O Teatro e as Tecnologias da Informa˘c~ao e...
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O Teatro e as Tecnologias da Informacao e Comunicacao (TICs)
Luciana dos Santos Cruz
Projeto de Graduacao apresentado ao Curso
de Engenharia de Computacao e Informacao
da Escola Politecnica, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessarios a obtencao do tıtulo de Enge-
nheiro.
Orientador: Henrique Luiz Cukierman
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2017
O Teatro e as Tecnologias da Informacao e Comunicacao (TICs)
Luciana dos Santos Cruz
PROJETO DE GRADUACAO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO
DE ENGENHARIA DE COMPUTACAO E INFORMACAO DA ESCOLA PO-
LITECNICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO
PARTE DOS REQUISITOS NECESSARIOS PARA A OBTENCAO DO GRAU
DE ENGENHEIRO DE COMPUTACAO E INFORMACAO
Autor:
Luciana dos Santos Cruz
Orientador:
Prof. Henrique Luiz Cukierman, D.Sc.
Examinador:
Prof. Marcos Cavalcanti, D.Sc.
Examinador:
Prof. Isaac Garson Bernat, Dr.
Examinador:
Jose Marcos Silveira Goncalves, M.Sc.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2017
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Declaracao de Autoria e de Direitos
Eu, Luciana dos Santos Cruz CPF 125.248.547-60, autor da monografia O
Teatro e as Tecnologias da Informacao e Comunicacao (TICs), subscrevo para os
devidos fins, as seguintes informacoes:
1. O autor declara que o trabalho apresentado na disciplina de Projeto de Gra-
duacao da Escola Politecnica da UFRJ e de sua autoria, sendo original em forma e
conteudo.
2. Excetuam-se do item 1. eventuais transcricoes de texto, figuras, tabelas, conceitos
e ideias, que identifiquem claramente a fonte original, explicitando as autorizacoes
obtidas dos respectivos proprietarios, quando necessarias.
3. O autor permite que a UFRJ, por um prazo indeterminado, efetue em qualquer
mıdia de divulgacao, a publicacao do trabalho academico em sua totalidade, ou em
parte. Essa autorizacao nao envolve onus de qualquer natureza a UFRJ, ou aos seus
representantes.
4. O autor pode, excepcionalmente, encaminhar a Comissao de Projeto de Gra-
duacao, a nao divulgacao do material, por um prazo maximo de 01 (um) ano,
improrrogavel, a contar da data de defesa, desde que o pedido seja justificado, e
solicitado antecipadamente, por escrito, a Congregacao da Escola Politecnica.
5. O autor declara, ainda, ter a capacidade jurıdica para a pratica do presente ato,
assim como ter conhecimento do teor da presente Declaracao, estando ciente das
sancoes e punicoes legais, no que tange a copia parcial, ou total, de obra intelectual,
o que se configura como violacao do direito autoral previsto no Codigo Penal Bra-
sileiro no art.184 e art.299, bem como na Lei 9.610.
6. O autor e o unico responsavel pelo conteudo apresentado nos trabalhos academicos
publicados, nao cabendo a UFRJ, aos seus representantes, ou ao(s) orientador(es),
qualquer responsabilizacao/ indenizacao nesse sentido.
7. Por ser verdade, firmo a presente declaracao.
Luciana dos Santos Cruz
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Escola Politecnica - Departamento de Eletronica e de Computacao
Centro de Tecnologia, bloco H, sala H-217, Cidade Universitaria
Rio de Janeiro - RJ CEP 21949-900
Este exemplar e de propriedade da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que
podera incluı-lo em base de dados, armazenar em computador, microfilmar ou adotar
qualquer forma de arquivamento.
E permitida a mencao, reproducao parcial ou integral e a transmissao entre bibli-
otecas deste trabalho, sem modificacao de seu texto, em qualquer meio que esteja
ou venha a ser fixado, para pesquisa academica, comentarios e citacoes, desde que
sem finalidade comercial e que seja feita a referencia bibliografica completa.
Os conceitos expressos neste trabalho sao de responsabilidade do(s) autor(es).
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AGRADECIMENTO
A experiencia de ter sido aluna do curso de Engenharia de Computacao e In-
formacao na UFRJ foi extremamente fascinante e ha muitas pessoas as quais eu ex-
presso minha profunda gratidao por compartilharem comigo essa jornada academica.
Primeiramente, agradeco a minha mae, Maria Helena, que me deu todo o suporte,
apoio e incentivo em todos os momentos, sem medir esforcos, para que eu chegasse
ate esta etapa da minha vida.
Agradeco, carinhosamente, a todos os meus amigos, que foram cumplices de toda
a minha trajetoria, sempre com gestos e palavras de motivacao e apoio.
Com admiracao, agradeco ao meu orientador Henrique Cukierman, por todo o
suporte, experiencia compartilhada e confianca.
Agradeco aos entrevistados que, com muita generosidade, dedicaram minutos de
suas rotinas corridas para uma troca extremamente rica.
Tambem, agradeco aqueles que aceitaram prontamente compor a banca que muito
me honra.
A todos que contribuıram, diretamente ou indiretamente, para a minha formacao,
muito obrigada.
v
RESUMO
Este trabalho de conclusao de curso de graduacao em Engenharia de Computacao
e Informacao procura construir um panorama a respeito da presenca das TICs - Tec-
nologias da Informacao e Comunicacao - na cena teatral. Apos um breve historico,
que procura apresentar o surgimento de novas linguagens no teatro suportadas pelas
TICs, sao apresentados alguns exemplos de TICs observadas na cena teatral con-
temporanea. Finalmente, e discutida a necessidade de profissionais da engenharia,
dentre tantas areas, trabalharem para a construcao de espetaculos teatrais.
Palavras-Chave: Arte, Teatro, Cena, Tecnologia, Engenharia, Computacao, Arte
Contemporanea, Performance
vi
ABSTRACT
This document, the concluding work towards a degree in Computer and Informa-
tion Engineering, offers a perspective on the current state of TICs - Information and
Communication Technology - as it relates to theater. Following a brief history on
TICs support in new languages of theater, a few examples of TICs in the contem-
porary scene are presented. Finally, an argument on the necessity of engineering
professionals in the creation of a theatrical spectacle is presented.
Keywords: Arts, Theater, Scene, Technology, Engineering, Computer, Contem-
porary Arts, Performance
vii
SIGLAS
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
TI - Tecnologia da Informacao
TICs - Tecnologias da Informacao e Comunicacao
viii
Sumario
1 Introducao 1
1.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Motivacao Pessoal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2 Breve Panorama Historico 5
2.1 Uma Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2.2 O Inıcio da Tecnologia na Cena Teatral . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2.3 Movimentos Artısticos e o seculo XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.4 Elucidacao sobre o Teatro Pos-dramatico . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.5 Teatro Digital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.6 E teatro? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.7 Reflexoes sobre a Cena Contemporanea . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.8 O Papel da Engenharia de Computacao e Informacao nisso tudo . . . 23
3 Tendencias na Cena Teatral Contemporanea 26
3.1 Uma Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.2 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.2.1 Companhia Vertice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.2.2 Iluminacao e Os Satyros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.2.3 Demetrio Nicolau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.2.4 Phila 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
3.2.5 Teatro Voador Nao Identificado . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
3.2.6 Teatro para Alguem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.2.7 Teatro Oficina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.3 Internacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
ix
3.3.1 UR Teatro-Antzerkia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
3.3.2 Teatro 3D . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.3.3 La Fura Del Baus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.3.4 Robert Lepage, Peter Brook, Romeo Castellucci e mais . . . . 41
3.4 Imprevistos Tecnologicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.5 Soltando a Criatividade - Ideias Proprias . . . . . . . . . . . . . . . . 44
4 Conclusoes 46
Bibliografia 48
x
Lista de Figuras
3.1 Cia Vertice em “E se elas fossem para Moscou?”, Sesc Belenzinho. Sao
Paulo. 2014. Fonte: Sıtio do Jornal Folha de Sao Paulo. Disponıvel
em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/07/1486248-peca-e-se-
elas-fossem-para-moscou-vira-filme-exibido-na-mesma-hora.shtml. Acesso
em: 07/12/2016. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.2 Cia Vertice em “E se elas fossem para Moscou?”, Sesc Belenzinho. Sao
Paulo. 2015. Fonte: Sıtio virtual da Cia Vertice. Disponıvel em: http://christianejatahy.com.br/project/moscou.
Acesso em: 07/12/2016. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.3 Cia Os Satyros em “Nao Salvaras”. Sao Paulo. 2014. Fonte: You-
Tube. Disponıvel em: https://www.youtube.com/watch?v=S5GsxiLpyZc.
Acesso em: 31/01/2017. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3.4 Cia Os Satyros em “Nao Morreras”. Sao Paulo. 2014. Fonte: You-
Tube. Disponıvel em: https://www.youtube.com/watch?v=S5GsxiLpyZc.
Acesso em: 31/01/2017. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3.5 Cia Os Satyros em “Nao Saberas”. Sao Paulo. 2014. Fonte: You-
Tube. Disponıvel em: https://www.youtube.com/watch?v=S5GsxiLpyZc.
Acesso em: 31/01/2017. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.6 “Essencial”, por direcao de Demetrio Nicolau. Rio de Janeiro. 2007.
Fonte: Tatiana Queiroz. Disponıvel em: http://www.musitec.com.br/luzecena
/revista artigo.asp?revistaID=2&edicaoID=96&navID¯2438. Acesso em:
10/01/2017. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
xi
3.7 Cia Teatro Voador Nao Identificado em “Tempo Real”. Rio de Janeiro.
2013. Fonte: Sıtio virtual da Cia Teatro Voador Nao Identificado. Dis-
ponıvel em: http://redeglobo.globo.com/globoteatro/artigos/noticia/2013/
11/artigo-leandro-romano-analisa-relacao-entre-teatro-e-tecnologia.html. Acesso
em: 31/01/2017. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.8 Cia Teatro Oficina em “Macumba Antropofaga”. Sao Paulo. 2011. Fonte:
Joao Varella. Disponıvel em: http://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/
atores-usam-ipad-e-twitter-em-peca-de-teatro-de-sp-20120830.html. Acesso
em: 31/01/2017. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
3.9 “Pigmaliao”. Portugal. 2010. Fonte: RTP. Disponıvel em: http://www.rtp.pt/
noticias/cultura/teatro-3d-em-guimaraes v326520. Acesso em: 31/01/2017. 40
xii
Capıtulo 1
Introducao
1.1 Introducao
Ha muitas razoes para a escolha de um tema, desde motivacoes concretas as abs-
tratas, desde conhecimento teorico a pura e simples empatia. Cada indivıduo possui
um percurso de vida movido em ultima instancia pelo impulso da busca incessante
por uma resposta sobre o que podemos realizar neste mundo. Este trabalho faz
parte da minha trajetoria e, portanto, da necessidade de buscar responder, a partir
do Brasil e de alguns exemplos da cena teatral brasileira, questoes sobre a presenca
da tecnologia no teatro. A relacao entre arte e tecnologia e amplamente discutida,
mas a fim de buscar um foco e uma especificidade, a presente pesquisa foi realizada
em torno do tema da insercao das TICs no teatro, desde o seu surgimento ate as
aplicacoes atuais.
Reconheco o teatro como uma manifestacao que pode, caso seja a proposta dese-
jada, depender muito pouco ou nada de tecnologias. A ideia que interessa reter para
este projeto de graduacao e a de que existe um acordo entre o ator e o publico para
aceitar que o que se esta assistindo e teatro. E verdade que muito ja foi e continua
sendo debatido e questionado sobre o que vem a ser o teatro e qual a fronteira que
define o teatro como uma linguagem especıfica, capaz de diferencia-la das demais
linguagens artısticas. Todavia, nao venho propor uma reflexao sobre essa questao
tao complexa, mas sim algo mais especıfico ainda, a saber, uma reflexao sobre o
teatro e suas relacoes com uma nova linguagem tecnologica e midiatica.
1
O teatro e autentico por cada apresentacao ser tambem uma re-apresentacao.
