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territorium 15 39 pp. 39-52 O SOBREAQUECIMENTO DAS CIDADES CAUSAS E MEDIDAS PARA A MITIGAÇÃO DA ILHA DE CALOR DE LISBOA 1 António Lopes [email protected] ProfessorAuxiliar,CentrodeEstudosGeográficos-UniversidadedeLisboa RESUMO As ilhas de calor urbano (ICU) são o exemplo mais evidente de modificações climáticas inadvertidamente provocadas pelo homem, tendo sido observadas em praticamente todas as cidades do mundo. Este padrão térmico sugere a existência de uma cidade quente rodeada pelo campo mais fresco. A ICU pode ser vista como um recurso energético (em climas frios evitando o consumo excessivo de energia no Inverno), mas também comoumalimitação(nosclimasquentes),porquepodelevaraoconsumodeenergiasuplementarnarefrigeração dosambientesurbanos.Dopontodevistaeconómico,osrarosestudossobreoassuntoemcidadesmediterrânicas mostram que a poupança de energia para aquecimento no Inverno é menor do que os custos do arrefecimento durante o Verão. Neste trabalho são descritos os vários tipos de ilhas de calor urbano, a sua relação com parâmetros de morfologia dos espaços edificados e tamanho das cidades. São apresentadas as modificações dobalançoenergéticoemmeiourbano,bemcomooutrosfactoresparaexplicaraexistência,ritmoeintensidade deste padrão térmico nas cidades. Vários estudos desde há 20 anos elaborados por investigadores da área de Geo-ecologia do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa são apresentados. São ainda descritas algumas medidas gerais para a mitigação da ilha de calor de Lisboa, como contributo para o aumentodaeficiênciaenergéticanacidade,visandoodesenvolvimentourbanosustentado. Palavras-chave :Lisboa;ilhadecalorurbano;balançoenergético;desenvolvimentosustentado;medidasdemitigação. ABSTRACT Urbanheatislands(UHI)arethemostobviousexampleofclimaticmodificationsinducedbyman,havingbeen observedinmostcitiesoftheworld.Thisthermalpatternsuggeststheexistenceofahotcitysurroundedbycooler ruralareas.TheUHIcanbeseenasanenergyresource(incoldclimatesavoidingtheexcessiveconsumptionof energyinthewinter),butalsoasalimitation(inhotclimates),becauseitcanleadtoanadditionalconsumption ofenergytocoolindoorspaces.Fromaneconomicpointofviewfewstudiesaboutmediterraneancitiesshow thatthesavingofenergyforheatingthespacesinthewinterislowerthanthecostsofcoolingspacesduringthe summer.InthisworkseveraltypesofUHIaredescribed.Themodificationsofradiationandheatbalancesare summarizedtoexplaintheexistence,regimeandintensityofthisthermalpattern.Severalstudiesconductedby researchersoftheGeo-ecologygroupfromtheCentreforGeographicalStudiesoftheUniversityofLisbonand measuresforthemitigationoftheUHIarepresented,asacontributiontotheincreaseoftheenergyefficiencyin thecity,withthepurposetoattainasustainableurbandevelopment. Keywords :Lisbon;UrbanHeatIsland;heatbalance;sustainabledevelopment;mitigationmeasures. RÉSUMÉ Lesîlotsdechaleururbain(ICU)représententl’exempleleplusévidentdeschangementsclimatiquesprovoqués, par inadvertance, par l’homme et ils ont été observés dans presque toutes les villes du monde. Ce modèle 1 Esteartigofoielaboradocombasenumaapresentaçãooralduranteas“6ª s JornadasdeClimatização”emOutubrode2006,aconvitedaOrdemdosEngenheiros.

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pp. 39-52

O SOBREAQUECIMENTO DAS CIDADESCAUSAS E MEDIDAS PARA A MITIGAÇÃO DA ILHA DE CALOR DE LISBOA1

António [email protected]

Professor Auxiliar, Centro de Estudos Geográficos - Universidade de Lisboa

RESUMO

As ilhas de calor urbano (ICU) são o exemplo mais evidente de modificações climáticas inadvertidamenteprovocadas pelo homem, tendo sido observadas em praticamente todas as cidades do mundo. Este padrãotérmico sugere a existência de uma cidade quente rodeada pelo campo mais fresco. A ICU pode ser vista comoum recurso energético (em climas frios evitando o consumo excessivo de energia no Inverno), mas tambémcomo uma limitação (nos climas quentes), porque pode levar ao consumo de energia suplementar na refrigeraçãodos ambientes urbanos. Do ponto de vista económico, os raros estudos sobre o assunto em cidades mediterrânicasmostram que a poupança de energia para aquecimento no Inverno é menor do que os custos do arrefecimentodurante o Verão. Neste trabalho são descritos os vários tipos de ilhas de calor urbano, a sua relação comparâmetros de morfologia dos espaços edificados e tamanho das cidades. São apresentadas as modificaçõesdo balanço energético em meio urbano, bem como outros factores para explicar a existência, ritmo e intensidadedeste padrão térmico nas cidades. Vários estudos desde há 20 anos elaborados por investigadores da área deGeo-ecologia do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa são apresentados. São aindadescritas algumas medidas gerais para a mitigação da ilha de calor de Lisboa, como contributo para oaumento da eficiência energética na cidade, visando o desenvolvimento urbano sustentado.

Palavras-chave: Lisboa; ilha de calor urbano; balanço energético; desenvolvimento sustentado; medidas de mitigação.

ABSTRACT

Urban heat islands (UHI) are the most obvious example of climatic modifications induced by man, having beenobserved in most cities of the world. This thermal pattern suggests the existence of a hot city surrounded by coolerrural areas. The UHI can be seen as an energy resource (in cold climates avoiding the excessive consumption ofenergy in the winter), but also as a limitation (in hot climates), because it can lead to an additional consumptionof energy to cool indoor spaces. From an economic point of view few studies about mediterranean cities showthat the saving of energy for heating the spaces in the winter is lower than the costs of cooling spaces during thesummer. In this work several types of UHI are described. The modifications of radiation and heat balances aresummarized to explain the existence, regime and intensity of this thermal pattern. Several studies conducted byresearchers of the Geo-ecology group from the Centre for Geographical Studies of the University of Lisbon andmeasures for the mitigation of the UHI are presented, as a contribution to the increase of the energy efficiency inthe city, with the purpose to attain a sustainable urban development.

Key words: Lisbon; Urban Heat Island; heat balance; sustainable development; mitigation measures.

