredes longasorganizadas diferentemente. O métodoutilizado nesta mina era denominadocomposite longwall method, numa traduçãodireta, "método composto de paredeslongas". Consistia no rearranjo do mes-mo grande grupo de quarenta homensem subgrupos interdependentes ao longodos turnos. Assim, cada mineiro executa-va funções internamente alocadas emsubgrupos que desempenhavam todas astarefas relativas à extração do carvão. Asequipes dos turnos seguintes iniciavam otrabalho onde as anteriores haviam ter-minado. Todos recebiam o mesmo salárioe incentivos, sendo o pagamento definidopela produção do grupo como um todo.Estes grupos eram significativamente au-tônomos e alternavam papéis e turnoscom um mínimo de supervisão. 4

A existência dessa forma de organiza-ção constituía uma ruptura em relação àtendência de um maior fracionamento detarefas e burocratização que se julgava

A história da Escola Sócio-Técnica co-meça junto às minas de carvão deDurham, ao norte da Inglaterra, em 1949,quando alguns pesquisadores do entãorecém-criado Tavistock Institute of HumanRelations foram chamados para analisaros problemas relativos à mecanizaçãodos processos de mineração.

O processo de mineração, desde seusurgimento nos séculos XII e XIII, prati-camente não havia sofrido modificaçõessignificativas até então. Os mineiros rea-lizavam seus trabalhos em duplas, umdos quais podia ser um aprendiz. As fer-ramentas eram manuais e o trabalho ex-tremamente desgastante. A dupla era for-mada por escolha pessoal e executava to-do o ciclo de operações de extração. Tra-balhavam em locações dispersas e auto-selecionadas dos veios carboníferos - quesão como lâminas de 1 a 3 metros de es-pessura entre placas de rochas e que po-dem se situar a centenas de metros deprofundidade. Trabalhavam sem super-visão e eram pagos pelo trabalho da du-pla. Esses mineiros possuíam um profun-do conhecimento da mina e das condi-ções'de trabalho. 1 Esta forma de trabalhoera denominada hand-got system.

A mecanização das minas inglesas sedeu pela introdução de um método deextração chamado longwall method, numatradução direta, "método de paredeslongas". De acordo com este método, umveio carbonífero é extraído em faces queconstituíam uma parede de cerca de 200metros de largura. À medida que a pare-de avança e todo o carvão é retirado, o te-to da área livre deixada para trás é feitodesabar, criando condições seguras paraa progressão da parede longa. Este novométodo exigia pesados investimentos emmaquinaria, como cortadores, furadeirase esteiras transportadoras. Para trabalharcom essas máquinas, os mineiros foramseparados em tarefas especializadas, queexigiam diferentes níveis de habilidade eeram remunerados por diferentes siste-mas de pagamento.

Cada parede longa era trabalhada porum total de quarenta homens, que com-punham sete grupos especializados, ope-rando quatro destes grupos em um pri-meiro turno, dois no segundo e um no

1. MURRAY, H. Uma Introdu-ção aos Sistemas Sócio- Técni-cos ao Nível do Grupo de Traba-lho Primário. São Paulo:EAESP/FGV,1977 (apostila).

2. HERBST, P. G. Sociotechni-cal design: strategies in multi-disciplinary research. Londres:Tavistock, 1974.

3. TRIST, E. L., BAMFORTH, K.W. Some social and psychologi-cal consequences of the long-wall method of coal-getting.Human Relations, v.4, n.1, p.3-38,1951.

4. MURRAY, H. Op. cit.

31© 1994, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.

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iJ!JlJ ARTIGO

5. BERTALANFFY, L. Von . Thetheory of open systems inphysics and biology. In:EMERY, F. E. Systems thinking.Londres: Penguin Books, 1969.

6. BION, W. R. ExperiOnciascom grupos. São Paulo: Imago-Edusp, 1975; JAQUES, E. Socialsystems as a defense againstpersecutory and depressive an-xiety. In: KLEIN, M., HEIMANN,P., MONEY-KYRLE, R. E. Newdirections in psychoanalysis.Londres: Tavistock, 1955; LE-WIN, K. Problemas de dinámicade grupo. São Paulo: Cultrix,1987.

7. TRIST, E. L. The Evolution ofSociotechnical Systems. Docu-mento n. 2, Ontario Quality ofWorking Life Center, junho,1981.

