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O skate e a produção social do espaço público Nelson Diniz Luciano Hermes da Silva Introdução Neste artigo considera-se o skate de rua uma atividade associada à ressignificação material e simbólica da cidade, à subversão criativa de suas formas e à reapropriação dos espaços públicos. Ao contrário da maioria dos jogos, o skate de rua não se realiza em espaços separados daqueles da vida cotidiana. Portanto, sua característica fundamental é o uso compartilhado com os demais usuários das formas e dos equipamentos dos espaços públicos. De acordo com Zarka (2011b): O skate compartilha seu espaço de jogo com aqueles que não o praticam, isto é, com aqueles que não jogam. Essa é uma de suas características mais salientes. Isso não ocorre sem um impacto em nossa vida cotidiana e, frequentemente, o skate é reprovado justamente por essa permeabilidade (p. 118, tradução nossa). Desse modo, a prática do skate em ruas, praças e calçadas constitui-se, amiúde, em uma atividade clandestina e passível de repressão. Tendo em vista esses conflitos em potencial, é comum a apropriação por skatistas de espaços públicos “subutilizados”. Nesses casos, a reapropriação pode não apenas redefinir os usos das formas urbanas, mas inscrever, de maneira mais ou menos permanente, novos elementos no espaço preexistente. Tratam-se de ações de autoconstrução de rampas, tablados, corrimãos e diversos outros tipos de obstáculos. O termo nativo para essas iniciativas é Do It Yourself (DIY). Através do DIY, esses espaços transformam-se em lugares de encontro intensamente frequentados por skatistas, que lhes atribuem novos sentidos e qualidades materiais. Com o presente artigo pretende-se apresentar o esboço de algumas definições de uma pesquisa mais ampla sobre a prática do skate em espaços públicos. No que se

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O skate e a produção social do espaço público

Nelson Diniz Luciano Hermes da Silva

Introdução

Neste artigo considera-se o skate de rua uma atividade associada à

ressignificação material e simbólica da cidade, à subversão criativa de suas formas e à

reapropriação dos espaços públicos. Ao contrário da maioria dos jogos, o skate de rua

não se realiza em espaços separados daqueles da vida cotidiana. Portanto, sua

característica fundamental é o uso compartilhado com os demais usuários das formas e

dos equipamentos dos espaços públicos. De acordo com Zarka (2011b):

O skate compartilha seu espaço de jogo com aqueles que não o praticam, isto é, com aqueles que não jogam. Essa é uma de suas características mais salientes. Isso não ocorre sem um impacto em nossa vida cotidiana e, frequentemente, o skate é reprovado justamente por essa permeabilidade (p. 118, tradução nossa).

Desse modo, a prática do skate em ruas, praças e calçadas constitui-se, amiúde,

em uma atividade clandestina e passível de repressão. Tendo em vista esses conflitos

em potencial, é comum a apropriação por skatistas de espaços públicos “subutilizados”.

Nesses casos, a reapropriação pode não apenas redefinir os usos das formas urbanas,

mas inscrever, de maneira mais ou menos permanente, novos elementos no espaço

preexistente. Tratam-se de ações de autoconstrução de rampas, tablados, corrimãos e

diversos outros tipos de obstáculos. O termo nativo para essas iniciativas é Do It

Yourself (DIY). Através do DIY, esses espaços transformam-se em lugares de encontro

intensamente frequentados por skatistas, que lhes atribuem novos sentidos e qualidades

materiais.

Com o presente artigo pretende-se apresentar o esboço de algumas definições

de uma pesquisa mais ampla sobre a prática do skate em espaços públicos. No que se

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refere ao DIY, tais definições serão confrontadas com a ilustração de dois casos desse

tipo de iniciativa, no contexto da cidade do Rio de Janeiro. No estágio atual desta

pesquisa, busca-se demonstrar, antes de tudo, que a reflexão sobre esse tema marginal,

pouco desenvolvido ou mesmo negligenciado por sua “menor importância”, permite

compreender conflitos mais gerais relacionados à produção social dos espaços públicos.

