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    DESAFIOS CONTEMPORNEOS ACERCA DO TERCEIRO SETOR E SERVIO SOCIAL:entre o novo trato da questo social e a negao da solidariedade de classe

    INTRODUO

    Surgindo em um contexto de desmonte dos direitos sociais, o pensamento neoliberal justifica por meio do discurso da solidariedade social a expanso do terceiro setor comoresposta alternativa no trato da questo social. Perpassado por interesses classistas, oaumento de instituies que integram o rol desta suposta esfera, oscila entre o interesse degrandes capitalistas, que buscam atravs do desenvolvimento da filantropia empresarial, entreoutras coisas, difundir uma boa imagem, na sociedade, de suas instituies, passando pelasONGs que surgem atreladas aos movimentos sociais as quais possuem, por assim dizer, umesprito mais revolucionrio, sendo mencionadas, inclusive, instituies como seitas religiosas.Essa primeira ideia do que engloba o terceiro setor na sociedade, mostra-nos umacomplexidade no que se esconde por trs deste suposto setor.

    Esse estudo acerca do terceiro setor como trato alternativo da questo social, nopossui o desejo de enquadrar ou excluir instituio nesta suposta esfera social, o que seapresenta aqui na verdade uma analise crtica sobre os interesses que perpassam adialeticidade e as contradies de um recorte conjuntural que suscita nos indivduos uma novaidia de solidariedade social, sendo esta permeada pela negao da solidariedade de classe,em que os direitos sociais so transmutados na orbita do terceiro setor em filantropia(aes desenvolvidas pela sociedade civil) em que se perde o reconhecimento dopertencimento de classe.

    Aqui buscamos enfatizar quais so os dilemas e contradies apresentadas ao(a)assistente social nas instituies que integram o terceiro setor, retratando de forma maisprofunda o trato da questo social por meio da filantropia. Por fim, destacamos a construo doProjeto tico-Poltico do Servio Social (PEPSS), o qual deve ser vivenciado pelo(a)profissional no campo de trabalho, a fim de superar cotidianamente os desafios apresentados,e descortinar possibilidades para a interveno profissional no terceiro setor.

    2 CONCEPO HEGEMNICA ACERCA DO TERCEIRO SETOR E AS CONFIGURAESCONTEMPORNEAS ENTRE ESTADO E SOCIEDADE

    O termo Terceiro Setor, de origem norte-americana, surge como conceito consolidadonos Estados Unidos em 1978, tendo como idealizador John D. Rockefeller III. No Brasil, otermo surge atravs da Fundao Roberto Marinho, sendo apresentado ao mundo por meio deempresas e intelectuais ligados burguesia, o que faz com que reflitamos o porqu desteempenho em desenvolver aes institucionais voltadas para a refilantropizao no trato daquesto social, assim como evidencia Montao (2007, p.53) ao afirmar que isso sinaliza claraligao com os interesses de classe, nas transformaes necessrias alta burguesia, huma ideologia ligada lgica capitalista que perpassa no apenas o conceito Terceiro Setor,mas todas as relaes circunscritas no cerne do seu surgimento e expanso.

    Embora possamos evidenciar uma data que marca a origem do uso do termo TerceiroSetor, compreendemos que o seu surgimento permanece ainda como uma verdadeiraescurido nas anlises dos seus tericos( Idem , p. 55), e muitos se perguntam de fato quandoteria se dado a insero de um novo setor na sociedade. Acerca de seu surgimento Montaoreflete:

    Surgiu na dcada de 80, numa construo terica, com a preocupao de certosintelectuais ligados a instituies do capital por superar a eventual dicotomiapblico/privado? Teria data anterior, nas dcadas de 60 e 70, com o auge dos chamados

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    novos movimentos sociais e das organizaes no-governamentais? Seria umacategoria vinculada s instituies de beneficncia, caridade e filantropia, dos sculosXV a XIX(ou no Brasil, com as Santas Casas de Misericrdia, Cruz Vermelha etc.)? Suaexistncia data da prpria formao da sociedade, conforme os contratualistasanalisam?(2007, p.55).

    Dessa forma, aqui reafirmamos que embora o surgimento enquanto termo, ou o uso detal nomenclatura Terceiro Setor possa ter sido utilizado a partir do final da dcada de 1970,ao estudarmos sobre essa temtica percebemos que no se pode afirmar de forma categricaquando este setor se insere na sociedade, tendo em vista as vrias anlises e contradies debilidades conceituais, entidades que o compem, etc. que perpassam o contexto histrico,poltico e ideolgico do mesmo.

    O terceiro setor a partir da anlise neoliberal coexiste com outros dois setores, oprimeiro setor, representado pelo Estado, cumprindo este uma funo administrativa dos benspblicos correspondendo assim, s aes pblicas, tanto no mbito Municipal, Estadual bemcomo Federal , e o segundo setor, representado pelo mercado, ocupado pelas empresasprivadas com fins lucrativos. Porm, nos alerta Montao, que esta afirmao da coexistnciadesses setores mais especificamente, primeiro e terceiro se configura como uma grandedebilidade conceitual(2007, p.54), posto que:

    Quando os tericos do terceiro setor entendem este conceito como superador dadicotomia pblico/privado, este verdadeiramente o terceiro setor, aps o Estado e omercado, primeiro e segundo, respectivamente; o desenvolvimento de um novo setorque viria dar as respostas que supostamente o Estado j no pode dar e que o mercadono procura dar. Porm, ao considerar o terceiro setor como a sociedade civil,historicamente ele deveria aparecer como o primeiro. Esta falta de rigor s desimportante para quem no tiver a histria como parmetro da teoria(MONTAO,2007, p. 54-55).

    Acerca desta debilidade relacionada ao conceito de Terceiro Setor, da realidadefragmentada dos setores na sociedade, e ainda sobre o conceito ideolgico proposto numaperspectiva hegemnica para o que seria o denominado terceiro setor, Montao(2007) dizque a perspectiva hegemnica, em clara inspirao pluralista, estruturalista ou neopositivista,isola os supostos setores um dos outros e concentra-se em estudar (de forma desarticuladada totalidade social) o que entende que constitui o chamado terceiro setor(p.51), sendodenominados para essa suposta esfera da sociedade as fundaes empresariais,Organizaes no Governamentais(ONGs), Organizaes Sem Fins Lucrativos(OSFL),Organizaes da Sociedade Civil(OSC), entidades de direito privado, etc., entre outrasinstituies.

