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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito O SERVIÇO NOTARIAL À LUZ DO ARTIGO 236 DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E SEUS ASPECTOS CONTROVERTIDOS. Filipe De Filippo Belo Horizonte 2006

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito

O SERVIÇO NOTARIAL À LUZ DO ARTIGO 236 DA CONSTITUIÇÃO

DE 1988 E SEUS ASPECTOS CONTROVERTIDOS.

Filipe De Filippo

Belo Horizonte 2006

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Filipe De Filippo

O SERVIÇO NOTARIAL À LUZ DO ARTIGO 236 DA CONSTITUIÇÃO

DE 1988 E SEUS ASPECTOS CONTROVERTIDOS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Edimur Ferreira de Faria

Belo Horizonte 2006

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Filipe de Filippo O serviço notarial à luz do artigo 236 da Constituição de 1988 e seus aspectos controvertidos. Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. ___________________________________________________________________ Edmur Ferreira de Faria (Orientador) – PUC Minas

___________________________________________________________________ Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias - PUC Minas ___________________________________________________________________ Milton Vasquez Thibau de Almeida - UFMG

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Dedico este trabalho a todos os que, direta ou indiretamente, contribuíram para a sua realização. Ao longo desses dois anos dedicados ao mestrado, foi muito

importante o apoio do meu orientador, Professor Edimur; da "turma" do mestrado; dos colegas (professores e funcionários) da Puc Minas em Contagem; dos familiares

e amigos.

À minha mãe, Mariza; ao meu pai, Francisco; à minha sogra, Merinha; e, especialmente, a meu filho, Luís Filipe, e à minha esposa, Cristina, dedico um beijo e

um abraço especiais, porque o estímulo, o apoio e o carinho deles foram determinantes na conquista deste objetivo.

Agradeço, ainda, ao seu Anísio, meu sogro; à tia Zezé e ao meu amigo Alfredo Valadares, que partiram para a eternidade. A eles, o meu preito de gratidão pelo

carinho, pela amizade e pelo incentivo que sempre me dedicaram.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é estudar o serviço notarial no Brasil, à luz do art.

236 da Constituição da República de 1988, e da Lei n. 8935, de 18.11.1994, que

regulamentou o texto constitucional, razão pela qual é chamada de “Lei Orgânica do

Serviço Notarial” e seus aspectos controversos, tais como: natureza jurídica do

serviço notarial, atipicidade da delegação, responsabilidade civil do Estado,

responsabilidade civil do notário, natureza jurídica dos emolumentos, questões

relativas à titularidade. Para o desenvolvimento deste trabalho, foi necessário buscar

em diversos ramos do direito (tais como o Direito Constitucional, Direito

Administrativo, Direito Tributário, Direito Previdenciário, Direito Notarial, Direito Civil

e Direito do Consumidor) as fundamentações das conclusões apresentadas. Ao final

deste trabalho serão apresentados os pontos controversos da atividade notarial,

destacando que os conceitos preestabelecidos pelos intérpretes do direito não são

suficientes para solucionar as questões apresentadas, sendo necessário reconhecer

as atipicidades da atividade notarial, decorrentes de seu caráter “sui generis”.

Não é objetivo deste trabalho esgotar o tema, mas despertar a necessidade

de estudar o serviço notarial no Brasil, na busca permanente de seu

desenvolvimento para que o notário possa efetivamente desenvolver o seu trabalho

como agente preventivo de conflitos e garantidor da segurança dos negócios

jurídicos.

Palavras-chave: Direito Constitucional; Direito Notarial; Direito Administrativo;

Responsabilidade civil do Estado; Responsabilidade civil do notário; Emolumentos,

Titularidade; Natureza jurídica da delegação.

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ABSTRACT

This work’s objective is to study the notarial service in Brazil, at the light of the article

236 of the Republic Constitution of 1988 and Law 8.935 of 18.11.1994, that have

ruled the constitutional text, reason why it’s been called “Organic Law of Notarial

Service”, and it´s controversial aspects just as: juridical nature of notarial service,

atypicity of delegation, civil responsibility of State, civil responsibility of notary public,

juridical nature of emoluments, questions relative at the titularity. For the

development of this work was necessary to research in different divisions of the

Right ( as the Constitutional Right, the Administrative Right, the Tributary Right, the

Social Security Right, the Notarial Right, the Civil Right and the Consumer Right) the

fundaments of the presented conclusions. In the end of this work the controversial

points of the notarial activity will be presented, emphasizing that the concepts pre-

established by interpreters of right aren’t sufficient to solve the presented questions,

being necessary to admit the atypicities of the notarial activity, due to it´s “sui

generis” characters.

It’s not this work’s objective to exhaust the subject but to wake for the necessity to

study the notarial service in Brazil in a permanent search for it’s development, so the

notary public may develop his work effectively as preventive agent of conflicts and

guardian of the security of juridical transactions.

Key words: Constitucional Right; Administrative Right; Notarial Right; Civil

Responsibility of State; Civil Responsibility of Notary Public; Emoluments; Titularity;

Juridical Nature of Notrarial Service.

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................8

2 BREVE HISTÓRICO SOBRE A EVOLUÇÃO DO SERVIÇO NOTARIAL..............11 2.1 A EVOLUÇÃO DO SERVIÇO NOTARIAL NO BRASIL. ..............................................17

3 A NATUREZA JURÍDICA DO SERVIÇO NOTARIAL À LUZ DO ARTIGO 236 DA CRFB. ......................................................................................................................................24 3.1 A ATIPICIDADE DA DELEGAÇÃO DO SERVIÇO NOTARIAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. .......................................................................29

4 A EVOLUÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL ...............................38

5 EVOLUÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO...........45

6 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE DO SERVIÇO NOTARIAL, À LUZ DO ART. 236 DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. ..............................57

7 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES...............64

8 A ATIPICIDADE DA NATUREZA JURÍDICA DOS EMOLUMENTOS...................71

9 AS ATIPICIDADES RELATIVAS À TITULARIDADE DA SERVENTIA ................84

10 CONCLUSÃO..................................................................................................................103

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................107

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é estudar o serviço notarial no Brasil, à luz do art.

236 da Constituição da República de 1988, e da Lei n. 8935, de 18.11.1994, que

regulamentou o texto constitucional, razão pela qual é chamada de Lei Orgânica do

Serviço Notarial.

A abordagem do tema terá como ponto de partida a apresentação de breve

evolução histórica do serviço notarial e o seu desenvolvimento no Brasil, até os dias

atuais.

Debater sobre a natureza jurídica do serviço notarial à luz do art. 236 da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e sobre a atipicidade de sua

delegação é relevante para o desenvolvimento do conhecimento do serviço notarial.

Esta questão será apresentada em dois tópicos específicos: no primeiro será

demonstrado que, apesar do serviço notarial ser exercido de forma privada, não

perdeu a característica de serviço público; no segundo, as diferenças marcantes

existentes nas concessões de serviço público, nos termos do art 175 do texto

constitucional, e a delegação do serviço notarial.

O estudo das questões pertinentes à responsabilidade civil terão como ponto

de partida a evolução das teorias da responsabilidade civil, passando pela admissão

da responsabilidade civil do Estado e seu estágio atual no direito brasileiro.

Finalmente, será tratada da responsabilidade civil dos notários e o tratamento

dispensado pelas Leis 8935/94 e 9492/97.

Segundo a Lei n. 8.935/94, a remuneração dos serviços notariais dá-se por

meio de recolhimento de emolumentos pelos usuários. O estudo dos emolumentos

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concentrará na sua conceituação, na sua natureza jurídica tributária, reconhecida

pelo STF e nas críticas a esse entendimento.

O ingresso no serviço notarial ocorre por meio de concurso público, de provas

e títulos, disciplinado pela Lei n. 8.935/94, ao contrário da concessão de outros

serviços públicos. O mesmo diploma legal também define as possibilidades de

extinção da delegação.

Tendo em vista que os notários não são servidores públicos, torna-se

importante, também, tratar de algumas questões previdenciárias, surgidas após a

promulgação da Emenda Constitucional 20/98.

Para o desenvolvimento deste trabalho, foi necessário buscar em diversos

ramos do direito, tais como Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito

Tributário, Direito Previdenciário, Direito Notarial, Direito Civil e Direito do

Consumidor, as fundamentações das conclusões apresentadas,

A pesquisa teve a intenção de apresentar os aspectos controvertidos e

atipicidades do serviço notarial, quando comparado às demais espécies de serviços

públicos, bem como o tratamento adequado à questão pertinente à responsabilidade

civil do Estado e do notário.

Por se tratar de um serviço público relevante, especialmente no que diz

respeito aos serviços notariais de registro civil e propriedade, a falta de um estudo

mais profundo, buscando identificar as atipicidades do serviço notarial, contribui para

que ele não seja plenamente conhecido pelos operadores do Direito, nem por seus

usuários.

O melhor conhecimento do serviço notarial poderá contribuir para a melhora

dos serviços prestados pelo Poder Judiciário. Admitir a possibilidade de solução de

questões não litigiosas, tais como separações consensuais, inventários e

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arrolamentos, através dos serviços notariais, desde que as partes estejam

acompanhadas de advogados, poderá liberar o Poder Judiciário para julgar com

maior rapidez os casos em que as partes não tenham chegado a um acordo,

levando aos cidadãos justiça com maior rapidez, ao mesmo tempo em que estarão

sendo preservados todos os direitos dos envolvidos.

No decorrer deste trabalho, serão apresentados alguns pontos controvertidos

da atividade notarial, destacando que os conceitos já preestabelecidos pelos

intérpretes do direito nem sempre não são suficientes para solucionar as questões

apresentadas, sendo necessário reconhecer as atipicidades da atividade notarial,

decorrentes de seu caráter sui generis.

Não é objetivo esgotar o tema, mas despertar a necessidade de estudar o

serviço notarial no Brasil, na busca permanente de seu desenvolvimento para que o

notário possa efetivamente desenvolver o seu papel como agente preventivo de

conflitos e garantidor da segurança dos negócios jurídicos.

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2 BREVE HISTÓRICO SOBRE A EVOLUÇÃO DO SERVIÇO NOTARIAL

Desde os primórdios da civilização o homem tem procurado registrar os

acontecimentos. Entretanto, com o decorrer dos anos e, especialmente, com o

desenvolvimento do comércio e dos contratos, concluíram pela necessidade de

estabelecerem formas para a garantia e conhecimento público de certos

acontecimentos. Os atos e fatos da vida social já não podiam mais ficar registrados

nas palavras e nos depoimentos das testemunhas.

O Código de Hammurabi, por volta de 2.000 a.C, segundo Santos (2005) já

mencionava a existência do escriba, que na qualidade de membro da organização

judiciária aplicava a justiça nas portas dos templos. Segundo Fassa (2005), a

transmissão da propriedade se realizava por escrito ou verbalmente à porta das

cidades, diante de testemunhas e de todos que por ela passavam.

Naquele tempo, nem todos tinham o acesso à escrita e à leitura, o que

dificultava a evolução dos contratos escritos. Entretanto, isto não se constituiu em

impedimento para o surgimento da atividade notarial, que se desenvolveu, em cada

civilização de acordo com as suas peculiaridades culturais e necessidades

econômicas, destacando a importância dos escribas egípcios e hebreus.

Brandelli, discorrendo sobre a evolução histórica do serviço notarial destaca o

trabalho dos escribas na civilização egípcia e hebraica:

Na civilização egípcia, encontra-se o mais prisco antepassado do notário, qual seja, o escriba. Os escribas pertenciam às categorias de funcionários mais privilegiados e lhes era atribuída uma preparação cultural especialíssima e, por isso, os cargos recebiam o tratamento de propriedade privada e, por vezes, se transmitiam em linha de sucessão hereditária. Eram eles que redigiam os atos jurídicos para o monarca, bem como atendiam e anotavam todas as atividades privadas. No entanto, como não eram possuidores de fé pública,

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havia a necessidade de que os documentos por eles redigidos fossem homologados por autoridade superior, a fim de alcançar valor probatório. (BRANDELLI, 1998, p. 26-27)

Os escribas hebreus eram distribuídos em quatro categorias: escribas da lei,

do povo, do rei e do Estado.

O escriba da lei tinha como atribuição interpretar a lei, o escriba do povo

elaborava documentos de interesse privado, o escriba do rei, redigia os atos

administrativos monárquicos e os escribas do Estado auxiliavam no desenvolvimento

das funções da justiça.

Por ter como atribuições redigir documentos de interesse privados, os

escribas do povo eram os que mais se assemelhavam aos notários dos nossos

tempos, destacando que os escribas hebreus, assim como os egípcios não tinham a

fé pública concedida aos atuais notários .

O serviço notarial desenvolvido a partir daquela época em todas as

civilizações conserva até o presente momento da nossa história, a sua principal

razão de ser: constituir segurança para os contratantes, garantias judiciais e

extrajudiciais, bem como tornar público os atos e fatos que possam e devam ser

dados a conhecimento de terceiros.