O contra-uso skatista: a repropriação do espaço público

Em sua forma contemporânea, o skate surgiu nos Estados Unidos, nos anos

1960, em bairros populares de Los Angeles e ao redor da praia de Santa Mônica. De

acordo com Zarka (2011b), o sidewalk surfing1 tornou-se a alternativa dos surfistas

locais para “um dia sem ondas”. Sobre as origens e as transformações do skate na

década de 1960, Machado (2011) afirma que:

Até meados da década de 50 do século passado, isso não passava de uma mera brincadeira, um entretenimento em que não havia tantos objetivos, como os de realizar manobras, vencer obstáculos, disputar competições ou muito menos de viver profissionalmente do mesmo. (…) Somente a partir de 1960 que esse brinquedo improvisado adquiriu novos significados. Com a irregularidade das ondas em praias californianas, vários surfistas norte-americanos apropriaram-se das tábuas com rodinhas e deram um outro sentido ao seu uso: após alterarem seus formatos, ficando semelhantes a uma pequena prancha, elas se tornaram uma espécie de surfe sobre rodas. Através das mesmas os surfistas podiam, de certo modo, surfar a qualquer momento e em muitos lugares, transpondo alguns dos movimentos antes feitos dentro d’água para diversos equipamentos urbanos2 (p. 14).

Apesar de seu desdobramento em diversas modalidades, o street skate ou skate

de rua é aquela que expressa melhor os fundamentos dessa prática. Ainda de acordo

com Zarka (2011b):

Apesar de existirem inúmeros espaços criados expressamente para a prática do skate (skateparks), trata-se acima de tudo de uma atividade urbana. Mais precisamente, é uma prática "do urbano", no sentido de que o seu terreno é

1 Surfe de calçada, designação inicialmente atribuída ao skate. 2 Para uma história da prática do skate, antes e depois de sua “revolução” nos anos 1960, Cf. Zarka (2011b; 2013).

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realmente a cidade, ou pelo menos uma reinterpretação da diversidade de materiais e formas da cidade (p. 114, tradução nossa).

Nos termos da presente pesquisa, sobre a prática do skate em espaços públicos,

o skate de rua é definido, em primeiro lugar, como uma forma de reapropriação do

espaço urbano semelhante aos modos de operação, esquemas de ação ou maneiras de

fazer de De Certeau. Conforme o autor:

Essas “maneiras de fazer” constituem as mil práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural. (…) Esses modos de proceder e essas astúcias de consumidores compõem, no limite, a rede de uma antidisciplina (DE CERTEAU, 2013, p. 41).

Para De Certeau, as práticas cotidianas não expressam apenas a passividade

dos usuários ou consumidores. Diante dos produtos impostos por uma ordem dominante

(econômica, urbanística, etc.), os usuários elaboram criativamente suas próprias

maneiras de empregar esses produtos. Ainda segundo o autor:

Assimiláveis a modos de emprego, essas “maneiras de fazer” criam um jogo mediante a estratificação de funcionamentos diferentes e interferentes. Assim, as “maneiras” de habitar (uma casa ou uma língua) próprias de sua Kabília natal, o magrebino que mora em Paris ou Roubaix as insinua no sistema que lhe é imposto na construção de um conjunto residencial popular ou no francês. Ele os superimpõe e, por essa combinação, cria para si um espaço de jogo para maneiras de utilizar a ordem imposta do lugar ou da língua. Sem sair do lugar que lhe impõe uma lei, ele aí instaura pluralidade e criatividade. Por uma arte de intermediação ele tira daí efeitos imprevistos (DE CERTEAU, 2013, p. 87).

É exatamente isto o que fazem os skatistas, os sujeitos da prática que se

pretende definir. De acordo com Machado (2011), no contexto do skate de rua:

(...) um corrimão não serve somente para dar segurança a quem utiliza uma escada, mas também para ser deslizado com o skate. Uma escada não é apenas para se passar de um nível ao outro, mas para ser pulada. Uma escultura não é só para ser olhada e apreciada, mas ao contrário, pode servir como uma inclinação propícia para manobras. Os exemplos se estendem aos bancos, às bordas, às placas de trânsito, etc. Portanto, ao circular pelos espaços urbanos e ao ressignificar as finalidades atribuídas aos seus respectivos equipamentos, a cidade ganha novos contornos (p. 26).