8. MURRAY, H. Op. cit.

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indissoluvelmente ligada à crescente me-canização e à evolução tecnológica e or-ganizacional. O método composto de pa-redes longas combinava a mecanizaçãocom as principais características do artigohand-got system, das duplas de mineiros.

Deste modo, surge o conceito de esco-lha organizacional. Uma dada organiza-ção de trabalho não é decorrente apenasda tecnologia utilizada, mas depende,além do nosso conhecimento técnico, denossas premissas sobre os indivíduos etodos os nossos objetivos, sejam eles ex-plícitos ou não. Nas minas de carvão, amesma tecnologia podia ser o suporte dediferentes formas de organização, comdiferentes resultados econômicos e hu-manos. Além disso, o método compostode paredes longas ia contra outro dosfundamentos mais importantes da Ad-ministração Científica, cujos princípiostêm realmente sustentado o modo deprodução das empresas ao longo desteséculo, apesar da existência aparente dediferentes formas de organização. Aocontrário do que prega a AdministraçãoCientífica, o projeto do trabalho não cou-be somente a especialistas. Embora nãointerferindo no projeto das máquinas, aconcepção da organização do trabalhoem Chopwell coube aos próprios minei-ros, aos trabalhadores, a concepção foientão partilhada.

OS FUNDAMENTOS DA ESCOLASÓCIO-TÉCNICA

Após essa brevíssima introdução his-tórica e da apresentação de alguns con-ceitos muito importantes, escolha orga-nizacional e concepção partilhada, pode-mos tentar formar um quadro geral dosfundamentos da Escola Sócio-Técnica. Aorganização na perspectiva sócio-técnicaé, antes de mais nada, um sistema aber-to. Ela interage com o ambiente, é capazde auto-regulação e possui a proprieda-de de eqüifinalidade, isto é, pode alcan-çar um mesmo objetivo a partir de dife-rentes caminhos e usando diferentes re-cursos." Ela é formada por dois subsiste-mas: o subsistema técnico - que são asmáquinas, equipamentos, técnicos etc. -e o subsistema social - que são os indiví-duos e grupos de indivíduos, seus com-portamentos, capacidades, cultura, sen-

timentos e tudo de humano que osacompanha. O conceito de indivíduo egrupos inerente à abordagem sócio-téc-nica deriva de desenvolvimentos - emPsicologia Social, Psicanálise, Psicologiade Grupos e Sociologia - pouco anterio-res ao seu próprio surgimento, princi-palmente devidos a Wilfred Bion, KurtLewin e Elliott Jaques. 6

O mundo interno dos indivíduos éformado por seus instintos, inconsciente,capacidades inatas, superego, crenças evalores. A relação com o ambiente exter-no é controlada pelo seu ego ou cons-ciente. Esses indivíduos apresentam di-ferenças também em termos de necessi-dades e expectativas. Assim, os modelose estruturas de trabalho que os motivamnão são únicos. Contudo, a Escola Sócio-Técnica considera que o comportamentodas pessoas face ao trabalho depende daforma de organização deste trabalho edo conteúdo das tarefas a serem executa-das, pois o desempenho das tarefas e ossentimentos a elas relacionados - res-ponsabilidade, realização, reconheci-mento etc. - são fundamentais para queo indivíduo retire orgulho e satisfaçãodo seu trabalho."

Ainda com relação ao subsistema so-cial, é interessante e curioso destacar queos grupos possuem um nível de ativida-de equivalente ao inconsciente indivi-dual. Ao mesmo tempo em que se reú-nem pãra o desempenho de uma tarefaexplícita, as pessoas interagem em outronível, tacitamente, levadas por poderosasforças psicológicas.

Então, o subsistema social, assim enfo-cado pela Escola Sócio-Técnica, e o sub-sistema técnico de determinado sistemade trabalho devem ser considerados parti-cularmente e em suas relações e otimiza-dos conjuntamente, para que os objetivosorganizacionais sejam atingidos ao mes-mo tempo em que alcançamos o desen-volvimento e a integração dos indivíduos.Isto quer dizer que é preciso projetar emconjunto o sistema social e a tecnologiaparticular ao caso. Nas palavras de HughMurray, outro pesquisador do Tavistock,otimização conjunta /I significa definir a na-tureza das características fundamentais do sis-tema técnico e traduzir isto em tarefas e em-pregos que considerem as necessidades e carac-terísticas fundamentais dos seres humanos /I .8

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o TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES NA PERSPECTIVA soao- TÉCNICA

Entretanto, essa otimização conjuntadeve sempre buscar a consecução de umobjetivo final - definido na abordagemsócio-técnica como tarefa primária - que,no caso das organizações industriais é aobtenção de lucros. Esta proposição, apa-rentemente positivista e simplista, é es-sencial para que a abordagem sócio-téc-nica não seja considerada como umasimples forma de experimentação social,mas uma forma de buscar, em últimaanálise, o desenvolvimento de organiza-ções mais eficazes."