Sobre a importância da segurança jurídica, Almeida Júnior, já escrevia:

Nos primeiros tempos de Roma, quando no dizer de SENECA, romani naturam incorrupte sequebantur, naquelles tempos felizes em que a lei natural se fazia sentir em toda a sua força e a boa fé tinha seguro asylo nos corações, a simples palavra de um cidadão romano, como attesta DIONYSIO DE HALICARNASSO, fazia fé em juízo. Depois, quando os vícios largamente se diffundiram e o luxo corrompeu os corações, manifestou-se a necessidade de imprimir um vigor aos contractos e de colocar acima das paixões e dos tempos subversivos os actos mais importantes da vida civil,necessidade que se fez sentir cada vez mais, à medida que o nexum, a mancipatio, a injure cessio, a stipulatio, as legis actiones, as formulas das acções, isto é, os actos sacramentais e os rigorosamente formaes do direito antigo deixaram de satisfazer a obra fecunda da civilisação, pela multiplicação das relações civis, pelo progressivo augmento do commercio e da industria, e pela expansão do povo romano. A escripta veiu, então, não só representar, como guardar a

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palavra; foi o primeiro effeito da diffusão do espírito grego no Ocidente, que se manifestou muito antes da reducção da Grécia a província romana da Achaia, isto é muito antes do anno 146 a. C., e que, levada ao seu apogêo no século dos Antoninos, mais e mais se accentuo. (ALMEIDA JÚNIOR, 1897, p. 26- 27)

Follmer (2004) destaca que na Grécia antiga não existia a figura dos escribas,

como apresentados nas civilizações egípcias e hebraicas, nem a figura do notário

com as características atuais.

Sem dúvida, foi a civilização romana que deu a maior contribuição para o

desenvolvimento notarial, influenciando decididamente para o seu atual estágio,

destacando como marco desse desenvolvimento a compilação legislativa de

Justiniano e a criação da Universidade Bolonha em 1228.

Foi no século VI, com os imperadores Leão I e Justiniano que as atividades

notariais ganharam maior importância e relevância. Justiniano foi pioneiro em

sistematizar o serviço notarial, quando da edição das Novellas XLVI,LVVI e LXXIII.

Atribui-se a Justiniano a responsabilidade pela profissionalização e estruturação do

sérviço notarial

Para exercer o tabelionato, era exigido do interessado conhecimento do

direito, falar e escrever corretamente, além de vida ilibada e de bons costumes. A

exigência do conhecimento jurídico foi uma grande inovação introduzida por

Justiniano. Segundo Brandelli (1998) era exigido que o candidato possuísse os

manuais das leis e demonstrasse capacidade de não cometer erros nas escrituras

ou equivocar-se nas palavras.

Na Roma Antiga, segundo Follmer destacava-se a figura do scriba, o notarius,

o tabularius e o tabelio:

O scriba era o guardião dos documentos, além de desempenhar um papel auxiliar ao pretor, pois este utilizava seus serviços para redigir os decretos e resoluções. Por outro lado, o notarius caracterizava-se por ser um técnico que descrevia, por escrito e com celeridade, a captação da exposição – oral,

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de um terceiro. Para tanto, o notarius valia-se de símbolos, abreviaturas, para poder rapidamente acompanhar por escrito as intenções do terceiro. (...) O tabularius atuava como um oficial – detentor de caráter de pessoa pública – encarregado de formular as listas de impostos entre os romanos, de registrar as informações que lhe eram trazidas sobre os nascimentos, casamentos, óbitos, etc. Além de inventariar as coisas de propriedade privada e pública, era encarregado de conservar e guardar – em arquivos próprios – todas estas informações. (...) Já o tabelio era um técnico do direito que redigia documentos relacionados com a atividade privada, por exemplo, contratos e testamentos, além de, em determinadas situações oferecer assessoramento jurídico aos particulares. O importante da atividade do tabelio refere-se ao fato de que ele não possuía uma função nem uma atividade vinculada oficialmente com o Estado romano. (FOLLMER, 2004, p.30-31)

Sendo assim, pode-se dizer que o tabelio foi o antecessor do atual notário.

Apesar da história relatar avanços da atividade notarial em diversos países

europeus, o passo mais importante para o enobrecimento da atividade notarial deu-

se na Itália, no século XIII, com a criação de um curso dedicado exclusivamente à

arte notarial, na Universidade Bolonha. Segundo Brandelli (1998, p.33), “ a

instituição de um curso especial, a arte notarial tomou um incremento tal a ponto de

os autores considerarem-na a pedra angular do ofício de notas do tipo latino, tendo

acrescentado uma base científica ao notariado”.

Como conseqüência natural da criação do curso na Universidade de Bolonha,

houve um impulso no surgimento das primeiras grandes obras sobre a arte notarial,

destacando autores como Cola di Rienzo, Petrarca, Brunetto Latini e outros

escritores.

Nesse processo evolutivo, deve-se ressaltar a importância do Direito

Canônico, que dentre suas valiosas contribuições, introduziu a fé pública dos atos

notariais, por influência do Papa Inocêncio III.

Resumindo a evolução do serviço notarial no tempo, Benício apresenta a

seguinte síntese:

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Até metade do século XIII, não se acham notários com a qualidade de oficiais públicos; mas às vezes, o ofício de notário via-se confundindo com o de juiz, por força das tradições históricas que, até aquele tempo, tinham tornado necessária a intervenção judicial para dar caráter público ao ato notarial. No entanto, os juízes, pela multiplicidade dos atos que deviam cumprir como notários, passaram a delegar tais funções a escrivães e chanceleres, os quais, paulatinamente, foram se tornando peritos na ciência das formas e constituíram uma classe separada e independente de oficiais públicos. A partir daí, operou-se mudança substancial na forma de prestação dos serviços notariais e registrais: a atividade deixou de ser emanação da autoridade judiciária (como nos primeiros tempos havia sido da autoridade sacerdotal), para tornar-se delegação imediata do poder soberano, conferindo, a atos e contratos, caráter de autenticidade própria dos atos de autoridade pública. (BENÍCIO, 2005, p.42)

Na França, foi Luis XVI quem concedeu independência ao serviço notarial.

Mas, a influência do direito francês espalhou-se pelo mundo somente após a

Revolução Francesa, tendo como exemplo o Código Civil Francês, que permitiu o

desenvolvimento do serviço notarial naquele país.

Após a unificação da Espanha,no século XIII, aquele país deu uma valorosa

contribuição ao desenvolvimento notarial, sendo destacado por Brandelli (1998) o

país que apresenta, possivelmente o serviço notarial mais desenvolvido do mundo.

Portugal ficou a reboque da história, agindo conforme as influências da Escola

de Bolonha e da França. Os autores portugueses concordam que foi no reinado de

D. Afonso III que o serviço notarial português foi impulsionado e estruturado, sob a

influência da Escola de Bolonha, da França e do Direito Canônico. Informa Almeida

Júnior (1897, p.67) que foi D.Afonso III “que expediu, depois da fundação da

monarchia , os primeiros regimentos dos tabeliães, datados de 12 e 15 de janeiro de

1305 (1343), os mesmos que vêm nos Livros das Leis e Posturas antigas do Archivo

da Torre do Tombo”. Posteriormente vieram as Ordenações Afonsinas, as

Ordenações Manoelinas e as Ordenações Filipinas, que continham em seu bojo

normas regulamentadoras da atividade notarial.

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Os notários portugueses, insatisfeitos com a regulamentação vigente,

apresentaram uma série de propostas para modernização da legislação daquele

país. Como conseqüência desse movimento foi promulgado o Decreto 23, em

dezembro de 1899, que garantiu as principais reivindicações da categoria,

especialmente a estabilidade e independência dos notários no exercício de suas

atribuições.

De lá para cá ocorreram diversas alterações na legislação lusitana,

destacando, dentre elas, a privatização das serventias extrajudiciais e a

promulgação do estatuto do notariado.

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2.1 A EVOLUÇÃO DO SERVIÇO NOTARIAL NO BRASIL

Pelo fato de o Brasil por ter sido colônia portuguesa durante mais de trezentos

anos, o serviço notarial brasileiro teve o seu desenvolvimento atrelado às influências

do notariado português.

Tratando da evolução do notariado no Brasil, Brandelli leciona:

No período histórico em que ocorreram os descobrimentos da América e do Brasil, período de grandes expedições navais, afirma Maria Cristina Costa Salles, o tabelião acompanhava as navegações, fazendo parte da armada das naves, tendo, pois, papel extremamente relevante no registro dos acontecimentos e, inclusive, do registro das formalidades oficiais de posse das terras descobertas. (BRANDELLI, 1998, p.45).

E continua:

O primeiro tabelião a pisar em solo brasileiro porém, foi Pero Vaz de Caminha, português que narrou e documentou minuciosamente a descoberta do Brasil e a posse da terra, com todos os seus atos oficiais, traduzindo-se no único documento oficial da descoberta do Brasil. (BRANDELLI, 1998, p.45).

Também não se pode falar em evolução legislativa no Brasil, durante o

período colonial, porque no Brasil adotava-se a mesma legislação vigente em

Portugal, tendo como última norma portuguesa vigente as Ordenações Filipinas.

Pelas mesmas razões, era o Rei quem nomeava, também, os agentes

públicos responsáveis pelo zelo dos interesses de Portugal no Brasil. Sendo assim,

os responsáveis pelo serviço notarial no Brasil eram escolhidos pessoalmente pelo

próprio Rei.

No período colonial, o registro de nascimento, óbito e casamento ficava a

cargo da Igreja, razão pela qual era chamado de registro paroquial. Os interessados

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procuravam diretamente os vigários responsáveis pelas respectivas paróquias, onde

eram providenciados os assentamentos em livros próprios. O registro tinha

reconhecido o seu valor jurídico, porque não havia o registro civil a cargo do Estado.

Em 1861 foi instituído o registro de casamento para os não católicos e, em

1888, foram implantados os registros para nascimento, casamentos e óbitos.

Com a Proclamação da República, o Estado separou-se da Igreja, sendo

implantado definitivamente o sistema de registro civil, com perda da eficácia do

registro paroquial.

A partir de outubro de 1827, com alteração no art. 1o das Ordenações

Filipinas, foi extinto o título de propriedade das serventias. O art 2o estabelecia a

vitaliciedade das serventias, bem como exigia que os seus titulares fossem pessoas

de reconhecida idoneidade moral. Entretanto, a lei dispensava a formação jurídica,

ou qualquer experiência na função, para quem desejasse candidatar-se a uma

serventia vaga.

Fassa (2004, p.41) entende que mesmo em 1827 os oficiais de registro não

eram funcionários públicos, embora fiscalizados pelo Poder Judiciário, concluindo

que “o regime jurídico do serviço registral durante o Império e durante parte da

República já era o de concessão, muito semelhante à delegação explicitada na

Constituição de 1988”.

As alterações legislativas acima citadas em nada contribuíram para o

desenvolvimento da atividade notarial no Brasil, uma vez que, se por um lado retirou

o direito de propriedade, por outro lado, assegurou a vitaliciedade. Brandelli (1998)

alerta que a alteração não impediu as vendas dissimuladas de serventias, e pecava

por não exigir formação jurídica, nem tempo de prática na função.

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As constituições brasileiras eram omissas, quanto à vitaliciedade dos titulares

das serventias. Somente a Constituição Federal de 1946 veio tratar da vitaliciedade

dos notários, conforme expressamente dispunha o art. 187: “São vitalícios somente

os magistrados, os Ministros do Tribunal de Contas, os titulares de ofício de justiça e

os professores catedráticos”.(BRASIL, 1994, p.464 ).

Destaca-se nesse processo evolutivo que, se por um lado não havia exigência

de formação jurídica, o que seria básico para o exercício da atividade notarial, por

outro lado, nos Estados expandiu-se a exigência de concurso público para o

exercício das funções notariais.

Na década de setenta do século XX, juristas importantes, como Cláudio

Martins e A. B. Cotrin Neto incentivaram o debate para a valorização da atividade

notarial, que segundo eles não vinha tendo a devida importância, diante da

complexidade de suas tarefas, especialmente no que tange à atuação no registro

imobiliário e civil. Esses autores destacavam a exigência de preparação técnica para

o exercício da atividade notarial, tendo em vista que as relações sócio-econômicas

estavam ficando cada dia mais complexas.

Brandelli, fazendo coro à realidade comentada, afirma:

Não é à-toa, mas fruto desta política notarial encravada malfadadamente em nosso Estado, que hoje reina entre nós a mais absoluta obscuridade a respeito da instituição notarial e de sua função, sendo ela por isso não raras vezes, objeto de devaneios infundados, que ora pretendem reduzir o alcance de sua função, ora pretendem, até mesmo, estirpá-la do seio social, sob os mais franzinos argumentos, em regra, desprovidos de fundamento jurídico. Não raras vezes aventou-se sobre a burocratização, a estatização dos serviços notariais, o que, note-se, não prosperou por fatores diversos, como por exemplo, a inviabilidade para os cofres públicos ou a diminuição da qualidade dos serviços, que prejudicaria o público usuário. (BRANDELLI, 1998, p.52)

Apesar das resistências, paulatinamente os Estados membros da federação

foram incorporando regras, visando à profissionalização do serviço notarial,

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garantindo maior segurança aos seus usuários. Destaca-se, nesse ponto, o fato de

inserirem a obrigatoriedade de concurso público para o ingresso no serviço notarial,

e exigir, também, o título de bacharel em direito.

