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Actas do XII Colóquio Ibérico de Geografia 6 a 9 de Outubro 2010, Porto: Faculdade de Letras (Universidade do Porto) ISBN xxx-xxx-xxxxx-x-x Flávio Nunes CEGOT – Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território [email protected] Iva Pires CEG – Centro de Estudos Geográficos [email protected] O tecido empresarial português promotor do processo de integração económica na Euroregião Galiza – Norte de Portugal Sessão temática: Redes, Migrações e Desenvolvimento Resumo Este estudo integra-se num projecto de investigação mais amplo (Redes Transfronteiriças de Relações entre Empresas: Norte de Portugal-Galiza e Alentejo-Extremadura - PTDC/CS- GEO/100409/2008) que visa aprofundar e sistematizar o conhecimento sobre o processo de integração económica das regiões de fronteira na Península Ibérica. O seu objectivo geral é perceber o impacto da ‘eliminação’ da fronteira, decorrente da adesão dos dois países à União Europeia, na integração dos sistemas produtivos de dois casos de estudo: a ‘Euroregião Galiza - Norte de Portugal’ e a ‘Extremadura – Alentejo’. No âmbito específico da dinâmica interregional de cooperação económica entre a Galiza e o Norte de Portugal, este estudo procura identificar o contributo promovido pelo tecido empresarial português para o aprofundamento da cooperação empresarial transfronteiriça no Noroeste peninsular. Neste sentido, apresentam-se conclusões que nos permitem avaliar o grau de reconhecimento que existe, por parte da estrutura empresarial do Norte de Portugal, quanto às vantagens do alargamento das suas áreas de mercado para a Galiza, bem como quanto aos benefícios da estruturação de redes produtivas transfronteiriças com esta região de Espanha. A partir de um tratamento estatístico e cartográfico da base de dados EURES procura-se, em última análise, detectar o perfil-tipo das empresas portuguesas que mais contribuem para a integração económica desta Euroregião, sistematizando e analisando informação que permita perceber quais as características que diferenciam estas empresas do conjunto da estrutura empresarial do Norte de Portugal Palavras-chave: integração económica; cooperação transfronteiriça, Euroregião, Galiza, Norte de Portugal

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Actas do XII Colóquio Ibérico de Geografia 6 a 9 de Outubro 2010, Porto: Faculdade de Letras (Universidade do Porto) ISBN xxx-xxx-xxxxx-x-x

Flávio Nunes CEGOT – Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território [email protected]

Iva Pires CEG – Centro de Estudos Geográficos [email protected]

O tecido empresarial português promotor do processo de integração económica na Euroregião Galiza – Norte de Portugal Sessão temática: Redes, Migrações e Desenvolvimento

Resumo Este estudo integra-se num projecto de investigação mais amplo (Redes Transfronteiriças

de Relações entre Empresas: Norte de Portugal-Galiza e Alentejo-Extremadura - PTDC/CS-GEO/100409/2008) que visa aprofundar e sistematizar o conhecimento sobre o processo de integração económica das regiões de fronteira na Península Ibérica. O seu objectivo geral é perceber o impacto da ‘eliminação’ da fronteira, decorrente da adesão dos dois países à União Europeia, na integração dos sistemas produtivos de dois casos de estudo: a ‘Euroregião Galiza - Norte de Portugal’ e a ‘Extremadura – Alentejo’.

No âmbito específico da dinâmica interregional de cooperação económica entre a Galiza e o Norte de Portugal, este estudo procura identificar o contributo promovido pelo tecido empresarial português para o aprofundamento da cooperação empresarial transfronteiriça no Noroeste peninsular. Neste sentido, apresentam-se conclusões que nos permitem avaliar o grau de reconhecimento que existe, por parte da estrutura empresarial do Norte de Portugal, quanto às vantagens do alargamento das suas áreas de mercado para a Galiza, bem como quanto aos benefícios da estruturação de redes produtivas transfronteiriças com esta região de Espanha.

A partir de um tratamento estatístico e cartográfico da base de dados EURES procura-se, em última análise, detectar o perfil-tipo das empresas portuguesas que mais contribuem para a integração económica desta Euroregião, sistematizando e analisando informação que permita perceber quais as características que diferenciam estas empresas do conjunto da estrutura empresarial do Norte de Portugal

Palavras-chave: integração económica; cooperação transfronteiriça, Euroregião, Galiza, Norte de Portugal

2 O tecido empresarial português promotor do processo de integração económica na Euroregião Galiza-Norte de Portugal

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1. Introdução

No passado as fronteiras entre países eram vistas como barreiras, impedindo ou dificultando os movimentos de pessoas e de bens, actuando, deste modo, como factores que afectavam negativamente as economias regionais, mas desde finais dos anos oitenta o processo de globalização económica, com a intensificação das trocas comerciais e da mobilidade à escala global, tem contribuído para alterar o papel tradicional desempenhado pelas fronteiras. Na União Europeia (UE) o processo de de-bordering está mesmo a ser estimulado na sequência de uma estratégia comunitária que, em última instância, visa uma maior coesão económica e social mas também territorial, reconhecendo para isso a importância da cooperação transfronteiriça quer no desenvolvimento local e regional quer como factor de integração relevante na política de coesão.

No contexto ibérico, a entrada conjunta dos dois países na Comunidade Economia Europeia (CEE), em 1986, fez surgir uma nova moldura institucional para enquadrar as relações entre ambos, que se tornaram mais intensas e diversificadas. A intensificação dos fluxos comerciais e de investimento foram os primeiros sinais desse processo de integração e os dois países tornaram-se rapidamente importantes parceiros económicos.