Assim como Heraclico ja disse que nao e possıvel entrar duas vezes no mesmo rio,
cada apresentacao de um espetaculo teatral e diferente de algum modo, tornando o
teatro uma arte muito especial. A cada dia de apresentacao do espetaculo, os atores
e os envolvidos na peca estao ali de corpo presente, dedicando tempo e energia com o
objetivo de alcancar e envolver a plateia. O “estar presente”, o “ao vivo”, articulando
um espetaculo para o publico especıfico daquele dia, costitui-se na fonte de onde
emerge a relacao entre a cena e a plateia . Portanto, nao e difıcil perceber que todo
espetaculo se modifica e se adapta quando apresentado para um publico de diferentes
faixas etarias, ou em outros paıses, ou ainda em casos nos quais imprevistos ocorram.
Essa unicidade do espetaculo - cada apresentacao e unica - nao seria possıvel se a
peca fosse apenas gravada e reproduzida a todos, sem distincao, como e o caso do
cinema.
Como futura engenheira, alem de atriz, posso tambem observar a cena teatral pelo
angulo da tecnica e, assim, estabelecer um dialogo enriquecedor entre a tecnica e a
estetica teatral. A tecnologia nao e, obviamente, uma obrigatoriedade em montagens
teatrais contemporaneas. E uma escolha. Os responsaveis pela montagem buscam
as tecnologias com algum proposito. E a partir desse proposito que surge uma nova
possibilidade do fazer teatral, quando a cena passa a incorporar as funcionalidades
das tecnicas computacionais. E essa nova possibilidade que constitui o meu objetivo
de estudo e pesquisa para a realizacao deste projeto de graduacao. Uma posibilidade
que emerge das fronteiras entre a arte e a tecnociencia.
Primeiramente, e importante fazer um panorama historico do teatro, de modo
a entender sua evolucao, seus novos movimentos artısticos e a adocao de novas
linguagens, que justifiquem a adocao da tecnologia para a cena teatral. Novas lin-
guagens foram surgindo no teatro contemporaneo, contribuindo para a expansao
das artes cenicas em interacao com outros campos, sobretudo a partir do seculo XX.
A discussao sobre as tecnologias modernas no teatro se da desde o surgimento da
eletricidade ate a disponibilidade do mais atual aparato tecnologico. Vivemos em
um planeta interconectado, em que a tecnologia tem crescido rapidamente.
2
Apos essa revisao historica, proponho a analise sobre o que esta sendo feito na
pratica, mas com o intuito de privilegiar as encenacoes oriundas do Brasil. Atual-
mente, se ha muitas encenacoes ao redor do mundo utilizando muita tecnologia, nao
se pode dizer o mesmo do Brasil, onde ainda estamos caminhando a passos lentos,
mas com algumas propostas muito interessantes.
O teatro contemporaneo esta repleto de novas possibilidades de comunicacao com
a plateia do seculo XXI. E por esta razao que a arte cenica necessita se desenvolver
de maneira a estabelecer uma forte relacao com o seu tempo, o que implica dizer
que e inevitavel que se aprofunde a pesquisa e a discussao sobre a interacao e a
integracao entre o teatro e as TICs. Colaborar para este debate e, portanto, o que
acredito ser a principal contribuicao deste trabalho.
1.2 Motivacao Pessoal
Desde crianca vejo a arte como um meio essencial para a vida. Tenho as artes
cenicas como estudo desde os doze anos de idade e a engenharia de computacao
como formacao academica. Ao ver a mudanca na cena teatral contemporanea em
expansao rumo a novas experimentacoes, percebi que o teatro tinha um potencial
grandioso para o meu trabalho como engenheira. A ideia inicial para este projeto de
graduacao foi a do entrelacamento da arte com a tecnologia. Meu impulso de vida
e o de ajudar e contribuir de alguma forma para tornar melhor a vida das pessoas.
Por este motivo, escolhi como tema “O Teatro e as TICs”, buscando construir um
panorama atual sobre a insercao das TICs em espetaculos teatrais, com enfase em
grupos e encenadores com atuacao no Brasil.
Para mim, o teatro tem um poder de transformar. A partir dele, e possıvel atingir,
tocar e modificar aqueles que o assistem. O teatro permite um momento de atencao,
reflexao, sensibilidade. As vezes, e isso o que falta para que as pessoas se tornem
cada vez melhores e mais humanas. O dia a dia no Rio de Janeiro, por exemplo,
costuma ser, para a maioria dos seus habitantes, agitado, cansativo, estressante. A
arte, e o teatro em particular, tem o poder de dar uma pausa na loucura, um escape
ao caos, um equilıbrio intelectual. Trazer reflexoes. As pessoas precisam dar uma
3
pausa no estresse para saborear uma arte de qualidade, que as mude para melhor.
Eu sempre quis contribuir para a vida das pessoas positivamente, de alguma forma.
E, para mim, assim como para um numero significativo de pessoas, e necessario ter
essa pausa na correria em que somos inseridos. A arte pode mudar as pessoas e as
pessoas podem mudar o mundo.
E preciso que o teatro seja mais atrativo. A sociedade nao pode conviver com
a ideia de que estamos perdendo tempo quando vamos ao teatro, pois e justo o
oposto: estamos ganhando tempo e cuidando de nos mesmos. O meu dever como
engenheira-artista e fazer com que mais pessoas possam ser tocadas, sensibilizadas,
possam ter reflexoes e, assim, construir um lugar melhor. O que me pareciam areas
de pesquisa totalmente opostas - teatro e engenharia -, se afirmam como possibili-
dade de complementacao. O objetivo e propor a tecnologia como instrumento para
potencializar a arte. Os avancos tecnologicos colocam em xeque novas oportunidades
e possibilidades em cena que podem torna-la mais viva e fortalecida.
Em meio a tantas obrigacoes, e importante sermos lembrados do valor das coi-
sas e do que realmente importa em nossas vidas. E assim que tento buscar esse
equilıbrio. Tenho uma enorme curiosidade em saber sobre o outro, o espectador, e
uma vontade ainda maior de fazer a diferenca de alguma forma. O teatro e um ins-
trumento sublime para o entretenimento, a cultura, a informacao, o questionamento.
E importante que o publico se sinta instigado a frequentar o teatro.
Se a engenharia e algo exato e a ferramenta, a arte me faz lembrar do que e mais
profundo e vai alem das maquinas e dos bits. A arte tem uma mensagem a ser
transmitida e a engenharia pode potencializar essa transmissao. A engenharia e a
arte, assim, podem caminhar lado a lado em busca de um equilıbrio na combinacao
do uso de ambas.
4
Capıtulo 2
Breve Panorama Historico
2.1 Uma Introducao
Exponho, a seguir, um panorama sobre a historia da evolucao da cena teatral, com
base, sobretudo, no livro “Efemero Revisitado: Conversas sobre Teatro e Cultura
Digital”, 2011, de Leonardo Foletto [1]. 1
Um amplo estudo sobre o surgimento e a historia do teatro pode ser encontrado
em inumeras publicacoes, todavia essa longa jornada nao faz parte do escopo deste
projeto de graduacao. Neste breve panorama historico, procurei fazer um recorte
que privilegiasse as tecnologias modernas presentes na cena teatral, desde o seu
surgimento ate a cena contemporanea.
Com o passar dos anos, o teatro foi sofrendo modificacoes em sua maneira de ser
apresentado. As tecnologias modernas passaram a incorporar a cena: a luz eletrica,
a reproducao do som gravado, a projecao de filmes e fotografias e, mais recentemente,
o vıdeo. Elas foram recebidas ora com questionamentos por parte dos teoricos e do
publico acerca da validade de sua utilizacao cenica, ora com entusiasmo. Com a
sua introducao na cena teatral, o questionamento sobre o que e o teatro, e ate onde
continua sendo teatro, vem sendo amplamente colocado ao longo da historia. As
tecnologias tambem foram se aprimorando, ate alcancarem o que hoje denominamos
1Para simplificar, citei a principal referencia no inıcio do capıtulo, uma vez, como extensao
para todo o conteudo. Quando uma nova referencia for apresentada durante o capıtulo, esta sera
explicitada.
5
de tecnologias de informacao e comunicacao. Desta forma, novos jogos cenicos foram
tornando-se possıveis ao ator e a plateia. Afinal, o espetaculo teatral e feito para
um publico e e primordial que o espectador seja atraıdo para a cena.
O espetaculo teatral e realizado ao vivo, em um determinado tempo historico, e
este nao pode ignorar o tempo em que seu publico se encontra. Nao em relacao ao
tema do espetaculo, pois e claro que a cena pode tratar de uma tematica antiga, mas
em relacao a mobilizar o publico no sentido de atrair sua atencao e concentracao.
Pode-se, entao, falar em duas vertentes temporais: o tempo real em que o publico
vive e o tempo da historia encenada. E necessario entender a epoca em que o
espetaculo teatral e apresentado, uma vez que o publico esta inserido na realidade
da epoca em que se vive. Na atualidade, a tecnologia faz parte do cotidiano e da
realidade das pessoas e, portanto, faz parte tambem do teatro.
Certamente, a expansao do emprego de recursos tecnologicos sobre a cena, a
hibridizacao hoje percebida sobre a cena, reflete o surgimento da tecnologia
digital e a nova paisagem cultural, onde o homem esta mergulhado em uma
realidade de interferencias midiaticas (ISAACSSON, 2011, p.3).
Na sociedade em que vivemos, estamos rodeados de tecnologia digital. No simples
trajeto de casa ate a universidade, temos o celular na bolsa, o GPS no carro, o
notebook na mochila. A realidade e que a tecnologia tem se expandido rapidamente
e ja e possıvel dizer que as TICs sao ubıquas em nossa vida cotidiana.
Com o avanco da ciencia e da tecnologia, o teatro tambem foi acompanhando
os avancos de sua epoca. Invencoes passaram a poder fazer parte das encenacoes,
opcionalmente. Negar a epoca em que o espectador se encontra e negar a propria
realidade. Entretanto, a tecnologia deve ser inserida no sentido de ser necessaria e
nao apenas acessorio.
E necessario, tambem, reconhecer que os avancos tecnologicos interferem nas en-
cenacoes e no publico, como sera discutido mais adiante. O teatro foi acompanhando
as mudancas de acordo com a sociedade que o assistia. A virada sociocultural ocor-
reu no seculo XX. Alem de as cenas teatrais fazerem uso da tecnologia do seu tempo,
6
o teatro fez essa tecnologia ser um elemento fundamental em sua linguagem dali em
diante.
2.2 O Inıcio da Tecnologia na Cena Teatral
Algumas das invencoes criadas pelo homem foram bastante revolucionarias. O
surgimento da luz eletrica foi um dos maiores divisores de aguas tambem para a
cena teatral.
Inicialmente, e preciso reconhecer que os avancos da ciencia sempre interfe-
riram de alguma forma na historia do teatro que, desde muito cedo, acolheu
recursos tecnicos, a comecar pelas rudimentares maquinarias movimentadas
por polias e cordas empregadas nos tempos aureos do teatro grego classico.
Mas e sem duvida, a epoca do advento da eletricidade que a relacao entre arte
e ciencia se estreita, pois significativas sao as transformacoes promovidas no
ambito da pratica teatral gracas ao emprego da luz eletrica, por volta de 1880.
(...) Na verdade, gracas a introducao da eletricidade no teatro, a cena se abriu
a novas experimentacoes de ilusao otica, a realizacao de jogos de luz e sombra,
permitindo aos atores descobrir, inclusive, novos modelos de deslocamentos
sobre o palco (ISAACSSON, 2011, p.4).
Voltando ao livro de Foletto [1], a eletricidade, surgida no seculo XIX, foi a princi-
pal modificacao tecnologica da modernidade incorporada as encenacoes. Lembrando
que, na epoca, sequer existia rede eletrica instalada. Na Grecia Antiga, a maioria dos
espetaculos era reproduzida antes do sol se por, com a luz do dia. A noite, utilizava-
se o fogo como iluminacao, por meio de velas, candelabros, tochas e lampioes. A
partir do seculo XIX, a luz eletrica passou a fazer parte da cena teatral. A luz no
teatro passou a ter outras funcoes alem de iluminar o teatro para que ficasse visıvel.
Com a eletricidade, o ambiente comecou a sofrer os principais impactos no que di-
zia respeito a nova maneira com que passou a ser encenado, sendo esse o primeiro
momento da mistura entre a ciencia/tecnologia moderna e o teatro.
Os objetos de cena e os proprios atores, iluminados pelo auxılio da eletricidade,
passaram a ser mais visıveis e os cenarios comecaram a ganhar maior elaboracao. Os
7
objetos utilizados pela cenografia passaram a ser realistas, porque o publico passou
a poder ve-los de maneira mais precisa.