Na pretensão de estatizar as serventias extrajudiciais, através da Emenda

Constitucional 7/77, ao Título V da Constituição vigente àquela época, foi incluído o

art. 206:

Art. 206 – Ficam oficializadas as serventias do foro judicial e extrajudicial, mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo. 1o. – Lei complementar, de iniciativa do Presidente da República, disporá sobre normas gerais a serem observadas pelos Estados e pelo Distrito Federal na oficialização dessas serventias. 2o. – Fica vedada até a entrada em vigor da lei complementar a que alude o parágrafo anterior, qualquer nomeação em caráter efetivo para as serventias não remuneradas pelos cofres públicos. 3o. – Enquanto não fixados pelos Estados e pelo Distrito Federal os vencimentos dos funcionários das mencionadas serventias, continuarão eles a perceber as custas e emolumentos estabelecidos nos respectivos regimentos. (BRASIL, 1994, p. 286).

Fassa (2004), ao comentar a Emenda Constitucional 7/77, afirma que a

alteração no texto constitucional reconheceu que as serventias extrajudiciais eram

de natureza privada. Não é possível estatizar aquilo que já é estatal. E, uma vez

estatizada, também estabeleceu claramente o vínculo funcional dos titulares das

serventias com o Estado.

A Emenda Constitucional n. 7/77 criou duas situações distintas. As serventias

ocupadas após a promulgação da Emenda eram estatais e as que já estavam

ocupadas, continuavam privadas, na expectativa da Lei Complementar de iniciativa

do Presidente da República que disciplinaria a oficialização das serventias.

Cinco anos após a Emenda Constitucional 7/77, sem que fosse editada a Lei

Complementar mencionada no caput do art. 206 do texto constitucional vigente à

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época, foi promulgada a Emenda Constitucional 22/82, que desestatizou as

serventias extrajudiciais, como se pode observar pela nova redação dada aos art.

206, 207 e 208:

Art. 206 – Ficam oficializadas as serventias do foro judicial mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares vitalícios ou nomeados em caráter efetivo ou que tenham sido revertidos a titulares. Art. 207. – As serventias extrajudiciais, respeitada a ressalva prevista no artigo anterior, serão providas na forma da legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, observado o critério da nomeação segundo a ordem de classificação obtida em concurso público de provas e títulos. Art. 208 – Fica assegurada aos substitutos das serventias extrajudiciais e do foro judicial, na vacância, a efetivação, no cargo titular, desde que investidos na forma da lei, contem ou venham a contar cinco anos de exercício, nessa condição e na mesma serventia, até 31 de dezembro de 1983. (BRASIL, 1994, p.307)

O art. 208 da Constituição de 1967, após a Emenda Constitucional 22/82,

estabeleceu, segundo Brandelli (1998), um privilégio no acesso à titularidade das

serventias extrajudiciais e do foro judicial. O referido dispositivo constitucional

garantiu aos substitutos das serventias extrajudiciais e do foro judicial, desde que

tivessem sido investidos na forma da lei e que tivessem cinco anos de exercício na

função até 31 de dezembro de 1983, o direito à efetivação no cargo de titular, em

caso de vacância.

O que Brandelli chama de privilégio, na verdade, era uma regra de transição

aceitável, evitando prejuízos para os que já estavam ocupando aquelas funções

havia considerável período de tempo.

Nas palavras de Fassa (2005), o texto constitucional não deixa dúvidas de

que as serventias de foro judicial continuaram oficializadas, tendo as suas funções

judiciárias ocupadas por servidores públicos efetivos. Por outro lado, as serventias

extrajudiciais, conhecidas como cartórios de registro de títulos e documentos,

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registro civil, notas e protesto, por exemplo, tiveram um tratamento diferenciado,

competindo aos Estados a decisão sobre a manutenção da oficialização, ou

mudança de regime. Para ele, houve delegação implícita do serviço público, nos

Estados em que não houve a oficialização das serventias extrajudiciais.

A indefinição no tratamento da matéria evidenciava a necessidade de uma Lei

Orgânica do Notariado para regulamentar e profissionalizar a atividade, porque não

é possível o desenvolvimento de uma ciência frente às constantes incertezas sobre

o adequado tratamento jurídico da matéria.

Durante a Assembléia Nacional Constituinte de 1988, o tema foi objeto de

calorosos debates, quando se debateu novamente a estatização das serventias

notariais extrajudiciais.Chamado a participar do debate, o Supremo Tribunal Federal,

segundo Costa (2005), deixou de apresentar sugestões porque as serventias

extrajudiciais não integravam o rol da competência do Poder Judiciário.

O notariado brasileiro somente veio a ter um tratamento constitucional

adequado, a partir da Constituição de 1988, quando efetivamente foi desvinculado

do Poder Judiciário, uma vez que o art. 236 da Constituição da República prescreve

que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por

delegação do Poder Público.

A Lei n. 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da Constituição da República,

solucionou definitivamente a dúvida se os titulares das serventias extrajudiciais

seriam, ou não, funcionários públicos. Ficou clara a qualidade de agentes públicos,

que prestam um serviço público à coletividade, mediante delegação, sem nenhum

vínculo funcional com a Administração Pública. A titularidade da serventia não é

cargo público.

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A interpretação mais adequada da norma constitucional é a que reconhece o

Poder Executivo, como responsável pela delegação, cabendo ao Poder Judiciário o

dever de fiscalizar o seu funcionamento.

O comentado dispositivo constitucional determina, ainda, que a

regulamentação das atividades notariais e de registro, bem como as questões

pertinentes à responsabilidade civil, administrativa e penal dos agentes delegados

seriam disciplinadas em lei ordinária federal, o que também se fez através da Lei n

8935/94.

Ao longo desta pesquisa serão discutidos todos os aspectos do art. 236 da

Constituição da República, bem como os aspectos controvertidos do serviço notarial.

O texto constitucional e a sua regulamentação através Lei n. 8935/94, não foi

suficiente para suprir todas as lacunas e conflitos inerentes à atividade notarial, mas

foi um avanço para o reconhecimento da sua importância para a sociedade.

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3 A NATUREZA JURÍDICA DO SERVIÇO NOTARIAL À LUZ DO ARTIGO 236 DA CRFB

O texto original da Constituição de 1967, assim como a Emenda

Constitucional n. 1 de 1969, consideravam as serventias extrajudiciais como serviços

privados, desvinculadas das serventias judiciais. Posteriormente a Emenda

Constitucional 7/1977 estatizou as serventias extrajudiciais que foram, novamente

desestatizadas pela Emenda Constitucional 22/1982. Por último, o artigo 236 da

Constituição de 1988, definiu que o serviço notarial será exercido de forma privada,

mediante delegação estatal.

Pela leitura do caput do art. 236, fica evidente que a delegação não é uma

faculdade do Estado. O serviço notarial somente poderá ser exercido mediante

delegação, ficando o Estado impedido de prestar esses serviços diretamente, como

será demonstrado mais adiante.

Sendo exercido em caráter privado, por delegação do Poder Público,

divergências ocorreram sobre a sua natureza jurídica.

Quanto a esse aspecto, a maioria da doutrina e da jurisprudência, reconhece

que os serviços notariais, apesar de exercidos de forma privada, têm natureza de

serviço público. Ademais, reconhecem a qualidade de agentes públicos lato sensu,

dos notários, tabeliães e registradores.

Segundo De Plácido e Silva, notário é,

na linguagem técnica do Direito, utilizado para designar o oficial público, a quem se comete o encargo de instrumentar, isto é, de escrever em seus livros de notas, no estilo e na forma legal, todos os atos jurídicos e contratos ali levados pelas partes interessadas. (...)

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O notário escreve ou formula os termos ou instrumentos, geralmente chamados de escrituras, segundo os dados ou apontamentos (notas) fornecidos pelos interessados. Mas é de sua obrigação enquadrar os mesmos atos na forma legal, seguindo as regras e exigências instituídas pela lei a fim de que os mesmos atos ou contratos não possam ser inquinados de irregulares. (SILVA, 1999, p.559 )

Meireles, tratando dos serviços descentralizados, assim leciona:

Serviços descentralizados são todos aqueles que a Administração Pública transfere a sua titularidade ou a sua execução, por outorga ou delegação, a autarquias, entidades paraestatais, empresas privadas ou particulares individualmente. Há outorga quando a Administração cria uma entidade (autárquica ou paraestatal) e a ela transfere, por lei, determinado serviço público ou de utilidade pública; há delegação quando a Administração transfere, por contrato (concessão) ou ato unilateral (permissão ou autorização), unicamente a execução do serviço, para que o delegado o preste ao público em seu nome e por sua conta e risco, nas condições regulamentares e sob controle do delegante. (MEIRELES, 1996 p. 267).

Segundo Faria,

pode afirmar que serviço público é aquele que o Estado, por meio de normas jurídicas próprias, diz ser. Dispondo a lei que determinado serviço é público ou de interesse público, não há dúvida de que ele é público, ainda que prestado por particular em virtude de delegação. (FARIA, 2004, p. 293).

Interpretando o conceito de serviço público de Di Pietro, não há dificuldade

em admitir os serviços notariais como serviços públicos, como se pode observar:

Daí nossa definição de serviço público como toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público. (DI PIETRO, 2005, p. 99).

Silva conclui que

as serventias de notas e de registro público são organismos privados que prestam um serviço público , desempenham uma função pública. E não há nada de extraordinário nisso. Ao contrário, o direito positivo dos países ocidentais acolhe atualmente com significativa generalidade, a possibilidade

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de que os particulares possam colaborar com a Administração Pública. (SILVA, 2005, p. 874)

Para Silva (2005) o fato do serviço notarial ser atividade privada não

descaracteriza a natureza pública do serviço notarial, porque é através dele que o

Estado intervém em certos atos da vida privada para conferir-lhe mais segurança

jurídica.

Benício (2005, p.72) enfatiza: “no que tange ao direito objetivo, com advento

da Constituição Federal de 1988 e da Lei 8935/1994, não resta mais dúvida de que

notários e registradores constituem agentes públicos por delegação categorizados

em um regime todo especial”.

No mesmo sentido, Ceneviva (2002, p. 23) informa que “a Lei 8935/94

resolveu o problema, afirmando que notários e registradores são profissionais do

direito, mas praticantes de serviço do interesse público”.

Os princípios que norteiam a atividade notarial, previstos na Lei n. 8.935/94

relacionam-se diretamente com os princípios constitucionais, segundo o art. 37 do

texto constitucional, que regem a Administração Pública, quais sejam: legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O princípio da legalidade é aplicável ao serviço notarial, porque a atividade

está vinculada ao cumprimento das leis e regulamentos que regem a prática dos

atos notariais. Os serviços de registro público são regulados pela Lei n. 6.015, de

1976, conhecida como Lei dos Registros Públicos. Os serviços de protesto são

regidos pela Lei n. 9.492/97, que regulamenta os serviços concernentes ao protesto

de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências. Todas as

atividades são regulamentadas, seja supletiva, ou diretamente, pela Lei n. 8.935/94,

conhecida como lei orgânica do serviço notarial.

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A impessoalidade, marca da Administração Pública, significa que o notário ou

tabelião, quando da elaboração dos documentos notariais, não pode defender os

interesses de um dos contratantes, devendo permanecer eqüidistante, limitando-se a

prestar orientação quanto aos aspectos da legalidade e formalidade dos atos

negociais que motivaram a sua contratação.

A moralidade caracteriza-se pela exigência da conduta ilibada do notário, que

deverá ser demonstrada no ato da delegação. A moralidade e a impessoalidade são

requisitos essenciais para a confiabilidade dos serviços prestados.

A eficiência caracteriza-se pela rapidez e correção dos serviços prestados,

bem como o preenchimento das formas exigidas para a validade do ato jurídico, de

tal forma que possa ser garantida a eficácia jurídica que se pretende com o

assessoramento do notário.

Deve-se destacar a fé pública do notário, como um dos pilares de sustentação

da natureza pública do serviço notarial. Sendo assim, presume-se verdadeiro o

documento lavrado pelo tabelião, até que se prove o contrário (presunção juris

tantum).

Para Walter Ceneviva, a fé pública:

a) corresponde à especial confiança atribuída ao que o delegado declare ou faça, no exercício da função, com presunção de verdade; b) afirma a eficácia de negócio jurídico ajustado com base no declarado ou praticado pelo registrador e pelo notário. (CENEVIVA, 2002, p.30 )

Por se tratar de serviço delegado, alguns de utilização compulsória pelo

cidadão, como exemplo os registros civis e imobiliários, pode-se dizer, na lição de

Reis “o Estado responde pelos atos praticados pelos seus prepostos ainda que

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erigidos através da função delegada, que na realidade é uma longa manus do poder

estatal”. (REIS, 1994, p.19).