    Dessa forma, o termo terceiro setor formado a partir de recortes sociais, por meio deesferas, num mbito neopositivista, funcionalista e estruturalista que isola os, j citados,setores, em que a existncia dos mesmos na sociedade se d de uma forma fragmentada edicotomizada Como se o 'poltico' pertencesse esfera estatal, o 'econmico' ao mbito domercado e o 'social' remetesse apenas sociedade civil, num conceitoreducionista(MONTAO, 2007, p.53).

    Acerca, ainda, do seu surgimento, vale destacar que o terceiro setor surge a partir de umcontexto desenvolvido na sociedade: reestruturao produtiva no mundo do trabalho (mudanano modelo de produo); mundializao da economia quando o capital passa a ser rotativodevido desterritorializao ou quebra das fronteiras geogrficas; perda dos direitostrabalhistas, dentre tantos outros acontecimentos que abriram espao para o neoliberalismoformular mais uma estratgia de reestruturao do sistema capitalista o terceiro Setor, quesurge como uma ttica do governo e das entidades privadas, sendo uma forma de(re)filantropizao no trato da questo social.

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    O terceiro setor um fenmeno que envolve um nmero significativo de organizaes einstituies, tais como organizaes no-governamentais, organizaes sem fins lucrativos,instituies filantrpicas, associaes, empresas ditas cidads, entre outras, e ainda, sujeitosindividuais, sejam eles voluntrios ou no. Montao aponta que no h um consenso entreos(as) tericos(as) e pesquisadores(as) sobre a diversidade de instituies que fariam, ou no,parte deste setor:

    Para alguns, apenas incluem-se as organizaes formais (cf. Salamon, apud Fernandes,1994: 19); para outros, contam at as atividades informais, individuais, ad hoc(Fernandes, 1994: 26 e 109); para alguns outros, as fundaes empresariais seriamexcludas (Flacso, apud Acotto e Manzur, 2000); em outros casos, os sindicatos,movimentos polticos insurgentes, as seitas etc. ora so considerados pertencentes, oraso excludos do conceito (MONTAO. 2007, p. 55).

    Desta forma, constatamos que tal conceito se formula, na verdade, numa perspectivaideolgica, dada a amplitude e diversidade das instituies e organizaes que teoricamente ocompem. Para Montao este conceito, mais do que uma categoria ontologicamenteconstatvel na realidade, representa um constructo ideal que, antes de esclarecer sobre um setor da sociedade, mescla diversos sujeitos com aparentes igualdades nas atividades(2007, p.57), embora possuam diferentes interesses na sociedade, se configurando, por vezes,contraditrias as aes e o papel social de cada instituio no mbito da sociedade.

    Dessa forma, surgem vrias inquietaes no debate que permeia est temtica, uma ofato de serem desconsideradas as relaes sociais que envolvem e articulam tais setores nasociedade, outra a afirmao de que o Terceiro Setor seria formado pela sociedade civil.Nesse sentido, verifica-se grande dificuldade em se compreender quais seriam os reaisinteresses dessa sociedade civil, posto que, de acordo com Nogueira(2005), ela se perfaz porum lado De um espao para explicitaes de subjetividades polticas e por outro de umespao para afirmao de interesses pouco comunicantes, egostas e corporativos(p.87), ouseja, ao mesmo tempo em que se encontram na sociedade civil movimentos sociaiscomprometidos com lutas polticas de interesse coletivo1, verifica-se, por outro lado, osurgimento e grande expanso de entidades que, longe de defender causas coletivas,difundem a lgica da solidariedade numa perspectiva que visa apenas os benefciosindividuais que lhes sero auferidos2.

    Isso posto, relevante destacar que uma das contradies que encontramos no terceirosetor so as instituies denominadas de Organizaes No-governamentais(ONGs) ou asinstituies sem fins lucrativos que atendem aos ideais e conceitos neoliberais, e acabam porreceber financiamento do prprio Estado ou de grandes empresas capitalistas, utilizando emsuas atividades, recursos provenientes de tais setores.

    Nos perguntamos, ento, quais so os reais interesses de se articular o surgimento deum novo setor na sociedade? E o que justificaria a expanso do chamado terceiro setor namesma?

    Em parte, a primeira pergunta j est respondida no incio deste trabalho quandodestacamos que o surgimento do terceiro setor se deu atravs dos donos de grandesempresas capitalistas e intelectuais ligados a classe burguesa, o que representa interessesclassistas por trs desse novo setor. Por outro lado, compreendemos ser, ainda, muito difcilconseguir desmistificar a totalidade de interesses individuais e coletivos que (re)afirmam aexistncia de tal setor na sociedade. Porm, tentaremos clarear um pouco o debate ao

    1Como o caso, no Brasil, por exemplo, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que lutam pelaefetivao da reforma agrria.2 Aqui consideramos as chamas Empresas cidads, que desenvolvem aes sociais a partir da lgica dasolidariedade como forma de serem difundidas na mdia, conseguir iseno de impostos fiscais, entre outrosinteresses.

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    discutirmos acerca da afirmao do terceiro setor na conjuntura neoliberal e como issorepercute na contemporaneidade.

    Observamos que, a partir da crise do fisco 3 vivenciada pelo Estado nos anos de 1970 e1980, deu-se o processo de reforma do Estado em que passa-se a observar inmerasmudanas no quadro estatal, estando entre elas, a reforma tributria tanto da previdnciaquanto das legislaes trabalhistas, reajuste nos gastos estatais, privatizao das empresaspblicas e, principalmente, um grande recorte no financiamento do Estado na rea social,nesse ultimo aspecto, tm-se retirado da esfera estatal um conjunto de polticas e instituiessociais, nas reas da assistncia, previdncia e da sade e educao pblicas(MONTAO,2007, p.218-219), sendo assim, complementa o autor:

    Este processo de verdadeiro recorte dos recursos que financiam programas estatais narea social tem sido visto como um fenmeno natural e/ou necessrio (de modernizaoestatal), dada a dita crise fiscal e a ineficincia(sic) do Estado, mas que tem sidoacompanhada de um crescimento da interveno da sociedade civil nessa rea. Temsido visto, portanto, como um processo de passagem da interveno estatal para ainterveno comunitria na rea social(p. 222).

