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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016 O SÍTIO HISTÓRICO DE ITAPINA/ES E A PAISAGEM CULTURAL DO VALE DO RIO DOCE: desafios e possibilidades SILVEIRA, ALINE V. Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Colatina. Coordenadoria de Arquitetura e Urbanismo. Avenida Arino Gomes Leal, 1700, Santa Margarida, Colatina-ES, 29700-660 [email protected] RESUMO Itapina é um distrito do município de Colatina, região noroeste do estado do Espírito Santo. O vilarejo, situado às margens do Rio Doce e da Estrada de Ferro Vitória-Minas, apresenta um cenário bucólico, entre as montanhas, o rio e a ferrovia. A ocupação da região teve início por volta de 1866, com mineiros e fluminenses vindos dos estados vizinhos. A partir de 1889, chegaram os imigrantes europeus, predominantemente italianos. Os imigrantes abriram estradas e criaram povoados, enfrentando além da própria natureza, os índios botocudos que ali habitaram até a década de 1920. Itapina prosperou no período áureo do café e, a partir de 1907, com a construção da ferrovia. Este cenário de prosperidade mudou a partir da crise de 1929, com a erradicação dos cafezais. Por volta da década de 1940, teve início o processo de esvaziamento do vilarejo, os comerciantes que ali residiam se mudaram para outros núcleos urbanos, em busca de novas condições de trabalho. No ano de 2013, o Sítio histórico de Itapina foi tombado em nível estadual, ao todo foram tombados 82 imóveis e outros 43 foram decretados de interesse de preservação para compor o conjunto. O documento preza pela proteção dos bens culturais e naturais que constituem a Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac) de Itapina, constituída pelo Sítio Histórico Urbano, Patrimônio Ambiental Urbano e Paisagem Cultural. Como o tombamento é recente, pouco tem sido feito efetivamente para garantir o que foi decretado na Resolução 003/2013. A mesma, ainda não faz parte do cotidiano dos moradores do vilarejo, falta ações de conscientização sobre o tombamento, e conhecimento da lei por parte dos moradores e proprietários. Além disso, o cenário da região está em plena mudança, fator decorrente da forte seca e também do lama de rejeitos que atingiu o Rio Doce no final de 2015. O fato, é que o vilarejo apresenta marcas da história do desenvolvimento local e da luta dos imigrantes para se fixar na região. A relação entre a natureza, as marcas deixadas pelo homem e sua cultura se fazem presentes neste sítio e precisam ser preservadas. Isto posto, discutir a temática sobre a preservação de Itapina sobre o viés do patrimônio ambiental e da paisagem cultural apresenta-se como o foco deste trabalho. Palavras-chave: Arquitetura; Paisagem; Ferrovia;Patrimônio cultural;

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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

O SÍTIO HISTÓRICO DE ITAPINA/ES E A PAISAGEM CULTURAL DO VALE DO RIO DOCE: desafios e possibilidades

SILVEIRA, ALINE V.

Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Colatina. Coordenadoria de Arquitetura e Urbanismo.

Avenida Arino Gomes Leal, 1700, Santa Margarida, Colatina-ES, 29700-660 [email protected]