A competência para fiscalizar os serviços notariais é do Poder Judiciário, que,

no exercício desta atividade, poderá estabelecer normas de sistematização dos

trabalhos, verificar o cumprimento de obrigações acessórias, fiscais, trabalhistas e

administrativas. A fiscalização deve ser a mais ampla possível, não se restringindo

ao cumprimento de formalidades nos atos praticados pelos notários e seus

prepostos, para efetivamente garantir segurança aos usuários do serviço.

Os atos da responsabilidade pessoal dos prepostos também sofrem a ação

fiscalizadora do Poder Judiciário. Entretanto, esse Poder não pode impor sanções

administrativas aos prepostos dos titulares da serventia. A relação entre titular da

serventia e seu preposto é regida pela legislação trabalhista, sendo a Justiça do

Trabalho o foro para dirimir quaisquer avenças entre o empregador e o empregado.

Nalini, citado por Gonçalves, conceitua o notariado brasileiro, como tipo latino.

O notário é um funcionário público a título “sui generis”, pois remunerado diretamente pela parte, mediante custas e emolumentos. Além disso, é titular de fé-pública e está vinculado ao Poder Judiciário, que lhe fiscaliza os atos de ofício e exerce disciplina administrativa. A Constituição da República não inovou a respeito. A delegação apenas restou explicitada na lei fundamental. Continuam os notários exercentes de função pública. E é simples concluir que, não fora pública a função exercida e não haveria necessidade de delegação. O Poder Público apenas delega aquilo que detém. (GONÇALVES, 2004, p. 471 )

O Estado preservou o direito de delegar e fiscalizar o exercício da atividade

notarial e de registro, especialmente pela sua importância na organização da

sociedade, destacando os registros de propriedade, títulos e documentos, pessoas

naturais e jurídicas, além dos protestos de documentos de dívida, que em muitos

casos é procedimento administrativo preliminar para intentar uma ação judicial, como

no caso do requerimento judicial de falência. Ao preservar para si os poderes de

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delegação e fiscalização conservou a natureza pública do serviço, permitindo que os

particulares desempenhassem os serviços em estreita obediência à lei e aos

princípios constitucionais disciplinadores da matéria.

3.1 A ATIPICIDADE DA DELEGAÇÃO DO SERVIÇO NOTARIAL À LUZ DA

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988

O serviço notarial tem por finalidade proporcionar segurança jurídica aos atos

da vida civil de interesse do próprio Estado, razão pela qual mereceu tratamento

diferenciado na Constituição da República.

Pelas suas peculiaridades, não pode ser comparado aos serviços públicos

concedidos, autorizados e permitidos previstos no art. 175 do texto constitucional,

tais como, telefonia, energia elétrica, água e transporte público.

A concessão dos serviços públicos, nos termos do art. 175 da Constituição da

República de 1988 foi regulamentada pela Lei n. 8.987/95, de 14 de fevereiro de

1985. Nos termos da legislação regulamentadora, competirá ao titular do serviço (

União, Estados, Distrito Federal ou Município, conforme o caso) decidir sobre a

concessão do serviço, que passará a ser prestado pelo particular, respeitando os

termos da lei que autorizar a transferência, bem como deverá ser precedida de

licitação.

Genericamente, pode-se conceituar a concessão do serviço público como a

transferência da execução de determinado serviço público ao particular. Não há

transferência da titularidade do serviço, mas a execução do serviço, devendo o

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poder concedente, com o auxílio dos usuários fiscalizar a qualidade dos serviços

públicos, destacando a sua eficiência, modicidade e continuidade.

O art. 2º da Lei n. 8.987/95 conceitua três espécies de concessão de serviço

público:

Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: (...) II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado; III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado; IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco. (BRASIL, 2004,p.851)

Em qualquer das espécies de concessão de serviço público, após a

conclusão do processo licitatório deverá ser celebrado contrato administrativo

respeitando o que determina a Lei n. 8987/95 (Lei das Concessões de Serviços

Públicos) e a Lei n. 8666/93 (Lei das Licitações e Contratos Administrativos).

A permissão de serviço público, respeitando as normas legais e do edital, tem

como diferença das demais formas de concessão, a precariedade, porque será

outorgada através de contrato de adesão, onde constará a possibilidade de

revogação unilateral do contrato pelo poder concedente, nos termos do art. 40 da Lei

n. 8987/95.

A Lei n. 9.074/ 95, de 07 de julho de 1995, alargou a aplicação da Lei n.

8987/95, devendo a mesma ser aplicada também a outros serviços de competência

da União, como pode-se observar:

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Art. 1º Sujeitam-se ao regime de concessão, ou, quando couber, de permissão, nos termos da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes serviços e obras públicas de competência da União: I - (vetado); II - (vetado); III - (vetado); IV - vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública; V - exploração de obras ou serviços federais de barragens, contenções, eclusas, diques e irrigações, precedidas ou não da execução de obras públicas; VI - estações aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso público, não instalados em área de porto ou aeroporto, precedidos ou não de obras públicas; VII - os serviços postais. (BRASIL, 2006, p.55 )

Feita esta breve exposição sobre a concessão dos serviços públicos, nos

termos do art. 175 da Constituição da República, serão apresentadas as distinções

que permitem concluir pela atipicidade da delegação dos serviços notariais, à luz do

art. 236 do texto constitucional vigente.

A primeira distinção dá-se pela forma de ingresso no serviço. Enquanto os

notários e registradores são investidos na delegação após a aprovação em concurso

público de provas e títulos, assemelhando-se à forma de contratação de servidores

públicos, as concessões de serviço público operam nos termos da lei de concessões

e da lei de licitações.

Os titulares de serventias extrajudiciais, aprovados em concurso público,

obtêm delegação vitalícia do serviço público, os demais serviços públicos são

regidos por contratos administrativos, por prazo determinado.

No que tange à remuneração, enquanto os demais serviços públicos são

remunerados por preço público (tarifa), os serviços notariais são remunerados por

emolumentos. Segundo a Sumula 545 o Supremo Tribunal Federal, os emolumentos

têm natureza jurídica tributária, equiparando-se às taxas.

O Estado pode explorar diretamente todos os serviços públicos previstos no

artigo 175 da Constituição, tais como os serviços de água, luz e telefone. Entretanto,

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no que diz respeito ao serviço notarial, o texto constitucional determinou

expressamente que ele será exercido na forma privada, com fiscalização do Poder

Judiciário.

Cretela Júnior (1994, p.4612) leciona que “neste caso, regra jurídica

constitucional expressa determina que o Poder Público, mediante delegação,

outorgue o exercício dos serviços notariais e de registro ao particular”.

No mesmo sentido, manifestando-se acerca da obrigatoriedade do Estado

delegar ao particular o serviço notarial, Martins, assim se manifestou:

O certo é que os serviços serão exercidos, em face de delegação do Poder Público, por particulares, isto é, de um lado, o Poder Público obriga-se a delegar e, de outro, somente pessoas do segmento privado poderão exercer tais funções, vedando-se à União exercê-lo direta ou indiretamente. A dicção é suficientemente clara: “são exercidos em caráter privado, primeira parte do discurso; “por delegação do Poder Público”, segunda parte. (MARTINS, 1988, p. 82)

Para Silva

A ordem constitucional vigente muda, assim radicalmente, a orientação do regime de prestação desses serviços, se nos lembrarmos que a Constituição de 1969, revogada, apontava precisamente para a oficialização geral das serventias, mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos (art. 206); mas a efetivação da medida ficou dependendo de lei complementar e de outras providências (previstas nos parágrafos daquele dispositivo). Essas providências não foram tomadas – omissão de que resultou a inaplicabilidade efetiva do dispositivo.( SILVA, 2005, p.874)

Ficando clara a obrigatoriedade da delegação do serviço estatal, resta saber:

os serviços notariais são de natureza contratual, ou extracontratual? Trabalhar esta

questão é demonstrar mais uma atipicidade do serviço notarial.

Recordando outros serviços públicos, sempre que o particular usufruir os

serviços de água, luz, telefone e transporte público, por exemplo, celebra um

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contrato com a concessionária de serviço público, estando, ainda, todos aqueles

serviços regulados sob a égide do Código de Defesa do Consumidor.

Essa situação não se vislumbra em todos os serviços notariais. Os notários

praticam atos de natureza extrajudicial, vinculados ao princípio da legalidade.

Cumprem normas estatutárias, independentemente de hierarquia, sejam elas leis em

sentido formal, portarias ou instruções da Corregedoria do Poder Judiciário.

A aquisição da propriedade imobiliária, cuja transferência opera-se após o

devido registro da escritura de compra e venda no Cartório de Registro de Imóveis

do município onde está localizado o imóvel, é um exemplo da inexistência de

contrato entre o oficial do registro e o usuário do serviço notarial. É bom lembrar que,

em Municípios maiores, é comum a divisão territorial da competência dos Cartórios

de Registro de Imóveis.

Aplica-se a mesma regra ao registro civil de nascimento, casamento e óbito.

O contrato significa um ato de vontade celebrado entre as partes. Cumprir,

compulsoriamente uma obrigação legal, não constitui contrato entre o usuário e o

notário. Não existindo contrato, não existe relação de consumo.

Por outro lado, ao administrado é permitido escolher o Cartório de Notas onde

será lavrada uma procuração, uma escritura pública, uma ata notarial, uma

declaração de união estável, ou um testamento, por exemplo. Nestes casos, pode-se

identificar um contrato entre o notário e o seu cliente, no caso consumidor. Esse

contrato, por sua vez, terá uma obrigação de resultado.

Como se vê, não se pode falar que todo serviço notarial é contratual, nem

afirmar o contrário, ou seja a impossibilidade de contratar um serviço notarial.

Existem exceções que devem ser observadas para que, em caso de apuração de

responsabilidade civil, adote-se a postura mais adequada ao caso concreto.

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Esta discussão traz à baila a polêmica sobre a aplicação do art. 22 da Lei

8.078, que sujeita os serviços públicos às normas do Código de Defesa do

Consumidor. Assim dispõe o texto legal:

Art. 22 – Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e reparar os danos causados, na forma prevista neste Código. (BRASIL, 2004, p.1012)

Denari, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor,

assim se manifestou sobre a sua aplicação aos serviços públicos:

“Nos termos do art. 3º do CDC, as pessoas jurídicas de direito público – centrazlizadas ou descentralizadas – podem figurar no pólo ativo da relação de consumo, como fornecedoras de serviços. Por via de conseqüência, não se furtarão ocupar o pólo passivo da correspondente relação de responsabiidade. O art. 22 faz remissão ás empresas – rectius empresas públicas – concessionárias de serviços públicos, entes administrativos com personalidade de direito privado, mas por extensão é aplicável às sociedades de economia mista, fundações e autarquias, posto que não nominadas, sempre que prestarem serviços públicos”.

Comentando o art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, Nunes alerta:

Evidente que no atual estágio da aplicação da lei consumerista no Brasil e tendo em vista a amplitude do conceito de fornecedor e prestador de serviços, bem como da natureza dos serviços públicos, o embate prosseguirá. De nossa parte temos de colocar que, da maneira como o CDC foi redigido e tendo em vista a amplitude dos conceitos como ele os definiu, somos pelo mesmo entendimento dos autores do Anteprojeto, no sentido de que a norma abrange praticamente todas as situações envolvendo os serviços públicos. Fazemos, no entanto, uma ressalva, conforme a seguir o diremos. Porém, antes justifiquemos esse posicionamento. (...)

Nossa ressalva fica para a necessidade que existe, quando se trata de questão envolvendo o administrado-contribuinte, de levar em consideração as outras leis do sistema constitucional brasileiro aplicáveis no que for compatível com o subsistema da Lei n. 8.078. (NUNES, 2000, p. 316-317)

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Concordando com os ensinamentos de Nunes, quando o cidadão procura um

cartório de registro civil para registrar o seu filho, ou o óbito de algum parente e até

mesmo para casar-se, não está celebrando contrato com o prestador de serviço

público. Neste caso, comparece na condição de administrado perante um

representante da administração pública e pratica um ato imposto pela lei.

Por outro lado, quando o usuário do serviço notarial contrata o notário para

elaborar uma ata notarial, uma procuração, uma declaração, um testamento, neste

caso ele celebra um contrato com o notário.

O que caracteriza o contrato nestes casos? A livre manifestação da vontade

do usuário que procurou o serviço notarial para fazer algo de seu interesse, não

imposto por lei. Nestes casos o usuário agiu espontaneamente, realizou uma

vontade ou um desejo. Sendo assim, fica evidente a relação contratual entre o

usuário e o notário, conseqüentemente vislumbra-se a relação de consumo.

Benício destaca

A falta de nitidez com que a matéria – concernente à delegação das atividades notariais e de registro – está tratada na Constituição Federal (e, de resto, na incompleta Lei 8.935/94) parece ser um dado inafastável. Esse fato impossibilita a acomodação pura e simples dos serviços aqui tratados, na esfera pública ou privada, categorizando-se no regime das concessionárias ou no sistema de ocupação de “repartições públicas”. Nessa linha de entendimento, as ponderações enunciadas nos induzem à constatação de que a delegação de atividades, pelo Estado, a entes de direito privado, com o intuito de que estes desempenhem certas tarefas, não representa o afastamento puro e simples do regime de direito público que caracteriza a atuação estatal. Em meio a esse conflito entre a necessidade de dotar o Estado de formas mais ágeis e eficientes de atuação e impossibilidade de os cartórios serem absolutamente livres de qualquer amarra (em face da sua ligação com o Poder Público), fica o desafio de conciliar os elementos de direito público e de direito privado que se apresentam simultaneamente. (BENÍCIO, 2005, p.89)

Pelo que foi exposto neste capítulo ficou clara a natureza pública do serviço

notarial, apesar dos serviços serem executados por particulares. Ficou, ainda

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demonstrado que a delegação dos serviços notariais divergem das concessões dos

demais serviços públicos nos termos do art. 175 da Constituição Federal.