    Outrossim, compreendemos que, o que se chamou de reforma do Estado, seria naverdade um processo no qual a ideologia neoliberal se apropria para continuar reafirmando-sena sociedade, posto que justamente a partir desse processo de contrarreforma que oEstado ir se tornar mnimo para o social e mximo para o capital4.

    , portanto, nesse contexto da reduo de gastos do Estado na rea social que sevislumbra o crescimento do terceiro setor na sociedade. Dessa forma, compreendemos ser apartir da lgica neoliberal incutido na sociedade que as mazelas vivenciadas pela populaomais carente, o que na verdade so as expresses da questo social, de responsabilidade detodos. a que surgem e, consequentemente, iro se expandir entidades filantrpicas, gruposde apoio com finalidade de assistncia especifica, ONGs, entre tantos outros grupos que

    integram ideologicamente o terceiro setor.Mediante a desresponsabilizao do Estado de garantir polticas pblicas para os(as)cidados(s), com enfoque para o(a) trabalhador(a) e com a disseminao da ideologia quetorna a sociedade civil responsvel pela questo social, percebemos a fragmentao e oenfraquecimento das polticas sociais, atravs da privatizao das organizaes estatais, e doenxugamento dos gastos pblicos, legitimando assim a lgica neoliberal. Corroborando comessa perspectiva Montao vai dizer que:

    Por outro lado, para cobrir os vcuos que, na previdncia e servios sociais eassistenciais, deixa este novo Estado minimizado, as respostas questo social soprivatizadas e transferidas sociedade civil (empresarial se lucrativas , ou no sedeficitrias), que vende ou fornece gratuitamente os servios sociais (MONTAO, 1999,p. 65).

    Percebemos que o uso da suposta escassez de recursos desencadeada pela crise doEstado apontado como justificativa para a retirada do Estado no que diz respeito a sua

    3 Para O'Connor, a crise fiscal, que leva paralelamente a uma crise de legitimidade, condensa-se a partir docrescimento simultneo dos setores monopolista e estatal; para o autor, ela tem como base a contradio bsicada acumulao capitalista a socializao da produo e a apropriao privada do seu produto , somada atendncias particulares do capitalismo[...] e inflao salarial do setor estatal, criada a partir do fato de o aumentode produtividade ser estimulado pela elevao do salrio (cf. O'Connor, 1977: 51 citado por MONTAO, 2007, p.217).4 O ajuste neoliberal da crise preconiza a defesa do mercado livre, como pressuposto da liberdade civil e poltica;a desregulamentao da economia e da administrao; a configurao do Estado mnimo, porm mximo para ocapital (NETTO, 1993 citado por ALENCAR, 2009, p. 451).

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    responsabilidade social, dessa forma tem-se por um lado, a ampliao da comercializao dosservios prestados a populao, e por outro a expanso de entidades do terceiro setor.Mediante essa ideologia, formula-se ainda a idia do surgimento de uma nova questo socialo que supostamente justificaria essa nova forma de responder as suas refraes. Porm aquesto social que expressa a contradio capital-trabalho, as lutas de classes, a desigualparticipao na distribuio de riqueza social(MONTAO, 2007, p. 187) permanece inalterada,o que se observa na verdade so novas formas de expresso da mesma(idem).

    Estando todo esse cenrio preparado, supostamente estaria justificado a ento novaforma de intervir. Se por um lado o Estado se coloca respondendo as expresses daquesto social atravs da manuteno precria das polticas pblicas sociais e assistenciais,fornecidas gratuitamente a populao, por outro lado, observa-se a (re)mercantilizao dosservios sociais transformados em mercadoria, eles so vendidos ao consumidor, consolidandoo fornecimento empresarial de servios sociais populao que pode pagar pelos mesmos.Outra forma de responder questo social sendo essa direcionada ao terceiro setor a(re)filantropizao, isso se dar na medida em que vrios segmentos da populao ficaro, deum lado, sem assistncia do Estado e, de outro, no podero ter acesso aos mesmos pela viaprivada. Dessa forma, essa responsabilidade repassada para a sociedade civil que irresponder a essas demandas da sociedade por meio de filantropia e atravs de prticascaritativas. Nesse sentido Alencar(2009) corrobora com essa afirmao ao dizer que:

    Nesse ponto, aponta-se a transferncia dos servios sociais para a sociedade civil, sob odiscurso ideolgico da autonomia, solidariedade, parceria e democracia, enquantoelemento que aglutinam sujeitos diferenciados. No entanto, vem se operando adespolitizao das demandas sociais, ao mesmo tempo em que desresponsabiliza oEstado e responsabiliza os sujeitos sociais pelas respostas s suas necessidades. [...]Nesse contexto, observa-se um profundo deslocamento quanto aos direitos sociaisagora transmutados em direito moral, sob os princpios abstratos da ajuda mtua esolidariedade (ALENCAR, 2009, p.455-456).

    no contexto de hegemonia neoliberal, em que repassada para a sociedade civil aresponsabilidade de responder as expresses da questo social que os direitos sociais sotransformados, por um lado em mercadoria - sendo ofertados para aqueles(as) que por elespodem pagar-, e por outro lado em ajuda mtua. Dessa forma, o trabalho desenvolvido poralgumas entidades do terceiro setor acontece, por vezes, numa perspectiva despolitizada,tendo em vista que os direitos sociais so repassados para a populao sobre o prisma daajuda e solidariedade humana, o que vai de encontro perspectiva da conquista econsolidao de direitos. Nesse sentido, acerca da materializao das polticas sociais asquais so planejadas e implementadas para responder as refraes da questo social nessenovo processo histrico a retrao do Estado quanto responsabilidade no enfrentamento da

    questo social, mediante a transferncia de responsabilidade do Estado para o terceiro setor,identificado erroneamente como a sociedade civil, altera substantivamente a orientao e afuncionalidade das polticas sociais[...](ALENCAR, 2009, p.458).