Ate entao, tanto o palco quanto a plateia eram costumeiramente iluminados por
velas, e, em funcao do uso da perspectiva nos cenarios, via de regra os atores
tinham de ficar bem na frente do palco, onde a luz era bem mais intensa, gracas
a colocacao de mais velas ao longo da ribalta. (HELIODORA, 2008, p.120)[12].
Jogos de luzes sao essenciais para a construcao do cenario. Alguns cenografos e
iluminadores, com a luz, passaram a modificar o cenario de modo a ganhar mais
a sensacao tridimensional, esculpindo as formas da cena, distancia, profundidade,
fazendo aparecer e desaparecer os atores em cena, num jogo de luzes - as vezes
coloridas - e sombras.
Entendidas as mudancas criadas pela luz eletrica, algumas outras novidades com
utilizacao da eletricidade foram surgindo, como projecoes. Segundo a professora
Marta Isaacsson[3], a partir dos anos 1920, teatro e cinema comecaram a se in-
terceptar no mundo, de modo que cenografos e encenadores da URSS e Alemanha
comecaram a trazer projecoes de fotografias e filmes para a cena teatral, propiciando
um elo entre representacao e imagens do real, historicas.
Isaacsson cita a montagem de “A terra erguida”, encenada em 1923, para celebrar
o quinto aniversario da Revolucao Russa, em que V. Meyerhold utilizou projecoes
de textos, tıtulos de cenas, fragmentos de dialogos de atores, slogans empregados
durante a guerra civil e fotografias da revolucao. Segundo ela, Meyerhold deve ser
citado como possivelmente o pioneiro no emprego da projecao e Erwin Piscator deve
ser citado por ter feito a sua epoca experiencias refinadas na integracao de imagens
tecnicas com o palco. Como contribuicoes de Piscator, ela cita a leitura de “O teatro
polıtico”em que o encenador alemao articula teatro e cinema, com inıcio em 1924,
e a montagem de “Bandeiras (Fahnen)”, em que culminaram o “Teatro sintetico”,
um novo modelo de teatro, concebido juntamente com W. Gropius.
8
Inseridas em um momento historico de enorme turbulencia sociopolıtica,
correspondiam a busca de articulacao da arte teatral com a realidade. Nao
se tratava mais, portanto, de construir a ilusao de realidade, mas de fazer a
realidade historica adentrar a cena. (ISAACSSON, 2011, p. 5-6).
Em outubro de 1966, ocorreu um interessante evento que merece destaque: por
iniciativa de Billy Kluver, realizou-se em Nova Iorque, no 69th Regiment Armory
performances, por nove dias, com o objetivo de unir Arte e Engenharia, o evento “9
Evenings -Theater and Engineering”. Dez artistas, associados a trinta cientistas e
tecnicos de pesquisa da empresa Bell Telephone Laboratories, apresentaram perfor-
mances que integravam arte com tecnologia. Apesar do nome “teatro”no tıtulo, o
evento teve a maioria das apresentacoes relacionadas a danca, musica e artes visuais.
Tratava-se do historico evento 9 Evenings - Theater and Engineering, onde
John Cage, Lucinda Childs, Oyvind Fahlstrom, Alex Hay, Debora Hay,
Steve Paxton, Yvonne Rainer, Robert Rauschenberg, David Tudor e Robert
Whitman trouxeram a um publico numeroso propostas artısticas as mais
diversas, fundadas, porem, sobre princıpios criativos similares e inovadores. As
performances eram marcadas pela “interatividade”, “composicoes em processo
aleatorio”e “colagem ao vivo”, pratica essa desenvolvida originalmente no
Black Mountain College. (ISAACSSON, 2011, p. 8-9).
2.3 Movimentos Artısticos e o seculo XX
Voltando as ideias de Foletto[1], a partir de 1970, a chamada tecnologia digital
entrou na cena teatral, ampliando as possibilidades de iluminacao e tornando-a parte
ainda mais fundamental da linguagem cenica. Os movimentos artısticos e a historia
da epoca sao importantes para o entendimento de uma nova maneira que surgiria
para o fazer teatral.
Movimentos artısticos de vanguardas historicas (nome costuma referir-se a mo-
vimentos como o Futurismo, Cubismo, Surrealismo, Dadaısmo e a Antropofagia
dos modernistas brasileiros), performance e happening contribuıram para uma rup-
tura/mudanca no teatro tradicional e, assim, justificar a necessidade do uso de novos
elementos em cena, especialmente os artefatos tecnologicos.
9
A virada do seculo XIX para o XX trouxe a consolidacao de novos inventos
- fotografia, telegrafo, lampada eletrica, automovel, telefone, cinema - que
comecaram a transformar consideravelmente a vida em sociedade, e com a
arte nao seria diferente. (FOLETTO, 2011, p. 35).
As vanguardas historicas tiveram relacao com as artes cenicas, sobretudo, para a
ideia de “interacao”na obra de arte, de modo a explorar o entrosamento entre o ar-
tista e o espectador e, a partir desse momento, questionar essa relacao. Por exemplo,
a “Fonte”, o urinol de Duchamp, considerada uma das obras mais representativas
do dadaısmo, causou um forte questionamento sobre o que seria a arte.
Tanto a luz eletrica quanto a ideia de obra de arte total nao propunham
questionar o que seria um espectador ou um artista, pois estas duas posicoes
estavam “definidas”desde sempre numa especie de “acordo tacito”entre as
partes. O inıcio do seculo XX ve a transformacao deste acordo: se Duchamp
pode colocar um objeto qualquer como obra numa galeria, eu tambem posso;
se estou fazendo “arte”com isso, entao eu tambem sou um “artista”; e se eu
tambem sou um “artista”, por que haveria de ter um palco para separar eu de
outro “artista”colocado neste palco? Por que eu, como “artista”, nao posso
estar no palco a interagir nesta mesma obra? (...) ha necessidade de um
“palco”para as apresentacoes artısticas? Existe a obrigacao de um suporte -
quadro, tela, palco - para arte? Por que o proprio corpo nao pode ser sujeito
e forca motriz de sua arte, como nos antigos rituais que originaram o teatro?
(FOLETTO, 2011, p. 35).
Os movimentos artısticos dos “ismos”europeus (e de seus congeneres brasileiros,
tal como o modernismo da semana de 1922) trouxeram essas provocacoes e questoes
para suas obras. Com o passar do seculo XX, outros movimentos surgiram, como
o happening, em 1950. Este propunha o improviso, o acaso, o imprevisto para a
construcao da cena teatral, sem a necessidade de contar, de fato, uma historia, com
um publico mais participativo.
A partir do happening, como evolucao, surgiu a performance, nos anos 1960. Esta
era uma forma de happening mais organizada e sem necessariamente demandar a
interacao direta do publico. Nos anos 1970, a performance consolidou algumas
caracterısticas como poder acontecer em qualquer lugar e nao ter duracao definida.
10
A performance opta por manter a trıade caracterıstica do teatro (pessoa,
texto - entendido como narrativa, nao necessariamente como texto escrito - e
publico), mas relativiza o espaco cenico e usa qualquer recurso para dar a sua
“mensagem”. (FOLETTO, 2011, p. 41).
Josette Ferral [11] e uma influente crıtica, teorica e professora que defende as
contribuicoes da performance para o teatro, de forma a constituir o que ela chama
de “teatro performativo”, que foi definido como “teatro pos-dramatico”pelo alemao
Hans-Thies Lehmann (conceito que sera mais detalhado adiante).
Gostaria de lembrar aqui que seria mais justo chamar este teatro de “performa-
tivo”, pois a nocao de performatividade esta no centro de seu funcionamento.
(FERRAL, 2009, p. 197).
Segundo ela, a performance como ferramenta teorica de conceituacao do fenomeno
teatral e um conceito popularizado por Richard Schechner, autor do livro “The
End of Humanism”(1982) - no qual questiona sobre o que seria uma performance
- e escritor de outras obras influentes mais tarde, sobretudo para os paıses anglo-
saxoes. Segundo ele, o “fazer”, a execucao de uma acao, e primordial e um dos
aspectos fundamentais do performer, alem do fato do ator estar presente e assumir
os riscos dos imprevistos em cena.
Ferral [11] tambem nos faz refletir sobre o que motivou a necessidade dessa nova
cena performativa: a performance teria vindo com o intuito de promover uma rup-
tura no teatro dramatico e no conceito de teatro tradicional.
Por tras dessa redefinicao da nocao de performance e de sua inscricao no
vasto domınio da cultura, e preciso antes ver um desejo polıtico - muito
fortemente ancorado na ideologia americana dos anos 80 (ideologia que
perdura ate hoje) - de reinscrever a arte no domınio do polıtico, do cotidiano,
quica do comum, e de atacar a separacao radical entre cultura de elite e cul-
tura popular, entre cultura nobre e cultura de massa. (FERRAL, 2009, p. 199).
Mirella Bidal [10] cita como expressivos, em termos do teatro performativo, os
nomes de Heiner Goebbels, Robert Lepage, The Wooster Group, Ivo van Hove, o
11
Teatro da Vertigem, o Coletivo Phila7, Laurie Anderson e Chris Salter.
A performance foi um dos resultados das transformacoes ocorridas na cena tea-
tral. Depois de longos anos de mudancas no teatro, a partir dos anos 1960 novas
tecnologias passaram a integrar a cena, marcando, assim, os primordios de uma era
cenica digital.
Atualmente, segundo Foletto [1], a performance e o happening se tornaram ex-
pressoes independentes de outras artes. Por exemplo, a performance esta mais
proxima dos museus do que dos palcos.
A busca por uma sofisticacao na linguagem cenica iniciadas por Wagner,
Appia, Craig, Brecht, dentre tantos outros que se perderam no caminho
da historia, desdobrou-se em diversas linguagens novas que hoje convivem
num mesmo grande espaco de experimentacao artıstica. Convivencia que
tambem ajudou a preparar nossa sensibilidade para as novas (e radicais)
experiencias que o advento da tecnologia digital esta trazendo para o presente.
(FOLETTO, 2011, p. 41).
A segunda metade do seculo XX foi o inıcio de um perıodo de expansao dos
meios de reproducao tecnico industriais (jornal, foto, cinema, radio, televisao e
meios eletronicos de difusao). Ao longo do tempo, esses meios ficaram mais ba-
ratos e menores (portateis), tendo seu uso mais expandido. Por exemplo, em 1960
surgiram as primeiras cameras de vıdeo com bateria acoplada, gerando maior mobili-
dade, em comparacao as pesadas e caras cameras existentes e utilizadas em estudios
de televisao; e surgiu tambem o Walkman, criado em 1979 pela empresa japonesa
Sony. Dessa forma, a mıdia digital passou a acoplar-se ao cotidiano das pessoas,
inicialmente das mais ricas ate alcancar, nos ultimos anos, as camadas mais pobres
da populacao.
Assim, as decadas de 1960 e 1970 marcaram o inıcio da utilizacao de mıdias na
cena teatral. Mais uma vez, o teatro se apropriou das tecnologias do seu tempo, tal
como ja havia ocorrido com a luz eletrica, a fotografia e o gravador de som.
12
2.4 Elucidacao sobre o Teatro Pos-dramatico
Mirella Brandi explica em seu artigo[10] que o teatro contemporaneo pode ser re-
definido a partir de conceitos do teatro performativo e do teatro pos-dramatico. Para
entendermos a cena contemporanea, precisamos entender esses conceitos. Praticas
experimentais surgiram e nesse contexto de transformacoes e apropriacoes tecnologicas
mais presentes no cotidiano pessoal, tambem surgiu um novo conceito chamado “tea-
tro pos-dramatico”, proposto pelo crıtico e professor alemao Hans-Thies Lehmann[2],
que explicou o teatro contemporaneo a partir de um ponto de vista situado para
alem do drama. Seu livro teve sua primeira edicao publicada na Alemanha em 1999.
O teatro ate entao essencialmente “dramatico”, baseado no texto, cede terreno
a imagem, ao uso de tecnologias midiaticas e digitais e a incorporacao de
referencias explıcitas de areas como a danca, as artes visuais, o cinema e a
performance. (FOLETTO, 2011, p. 47).