Dentre as divergências, destaca o fato da delegação ser concedida por meio

de concurso público de provas e títulos, exigindo que o candidato seja bacharel em

direito, ou segundo o parágrafo segundo do artigo 15 da Lei 8.935/94, poderão

também participar do primeiro concurso profissionais que, mesmo não sendo

portadores do título de bacharel em direito, tenham completado dez anos de

exercício em serviço notarial ou de registro.

Outra atipicidade diz respeito à forma de remuneração. Enquanto os demais

serviços públicos privatizados são remunerados por tarifa, os serviços notariais são

remunerados por emolumentos que segundo o STF, têm natureza tributária de taxa.

Em outras palavras, ao notário, pessoa física, foi concedido um poder excepcional

de cobrar tributo pelos seus serviços, tendo direito à toda a receita tributária

arrecadada.

Destaca-se, ainda que a relação entre o notário e o Estado não é contratual.

A natureza jurídica é legal, aproximando-se da natureza estatutária do servidor

público. Em contrapartida, as relações entre as empresas prestadoras de serviço

público, bem como os portadores de autorização e permissão para execução de

serviços públicos, mantêm com o Estado uma relação contratual.

Quanto à duração da delegação, ela é vitalícia, já as concessões, permissões

e autorizações de serviços públicos concedidas pelo Estado, nos termos da Lei n.

8.987/95, têm o prazo de duração fixado em contrato.

Todos os serviços públicos prestados pelas concessionárias de serviços

públicos (água, luz, telefone, transporte público) estão submetidos ao Código de

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Defesa do Consumidor, mas relativamente aos serviços notariais, nem todos eles

estão sujeitos ao mesmo Código.

Diante de tantas atipicidades, pode-se entender porque muitas questões

envolvendo os serviços notariais ainda não encontraram solução na doutrina e com

posições divergentes na jurisprudência dos Tribunais pátrios.

Uma coisa é certa, perante um caso concreto, não se pode buscar a solução

em fórmulas preestabelecidas, ou em conceitos plenamente sedimentados. Pode-se

dizer que nem sempre haverá uma “caixinha”, onde estará guardada a solução do

problema, e nem sempre o que foi útil na solução de casos análogos, será

adequado, quando se tratar de serviço notarial.

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4 A EVOLUÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O homem sempre tentou resgatar as eventuais ofensas sofridas pela sua

pessoa, ou seu patrimônio. No primórdio da humanidade, o simples prejuízo

ensejava o “direito” de vingança contra aquele que supostamente o tivesse causado

o prejuízo. A questão era resolvida entre as partes, sem a interferência do Estado.

Naquela época, o lesado não buscava a reparação pecuniária. O devedor

pagava com o próprio corpo os prejuízos causados ao credor. Ao maior credor cabia

o direito de escolher qual a parte do corpo do devedor a qual lhe satisfaria o crédito,

havendo, assim, uma divisão do cadáver entre os credores.

Com o desenvolvimento das relações sociais, a era da vingança foi

substituída pela composição voluntária. Nessa fase, segundo Gonçalves (2003, p.4-

5), “o ofensor paga um tanto ou quanto por membro roto, por morte de um homem

livre ou de um escravo, surgindo, em conseqüência, as mais esdrúxulas tarifações”.

Assim, pouco a pouco o Estado foi assumindo para si a responsabilidade

exclusiva de punir, tanto nos casos de responsabilidade civil, quanto nos casos de

responsabilidade penal.

Essa evolução culminou com a Lex Aquilia, verdadeiro divisor de águas no

desenvolvimento das teorias da responsabilidade civil no direito, que até hoje exerce

forte influência, especialmente, nos civilistas, que tinha como fundamento para

aplicação dos princípios da responsabilidade, a culpa do agente infrator.

O nome Lex Aquilia é uma homenagem ao tribuno Lúcio Aquilio que propôs a

realização de um plebiscito para a aprovação de uma lei que estabelecia que as

condenações em caso de reparação civil deveriam ser proporcionais aos danos

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causados, substituindo a regra então vigente que impunha penas fixas a quem

cometesse, eventualmente, um ato ilícito.

Sobre a origem da Lex Aquilia, leciona Pereira:

Sem haver derrogado totalmente a legislação anterior, a Lei Aquilia, é originária de um plebiscito proposto pelo tribuno Aquilio, conforme se vê de um texto de Ulpiano, in Digesto, Livro IX, fr.1, par. 1: Quae lex Aquilia plebiscitum est, cum eam Aquilius tribunus plebis a a plebe rogaverit. Abre, em verdade, novos horizontes à responsabilidade civil, posto não haja enunciado um princípio geral. Seu maior valor consiste em substituir as multas fixas por uma pena proporcional ao dano causado. (PEREIRA, 1997, p.4)

E continua o autor:

Não obstante a importância da Lei Aquilia, o Direito romano “permaneceu fiel às suas origens, somente intervindo o legislador para resolver os casos de espécie, admitindo-se a responsabilidade civil somente onde existem esses casos” (Mazeaud n 26). Cumpre, todavia, “reconhecer” que a multiplicação dos casos particulares levou a admitir, ”no último estágio do direito romano”, a evolução que abrangia a maior parte dos prejuízos materiais, mas também os “prejuízos morais”(Mazeaud n 26). Avança a necessidade de reparação mesmo que inexistisse um corpo lesado (corpus laesum), encontrando-se fora da Lei Aquilia solução mediante a utilização da actio utilitatis causa (Leonardo Colombo, Culpa Aquiliana, n 39”, p.114)”. (PEREIRA, 1997, p.4)

Pode-se dividir o estudo da responsabilidade civil em duas grandes teorias: a

teoria da responsabilidade subjetiva (dependente de apuração de culpa do agente),

inspirada na Lei Aquilia e a teoria da responsabilidade objetiva (não se cogita a

culpa, mas somente a existência de um nexo causal entre a ação e o dano).

A teoria clássica da responsabilidade subjetiva exige, como elementos, para

configuração da obrigação de indenizar, a ocorrência de um dano, culpa do autor e o

nexo causal entre a conduta do autor e o dano sofrido pela vítima.

Sobre a evolução destas duas teorias e a importância atual da

responsabilidade objetiva (sem culpa), Pereira destaca:

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O fundamento maior da responsabilidade civil está na culpa. É fato comprovado que se mostrou esta insuficiente para cobrir toda a gama dos danos ressarcíveis; mas é fato igualmente comprovado que, na sua grande maioria, os atos lesivos são causados pela conduta antijurídica do agente, por negligência ou por imprudência. Aceitando, embora, que a responsabilidade civil se construiu tradicionalmente sobre o conceito de culpa, o jurista moderno convenceu-se de que o ofensor procedeu antijuridicamente, a deficiência de meios, a desigualdade de fortuna, a própria organização social acabam por deixar larga cópia de danos descobertos e sem indenização. A evolução da responsabilidade civil gravita em torno da necessidade de socorrer a vítima, o que tem levado a doutrina e a jurisprudência a marchar adiante dos códigos, cujos princípios constritores entravam o desenvolvimento e a aplicação da boa justiça. Foi preciso recorrer a outros meios técnicos, e aceitar, vencendo para isto resistências quotidianas, que em muitos casos o dano é reparável sem o fundamento da culpa. (PEREIRA, 2003, p.556)

O Código Civil de 1916 reconhecia expressamente no art. 159 a

responsabilidade subjetiva como norma geral. No Código de 2002, o art. 186,

segundo Cavalieri (2003) manteve a culpa como fundamento da responsabilidade

civil, acolhendo, em alguns casos, a teoria da responsabilidade objetiva, como se

depreende da leitura dos arts. 927 e 931.

A expressão, conduta culposa, adotada por Cavalieri é mais adequada que a

expressão culpa, para caracterizar os elementos da responsabilidade subjetiva. Por

conduta culposa, o mencionado autor entende como

o comportamento voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo conseqüências jurídicas. Tem como característica física a ação (sua forma mais comum) ou omissão (frente a um dever jurídico) e como elemento psicológico a vontade. (CAVALIERI, 2003, p. 44)

A conduta culposa lato sensu pode ser caracterizada pelo dolo ou culpa. O

dolo é proveniente de uma conduta humana deliberada, proposital. O agente agiu

com o intuito de alcançar um resultado, neste caso, prejudicial a um terceiro.

A culpa, stricto sensu, pode se originar de três modalidades de conduta:

negligente, imprudente ou imperita.

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A negligência significa falta de cuidado, ou deixar de praticar um ato com a

atenção que ele exige, como exemplo, um médico que se ausenta do plantão sem

deixar substituto, ou um médico que, chamado para atender um paciente, mas se

recusa a atender.

A imprudência fica demonstrada através do agir desrespeitando limites e

normas impostas, tais como um motorista que avança um sinal, ou dirige em

excesso de velocidade numa avenida, ou um médico que não toma certas

precauções durante um ato cirúrgico, confiando excessivamente nas suas

habilidades.

A imperícia relaciona-se com a ausência de capacidade técnica, como, por

exemplo, um médico especialista em cirurgia ortopédica, que decide fazer cirurgia

plástica em seus pacientes. Apesar de ser médico, não tem domínio da técnica

adequada inerente à cirurgia plástica. Quanto às cirurgias ortopédicas, não se pode

dizer o mesmo, porque é portador do título de especialista.

Demonstrado que a conduta culposa causou dano ao patrimônio (material ou

moral) de outra pessoa, resta evidente a obrigação de indenizar, decorrente de uma

conduta culposa, como exigem os preceitos da responsabilidade subjetiva.

Além da conduta culposa e do nexo causal, existe um terceiro elemento

essencial para originar a obrigação de indenizar, que é o dano. Não existe obrigação

de indenizar se não houver dano juridicamente protegido.

Cavalieri (2003, p.88) destaca que “o dano é, sem dúvida, o grande vilão da

responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em

ressarcimento, se não houvesse o dano”.

As grandes transformações sociais, especialmente após a revolução

industrial, foram responsáveis pelo desenvolvimento da teoria da responsabilidade

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objetiva. Diante da complexidade das novas relações contratuais, ou

extracontratuais, da dinâmica dos negócios, logo foi constatado que exigir a prova

de culpa para impor a reparação de algum prejuízo não vinha satisfazendo as

necessidades das pessoas, favorecendo exatamente aqueles infratores,

normalmente em condições sociais mais favoráveis.

A grande distinção entre a responsabilidade subjetiva (com culpa) e a

responsabilidade objetiva (sem culpa), está no fato de não se apurar se houve

conduta culposa do causador do dano. Verifica-se somente a existência de um nexo

causal, entre a conduta e um dano juridicamente protegido.

A pedra de toque da responsabilidade objetiva é o risco de uma atividade.

Parte-se do princípio de que, se a parte aufere benefícios com uma atividade, deve

responder por todos os riscos inerentes àquela atividade. Segundo Cavalieri (2003,

p.146), “risco é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer que aquele

que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela

decorrente”.

Os conceitos de dano e nexo causal são rigorosamente os mesmos aplicados

ao estudo da responsabilidade subjetiva.

É sabido que a culpa da vítima, força maior ou caso fortuito são excludentes

de responsabilidade. Demonstrada a ocorrência de uma destas circunstâncias, a

parte que está sendo acusada de ter causado dano a outrem ficará isenta da

obrigação de indenizar, ou em caso de concorrência de causas, a indenização

devida será reduzida na proporção da contribuição da vítima para o dano.

Entretanto, o Direito brasileiro consagra alguns riscos sociais, que serão

cobertos, independentemente da culpa do agente, ocorrência de caso fortuito ou

força maior, tendo como exemplos desta situação, as indenizações previdenciárias

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decorrentes de acidente do trabalho e recebimento das indenizações pagas pelo

conhecido seguro obrigatório de veículos. Nesses casos, a vítima,

independentemente de culpa, caso fortuito ou motivo de força maior, será

indenizada. Esta teoria é para alguns autores a teoria dos riscos sociais.

O Código de Defesa do Consumidor teve importância considerável na

evolução da responsabilidade civil no direito brasileiro. Destaca-se a consagração da

teoria da responsabilidade objetiva, a possibilidade de inversão do ônus da prova, o

reconhecimento da hipossuficiência do consumidor, bem como a previsão expressa

da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, abrindo mais uma via para

que o consumidor seja ressarcido dos prejuízos, eventualmente sofridos.