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Ao servir-se da inclinação de uma escultura, pular uma escada ou deslizar

sobre um corrimão, o skatista afirma sua criatividade, sua experiência singular das

formas e dos equipamentos urbanos. O uso que faz do espaço geométrico dos arquitetos

e urbanistas retira daí efeitos imprevistos. A essa subversão dos efeitos previsíveis da

utilização das formas e dos equipamentos urbanos chamamos contra-uso skatista.

A ressignificação material e simbólica do espaço público

O contra-uso é o modo de operação básico dos skatistas de rua, sua forma

elementar de relação com a cidade. Relação definida por uma rede de antidisciplina,

pela subversão dos usos previsíveis dos espaços públicos. Espaços construídos de

acordo com a razão técnica e funcionalista dos arquitetos e urbanistas. Assim, o skate de

rua assemelha-se às práticas de espaço tal como concebidas por De Certeau. Para o

autor:

Essas práticas do espaço remetem a uma forma específica de “operações” (“maneiras de fazer”), a “uma outra espacialidade” (uma experiência “antropológica”, poética e mítica do espaço) e a uma mobilidade opaca e

cega da cidade habitada. Uma cidade transumante, ou metafórica, insinua-se assim no texto claro da cidade planejada e visível (DE CERTEAU, 2013, p. 159).

Ao definir as práticas de espaço, De Certeau (2013) refere-se aos praticantes

ordinários da cidade, isto é, aos “caminhantes, pedestres, Wandersmänner, cujo corpo

obedece aos cheios e vazios de um 'texto' urbano que escrevem sem poder lê-lo” (p.

159). Entretanto, essa mobilidade cega e opaca não é a mesma que caracteriza a prática

do skate de rua. Para Zarka (2011b):

Ainda que o skatista possa ignorar inúmeros aspectos da cidade, ele raramente se limita a uma única superfície. Ele usa uma variedade de equipamentos urbanos (bancos, lixeiras, hidrantes, etc.) Ele habita e utiliza a cidade de forma diferente de um pedestre ou mesmo um flâneur. O skate está sempre envolvido em superar os limites do possível, ao mesmo tempo dinamizando e desestabilizando certas formas e objetos concebidos para descanso e conforto (p. 115, tradução e grifo nossos).

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Existem, portanto, outros modos de operação ou esquemas de ação que

expressam, igualmente, as maneiras como os skatistas produzem uma ressiginificação

material e simbólica dos espaços públicos. Machado (2011) refere-se, por exemplo, à

busca consciente dos espaços suscetíveis à prática do skate de rua. Segundo o autor:

Outro elemento lúdico da prática do street skate é justamente a procura por picos. Logo, sempre que possível, é importante circular por vários desses espaços. Entretanto, a procura por lugares skatáveis não se dá somente ao acaso. Ciente de suas habilidades em cima do “carrinho”, os skatistas vão ao encontro daqueles obstáculos com os quais mais se identificam (p. 117).

Outro exemplo diz respeito às formas como os skatistas nomeiam esses

espaços. Sobre a polissemia do termo nativo pico, Machado (2011) afirma que:

Para a maioria dos paulistanos, o termo “pico” pode fazer referência a uma situação intensa e conturbada (por exemplo, o horário de “pico” no trânsito). Já para os skatistas, pico é um termo nativo que evoca espaços compostos por equipamentos urbanos, que se tornam obstáculos nos quais são realizadas as manobras. Também definido pelos skatistas como lugares skatáveis, para que um equipamento seja considerado um pico, ele deve estar associado a uma série de características que permita a prática do skate (p. 113-114).

É comum entre skatistas nomear os lugares, as formas e os equipamentos

urbanos a partir de um léxico próprio – em geral ignorado por não iniciados. Por

exemplo, na Praça XV de Novembro, no centro da cidade do Rio de Janeiro, a Estátua

Equestre do Rei Dom João VI é denominada simplesmente como o “Cavalo” pelos

skatistas locais. Nas imediações da praça, os mesmos reconhecem a fachada de um

banco como o “Mortal Kombat”3.

Por último, destaca-se o modo como os skatistas apropriam-se dos espaços

públicos modificando-os à sua maneira. Trata-se do já mencionado Do it Yourself (DIY).