Diante das novas possibilidades de encenacao, a partir da insercao de novas tec-
nologias, surgiram novas formas para a cena teatral. Mirella Brandi [10] conta que,
apenas na segunda metade do seculo XX, os autores, principalmente do teatro do
absurdo, comecaram a construir seus espetaculos com a arte da imagem, do cinema,
das artes plasticas e do circo, desenvolvendo as tecnologias em cena. Ela tambem
afirma que o teatro pos-dramatico e o teatro performativo tem muitas caracterısticas
em comum, sobretudo a respeito do questionamento sobre o poder centralizador do
texto e da adicao de outras linguagens artısticas ao plano do texto, assumindo que
sao igualmente importantes na construcao e criacao da trama. Curiosamente, a
iluminacao nao foi citada como exemplo de linguagem na elaboracao desses dois
conceitos teatrais.
O conceito proposto por Hans-Thies Lehmann[2] caminhou conjuntamente com
uma mudanca de percepcao na sociedade. Segundo o proprio autor, a sociedade
passou a ter uma percepcao mais abrangente e superficial, no lugar de uma percepcao
centrada e profunda. A leitura lenta e o teatro vagaroso perderam espaco para as
imagens em movimento. Os canais de televisao e de radio, alem das transformacoes
sociais e polıticas das decadas de 1960 e 1970, aceleraram essa nova percepcao.
13
Os conceitos levantados por Lehmann geraram estudos, ensaios e artigos na busca
do entendimento do teatro tal qual temos hoje. Foletto[1] destaca tambem dois
livros brasileiros sobre o pos-dramatico. Um deles e de autoria de J. Guinsburg e
Sılvia Fernandes, chamado “O Pos-dramatico: um conceito operativo?”; e outro de
Sılvia Fernandes chamado “Teatralidades Contemporaneas”, que utiliza o conceito
do alemao e outros teoricos para entender a cena brasileira.
Segundo Lehmann[2], o teatro pos-dramatico surgiu a partir das vanguardas no
final do seculo XIX, sobretudo atraves dos trabalhos de Gordon Craig, Antonin
Artaud, Alfred Jarry, Gertrude Stein, Bertold Brecht, dentre outros. A partir da
decada de 1970, esse conceito se expandiu largamente com o advento das mıdias na
cultura social.
Ha exemplos deste conceito aplicado ao Brasil. Foletto (2011, p.50)[1] cita como
exemplos “A encenacao no pos-dramatico in terra brasilis”, do professor Marcio
Aurelio Pires de Almeida, que traz em seu artigo duas pecas do Teatro Oficina:
“Galileu”e “Na Selva das Cidades”, textos de Bertold Brecht, montados no inıcio
dos anos 1970; e a peca “Agreste”, escrita por Newton Moreno e dirigida por Marcio
Aurelio, em 2004. Foletto[1] tambem cita as pecas da Cia Sutil de Teatro, do diretor
Felipe Hirsch, como demonstrativo do teatro pos-dramatico na cena teatral, em que,
por exemplo, na peca “Avenida Dropsie”, ha a projecao de imagens em um telao
transparente localizado entre os atores e a plateia, num uso explıcito da linguagem
e da mecanica do cinema no teatro.
As caracterısticas do teatro pos-dramatico estao entranhadas na cena teatral con-
temporanea. Nos palcos no Brasil, vemos pecas de grupo de experimentacao de
linguagem, que utilizam elementos do cinema e da danca em suas encenacoes, que
nao obedecem o texto a risca, e nas quais os atores sao mais livres em suas inter-
pretacoes. Essas sao algumas das caracterısticas que tornaram o teatro mais livre e
passaram a justificar a utilizacao de novos elementos em cena, mesmo no teatro dito
comercial, entendido como um teatro de puro entretenimento. O intuito do conceito
do teatro pos-dramatico e a da tentativa de compreensao da fragmentaria estrutura
da cena teatral atual e de como mudou a percepcao da sociedade.
14
2.5 Teatro Digital
Voltando as ideias de Foletto[1], o termo “Teatro Digital”nao tem uma data de
surgimento. E atualmente uma linguagem utilizada para designar o uso de mıdias
no teatro. Em 2008, a companhia catala La Fura Del Baus escreveu o “Manifesto
Binario”. Esta companhia catala surgiu em 1979 em Barcelona, com pequenos es-
petaculos de rua, trazendo praticas de circo, escalada e funambulismo (equilibrismo
sobre corda). Em 1983, a companhia estreou o espetaculo “Accions”no palco, con-
solidando dois elementos que passariam a caracterizar a linguagem utilizada pela
companhia: espacos diferentes/incomuns para as apresentacoes e acoes provocati-
vas/polemicas dos atores em relacao ao publico, utilizando elementos sexuais e de
violencia. Na sequencia das suas encenacoes, La Fura acrescentou a sua linguagem
a musica, a danca, a pirotecnia, as artes visuais e a performance.
A partir daı, a companhia, ja largamente conhecida pelo mundo, passou a explorar
tecnologicamente seus cenarios e, em 1992, foi convidada para realizar a abertura dos
Jogos Olımpicos de Barcelona, transmitida pela televisao para mais de 500 milhoes
de espectadores. Aos poucos, La Fura foi trazendo elementos de alta tecnologia
para suas producoes. Foi entao que, em 2008, o “Manifesto Binario”surgiu como
uma carta de princıpios da companhia frente a cultura digital. Na primeira frase
da carta, propoe o que seria a ideia do teatro digital como sendo a soma dos atores
com os bits.
Se estas pessoas convivem de modo natural com a presenca fısica, corporal,
ao mesmo tempo que com a presenca virtual, via chat, redes sociais ou
qualquer outra ferramenta de comunicacao em rede, por que nao jogar com
estas presencas para fazer arte, linguagem, ou mesmo um teatro digital? E
a questao que coloca o La Fura, ao ressaltar as imensas possibilidades que
o digital e a internet trazem para realizar o “antigo sonho”de transcender o
corpo humano e criar um “involucro de representacao”que inclua o subjetivo,
o material e o digital. (Foletto, 2011, p. 59-60).
Abaixo, esta a traducao de “Manifesto Binario”encontrada em Foletto[1]:
15
Manifesto Binario
Teatro digital e a soma entre atores e bits 0 e 1, movendo-se na rede.
Atores no teatro digital podem interagir a partir de tempos e lugares diversos...
As acoes de dois atores em dois tempos e lugares diversos correspondem na rede
a infinitos tempos e espacos virtuais.
No seculo 21, a concepcao genetica do teatro (da geracao ao nascimento da
cena) sera substituıda por uma organizacao de atividades interativas e intercul-
turais. Teatro digital se refere a uma linguagem binaria conectando o organico
com o inorganico, o material com o virtual, o ator de carne e osso com o ava-
tar, a audiencia presente com os usuarios da internet, o palco fısico com o
ciberespaco.
O teatro digital da La Fura dels Baus permite interacoes em palcos dentro e
fora da rede, inventando novas interfaces hipermidiaticas. O hipertexto e seus
protocolos criam um novo tipo de narrativa, mais proxima dos pensamentos ou
sonhos, gerando um teatro interior em que sonhos se tornam realidade (virtual).
A internet e a realizacao de um pensamento coletivo, organico e caotico, que
foi desenvolvido sem hierarquia definida. O teatro digital se multiplica em
milhares de representacoes, em que os espectadores podem colocar imagens de
suas proprias subjetividades, por meio de mundos virtuais compartilhados.
Sera que o teatro digital vai perpetuar a Pintocracia? Sera que a Vaginocracia
eventualmente vencera? Ou sera que ambas se juntarao em perfeita harmonia
0-1? No teatro digital, a abstracao absoluta coexiste com o retorno ao corpo,
que pode ter uma dimensao sadomasoquista - tanto quanto uma dimensao
sensual, angelical ou orgiastica; ou talvez uma mistura de todas elas.
Por definicao, o ato teatral envolve um excesso, um excedente de performance.
E o prazer de mostrar e ser mostrado. Uma sensacao de identificacao e esta-
belecida entre o ator e a plateia. Como essa identificacao funciona no teatro
digital? Como uma mao se encaixa numa luva? Como uma extensao de um
ser? Pela integracao na rede?
A tecnologia digital torna possıvel o antigo sonho de transcender o corpo
humano. Assim, o ciberespaco pode ser habitado por corpos com um novo
involucro de representacao, entre a subjetividade e a materialidade. Temos que
deixar nossa propria pele para chegar a uma referencia comum de percepcao.
Os papeis do ator, do autor e da plateia tendem a se misturar.
A cultura digital nao significa mais uma tecnologia de reproducao, mas a
producao imediata. Enquanto no passado a fotografia dizia “era assim”, con-
gelando um instante, a imagem digital diz no presente “e assim”, unindo o ato
real, o teatro, o aqui e agora.
O teatro digital permite que a imagem se altere de uma configuracao para
outra, atual e virtual, deixando-a em diversos planos: um ıcone da sıntese que
sempre sera HUMANO. (FOLETTO, 2011, p. 57-58).16
Nessa nova linguagem do teatro digital, ha a abertura ao digital para a cena,
sem descartar a essencia humana. A proposta e de ambos estarem conectados, na
rede, convidando o publico a tambem participar dessa construcao cenica. Entao, o
teatro digital tem a caracterıstica de a mıdia digital e o ator, a performance ao vivo,
estarem interligados.
Ainda quanto a definicao de teatro digital, Foletto tambem cita a estadunidense
Nadja Masura, que publicou sua tese de doutorado pela universidade de Maryland
com o tıtulo “Digital Theatre: A ’Live’ and Mediated Art Form Expanding Percep-
tions of Body, Place, and Community”. Bastante resumidamente, sua tese diz que
“digital e toda a tecnologia relacionada ou mediada por computadores, que trans-
forma a informacao analogica ou ‘ao vivo’ - como ondas de som, imagens gravadas
em pelıcula ou em filme fotografico- em dıgito binario, ou seja, numero. (Foletto,
2011, p. 60).
Quando falamos sobre essa linguagem digital, falamos em numeros, bits, 0 e 1.
Imagens, vıdeos, trilha sonora, sao lidos pela maquina de maneira numerica. Alem
disso, diferente do que seria o analogico, o digital permite a estocagem dos dados
em drives, discos e ser aberto em diferentes computadores e ambientes.
Segundo Foletto[1] (p. 61-62), Masura tambem considera essencial no teatro di-
gital:
a) Uso de recursos humanos e da tecnologia digital ao vivo;
b) Ser apresentado com o mınimo de mediacao humana,
presente fisicamente antes de comecar o “ao vivo”;
c) Conter interacao limitada aquela permitida nos papeis teatrais;
d) Incluir palavras faladas, assim como audio e imagem midiatica.
Para que o teatro digital se concretize, e necessario que haja algum componente
humano e algum componente digital, nao podendo existir a ausencia de um desses
elementos. Alem disso, a tecnologia e uma ferramenta para a criacao do teatro.
O homem e a maquina podem se juntar para a construcao de uma nova forma
de teatro, sem se consumirem, mas sendo aliados. O comunicado com a plateia
17
tambem e possıvel a partir do ator presente em comunhao com ferramentas que
ajudem ainda mais para a expansao e transmissao da mensagem que o ator deseja
passar ao publico. Apesar das pesquisas relacionadas a definicao de teatro digital,
este ainda e um conceito em aberto, em progresso.
2.6 E teatro?
Tambem vale a pena comentar que ha um interminavel debate sobre a tradicao e
a inovacao no teatro, alem do questionamento sobre ate onde a tecnologia podera
evoluir e ser levada para a cena. Foletto [1] tambem traz uma interessante discussao
acerca do que vem sendo debatido a respeito da tradicao no teatro. Alguns crıticos
sugerem que algumas formas de apresentacao nao sao teatro, ou afirmam que o
teatro tradicional acabou. Achar um meio termo para essas duas questoes parece
ser a solucao.
As invencoes de hoje nao acabam com as tecnologias e praticas ja existentes,
mas convivem com elas. O concerto musical ao vivo foi declarado acabado
com a criacao do fonografo, na segunda metade do seculo XIX, assim como
a pintura com a fotografia, o teatro com a criacao do cinema, o cinema
com o alvorecer da televisao, e assim por diante. Diante da sobrevivencia,
hoje, de todas as artes declaradas falecidas tempos atras, nao e difıcil de
prever que tambem o teatro tradicional nao acabou e nem vai. (...) Se fosse
para arriscar a prever o futuro, seria melhor dizer que multiplos teatros
estao por vir, sejam eles midiaticos, digitais, virtuais, computacionais,
e todos irao conviver no mesmo espectro artıstico do teatro, digamos,
“tradicional”, e de outras linguagens como a performance, a musica, o ci-
nema, as artes visuais, dentre outras a serem inventadas. (Foletto, 2011, p. 67).