Outra importante disposição do Código de Defesa do Consumidor interfere

diretamente na responsabilidade civil do Estado. O art. 22 do CDC impõe a

aplicação das normas previstas no Código aos serviços públicos prestados

diretamente ou indiretamente pela Administração Pública. Assim prescreve o art. 22

do aludido Código:

At. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único – Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código. (BRASIL, 2004, p.1012 )

Esse dispositivo legal deve ser apreciado com a devida cautela, para evitar

que através de sua interpretação literal, ocorra confusão entre os conceitos de

consumidor e administrado.

O que é regulamentado pelo Direito Administrativo, não é relação de

consumo, portanto, está fora do alcance do Código de Defesa do Consumidor. Por

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outro lado, não restam dúvidas de que a relação entre as empresas prestadoras de

serviço público e autarquias com os seus clientes, são típicas relações de consumo,

razões pelas quais devem ser aplicadas as normas do Código de Defesa do

Consumidor.

Na prestação dos serviços públicos de telefonia, eletricidade, transporte

público, por exemplo, aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor ao

caso concreto. Contudo, quando o administrado solicita ao Estado a prestação de

um serviço público, como poda de árvores, desentumpimento de boca-de-lobo,

emissão de certidões, a aferição do dever de indenizar deverá ser aferida de acordo

com as normas que regem a responsabilidade civil do Estado.

A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos serviços notariais

será discutida oportunamente.

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5 EVOLUÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

O célebre caso Blanco, ocorrido na França, em 1873, é o marco da profícua

evolução, na doutrina e na jurisprudência, da questão da responsabilidade civil do

Estado.

No período precedente à Revolução Francesa, os soberanos proclamavam

que os seus poderes eram emanados de Deus. Portanto, nesta qualidade, eram

infalíveis, razões pelas quais nunca erravam, nem faziam mal aos outros na

condução dos interesses do Estado. Logo, se eram infalíveis, se não erravam, se

não causavam dano a ninguém, não davam causa à responsabilização.

Mesmo após a Revolução Francesa, o Estado liberal não admitia a

responsabilidade civil do Estado. Para alguns, a independência dos Poderes não

concedia ao Poder Judiciário o direito de condenar o Estado a ressarcir terceiros de

prejuízos, especialmente se o ato fosse praticado pelo Poder Executivo, por consistir

em uma violação da independência e soberania de um dos Poderes do Estado.

Esta situação começou a mudar em 1873, quando o Tribunal de Conflitos

Francês foi acionado para decidir se a competência do julgamento do caso Blanco

seria do juiz comum, ou do juiz administrativo. Faria destaca que

O primeiro caso de reconhecimento de responsabilidade do Estado, registrado pela história jurídica, é o aresto Blanco que se tornou famoso pelo conteúdo inovador que apresentava. Trata-se do atropelamento de uma menina na cidade de Bordeaux, França. A menina, chamada Agnès Blanco, quando atravessava uma rua naquela cidade, foi atropelada por um vagonete pertencente a uma empresa estatal manufaturadora de tabaco. Inconformado, o pai da vítima recorreu à Justiça, postulando indenização em virtude dos danos físicos e morais sofridos pela filha. A matéria suscitou conflito de competência e, por essa razão, foi remetida ao Tribunal de

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Conflitos para que ele decidisse se a competência seria do juiz comum ou do juiz administrativo. O processo teve como relator o Conselheiro de nome David, cujo voto, acompanhado pelos demais pares, concluiu que ao juiz administrativo competia o julgamento, visto que o causador do dano fora uma empresa estatal prestadora de serviços públicos. (FARIA, 2004, p.423).

Esse julgamento estimulou o debate e o desenvolvimento doutrinário da

responsabilidade civil do Estado. Entretanto, o processo de admissão da

responsabilidade civil do Estado foi árduo. Num primeiro momento admitiu-se a

culpa do servidor, para posteriormente, admitir-se a responsabilidade subjetiva do

Estado.

Mello, assim definiu a responsabilidade civil do Estado:

Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos. (MELLO, 2005, p.923)

O surgimento do Estado democrático de direito, inspirou a inserção nos textos

constitucionais de dispositivos que tratavam especificamente da responsabilidade

civil do Estado. Até então era admitida a responsabilidade civil do servidor e, nos

regimes monárquicos, a infalibilidade dos reis.

Deve-se destacar que apesar de todo esse processo evolutivo, dentre os

grandes países democráticos do mundo, somente na década de 40 do século XX, os

Estados Unidos da América e a Inglaterra passaram a admitir expressamente a

responsabilidade civil do Estado.

No Brasil, segundo a doutrina, apesar da ausência de norma expressa no

texto da Constituição de 1824, nunca foi acolhida a tese da irresponsabilidade civil

do Estado. Cavalcanti assim ensinava:

No Brasil jamais se pôs em dúvida que as pessoas jurídicas do direito público, nomeadamente o Estado, sem embargo da maior soma de poder e

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privilégios que caibam institucionalmente a cada uma delas, se acham sujeitas às leis civis ou ao direito comum quanto aos efeitos das suas relações com as pessoas do direito privado; sendo, ao contrário, doutrina corrente que os litígios em que as mesmas figuram ativa ou passivamente, devem ser, em regra, decididos pelos tribunais judiciários e na forma dos processos ordinários. (CAVALCANTI, 1957, p.604)

No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di

Pietro, Edmur Ferreira de Faria e Seabra Fagundes.

Dias, defendendo a tese da fase da irresponsabilidade civil do Estado no

Direito brasileiro, assim aborda o tema:

No entanto, com respeito devido, entendemos que essa posição deve ser aceita com alguma reserva, a começar pelo exame do texto da Constituição imperial de 25 de março de 1824, que se seguiu à independência do Brasil, em 1822, prescrevendo justamente o contrário, pois negava a responsabilidade do Estado, atribuindo-a “estritamente” aos funcionários públicos “pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos. (art. 179, incisvo XXIX)”. Demais disso, em nítido acatamento ao principio teocrático da investidura majestática do soberano, fundamento básico do Estado absolutista, como já se expôs (ver item 1.4, retro), o artigo 99 do texto daquela chamada Constituição imperial estabelecia escancaradamente a irresponsabilidade do Imperador: “A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma. (DIAS, 2004, p.40)

Comentando sobre o período republicano, Gasparini afirma que

A Constituição de 1891, a primeira dessa fase, previa, quase nos mesmos termos da anterior, a responsabilidade dos funcionários públicos pelos abusos e omissões praticados no desempenho de seus cargos ou quando fossem indulgentes com seus subalternos (art. 82). Essa regra não vedava a solidariedade do Estado na indenização do dano, conforme ensinavam os autores da época.

A par disso, leis e decretos tornavam expressas a responsabilidade da Fazenda Pública por atos danosos praticados por seus agentes. São exemplos, entre outros, o decreto n. 1603, de 30 de janeiro de 1894, que responsabilizava o Estado por prejuízos decorrentes de colocação de linha telegráfica, o decreto n.1692-A, de 10 de abril de 1894, que tratava da responsabilidade da União, ligada aos serviços de correio, e o Decreto Legislativo n. 1511, de 5 de janeiro de 1904, que organizou o serviço federal de higiene. (GASPARINI, 2004, p.885)

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O art. 15 do Código Civil de 1916 foi o marco da consagração definitiva da

responsabilidade civil do Estado:

As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. (BRASIL, 2004, p.1.700)

O mencionado artigo acolheu a teoria da responsabilidade subjetiva do

Estado, pelos atos praticados por seus representantes. Ou seja, o Estado somente

seria responsabilizado, se o lesado demonstrasse a conduta culposa do servidor no

exercício da função pública.

Mello alerta que pouco antes da promulgação da Constituição de 1934, houve

um movimento visando restringir as responsabilidades do Estado, com a publicação

do decreto n. 24.216. Segundo esse decreto, a responsabilidade civil do Estado

seria excluída “nos casos em que o ato do agente administrativo tivesse o caráter

criminoso, salvo se o Pode Público competente o mantivesse no cargo após a

verificação do fato”. (MELLO, 1995, p. 503)

O art. 171 da Constituição de 1934 foi a primeira a dispor expressamente que

“os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional,

Estadual e Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão

ou abuso no exercício dos seus cargos” (BRASIL, 1994, p. 672). Manteve a primazia

da teoria da responsabilidade civil subjetiva do Estado e do servidor, o que já havia

sido estabelecido pelo Código Civil de 1916, como dito anteriormente.

É relevante esta norma constitucional, não somente pelas inovações trazidas

aos textos constitucionais pátrios, mas, também, pelo fato de ter revogado o decreto

24.216, uma vez que o decreto contrariava expressamente a nova ordem

constitucional vigente.

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Sobre esta evolução, comenta Faria

Como visto, a Constituição de 1934 foi a primeira a admitir a responsabilidade do Estado pelos danos causados a terceiros por seus agentes com culpa ou dolo, respondendo estes solidariamente com aquele nos termos da lei civil. Apesar de ainda limitado o direito da vítima, é preciso ressaltar que houve significativo avanço constitucional em benefício dos lesados em virtude de ação culposa do Estado. A responsabilidade solidária da Administração com o servidor garante à vítima o acesso à indenização, visto que a ação pode ser proposta apenas contra o Estado, se o servidor não tiver condição financeira para arcar com o ônus indenizatório. (FARIA, 2004, p.427)

A Constituição de 1937 repetiu no artigo 158, o artigo 171 da Constituição de

1934.

Pode-se afirmar que o grande avanço da responsabilidade civil do Estado se

deu na Constituição de 1946, quando foi acolhida expressamente a responsabilidade

sem culpa, ou responsabilidade objetiva do Estado.

Para Dias

o notável avanço na evolução do tema registrou-se com a Constituição promulgada a 18 de setembro de 1946, marco da chamada redemocratização do Brasil, porque pôs fim ao ciclo histórico do intitulado Estado Novo. A Constituição de 1946, em seu artigo 194, caput, consagrou no Direito brasileiro, em definitivo, a moderna teoria publicista da responsabilidade objetiva do Estado informada pelo risco criado ou pelo risco administrativo, quando prescreveu que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. (DIAS, 2004, p.44)

Não se pode esquecer de mencionar que o parágrafo único daquele

dispositivo Constitucional previa o direito de regresso da Administração, contra os

funcionários que, eventualmente, dessem causa à reparação devida pelo Estado.

Também é importante destacar que a responsabilidade civil do funcionário

perante o Estado é subjetiva, ou seja, o Estado, para fazer jus ao ressarcimento da

indenização paga ao administrado, deverá provar a culpa do servidor.

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Tanto a Constituição de 1967, quanto a Emenda Constitucional n.1 de 1969,

continuaram adotando, como diretriz, a responsabilidade civil objetiva do Estado.

Meirelles, ao comentar o art. 107 da Constituição de 1967 afirmou:

O art. 107 da vigente Constituição da República seguiu a linha traçada na Constituição Federal de 1946 que, abandonando a privatista teoria subjetiva da culpa, orientou-se pela doutrina do direito público e manteve a responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade de risco administrativo. (MEIRELLES, 1986, p.555)

A questão da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado

prestadoras de serviços públicos não era pacífica, nem na doutrina, nem nos

Tribunais.

Meirelles (1986, p.556) depois de defender durante alguns anos a aplicação

da teoria da responsabilidade subjetiva para as empresas privadas prestadoras de

serviço público, evoluiu “no sentido de que também estas respondem objetivamente

pelos danos que seus empregados causarem a terceiros”.

A partir da Constituição de 1946, a doutrina discutiu sobre os limites da

responsabilidade objetiva do Estado. Não faltou quem defendesse a aplicação da

teoria do risco integral, o que foi de pronto afastado, tanto pela maioria esmagadora

da doutrina, quanto pelas decisões do Poder Judiciário.

Faria refuta a adoção da teoria do risco integral. Para ele:

Essa teoria é refutada por expressivas autoridades estudiosas do tema. Entendem os seus opositores que o Estado não é segurador universal, responsabilizando-se por todos os danos que os administrados venham a sofrer. O Direito brasileiro, por isso, não incorporou a teoria do risco integral, mas apenas a do risco do serviço. O sistema jurídico pátrio não admite indenização à vítima culpada. (FARIA, 2004, p.425)

Finalmente, a Constituição de 1988, consolidando o fim de um período de

exceções jurídicas e, ao mesmo tempo, introduzindo no Brasil o Estado democrático

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de Direito, consagrou no § 6º do art. 37 a responsabilidade civil objetiva do Estado,

bem como das empresas privadas prestadoras de serviços públicos, concedendo a

elas o direito de regresso contra os funcionários causadores dos danos indenizáveis.

Quanto ao direito de regresso, tanto a Administração, quanto as empresas

privadas prestadoras de serviços públicos, devem provar a culpa dos seus

funcionários, ou seja, neste caso, o texto constitucional adotou a teoria da

responsabilidade subjetiva em relação aos agentes responsáveis pelo dano.

Portanto, nos moldes do atual texto constitucional, o cidadão para ser

indenizado por dano causado pela Administração pública deverá comprovar a

existência de um dano e o nexo causal entre o ato praticado pelo Estado, através de

seus funcionários, e o dano indenizável.

Por sua vez, fica facultado ao Estado o direito de demonstrar que o dano foi

causado por culpa da vítima, motivo de força maior ou caso fortuito, ou que o agente

não agiu no exercício de suas funções públicas, mas como indivíduo comum, o que

poderá excluir a obrigação do Estado de indenizar.