RESUMO

Itapina é um distrito do município de Colatina, região noroeste do estado do Espírito Santo. O vilarejo, situado às margens do Rio Doce e da Estrada de Ferro Vitória-Minas, apresenta um cenário bucólico, entre as montanhas, o rio e a ferrovia. A ocupação da região teve início por volta de 1866, com mineiros e fluminenses vindos dos estados vizinhos. A partir de 1889, chegaram os imigrantes europeus, predominantemente italianos. Os imigrantes abriram estradas e criaram povoados, enfrentando além da própria natureza, os índios botocudos que ali habitaram até a década de 1920. Itapina prosperou no período áureo do café e, a partir de 1907, com a construção da ferrovia. Este cenário de prosperidade mudou a partir da crise de 1929, com a erradicação dos cafezais. Por volta da década de 1940, teve início o processo de esvaziamento do vilarejo, os comerciantes que ali residiam se mudaram para outros núcleos urbanos, em busca de novas condições de trabalho. No ano de 2013, o Sítio histórico de Itapina foi tombado em nível estadual, ao todo foram tombados 82 imóveis e outros 43 foram decretados de interesse de preservação para compor o conjunto. O documento preza pela proteção dos bens culturais e naturais que constituem a Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac) de Itapina, constituída pelo Sítio Histórico Urbano, Patrimônio Ambiental Urbano e Paisagem Cultural. Como o tombamento é recente, pouco tem sido feito efetivamente para garantir o que foi decretado na Resolução 003/2013. A mesma, ainda não faz parte do cotidiano dos moradores do vilarejo, falta ações de conscientização sobre o tombamento, e conhecimento da lei por parte dos moradores e proprietários. Além disso, o cenário da região está em plena mudança, fator decorrente da forte seca e também do lama de rejeitos que atingiu o Rio Doce no final de 2015. O fato, é que o vilarejo apresenta marcas da história do desenvolvimento local e da luta dos imigrantes para se fixar na região. A relação entre a natureza, as marcas deixadas pelo homem e sua cultura se fazem presentes neste sítio e precisam ser preservadas. Isto posto, discutir a temática sobre a preservação de Itapina sobre o viés do patrimônio ambiental e da paisagem cultural apresenta-se como o foco deste trabalho.

Palavras-chave: Arquitetura; Paisagem; Ferrovia;Patrimônio cultural;

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Introdução

Itapina é um distrito do município de Colatina, região noroeste do estado do Espírito Santo,

distante 166 km da capital Vitória. O vilarejo, situado às margens do Rio Doce e da Estrada de

Ferro Vitória-Minas, apresenta um cenário bucólico, entre as montanhas e o Vale do Rio

Doce.

Figura 01: Mapa de Colatina, Localização de Itapina.

Fonte: ES em Mapas, 2009.

Itapina prosperou no período áureo do café, no início a produção era transportada por

animais, posteriormente através de embarcações que cruzavam o Rio Doce, até a construção

da ferrovia a partir de 1907. Na região, a maior utilização da ferrovia pelos produtores,

comerciantes e habitantes, de modo geral teve início a partir de janeiro de 1923, com a

inauguração do trecho que ligava Itapina a Itaguaçu. Porém, este cenário de prosperidade

muda a partir da crise de 1929, com a erradicação dos cafezais. Por volta da década de 1940,

tem início o processo de esvaziamento do vilarejo. Os comerciantes que ali residiam se

mudam para outros núcleos urbanos, em busca de novas condições de trabalho, culminando

na decadência do vilarejo. A Estação ferroviária foi desativada na década de 1980, e a ponte,

iniciada no governo de Juscelino Kubitschek, com a intenção de facilitar o acesso à vila, nunca

chegou a ser concluída. (CASTIGLIONI, 2010, p. 25)

O núcleo histórico do distrito é constituído por um casario construído entre o final do século

XIX e meados do século XX. São casas térreas e sobrados predominantemente nos estilos

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eclético e proto-moderno, além da arquitetura tradicional da imigração e da arquitetura

industrial e ferroviária, encontrada na estação e nos armazéns de café.

Para proteger este patrimônio cultural capixaba, o Conselho Estadual de Cultura, através da

Resolução n° 003/2013, decretou o tombamento do conjunto histórico e paisagístico de

Itapina:

“A Poligonal de Tombamento de Itapina está diretamente relacionada com a gênese da ocupação e evolução urbana de Itapina, ocorrida no contexto do ciclo cafeeiro, da navegação do Rio Doce e interiorização tardia do Espírito Santo ao final do século XIX e começo do século XX, e que ainda guardam, de modo geral, as marcas físicas que representam sua história. Na Poligonal de Tombamento as edificações de relevância histórica e/ou arquitetônica estão protegidas contra descaracterizações nas suas características volumétricas e formais, nestas últimas incluindo-se os vãos de janelas e portas, ornatos, apliques, coberturas, seus materiais constitutivos, os elementos artísticos e outras ocorrências. Considera-se também a necessidade de se preservar o traçado urbano existente, a configuração dos quarteirões e sua subdivisão em lotes, o arruamento, becos e vielas, e suas características de pavimentação e inclinação, os passeios, as áreas verdes, incluindo nestas últimas, parques, praças públicas, e jardins com seus elementos artísticos, assim como, as encostas, os remanescentes de mata nativa, a mata reflorestada, e a vegetação arbustiva e arbórea das ruas e de áreas privadas, incluindo-se nesta preservação a relação que todas as edificações estabeleceram com o entorno ambiental, paisagístico e cultural da cidade”. (RESOLUÇÃO CEC 003/2013)