RÉSUMÉ

Les îlots de chaleur urbain (ICU) représentent l’exemple le plus évident des changements climatiques provoqués,par inadvertance, par l’homme et ils ont été observés dans presque toutes les villes du monde. Ce modèle

1 Este artigo foi elaborado com base numa apresentação oral durante as “6ªs Jornadas de Climatização” em Outubro de 2006, a convite da Ordem dos Engenheiros.

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thermique suggère l’existence d’une ville chaude entourée par la campagne plus fraîche. L’ICU peut être vucomme une ressource énergétique (dans des climats froids évitant la consommation excessive d’énergie pendantl’hiver), mais aussi comme une limitation (dans les climats chauds), vu qu’il peut mener à la consommationd’énergie supplémentaire pour la réfrigération des milieux urbains. Du point de vue économique, les rarissimesétudes sur ce sujet sur des villes méditerranéennes montrent que l’économie d’énergie pour le réchauffementpendant l’hiver est inférieure aux coûts de refroidissement pendant l’été. Dans cette étude, les différents typesd’îlots de chaleur urbain seront décrits, ainsi que leurs relations avec des paramètres de morphologie desespaces édifiés et de la grandeur des villes. Nous présenterons les changements du bilan énergétique en milieuurbain, ainsi que d’autres facteurs pour expliquer l’existence, le rythme et l’intensité de ce modèle thermique desvilles. Différentes études élaborées, au long d’une vingtaine d’années, par des chercheurs du domaine Géo-écologie du Centre d’Études Géographiques de l’Université de Lisbonne seront ici présentées. Des mesuresglobales pour la mitigation de l’îlot de chaleur de Lisbonne seront aussi décrites, comme contribution pourl’augmentation de l’efficacité énergétique dans la ville, visant le développement urbain durable.

Mots-clé: Lisbonne; îlot de chaleur urbaine; bilan énergétique; développement durable; mesures de mitigation.

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1. Introdução

Dados recentes da ONU, divulgados pela“Population Division” (World Urbanization Prospects:the 2005 Revision Population Database), referem queem 2015 a população a residir em áreas urbanasultrapassará os 53%. Esta tendência crescente damigração das populações para as cidades, que setem vindo a acentuar desde meados do século XX,deverá ser tida em conta em qualquer modelo dedesenvolvimento sustentado. Por outro lado, deveser feita uma avaliação exaustiva de todos osproblemas ambientais nas cidades e assegurar queas actividades humanas accionadas pelospromotores económicos e apoiadas pelos governosdas cidades são conciliáveis com o ambienteurbano, de modo a minimizar o impacte do excessivouso dos recursos energéticos ou a qualidade de vidados cidadãos. Apesar do seu crescente interesse, osestudos sobre os climas urbanos nem sempre estãopresentes nos instrumentos legais de planeamento.Por exemplo, a presença da temática climática naprimeira geração de Planos Directores Municipaisem Portugal limita-se, no geral, à inclusão de algunsvalores médios, referentes às condições climáticasregionais. Por outro lado, a informação climática,quando existe, é escassa ou inadequada para quepossa ser útil para o planeamento e ordenamentodo território (ALCOFORADO e VIEIRA, 2004).

A ilha de calor urbano (ICU) é o exemplo maisevidente de uma modificação climáticainadvertidamente provocada pelo homem (OKE,1995). Têm sido observadas e monitorizadas empraticamente todas as cidades do mundo. Estepadrão térmico sugere a existência de umacidade quente rodeada pelo campo mais frescoe corresponde a uma integração da totalidadedos microclimas originados pela urbanização.A máxima diferença de temperatura entre asáreas urbanizadas e rurais ou, sendo maispreciso, as diferenças entre a temperaturaregistada no local mais quente da cidade, numdado momento e a temperatura mais baixa detodos os locais com características rurais queenvolvem a cidade, registada à mesma hora(ALCOFORADO, 1992), quantifica a intensidade oumagnitude da ICU (Δ T

u-r).

A ICU é o resultado cumulativo de modificações nacobertura do solo e na composição da atmosfera,devida ao desenvolvimento urbano e às actividadesantrópicas. No entanto, a maior parte das cidadescompreende um mosaico de áreas mais quentes (porexemplo, bairros de grande densidade de

construção e tráfego intenso) e de outras mais frescas(como os espaços verdes e os planos de água). Nãoé pois correcto falar do “microclima urbano”, masde um conjunto de climas locais que se reflectemnum padrão térmico organizado, efeito de umamultiplicidade de microclimas característicos decada elemento que caracteriza o espaço urbano(ALCOFORADO et al, 2005).

A ICU pode ser vista como um recurso energéticoespecialmente no norte da Europa e América, porquea temperatura na cidade não diminui tanto, evitandoo consumo excessivo de energia no Inverno. Nascidades de clima quente este padrão térmico podeser encarado como uma limitação porque pode levarao consumo de energia suplementar na refrigeraçãodos ambientes urbanos. Em climas mediterrânicoscom uma estação mais fria e outra quente e seca(como é o caso de Lisboa), a questão fundamental éavaliar se, sob o ponto de vista da eficiênciaenergética, se deve aproveitar este padrão térmicocomo recurso no Inverno ou, por outro lado, se deveser considerado um constrangimento no Verão. Estetópico irá ser discutido mais adiante.

2. As diferentes Ilhas de Calor Urbano

Podem distinguir-se três tipos de ICU, em função dacamada atmosférica onde se originam ou contactam:i) A ICU das superfícies que contactam com a

atmosfera urbana inferior. É geralmenteobservada a partir de instrumentos de detecçãoremota. Em Lisboa, ALCOFORADO (1986), efectuouos primeiros estudos com recurso a uma imagemtérmica obtida a partir de um sensor Daedalusinstalado numa plataforma aerotransportada queefectuou voos em Lisboa no Inverno de 1984.Posteriormente, a partir de imagens Landsat (TM), eNOAA 14, LOPES e VIEIRA (2001) e LOPES (2003 b)vieram aprofundar o conhecimento deste padrãotérmico e dos fluxos radiativos e energéticos decalor turbulento (sensível e latente) e condutivo,que estão na sua origem (ver pontos 5, 6 e 7).

ii) A ICU da atmosfera urbana inferior (urban canopylayer), entre o nível do solo e o nível médio dotopo dos edifícios (fig. 1a). As temperaturas sãomedidas abaixo do nível dos telhados, empercursos itinerantes (geralmente de automóvel),em estações meteorológicas urbanas ou maisrecentemente obtidas a partir de registadorescolocados em pequenos abrigos colocados emlocais escolhidos estrategicamente em meiourbano. Desde os anos oitenta que começou a serestudada em Lisboa. Uma extensa lista de

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publicações com estes estudos pode serconsultada em ALCOFORADO et al (2005).

iii) A ICU da atmosfera urbana superior (urbanboundary layer), que se sobrepõe à anterior e seestende por vezes até à atmosfera livre (fig.1b):trata-se da parte superior da camada-limiteurbana, em que as características de temperatura,humidade, turbulência e composição daatmosfera são influenciadas pela presença dacidade (OKE, 1995).