Contudo, o aprofundamento dos laços comerciais entre os dois países beneficiou sobretudo as regiões mais desenvolvidas e surgiu numa lógica de aproveitamento das vantagens comparativas e da especialização produtiva dessas regiões (Caetano, 1998, 2001; Alves, 2000; Machado, 2007). Pelo que, apesar do processo de macro-integração que está em curso entre os dois mercados nacionais, o grau de interacção entre as regiões de fronteira é reduzido. Estudos empíricos que avaliaram os fluxos de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) entre os dois países ibéricos mostram a sua elevada concentração nas grandes áreas metropolitanas do litoral, enquanto as regiões de fronteira não mostraram capacidade de atracção de investimentos (Ferrão e Fonseca, 1989; Caetano, 1998; Pires e Teixeira, 2002; Pires e Nunes, 2006; Pires, 2007; Pires, ed. 2008). A sua modesta atractividade pode resultar do contexto local caracterizado pelo envelhecimento da população, baixos níveis de escolaridade, falta de infra-estruturas, tecido económico pouco diversificado e apoiado em empresas de pequena dimensão.

Neste contexto, que não tem facilitado a integração transfronteiriça, as relações entre a Comunidade da Galiza e a Região Norte parecem distinguir-se. O rápido crescimento das trocas comerciais entre estas duas regiões1 é um sinal do reforço da Euroregião Norte de Portugal-Galiza e do estabelecimento de interdependências entre os seus sistemas produtivos. A Galiza importa do nosso país sobretudo produtos da indústria têxtil e do vestuário e componentes de automóveis e exporta sobretudo produtos agrícolas e agro-industriais. As relações económicas também têm estado a evoluir no sentido de uma maior equidade já que em 1998 o saldo comercial era francamente desfavorável à Região Norte e em 2004 já estava equilibrado.

No âmbito desta dinâmica interregional de cooperação económica, este estudo tem como objectivo específico de investigação identificar o contributo promovido pelo Norte de Portugal para o aprofundamento da cooperação empresarial transfronteiriça no Noroeste peninsular. Neste sentido, apresentam-se conclusões que nos permitem avaliar o grau de reconhecimento que existe, por parte da estrutura empresarial do Norte de Portugal, quanto às vantagens do

1 Um primeiro estudo do comércio intra-comunitário na Euroregião surgiu em 2000, fruto da cooperação entre o Instituto Nacional de Estatística português e o Instituto Galego de Estatística e analisava os fluxos entre 1995-1997 (INE e IGE, 2000). Depois disso têm surgido com regularidade dados sobre o comércio que permitem, ao contrário do que acontece com as outras regiões, estudar os fluxos entre estas duas regiões da Península Ibérica. Infelizmente esses dados são pouco desagregados, referindo-se apenas a 10 grupos de produtos industriais e não são actualizados desde 2004, último ano disponível.

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alargamento das suas áreas de mercado para a Galiza, bem como quanto aos benefícios da estruturação de redes produtivas transfronteiriças com esta região de Espanha.

A maioria das investigações que têm analisado a cooperação empresarial no seio desta Euroregião, têm sido sobretudo direccionados para a caracterização conjunta das suas economias e dos seus sistemas produtivos (Cabanelas Omil e Lopes Corrales, 2001; EURES 2005), ou para a avaliação das trocas comerciais interregionais por grupos de produtos (INE e IGE, 2000; INE, 2006). Este estudo pretende complementar estas abordagens com uma avaliação mais focada na estrutura empresarial, identificando e caracterizando as empresas do Norte de Portugal que aprofundam, quotidianamente, a integração económica desta Euroregião. Metodologicamente são seleccionados dois vectores de análise, por um lado a identificação e caracterização das empresas do Norte de Portugal que têm seguido estratégias de negócio que envolvem investimento externo com abertura de novas empresas na Galiza; por outro lado a identificação e caracterização das empresas do Norte de Portugal que direccionam toda ou parte da sua exportação para a Galiza.

A partir de um tratamento estatístico e cartográfico da base de dados EURES2 (composta pelas empresas com sede no Norte de Portugal com delegação na Galiza -30 empresas-; com exportações para a Galiza -49 empresas-; e com exportações para Espanha -1321empresas) procura-se, em última análise, detectar o perfil-tipo das empresas portuguesas que mais contribuem para a integração económica desta Euroregião, sistematizando e analisando informação que permitirá perceber quais as características que diferenciam estas empresas do conjunto da estrutura empresarial do Norte de Portugal.

2. Breve caracterização sócio-económica da Euroregião Galiza - Norte de Portugal

O troço da fronteira que ‘separa’ o Norte de Portugal e a Galiza tem especificidades que o permitem distinguir do resto das áreas de fronteira e que contribuem para explicar a maior interacção que aqui existe. Elas decorrem de uma maior proximidade cultural e linguística que aproxima as comunidades dos dois lados da fronteira, separadas mais por razões históricas que geográficas, e que se traduz na intensificação de todo o tipo de fluxos (Lois González, 2000; Revilla Bonnim, 2008)

São diversos os estudos que ao longo dos últimos anos procuram detalhadamente caracterizar esta Euroregião (Guillén, Pérez e Saleiro, 1995; López Facal, 2000; INE, 2005; INE e IGE, 2005; CTGNP, 2007, para citar apenas alguns), identificando as complementaridades e especificidades das duas regiões que a integram, bem como as potencialidades e debilidades que afectam de modo transversal esta Euroregião e que, por isso, se assumem como marcas da sua identidade territorial. Neste sentido, apresenta-se aqui apenas uma breve síntese com o objectivo de destacar as principais particularidades que caracterizam esta Euroregião.