    Outro aspecto que devemos destacar nesse estudo, o fato de que, por vezes, essasorganizaes do terceiro setor so financiadas pelo prprio Estado, o que se configura como achamada parceira entre setores - legitimando o esvaziamento dos direitos sociais bem comoo recorte das polticas sociais. De acordo com Montao o Estado fornece a essasorganizaes crdito fcil, iseno fiscal, facilidades legais, destina recursos financeiros,materiais e humanos(2007, p. 225), porm a grande crtica que se faz aqui se fundamenta nalgica de que o Estado deixa de investir nas polticas sociais pblicas o que faz com que elassejam ofertadas populao, tanto em instncia governamental como no-governamental, de

    forma seletiva e focalizada , o que leva ao desenvolvimento de polticas precarizadas na reada sade, assistncia, educao entre outras.

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    Vale salientar que nos anos de 1970 e 1980 as ONGs da Amrica Latina obtiveram umcrescimento quantitativo, isso se deu devido ao fato do financiamento dessas instituies serrealizado por meio de entidades internacionais, porm a partir dos anos de 1990 quandoessas entidades internacionais passaram a direcionar os seus recursos para outros continentes

    essas instituies passam a expandir-se devido grande lacuna deixada pelo Estado na reasocial, sendo que nesse segundo momento o que se configura no contexto social, ofinanciamento estatal voltado para essas organizaes da sociedade civil(MONTAO, 2007).Lacuna deixada estrategicamente para atravs do apelo a solidariedade social, surjam nasociedade instituies diversas para desenvolverem servios que supram embora de formapaliativa a ausncia do Estado no tocante as polticas pblicas.

    Acerca, ainda, do financiamento para as atividades desenvolvidas por instituies doterceiro setor, constatou-se no perodo do governo de Fernando Henrique Cardoso uma pocade grandes investimentos do Estado nessa rea, em virtude do que reza a Lei Orgnica daAssistncia Social(LOAS)5, tal governo fez grande investida no programa ComunidadeSolidaria o qual era dirigido pela ex-primeira dama, desviando dessa forma recursos deatividades de responsabilidade estatal para o terceiro setor(MONTANO, 2007).

    Porm, destacamos aqui que esse financiamento se d de diversas maneiras, noapenas pela rbita do Estado, mas, sobretudo na contemporaneidade, criam-se as novasformas especficas de captao de recursos por meio de telemarketing. A propagao do apelo solidariedade se configura como estratgia que leva sujeitos individuais a serem os novosfinanciadores de tais entidades. Montao ao citar Peter Drucker diz que as fontes de recursosque financiam o terceiro setor no se constituem mais fundamentalmente de grandesentidades doadoras, mas muito mais de pequenos e mdios contribuintes, que devem seridentificados e 'convencidos' do 'bom' uso dos recursos(2007, p.208).

    Outro aspecto que devemos destacar o fato das ONGs surgirem vinculadas aosmovimentos sociais em torno das dcadas de 70 e 80, nesse primeiro momento essasorganizaes procuravam atreladas aos movimentos sociais uma melhor participao e

    reivindicaes nas lutas sociais. Porm, observa-se que a partir do final da dcada de 80 osmovimentos sociais comeam a entrar em crise, a partir da retirada do cenrio social dasagncias financiadoras internacionais e do ressurgimento dos sindicatos.

    Dessa forma, constata-se o fortalecimento das ONGs e uma recuada dos movimentossociais, muito embora seja reconhecido que grande parte da militncia que encorpava osmovimentos sociais ir, nesse novo momento, se introduzir nas ONGs, ou at mesmo fund-las. Mediante essa realidade o passo seguinte conceber a substituio do velho militante domovimento social(dos anos 70 e 80) pelo novo militante da ONG(dos anos 90) (MONTAO,2007, p.139), porm nos alerta ainda que essa passagem permitida a partir de um conceitovago de movimento social (idem ), isso porque no contexto atual verifica-se grande retraodos movimentos sociais de esquerda, e o fortalecimento das ONGs, sendo que esta ltima temsido vista de forma despolitizada por possuir, por vezes, um carter empresarial que buscaparceiras para obteno de fundos.

    Embora haja uma tendncia a confundir os movimentos sociais com as ONGs,constatamos que h grande diferena entre os movimentos sociais de base formados pelapopulao urbana dos anos 70 e 80 e as ONGs que permanecem se difundindo na sociedadeatualmente. E o que isso significa no contexto atual?

    Ora, com o enfraquecimento dos movimentos sociais perde-se o foco das lutasclassistas, aquelas as quais foram determinantes para a conquista dos direitos sociais noBrasil. Dessa forma, faz parte da ideologia neoliberal abafar determinados movimentos dasociedade, a fim de conformar a populao, e disseminar a alienao nos sujeitos que

    5 Consideram-se entidades e organizaes de assistncia social aquelas que prestam, sem fins lucrativos,atendimento e assessoramento aos beneficirios abrangidos por esta lei, bem como as que atuam na defesa egarantia de seus direitos (BRASIL, LOAS, 1993).

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    permanecem desconhecendo e no cobrando os seus direitos. Por outro lado, verifica-se queembora as lutas travadas pelas ONGs e a conquista de financiamento leva tais organizaes adesenvolver polticas sociais na sociedade, notrio que tais polticas so implementadas deforma fragmentada o que descaracteriza a universalidade das polticas sociais tendo emvista que elas vo ser executadas de forma focalizada, isso para atender aos requisitosestabelecidos pelos seus financiadores. Sendo assim, cada instituio, organizao, projetosocial, entre tantos outros participantes da suposta esfera do terceiro setor, ter suasatividades e aes determinada pelo seu financiador, o que gera srias amarras para taisinstituies.

    Aqui nos perguntamos como esse setor que no se autogerencia e/ou autofinancia que possui amarras que o faz oscilar entre a esfera do pblico e do privado poderia garantirpolticas sociais para a populao? Ou ento como ele compensaria as polticas sociais queso, frequentemente, abandonadas pelo Estado?

    Na verdade, embora as instituies do terceiro setor desenvolvam polticas sociais, apromoo das mesmas possui a tendncia de multifragmentar o trato da 'questo social',porque alm da sua setorizao gentica, elas so tambm fragmentadas , dada a pequenarea de abrangncia das organizaes deste setor em microespaos (MONTAO, 1997).Dessa forma constamos que o terceiro setor no compensa as polticas sociais deixadas peloEstado, nem em qualidade, nem em quantidade. As aes desenvolvidas pelo mesmo servem,assim como na esfera do Estado, como paliativo voltado para as necessidades mais urgentesda populao, no proporcionando populao a construo de valores que posteriormentevenham a levar os sujeitos a emancipao poltica e posteriormente humana.