No caso da ICU da atmosfera urbana inferior, amais estudada e conhecida, os ritmos térmicosurbano e rural são diferenciados no final da tarde,altura em que a temperatura desce mais rapidamenteem meio rural, devido ao mais intenso arrefecimentoradiativo. Em meio urbano a taxa de arrefecimentoé menor, devido a vários factores que serão referidosno ponto seguinte. Também nas áreas urbanas oaquecimento é mais lento depois do nascer do sol.

Assim, a intensidade máxima da ICU (ΔTu-r) cresce

rapidamente a seguir ao pôr-do-sol, atingindo o seumáximo entre 3 a 5 horas depois. Este padrão térmico

ocorre geralmente em condições de céu limpo e ventofraco, de modo que estas condições são maisfavoráveis à diferenciação microclimática dassuperfícies. No entanto, este modelo simplificadopode ser modificado pelo tipo de tempo: a presençade nuvens baixas altera o balanço radiativo e reduza intensidade da ICU. Também, em regra, o vento éum factor de amenização dos contrastes térmicosentre os ambientes rural e urbano, na medida emque o aumento da turbulência e as trocas de energiapor advecção esbatem esses contrastes (OKE, 1987).

3. Principais causas das ICU

Segundo OKE (1987; 1988a) e SAILOR e LU (2004), ageometria urbana modifica as principais entradas esaídas radiativas (solar e infravermelha) eenergéticas (fluxos turbulentos de calor sensível elatente e calor armazenado), sendo essasmodificações apontadas como as principais causasda ICU. A diminuição da velocidade do ventoregional (provocado pela rugosidade), a poluição,a libertação de calor antrópico, a impermeabi-lização dos solos urbanos e a escassez devegetação, têm também fortes implicações namodificação dos fluxos de calor.

O balanço energético de um volume de ar em meiourbano pode escrever-se:

Q* + QF = Q

E + Q

H + ΔQ

S + ΔQ

A (1)

sendo que, para as superfícies,

Q* = K↓- K↑ + L↓ - L↑ (W m-2) (2)

Em (1), QF é o calor de origem antrópica (produzido

pelas actividades humanas); QE e Q

H são

respectivamente os fluxos turbulentos de calor latentee sensível; ΔQ

S é a energia armazenada ou libertada

pelas superfícies; e ΔQA o termo de advecção ou

transporte horizontal de calor.

Em (2), K e L correspondem aos fluxos radiativos de pequenoe grande comprimento de onda, descendentes (↓), ouascendentes (↑) na atmosfera urbana.

A seguir apresenta-se a importância de cada umdesses factores na modificação do balançoenergético em meio urbano:a) Aumento da absorção da radiação solar (K↓) é

devido à maior área de exposição e ao baixoalbedo, cujo valor típico, nas cidades, ronda os15%. No entanto, alguns materiais usados na

Figura 1 – Ilha de calor de Lisboa: a) Temperaturas nocturnasnormalizadas da atmosfera referentes a noites com vento denorte moderado (ANDRADE, 2003). b) Ilha de calor da atmosferaurbana superior em Lisboa, observada com um balãoestabilizado (ALCOFORADO, 1992).

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construção, sobretudo no revestimento, podemter propriedades reflectivas muito diferentesdeste valor (fig. 2 e Quadro I). O grande númerode superfícies na cidade origina reflexõesmúltiplas entre os prédios, que alteram o balançoradiativo local.

b) Aumento da radiação de grande comprimentode onda (L↓) devido à atmosfera mais poluída,bem como à emissão pelos prédios vizinhos emruas de fraco sky view factor2 (fig. 3). Este factorde visão do céu, quando reduzido, ocasiona adiminuição da perda de radiação de grandecomprimento de onda de sentido ascendente (L↑).

c) Diminuição da velocidade média do vento, devidoao aumento da rugosidade urbana, que modificaas transferências de calor por advecção (ΔQ

A) e

reduz a eficácia na remoção de poluentes. Nocaso de Lisboa a redução da velocidade do ventoa 10 m do solo foi estimada em cerca de 30%(LOPES 2003 a e b).

d) Aumento do input energético devido à emissão decalor a partir dos edifícios, tráfego (Q

F) e metabolismo

dos organismos vivos (em áreas urbanas).

e) Aumento do armazenamento (ΔQS) de calor

devido às características térmicas dos materiaisde construção e cobertura do solo (Quadro I).

f) Redução da evapotranspiração e da transferênciade fluxo turbulento de calor latente (Q

E), devido à

diminuição da cobertura vegetal e predominânciadas superfícies impermeabilizadas nas áreasurbanas (ALCOFORADO et al, 2005).

4. Relação entre a ICU e a morfologia e dimensãodas cidade.

Como já se referiu, a morfologia urbana caracterizadapor prédios altos e ruas estreitas reduz o SVF e tendea alterar o balanço de radiação tanto em grandecomo em pequeno comprimento de onda,contribuindo para o aumento da temperatura do ar.A morfologia urbana pode ser expressa maisfacilmente pela razão H/W ou seja a razão entre aaltura dos prédios (H- height) e a largura das ruas(Width – W) que os separam (LANDSBERG, 1981).

Quanto mais baixo o seu valor mais “aberta” édeterminada área. Um H/W de 1 significa que a alturade um edifício é igual à distância que o separa deoutro. Na figura 4 apresenta-se a relação entre valoresmédios de H/W de cidades norte americanas,europeias e asiáticas e a intensidade da ilha de calorurbano, verificando-se uma clara relação entre os doisfactores. Nalgumas cidades americanas, valoresmédios de H/W próximos de 0,5 correspondem a umaintensidade a ilha de calor urbano de 4 ou 5ºC. Quando

Figura 2 – Valores de albedo de vários materiais usados nas cidades.Adaptado de: EPA e Global Hydrology and Climate Center.

Figura 3 - Sky-view factor.

2 O sky view factor (SVF) é a proporção da abóbada celeste ‘vista’ de um determinado ponto à superfície, em relação à superfície potencialmente disponível(OKE, 1987). Tem valor 1 quando não existe qualquer obstáculo que limite a visão do céu para determinado observador e tende para 0 à medida que seinterpõem mais obstáculos que ocultam parcialmente o céu.

Quadro I – Propriedades térmicas e radiativas de algunsmateriais presentes nas cidades.