O documento preza pela proteção dos bens culturais e naturais que constituem a Área de

Proteção do Ambiente Cultural (APAC) de Itapina, constituída pelo Sítio Histórico Urbano,

Patrimônio Ambiental Urbano e Paisagem Cultural. Ao todo foram tombados 82 imóveis e

outros 43 foram decretados de interesse de preservação para compor o conjunto.

Como o tombamento é recente, pouco tem sido feito efetivamente para garantir o que foi

decretado na Resolução 003/2013. A mesma, ainda não faz parte do cotidiano dos moradores

do vilarejo, de modo que muitos não compreenderam o que o processo de tombamento

acarreta na realidade.

Estudar a relação entre as edificações, a paisagem, a conformação territorial do lugar e o

modo de vida que ali se encontram é uma forma de reconhecer a importância deste conjunto e

de incentivar a sociedade a preservar a memória do lugar.

A Carta de Cracóvia (2000) fala sobre a importância da preservação do patrimônio como

forma de preservar a memória coletiva:

“Cada comunidade tem em conta sua memória coletiva e consciente de seu passado, é responsável pela identificação, assim como da gestão de seu patrimônio. Os elementos individuais deste patrimônio são portadores de muitos valores, os quais podem mudar com o tempo. Esta mudança de

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valores específicos nos elementos define a particularidade de cada patrimônio”.

Após o esvaziamento provocado pela decadência da produção cafeeira, o vilarejo, que antes

possuía intensa vida cultural e comercial para época e até mesmo um dos melhores hospitais

da região, nunca mais se recuperou economicamente. Neste período, a cidade de Colatina,

com a ferrovia cortando sua região central, prosperou, e ocupou o espaço que antes pertencia

a Itapina. Pode-se considerar que a própria estagnação econômica contribuiu para a

preservação das construções do vilarejo.

Figura 02: Fachada lateral do antigo hospital

Fonte: Auttora, 2016.

Atualmente, a vila possui pequenos comércios locais, como farmácia, sorveteria, mercearias e

bares. A maioria dos moradores trabalha na cidade de Colatina ou na zona rural. Durante o

dia, poucas pessoas são vistas transitando pelo vilarejo, conferindo ao lugar uma aparência

de abandono e esquecimento.

Este cenário muda uma vez por ano, durante as festividades do Festival Nacional de Viola, o

‘Fenaviola’, onde durante um fim de semana, músicos, e violeiros da região se tornam atração

para milhares de turistas que ocupam as ruas da cidade e e se hospedam nos casarios.

Outro empreendimento que está sendo inaugurado é o Museu Virgínia Tamanini, em

homenagem a uma das moradoras mais ilustres da vila. Dona Virgínia, como era conhecida

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na região foi uma escritora capixaba, autora do romance Karina (1964) que narra a trajetória

de imigrantes italianos na região, e era a principal responsável pelas atividades culturais

durante o período áureo de Itapina.

Apesar destas atividades pontuais, é preciso fazer muito mais para que o vilarejo possa

crescer preservando sua história e memória.

Histórico

De acordo com Bruno (1967) a ocupação das terras capixabas, de forma mais efetiva, ocorreu

tardiamente, sendo impulsionada a partir de meados do século XIX, com a influência dos

estados vizinhos e dos imigrantes europeus. No Espírito Santo, tomando por base o pequeno

número de vilas ou sedes de novos municípios que se criaram de 1822 a 1888 – foi de

pequena expressão a marcha de povoamento.