Segundo dados de 2005 este território representa um mercado de aproximadamente 6,5 milhões de habitantes (EURES, 2005). Importa contudo referir que embora a Galiza tenha uma

2 Este organismo (EURES – Serviço de Emprego Transfronteiriço Galiza-Norte de Portugal) estruturou esta base de dados com base num esforço de compatibilização de mais de 15 diferentes fontes de informação (sobretudo bases de dados dos Instituto de Estatística e das Associações Empresariais, genéricas ou sectoriais).

4 O tecido empresarial português promotor do processo de integração económica na Euroregião Galiza-Norte de Portugal

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maior extensão territorial, ocupando 58% da superfície da Euroregião, no entanto o Norte de Portugal concentra mais população (57% da população) e apresenta por isso uma maior densidade demográfica (172 hab./ km2 face a 93 hab./ km2 na Galiza)3. Deste modo, e segundo uma visão simplista e meramente demográfica associada ao potencial de extensão do mercado consumidor, é a Galiza que parece mais poder beneficiar com o aprofundamento das relações comerciais transfronteiriças.

Pode referir-se que as relações transfronteiriças ibéricas (económicas, culturais, políticas, …) têm uma maior intensidade entre estas duas regiões do que, possivelmente, em qualquer outro troço da fronteira luso-espanhola. Esta ilação é baseada, por exemplo, nas estimativas4 que referem que cerca de metade de todo o tráfego de veículos (pesados e ligeiros) entre Portugal e Espanha se faz nas vias rodoviárias que articulam o Norte de Portugal e a Galiza, o que evidencia que se trata, provavelmente do caso mais avançado de integração transfronteiriça ibérica.

Uma análise ao historial deste processo de integração permite identificar sobretudo dois momentos como sendo os que mais marcaram o reforço desta interacção. Por um lado, em meados da década de 1980, quando ocorre a adesão conjunta destes dois países à CEE, sendo que a partilha do objectivo da coesão económica europeia traz associado o desafio de uma maior integração das economias ibéricas. Por outro lado, em finais da década de 1990, as interacções entre a Galiza e o Norte de Portugal intensificam-se, muito especialmente devido à conclusão de importantes investimentos na rede rodoviária e que se expressaram numa muito evidente melhorias das comunicações inter-regionais (sobretudo com a conclusão da auto-estrada Porto-Valença em 1998)5.

Um traço comum a todo este território é a evidente concentração populacional na faixa ocidental (Figura 1), o que caracteriza não só o Norte de Portugal onde é bastante evidente a litoralização do povoamento, mas também a Galiza onde as províncias da Corunha e de Ponte Vedra aglomeram, em conjunto, ¾ da população galega (41% na Corunha e 34% em Pontevedra). No entanto existem também aspectos distintos na demografia destas duas regiões, pois se a Galiza deve o seu crescimento demográfico sobretudo a movimentos migratórios (quer através de fluxos provenientes do estrangeiro quer por via da captação de residentes de outras Comunidades Autónomas de Espanha) com um saldo de crescimento natural que tem já registado valores negativos, por sua vez o Norte de Portugal tem a taxa de crescimento natural mais elevada de Portugal (2,6% face a 0,7% da média nacional).

3 Segundo a Comunidade de Trabalho Galiza Norte de Portugal (http://www.galicia-nortept.org) em termos médios a Euroregião Galiza-Norte de Portugal tem uma densidade demográfica de 126 hab./ km2

4 Comunidade de Trabalho Galiza Norte de Portugal (http://www.galicia-nortept.org).

5 Em termos rodoviários a integração Galiza-Norte de Portugal vem ainda beneficiar do investimento na Ponte Internacional de ligação de Vila Nova de Cerveira a Tomiño, inaugurada em 2004, embora do lado português ainda aguarde pela sua articulação à A3 e à A28. Contudo, a qualidade das ligações rodoviárias não tem equivalência com o que se assiste nas ligações ferroviárias, na realidade as relações ferroviárias entre as duas regiões permanecem muito reduzidas como resultado da falta de qualidade de serviço das ligações existentes. A melhoria da ligação ferroviária Porto-Vigo com tráfego misto (passageiros e mercadorias) tem sido equacionada e os estudos de avaliação ex-ante têm apontado para o seu contributo significativo ao nível do desenvolvimento sócio-económico da Euroregião (Carballo-Cruz; Cadima Ribeiro e Ramos, 2008).

Flávio Nunes, Iva Pires 5

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Figura 1. Repartição por Nut 3 da população residente na Euro-Região Galiza-Norte de Portugal, em 2005

3,9%

6,1%

8,0%

8,5%

3,4%

3,4%

17,5%

5,6%

5,3%

4,3%

19,5%

14,5%

0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0%

Minho-Lima

Cávado

Ave

Grande Porto

Tâmega

Entre Douro e Vouga

Douro

Alto Trás-os-Montes

Coruña

Lugo

Orense

Pontevedra

% da população residente na Euro-Região Galiza-Norte de Portugal

Fonte: EURES (2005)

Figura 2. Repartição da população residente na Euro-Região Galiza-Norte de Portugal por escalões etários, em 2005

17,4%

15,0%

37,6%

15,8%

14,2%

11,6%

13,4%

36,5%

17,3%

21,2%

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0%

0 a 14 anos

15 a 24 anos

25 a 49 anos

50 a 64 anos

mais de 65 anos

% da população residente

Norte de Portugal Galiza

Fonte: EURES (2005)

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Este comportamento demográfico distinto entre estas duas regiões justifica que a população galega esteja mais envelhecida (Figura 2), já que 21% da população tem mais de 65 anos de idade face a apenas 14% no Norte de Portugal. Sendo expectável que esta tendência se agravará pois a Galiza é das Comunidades Autónomas com mais baixa taxa de natalidade de Espanha6.