ρ – Massa volúmica (kg · m-3 ·103); C – capacidade calorífica(J m-3 K -1 · 106); k – condutibilidade térmica (W m-1 K-1); μ – admitânciatérmica (J m-2 s -1/2 K-1), (Oke, 1987); α – albedo; ε – emissividade.Adaptado de MILLS (2004)

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o valor H/W é de, por exemplo, 1,5 a intensidadepode atingir valores na ordem dos 8 a 9 ºC.

Não menos importante é a dimensão da cidade,sendo clara a relação da ICU com a populaçãourbana. Na Europa é frequente observarem-seintensidades de ICU superior a 4º C em cidades demédia dimensão (≈ 100 000 habitantes), até cercade 9º C em cidades com mais de 8M habitantes).Estudos recentes em Londres observaram uma ICUmáxima nocturna de 7º C. O caso de Lisboa seráanalisado no ponto seguinte.

5. A ICU de Lisboa

Abordam-se, de seguida, as características das ICU(da atmosfera urbana inferior e das superfícies) emLisboa, a partir de vários estudos que têm sidoefectuados desde há cerca de vinte anos porinvestigadores de climatologia urbana do Centro deEstudos Geográficos da Universidade de Lisboa(antiga Área de Investigação de “Geo-ecologia”,actual Núcleo de Investigação “Clima e MudançasAmbientais” - CliMA). Nos primeiros estudos, astécnicas usadas consistiam no registo de temperaturasdo ar ao longo de percursos automóveis na cidade(ALCOFORADO, 1989). Actualmente são instaladosregistadores automáticos de temperatura em váriospontos da cidade (ALCOFORADO e ANDRADE 2006), àsemelhança do que se faz noutras cidades europeias.

A utilização de imagens térmicas obtidas a partir deradiómetros Daedalus instaladas em aviões(ALCOFORADO, 1986) e de satélites NOAA e LandsatETM e ETM+ (LOPEs e VIEIRA, 2001; LOPES, 2003), têm

permitido avaliar as ICU das superfícies e modelar obalanço energético em Lisboa. Muito do trabalhoapoia-se actualmente em modelação espacialmultivariada (LOPES 1998; ALCOFORADO e ANDRADE,2006) e geoestatística (LOPES, 1994), com recursofrequente a Sistemas de Informação Geográfica(ANDRADE e LOPES, 1998).

Ilha de calor da atmosfera urbana inferior

Vários estudos indicam a existência de uma ICUocorrendo mais frequentemente de noite, emborapossa também ocorrer durante o dia (ALCOFORADO,1986, 1989, 1992; ALCOFORADO et al., 2005;ALCOFORADO e ANDRADE, 2006; ANDRADE, 2003;ANDRADE e LOPES, 1999; LOPES, 1998, 2003b; LOPES eVIEIRA, 2001e 2002). Ocorre preferencialmente comsituações de calma atmosférica, ou vento fraco amoderado, tanto de Verão como no Inverno.

A intensidade média da ilha de calor nocturna daatmosfera urbana inferior situa-se em geral entre 1ºCa 4ºC, embora se possam verificar intensidades muitosuperiores (ALCOFORADO e ANDRADE, 2006).Consistentemente com estudos noutras cidades, a ICUde Lisboa ocorre em 85% das noites de Inverno(Dezembro a Fevereiro) e 63% das noites de Junho aAgosto (ALCOFORADO, 1992).

Apesar da ICU ter uma forma tentacular, prolongando-se ao longo dos principais eixos de crescimento dacidade, o seu núcleo pode situar-se, ora na Baixa,ora mais para Norte, nas Avenidas Novas. As áreasmais frescas localizam-se em geral em Monsanto ouna periferia Norte de Lisboa (ANDRADE, 2003).

A menor frequência nas noites de Verão pode serdevida à frequente advecção de ar fresco de sudoesteque tende a dissipá-la na parte sul da cidade(ALCOFORADO e ANDRADE, 2006), confirmando-se assima importância das brisas do estuário e do oceano namelhoria das condições de conforto térmico emLisboa. Neste caso a temperatura na Baixa e noutrosbairros ribeirinhos pode ser bastante menos elevada doque no norte da cidade. Uma ‘ilha de frescura’ substituientão a ilha de calor, podendo a Baixa estar 3 a 4ºCmais fresca que o Aeroporto (ALCOFORADO, 1992).

Por outro lado, durante alguns dias de Verão, emocasiões muito frequentes de ventos de Norte, a Baixae os bairros junto ao rio Tejo, mais abrigados,apresentam as temperaturas do ar mais altas dacidade. Nalguns dias de Inverno, alterna igualmenteuma ICU com ‘ilhas de frescura’, em ocasiões denevoeiro no Tejo quando sopram ventos do Norte.

Fig. 4 – Relação entre a intensidade máxima da ICU e a razãoH/W. Adaptado de OKE (1987).

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Ilha de calor superficial

A partir de 438 imagens (187 diurnas e 251nocturnas) LST (Land Surface Temperture) derivadasdos satélites NOAA de Agosto de 1998 a Julho de1999, foi efectuado o estudo da ilha de calor dassuperfícies de Lisboa. Para comparação com a ilhade calor da atmosfera urbana inferior utilizaram-seos pixel correspondentes ao centro da cidade (Baixa)e ao Aeroporto. Apresentam-se os resultados dasdiferenças entre as temperaturas de superfície (LST)nocturnas nos dois locais por serem mais expressivosque os resultados das diferenças diurnas. Neste últimocaso, apenas durante o Verão, as superfícies do centroda cidade se encontram, em média, 2 a 4 ºC menosaquecidas do que na periferia, denotando uma ilhade “frescura “ tal como a ICU medida a 2 m do solo(LOPES, 2003). Durante a noite há uma persistentediferença positiva das temperaturas das superfícies,que se encontram normalmente mais quentes no centroda cidade do que no Aeroporto. As maioresdiferenças verificaram-se no período mais frio do ano.Em Fevereiro de 1999 verificou-se uma diferençapositiva máxima de 9ºC. Apenas em 9 % das noitesse observou uma diferença negativa, que correspondeà superfície do Aeroporto mais aquecida do que aBaixa (fig. 5).

No Outono e no Inverno predominam largamente(mais de 70 % dos dias) as situações em que as LSTnocturnas são superiores na Baixa (fig. 6).

A maior percentagem de dias em que as superfíciesda Baixa se encontram mais quentes do que oAeroporto ocorre igualmente na época mais fria doano, com um máximo que ultrapassa os 50% no finaldo Outono, mantendo-se com frequências superioresa 40% no Inverno.