    3 O SERVIO SOCIAL E AS CONTRADIES QUE PERMEIAM OS ESPAOS SCIO-OCUPACIONAIS NO MBITO DO TERCEIRO SETOR

    Aps situarmos aqui o debate acerca do surgimento do suposto terceiro setor nasociedade, e descortinarmos as suas reais motivaes, se faz importante tambm destacarmosa insero dos(as) profissionais do Servio Social nas diversificadas instituies que ocompem6, e ainda apresentarmos as relaes de trabalho que envolve o(a) assistente socialnas mesmas. Isso se faz necessrio pelo fato dessas instituies surgirem como forma de darrespostas as expresses da questo social, dessa forma sendo o(a) assistente social o(a)profissional que, na diviso sociotcnica do trabalho, se insere no contexto que busca mediara relao capital versus trabalho (onde se encontra o cerne da questo social), os serviosprestados por essas instituies iro demandar a atuao de assistentes sociais, seconfigurando esse espao como um dos campos de atuao profissional.

    A atuao em instituies do terceiro setor se configura para o Servio Social como umdos impactos trazidos pelo processo de contrarreforma do Estado brasileiro, a partir datransferncia dos servios sociais para a esfera do terceiro setor. As novas formas deresponder as expresses da questo social como j fora citado iro apresentar novasdemandas e novos espaos ocupacionais para o(a) assistente social, no caso dascompetncias e atribuies importante salientar que elas chegam, por vezes, a extrapolar oque est previsto na lei de regulamentao da profisso(8.662/93) no tocante as competnciase atribuies profissionais, principalmente a partir da difuso dos princpios da ajuda esolidariedade o que pode levar desprofissionalizao do atendimento social (ALENCAR,2009, p.458).

    J com relao aos espaos socioprofissionais v-se no cenrio atual uma grandeexpanso das chamadas organizaes sociais, sobretudo das ONGs, instituies privadas sem

    6 Apesar dos divergentes conceitos sinalizados pelos(as) autores(as) que estudam acerca desta temtica,constata-se hegemonicamente inseridas nesse setor ONGs, instituies filantrpicas e as chamadas empresascidads.

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    fins lucrativos, instituies filantrpicas e de cunho caritativo. Nessas instituies osatendimentos so voltados para segmentos e grupos especficos, tendo por base o princpio daseletividade no atendimento social. O trabalho do assistente social passa a ter, portanto,sentidos e resultados sociais bem distintos, o que altera o significado social do trabalhotcnico-profissional, bem como ainda seu nvel de abrangncia(ALENCAR, 2009, p.458).

    Outro ponto a se destacar ainda, o fato das polticas sociais se configurarem comorespostas do Estado s expresses da questo social, isso implica dizer que se elas modificamsuas orientaes e funcionalidades, conseqentemente a diminuio e precarizao dasmesmas iro refletir de forma negativa para a profisso sendo elas em potencial parte doinstrumental que ir mediar atuao dos(as) assistentes sociais na sociedade.

    No obstante toda realidade j exposta, o estmulo a expanso das prticas como ovoluntariado, representa ainda a expanso do chamado terceiro setor como um campoalternativo, sendo o mesmo considerado pelo discurso neoliberal como substituto do Estadotido como insuficiente para o social(OLIVEIRA, 2005). Isso significa dizer que as polticassociais pblicas sero transferidas esfera do terceiro setor, e que, por vezes, serodesenvolvidas sob o prisma de aes filantrpicas descaracterizando a execuo de taispolticas como dever do Estado e direito do cidado.

    Sendo o(a) assistente social profissional que atua respondendo as refraes da questosocial, uma vez que essas sero respondidas no apenas pelo Estado, mas tambm poriniciativas privadas e da sociedade civil, verifica-se que a sua atuao no chamado terceirosetor se dar mediante o desenvolvimento da filantropia7, tendo em vista que a(re)filantropizao se configura como uma das novas formas de intervir na questo social.

    A respeito do trabalho desenvolvido como filantropia por essas instituies, Montao vaidizer que com a diminuio das respostas estatais s necessidades sociais, crescem os laosde solidariedade local entre os particulares(1999, p. 70), sendo assim comum na sociedadeencontrarmos espaos filantrpicos, em que o financiamento das atividades desenvolvidasparte da participao social, das mobilizaes individuais. Por vezes, essas instituies iro

    desenvolver atividades fragmentadas na esfera social, sendo que os benefcios promovidospelas mesmas esto voltados para a forma particular de solidariedade em que odesempregado solidrio com o desempregado, o homossexual com o homossexual, ocamel com os vendedores ambulantes o sem-teto com os despossudos de moradia( Idem :71). Dessa forma, o princpio da solidariedade universal passa a ser substitudo pelas aesdesenvolvidas por cada grupo e/ou segmento que apresenta uma necessidade particular,buscando cada grupo a autosustentao das atividades desenvolvidas.

    Montao critica tal realidade ao dizer que o que se oculta, portanto, neste fenmeno deauto-responsabilizao dos usurios particulares um verdadeiro processo de des-responsabilizao estatal (e do capital) com a resposta s seqelas da questosocial(Ibidem ). Percebe-se a partir da realidade exposta a desresponsabilizao do Estado notrato da questo social, deixando a populao a merc de atendimentos e servios prestadospelas diversas e distintas organizaes da sociedade civil.

    Em decorrncia da expanso das ONGs na dcada de 1990 no Brasil, na atuao egesto de projetos e programas sociais que so desenvolvidos na sociedade nas mais diversasreas, a saber: habitao, criana e adolescente, educao, relaes de gnero, violncia etc.,e com a mudana nas prioridades dos grupos financiadores de tais organizaes observa-se,na contemporaneidade, que tais organizaes passam a desenvolver atividades voltadas parao seu autofinanciamento, bem como recorrem ao Estado como fonte de financiamento atravsde parcerias.