Seguindo essas ideias, a discussao sobre a definicao do que e teatro torna-se bas-
tante complexa para muitos daqueles que trabalham com teatro. Alguns acreditam
que quando misturam-se elementos e linguagens digitais, nao se pode dizer que con-
tinua sendo teatro, ou seja, existiriam algumas fronteiras. Sera que uma pessoa que
esta assistindo uma peca teatral pelo computador, via internet, esta vendo teatro?
Continua sendo teatro se nao tiver presenca, se nao for presente?
18
No dia 18 de fevereiro de 2011, diversos atores, jornalistas, diretores, pesquisadores
se reuniram num evento cultural em Sao Paulo chamado “Teatro em Conexao”para
discutir as fronteiras sobre o que continuaria sendo teatro, principalmente sobre
a essencia da presenca. Houve debates sobre cultura digital, dois ensaios abertos
(“Edipo”e “Vozes Urbanas”, este ultimo com tres cenas que aconteciam ora ao vivo,
ora por meio de um telao) e uma discussao sobre a relacao entre o teatro e a cultura
digital.
Participaram da conversa quatro representantes da area teatral: Antonio
Araujo, diretor do Teatro da Vertigem, grupo notorio por sair do espaco
da “caixa preta”tradicional do teatro e por buscar ocupar espacos nao
convencionais para suas apresentacoes; Marcelo Lazaratto, diretor da Cia.
Elevador de Teatro Panoramico, companhia que tem seu trabalho focado no
corpo do ator; Jose Fernando de Azevedo, diretor do Teatro de Narradores,
que realiza pesquisa de uma cena com elementos das mıdias; e Elias Andreato,
ator e diretor com transito entre a direcao e a atuacao no teatro, televisao e
cinema, alem de Nelson Kao e Renata Jesion, do Teatro para Alguem, e os
participantes da oficina, na plateia. (Foletto, 2011, p. 69).
A discussao foi ao redor da ideia de o “digital”ser uma ferramenta para o teatro.
Foletto[1], a respeito das ideias levantadas por Lazaratto no evento, diz que:
Pelo Teatro para Alguem, caracterizado pela producao de espetaculos pensados
para serem transmitidos pela internet, assim como outras formas artısticas
de hoje como a performance, trazem uma teatralidade e tomam elementos
das artes cenicas para si, mas nao podem ser considerado teatro. Lazaratto
explicou que o teatro propriamente dito, “como substantivo”, tem que ser
presencial; o ator pode aproveitar as diversas tecnologias como instrumento de
virtualizacao, mas tem que partir da interacao fısica do ator. O teatro digital
seria, como pratica, uma contradicao - e, por isso mesmo, muito interessante,
segundo o diretor. (Foletto, 2011, p. 69).
Entre diversas concordancias e divergencias de opinioes, o evento ajudou a enten-
der sobre a dificuldade de distinguir as fronteiras sobre o teatro, no inıcio do seculo
XXI. Talvez fosse interessante construir uma nova linguagem para esta nova forma
de apresentar o teatro. Foletto diz que uma das caracterısticas do digital e a falta
19
de definicao.
Nesse contexto, a discussao de nomes e improdutiva; infelizmente, parece
servir apenas na busca por financiamento, ja que tanto em editais publicos
quanto em incentivos de empresas privadas a necessidade de explicacao por
rotulos fechados e imperativa.(Foletto, 2011, p. 71)
O caminho natural e o da experimentacao, para o questionamento e o trabalho
com as formas de presenca. Sobre a internet, tambem discutiu-se se a pessoa que
esta online esta ou nao esta presente, se o computador e um caminho/ferramenta
para que a pessoa que o utiliza se torne presente. A presenca passa a ser relativizada
ate porque, as vezes, na nossa vida social, passamos mais tempo com nossos amigos
e familiares na rede - atraves do facebook, whatsapp - do que pessoalmente.
Apos essa breve pincelada acerca das discussoes sobre o quao relativo e complexo
e a definicao sobre o que seria o teatro na cena contemporanea, fica claro que o
teatro esta se abrindo a novas possibilidades. E possıvel agora que o telespectador
nao mais assista a tudo passivamente, mas que o vınculo publico-cena comece a ser
uma troca, um jogo, com muito mais participacao do publico.
Ainda, e preciso haver um cuidado, para que o espectador nao acabe se perdendo
entre o que esta acontecendo (o real) com o que a peca quer transmitir (a historia),
ou seja, que nao se quebre a convencao e o contrato que o publico tem com os atores
de que o que esta sendo assistido e um espetaculo teatral. A preocupacao e que,
quando o publico se faz fisicamente presente, esse limite, as vezes, pode ficar con-
fuso. Fica ainda mais confuso quando o publico esta presente via rede. Foletto[1] diz
que temos atualmente uma maior propensao ao fazer e participar do que ao assistir
pacificamente. Parece que estamos ficando mais impacientes, por conta da nova
cultura da facilidade de ter muita informacao, poder rapidamente navegar de uma
pagina para outra. Esse “novo”comportamento que temos perante as novas tecno-
logias muda nossas reacoes e, por consequencia, tambem muda o comportamento
do publico ao assistir a uma peca de teatro e isso deve ser levado em conta, uma
vez que uma peca e montada para um publico da sociedade contemporanea. Sendo
assim, fica o desafio de estabelecer um teatro digital que nao engessa suas acoes e
20
nem perde o controle da narrativa, no caso de os recursos digitais oferecerem opor-
tunidades demais, como no exemplo de o espectador poder interferir diretamente
nas cenas.
Rodolfo Garcıa Vazquez, em seu artigo [9], tambem nos faz refletir a respeito de
como interpretamos de maneira diferente o olhar ao vivo do olhar na imagem:
A percepcao do olhar humano sobre as luzes coloridas no palco e completa-
mente diferente da percepcao da luz na fotografia ou no vıdeo, o que se reflete
na percepcao visual completamente diferente que acontece ao assistirmos a
um espetaculo e vermos um vıdeo sobre o espetaculo. Para o olhar humano, o
vermelho, por exemplo, tem um belo efeito sobre corpos nus e palco branco;
entretanto, no registro fotografico ou de vıdeo, perde definicao e esmaece.
(VAZQUEZ, 2015, p. 7).
Por esse lado, e inegavel que assistir a uma peca de teatro por meio de uma
tela e uma experiencia totalmente diferente do “ao vivo”. Um angulo diferente
pode mudar o objetivo, por exemplo, da colocacao de um feixe de luz. Uma cor
observada pessoalmente pode ser diferente no vıdeo e fazer diferenca na cena. Talvez,
um espetaculo teatral feito para a tela possa ser considerado uma outra expressao
artıstica, que nao o teatro. Vazquez [9] conta que comecou a montar as encenacoes
em seus espetaculos pensando na iluminacao, para que afetasse diretamente no corpo
fısico da plateia.
O vai-e-vem das pupilas do espectador durante o espetaculo e controlado
por um sistema muscular involuntario que, curiosamente, pode ser ativado
pelo encenador atraves do jogo de luzes. E justamente esse impacto sobre o
espectador tornou-se um dos meus principais focos de interesse ao conceber as
luzes. (VAZQUEZ, 2015, p. 7).
Alem disso, a ciencia explica que a luz modifica nosso olhar para com o que esta
sendo observado. A luz modifica o corpo fısico do publico presente, dilata suas
pupilas, modifica seu olhar, provoca sua percepcao, alcanca seu inconsciente. Mas
talvez o espetaculo possa ser pensado para a linguagem e a iluminacao voltadas para
o vıdeo, fazendo repensar tambem a questao da luz. E uma discussao complexa, mas
21
que vale a pena ser tratada.
O que me parece e que o fio tenue que delimita as linguagens artısticas e
seus meios talvez nem exista mais, ou talvez nao faca mais sentido em nossos
tempos. Ou, se ainda existe, estamos em tempo de reavaliar essas diferencas
e nos lancarmos em um pensamento mais unificado, o pensamento de uma
arte ampla e colaborativa que acompanhe a evolucao de nosso tempo. A arte
entendida como pensamento transgressor, que compreende em si todo um
universo de possibilidades direcionadas para a criacao de olhares renovados.
(BRADI, 2015, p. 12).
E realmente complicado para uma sociedade, depois de anos de tradicao, aceitar
o rompimento do tradicional e se abrir ao novo. Talvez nao devamos nos preocupar
tanto em delimitar fronteiras, em estabelecer definicoes. A arte e um espaco amplifi-
cado. O teatro se propoe a fazer experimentacoes. Nao podemos negar o avanco da
tecnologia e seus efeitos na sociedade (e vice-versa). O digital se faz mais presente
a cada dia. Talvez fiquemos tao imersos ao digital que nem mais nos daremos conta
de que esta e uma novidade a ser mais bem discutida.
2.7 Reflexoes sobre a Cena Contemporanea
Ao entendermos a linha do tempo nas artes cenicas, especialmente quando re-
cortada a partir do seculo XX, fica mais clara a razao das transformacoes e frag-
mentacoes ocorridas na cena teatral. O teatro perfomativo e o teatro pos-dramatico
foram conceitos divisores de aguas para a compreensao da ruptura com o teatro
dramatico e a adicao de novos elementos tecnologicos a cena.
Alem disso, a tecnologia digital evolui a passos largos. E necessario entender
que nao se pode negar a epoca em que se vive. A nossa epoca e marcada por
novos artefatos tecnologicos “despejados”nos mercados e que a sociedade, imersa
nessa ambiencia digital, tem diferentes formas de agir e pensar em comparacao com
sociedades mais antigas.
22
E certo que as mıdias digitais modificaram a cena teatral. Um novo efeito se
produz quando, por exemplo, se utilizam cameras que ampliam as expressoes dos
atores em teloes, ainda que a realidade teatral, estipulada pela comunicacao ao vivo
com a plateia, continue existindo. Atualmente, e difıcil encontrar um espetaculo
teatral que nao utilize algum recurso computacional ou, dito de outra forma, e cada
vez mais natural utilizar recursos tecnologicos nas artes cenicas.
Alem da tecnologia aplicada ao espetaculo, o espectador tem se mostrado cada
vez menos passivo e mais participativo no que diz respeito a construcao da cena
teatral. As vezes, tornando-se parte da propria obra. O espectador pode passar a
ser um atuante.
A manipulacao/utilizacao/producao de dispositivos e tecnologicos propoe
multiplos jogos de onde podem advir experiencias ludicas ou aventar outras
questoes ainda nao vivenciadas. A incorporacao de tablets, celulares,
laptops, telas, projetores e demais aparatos compoe paisagens sonoras
e visuais que se convertem em materiais intrınsecos de uma dramaturgia,
atuando nao apenas como objetos cenoplasticos. (COSTA, SILVA; 2016, p. 80)
Para mim, a inspiracao das mıdias e computadores no teatro deve ser positiva. E
importante que as montagens teatrais vejam as tecnologias como um recurso pulsante
para reafirmar e tornar a obra teatral mais grandiosa, espetacular e mobilizadora.
Importante que seja algo bem empregado, de modo que a tecnologia esteja ali com
um proposito. O adendo tecnologico nao pode fazer com que o teatro perca seu
sentido ou valor.
2.8 O Papel da Engenharia de Computacao e In-
formacao nisso tudo
Com o passar do tempo, novas profissoes e disciplinas foram surgindo, de modo
a atender as necessidades de sua epoca. Os conhecimentos adquiridos precisam
ser transmitidos para que as geracoes futuras continuem em constante evolucao. Os
avancos tecnologicos resultaram em novas profissoes relacionadas a tecnologia. Entre
23
elas, a profissao que escolhi como formacao academica, a Engenharia de Computacao
e Informacao. Profissao extremamente ampla em seu alcance, que pode ser aplicada
em diversas areas, de maneira multidisciplinar. Dentre tantas, uma de suas possıveis
aplicacoes pode estar no teatro.