Com alguma frequência as LST diurnas no Aeroportosão superiores ao centro, com um máximo no finaldo Inverno em mais de 30 % dos casos observados.O número de noites em que o centro de Lisboa estámais quente no Verão é muito mais baixo do que naestação fria (com um mínimo de cerca de 40 %).Durante o dia, é a periferia que frequentementeregista temperaturas mais elevadas (cerca de 80%dos casos), mostrando a tendência estival para oaparecimento da ilha de frescura diurna no tecido

urbano. Esta situação mantém-se até ao início deOutubro, altura em que se retoma a maior frequênciade situações propícias à ocorrência da ilha de calorde superfície em Lisboa.

Em conclusão pode afirmar-se que se formaregularmente uma ilha de calor de superfícienocturna, especialmente durante o período mais friodo ano, sendo pouco frequentes as situações emque as superfícies da periferia se encontram mais

Figura 5 – Diferença da temperatura de superfície nocturna, entre o centro de Lisboa e o Aeroporto.

Figura 6 – Frequência de dias em que as temperaturas desuperfície num dos locais (Baixa ou Aeroporto) são superiorasao outro, no período de Agosto de 1998 a Julho de 1999.

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aquecidas do que o centro da cidade. Na figura 7apresenta-se um perfil da temperatura nocturna dassuperfícies em Fevereiro de 1999, na região de Lisboa,onde se pode observar uma tendência para a subidadas LST de norte para o sul (cerca de 4ºC de diferença).

No Verão há uma grande diminuição do númerode noites em que o centro da cidade está maisquente, sendo, nesta estação do ano, maisfrequente a periferia aquecer durante o dia.No ponto seguinte apontar-se-ão as possíveiscausas energéticas para a formação destespadrões térmicos.

6. As causas energéticas da ilha de calor(mesoescala).

As trocas de calor entre as várias superfícies e aatmosfera urbana são fundamentais para se conhecero ritmo e repartição dos padrões térmicos,nomeadamente a ICU e, de uma maneira geral o climaurbano. O cálculo dos fluxos de calor turbulento(latente, sensível) e armazenado nas superfícies épossível graças à utilização de imagens de satélitede média resolução como os da série Landsat 5 (TM)e 7 (ETM+), que possuem, além dos canais no visívele no infravermelho próximo, um canal infravermelhotérmico. Com estes canais, um Modelo Digital doTerreno (MDT) e modelos físicos, é possívelquantificar os fluxos de calor que entram ou saemdas superfícies e que alimentam a atmosfera urbana(Lopes, 2003), numa resolução espacial relativamentefina (tipicamente entre os 60 a 120 m).

Na figura 8 apresenta-se a razão entre o calorarmazenado (QG) e o balanço de radiação (Q*) em19 de Agosto de 1994. Esta razão é um indicador daenergia disponível nas superfícies e passível de serposteriormente libertada para a atmosfera urbana,alimentando a ICU. As áreas impermeabilizadas(incluindo o Aeroporto) possuem, em média, mais de

30 % de energia acumulada, enquanto o parqueflorestal de Monsanto armazena menos de 15% daenergia e os concelhos limítrofes de Lisboa (excluindoas suas áreas urbanas) entre 10 a 25%, apesar datemperatura de superfície ser mais baixa no interiorda cidade do que nas áreas desocupadas (fig. 9). Ofraco albedo implica uma menor perda de energiareflectida em pequeno comprimento de onda e,portanto, o aumento da energia radiativa total (Q*).

Esta energia acumulada durante o dia seráposteriormente devolvida à atmosfera urbana durantea noite, dando lugar à existência da ilha de calorurbano, mesmo no período estival. Neste caso deestudo o aumento de calor armazenado é de cercade 15 a 25 % maior na Baixa do que o norte dacidade. Não considerando outros fluxos, a energiaarmazenada nas superfícies urbanas do núcleo centralde Lisboa (35 a 40%) é maior do que nos subúrbiosnão urbanizados, ou menos densos (entre 15 a 25%).As áreas do norte da cidade (áreas nãoimpermeabilizadas) têm mais energia disponível paraser libertada através dos fluxos de calor turbulento(sensível e latente).

Figura 7 – Temperaturas de superfície nocturnas em Lisboa(valores médios de Fevereiro de 1999), entre o norte da cidadee o rio Tejo a sul. A linha ponteada representa a média das LSTe a cheio o desvio-padrão (DP).

Figura 8 – Razão entre o calor armazenado (QG) e o balançode radiação (Q*) em Lisboa, no dia 19 de Agosto de 1994(10:00 h, tempo local).

Figura 9 – Energia disponível (QG/Q*), temperaturas desuperfície (LST) e albedo, em Lisboa, num perfil NNW/SSE (verfigura 8, perfil A-B).

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7. Fluxos energéticos num urban canyon emTelheiras (microescala).

O clima de uma cidade é o resultado de todas asvariações microclimáticas possíveis no espaçoconstruído. As causas dessas variações deverão, porisso, ser encontradas, em primeiro lugar, pelosmenores conjuntos do tecido urbano. Entende-se porurban canyon (ou canyon urbano, como será a seguirdesignado) um tipo de geometria urbana compostapor uma ou mais ruas, mais ou menos rectilíneasladeadas por edifícios geralmente altos. Este termosurge na literatura científica inglesa por analogia coma morfologia dos canyons americanos.

Em Novembro de 2001, foram efectuadas mediçõessistemáticas de temperaturas (do ar e dassuperfícies com termómetros que registam no infravermelho) e das componentes radiativas compiranómetros (pequeno comprimento de onda/solar) e pirgeómetros (grande comprimento deonda/infravermelho térmico) na rua Prof. António

José Saraiva, em Telheiras (LOPES, 2006; LOPES eVIEIRA, 2002). Esta área residencial é composta poredifícios com cerca de 25m de altura (6 e 7 pisos)e a largura da rua é de 59m (H/W de 0,42). Osedifícios estão pintados com uma cor rosa escuroe os telhados planos e escuros conferem, aoconjunto dos edifícios, melhores propriedadesabsorsoras do que reflectoras.

A rua, apesar de ter uma orientação norte/sul, érelativamente abrigada do vento de nordeste que sefazia sentir no dia das medições. Para além dasmedições de temperatura do ar a 3 m do solo foramtambém registadas as temperaturas no interior da

atmosfera urbana inferior (dentro do canyon urbano),através de registadores a várias alturas, fixos a balõescativos (fig. 10). Durante o período de observaçõesprevaleceu uma situação anticiclónica, semnebulosidade, com vento fraco de Nordeste(<1,5m/s na estação Lisboa/Gago Coutinho e<2m/s em Lisboa/Geofísico).

Figura 10 –Tipo de registadores térmicos usados (tinytalks) e balões cativos na rua Prof. António José Saraiva, em Telheiras, Lisboa.

Figura 11 – Temperaturas nocturnas no interior de um urban Canyon, em Telheiras, em Novembro de 2001.