OS GRUPOS SEMI-AUTÔNOMOS

o foco principal dos estudos sócio-técnicos se dirige à organização dos sis-temas produtivos no âmbito dos indiví-duos e suas atividades. Devido à baseconceitual, premissas e experiências vi-venciadas pelos pesquisadores do Tavis-tock, uma forma específica de arranjo dotrabalho é privilegiada: os grupos semi-autônomos, dos quais as duplas de mi-neiros do primitivo hand-got system e osgrupos de Chopwell são exemplos. Co-mo poderíamos então delinear o que de-fine um grupo semi-autônomo e funda-mentar o porquê dessa preferência? Po-demos iniciar dizendo que um grupo se-mi-autônomo ou auto-regulável se ca-racteriza pela responsabilidade coletivafrente a um conjunto de tarefas, onde oarranjo do trabalho é definido com aparticipação de seus próprios membros,permitindo o aprendizado de todas astarefas e a rotação das funções, e facili-tando uma interação cooperativa. O gru-po semi-autônomo deve ainda ser res-ponsável pelos recursos à sua disposiçãoe ter autoridade para utilizá-los.

A autonomia de um grupo semi-autô-nomo pode abranger: métodos de traba-lho, escolha de líderes, distribuição detarefas, definição de metas etc. É impor-tante ressaltar que enquanto algumasdessas formas de autonomia têm impac-to direto sobre a performance do grupo -como no caso da definição do método -outras simplesmente denotam o poderdeste grupo frente à organização, comono caso da escolha de seu líder .10

Esse líder, ao contrário do que aconte-ce na organização burocrática conven-cional, não está preocupado com o con-

trole do trabalho dos operários, mas simvoltado a garantir as condições e os re-cursos necessários ao bom funciona-mento do grupo. O líder para a EscolaSócio- Técnica está voltado para o am-biente e para facilitar a interface am-biente-grupo. Além disso, ele - o líder -deve cuidar para que as relações sociaisno interior do grupo se mantenhambem estruturadas e voltadas principal-mente à realização das tarefas, pois umgrupo semi-autônomo é um grupo detarefa e um grupo de vivência, isto é,um grupo que tem funções claras a exe-cutar e onde também existem relaçõessociais e afetivas.

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É interessante destacar que a manu-tenção de um mesmo grupo por longosperíodos de tempo tende a cristalizar asrelações sociais em detrimento da perfor-mance das tarefas, dificultando a eleva-ção da produtividade e a adaptação amudanças ambientais e tecnológicas. Es-sa particularidade do funcionamentodos grupos somada a outras fortes ra-zões sociais e psicológicas, conscientesou não, que atraem os indivíduos paragrupos, faz com que seja convenienteprojetar as organizações no sentido decaptar essas forças e não lutar contraelas. Daí a escolha deste tipo de arranjoorganizacional.

Contudo, as particularidades desse oudaquele grupo semi-autônomo - o nú-mero de membros, o grau de autonomia,a duração etc. - variam de acordo com asituação específica em que o grupo se in-

9. MI LLER, E. J., RICE, A. K.Systems ot organization. Lon-dres: Tavistock, 1973.

10. GULOWSEN, J. A Measureof work-group autonomy. In:DAVIS, L. E., TAYLOR, J. C.Design ot Jobs, Harmonds-worth: Penguin Books, 1972;SUSMAN, G. I. Autonomy atwork. Nova Iorque: praeger Pu-blishers, 1976.

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i1m ARTIGO

11. EMERV, F. E., TRIST, E. L.The causal texture of organiza-tional environments. HumanRelations, v.18, n.2, p.21-32,1965.