No que concerne à base económica regional estima-se a existência de cerca de meio milhão de empresas nesta Euroregião, a grande maioria das quais micro-empresas com menos de 9 trabalhadores. Comparativamente com a Galiza o Norte de Portugal revela índices de maior empreendimento empresarial na medida em que concentra 2/3 de todas as empresas (170 mil empresas na Galiza e 330 mil no Norte de Portugal), sendo de destacar que apenas o Grande Porto concentra ¼ de todo o tecido empresarial da Euroregião (Figura 3).

Figura 3. Repartição das empresas da Euro-Região Galiza-Norte de Portugal por Nut 3, em 2005

4,5%

6,6%

8,7%

24,6%

8,8%

5,7%

3,7%

4,1%

13,8%

4,1%

11,1%

4,3%

0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0%

Minho-Lima

Cávado

Ave

Grande Porto

Tâmega

Entre Douro e Vouga

Douro

Alto Trás-os-Montes

Coruña

Lugo

Orense

Pontevedra

% das empresas da Euro-Região Galiza-Norte de Portugal

Fonte: EURES (2005)

6 Em 2002 a Galiza era a segunda Comunidade Autónoma com uma taxa de natalidade mais baixa (em pior situação apenas as Astúrias), e a terceira com a taxa de mortalidade mais elevada (a seguir às Astúrias e a Aragão) (EURES, 2005).

Flávio Nunes, Iva Pires 7

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As diferenças entre a Galiza e o Norte de Portugal manifestam-se não apenas na repartição geográfica das empresas, mas também na especialização empresarial. Se no caso do Norte de Portugal os sectores mais representados são o comércio (35% das empresas), seguido da indústria (16% das empresas) e da construção (14% das empresas). Já no caso da Galiza depois do comércio (com 31% das empresas), surgem os serviços às empresas e pessoais (25% das empresas), seguidos pela construção (12% das empresas) e apenas na quarta posição surge a indústria com 9% das empresas galegas.

Quadro 1. Repartição sectorial dos trabalhadores por conta de outrem na Euroregião Galiza-Norte de Portugal, em 2005

GALIZA NORTE DE PORTUGAL EURO-REGIÃO GALIZA NORTE DE PORTUGAL

v.a. (milhares) v.r. (%) v.a. (milhares) v.r. (%) v.a. (milhares) v.r. (%)

Agricultura 136,7 12,4% 202,5 11,4% 339,2 11,8%

Indústria 214,6 19,4% 539,4 30,3% 754 26,1%

Construção 129,4 11,7% 227 12,8% 356,4 12,4%

Serviços 624,7 56,5% 809,3 45,5% 1434 49,7%

TOTAL 1105,4 1778,2 2883,6

Fonte: EURES (2005)

No Norte de Portugal a indústria tem assim um papel muito mais relevante como actividade geradora de emprego, enquanto que a Galiza, mais terciarizada, consegui já fazer evoluir a sua estrutura produtiva no sentido de actividades de maior valor acrescentado e mais exigentes na qualificação da mão-de-obra. Uma análise à repartição por sectores de actividade dos trabalhadores por conta de outrem em 2005 (Quadro 1), permite verificar que mais de 56% destes trabalhadores na Galiza está no sector terciário, enquanto que no Norte de Portugal os serviços ainda não empregam metade dos trabalhadores, em grande parte devido à importância que ainda assume na economia regional a indústria de mão-de-obra intensiva com dificuldades em proceder à sua necessária reestruturação e modernização. Refira-se ainda que em ambas as regiões a agricultura continua a manter um peso considerável no tecido económico, apresentando valores superiores aos da média em cada país.

3. O contributo do tecido empresarial do Norte de Portugal para a integração económica da Euroregião

Procura-se agora avaliar a integração económica desta Euroregião, na perspectiva do contributo das empresas do Norte de Portugal. Esta avaliação decorrerá em torno de duas dimensões de análise. Por um lado, as relações comerciais com a Galiza, procurando avaliar as estratégias de alargamento de mercado das empresas do Norte de Portugal com a conquista de novos clientes do outro lado da fronteira. Por outro lado, os fluxos de investimento provenientes

8 O tecido empresarial português promotor do processo de integração económica na Euroregião Galiza-Norte de Portugal

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do Norte de Portugal com destino à Galiza, com a abertura de delegações empresariais na região fronteira vizinha.

Há uma terceira importante componente do processo de integração económica que não será analisada neste estudo, o mercado de emprego, e que envolve uma diversidade de problemáticas relacionadas com a mobilidade transfronteiriça de trabalhadores no seio da Euroregião. Por exemplo, refira-se que a dimensão dos movimentos pendulares de mão-de-obra de concelhos do Norte de Portugal para trabalhar na construção civil na Galiza está a provocar conflitos com a mão-de-obra local e os sindicatos tem estado a denunciar situações de exploração da mão-de-obra portuguesa. Por outro lado, e para além do trabalho, a intensificação dos movimentos na fronteira também resulta de deslocações relacionadas com o ócio e consumos culturais e com a aquisição de bens, o que tem beneficiado sobretudo os centros urbanos mais dinâmicos destas regiões.