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Durante a noite, na atmosfera urbana, formam-se trêscamadas de ar (fig. 11), sendo que duas estão maisarrefecidas: uma acima do nível dos telhados,arrefecida pelo efeito de advecção e a outra junto aopavimento da rua, cujo arrefecimento é devido àirradiação. Nesta superfície o balanço infravermelhoé negativo (enquanto a atmosfera urbana inferior emitecerca de 300 W m-2(L↓), o asfalto da rua emite 360W m-2 (L↑)). O albedo da rua é fraco (5,6%), devido àcobertura de asfalto, sendo portanto uma superfícieque durante o dia, quando lhe incide radiaçãodirecta, é boa absorsora, mas também boa emissoradurante a noite. Enquanto que o asfalto arrefecerapidamente por irradiação, toda a energiaacumulada nos edifícios durante o dia é libertada denoite para o espaço da rua, formando uma “bolha dear” mais quente, fenómeno que está na base daformação da ICU. O balanço radiativo total (Q*) ameio do dia (resultante dos ganhos e perdas empequeno e grande comprimento de onda) é claramentesuperior nesta rua (387 W m-2) do que noutras ruascontíguas onde predomina o calcário (albedo = 30%),onde Q*=260 W m-2. Sendo aqui a irradiação nocturnamais fraca, poder-se-á esperar uma bolha de ar quentemais próxima do solo e certamente com outrascaracterísticas. Este mecanismo parece ser uma dasprincipais fontes de alimentação de calor na atmosferaurbana, sendo o conhecimento das propriedadesfísicas das várias superfícies fundamental para acaracterização da eficiência energética dos espaçosurbanos, interiores e exteriores.

8. Medidas para a mitigação da ilha de calor deLisboa

A mitigação da ICU não é um objectivo climáticouniversal, aplicável em todas as cidades do globo. Aanomalia positiva das temperaturas no espaçosedificados pode ser um constrangimento nas cidadesde clima muito quente e uma vantagem em cidadescom clima de Invernos longos e rigorosos, ou emclimas frios. No caso de Lisboa, em que as estaçõesdo ano são contrastadas, a ilha de calor urbanopoderá ser vantajosa durante o Inverno (contribuindopara um menor consumo energético paraaquecimento) mas, pelo contrário, pode estar naorigem de desconforto térmico no Verão com possívelagravamento das situações extremas de vagas decalor e do aumento de consumo energético para oarrefecimento dos edifícios (ALCOFORADO et al, 2005).Do ponto de vista económico, os raros estudos sobreo assunto em cidades com clima de tipo Mediterrâneomostram que a poupança de energia paraaquecimento no Inverno é menor do que os custos do

arrefecimento durante o Verão (SANTAMOURIS, 2001).Num estudo sobre as necessidades energéticas naregião de Nova Iorque, num cenário de futuro incertode alterações climáticas (HILL, 2001), é referido que,em 2015, aquele Estado Norte-americano necessitaráde duplicar a potencia de 501 para 1080 megawatt,no Verão, devido a um hipotético aumento detemperatura de 0,8ºC, para satisfazer as necessidadesem ar condicionado. O mesmo estudo confirma queos gastos energéticos são mais elevados comtemperaturas muito altas no Verão do que comtemperaturas muito baixas no Inverno.

Os custos de uma cidade sobreaquecida podemassim aumentar, não só, devido ao incremento damortalidade, da poluição e consumo de água,associados a vagas de calor, mas também paraarrefecimento dos edifícios (ALCOFORADO et al, 2006).Nos últimos anos têm vindo a ser apresentadas váriassoluções tecnológicas para mitigar os efeitosnegativos das ICU. SAILOR (2006) resume as estratégiasem duas linhas de acção: a modificação do albedodas superfícies e o aumento de áreas permeáveis comvegetação. No que diz respeito ao albedo, os materiaisusados na construção dos edifícios podem serescolhidos de acordo com as suas propriedadesreflectivas e de emitância no infravermelho térmico(BRETZ, et al, 1998; PRADO et al, 2005). Uma base dedados, preparada pelo Lawrence Berkeley NationalLaboratory, com as propriedades térmicas eradiativas de variadíssimos materiais de coberturausados nos EUA, pode ser consultada em http://eetd.lbl.gov/coolroofs/. De acordo com SAILOR(2006), os telhados planos são as superfícies de maisfácil intervenção por não serem tão pertinentes osaspectos estéticos dos edifícios, já que se trata desuperfícies geralmente não observadas a partir dasruas. A manutenção das fachadas e telhados deveser uma preocupação ao longo do tempo de vidados edifícios porque as superfícies tendem adegradar-se e, ao escurecerem, aumentam o albedo.No que diz respeito aos pavimentos das ruas asestratégias que visam modificar o albedo são de maisdifícil execução, sobretudo em áreas de baixo skyview factor, devido às múltiplas reflexões nassuperfícies (sobretudos nas fachadas dos edifícios).Também a crescente ocupação das ruas porautomóveis torna difícil a intervenção neste domínioporque, em cada momento, é difícil determinar o tipoe a área da superfície efectivamente reflectiva.

Mas o que tem chamado mais a atenção dainvestigação aplicada, sobretudo em cidades norteamericanas, preocupadas em mitigar os efeitos daICU é o chamado “movimento” ecoroofs (ou

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greenroofs). Em telhados planos é construído um soloartificial de cerca de 15 cm de espessura, onde sãoplantadas algumas espécies vegetais que provocamsombra aos edifícios e arrefecimento do ambienteatmosférico através da evapotranspiração. Noenttanto, as raízes necessariamente muito superficiaisrequerem pouca água e os benefícios daevapotranspiração são muito fracos. Espécies vegetaiscom sistemas radiculares mais complexos (emborapouco profundos), requerem irrigações mais intensivase maior dispêndio de água. Solos mais profundosnecessitam de infra-estruturas mais complexas e,portanto, mais dispendiosas tanto na construçãocomo na manutenção.

Numa investigação sobre o papel do albedo e doaumento de áreas verdes na mitigação da ICU deNova Iorque foi estimado que estas estratégias podemreduzir as temperaturas até cerca de 0,8ºC durantevagas intensas de calor, em certas áreas da cidade(ROSENZWEIG et al, 2006).

O plantio de vegetação nas ruas é uma segunda áreade intervenção que pode ser muito eficaz na mitigaçãoda ICU. Para além de outros benefícios (arrefecimentoda atmosfera urbana através do processo deevapotranspiração, filtro de poluição, sombreamentoe até através de aspectos estéticos, sensação deprazer e criação de habitats), muitas espécies deárvores possuem albedo superior a 18% pelo que oseu plantio em áreas tradicionalmente pavimentadascom materiais de fraco albedo (por exemplo, osparques de estacionamento e outras áreas asfaltadas),pode aumentar o reflectividade.