A estrutura fundiária no Espírito Santo, historicamente, teve grande parte de sua formação

graças as terras devolutas. Nara Saletto (1996, p. 15) fala que isso mudou a partir da abolição

da escravatura, quando a ocupação do território capixaba teve base na venda destas terras

pelo governo, na legitimação de posses, e regularização de lotes coloniais.

Segundo a autora, em meados do século XIX, o café impulsionou o desenvolvimento do

estado, e mesmo passando por altos e baixos, como a crise sofrida pela abolição da

escravatura em 1888 e a crise de 1929, a produção cafeeira se manteve forte até a década de

1960, quando os cafezais capixabas foram reduzidos à metade em virtude do programa

nacional de erradicação do café. Também ressalta que esta expansão foi responsável pela

ocupação do território, e que suas dimensões foram modestas quando comparadas as do

Vale do Paraíba e do Oeste Paulista (SALETTO, p. 23).

Segundo os Relatórios de Governo (1842 e 1848), em meados do século XIX, os aldeamentos

do Rio Doce se encontravam em estado miserável, e ressaltavam a importância de São

Mateus, onde havia sido instalado um porto, na região norte do Espírito Santo. Também se

percebe a dificuldade dos viajantes ao adentrar a região do Doce, pois além do caminho longo

e difícil, havia também grande quantidade de indígenas defendendo o seu território,

principalmente os botocudos. Na época houve a intenção de se criar aldeamentos indígenas

na região, mas não foram bem sucedidos.

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Posteriormente, segundo o Relatório Governamental de 1857, houve a tentativa de formar

uma colônia em Francilvânia, atual bairro de São Silvano em Colatina, através de imigrantes

franceses, portugueses e alemães. Mas, somente em 1887, com a chegada de italianos ao

núcleo de Antônio Prado é que a ocupação do território acontece de forma definitiva

(MARINATO, 2007, p. 155).

Estes imigrantes trouxeram consigo a sua cultura, seu modo de vida e de trabalho. Onde a

necessidade de adaptação ao novo meio, e a de preservação da cultura da terra natal se faz

presente na arquitetura por eles difundida.

O vilarejo de Itapina, além dos imigrantes europeus, recebeu ainda algumas poucas famílias

de libaneses. Com todas estas tradições diferentes, o vilarejo desenvolveu um modo de vida

interessante e até mesmo de intensa atividade cultural para a época, resguardando as

devidas proporções. As características arquitetônicas dos casarios de Itapina refletem esta

mescla de culturas, com referências à arquitetura popular do imigrante e da arquitetura

brasileira da época (CASTIGLIONI, 2010, p. 23).

Figura 03: Ruínas do hotel da família libanesa.

Fonte: Autora, 2016.

Ao trabalhar com o Sítio Histórico de Itapina1, é preciso considerar que se trata do sítio mais

recente a ser tombado pelo Estado do Espírito Santo. Neste contexto, muitos problemas são

1 Atualmente, o Espírito Santo possui cinco sítios históricos tombados pelo Conselho Estadual de Cultura: Porto de São Mateus (Resolução CEC n° 001/1976); São Pedro do Itabapoana (Resolução CEC n° 002/1987); Santa

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enfrentados, principalmente por muitos não compreenderem a importância deste sítio. Desta

forma, a realidade atual de Itapina é de esquecimento, até mesmo no cenário regional ele é

desconhecido. Porém, é um lugar de uma história riquíssima, suas edificações demonstram

um tempo de prosperidade para o vilarejo. Além da arquitetura, sua relação com o Rio Doce e

com a Estrada de Ferro Vitória-Minas, o tornam um lugar único.

Arquitetura

A arquitetura de Itapina reflete o período de prosperidade que a vila viveu, impulsionados pela

fase áurea do café e pela construção da Ferrovia Vitória-Minas, atual Estrada de Ferro Vale do

Rio Doce.

Esta arquitetura apresenta predominantemente características ecléticas e protomodernas,

além da arquitetura popular do imigrante a da arquitetura tradicional brasileira. É importante

ressaltar que as edificações com características eruditas são contemporâneas a edificações

de características semelhantes que foram construídas no centro de Vitória, o que vem reforçar

a importância cultural e econômica do Vilarejo no contexto da época.