12. KINGDON, D. R. Matrix or-ganization: managing informa-tion technologies. Londres: Ta-vistock, 1973.

13. TRIST, E. L. Referent orga-nizations and the developmentof inter-organizational domains.Human Relations, v.36, n.3,p.269-84, 1982.

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sere, com a tecnologia utilizada e suaevolução e com as demais demandasambientais que vive a organização.

o AMBIENTE E AS ESTRUTURASORGANIZACIONAIS

Após alguns anos pensando nos siste-mas de trabalho primários, os pesquisa-dores do Tavistock se aperceberam queesta adequação dos grupos semi-autôno-mos a diferentes situações não era, por sisó, suficiente para que toda a organiza-ção se adaptasse às condições ambien-tais. No início da década de 60, Eric L.Trist e Frederick E. Emery se preocupa-ram em tentar definir qual o tipo de am-biente com que se defrontavam as orga-nizações. Chamaram-no ambiente turbu-lento, caracterizado pela mutabilidadedas demandas sociais, econômicas e polí-ticas e pela rápida evolução das basestecnológicas .11

Nessas condições ambientais ditas tur-bulentas, segundo a Escola Sócio-Técni-ca, as organizações estruturadas nosmoldes da burocracia tecnocrática pas-sam a se adaptar ao ambiente de umaforma passiva, que incapacita progressi-vamente a organização a novas e profun-das adaptações. Essa adaptação passivapode se dar nas formas de segmentação,fragmentação e dissociação - que se ca-racterizam pela perda de foco dos objeti-vos e metas da organização - respectiva-mente relativos à perda de foco entre osníveis, ao longo do tempo e entre as divi-sões ou departamentos. Podemos fazerum paralelo entre a adaptação passivadas organizações com os mecanismos in-dividuais de defesa psicológica, que re-solvem um conflito apenas superficial-mente, e apenas fazem com que o pro-blema se agrave com o tempo.

A solução para uma satisfatória adap-tação e sobrevivência das organizaçõesem um ambiente turbulento é, para a Es-cola Sócio-Técnica,uma adaptação ativa.No âmbito do trabalho, como já disse-mos, isto significa a adoção dos grupossemi-autônomos. No âmbito das organi-zações como um todo, a adaptação ativaimplica a adoção de uma estrutura quepermita a montagem e desmontagemdos grupos segundo as conveniências dasituação, que é uma condição que existe

nas organizações por projetos e na suaforma matricial.P

Porém, mesmo estas estruturas talveznão sejam suficientes para as organiza-ções na adaptação adequada às deman-das ambientais. No caso de projetos mui-to complexos, elas devem se associar aoutras de modo a co-participarem em umtrabalho conjunto formando o que ospesquisadores sócio-técnicos denominammatrizes organizacionais. Por outro lado,quando se defrontam com uma situaçãocomplexa, ou um sistema de problemas,como no caso de organizações em umdistrito industrial ou organizações quepertençam ao sistema de saúde de deter-minada cidade ou país, as organizaçõesenvolvidas formam domínios inter-orga-nizacionais, devendo se articular entre siou mesmo através da criação de organi-zações que coordenem suas ações, cha-madas de organizações referenciais.P Co-locados assim os principais conceitos li-gados à Escola Sócio-Técnica, devemosentão considerar que sua abordagem en-globa três diferentes níveis: o nível dossistemas de trabalho primários, o nívelda organização como um todo, e o nívelchamado macrossocial, que abarca os sis-temas de organizações. As respostas só-cio-técnicas apontadas para cada um de-les pressupõem então que deve haver umtratamento harmônico e coerente entretodos e, somente dessa forma, ganha aorganização - podendo sobreviver e seadaptar , e ganham os indivíduos - po-dendo se integrar e se desenvolver.

O PROJETO E A IMPLEMENTAÇÃO DESISTEMAS SÓCIO-TÉCNICOS

Um projeto organizacional sempre sedá com base em um conjunto de premis-sas, princípios e objetivos, quer eles se-jam francamente admitidos ou não. Aolongo dos anos, os pesquisadores ligadosà Escola Sócio-Técnica foram tentandooperacionalizar os conceitos e funda-mentos sucintamente apresentados atéagora. Com isso, é possível vislumbraratualmente os princípios que norteiam oprojeto sócio-técnico e os atributos e ca-racterísticas do trabalho, dos grupos edas organizações que devem decorrerdesta adoção. Esses princípios e caracte-rísticas devem estar na mente daqueles

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envolvidos na montagem desta organi-zação nos moldes sócio-técnicos.