    7 As prticas de filantropia esto pautadas no humanitarismo e na prtica da caridade, em que as pessoas aodesenvolverem valores como a solidariedade iro - como sociedade civil - responder as expresses da questosocial por meio de doaes, sendo estas realizadas por meio de dinheiro e do trabalho voluntrio em instituiesde cunho no-governamentais desenvolvidas na sociedade.

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    Mediante essa realidade e tendo em vista o surgimento das ONGs vinculadas aosmovimentos sociais possuindo a finalidade de organizar tais movimentos, se configurandocomo canais de renda para os mesmos constata-se, na atualidade, que tais organizaesesto voltadas para intermediar a relao entre os movimentos sociais e o Estado. Essarelao, por vezes, acontece de forma despolitizada, buscando a harmonia e a parceira,visando o bem comum, esquecendo o carter de classe dos movimentos sociais. Acerca daparceria desenvolvida entre o Estado e as ONGs, Montao vai dizer que:

    [...], a chamada 'parceria' no outra coisa seno o repasse de verbas e fundos nombito do Estado para instncias privadas, substituindo o movimento social pela ONG. Eessa verdadeira transferncia de recursos pblicos para setores privados no ocorresem uma clara utilidade poltica governamental. O Estado , portanto, mediante alegislao (leis como do 'voluntariado', do 'terceiro setor', das 'Oscip', das 'parceiras') erepasse de verbas, um verdadeiro subsidiador e promotor destas organizaes e aesdo chamado 'terceiro setor' e da iluso do seu servio (2009, p. 146).

    Desta forma, se por um lado a parceria entre o Estado e as ONGs significam ofinanciamento e a continuidade dos projetos desenvolvidos por estas, por outro, como promotorde tais atividades ele o Estado vai determinar os servios sociais desenvolvidos por estasorganizaes. vlido lembrar, que o desenvolvimento dessas aes se configuram aindacomo forma de terceirizao dos servios prestados a sociedade, o que esclarece parte dosinteresses governamentais em financiar tais instituies, visto que sai mais barato aos cofrespblicos investir em projetos temporrios (que so desenvolvidos pelas ONGs) do que ampliaros servios e contratao de funcionrios na Esfera governamental. Outra particularidade quevem se expandindo na sociedade atualmente, a denominada filantropia empresarial que seconstitui numa nova forma de ao social, sendo difundida pelas chamadas empresas ditascidads e/ou solidrias, que por meio de projetos sociais promovem investimento na reasocial, sendo os mesmos realizados por entidades que legalmente so privadas sem fins

    lucrativos. Essas atividades so consideradas de interesse pblico, porm, aqui no se podeprescindir da crtica aos reais interesses dessas instituies ao desenvolverem atividadesligadas rea social.

    Ao discutir acerca dessa realidade que vem se consolidando no cenrio atual, devido aexpanso da ideologia que adere a suposta presena de um terceiro setor na sociedade, valeressaltar que ela no se d de forma neutra, mas, ao contrrio, carrega claros interesses declasses. Acerca da filantropia empresarial Iamamoto diz que o 'novo esprito social' dedirigentes de grandes grupos econmicos, expresso na atualidade, no pode ser confundidocom impulsos distributivos e/ou humanitrios generosos(2009, p. 129), mas h, sobretudo, anecessidade de descortinarmos os reais interesses de desenvolver tais atividades nasociedade.

    Ainda a esse respeito, Montao(2007, p. 148) aponta algumas reflexes ao indagarcomo se poderia caracterizar a 'filantropia empresarial' sem estabelecer a utilidade poltica (naimagem social) ou econmica (no aumento das vendas, na iseno de impostos etc.) que aempresa tem?, sendo assim, constatamos os interesses vislumbrados por essas entidades aodesenvolver tais aes na sociedade.

    Entre os recursos destinados para o terceiro setor, constatam-se enormes quantias dosrecursos estatais, seja no mbito da Unio, dos governos estaduais ou municipais. O Estadodestina s instituies filantrpicas e de servios pblicos verbas oramentrias do governo.De acordo com Montao a transferncia de fundos estatais para as entidades do chamado'terceiro setor' pode ser feita mediante diversos mecanismos (cf. Supra): iseno de impostos(renncia fiscal),terceirizao, parcerias, subvenes etc. (2007, p. 214).

    3.1 Atuao dos(as) assistentes sociais nas instituies do chamado terceiro setor eos desafios para consolidao do Projeto tico-poltico

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    No tocante as atividades desenvolvidas pelas assistentes sociais nessas instituies,podemos destacar questo do encaminhamento de usurios(as) que demandam serviosno disponveis pelas instituies do Estado. Dessa forma o(a) profissional do servio Socialtrabalha fazendo encaminhamentos entre as vrias instituies do terceiro setor, isso se datravs de parcerias desenvolvidas entre entidades filantrpicas, e entre estas e o Estado. Htambm a captao de voluntrios como sendo uma das atividades desenvolvidas nasinstituies a depender da natureza das mesmas. comum em instituies do terceiro setor odesenvolvimento de trabalhos atravs do voluntariado tendo em vista difuso dos valores dasolidariedade na sociedade.

    Aqui, destacamos que essa difuso no acontece de forma neutra, ela traz em siinteresses os quais produzem polarizaes na sociedade em que refora-se o discurso dacoeso social, da complementaridade entre as classes, da unidade entre capital e trabalho,entre Estado e sociedade civil (IAMAMOTO, 2009, p. 139), nessa perspectiva a questo social tratada como um todo indiferenciado, obscurecendo seu carter de classe( Idem ), o querefora a consolidao do projeto burgus na sociedade 8.

    Embora as reflexes presentes neste trabalho se desenvolvam sobre o prisma decrticas que elucidam, a nosso ver, os interesses de classe que perpassam o supostosurgimento e expanso de um terceiro setor na sociedade relacionando-o a(re)filantropizao das respostas dadas s expresses da questo social sabe-se que talespao engloba profissionais de diversas categorias, entre eles(as) os(as) assistentes sociais.

    Outrossim, constata-se que em tais espaos o trabalho desenvolvido por profissionais doServio Social acontece por meio da filantropia, o que supostamente significaria para algunsanalistas a (re)filantropizao do Servio Social, representando um retorno as prticascaritativas e voluntaristas da profisso. Porm, a esse respeito Montao nos alerta paraalgumas observaes que no podem ser esquecidas nessa anlise conceitual.