No entanto, o plantio de árvores em meio urbano deveser cuidadosamente planeado, tendo em conta quealgumas espécies vegetais possuem característicasdesvantajosas, ou mesmo nocivas, em meio urbanopara o Homem, como a libertação de alergenos(sobretudo pólenes), fraca adaptação aos solosurbanos e maior risco de queda em situações de ventoforte (LOPES et al, 2009). Por outro lado, onde ocorremacelerações do fluxo de ar, devido à morfologia dasruas, as árvores podem ajudar a suster o vento, criandoambientes mais agradáveis, sobretudo durante oVerão, quando a vida ao ar livre é mais intensa. Copasdensas são propícias a esse efeito. Mas as árvoresnão devem formar conjuntos compactos noscorredores de ventilação, pois apesar da suapermeabilidade ao fluxo retardam-no, prejudicando aremoção de poluentes (LOPES, 2003).

O balanço entre os benefícios e os constrangimentosque a ICU e seus custos associados (que ainda não

foram objecto de estudo aprofundado), levam-nos aconsiderar que a mitigação da ICU é um objectivodesejável para o conjunto da cidade o que não impedeque, numa escala de maior pormenor, se encontremsoluções microclimáticas para minimizar oarrefecimento dos edifícios ou dos espaços públicos.Num estudo intitulado “Orientações Climáticas parao Ordenamento em Lisboa” (elaborado no quadroda revisão do PDM da cidade), que resultou dacolaboração entre o grupo de Geo-ecologia do Centrode Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa ea Câmara Municipal de Lisboa (Alcoforado et al,2005), foram abordadas as questões relacionadascom a aplicabilidade do conhecimento do climaurbano ao ordenamento da cidade. No que respeitaà ilha de calor considerou-se que, de um modo geral,a ventilação é um dos principais factores de controloda ICU. O vento desempenha um papel fundamentalno ambiente climático das cidades, promovendo onecessário arejamento, particularmente as brisas domar ou do estuário, que transportam ar fresco ehúmido do oceano e/ou do estuário do Tejo,contribuindo para um arrefecimento significativo dacidade, actuando positivamente no conforto térmicoe saúde dos citadinos. No estudo atrás citado forampropostas medidas de carácter geral baseadas nostrabalhos de LOPES (2003b) e de ANDRADE (2003),como a delimitação de grandes corredores deventilação, de orientação geral Norte/Sul (direcçãocoincidente com os ventos dominantes na cidade).Estes “corredores” não deverão ser ocupados comedificações compactas ou manchas de vegetaçãodensa, de modo a não comprometer a circulaçãodos ventos dominantes, tão importantes não só namitigação da ICU como na remoção de poluentes ena qualidade do ar.

É igualmente desejável minimizar os aspectos negativosdo clima urbano e maximizar os positivos, através daadequada manipulação de factores de escala maisfina como: i) a estrutura e arranjo espacial dos edifícios,intervindo, por exemplo, ao nível do volumetria daconstrução e na relação entre a altura dos edifícios(H) e a largura da rua (W) (ANDRADE, 2003; LOPES,2003b); ii) a cor, modificando o albedo e portanto aspropriedades reflectivas e absorsoras das superfícies;iii) as características térmicas, sobretudo a admitância;iv) a presença de vegetação e de água, que regulam oambiente térmico dos espaços.

O estudo dos fluxos energéticos num urban canyon,como o que foi apresentado anteriormente emTelheiras, é assim fundamental para se proporemmedidas de mitigação com vista ao melhoramentodas condições do ambiente urbano.

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9. Conclusão

Numa altura em que, no quadro do “Plano Tecnológico”em Portugal, se dá especial importância às estratégiasde desenvolvimento sustentável, é fundamental aliar aprática de aplicação dos materiais tradicionais àscaracterísticas físicas (e estéticas) de novos materiaisde construção, de modo a reduzir custo e melhorar aeficiência energética das cidades portuguesas.

À luz dos conhecimentos actuais sobre o clima urbanode Lisboa é declaradamente necessário mitigar a ilhade calor e promover as condições de ventilaçãoadequadas para o favorecimento da qualidade doar, conforto bioclimático e saúde humana na cidade.Apesar da benevolência do modelo de “cidadecompacta”, pensado talvez no recurso que podeconstituir a ICU para as cidades do Norte da Europa,o aumento dos índices de construção pode agravar oefeito da ilha de calor nos habitantes das cidades,sobretudo em situações extremas de vagas de calor,como as que recentemente assolaram a Europa (porexemplo em 2003). Por outro lado o aumento darugosidade aerodinâmica, ao diminuir a velocidademédia do vento, aumenta os níveis de poluição notecido urbano (LOPES 2003b).

A eficiência energética dos edifícios pode serconseguida implementando técnicas de arquitecturabioclimática, que tiram partido das condições térmicas,ventilação e ecológicas dos espaços exteriores.

Em Portugal ainda não está enraizada uma culturacientífica e técnica que inclua sistematicamente estudosde clima urbano nos instrumentos de planeamento. Empaíses como a Alemanha, Suécia e Suíça, é práticacorrente a preparação sistemática de mapas de análisee síntese climática, como instrumento de apoio aoprocesso de planeamento e de documentos sobretudocartográficos, que incluem orientações para o mesmoefeito (SCHERER et al, 1999; ALCOFORADO, 1999).Recentemente, em Lisboa foram dados os primeirospassos nesta matéria, com dois projectos já concluídos:CLIMLIS - Prescription of climatic principles in urbanplanning. Application to Lisbon, financiado pela FCT,e Estudo climático para a cidade de Lisboa, no âmbitode um protocolo entre o Centro de Estudos Geográficose a Câmara Municipal de Lisboa, que visaram, entreoutros objectivos, transpor para o ordenamento dacidade os conhecimento adquiridos e contribuir paraaprofundar a temática climática no novo PDM deLisboa. Esperemos que esses estudos, pela suaimportância, possam ser transpostos para outrosmunicípios e assim dar um novo contributo aoplaneamento urbano das cidades portuguesas.

Agradecimentos

Agradeço à Professora Maria João Alcoforado pelaleitura do texto inicial e pelos seus comentários críticos,que muito serviram para o melhoramento da versão final.

A investigação que conduziu à preparação desteartigo foi elaborada no âmbito do projecto URBKLIM– Climate and urban sustainability. Perception ofcomfort and climatic risks (POCI/GEO/61148/2004).