Com relação às tipologias encontradas em Itapina, pode-se destacar a arquitetura residencial

constituída por casas térreas; a arquitetura residencial formada por sobrados; a arquitetura de

uso misto composta pelo térreo destinado ao uso comercial e ao primeiro pavimento para o

uso residencial; a arquitetura industrial formada pela estação ferroviária e pelos armazéns

onde se guardava o café; e a arquitetura religiosa.

Estas edificações, geralmente não possuíam afastamento frontal, seguindo a tradição da

arquitetura colonial brasileira. Mas, algumas já apresentam características incorporadas nos

grandes centros brasileiros no final do século XIX, como a presença de varandas e

afastamentos laterais.

Outro destaque que pode-se considerar na arquitetura de Itapina é a preocupação com a

estética das edificações, seja pela utilização de adornos, platibandas cuidadosamente

acabadas, modenaturas, ou simplesmente pelo rigor geométrico na distribuição dos vãos.

Segundo Castiglioni (2010, p. 43) algumas destas edificações possuem um grande número de

quartos (evidência que as famílias eram numerosas na época), cozinha espaçosa e maior

Leopoldina (Resolução CEC n° 003/2010), Muqui (Resolução CEC n° 002/2012) e Itapina (Resolução CEC n° 003/2013

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afastamento de fundos, incidência de jardins, pequenos pomares além de criação de animais

de pequeno porte. Neste tipo de casa muitas vezes, o primeiro pavimento era usado como

venda e/ou comércio e o segundo como moradia.

Outra tipologia muito encontrada em Itapina são as casas tipo “porta e janela”, se

apresentando como as casas térreas mais simplificadas. Elas poderiam variar na sequência:

janela-porta-janela ou vice-versa; ou janela-janela-porta ou vice-versa, mas esses três

elementos sempre marcavam a fachada. (CASTIGLIONI, 2010, P. 44)

A arquitetura ferroviária marca presença através da estação de Itapina, desativada em 1980,

pelo tamanho da edificação é possível aferir a importância que esta edificação possuía.

Trata-se de uma construção simples, a estação, com um grande galpão fazendo parte do seu

corpo principal. Telhado em duas águas, prolongado e sustentado por mãos francesas de

madeira para cobrir parte da plataforma.

Figura 04: Antiga Estação de Itapina e atual ponto de parada.

Fonte: Autora, 2016.

Como a estação foi fechada, atualmente foi construído um ponto de parada ao lado, para os

passageiros embarcarem no trem.

De uma forma geral, pode-se perceber que a maior parte do casario está preservado, porém,

sabe-se que a melhor forma de se preservar uma edificação é através do uso da mesma, e, foi

constatado que há um grande número de imóveis que estão fechados, podendo entrar a

qualquer momento no estado de abandono.

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Figura 05: Casario de Itapina.

Fonte: Autora, 2016.

O caso mais crítico que foi encontrado é o do antigo hospital da Vila, que está em total estado

de abandono, e se transformando em um local perigoso. Além deste, também é possível

encontrar as ruínas do antigo hotel dos descendentes de libaneses.

Paisagem

Ao falar sobre paisagem, a definição que primeiro se apresenta à mente, é aquela que faz

referência a tudo o que a visão pode alcançar, sendo construída a partir de todos os

elementos presente no local.

Ribeiro (2007, p. 9) fala sobre a paisagem como um documento que expressa a relação do

homem com o seu meio natural, que mostra as transformações ocorridas ao longo do tempo,

um produto da sociedade que o produziu, ou ainda como base material para a produção de

diferentes simbologias, lugar de interação entre a materialidade e as representações

simbólicas.

Mas, é importante ressaltar que a paisagem não reside somente no objeto e nem somente no

sujeito, mas na interação dos dois e fazer uma leitura da paisagem constitui um exercício de

interpretação. A paisagem construída é uma representação real dos tempos vividos, um

reflexo do modo de apropriação e dos traços culturais dominantes, desta forma, a paisagem

se transforma no que se configura a paisagem cultural.