3.1. As exportações do Norte de Portugal com destino à Galiza

Como referido anteriormente, foi a entrada simultânea para a CEE que marcou o início de uma nova etapa na interacção económica entre Portugal e Espanha. Este marco assinala o início de uma nova fase em que se assiste a um crescimento muito significativo das trocas comerciais entre estes dois países. Sendo no entanto de referir que estas relações comerciais têm importâncias relativas distintas, na medida em que Portugal se apresenta mais dependente de Espanha que o contrário. Segundo dados de 2008 cerca de 27% das exportações portuguesas têm como destino a Espanha, face aos 9% das exportações espanholas que têm como destino Portugal7.

Uma leitura espacial à repartição das empresas do Norte de Portugal que exportam para Espanha permite detectar a relevância de um eixo que se estende da Maia até Guimarães (passando pela Trofa, Santo Tirso e Famalicão), como sendo o território da onde é maior o peso das empresas que exportam para Espanha no total do tecido empresarial concelhio (Figura 4)8. Para além deste existe um outro núcleo, onde é mais evidente o efeito da proximidade geográfica ao mercado galego, no qual se destaca Vila Nova de Cerveira. Contudo, se atendermos a que a maioria dos concelhos de fronteira não tem empresas exportadoras para Espanha parece claro que a proximidade geográfica à fronteira não representa, por si só, alguma vantagem, nem foi um factor estimulador dessa interacção; ela acontece em concelhos onde o tecido económico já era suficientemente desenvolvido o que lhe permitiu aproveitar as vantagens decorrentes da eliminação da fronteira.

7 http://www.indexmundi.com

8 Por sua vez e quanto às exportações para a Galiza estas são mais relevantes para a base económica de Braga e Guimarães, pois são estes os dois concelhos do Norte de Portugal que detém mais empresas com relações comerciais com o outro lado da fronteira (especialmente no sector do têxtil e vestuário).

Flávio Nunes, Iva Pires 9

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Figura 4. Repartição espacial das empresas do Norte de Portugal que exportam para Espanha, em 2005

Fonte: Base de dados de Empresas da Galiza e Norte de Portugal integrada no anexo de EURES (2005)

Dados recentes divulgados, referentes a 2009, demonstram os efeitos da crise económica e financeira actual no decréscimo das compras globais de Espanha a Portugal, na ordem dos 20% face ao ano anterior (Morais, 2010). Contudo o comércio com a Galiza contraria esta tendência, e em 2009, no conjunto das Comunidades Autónomas de Espanha, a Galiza foi o principal cliente dos produtos portugueses, com compras de mais de 1500 milhões de Euros (seguida da Catalunha, Madrid, Andaluzia e Castela e Leão).

Procurando determinar o perfil-tipo das empresas do Norte de Portugal que exportam para a Galiza importa referir que estas são sobretudo empresas de maior dimensão (Quadro 2), reflectindo a maior capacidade das empresas com mais trabalhadores e com uma facturação mais elevada no seguimento de estratégias de internacionalização.

Todavia uma análise mais detalhada do tecido empresarial por escalões de pessoas ao serviço (Figura 5) permite verificar que as pequenas empresas (10 a 49 trabalhadores) representam uma proporção significativa das relações económicas com a Galiza (as pequenas empresas representam mais de 2/5 do total das empresas do Norte de Portugal que exportam para a Galiza). Para muitas delas a Galiza é o primeiro mercado externo, considerando as relações comerciais transfronteiriças como um ‘balão de ensaio’ para testar a internacionalização das suas actividades.

0 100 km

NNº de empresas

Concelhos sem empresasque exportem para Espanha

0 100 km

NNº de empresas

Concelhos sem empresasque exportem para Espanha

0 100 km

N

% das empresas concelhiasque exportam para Espanha

]2 a 5]

]1 a 2]

]0 a 1]

Concelhos sem empresasque exportem para Espanha

0 100 km

N

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Concelhos sem empresasque exportem para Espanha

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N

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]2 a 5]

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]0 a 1]

Concelhos sem empresasque exportem para Espanha

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N

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]2 a 5]

]1 a 2]

]0 a 1]

Concelhos sem empresasque exportem para Espanha

10 O tecido empresarial português promotor do processo de integração económica na Euroregião Galiza-Norte de Portugal

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Quadro 2. Dimensão média das empresas do Norte de Portugal que exportam para a Galiza, em 2005

Nº médio de pessoas ao serviço

Facturação média anual

(milhares de Euros)

Empresas sedeadas no do Norte de Portugal

8,7

1010

Empresas do Norte de Portugal que exportam para a Galiza

68,5

6379

Fonte: Base de dados de Empresas da Galiza e Norte de Portugal integrada no anexo de EURES (2005) e Quadros de Pessoal do Ministério do Trabalho e da Solidariedade – 2005.

Analisando o comércio interregional de 1994 a 2004 do Norte de Portugal com a Galiza verifica-se que quer as importações quer as exportações cresceram a um ritmo elevado durante esta década (Figura 6). Importa contudo salientar que apesar de ser no território português que se concentra a grande maioria das empresas da Euroregião a balança comercial foi negativa para o Norte de Portugal durante quase todo este período, embora em 2003 se tenha assistido a uma aproximação entre os fluxos de saída e de entrada, com um ligeiro saldo positivo para a balança comercial do Norte de Portugal. Este sinal indicia que o Norte de Portugal parece ter conseguido reverter a situação de desvantagem que mantinha no comércio com a Galiza para uma situação de paridade em termos de volume de comércio. Cenário que importa confirmar com dados mais recentes.