O curso de engenharia de computacao e informacao e relativamente novo em com-
paracao, por exemplo, com outras engenharias vistas como mais tradicionais, como
a engenharia civil. Na UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, a primeira
turma de Engenharia de Computacao e Informacao surgiu em 2004 [20]. Para o
engenheiro de computacao que decidir trabalhar com as artes cenicas, e primordial
que venha a entender a razao da necessidade de seu trabalho na area artıstica e as
razoes pelas quais essa engenharia se faz presente na contemporaneidade, tornando-a
mais multidisciplinar. E necessario ter um conceito e um pensamento estetico para
relacionar com as possibilidades propiciadas pelo conhecimento dito “tecnico”.
Apos o panorama historico apresentado nesta secao, comeca a reflexao sobre a
entrada da engenharia na cena contemporanea. Ha diversos talentos na area da
computacao que fariam um brilhante trabalho nas artes, mas que muitas vezes
esquecem dessa possibilidade profissional. Como o diretor, professor e ator Joao
Marcelo Pallottino disse na sua entrevista:
Ha uma galera que sabe muito, mas nao sabe o que inventar. Ha uma galera
que sabe muito mexer, transformar e cai muito mais nas artes visuais e na arte
sonora, porque o teatro e um campo ainda careta nesse sentido e isso tem que
acabar, eu acho. Sao poucas pessoas que abrem esse canal. (PALLOTTINO,
2016)
Para que o teatro digital seja possıvel, e necessario contar - alem de obviamente
com os atores -, com pessoas capacitadas para o desenvolvimento da parte digital,
da ferramenta que tambem construira o espetaculo. Por conta do engenheiro de
computacao fica a tecnica diretamente relacionada ao desenvolvimento de softwares,
aplicativos, robos e tecnologias diversas que atendam as necessidades do processo
de criacao teatral. Ha uma infinidade de possibilidades que se abrem quando o
diretor, encenador e a companhia sao parceiros do engenheiro. No capıtulo a seguir,
24
proponho a analise de algumas dessas possibilidades de criacao tecnologica vistas
atualmente na cena teatral.
25
Capıtulo 3
Tendencias na Cena Teatral
Contemporanea
3.1 Uma Introducao
Identifico-me com o ator, diretor, escritor e performer Renato Cohen [13] quando
ele diz que “meu inıcio no teatro foi igual ao de quase todo mundo: trabalho de ator
baseado no metodo Stanislavski”. Nao que isso seja ruim, pelo contrario, acho uma
base importantıssima para o trabalho de preparacao dos atores e de criacao de per-
sonagens. Foi a partir deste primeiro contato com o teatro que encontrei motivacao
pela busca de variados autores, correntes e rupturas, que apresentam novas perspec-
tivas de encenacao. Surgiram novas formas de participacao e relacao da encenacao
com o publico e novas formas tecnicas na criacao da cena teatral. Seguindo esse ca-
minho, podemos buscar variacoes de montagem para um teatro que nos impulsione
mais e que busque tambem e, principalmente, gerar um questionamento e interesse
do publico.
O teatro mudou significativamente a sua relacao com a tecnologia, especialmente
com a tecnologia de producao de imagem. Mudou quando comparado a desconfianca
existente nos anos 1960. As novas invencoes, as aceitacoes/expansoes tecnologicas,
os novos movimentos artısticos e os novos artistas contribuıram para essa modi-
ficacao na cena teatral. A naturalidade, nao somente do encenador, mas tambem
a do espectador com o manejo da tecnologia, trouxe essa aproximacao/adesao da
26
tecnologia para os espetaculos.
Assim sendo, neste presente capıtulo proponho fazer o levantamento e a analise
de apenas alguns dos varios exemplos sobre o que vem sendo encenado no mundo,
buscando focar na experiencia brasileira (em particular, da experiencia carioca)
de espetaculos teatrais que fazem uso da tecnologia como forma de potencializar
suas encenacoes. Ha inumeros nomes do teatro contemporaneo bastante influentes,
porem o foco deste capıtulo nao esta em apresentar uma analise sobre a historia das
companhias teatrais e suas motivacoes para adotar tematicas e recursos tecnologicos.
O que aqui procuro e apresentar, de maneira mais objetiva, suas obras na cena
contemporanea. Alem disso, muitas companhias de teatro e danca utilizam a mera
projecao de imagens em seus espetaculos, um recurso ja muito “natural”, o que
fez-me sentir obrigada a buscar outras formas mais exploratorias e inovadoras de
imbricacao com as TICs conforme observadas na cena teatral.
O Rio de Janeiro, como o resto o Brasil, apresenta uma particularidade: como
grande parte de seus espetaculos sao feitos com orcamentos apertados, existem pou-
cos diretores que misturam, em grande escala, artes cenicas e tecnologia digital em
suas encenacoes. No Brasil, ainda nao esta muito difundida a questao tecnologica
nas artes em geral. Em outros paıses, como Estados Unidos, Franca, Reino Unido,
Alemanha podemos ver uma quantidade maior de exemplos de espetaculos que se
articulam muito bem e favoravelmente com a tecnologia em cena. Para este tra-
balho, darei enfase aos grupos brasileiros, nao deixando de citar alguns influentes
nomes internacionais.
3.2 Exemplos
3.2.1 Companhia Vertice
Esta foi a companhia carioca que, para este trabalho de conclusao de graduacao,
escolhi como a primeira a ser explorada. A talentosıssima atriz Julia Bernat e
o brilhante tecnico Felipe Norkus desta companhia concederam-me esclarecedoras
entrevistas, em que conversamos longamente sobre os conceitos e atitudes propostas
27
pela companhia. Por ora, serei mais objetiva.
A companhia teatral Vertice[6], comandada pela diretora Christiane Jatahy, tambem
tem uma proposta de articular o trabalho cenico com uma linguagem contem-
poranea. Ela trabalha com uma proposta para a cena que demanda a presenca
do ator na representacao de uma personagem (o ator tem de contracenar com tudo
que esta acontecendo em cena) e sua referencia ficcional, de modo que o real e o
ficcional misturados geram uma terceira zona teatral, criando, assim, novos pontos
de vista e abordagens em cena, tanto para o ator quanto para o espectador.
Christiane Jatahy, em suas encenacoes, busca firmar um olhar questionador su-
portado por cameras, projetores e teloes que fazem parte da construcao da cena
teatral.
Figura 3.1: Cia Vertice em “E se elas fossem para Moscou?”, Sesc Belenzi-
nho. Sao Paulo. 2014. Fonte: Sıtio do Jornal Folha de Sao Paulo. Disponıvel
em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/07/1486248-peca-e-se-
elas-fossem-para-moscou-vira-filme-exibido-na-mesma-hora.shtml. Acesso
em: 07/12/2016.
28
Figura 3.2: Cia Vertice em “E se elas fossem para Moscou?”, Sesc Belenzi-
nho. Sao Paulo. 2015. Fonte: Sıtio virtual da Cia Vertice. Disponıvel em:
http://christianejatahy.com.br/project/moscou. Acesso em: 07/12/2016.
As figuras 1 e 2 ilustram o espetaculo “E se elas fossem para Moscou?”. Os apa-
ratos eletronicos em destaque utilizados neste espetaculo foram cameras, projetores,
teloes e microfones nas lapelas das atrizes.
Ao assistir aos espetaculos, percebi uma linguagem contemporanea que me des-
pertou grande curiosidade. Novas dinamicas em cena sao possıveis por conta do uso
de cameras que permitem, por exemplo, a exibicao de uma cena na tela que nao
esta sendo realizada no palco, a criacao de uma metafora sobre a realidade, e o foco
na expressao facial de um(a) determinado(a) ator(atriz).
Christiane Jatahy tem uma aproximacao da tecnologia pelo vies do cinema, in-
vestindo pesadamente na tecnologia de imagens. A utilizacao da imagem de vıdeo
funciona como recurso para a integracao dos atores em um espaco paralelo ao da
acao teatral, como uma extensao/amplificacao do palco. A maquinaria e visıvel:
cabos e cameras sao deixados despudoramente a mostra, mas agregados a cena. A
peca “E se elas fossem para Moscou?”utilizou recursos que nao seriam possıveis sem
29
a camera em cena, como a cena ilustrada na Figura 2, em que a atriz encontrava-
se imersa na agua e o telao exibia sua expressao (para a edicao das imagens, a
companhia utiliza o software Isadora).
Entre os desafios do teatro para mim, como atriz, estao o de falar em alto e bom
som e o de expor claramente minhas expressoes faciais. Com recursos de microfone
e camera, e possıvel realizar o espetaculo teatral com menos preocupacao com esses
desafios, alem de gerar novas propostas cenicas.
3.2.2 Iluminacao e Os Satyros
A luz e um dos recursos mais importantes para um espetaculo. Na grande maioria
das montagens teatrais, a luz e fundamental para a elaboracao de uma cena, criando
jogos de luzes de alta e baixa intensidade, cores, sombras, escuridao. Assim, a cena
dialoga com a luz que desenha o espaco. Geralmente, o iluminador e responsavel
por operar uma mesa de luzes durante as pecas, entretanto vem surgindo novas
alternativas de utilizar a luz em cena.
Rodolfo Garcıa Vazquez expandiu em seu artigo [9] sobre as novas possibilidades
de iluminacao na trajetoria de Os Satyros, companhia paulista a qual ele e um dos
fundadores. Ele falou sobre um “ator ciborgue”.
Conceitualmente, a condicao ciborgue se refere a qualquer extensao nao-
biologica do ser humano que torne viavel a interacao social. As extensoes
ciborgues vao de carros a avioes, motocicletas, celulares, laptops, Internet, entre
outros. Tudo isso sao extensoes ciborgues de nossas vidas, sem as quais muitas
experiencias de interacao social seriam irrealizaveis. (VAZQUEZ, 2015, pag 9).
Em sua companhia, o ator ciborgue da peca “Cabaret Stravaganza”(2011), por
exemplo, utilizava o celular em cena para criacao da trilha sonora, projecao de
imagens e iluminacao. O ator podia, inclusive, utilizar um aplicativo que modificasse
a luz da lanterna do celular para criar um efeito diferente para a cena.
Vazquez [9] citou ainda outras formas de iluminacao ciborgue. Para a peca “Nao
saberas”(2014), em uma das cenas, o ator tinha em maos um iPad com o aplicativo
30
Gravilux instalado. Este aplicativo consiste em uma tela, inicialmente com ponti-
nhos brancos uniformemente espalhados. Por meio do toque dos dedos humanos,
esses pontinhos se movimentam, criando quase que uma coreografia.
O iPad ficava conectado a um projetor e o ator podia criar ao vivo uma ilu-
minacao interativa bastante original. Assim, a companhia foi abracando essas novas
tendencias, retirando do iluminador e do operador de luz a condicao de unicos res-
ponsaveis pela iluminacao da cena, desfazendo ao mesmo tempo o esquema rıgido
de divisao do trabalho cenico. A iluminacao passou a ser participativa, na qual os
atores ciborgues passaram a criar um jogo performativo para a iluminacao, em um
processo criativo contınuo.
Se a linguagem autonoma da luz para a criacao performativa ainda nao foi
observada por crıticos, diretores, teoricos e pensadores de teatro, acredito que
ja e tempo de se-lo. (BRADI, 2015, pag 10).
A companhia Os Satyros e conhecida por criar espetaculos com a tematica tec-
nologica. Para a comemoracao dos 25 anos da companhia, em 2014, eles apresenta-
ram um projeto chamado “E Se Fez a Humanidade Ciborgue em 7 Dias”, composto
por sete espetaculos: “Nao Amaras”, “Nao Fornicaras”, “Nao Morreras”, “Nao Per-
maneceras”, “Nao Saberas”, “Nao Salvaras”e “Nao Venceras”.
31
Figura 3.3: Cia Os Satyros em “Nao Salvaras”. Sao Paulo. 2014. Fonte:
YouTube. Disponıvel em: https://www.youtube.com/watch?v¯S5GsxiLpyZc.
Acesso em: 31/01/2017.
Em seu blog oficial[15], a companhia Satyros escreveu que, para esses espetaculos,
foram utilizados robos, telefonia movel, aplicativos de celular, internet e experimen-
tos cientıficos. Assistindo a vıdeos dos espetaculos no YouTube [16], pude perce-
ber tambem o uso de projecoes, microfones, um robo no formato de uma pequena
caixa retangular que se movimentava pelo chao, rosto robotico articulado com uma
mascara, alem de iPads no rosto dos atores.