De acordo com Ribeiro (2007, p. 41) somente em 1992, com a adoção da categoria de

paisagem cultural pela UNESCO é que a própria paisagem passou a ser valorizada através

das inter-relações que nela coexistem, representando uma ruptura com os modelos

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anteriores. Desta forma, as discussões sobre a ideia de paisagem cultural buscavam uma

visão integradora entre homem e natureza.

Para Rössler (2003) a expressão paisagem cultural pode ser aplicada em nível regional e local

para se referir ‘as obras conjugadas do homem e da natureza’ de qualquer grupo humano e

não apenas às paisagens de valor excepcional, ela é a marca da cultura dos povos sobre o

território que ocuparam, faz parte da identidade coletiva. Esta categoria de proteção foi

inserida na lista do patrimônio mundial a fim de revelar e sustentar a diversidade das

interações entre seres humanos e seu ambiente, proteger culturas tradicionais e para

preservar os traços daquelas que desapareceram.

No Brasil, foi elaborado em 2007, a Carta de Bagé, ou Carta da Paisagem Cultural, que tem

por objetivo a defesa das paisagens culturais em geral. Outro documento mais recente, a

tratar sobre este assunto, data de 30 de abril de 2009, é a Portaria nº 127. Essa portaria

coloca a paisagem cultural como novo mecanismo de proteção do patrimônio e estabelece a

chancela da Paisagem Cultural Brasileira:

Art. 2° - A chancela da Paisagem Cultural Brasileira tem por finalidade atender ao interesse público e contribuir para a preservação do patrimônio cultural, complementando e integrando os instrumentos de promoção e proteção existentes, nos termos preconizados na Constituição Federal.

A partir das discussões apresentadas acima, percebe-se que o conceito de paisagem cultural

é um dos mais completos, considerando que engloba todo um contexto formado pelo

patrimônio material e intangível, no sentido de apresentar algo abstrato, que não possa ser

tocado, mas que pode ser vivenciado e sentido, como a ambiência encontrada nestes

espaços e as manifestações culturais que nele se apresentam. Portanto, pode-se dizer que a

chancela da paisagem, engloba não apenas as paisagens de valor excepcional, mas também

aquele cenário da vida cotidiana, incluindo as áreas produtivas, a arquitetura erudita e

vernácula.

A região estudada, carrega na sua história algumas dessas características, como o

desenvolvimento da lavoura cafeeira, principal responsável pela fixação dos colonos nessa

área, também guarda vestígios do desenvolvimento através da navegação a vapor e

posteriormente, com a chegada da ferrovia.

No que diz respeito ao valor da paisagem cultural, Delphim (2004, p. 5) ressalta sua

capacidade de deter marcas e registros, de maneira que o homem é um dos principais

elementos de valoração na paisagem. Para a leitura e compreensão da paisagem não se deve

limitar somente ao espaço, a leitura também deve ser temporal, pois a paisagem testemunha

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e preserva dados de épocas passadas. Qualquer marca que o homem introduza na paisagem

significa uma modificação seguida de um novo significado, com diferente valor patrimonial.

Para o autor, a paisagem é uma chave para a compreensão do passado, do presente e do

futuro.

Em Itapina, uma das coisas que exemplifica a colocação do autor, é a ponte iniciada no

governo de Juscelino Kubitscheck. Um elemento que serviria para alavancar o crescimento da

vila, a ponte nunca chegou a ser concluída, devido a problemas técnicos e financeiros.

Atualmente, a ruína sobrevive em meio a vila, sendo incorporada a paisagem local e à

memória dos moradores.

Figura 06: Ponte inacabada, ferrovia e Rio Doce ao fundo.

Fonte: Autora, 2016.

No caso aqui apresentado, nota-se que esta paisagem vem paulatinamente sofrendo

mudanças. Nos últimos anos, o principal elemento gerador dessa mudança tem sido questões

ambientais e climáticas, como a forte seca que atingiu a região e no ano de 2015 o desastre

ambiental de Mariana, onde a lama de rejeitos das barragens atingiram o Rio Doce.