    Se entendermos a emergncia do Servio Social como produto histrico, sntese de lutasde classes condensadas no projeto hegemnico burgus , quando o Estado toma para sia resposta das seqelas da questo social e dentro da diviso sociotcnica do trabalho,a tese de o Servio Social evoluir (como organizao e profissionalizao) da caridade eda filantropia rejeitada; no h evoluo ou continuidade direta entre filantropia eServio Social, e sim ruptura, descontinuidade. Neste sentido, a reforma (neoliberal) doEstado no promove uma refilantropizao do Servio Social. Se este ultimo no surge,no evolui daquela, mal poderia retornar quilo que nunca foi. No h, portanto, umapassagem paulatina de prticas profissionais dos assistentes sociais para prticasfilantrpicas dos mesmos. O que se processa, na verdade, uma perda do espaoprofissional-ocupacional dos assistentes sociais, que deixa lugar a porm no evoluiem um aumento das prticas filantrpicas (MONTAO, 1999, p. 73).

    A fala do autor esclarece que no o Servio Social que retorna ao desenvolvimento dafilantropia, posto que, de acordo com as anlises apresentadas pelo mesmo, rejeita-se a tesedo surgimento da profisso vinculada a prticas filantrpicas, mas sim, o que se constata afim de se consolidar o projeto burgus na sociedade, em que todas as relaes, e em especialas do mundo do trabalho, se flexibilizam um redirecionamento do espao prtico-ocupacional do Servio Social, em que se verifica a partir da retirada do Estado o aumento dafilantropia por instituies da sociedade civil, no uma atividade prtica(o Servio Social) que

    8 Para Iamamoto: A proposta analisada parece aproximar-se de uma verso moderna do socialismo conservadorou burgus. Salientado por Marx e Engels no debate com Proudhon, em uma das obras clssicas que contemplaas correntes do pensamento social no sculo XIX. Segundo os autores, o socialismo burgus procura remediar osmales sociais para consolidar a sociedade burguesa e assim melhorar a sorte dos trabalhadores. Os socialistasburgueses querem as condies de vida da sociedade burguesa sem as lutas e contradies que dela decorremfatalmente da a evocao solidariedade social , reforando uma concepo consoladora do mundoburgus(2009, p. 139).

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    se transforma (de profissional/estatal para voluntarista/particular), e sim uma atividade prtica(oServio Social) que paulatinamente substituda por outra diferente (a ao filantrpica)(MONTAO, 1999, p. 73).

    Dessa forma, constata-se que tais mudanas no cenrio social no repercutem apenasna categoria profissional dos(as) assistentes sociais, mas demonstra a consolidao de umprojeto societal que ao redimensionar as formas de responder as expresses da questo social

    passando a mesma a ser respondida por meio da (re)mercantilizao e (re)filantropizao suprime a noo de direito social, o que se configura como grande perda para a classetrabalhadora.

    Sendo assim, o que pode proporcionar ao profissional de Servio Social suporte paraenfrentar as estratgias neoliberais, em que se consolida a perda de direitos e adesumanizao do ser social? Em que deve est balizada a prxis profissional do(a) assistentesocial?

    Nesse contexto de contradies, o(a) profissional do Servio Social deve buscar pormeio da qualificao, do conhecimento e anlise crtica da realidade estratgias que o(a)possibilite enfrentar o projeto neoliberal, a fim de legitimar-se mediante a tendnciadevastadora da rea social nisso esto jogadas todas as cartas, para a profisso e para ossetores subalternos da sociedade(MONTAO, 1999, p. 75). Aqui, queremos enfatizar aimportncia do Projeto tico-poltico do Servio Social (PEPSS) como baliza de sustentao saes voltadas para a classe menos favorecida. atravs do exerccio profissional norteadopor um projeto crtico que o(a) assistente social ir se contrapor a realidade societal,analisando e reconhecendo os valores que esto voltados para outro projeto de humanidade,assim como nos assegura Guerra ao dizer que:

    a formulao de um projeto profissional crtico sociedade burguesa uma demandados segmentos da sociedade que recebem os servios prestados pelo assistente social,e no apenas uma condio de grupos ou do coletivo profissional(GUERRA, 2007, p. 9).

    Dessa forma, o PEPSS imprime a categoria profissional um carter que extrapola adimenso do coletivo profissional, perpassando a esfera da sociabilidade como um todo, pois nela, e para ela, que so destinadas as aes desenvolvidas pelos(as) profissionais dessacategoria, sobretudo para a classe trabalhadora, por ser essa, em potencial, a classe que maisdemanda interveno do Servio Social.

    Mas, como surge tal projeto (crtico) dentro da categoria? E quais elementos nospermitem materializ-lo nos processos que cristalizam a interveno do(a) assistente social nasociedade?

    Podemos dizer que o processo de inteno de ruptura, que se deu no ano de 1970 emmeio ao regime antidemocrtico da ditadura militar, o qual se contraps a postura profissionalconservadora no Servio Social daquela poca, o elemento chave que contribuir para aconstruo do que anos mais tarde se configurou como PEPSS. O congresso da virada IIICBAS de 1979 faz emergir na categoria profissional a defesa dos interesses da classetrabalhadora. A luta pela democracia uniu profissionais de outras categorias e estudantes, oque contribuiu para a construo de uma nova compreenso da realidade (RAMOS, 2009).

    nas dcadas de 1980 e 1990 que o PEPSS vai se consolidar, nesse perodo observa-se a ruptura com o conservadorismo profissional e instaura-se o pluralismo poltico naprofisso. O amadurecimento de tal Projeto na dcada de 1990 permite situ-lo na correnteterica do materialismo histrico dialtico fundamentado em Marx. Sendo assim, nacontemporaneidade a perspectiva da apreenso de totalidade social que norteia o trabalhodos(as) assistentes sociais, que para responder as expresses da questo social no se pode

    prescindir dessa viso crtica da realidade.A construo do PEPSS fruto da organizao das diversas entidades da categoria, esuas lutas perpassam os espaos deliberativos da categoria profissional, sendo esses espaos

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    encontros de entidades como o Conselho Federal de Servio Social(CFESS), ConselhoRegional de Servio Social(CRESS), Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais(CBAS),encontros da Executiva Nacional de Estudantes de Servio Social(ENESSO) e a AssociaoBrasileira de Ensino e Pesquisa em Servio Social (ABEPSS).