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PROCESSOS DE PERIGOSIDADE NATURAL NO MUNICÍPIO DE CÂMARA DE LOBOS – MADEIRA.CONTRIBUTO PARA A GESTÃO DO RISCO E DA EMERGÊNCIA

Uriel [email protected]

Centro de Estudos da Macaronésia, Universidade da Madeira

Alexandre Oliveira [email protected]

Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra

Domingos [email protected]

Departamento de Biologia, Universidade da Madeira

RESUMO

O presente estudo aborda a área temática dos riscos naturais, no Município de Câmara de Lobos, nomeada-mente uma análise dos processos de perigosidade natural, na qual serão identificados os elementos socio-económicos/estruturais com maior grau de exposição. Tem como objectivo a optimização das políticas degestão do território, através da aplicação de um sistema de gestão municipal do risco e de emergência.

Palavras-chave: Processos de perigosidade, susceptibilidade, vulnerabilidade, gestão de risco, Câmara de Lobos.

ABSTRACT

The present study approaches the thematic of natural risks in the township of Câmara de Lobos, including ahazard analysis, in which the socioeconomic/structural elements, with a higher degree of exposure, will beidentified. The main purpose of this article is to optimize and provide a tool in territorial management policies,throughout the application of a risk and emergency management system.

Key words: Hazard, susceptibility, vulnerability, risk management, Câmara de Lobos.

RÉSUMÉ

Cette étude aborde le thème des risques naturels dans la Marie de Câmara de Lobos, y comprise l’analyse desaléas dans laquelle seront identifiés les éléments socioéconomiques et structurels avec un plus haut degréd’exposition. Il vise à optimiser les politiques de gestion du territoire, atravers l’aplication d’un système degestion du risque et de mesures de secours d’urgence.

Mots clés: Aléas, susceptibilité, vulnérabilité, gestion du risque, Câmara de Lobos.

pp. 53-71

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Introdução

A importância atribuída à avaliação de riscos écrescente, fruto de uma maior consciencializaçãoindividual e colectiva na gestão dos riscos. Osurgimento de mapas de risco, ou das suascomponentes, constitui uma das medidas nãoestruturais mais visíveis nesta tomada de consciência,surgida, a partir da necessidade de preservação davida humana e dos bens materiais.

O risco natural, segundo CANTOS et al. (2002a, p.54), éa possibilidade de um território e a sua estrutura socialser afectado por um evento natural de dimensõesextraordinárias. Por sua vez, catástrofe, é o efeitoperturbador que um episódio natural provoca nessemesmo espaço, tendo em conta a perda de vidashumanas. Se a consequência desse evento natural forde grande magnitude, ao ponto de ser necessária ajudaexterna, a terminologia adoptada será a de calamidade,aludindo à deterioração da economia e ao drama socialde uma região, provocado pela perca de inúmeras vidashumanas. Contudo, na acepção de L. LOURENÇO (inf. oral,2008), não existe diferenciação destes últimos doisconceitos, aludindo à origem semântica da terminologiaque é diferente, nomeadamente disaster, de origemanglo-saxónica, e catastrophe, de origem francesa. Noâmbito da Protecção Civil o conceito de desastreengloba todas as terminologias referidas anteriormente(SNBPC, 2005, p.7).

A ideia de sociedade de risco de BECK (1992) assumeuma extrema importância neste contexto, na qual, o riscoé conceptualizado como um perigo externo, e queenfatiza o processo de politização do risco que temocorrido nos últimos anos, nomeadamente no que serefere às consequências morais e políticas. Para estemesmo autor, a consciência dos riscos é uma condiçãoinerente às sociedades contemporâneas e considera que,se nos primórdios da industrialização, os riscos eacidentes eram sensorialmente evidentes, agora sãoglobais, impessoais e escapam à percepção humana.Neste âmbito, LOURENÇO (2007, p.109) define comosendo “transversais à sociedade contemporânea,fazendo por isso parte da informação quotidiana”.

No seguimento da linha de pensamento de ÜlrichBeck, surge KALDOR (2005) que define as principaiscaracterísticas dos riscos globais, “com o facto de seignorarem todas as fronteiras, os seus impactes seremgeralmente inesperados e poderem gerar conflitosinternos na estrutura social.” Adicionalmentedetermina que “o seu traço mais dominante é aincerteza, pois não os podemos controlar, restando-nos a simples monitorização do evento.”.

A análise do risco implica a análise integrada dedois conjuntos de factores, os ligados aos processosnaturais, que configuram o conceito de Hazard (H)para os cientistas de língua inglesa e de Aléas (A)para os de língua francesa, e os factores ligados àsvulnerabilidades (V) da população e da comunidade.A fórmula compósita do Risco (R), nomeadamentepara os autores anglo-saxónicos, é a R = H x V, epara os autores gálicos, a R = A x V. Segundo CUNHAet al. (2002, p.2), a combinação entre o factor aléasou hazard e o factor vulnerabilidade, talvez se traduzamelhor como conceito de risco natural, se estes foremrelacionados através de um operador demultiplicação, ou simplesmente através do operadorfunção, como referem, por exemplo, DAUPHINÉ (2001)e REBELO (2003).

Segundo a IUGS (1997), a análise do risco é definida,como sendo o uso da informação disponível naavaliação do risco induzido, por fenómenos decarácter natural, a qual estão expostos os indivíduos,populações, bens e ambiente.

A UNDRO e a Unesco consideram que, perigo natural“…representa a probabilidade de ocorrência de umpotencial fenómeno catastrófico, num período de tempoespecífico e numa determinada área.”, tendo a UN/ISDR (2004, p.16), introduzido a actividade humanacomo factor de perigosidade, para além da componentefísica. O perigo “inclui condições latentes potenciadorasde futuras ameaças, podendo ter diferentes origens: anatural (geológica, geoclimática e biológica) ou asinduzidas por processos antrópicos (degradaçãoambiental e perigos tecnológicos).”. Na acepção deVARNES (1989, p.10) o termo natural hazard“…determinaa probabilidade temporal de ocorrência de fenómenosnaturais, que ameaçam e/ou actuam perigosamente,num espaço ou tempo definido”.

A susceptibilidade, na acepção de CANTOS et al.(2002a, p.67), é a propensão ou a tendência de umazona ser afectada fisicamente por um perigo,comparativamente com outras áreas que tenham sidoafectadas no passado. É determinada através de umaanálise comparativa dos factores condicionantes edesencadeantes, quantitativos e qualitativos.

A definição de vulnerabilidade é interpretada como,“…as características de uma pessoa ou grupo,relativamente à sua capacidade para se antecipar,lidar com, resistir e recuperar de impactos naturaisou antrópicos.” (IFRC/RCS, 2000).

Cerca de 75% da população mundial, vive em áreasque foram afectadas, pelo menos numa ocasião, por