Figura 3.4: Cia Os Satyros em “Nao Salvaras”. Sao Paulo. 2014. Fonte: You-
Tube. Disponıvel em: https://www.youtube.com/watch?v=S5GsxiLpyZc.
Acesso em: 31/01/2017.
32
Figura 3.5: Cia Os Satyros em “Nao Salvaras”. Sao Paulo. 2014. Fonte: You-
Tube. Disponıvel em: https://www.youtube.com/watch?v=S5GsxiLpyZc.
Acesso em: 31/01/2017.
3.2.3 Demetrio Nicolau
Tatiana Queiroz[4] escreveu um artigo muito interessante, citando uma peca cha-
mada “Essencial”, que foi escrita e dirigida por Demetrio Nicolau, que ficou em
cartaz em junho de 2007 no centro cultural Oi Futuro, no Rio de Janeiro. Nesta
peca, tudo aconteceu ao vivo, de modo que nada foi previamente gravado.
A peca e um verdadeiro espetaculo multimıdia que envolve mais de 10
computadores, sete cameras, celulares com sistema localizador, um telao, tres
telas de plasma e um sistema de pay-per-view proprio. E a unica peca de
que se tem notıcia que teve o palco principal iluminado apenas por LEDs. E
tambem a primeira cuja temporada inteira foi transmitida pela internet em
tempo real. E mais: Essencial nao foi representada apenas em um palco, mas
em dois. O publico pode escolher entre assistir a peca dentro do teatro da Oi
ou numa sala desativada de um predio da companhia telefonica localizado na
mesma rua. (QUEIROZ, 2007).
A historia era sobre a filha de um casal de atores que foi sequestrada. A plateia
foi distribuıda na lateral do teatro, no sentido longitudinal, para poder ver o que se
passava tanto no palco quanto no camarim cenografico. Alem disso, quem estava no
teatro podia acompanhar por teloes as cenas no cativeiro, transmitidas ao vivo, onde
33
estava a filha e os dois sequestradores. Para aqueles que escolhessem assistir a peca
no cenario do cativeiro, era possıvel acompanhar as cenas do palco e do camarim
por transmissao ao vivo. Alem do teatro, do camarim e do cativeiro, tambem havia
uma cena que se passava na rua, em que a camera captava desde a libertacao da
filha ate sua chegada ao palco.
Figura 3.6: “Essencial”, por direcao de Demetrio Nicolau. Rio
de Janeiro. 2007. Fonte: Tatiana Queiroz. Disponıvel em:
http://www.musitec.com.br/luzecena/revista artigo.asp?revistaID=2&edicaoID=96&navID¯2438.
Acesso em: 10/01/2017.
Mais de 20 pessoas foram contratadas para a idealizacao desse espetaculo. Em
uma sala externa ao teatro havia uma central com computadores, em que se fazia
possıvel a edicao, o corte e a transmissao das imagens, capturadas por todas as
cameras do espetaculo, para o publico presente e para a Internet.
Foi utilizada uma tecnologia chamada CDN (Content Delivery Network), que
evita o buffering das imagens e assim reduz a velocidade do envio do vıdeo para que
a transmissao via Internet tivesse maior qualidade. Como tudo acontecia ao vivo,
nao poderia ocorrer um delay/atraso grande: gracas a essa tecnologia, o delay era
de menos de dois segundos.
34
Para iluminar os bastidores, Rogerio utilizou cinco projetores plano convexo;
seis elipsoidais; 24 projetores de vapor de sodio de 400W e duas luminarias de
camarim, cada uma com seis lampadas incandescentes leitosas. Para o palco,
ele usou no total 6.070 LEDs, distribuıdos em dois brutes, oito projetores, 24
tubos de LEDs RGB, nove color wash PAR 36, 12 color spot PAR 36, 10 color
tube RGB e 50 LEDs brancos aplicados diretamente no cenario ligados em
fonte ATX . Tudo controlado por uma mesa Avolites Pearl com 2048 canais.
(QUEIROZ, 2007)
3.2.4 Phila 7
Janailton Santos [7] destacou em seu artigo a companhia paulista Phila 7, fundada
em 2005, com o objetivo de pesquisar novas linguagens e mıdias para o teatro. Com o
espetaculo “Play on Earth”, sua segunda montagem, estreada em 2006, a companhia
tornou-se a pioneira em utilizar a Internet para criar e apresentar uma peca unindo
tres elencos de tres continentes diferentes: Phila 7 em Sao Paulo, Station House
Opera em Newcastle (Inglaterra) e Cia Theatreworks em Cingapura. Cada cidade
tinha uma plateia que assistia as atuacoes ao vivo, formando um quarto espaco
imaginario.
Esta iniciativa revela a integracao de tecnologias digitais na cena, de modo
a potencializar o seu discurso, e reafirmar a contemporaneidade deste fazer,
apontando para uma nova poetica onde a teatralidade sirva de plataforma
para interacao de diversos campos artısticos. (SANTOS, 2012)
O escritor Rodolfo Araujo [22], em seu artigo, tambem fala sobre este espetaculo,
explicando em mais detalhes a dinamica:
As cenas nao ocorriam isoladamente: havia, sempre, um dialogo multiplo
entre os paıses - os quais podiam “ver-se”por teloes que ocupavam o posto do
cenario. (...) Um dos sımbolos mais marcantes da montagem ocorre quando
dois atores - um em Sao Paulo e outro em Newcastle - juntam as metades
de seus respectivos rostos em um telao, formando uma unica face. Os dois
representavam o mesmo personagem.(ARAUJO, 2007)
35
Rodolfo Araujo [22] tambem contou sobre a peca “A Verdade Relativa da Coisa
em Si”, em que o publico era convidado a nao desligar os telefones celulares e, em
cena, os atores dialogavam por Skype e tambem utilizavam cameras de seguranca.
A companhia tem a marca de utilizar projecoes e recursos tecnologicos em cena,
sempre como forma de ajudar a contar a historia e desenvolver a trama.
3.2.5 Teatro Voador Nao Identificado
Teatro Voador Nao Identificado [18] e uma companhia teatral carioca. Desde 2011
vem desenvolvendo pesquisas sobre dramaturgia e estetica. Rodrigo Romano citou
em seu artigo [19] os espetaculos “Shuffle”e “Tempo Real”. Em cena, os atores tem
iPads e um iPod.
Em “Shuffle”, cada cena do espetaculo era associada a uma musica e, com um
iPod, as musicas eram escolhidas aleatoriamente, ou seja, a ordem das cenas apre-
sentadas tambem passava a ser aleatoria. A cada dia, o espetaculo tinha uma ordem
diferente de cenas, o que tambem modificava o sentido da peca.
36
Figura 3.7: Cia Teatro Voador Nao Identificado em “Tempo
Real”. Rio de Janeiro. 2013. Fonte: Sıtio virtual
da Cia Teatro Voador Nao Identificado. Disponıvel em:
http://redeglobo.globo.com/globoteatro/artigos/noticia/2013/11/artigo-
leandro-romano-analisa-relacao-entre-teatro-e-tecnologia.html. Acesso em:
31/01/2017.
Na montagem “Tempo Real”, os atores utilizavam iPads para acessarem as notıcias
daquele dia e informa-las ao publico, trazendo para a cena informacoes sobre o que
estava acontecendo no mundo, o que possibilitava novas leituras para o espetaculo.
O teatro, pelo contrario, e parte do mundo, e se a tecnologia muda nossa
forma de lidar com o mundo, muda tambem nossa forma de lidar com o teatro.
Se antes era inadmissıvel (ou mesmo impensavel) um espectador utilizar seu
celular durante a exibicao de um espetaculo, hoje isto e um acontecimento
muito natural. Por que nao agregar isto a cena? Por que nao adequa-la ao
mundo tecnologico a que pertencemos? (ROMANO, 2013)
3.2.6 Teatro para Alguem
No blog da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra[14], encontra-se um
exemplo de um teatro com uma nova linguagem: um teatro feito para a Web pela
companhia paulista “Teatro para Alguem”, fundada em 2008, com o proposito de
37
procurar novas formas de criar, produzir, popularizar, circular e propagar o teatro
por meio da Internet.
No proprio site do grupo “Teatro para Alguem”[23], percebe-se que ele e todo
interligado: ha uma imagem de uma casa e de ligacoes entre todos os outros links
internos da pagina. A busca da companhia e a de um fazer teatral que possa ser
assistido online, inclusive com a criacao de webpecas, e com o desafio de nao acabar
se tornando um produto “puramente”cinematografico.
3.2.7 Teatro Oficina
A companhia paulistana Teatro Oficina Uzyna Uzona, mais conhecida por “Teatro
Oficina”e dirigida por Ze Celso (Jose Celso Martinez Correa), tambem deve ser
citada por lidar com questoes tecnologicas.
Ze Celso se incumbiu de transformar o espaco do seu Teatro Oficina no que
chama de “terreiro tecnologico”, empregando ha mais de dez anos recursos
multimıdias na maioria de suas encenacoes, usando tanto a modalidade de
imagem pre-gravada quanto imagem gravada ao vivo. (ISAACSSON, 2011,
p.12)
Joao Varella [25], em seu artigo, mostrou o quanto a companhia vem utilizando
apetrechos eletronicos de causar inveja. Ele citou o espetaculo “Macumba An-
tropofaga”, que fez uso de iPad, Twitter, projecoes, cameras e contou com trans-
missao ao vivo via Internet. O editor de Internet do grupo contou que geralmente
mais de 400 pessoas acessavam a peca via Rede para assistı-la ao vivo, que e mais que
o dobro da capacidade do espaco do Teatro Oficina. Em um determinado momento,
os espectadores eram convocados a fazer uma postagem no Twitter da Presidente
do Brasil da epoca, Dilma, por meio de seus celulares pessoais.
38
Figura 3.8: Cia Teatro Oficina em “Macumba Antropofaga”. Sao Paulo.
2011. Fonte: Joao Varella. Disponıvel em: http://noticias.r7.com/tecnologia-
e-ciencia/noticias/atores-usam-ipad-e-twitter-em-peca-de-teatro-de-sp-
20120830.html. Acesso em: 31/01/2017.
3.3 Internacionais
3.3.1 UR Teatro-Antzerkia
A Redacao do blog tecn@rte news [8] destacou uma linguagem que denominou de
“teatro eletronico”, utilizada para a encenacao de “Macbeth”, inspirada em Shakes-
peare, e dirigida por Helena Pimenta, da companhia teatral espanhola UR Teatro-
Antzerkia. No palco estavam presentes, de fato, 7 atores. Os demais atores, cantores
e cavalos eram projecoes de vıdeos que foram pre-filmados, com o auxılio da holo-
grafia 1, criando sensacao de movimento e relevo. A projecao e os atores presentes
eram sincronizados, dialogavam entre si, tornando a cena mais real.
1Holografia e uma tecnica de registro de padroes de interferencia de luz, que podem gerar ou
apresentar imagens em tres dimensoes. Definicao encontrada no sıtio Wikipedia. Disponıvel em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Holografia. Acesso em: 08/02/2017.
39
3.3.2 Teatro 3D
O blog da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra [14] da conta da
primeira apresentacao de uma peca teatral com tecnologia 3D em Portugal, apre-
sentada em marco de 2010, dirigida por Marcos Barbosa, com texto de Pedro Mexia,
baseado no livro “Metamorfoses”, de Ovıdio, com a parceria do Teatro Oficina e do
Centro de Computacao Grafica da Universidade do Minho. O nome do espetaculo
era “Pigmaliao”e se tratava da historia de um escultor que queria criar a estatua
da mulher ideal. Ao construir essa estatua, ele se apaixonava por ela e, conforme
o amor ia aumentando, ela se transformava em uma mulher real. A medida que a
trama ia se desenrolando, o publico recebia uma indicacao dos momentos de colocar
os oculos 3D. Ainda segundo o blog [14], “Foi utilizada uma tecnologia pioneira da
Universidade do Minho designada 3D Stereo, um processo de registo de imagens em
estereoscopia, com a utilizacao de todas as estruturas de projeccao a tres dimensoes
(projector, tela e oculos).”.
Figura 3.9: “Pigmaliao”. Portugal. 2010. Fonte: RTP. Disponıvel
em: http://www.rtp.pt/noticias/cultura/teatro-3d-em-guimaraes v326520.
Acesso em: 31/01/2017.