Dos princípios de projeto sócio-técni-cos, para falar apenas nos mais impor-tantes, se destacam os seguintes: compa-tibilidade, mínima especificação crítica econtrole de variâncias. O princípio decompatibilidade destaca a necessidadede aderência entre o processo de mudan-ça e seus objetivos. Em outras palavras,isto significa dizer que apenas um proje-to participativo pode levar a uma organi-zação participativa. Outro princípio es-sencial, da mínima especificação crítica,sustenta que o projeto do trabalho devese ater a um mínimo de prescrições, re-duzidas ao essencial para que os traba-lhadores e grupos possuam a capacidadede resposta exigida à organização. Oprincípio do controle de variâncias, porsua vez, indica que os desvios não pro-gramados de padrões ou procedimentosdevem ser eliminados ou controlados omais próximo possível dos pontos deorigem ."

A adoção destes princípios deve levarà construção de uma organização essen-cialmente diversa daquelas construídasem moldes burocráticos, tayloristas efordistas. O trabalho deve possuir umconteúdo que demande as capacidadesintelectuais e criativas dos indivíduos,permitir um aprendizado contínuo, ge-rar suporte social e reconhecimento e teruma clara relação com a vida social dosoperários e com os valores que eles par-tilham com a sociedade. As tarefas egrupos devem ser tais que possibilitem avisualização de um produto final e per-mitam a realimentação sobre os resulta-dos, com diferenças mínimas de status euma composição heterogênea, multidis-ciplinar. Essas tarefas e grupos, assimcomo a própria estrutura organizacio-nal, devem trabalhar no sentido das ca-racterísticas discutidas dos grupos hu-manos, levando à cooperação, colabora-ção e comprometimento. A organizaçãocomo um todo estará voltada à alta per-

formance, à mudança contínua e ao contí-nuo aprendizado, à auto-regulação, aoestilo participativo e, muito importantecitar, à concepção partilhada .15

Quanto à implementação - seja em no-vas instalações, seja em unidades já emoperação - deve se basear em metodolo-

gias genéricas, em forma de roteiro, queapenas orientam àqueles responsáveispor sua coordenação e suporte. As condi-ções essenciais para que a implementaçãoda perspectiva sócio-técnica seja bem-su-cedida são a existência de um fortíssimoapoio por parte da cúpula da organiza-ção e, principalmente, o sentimento dis-seminado de que a mudança é necessáriaà sobrevivência da organização.

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O projeto e implementação em si nãoescondem nenhum grande mistério. Demodo muito, muito, resumido, podemosdizer que constituem ciclos, cada vezmais abrangentes de: formação de equi-pes, treinamento - com base em visitas,estudos de caso e aulas - na abordagemsócio-técnica, análise sócio-técnica e defi-nição de instalações e métodos de traba-lho, até que se incluam todos os funcio-nários e o mínimo essencial dos proces-sos e métodos estejam definidos para aentrada e funcionamento.>

Isto se aplica às organizações indus-triais ou de serviços, às unidades de pro-cessamento contínuo ou não. O essencialé compreender, como diz o próprio AI-bert B. Cherns, que o projeto e a imple-mentação baseados na perspectiva sócio-técnica pertencem, antes de mais nada,àqueles que terão seu trabalho e funçõesdefinidas nesse processo .17

Contudo, visto que a implementaçãoda perspectiva sócio-técnica em sistemasprodutivos que já se encontram em ope-ração requer um cuidado maior - pelasdisfunções que decisões equivocadas ou

14. CHERNS,A. B. Principies otSociotechnical design revisiled.Human Relations, v.4D, n .3,p.153-62, 1987.

15. DAVIS, L. E. Evolving alter-native organization designs:their sociotechnical bases. Hu-man Relations, v.3D, n.3, p.261-73,1977.

16. COLEMAN, G. O., JOHNS-TON, C. S. Implemenling lhesociotechnical svsterns ap-proach, including self-managingteams in a start-up organization.Quality & Productivity Manage-ment, v.9, n.4, p.4-14, 1992.

17. CHERNS, A. B. The princi-pies of sociolechnical designoHuman Relations, v.29, n.B,p.783-92,1976.

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18. PASMORE, W. A. Designingeftective organizations: the so-ciotechnical systems perspecti-ve. Nova Iorque: John Wiley,1988.