Segundo Gonçalves (2004), caso fortuito é fato ou ato alheio à vontade das

partes, decorrente de comportamento humano ou de equipamento ou atividade, tais

como greve, motim, guerra, defeito oculto de mercadoria. O mesmo autor ensina que

força maior está relacionada aos acontecimentos da natureza, tais como terremoto,

raio, fato do príncipe (fait du prince). E conclui:

Na lição da doutrina, exige-se, para a configuração do caso fortuito ou força maior, a presença dos seguintes requisitos: a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor, pois, se há culpa, não há caso fortuito; reciprocamente, se há caso fortuito, não pode haver culpa, na medida em que um exclui o outro; b) o fato deve ser superveniente e inevitável. Desse modo, se o contrato é celebrado durante a guerra, não pode o devedor alegar depois as dificuldades decorrentes dessa mesma guerra para furtar-se às suas obrigações; c) o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano. (GONÇALVES, 2004, p.355)

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Celso Antônio Bandeira de Mello, seguindo os ensinamentos de Oswaldo

Aranha Bandeira de Mello, sustenta que em algumas situações especiais ainda

persiste a responsabilidade subjetiva do Estado, destacando que

É mister acentuar que a responsabilidade por “falta de serviço”, falha do serviço ou culpa do serviço (faute du service, seja qual for a tradução que se lhe dê) não é, de modo algum modalidade de responsabilidade objetiva, ao contrário do que entre nós e alhures, às vezes tem-se inadvertidamente suposto. É responsabilidade subjetiva porque baseada na culpa (ou dolo), como sempre advertiu o Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. (MELLO, 2005, p.933)

E continua:

É muito provável que a causa deste equívoco, isto é, da suposição de que a responsabilidade pela faute du service seja responsabilidade objetiva, deva-se a uma defeituosa tradução da palavra faute. Seu significado corrente em francês é o de culpa. Todavia, no Brasil, como de resto em alguns países, foi inadequadamente traduzida como “falta” (ausência), o que faz ao espírito a idéia de algo objetivo.

Outro fator que há de ter concorrido para robustecer este engano é a circunstância de que, em inúmeros casos de responsabilidade por faute du service, necessariamente haverá de ser admitida uma “presunção de culpa”, pena de inoperância desta modalidade de responsabilização, ante a extrema dificuldade (às vezes intransponível) de demonstrar-se que o seviço operou abaixo dos padrões devidos, isto é, com negligência, imperícia ou imprudência, vale dizer, culposamente. (MELLO, 2005, p.934)

Para exemplificar a aplicação da teoria da culpa anônima do serviço, podem

ser citadas as enchentes que anualmente causam transtornos nas grandes cidades.

O Município nem sempre, ao longo do ano, especialmente no período da seca, limpa

e conserva adequadamente as galerias pluviais. Esta omissão pode ser responsável

pelas enchentes que lesarão moradores e comerciantes de determinada área da

cidade. Comprovada a omissão do Município, que não se preveniu contra os efeitos

do período chuvoso ao longo do ano, restará presente a sua obrigação de indenizar

os prejuízos sofridos pelos proprietários e locatários atingidos.

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Por outro lado, se o Município tem tomado as devidas providências para evitar

os efeitos danosos do período das águas, e a chuva extrapolou os volumes

anualmente esperados, poderá alegar, em sua defesa, a existência de motivo de

força maior como excludente de responsabilidade da obrigação de indenizar. Ou,

ainda, se o Estado demonstrar que foi o cidadão o causador da obstrução do fluxo

das águas, ficará isento do dever de indenizar por culpa exclusiva da vítima, outra

excludente de responsabilidade, nos casos de responsabilidade objetiva.

Isto significa que, quando se trata de matéria pertinente à obrigação de

indenizar, o Estado pode argüir em seu favor, assim como o particular, as

excludentes de responsabilidade civil do direito privado, especialmente a culpa do

administrado, caso fortuito ou força maior. Nestes casos, não foi a omissão, nem a

ação do Estado, ou de seus agentes, a causadora do dano.

A apuração da culpa é de importante, também, para o Estado exercer o direito

de regresso contra o agente que, culposa ou dolosamente, foi o responsável pelo

prejuízo sofrido pelo administrado.

O Estado não está obrigado a indenizar todo prejuízo causado pelo servidor.

Somente deverá indenizar no caso do servidor ter agido na qualidade de servidor,

ou, mesmo fora de suas atribuições, tenha utilizado propriedade do Estado, como

por exemplo, um motorista que fora do seu horário de trabalho esteja dirigindo um

carro pertencente à Administração Pública e seja responsável por um acidente com

danos materiais e morais de terceiros. Outro exemplo, um policial que utiliza a arma

da corporação para matar ou ferir um vizinho, durante uma briga.

Uma vez bem definida a responsabilidade civil no âmbito do Poder Executivo,

ainda se discutem as hipóteses de responsabilidade civil do Estado por ato

legislativo e por ato do Poder Judiciário.

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Quanto à responsabilidade do Estado por ato do Poder Judiciário, esta ainda

suscita discussões, podendo identificar correntes que defendem a irresponsabilidade

do Estado nesses casos.

No campo do direito penal, o inciso LXXV do art. 5º, da Constituição de 1988,

já estabeleceu claramente o dever de indenizar: “O Estado indenizará o condenado

por erros judiciários, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na

sentença”. (BRASIL, 2002, 33.)

Na esfera do direito civil, ainda não houve consenso. O pilar de discórdia é a

coisa julgada. Aqueles que defendem a teoria da irresponsabilidade civil do Estado

por decisão do Poder Judiciário, sustentam que o pensamento contrário, afetaria o

instituto da coisa julgada.

Negar a possibilidade de o Estado ser responsabilizado civilmente por ato do

Poder Judiciário, sob o argumento da imutabilidade da coisa julgada não tem

fundamento jurídico. Quanto a esta questão, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, já

lembrou, a possibilidade de se reformar a decisão transitada em julgado, através da

ação rescisória.

Dias adverte:

Como já exteriorizamos, se o sistema jurídico brasileiro, segundo os cânones do direito moderno, tradicionalmente consagra o princípio da responsabilidade do Estado pelos atos ilícitos e danosos causados aos particulares pelos seus agentes públicos, deve-se concluir que o Estado será solidariamente responsável nas situações de responsabilidade pessoal do juiz (agente público julgador) anteriormente consideradas, até porque o Estado tem ação de regresso contra agente público em casos de dolo ou culpa. O assunto na atualidade, tem disciplina normativa no artigo 37, § 6º da Constituição Federal e no artigo 43 do Código Civil de 2002. Portanto, se o juiz, no exercício de suas funções, age com dolo ou fraude, causando prejuízo a alguém, comete ato ilícito, comissivo e a responsabilidade do Estado é objetiva, fundada na teoria do risco. Por outro lado, se o agente público julgador atua culposamente, deixando de determinar providências que o ordenamento jurídico lhe impõe, disto resultando prejuízos às partes, pratica ato ilícito omissivo e a responsabilidade do Estado é subjetiva, lastreada na culpa anônima do serviço público. Em qualquer das hipóteses, portanto, tratando-se de ato ilícito praticado pelo agente público julgador, do

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qual resulta dano ao particular, haverá responsabilidade do Estado, que terá direito de regresso em relação ao juiz. (DIAS, 2004, pág. 175)

Quanto à responsabilidade civil do Estado por ato legislativo, Esteves, ao

aprofundar a discussão deste tema, chegou a algumas conclusões que merecem

destaque:

Dentre as construções tendentes a justificar a responsabilidade do Estado legislador, destacam-se as teorias da expropriação, do sacrifício especial e do enriquecimento ilícito do Estado. Embora ainda se encontrem defensores da irresponsabilidade pelo exercício da função legislativa, predominam, no pensamento jurídico, as correntes que preconizam o alargamento da responsabilidade patrimonial pública, de modo a abranger todas as formas de atuação do Estado. A pluralidade e a diversidade das concepções teóricas nesse sentido existentes evidenciam que não se atingiu, ainda, o ideal, que compatibilize o caráter essencialmente livre da função legislativa e a submissão do Estado ao dever de reparar danos. (...) A utilização de parâmetros válidos de equalização dos interesses públicos e do direito individual de propriedade não impede o surgimento do dever público de indenizar, o que ocorrerá quando as restrições impostas, conquanto necessárias, se situem em plano de anormalidade e especificidade. Em casos tais, o sacrifício deverá ser compensado mediante indenização. (ESTEVES, 2003, p.248-251)

O reconhecimento da possibilidade de se exigir indenização do Estado por

atos legislativos, mesmo constitucionais, é de suma importância para o

desenvolvimento de nosso pensamento, uma vez que é sabido que as diversas

medidas de políticas econômicas adotadas no país, nos últimos vinte anos, foram

geridas por Medidas Provisórias, convertidas em lei.

Quanto aos atos de política econômica, entendemos que sua discussão sofre

forte influência da responsabilidade civil por ato legislativo, tendo em vista que as

medidas econômicas, de maior impacto, especialmente os chamados planos

econômicos, tributação e planejamento, bem como as intervenções diretas e

indiretas na economia carecem de lei (no sentido estrito) para regulamentá-los.

Os “chamados planos econômicos” muitas das vezes desorganizaram a

economia, alteraram unilateralmente contratos, impuseram congelamentos de

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preços, inviabilizaram o funcionamento de muitas empresas, além de causarem

prejuízos financeiros relevantes a outras tantas.

Destaca-se a recentemente decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ

que, quando do julgamento do Recurso Especial n. 628806/DF, julgado em

14/12/2004, confirmou a condenação da União no ressarcimento à VARIG pelos

prejuízos sofridos em decorrência do “Plano Funaro”, implantado no país no governo

Sarney.

Naquela ocasião, o governo interferiu na economia, determinando o

congelamento de preços, no caso da VARIG, o congelamento do preço das

passagens aéreas. Ao mesmo tempo, impôs um acentuado aumento no valor dos

preços dos combustíveis, desestruturando a relação do equilíbrio do preço e custo

do serviço prestado.

Mesmo os atos administrativos do Poder Executivo materializados por

decretos, portarias, instruções normativas, podem ter seus vícios contestados. Se as

obrigações por ele criadas, gerarem prejuízos aos administrados, fica patente o

dever do Estado de indenizar.

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6 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE DO SERVIÇO NOTARIAL, À LUZ DO ART. 236 DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Para compreender a responsabilidade civil do Estado pelos serviços notariais

e de registros públicos, é necessário identificar se esses serviços são públicos ou

privados. Pelo já exposto ao longo deste trabalho, não restaram dúvidas acerca

desta questão: os serviços notariais são, em decorrência de sua natureza e forma de

delegação, espécies de serviços públicos.

Existem três correntes doutrinárias divergentes acerca da responsabilidade

civil do Estado decorrente dos serviços notariais. Contrariamente à responsabilidade

civil do Estado pode-se citar Humberto Theodoro Júnior. Admitindo a

responsabilidade subsidiária do Estado, cita-se Hércules Alexandre da Costa

Benício. Finalmente, admitindo expressamente a responsabilidade civil do Estado,

podemos citar Walter Ceneviva, Ives Granda Martins, Cretella Júnior, dentre outros.

Theodoro Júnior (1990) equipara os notários e registradores às empresas

prestadores de serviço público de transporte coletivo ou de comunicações,

afastando inclusive a responsabilidade civil do Estado, decorrente desses serviços.

Adverte, ainda, que, segundo a disposição constitucional, a responsabilidade civil

dos notários, registradores e dos tabeliães é pessoal.

Benício (2005) entende que, pelo fato dos notários e registradores exercerem

função pública em interesse próprio, por sua conta e risco, auferindo integralmente a

receita oriunda dos emolumentos, deverão responder diretamente pelos danos

causados a terceiros, cabendo ao Estado, por ter delegado o serviço, responder

subsidiariamente, caso o titular da serventia não tenha condições de ressarcir o

prejuízo causado.

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Feitas estas colocações, as teses apresentadas não devem ser acolhidas.

O primeiro ponto a destacar é o caráter sui generis da delegação do serviço

notarial. A forma de delegação do serviço notarial em nada se aproxima da clássica

forma de delegação do serviço público prevista no art. 175 da Constituição Federal.

Quanto à responsabilidade civil do Estado, deverá haver uma adequada

interpretação do § 6º do art. 37, do texto constitucional.

Se fosse intenção do legislador constitucional equiparar o serviço notarial aos

serviços delegados, nos termos do artigo 175 da Constituição da República, não

criaria regra específica para a sua delegação. Não existem artigos desnecessários

no texto constitucional. A Constituição é uma construção sistêmica, e assim deve ser

interpretada.

Apesar dos serviços notariais e de registro serem exercidos de forma privada,

não foi descaracterizada a natureza pública do serviço. O Estado tem interesse

direto na execução desses serviços, especialmente os de registro de imóveis e civil.