Figura 5. Empresas do Norte de Portugal que exportam para a Galiza, por dimensão, em 2005

Fonte: Base de dados de Empresas da Galiza e Norte de Portugal integrada no anexo de EURES (2005) e Quadros de Pessoal do Ministério do Trabalho e da Solidariedade – 2005.

84,1

13,7

2,0

0,2

8,7

41,3

47,8

2,2

0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0

micro empresas (0 a 9trabalhadores)

pequenas empresas (10a 49 trabalhadores)

médias empresas (50 a249 trabalhadores)

grandes empresas(mais de 250trabalhadores)

% de empresas

empresas do Norte de Portugal que exportam para a Galizaempresas do Norte de Portugal

Flávio Nunes, Iva Pires 11

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Figura 6. Trocas Comerciais da Região Norte com a Galiza, 1994-2004

Fonte: INE (2006)

Outro aspecto interessante nas recentes relações económicas entre as duas regiões é a crescente especialização do comércio regional. Enquanto a Galiza reforça a sua especialização na agricultura, produtos agro-industriais e produtos da indústria química, o Norte de Portugal, por sua vez, concentra as suas exportações no têxtil e vestuário, nos equipamentos de transporte, na madeira e nos derivados da madeira (Figura 7). Analisando as trocas comerciais entre estas duas regiões por grupos de produtos pode observar-se que é o têxtil e a confecção que, apesar do profundo processo de reestruturação de que têm sido alvo no Norte de Portugal, mais têm contribuído para equilibrar esta balança comercial interregional (Figura 7).

O rápido crescimento das trocas comerciais entre estas duas regiões é um sinal do reforço da Euroregião, com o Norte a assumir um papel relevante no reforço da competitividade económica da Galiza. Não sendo a Galiza uma região com tradição na produção de têxteis, como a Catalunha ou Valência, o sucesso do grupo Inditex (uma empresa galega que emergiu nas últimas décadas como uma das principais empresas europeias produtoras de vestuário) transformou este sector em menos de 20 anos num dos mais dinâmicos da economia regional galega (Revilla Bonnin, 2002). Neste caso Portugal tem um papel relevante; não só foi escolhido para ensaiar o processo de internacionalização das marcas deste grupo (a primeira loja Zara fora de Espanha abriu no Porto em 1988 e Portugal é, logo a seguir a Espanha, o país onde existem mais lojas do grupo Inditex) como a região Norte de Portugal, de forte tradição na produção de têxteis, vestuário e calçado, tem sido escolhida para fazer o outsourcing de parte da produção do grupo. Outras empresas têxteis galegas, como a Adolfo Dominguez e a Roberto Verino, também aproveitaram o desaparecimento da fronteira e os menores custos laborais para alargar o seu território de actuação (Lois González, 2000). Deste modo, em 2004, quase 44% das exportações da Região Norte para a Galiza eram compostas por este grupo de produtos.

A indústria têxtil e do vestuário do Norte de Portugal, que tradicionalmente tem integrado redes produtivas transnacionais bastante vastas, com base em actividades exportadoras assentes em baixos salários (Thiel, Pires e Dudleston, 2000), está presentemente a ser integrada em redes produtivas transfronteiriças, sobretudo desde o surgimento da marca Zara do grupo

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XII Colóquio Ibérico de Geografia

Inditex. Tendo o Norte de Portugal uma forte especialização na indústria têxtil é natural ter suportado o rápido crescimento dessa empresa galega, sobretudo tirando partido das diferenças nos salários, mais baixos no Norte de Portugal, e facilitado pelas boas infra-estruturas de mobilidade rodoviária que conectam estas duas regiões.

Na estrutura das exportações e das importações também surgem com algum relevo produtos agrícolas e agro-industriais (caso dos lacticínios, carnes e peixes e crustáceos). O facto de surgirem quer na estrutura da exportação quer na da importação pode estar relacionada com a exportação de peixes frescos para a indústria do frio (muito importante na Galiza) e importação de congelados por exemplo através da Pescanova, uma empresa espanhola desta área que tem uma quota significativa na venda de congelados no nosso país. Recentemente esta empresa localizou uma fábrica em Portugal (embora não na Região Norte) esperando-se assim uma intensificação dos fluxos destes produtos entre as duas regiões.

Também no caso dos produtos de madeira e mobiliário, que em 2004 já representavam 8,6% do total das exportações do Norte de Portugal para a Galiza, a recente localização de uma fábrica do grupo sueco IKEA no Norte de Portugal poderá resultar no futuro num aumento das exportações de produtos de mobiliário para a Galiza, onde existe uma loja do grupo.

Figura 7. Balança comercial do Norte de Portugal com a Galiza por principais grupos de produtos, 1994-2004

Fonte: INE (2006)

Para além destes produtos a Região Norte também exporta para a Galiza componentes para a indústria automóvel, que tinham um peso pouco significativo em 1994 (2,2%) e uma década depois já representavam 8% do total das exportações. Estes fluxos estão provavelmente relacionados com a localização de uma fábrica do consórcio francês PSA (Renault, Peugeot-

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XII Colóquio Ibérico de Geografia

Citroen)9 em Pontevedra e com a CEAGA, um cluster galego de produção de componentes de automóveis. Aquela fábrica e outras empresas do cluster poderão estar a subcontratar fases da produção na Região Norte beneficiando da proximidade geográfica e da elevada acessibilidade, fruto da boa rede de infra-estruturas rodoviárias, e da diferença de salários.