19. BRAVERMAN, H. Trabalho ecapital monopolista. Rio de Ja-neiro: Guanabara, 1987.

20. GORZ, A. Crítica da divisãodo trabalho. São Paulo: MartinsFontes, 1989.

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fora de tempo podem provocar - Wil-liam A. Pasmore desenvolveu, em 1988,uma metodologia que dá suporte a essetipo de processo .18

CONSEQÜÊNCIAS DA ADOÇÃO DAPERSPECTIVA SÓCIO-TÉCNICA

Colocadas as bases, é necessário ava-liarmos a conveniência e viabilidade daadoção da abordagem sócio-técnica. Porque deveríamos adotar - ou não - a pers-pectiva sócio-técnica?

A maior parte das lacunas conceituaise metodológicas da Escola Sócio-Técnicaacabaram por ser preenchidas ao longodessas quatro décadas e meia, desde oseu surgimento. A única observação queachamos necessária destacar - quandoolhamos para a perspectiva sócio-técnicacomo uma resposta aos problemas orga-nizacionais - é que existe uma limitaçãode escopo, de "poder de fogo". Emboraconsideremos a perspectiva sócio-técnicacomo necessária ao sucesso das organi-zações nos dias de hoje, a sua adoção,por si só, não garante que isto ocorra.Existem decisões estratégicas - porexemplo, aquelas relativas à escolha denichos de mercado ou as soluções apon-tadas pela pesquisa e desenvolvimentoda empresa - cuja qualidade das respos-tas depende muito de decisões tomadasna cúpula das organizações e assim li-gam-se debilmente à adoção ou não doenfoque sócio-técnico.Assim, se conside-rarmos a adoção da perspectiva sócio-técnica como necessária ao sucesso orga-nizacional, podemos dizer que ela não ésuficiente.

As críticas mais interessantes encon-tradas na literatura reportam-se à afini-dade da Escola Sócio-Técnica com as re-gras da sociedade capitalista. São aplicá-veis à Escola Sócio-Técnicaas críticas deHarry Braverman, relativas à limitaçãodas mudanças àquelas que reduzem oscustos e melhoram a posição frente àconcorrência e ainda a dedicação a "des-cobrir os móveis do comportamento hu-mano e a manipulação dele nos interes-ses patronais" .19 Contudo, devemos di-zer que esta manipulação, como diz An-dré Gorz, depende da relação de forçasque preside a introdução das mudan-ças.20 Assim, a manipulação ocorre de-

pendendo da posição - ativa ou passiva- dos trabalhadores no processo de mu-dança, sendo que os pesquisadores doTavistock parecem desejar que esta par-ticipação seja a mais ativa possível.Quanto à primeira crítica de Harry Bra-verman, podemos dizer que a busca daeficiência organizacional é possivelmen-te a única forma de a perspectiva sócio-técnica não ser encarada como um expe-rimento social e poder ser aceita pela so-ciedade contemporânea ocidental nosmoldes em que se encontra estruturada,no chamado capitalismo monopolista.

De maneira mais abrangente, nós po-demos tentar visualizar a conveniência eas conseqüências da adoção e difusão doenfoque sócio-técnico segundo três ópti-cas distintas: a da esfera organizacional,a da esfera humana e a da esfera social.Uma análise da Escola Sócio-Técnicadoponto de vista organizacional é aquelaque mais interessa aos dirigentes e exe-cutivos das empresas e se refere aos re-sultados mensuráveis do desempenhodos funcionários e da organização. Feitauma ressalva quanto às limitações dasamostras utilizadas em revisões e avalia-ções - decorrentes da tendência à divul-gação das experiências bem-sucedidas eàs várias amplitudes de mudança encon-tradas nos diferentes casos -, podemossintetizar como principais resultados daadoção da perspectiva sócio-técnica osseguintes:

1. aumentos significativos de produtivi-dade (e qualidade), não de 5 a 10 %,mas em geral de 50 a 100%;

2. redução de taxas de absenteísmo;3. maior produtividade onde os grupos

têm mais autonomia;4. maior adequação a unidades com cer-

ca de 200a trezentos funcionários;5. encontramos ainda uma maior aplica-

ção em processos contínuos, emboranão sejam encontradas limitações paraprocessos discretos ou nos setores deserviços;

6. e, por último, constatou-se que nãoexistem restrições de ordem cultural.