3.3.3 La Fura Del Baus
La Fura Del Baus e uma companhia catala muitıssimo influente no teatro con-
temporaneo. Como citado no capıtulo anterior, em 2008 a companhia escreveu o
famoso “Manifesto Binario”.
40
Recentemente, a companhia veio ao Rio de Janeiro com o espetaculo interativo
“M.U.R.S.”[26].
O grupo qualificou esse espetaculo como o primeiro “smartshow”do mundo. Todos
os espectadores deviam fazer o download de um aplicativo em seus smartphones
antes do espetaculo comecar para gerar uma integracao direta entre o espectador
e o espetaculo. Este ocorria em 5 diferentes espacos e, por meio do aplicativo, o
publico tornava-se coadjuvante da trama, dando vida a habitantes de uma cidade
futurista.
O uso da tecnologia e um dos grandes protagonistas de M.U.R.S., que tera
projecoes em vıdeo, realidade aumentada e equipamentos que completam o
espetaculo. Na concepcao do show, o grupo La Fura Dels Baus contou com
a colaboracao de instituicoes como o Massachusetts Institute of Technology
(MIT) e o departamento de Open Systems da Universitat de Barcelona.
(Armazem Utopia, 2016).
3.3.4 Robert Lepage, Peter Brook, Romeo Castellucci e
mais
Isaacsson [3] destacou Robert Lepage - ator, roteirista, encenador, canadense -
por ter a disposicao um laboratorio tecnologico proprio, de modo que o processo de
criacao pode ser construıdo de maneira experimental entre atores e tecnicos. Peter
Brook - um influente diretor britanico - tambem foi destacado pela autora:
No sobrio cenario que reune somente uma mesa, algumas cadeiras e um cabide
para roupas, Peter Brook, um dos mais importantes encenadores de concepcao
teatral essencialista dos anos sessenta, dispoe em 1993 na composicao da
cena de L’homme Qui de dois aparelhos de televisao nos quais sao difundidas
imagens dos atores, capturadas ao vivo. Sem renunciar a uma encenacao
minimalista e a supremacia do ator sobre a cena que caracterizam sua obra
e atraves da qual conquistou notoriedade internacional, Brook nao se furta
entao de recorrer agora a imagem tecnologica para retratar os movimentos
interiores e exteriores do homem contemporaneo. (ISAACSSON, 2011, p. 12).
41
Na entrevista concedida a mim, Joao Marcelo Pallottino citou Robert Lepage e
Romeo Castelucci:
O Robert Lepage trabalha muito com a ideia da tecnologia; o Romeo
Castellucci trabalha com a tecnologia de uma forma mais invisıvel para criar
os espectros na projecao, em cena, nas operas. (PALLOTTINO, 2016).
Pallottino, durante a entrevista, compartilhou alguns exemplos em que ele pode
assistir a tecnologia na cena teatral, que explicito a seguir.
“Inferno”, peca de Romeo Castellucci, foi fruto de uma pesquisa sobre o inferno
de Dante, resultando em um espetaculo apresentado no festival de Avignon, na
Franca, em carater “site-specific”, que vem a ser um espetaculo feito para um lugar
especıfico. Castellucci encenou o espetaculo no interior do Palais de Papes, um
palacio medieval na Franca. Ao iniciar o espetaculo, as janelas comecavam a acender
juntas e davam a impressao de que varios refletores estavam sendo utilizados para a
criacao do efeito, mas, na verdade, eram alguns projetores mapeados, utilizando a
tecnica de video mapping 2. Atualmente, o video mapping e bastante utilizado nas
ruas, na calcada, nos predios, por conta das artes visuais. Castellucci transferiu a
ideia para os palcos, sendo possıvel, por exemplo, ao inves de utilizar 78 refletores,
utilizar apenas 4 projetores mapeados.
“Andersen”, peca de Robert Lepage (uma versao adulta baseada nas historias
infantis), apresentava uma projecao interativa. Em uma das cenas, o ator se encon-
trava parado a espera do trem do metro, cuja chegada na plataforma foi realizada
por meio de video mapping. Ao subir a escada, o ator interagia com a projecao dela,
que girava 360 graus, criando, em 3D, um cenario vivo.
2E uma tecnica que consiste na projecao de vıdeo em objetos ou superfıcies irregulares,
tais como estruturas de grandes dimensoes, fachadas de edifıcios e estatuas (cuja projecao
pode ser feita a 360o). Um software interage com um projetor para adaptar qualquer ima-
gem a superfıcie do objeto escolhido. Definicao encontrada no sıtio Wikipedia. Disponıvel em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Video mapping. Acesso em: 08/02/2017.
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Por fim, Pallottino citou um amigo que criou uma pulseira Wii para ser utilizada
em cena pelo, o que permitia executar determinadas funcoes de acordo com a movi-
mentacao corporal do ator. Caso o ator fizesse um determinado movimento, um som
era emitido, o que gerava maior autonomia para o ator, e, portanto, maior domınio
sobre a cena, alem de maior indepedencia do operador de som.
3.4 Imprevistos Tecnologicos
Assim como acontecem imprevistos nos palcos - seja um ator que esqueceu o
momento de dizer o seu texto, ou que tropecou, ou a musica que tocou antes do
que deveria, ou um objeto de cena que nao estava corretamente posicionado -, a
tecnologia tambem pode nos pregar algumas pecas. Sempre ha o risco de acontecer
imprevistos no que e feito ao vivo. O teatro tem esse encanto de ser encenado na
hora, na frente de um publico e, portanto, de cada espetaculo ser unico.
Por sua vez, a tecnologia sofre modificacoes que produzem constantemente novas
versoes, de modo a corrigir seus defeitos, ou a aprimorar suas tecnicas, ou, ainda, a
introduzir novas funcionalidades. Com os ensaios, o espetaculo tende a ficar mais
seguro, dando menos margem a falhas de execucao, mas nao e possıvel garantir que
a atuacao de todos - humanos e nao humanos - sera isenta de falhas. Melhor ainda,
e perfeitamente possıvel afirmar que dificilmente falhas nao ocorrerao.
Os atores e os tecnicos responsaveis devem saber ter jogo de cintura com essas
situacoes. O ator e preparado para lidar com imprevistos. Em caso de alguma falha
tecnologica, os responsaveis pela tecnica devem buscar resolver por tras das cortinas
ou improvisando um novo personagem para entrar em cena e consertar o que esta
visıvel para a plateia, caso seja realmente necessario. Mas, na maioria das vezes,
e o ator que tem as melhores condicoes para lidar com os imprevistos que podem
ocorrer no palco, uma vez que e ele quem esta em cena e, potanto, e ele que desfruta
de uma posicao privilegiada para minimizar as consequencias de uma eventual falha.
E um fato que a tecnologia traz riscos de execucao para o espetaculo: a camera
pode nao gravar a imagem desejada, o robo pode parar, o software pode encontrar um
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erro inesperado. Porem, o risco ja existia mesmo no teatro tradicional: a lampada
de um refletor pode queimar, um efeito de sonoplastia pode falhar, um ator pode
esquecer sua fala. Ou seja, com todos os benefıcios que a tecnologia pode trazer
para impulsionar e abrilhantar o espetaculo, valem a pena os riscos.
3.5 Soltando a Criatividade - Ideias Proprias
Como engenheira-atriz, consigo imaginar inumeras dinamicas e brincadeiras possıveis
com a tecnologia no teatro. Citarei algumas.
Imagine uma cena com reconhecimento e modificacao de voz. Cada ator tem um
microfone que capta sua voz e a reconhece. Pode haver um programa de reconhe-
cimento da voz de cada ator e, para cada ator, uma transformacao da sua voz em
uma nova voz, a voz da personagem. Entao, alem de pensar na construcao do corpo
da personagem, o ator, o diretor e o tecnico de som teriam de conceber a voz da
personagem. Outra ideia para o reconhecimento de voz seria ter um ator em cena,
cuja voz ele poderia modificar a qualquer momento da cena, podendo assim inter-
pretar uma serie de outras personagens. Entao, um unico ator em cena seria capaz
de interpretar varias personagens, modificando diretamente sua voz por meio de um
programa de computador.
Imagino tambem um palco todo controlado por computador. Em um simples
exemplo do uso de arduino 3, o ator pode passar pelo cenario e as luzes irem se acen-
dendo, ou apagando, permitindo-lhe controlar diretamente a movimentacao dessas
luzes. Outra ideia e permitir tambem ao ator controlar o movimento do cenario.
fazendo portas se abrirem e fecharem ou objetos em cena se moverem, tudo feito
pelo comando do arduino.
Outra possibilidade ainda se da mediante a utilizacao de computacao grafica.
Por exemplo, seria muito interessante uma projecao, numa tela enorme, de um
jogo especificamente desenvolvido para aquele espetaculo, em que o ator pode jogar
3Arduino e uma placa de circuito integrado programavel que permite que projetos eletronicos
sejam automatizados
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interagindo com a projecao, ou mesmo o proprio espectador possa tambem jogar
com o ator.
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Capıtulo 4
Conclusoes
Cortinas vao se abrindo. Palco vazio e totalmente escuro. Foi assim que co-
mecei essa pesquisa. Do vazio, encontrei motivacao para o processo de criacao do
meu trabalho de conclusao de graduacao. Aos poucos, ele foi ganhando coxias,
luzes, palavras, formas. Talvez o processo de escrever uma monografia seja como
um processo de criacao de um espetaculo teatral. Comecamos na pesquisa, na ex-
perimentacao. E vamos acrescentando novas particularidades, novas cenas, novos
capıtulos. E limpando o que nao ficou bom. Mas tudo comeca da experimentacao:
vamos construindo ate alcancar a forma que se deseja. O mais importante e que o
espetaculo alcance e mobilize o seu publico.
A obra pode nao se considerar terminada, mas a estreia tem data marcada. Para
os atores, segue-se a eterna busca do aprimoramento, do falar bem o texto, do
movimento corporal mais bem trabalhado. Para mim, segue-se o acompanhamento
da evolucao da tecnologia e do teatro contemporaneo, a descoberta de novas formas
de encenacao a partir das possibilidades do uso das TICs. Nada termina de fato no
teatro, pois a busca continua, mesmo depois da estreia. A obra resulta interminavel,
pois sempre ha o que descobrir, o que ler, o que aprender, o que contribuir. O
trabalho do ator e do engenheiro desdobra-se em constante atualizacao e abertura
a novas aprendizagens. Talvez seja asim o trabalho de todos os seres humanos.
Neste projeto de graduacao, alem de ideias elaboradas por mim a partir de re-
flexoes de uma serie de conhecimentos obtidos - seja por conversas com pessoas
entendidas do assunto, seja por madrugadas reflexivas -, procurei expor e refletir
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acerca de ideias encontradas em diversas fontes da internet, literatura, publicacoes
e artigos. Muitos profissionais da arte vem discutindo sobre a tecnologia no teatro,
suas fronteiras, seus pros, seus contras. Muitos profissionais da arte vem arriscando
nessa nova linguagem.
Neste projeto de conclusao de graduacao, alem de ideias que elaborei a partir
de uma serie de reflexoes - seja por conversas com pessoas especializadas no tema,
seja pelas madrugadas reflexivas -, procurei expor e refletir acerca de proposicoes
encontradas em diversas fontes da Internet e na literatura academica - livros e ar-
tigos. Muitos profissionais da arte vem discutindo sobre a tecnologia no teatro,
suas fronteiras, seus pros, seus contras. Muitos profissionais da arte vem apostando
nessa nova linguagem. O teatro como um todo, portanto, nao pode se render a
conservadorismos, a tradicao.
Para mim, a graca do teatro esta em assistı-lo pessoalmente. Talvez haja um
constante incentivo social de se anular a presenca fısica do publico. Ha facilidade e
economia quando o acesso a arte se da por meio das mıdias digitais, mas creio que,
por sua enorme funcao social, o teatro precisa chamar atencao do publico de forma
a motiva-lo a sair da zona de conforto e ir ao teatro.
A tecnologia e uma ferramenta surpreendente para potencializar a arte. Ha muitos
espetaculos sendo desenvolvidos com suporte dos artefatos tecnologicos que permi-
tem enxergar para o teatro uma enorme possibilidade de intensificar suas forcas na
medida em que busque apropriar-se mais que das novas tecnologias de informacao e
comunicacao. Quem viver, vera!
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