    O PEPSS se expressa em trs dimenses: os instrumentos normativos da profisso Cdigo de tica Profissional, Lei de Regulamentao, Diretrizes Curriculares, bem como nasvrias legislaes vigentes relativas ao Servio Social , a dimenso organizativa representadapelas entidades da categoria e a produo de conhecimento na rea. Todos os aspectoscitados expressam o atual projeto profissional crtico do Servio Social, e a materializao domesmo proporciona ao/a profissional estabelecer alianas e parcerias na defesa de valores eprincpios comprometidos com a emancipao humana (RAMOS, 2009, p. 42).

    Com relao, ainda, a dimenso normativa do PEPSS a qual envolve legislaesrelativas ao Servio Social ressaltamos a sano, pelo ex presidente da repblica, Luiz IncioLula da Silva, do Projeto de Lei Complementar (PLC) 152/2008, passando o mesmo a seconstituir na Lei n 12.317/2010 a qual dispe sobre a durao do trabalho do(a) assistentesocial, determinando que os contratos de trabalho das(os) profissionais brasileiros sero de nomximo 30 horas semanais, isto sem haver reduo salarial(BRASIL, 2010).

    Ainda, acerca da Lei n 12.317/2010, destacamos que o conjunto CFESS/CRESS,entidades que representam a categoria profissional, lutaram pela realizao dessa conquista.Isso se deu mediante a realizao de abaixo-assinado, ato pblico, plenria no Senado, eoutras mobilizaes direcionadas ao presidente da repblica. Dessa forma, destacamos queessa conquista resultante de uma luta histrica da categoria profissional em defesa demelhores condies de trabalho, o que demonstra a organizao poltica da categoriaprofissional e a luta referente aos direitos do trabalho, numa perspectiva que vai alm de umcorporativismo, mas que visa defesa intransigente dos direitos da classe trabalhadora.

    Tendo em vista que, embora no cotidiano de trabalho se apresentem aspectos que, porvezes, inviabilizam a ao profissional, a criatividade, o compromisso profissional bem como

    a capacidade de reconhecimento crtico da realidade que proporcionar a partir da autonomiaque o profissional dispe para desenvolver e aprofundar o conhecimento na rea deinterveno aes reflexivas interventivas, em que o trabalho profissional sai da esfera dopragmatismo e do mecanicismo cotidiano para alcanar o nvel de prxis, sendo essas aespropositivas e indicadoras da transformao social.

    CONSIDERAES FINAIS

    O desenvolvimento desse estudo teve por finalidade suscitar discusses que perpassamo contexto do terceiro setor, os seus rebatimentos para a sociedade, e de forma particular parao Servio Social. Ao finalizarmos esse estudo, apontamos algumas consideraes, de modoparticular, destacamos que situar os aspectos que envolvem, na contemporaneidade, o ServioSocial no mbito do terceiro setor, se faz de suma importncia, pois tais espaos demandam ainterveno de profissionais que possuem como objeto de interveno as mltiplas expressesda questo social.

    Constatamos que os espaos que se aglutinam no terceiro setor, assim como osprprios determinantes que o fazem surgir, se apresentem de forma contraditria ao ServioSocial, pelos interesses de classe que perpassam o surgimento e expanso deste setor nasociedade. Contudo, de suma importncia que tais espaos sejam ocupados por profissionaisque, longe de legitimar a lgica burguesa na sociedade, busquem atravs da efetivao de umprojeto profissional crtico responder as seqelas da questo social, por meio de aes quevisem emancipao poltica dos sujeitos.

    O trabalho do(a) assistente social no terceiro setor envolve, ainda, um complexo dequestes que no puderam ser aprofundadas nesse estudo, a saber: a desprofissionalizaodo Servio Social; a perda do espao privilegiado de atuao profissional: o Estado, maior

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    empregador dos(as) assistentes sociais no Brasil; a crescente demanda do profissional deServio Social pelo terceiro setor; entre outras, que podem vir a ser estudadas por outrossujeitos. Porm esperamos ter contribudo para a construo do conhecimento nessa rea.

    REFERNCIAS

    ALENCAR, Mnica.O trabalho do assistente social nas organizaes privadas nolucrativas. In: Servio Social: direitos sociais e competncias profissionais. Braslia:CFESS/ABEPSS, 2009.

    BRASIL. Lei n 8.742 de 07 de dezembro de 1993. Dispe sobre a organizao daAssistncia Social e d outras providncias. Publicada no DOU dia 08 de dezembro de 1993.

    _______.Lei n 12.317 de 26 de agosto de 2010 . Acrescenta dispositivo Lei no 8.662, de 7de junho de 1993, para dispor sobre a durao do trabalho do Assistente Social. Publicada noDOU dia 27 de agosto de 2010.

    GUERRA, Yolanda. O Projeto Profissional Crtico: estratgias de enfrentamento dascondies contemporneas da prtica profissional. In: Revista Servio Social e Sociedade n91. So Paulo: Cortez, 2007.

    IAMAMOTO, Marilda Vilela.O servio Social na Contemporaneidade: trabalho e formaoprofissional. So Paulo: Cortez, 2009.

    MONTAO, Carlos Eduardo.Das lgicas do Estado s lgicas da Sociedade civil: Estado e terceiro setor em questo. In: Revista Servio Social e Sociedade n 59. So Paulo:Cortez, 1999.

    _______. O Servio Social frente ao neoliberalismo. Mudanas na sua base desustentao funcional-ocupacional. In: Revista Servio Social e Sociedade n 53. SoPaulo: Cortez, 1997.

    _______.Terceiro Setor e Questo Social: crtica ao padro emergente de interveno social.4. Ed. So Paulo: Cortez, 2007.

    NOGUEIRA, Marco Aurlio.Um Estado para a Sociedade Civil: temas ticos e polticos dagesto democrtica. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2005.

    OLIVEIRA, Lvia Maria de. A materializao do projeto tico-polt ico do Servio Social nocotidiano profissional em ONGs de Mossor-RN.Trabalho monogrfico apresentado Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Mossor, 2005.

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