Compreende-se o DIY como uma manifestação da criatividade e da antidisciplina que

caracterizam o skate de rua e que extrapola a definição de contra-uso skatista acima

apresentada. De acordo com Charest (2014):

3 A apropriação da Praça XV de Novembro por skatistas é um dos objetos da pesquisa mais ampla sobre a prática do skate em espaços públicos da qual este artigo é apenas um produto parcial.

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A cultura DIY no skate, que surgiu em grande parte da intensificação da prática nas ruas, na década de 1990, é definida pela capacidade que os skatistas têm de identificar e criar espaços interessantes para a prática. Para o desconforto de proprietários e de administradores de espaços públicos, isso muitas vezes significa transformar, por exemplo, bordas e bancos em locais de frequentação regular de skatistas. A cultura DIY skatista, desde então, evoluiu a partir da ideia de que skatistas devem sair e encontrar algo apropriado para a prática do skate (embora esta ainda seja uma das principais características da prática do skate) a um movimento global que é definido mais por um desejo de recuperar e remodelar espaços públicos através da autoconstrução de objetos que possibilitem a prática do skate, bem como a execução de manobras. Estes espaços são na maioria das vezes abandonados ou subutilizados (tradução nossa).

O DIY diz respeito não apenas à subversão dos usos das formas e dos

equipamentos urbanos, mas à inscrição, sem autorização (HOWELL, 2008) e de

maneira mais ou menos permanente, de novos elementos nos espaços apropriados –

rampas, corrimãos, palcos, tablados, elevações, etc. Espaços públicos subutilizados

transformam-se em lugares de encontro intensamente frequentados por skatistas, que

lhes atribuem novos sentidos e qualidades materiais.

Conclusão: da reapropriação à produção social do espaço público

Para concluir este artigo, destacam-se dois exemplos de espaços públicos da

cidade do Rio de Janeiro apropriados por skatistas (Figuras 1 e 2).

Figura 1 – Pista da Lagoa (Lagoa Rodrigo de Freitas)

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Fonte: http://arquivos.cemporcentoskate.com.br/arquivos/c897462c-27fc-4dba-8420

fd109b9200c1.jpg

Figura 2 – Praça DUÓ (Barra da Tijuca)

Fonte: http://ihateflash.net/set/wobble-na-praca

Reconstruídos com recursos da prefeitura e de transnacionais que operam no

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mercado do skate (Nike e Adidas), esses espaços podem facilmente ser confundidos

com os convencionais skateparks. No entanto, em ambos os casos, a história de sua

identificação com a prática do skate remete às distintas formas de autoconstrução de

obstáculos (DIY) pelos skatistas locais (Figuras 3 e 4). O primeiro caso se refere a uma

quadra de vôlei localizada às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas e o segundo, ao

anfiteatro da Praça do Ó, na Barra da Tijuca.

A subutilização da “Quadrinha da Lagoa” ensejou sua ocupação por parte dos

skatistas, através da instalação de obstáculos de madeira – reiteradamente removidos

pela empresa municipal de limpeza urbana. No ano de 2004, a fim de evitar a remoção

dos obstáculos, os skatistas passaram a construí-los com materiais de alvenaria e

concreto, que conferiram à “Quadrinha” um caráter completamente distinto de sua

forma e função originais. A presença desses obstáculos perdurou, sem transtornos à

ordem pública, até o ano de 2011, quando toda a orla da Lagoa Rodrigo de Freitas

passou por uma reforma urbana.

A reforma dos equipamentos de esporte e lazer da Lagoa Rodrigo de Freitas

incluiu a transformação do espaço autoconstruído pelos skatistas em um skatepark. A

reconstrução da “Quadrinha” se deu através da intervenção de uma empresa

transnacional (Nike), em parceria com a Prefeitura. Desse modo, de acordo com as

definições aqui apresentadas, não se pode dizer que a nova pista da Lagoa seja, ela

mesma, um produto do DIY. A produção do espaço da “Quadrinha”, nos termos do DIY,

atribuiu ao lugar significados específicos à prática do skate. Em seguida, sua

reconstrução por outros atores, ainda que com a participação dos skatistas, inseriu esse

espaço na lógica da produção de marcos de distinção (HARVEY, 2005) da cidade do

Rio de Janeiro4.