Analisando o peso das exportações, por grupos de produtos, entre o Norte de Portugal e a Galiza face ao total das exportações com o país vizinho (Figura 8) destacam-se duas principais conclusões. Por um lado, e no caso do Norte de Portugal os produtos da agricultura, pecuária e pescas são os que estão mais dependentes do mercado Galego, muito especialmente devido à presença em Vigo da Pescanova e em Ourense do importante grupo alimentar Coren10. Por outro lado, no comércio entre os dois países a Galiza está mais dependente do Norte de Portugal do que o inverso, pois verifica-se que em quase todos os grupos de produtos mais de 50% das exportações da Galiza para Portugal fazem-se para o Norte de Portugal, enquanto que o inverso apenas é válido para os produtos da agricultura, pecuária e pescas.

Figura 8. Peso das trocas comerciais entre a Galiza e o Norte de Portugal no total das trocas comerciais com o país vizinho, 1994-2004

Fonte: Eures (2005)

9 A Galiza também apresenta um índice de especialização de comércio muito elevado com a França, sede do consórcio (Lafourcade e Paluzie, 2006).

10 Este grupo criou em 1990 uma empresa no Norte de Portugal, em Vila do Conde, Lourinho Conservas de Carne Lda.

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prod. da agricultura, da pecuária e da pesca

têxtil e confecção

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madeira, pasta e papel

% das exportações da G. para o N.P. no total das exportações da G. para Portugal

% das exportações do N.P. para a G. no total das exportações do N.P. para Espanha

14 O tecido empresarial português promotor do processo de integração económica na Euroregião Galiza-Norte de Portugal

XII Colóquio Ibérico de Geografia

Figura 9. Peso das exportações do Norte de Portugal para a Galiza de entre as empresas que exportam para a Galiza, em 2005

Universo: empresas do Norte de Portugal que exportam para Espanha

Fonte: Base de dados de Empresas da Galiza e Norte de Portugal integrada no anexo de EURES (2005)

No entanto analisando apenas o universo das empresas do Norte de Portugal que exportam para a Galiza verifica-se que muitas destas empresas têm com a Galiza mais de metade do seu comércio internacional (Figura 9), sendo que para várias delas a totalidade das suas exportações são em exclusivo para a Galiza. O que mais uma vez parece comprovar o modo como as empresas do Norte de Portugal tendem a considerar a Galiza como a sua primeira experiência de internacionalização em termos de comércio externo.

3.2. O Investimento Directo Estrangeiro na Galiza proveniente do Norte de Portugal

São bem conhecidos exemplos de grandes empresas do Norte de Portugal que fizeram grandes investimentos na Galiza e também o inverso. Entre os exemplos mais conhecidos estão a compra do Banco Simeón pela Caixa Geral de Depósitos; da Tafisa pela Sonae; da empresa de engarrafamento de águas Fontenova pela Vidago; da Corporación del Noroeste pela Cimpor; ou a criação de uma rede de distribuição de combustíveis pela Galp11.

11 Em sentido inverso a Pescanova incluiu Portugal na sua estratégia de expansão, não só de mercado como de produção, tal como o grupo agroalimentar Coren através da criação da Lourinho Portugal, ou a empresa Televes, de produção de antenas parabólicas, que conseguiu uma interessante quota de mercado na Área Metropolitana do Porto, ou ainda a Finsa, de contraplacados, que possui duas fábricas no Norte de Portugal (Lois González, 2000).

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Os fluxos de investimento captados pela Galiza no Norte de Portugal correspondem à iniciativa de 30 empresários, sedeados no Norte de Portugal, que decidiram deter uma empresa na Galiza como forma de explorar as vantagens deste mercado transfronteiriço, sendo que a maior parte desse investimento tem origem na Área Metropolitana do Porto12 (Figura 10).

Figura 10. Repartição espacial das empresas do Norte de Portugal com delegações na Galiza

Fonte: Base de dados de Empresas da Galiza e Norte de Portugal integrada no anexo de EURES (2005)

Quanto aos destinos desses investimentos assiste-se a uma muito evidente preferência pela província de Pontevedra (Figura 11), na medida em que mais de 80% das empresas do Norte de Portugal com delegação na Galiza localizam essa delegação em Pontevedra (que como vimos não é a província onde se concentra a maioria das empresas galegas, esse protagonismo é assumido pela Corunha).

Esta preferência locativa parece estar relacionada não só com a contiguidade geográfica com o território com maior dinamismo económico do Norte de Portugal, mas também com a disponibilidade de solo industrial em Pontevedra, onde surgiram nos últimos anos importantes investimentos na criação e expansão de polígonos industriais.

12 No exterior da AMP assume também relevância o empreendedorismo transfronteiriço de Guimarães no sector têxtil e vestuário, e também de Castelo de Paiva no mobiliário.

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Figura 11. Empresas do Norte de Portugal com delegações na Galiza segundo a localização por província galega dessas delegações

Fonte: Base de dados de Empresas da Galiza e Norte de Portugal integrada no anexo de EURES (2005)

Detectam-se evidentes diferenças entre o perfil de especialização empresarial do Norte de Portugal e o que caracteriza o grupo de empresas do Norte de Portugal que investe na Galiza (Figura 12). Esses empresários são sobretudo do sector industrial (a indústria representa 20% da estrutura empresarial do Norte de Portugal mas 73,5% dos empresários do Norte de Portugal que investem na Galiza), especialmente do têxtil e vestuário; madeira e mobiliário; metalomecânica e produtos metálicos; e equipamentos eléctricos -cabos (Figura 13).