A análise da Escola Sócio-Técnica,doponto de vista do ser humano, é tão oumais importante quanto a do ponto devista organizacional. A adoção da pers-

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o TRABALHO E AS ORGANIZAÇÕES NA PERSPECTIVA SÓCIO- TÉCNICA

pectiva sócio-técnica tende, relativamenteà adoção dos princípios da burocraciataylorista-fordista, a provocar um maiordesenvolvimento e integração, psicológi-ca e social, dos indivíduos. Tende ainda aorientar a produção e o consumo segundoas necessidades e valores dos indivíduos.Ao mesmo tempo em que privilegia umaqualificação não fundamentada em saberformal ou na automação, essa perspectivaleva à participação e a uma autonomiaresponsável, baseada em conhecimentotécnico e relacionamento humano.

A adoção da perspectiva sócio-técnicaleva ainda à redução dos níveis de aliena-ção, não no sentido da posse dos meiosde produção ou dos produtos, mas nossentidos apontados por Robert Blaunerde: impotência, ausência de sentido, iso-lamento e auto-alienação." Além disso,permite um maior desenvolvimento dehabilidades e potencialidades humanascomo: iniciativa, criatividade, autonomia,responsabilidade, multifuncionalidade,confiança, solidariedade, reconhecimentoetc. Contudo, como o ser humano não serestringe apenas a essas facetas, uma si-tuação ideal passa pela adoção do enfo-que sócio-técnico e pela redução da jor-nada de trabalho, criando-se assim emba-samento e tempo para que outras habili-dades e potencialidades não contempla-das no período de trabalho possam se de-senvolver.

Por último, é necessário tentarmos es-boçar uma análise da perspectiva sócio-técnica do ponto de vista social. Isto signi-fica tentar compreender se essa aborda-gem tem se difundido e, por outro lado,se esta difusão extrapola os limites das fá-bricas. Quanto ao primeiro ponto, da di-fusão da perspectiva sócio-técnica, é pos-sível avaliar o seguinte: quando nós ob-servamos a evolução dos padrões de or-ganização do trabalho e de estruturaçãointra e interempresas nos últimos anos, ésurpreendente o número crescente depontos em comum que estas formas deorganização têm com a Escola Sócio-Téc-nica. Isto transparece nos casos relatados,nos trabalhos publicados e mesmo em no-vas teorias que vêm surgindo. Essa apro-ximação crescente não respeita fronteiras,dando-se, embora com diferentes ênfasese particularidades, nos Estados Unidos,Europa e Japão.

A busca pela participação ativa dostrabalhadores e a estruturação de organi-zações matriciais e matrizes organizacio-nais é mais e mais intensa a cada ano quepassa. Se considerarmos historicamenteo surgimento e consolidação dessa filo-sofia que foi aqui apresentada, ressaltan-do as datas em que os conceitos e idéiasforam veiculados e difundidos - porexemplo, década de cinqüenta para osgrupos semi-autônomos, década de ses-senta para ambiente turbulento e adapta-ção ativa -, teremos então urna noçãomais precisa do pioneirismo e do méritode tais idéias.

o projeto e á implementaçãobaseados' na perspectivasócio-técnica pertencem/

antes de mais nada; àquelesque terão seu trabalho eiiinções definidas nesse

processo.

A perspectiva sócio-técnica se vinculaprincipalmente ao que o próprio EricTrist chama de democracia no local detrabalho. Sua adoção implica mudançasqualitativas na relação indivíduo/ organi-zação. Além de se apresentar como umadas estratégias mais eficazes para a so-brevivência e desenvolvimento das orga-nizações nesse turbulento final de século,a perspectiva sócio-técnica acena compossibilidades de integração e desenvol-vimento - social, psicológico e técnico -para aqueles envolvidos nos processos demudança e condução dessas "novas fá-bricas". Integração e desenvolvimento es-ses que serão tanto maiores quanto maio-res forem a iniciativa e a participação dostrabalhadores nesses processos, fazendovaler suas necessidades e anseios e bus-cando uma forma de organização do tra-balho verdadeiramente fundamentadaem valores humanos, O

Artigo recebido pela Redação da RAE em outubro/93, aprovado para publicação em novembro/93.

21. BLAUNER, R. Alienation andfreedom: the factory worker andhis industry Chicago: Universityot Chicago Press, 1964.

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