4 O discurso do então Secretário de Conservação e Serviços Públicos do Rio de Janeiro, Carlos Roberto Osório, por ocasião da inauguração da pista da Lagoa, resume o modo como a reconstrução da “Quadrinha” inseriu-se numa lógica de produção de marcos de distinção da cidade: “Estamos entregando a primeira pista de street skate da cidade, consolidando o que o carioca já tinha decidido: originalmente, este espaço abrigava uma quadra de vôlei, que foi transformada em pista de skate. Portanto, passamos a contar com a mais moderna pista de street skate do Rio, graças à uma bela parceria entre os cariocas e a prefeitura”. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?article-id=2469465.

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Figura 3 – DIY na “Quadrinha da Lagoa”

Fonte: Arquivo HZC 33.

No anfiteatro da Praça do Ó5, o que se observava era a diversidade de

frequentadores “indesejados” – moradores de rua, prostitutas, traficantes de drogas e os

próprios skatistas. A iniciativa dos skatistas de instalar nesse espaço objetos

autoconstruídos para a prática do skate fez com que, paulatinamente, sua presença se

fizesse mais numerosa, acarretando na dispersão dos demais “indesejados”.

Assim como na “Quadrinha da Lagoa”, os skatistas da Duó experimentaram a

produção de obstáculos de madeira – recorrentemente removidos ou furtados. A

substituição dos obstáculos de madeira por aqueles de alvenaria e concreto tornou a Duó

conhecida internacionalmente. Até o ano de 2013, a Duó figurou entre os picos DIY

mais conhecidos do Brasil e do mundo. Em seguida, outra transnacional que opera no 5“Duó”, tal como é nomeada pelos skatistas.

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mercado do skate, a Adidas, se propôs a financiar a reforma da praça, com o intuito de

torná-la uma pista de skate que simula diferentes tipos de mobiliário urbano.

Como no caso anterior, o DIY produziu um espaço público significativo da prática do

skate, posteriormente reconstruído através de uma parceria público-privada.

Figura 4 – DIY na Praça DUÓ

Fonte: Arquivo Coletivo Duó.

É nesse sentido que falamos da produção social do espaço público. O DIY,

como uma das maneiras de fazer dos skatistas, não é simplesmente uma operação que

reage de modo criativo aos produtos impostos pela ordem urbanística. Seu caráter

igualmente antidisciplinar e subversivo vai além do contra-uso skatista. De Certeau

(2013) supõe que as práticas de espaço constituem-se em “manipulações sobre os

elementos de base de uma ordem construída” (p. 167). No entanto, o DIY extrapola a

manipulação dos elementos de base da ordem urbanística. Nesses casos, pela repetição e

resistência de suas práticas, os skatistas são responsáveis pela produção social de

espaços públicos. Espaços com os quais se identificam e que manifestam os produtos de

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sua criatividade – apesar dos atores que, eventualmente, operando em outras escalas,

buscam interferir nesses processos, atuando de acordo com seus próprios objetivos.

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Referências bibliográficas CHAREST, Brian. What can schools learn from de DIY skateboarding culture? Disponível em: http://kickflippingatforty.wordpress.com/2014/02/13/what-can-schools-learn-from-the-diy-skateboarding-culture/. Acesso em: 23 mai. 2014. DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2013. HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. HOWELL, Ocean. Skatepark as neoliberal playground: urban governance, recreation space, and the cultivation of personal responsibility. Space and Culture 11: 475, 2008. Disponível em http://sac.sagepub.com/content/11/4/475 MACHADO, Giancarlo Marques Carraro. De "carrinho" pela cidade: a prática do street skate em São Paulo. 2011. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-05062012-160404/>. Acesso em: 2014-06-26. PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO. Prefeitura do Rio inaugura nova pista de street skate na Lagoa. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?article-id=2469465. Acesso em: 19 fev. 2014. ZARKA, Raphaël. La conjonction interdite: notes sur le skateboard. Paris: Édition B42, 2011a. ______. On a day with no waves: a chronicle of skateboarding 1779-2009. Paris: Éditions B42, 2011b. ______. Une journée sans vague: chronologie lacunaire du skateboard 1779-2009. Paris: Édition B42, 2013.