Importa contudo referir que sendo a actividade industrial aquela que estes empresários desempenham no Norte de Portugal, isso não significa que criem na Galiza empresas de indústria transformadora. Na realidade, em muitos casos estes empresários promovem sobretudo a abertura de empresas de comércio na região de fronteira vizinha, especialmente comércio por grosso, seguindo uma estratégia que tem em vista o escoamento de produção e conquista de mercado.

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Figura 12. Empresas do Norte de Portugal com delegações na Galiza por tipo de actividade, em 2005

Fonte: Base de dados de Empresas da Galiza e Norte de Portugal integrada no anexo de EURES (2005) e Quadros de Pessoal do Ministério do Trabalho e da Solidariedade - 2005

Figura 13. Indústria transformadora do Norte de Portugal com delegações na Galiza, por tipo de actividade em 2005

Fonte: Base de dados de Empresas da Galiza e Norte de Portugal integrada no anexo de EURES (2005) e Quadros de Pessoal do Ministério do Trabalho e da Solidariedade - 2005

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XII Colóquio Ibérico de Geografia

4. Conclusão

Em termos económicos as regiões da Galiza e do Norte de Portugal estão a sofrer processos de reestruturação com o duplo objectivo de enfrentarem o desafio da integração europeia e para tirar partido da eliminação da fronteira que durante décadas condicionou os fluxos transfronteiriços.

Num contexto em que a integração da UE e a integração dos mercados não parece ter facilitado muito a cooperação económica transfronteiriça as relações entre a Comunidade da Galiza e a Região Norte parecem distinguir-se. Os fluxos transfronteiriços não se referem apenas a capitais e produtos mas também à mobilidade de pessoas que cresceu de forma significativa, justificando inclusivamente a criação de uma EURES Transfronteiriça13 nesta região.

Também em termos políticos a interacção é intensa entre estas duas regiões. Por um lado, a constituição da Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal no início da década de 1990 é reflexo de um forte empenho na articulação de esforços com vista ao desenvolvimento desta Euroregião. Por outro lado, a constituição da AECT-GNP em 2008 (Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial Galiza-Norte de Portugal) vem criar um novo quadro institucional com personalidade jurídica que, convenientemente explorado, facilitará a concretização das prioridades da cooperação transfronteiriça entre a Galiza e o Norte de Portugal definidas para o período 2007-2013 (QREN, 2009). Entre essas prioridades está a cooperação no âmbito do mar, procurando explorar a vocação marítima de ambas as regiões, assim como a internacionalização das PME´s da Euroregião e a promoção da inovação e da competitividade, a protecção ambiental e o desenvolvimento urbano sustentável e o fomento da cooperação e integração social e institucional.

Do processo de integração económica em curso importa destacar que do total das exportações do Norte de Portugal dirigidas para Espanha a Galiza revela-se como o principal mercado de escoamento para muitas destas empresas (quase 20% destas empresas concentram na Galiza todas as exportações que fazem para Espanha). De facto, em muitos casos a Galiza tende a ser o primeiro mercado externo para as empresas do Norte de Portugal, para cujos empresários a entrada no mercado galego muitas vezes é entendida como uma forma de testar uma estratégia de internacionalização, que no futuro se pretende mais vasta e abrangente.

A análise efectuada à balança comercial entre estas duas regiões demonstrou que esta tem sido desfavorável a Portugal, embora deva referir-se que mais recentemente tenha apresentado uma tendência de equilíbrio, mas sobretudo devido às exportações de bens de baixo valor acrescentado e associados a indústrias de mão-de-obra intensiva, especialmente produtos do têxtil e confecção. Ou seja, as relações comerciais transfronteiriças não parecem desempenharem um papel de modernização e qualificação do tecido produtivo do Norte de Portugal. Na realidade parecem actuar sobretudo no sentido do reforço da competitividade da Galiza que concentra actualmente as actividades de maior valor acrescentado da Euro-Região. Veja-se por exemplo que no cluster transfronteiriço do têxtil e vestuário o Norte de Portugal reúne sobretudo as actividades produtivas enquanto a Galiza tem as actividades de maior valor

13 EURES é uma rede criada pela Comissão Europeia com o objectivo de prestar serviços de informação e ajuda aos trabalhadores sobre o mercado de trabalho no espaço económico europeu, e sobretudo para aqueles que decidam desenvolver a sua actividade laboral no espaço fronteiriço. Existem actualmente 20 EURES na UE, sendo a EURES Galiza/Norte de Portugal a única que existe em toda a extensão da fronteira espanhola (quer com Portugal quer com França).

Flávio Nunes, Iva Pires 19

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acrescentado desta fileira, associadas à criação de marcas internacionais e à organização de redes de distribuição.

Por fim e quanto à aplicação de capitais do Norte de Portugal na abertura de empresas na Galiza, verifica-se que estes fluxos de investimento direccionam-se preferencialmente para a província de Pontevedra. Tratam-se sobretudo de investimentos de empresários da indústria transformadora que, em muitos casos, apostam na Galiza como o primeiro mercado de exportação de modo a testar a internacionalização das suas actividades. Segundo os dados disponíveis são 30 os empresários do Norte de Portugal que abriram delegações na Galiza reconhecendo as vantagens da exploração deste mercado transfronteiriço de mais de 6 milhões de habitantes.

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