Figura 07: Rio Doce tomado pela lama.

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Fonte: LOUREIRO, 2015.

Assim, com a forte seca e a água do Rio Doce comprometida pelos rejeitos, a irrigação dos

cultivares foi altamente comprometida, além da atividade pesqueira desenvolvida ao longo do

rio. Ocasionando sérios problemas econômicos na região aqui apresentada.

Figura 08: Rio Doce 10 meses após a passagem da lama.

Fonte: Autora, 2016.

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Considerações Finais

No presente trabalho procurou-se apresentar o Sítio Histórico de Itapina, destacando sua

riqueza arquitetônica e paisagística, além de toda a sua história ligada à produção cafeeira, a

navegação a vapor e ao desenvolvimento da ferrovia.

Por meio das construções, eruditas, vernáculas e industriais, é possível ler a história de um

tempo vivido com grande dificuldade por uma comunidade até conseguir se estabelecer no

território e transformá-lo em um lugar de riqueza econômica e cultural.

É possível observar que este rico patrimônio, apesar de ser reconhecido institucionalmente

como sítio histórico estadual, ainda passa por muitos problemas, como a dificuldade de

compreensão dos próprios moradores sobre o que é um sítio histórico. E, também

dificuldades financeiras em preservar e restaurar as edificações tombadas.

Algumas ações promovidas pela Secretaria Estadual de Cultura do Espírito Santo têm sido

feitas neste sentido, como a abertura de editais anuais para a restauração de edificações em

sítios históricos. Mesmo assim, ainda é um passo pequeno, pois apenas um imóvel pode ser

premiado por edital.

Outra ação tomada pela Secretaria é a tentativa de formar parcerias com instituições de

ensino da área de arquitetura e urbanismo, para promover e desenvolver pesquisas nos sítios

históricos do estado, porém, nada foi efetivamente formalizado.

Desta forma, neste ano algumas ações, ainda que pequenas, tem sido planejadas no âmbito

do curso de arquitetura e urbanismo do Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Colatina.

A primeira delas foi uma visita com todos os alunos do curso ao Sítio de Itapina, com o objetivo

de promover uma exposição de fotografias e croquis, retratando a realidade do sítio. Depois

de exposto no Instituto, esta exposição será levada para outros lugares de Colatina, Itapina e

região, a fim de divulgar e promover o Sítio Histórico de Itapina.

Num futuro próximo, pretende-se trabalhar a troca de saberes entre comunidade e alunos do

curso de arquitetura, através de um programa de extensão. Levando aos moradores do local o

apoio técnico para a preservação das edificações e trabalhando a educação patrimonial, para

que a própria comunidade tome consciência do valor histórico do lugar que habitam.

Entende-se que a melhor maneira de preservar sítios como o de Itapina é conscientizando

moradores locais e da região de entorno sobre o seu valor histórico, arquitetônico e

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paisagístico. Também se entende que esta atitude deve ser independente de atitudes

governamentais e deve partir de todos os que conhecem e valorizam o patrimônio cultural.

Referências

BRUNO, Ernani Silva. História do Brasil: geral e regional 4: rio e minas. -. São Paulo: Cultrix, 1966/1967. 7v. CAPARAÓ VALE MAIS : Plano de Desenvolvimento Sustentável. Governo do Estado do Espírito Santo; Fundação Vale do Rio Doce.

Carta de Bagé. 2007. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/documento/patrimonio/patrimonio31.asp>. Acesso em: 30 set. 2009.

Carta de Cracóvia. 2000. Disponível em: <www.mcu.es/museos/docs/CartaDeCracovia.pdf>. Acesso em: 05 out. 2008.

CASTIGLIONI, Lorena de Andrade. Trajetória de um Vilarejo [Itapina]. Projeto de Graduação, Arquitetura e Urbanismo, Centro de Artes, Universidade Federal do Espírito Santo, 2010.

DELPHIM, Carlos Fernando de Moura. Intervenção em jardins históricos: manual. Brasília: IPHAN, 2004. 152p.

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