A Lei n. 8.935 de 18.11.1994, ao regulamentar o art. 236 da Constituição da

República, estabeleceu que a finalidade dos serviços notariais é garantir a

publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos. Vê-se

claramente que o Estado, através dos serviços notariais, quer dar segurança ao

cidadão na prática de certos atos jurídicos, além de exercer controle e fiscalização

sobre propriedade de imóveis, nascimento, morte e casamento, separação e

divórcio, por exemplo.

Ademais, não se aplica a regra do § 6º do art. 37, da Constituição Federal aos

serviços notariais e de registro, delegados nos termos do art. 236. O § 6o do art. 37 é

destinado única e exclusivamente às pessoas jurídicas de direito público e privado, e

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os notários e registradores são pessoas físicas que exercem diretamente a atividade

delegada, podendo contar com a ajuda de terceiros.

As serventias não detêm personalidade jurídica. Os notários são agentes

públicos, atuam como uma longa manus do Estado, inclusive com reconhecida fé

pública de seus atos.

A delegação do serviço, também, se dá de forma diferente da concessão às

empresas públicas e de direito privado. Enquanto os notários e registradores obtêm

a delegação mediante a aprovação em concurso público, as empresas públicas e

privadas passam pelo crivo das regras da Lei n. 8987/95, que trata de formas

distintas da delegação prevista no art. 236 do texto constitucional.

As concessões de serviço público, nos termos do art. 175 da Constituição da

República e da Lei n. 8987/95, têm natureza contratual e são concedidas por prazo

determinado, podendo haver renovação. Por sua vez, a delegação do serviço

notarial é de natureza extracontratual e vitalícia.

Estas diferenças são importantes para tratar a questão de forma adequada.

Ao equiparar a delegação do serviço notarial e de registro às demais formas de

concessão do serviço público, Hércules Alexandre da Costa Benício, assim como

Humberto Theodoro Júnior, chegaram a conclusões divergentes para a questão

apresentada.

No exercício de suas atribuições, pelas peculiaridades do serviço prestado, o

notário e o registrador não têm a mesma autonomia que outros prestadores de

serviço, tais como concessionários de serviços de transporte coletivo e de

comunicações. Os notários não praticam atos empresariais, apenas representam o

Estado nos atos reputados de interesse público, tais como registro civil, de imóveis,

títulos e documentos, protestos e notas, razão pela qual o legislador constituinte

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optou por designar o Poder Judiciário como responsável pela fiscalização desses

serviços.

Para a prática de todos os atos, existe uma forma prescrita em lei que deverá

ser seguida, sob pena de sanções penais, administrativas e civis, atribuídas ao

agente público.

Pode-se afirmar que, devido à relação sui generis entre o notário, o

registrador e o Estado, especialmente pelo fato de não se admitir uma

independência completa dos notários e registradores em relação ao Estado, esta

categoria de agente público pode ser classificada como um “agente público sui

generis”.

Segundo Ceneviva apesar da pretensão contrária dos notários e

registradores, foi mantida a cargo do Poder Judiciário a fiscalização dos serviços

notariais, garantindo aos titulares das serventias a independência na organização e

administração dos serviços. Para ele, ao comentar o art. 38 da Lei n. 8.935/1994,

O zelo fiscal, visto sob o paradigma do art. 37, vem integrado pela preocupação com a qualidade dos atos praticados. O objetivo visado vem definido no art. 38, relacionando-se com a importância social dos serviços atribuídos aos notários e registradores, bem como o relevo jurídico e patrimonial que deles resulta. Em linha direta de conseqüência deste dispositivo está a afirmação de que, apesar das mudanças introduzidas pela lei quanto à independência dos delegados, ainda há uma relação de hierarquia entre eles e os juízos encarregados de os fiscalizar, tanto que podem ser punidos por estes, para aplicar uma parte das penas previstas no art. 32. (CENEVIVA, 2002, p. 235)

A forma de pagamento do serviço notarial também não pode ser utilizada

como argumento contrário ao reconhecimento da responsabilidade civil direta do

Estado, decorrente de erro no serviço notarial. O simples fato de o particular pagar

diretamente ao notário os emolumentos remuneratórios, e este não repassar parte

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da importância ao Estado, não descaracteriza a obrigação de o Estado indenizar

eventuais prejuízos causados aos usuários dos serviços.

A independência dos notários, conforme o art. 28 da Lei 8.935/94, não é

absoluta. Os notários podem organizar os seus serviços sem a interferência estatal,

mas a lei, em alguns casos, detalha a prática de determinados atos notariais e de

registro, destacando a obediência ao respeito à ordem dos serviços apresentados.

Ceneviva, ao comentar o art. 28 da Lei 8.935/94, comunga deste

entendimento:

A independência é relativa, pois se fosse absoluta seria inconstitucional, tendo em conta a condição de delegados do Poder Público; leva ao cotejo com as normas da Lei dos Registros Públicos, tendo em vista o artigo ora analisado, em conjunto com o art. 41, que incumbe os delegados de praticarem, independentemente de autorização, todos os atos revistos em lei necessários à organização e execução dos serviços.(CENEVIVA, 2002, p. 169)

Se o Estado delega, de forma sui generis, o serviço notarial ao particular,

assumindo a expressa responsabilidade pela fiscalização e disciplina dos serviços,

diretamente através do Poder Judiciário, não pode deixar de responder diretamente

pelos eventuais prejuízos causados aos cidadãos, decorrentes da conduta de seus

agentes públicos delegados, que não se equiparam às pessoas jurídicas de direito

privado, nos termos do § 6 do art. 37 da norma constitucional.

Considerar a inexistência de responsabilidade civil direta do Estado seria

prejudicial aos cidadãos que, em muitas situações, são forçados a utilizar o serviço

notarial, por imposição estatal. Se o Estado impõe a obrigatoriedade do serviço e,

por outro lado, delega a execução ao particular, sob sua exclusiva disciplina e

fiscalização, não se pode falar que o notário corre o risco da atividade. Não existe

atividade empresarial no serviço notarial, existe uma disciplina rígida, imposta pela

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lei e atos administrativos, estabelecendo claramente as formalidades que deverão

ser seguidas em cada serviço prestado.

O Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, já consagrou a

responsabilidade direta do Estado pelos prejuízos, sofridos pelos particulares,

decorrentes do serviço notarial, reconhecendo o direito de regresso do Estado,

contra os titulares das serventias que eventualmente venham causar os prejuízos

indenizáveis.

Por ser regra geral de direito público e de direito civil, e em conformidade com

o art. 22 da Lei n. 8.935/94, caso o Estado seja condenado a indenizar um cidadão

pelos prejuízos sofridos em decorrência da prestação inadequada do serviço notarial

ou de registro, deverá mover ação de regresso contra o titular da serventia, para se

ressarcir dos prejuízos sofridos.

A responsabilidade civil do notário e do registrador será tratada em capítulo

próprio, ressaltando-se que, caso o prejuízo, sofrido pelo cidadão, seja causado pelo

titular da serventia, por ter cumprido ordem judicial, ou da Corregedoria do Poder

Judiciário, responsável pela fiscalização, não há que se falar em direito de regresso

contra o agente delegado, porque ele não foi o causador do dano.

Da mesma forma, o Estado somente responde pelos danos causados em

decorrência do serviço notarial e de registro, não podendo ser responsabilizado

pelos atos praticados pelos titulares da serventia, ou de seus prepostos, estranhos à

atividade notarial.

Processualmente, o cidadão poderá acionar o Estado, o titular da serventia,

ou os dois ao mesmo tempo, caracterizando a solidariedade da obrigação

indenizatória.

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Quanto à obrigação do Estado promover a denunciação da lide do titular da

serventia ao contestar a ação indenizatória, concordando com Ronaldo Bretas de

Carvalho Dias (2004:49), ela não é obrigatória, tendo o Estado o dever de, caso não

o denuncie, distribuir ação própria para se ressarcir dos prejuízos causados pelo

agente delegado.

Esse entendimento é mais adequado, porque a denunciação da lide pode

inviabilizar a defesa do Estado.

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7 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES

A matéria da responsabilidade civil de notários e registradores é

regulamentada pela Lei n. 8935/94, sendo certo que todos os conceitos e teorias do

direito civil aplicam-se subsidiariamente à matéria. A Lei n. 9.492/97, que trata do

protesto de títulos de crédito, regulamenta a questão, no que diz respeito aos

Tabeliães de Protesto de Títulos.

O titular do cartório está sujeito a dois tipos de responsabilidade: a penal e a

civil. A responsabilidade civil é de natureza privada, e a responsabilidade penal é de

natureza pública.

Assim leciona Ceneviva, ao discorrer sobre o tema:

A responsabilidade civil se distingue da penal porque, enquanto esta é personalíssima, só recaindo sobre o autor da ofensa, cabe responder por aquela ao autor do fato ou àquele de quem o autor seja dependente. Na responsabilidade civil sempre se discute um prejuízo, um sacrifício imposto ao patrimônio material ou moral da vítima. O mesmo não ocorre na responsabilidade criminal, em que o interesse atingido é o bem social, ao qual repugna a infração do autor contra preceitos de direito público, contidos na lei penal, codificada ou não. [...] De outro modo, na responsabilidade civil, o responsável só é chamado a indenizar se o prejudicado, titular de interesse e legitimidade, acioná-lo. É bem verdade que os interesses difusos ou coletivos perdem o caráter individual clássico, que caracterizou os estudos sobre a responsabilidade civil, mas nem por isso perdeu ela seu preponderante caráter de direito privado. [...] Na responsabilidade penal, salvo algumas exceções, o atingido ou seu representante legal não precisa tomar a iniciativa de punição do responsável, sendo no mais das vezes, indiferente que o atingido queira ou não obter a reparação do dano de que foi vítima, causado pelo autor do delito. (CENEVIVA, 2002, p. 152-153)

No caso da responsabilidade civil, a análise do art. 22 da Lei n. 8.935/94, terá

como finalidade verificar se a responsabilidade civil do notário é subjetiva ou

objetiva.

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Antes da Lei n. 8935/94, a matéria era tratada pelo art. 28 da Lei n. 6.015/73,

que assim estabelecia: “Art. 28 – Além dos casos expressamente consignados, os

oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou

pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem, por culpa ou dolo, aos

interessados no registro”(BRASIL, 2004, p.693 )

Segundo Batalha(1997, p.85), a Lei n. 6.015/76 definia “a responsabilidade

dos oficiais de registro públicos pelo critério subjetivo, originando-se exclusivamente

da culpa ou dolo”.

O art. 22 da Lei n. 8.935/94 revogou o art. 28 da Lei n. 6015/76, ao tratar da

responsabilidade civil dos notários e oficiais de registro. Assim diz o art. 22 da Lei

8935/94: “Art. 22 – Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que

eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios de serventia,

assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos

prepostos”. (BRASIL, 2004, p.1127)

Da nova regulamentação surge a seguinte pergunta: O art. 22 da Lei 8935/94

teve como finalidade fixar a responsabilidade objetiva dos notários e oficiais de

registro, tomando posição diametralmente oposta ao que estabelecia o art. 28 da Lei

6.015/76?

Ceneviva defende que o art. 22 da Lei n. 8935/94 não alterou o tratamento

dado à matéria. Defende a manutenção da responsabilidade subjetiva dos notários e

oficiais de registro, tendo em vista que o art. 37 da Constituição estabeleceu como

regra a responsabilidade objetiva do Estado. O mesmo dispositivo fixou, ainda, o

direito de regresso do Estado contra os servidores e agentes públicos, mediante

prova de culpa ou dolo. Continuando o raciocínio, somente as pessoas jurídicas de

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direito público e privado prestadoras de serviço público sofrem o encargo da

responsabilidade objetiva.

Assim leciona o referido autor:

A responsabilidade civil se concretiza através da imposição de pena pecuniária ao agente do ato ilícito, pelas conseqüências materiais ou morais resultantes. Corresponde a uma garantia da paz social. Como ficou dito na abertura do Capítulo e à vista do que determina o art. 37, § 6º, da Constituição e da interpretação dada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal quanto à natureza da relação entre o delegado notarial ou registrário e o Estado, este responde, nos termos da responsabilidade objetiva, tendo direito regressivo contra o titular do serviço em caso de dolo ou culpa. Assestado o pedido diretamente contra o oficial, incumbe ao autor comprovar-lhe a culpa. (CENEVIVA, 2002, p.155)

Gonçalves, amparado em Diniz, tem pensamento oposto ao de Ceneviva:

Segundo a opinião de Maria Helena Diniz (Responsabilidade civil, cit.p.210), “os notários, tabeliães e escreventes de notas assumem obrigação de resultado perante as pessoas que contratam o exato exercício de suas funções, tendo responsabilidade civil contratual se não as cumprir. As funções do notário decorrem da lei, seus deveres são, por isso, legais. (GONÇALVES, 2003, p.464)

Para Benício (2005, p.236), o art. 22 da Lei n.8935/94 ”sugere ao intérprete

que o legislador ordinário deu a entender uma vontade normativa de impor

responsabilidade objetiva em face do resultado danoso perpetrado pelo tabelião ou

oficial de registro”.

A Lei n. 9.492/97 fixou expressamente a responsabilidade subjetiva do

tabelião de protesto: “Art. 38 – Os tabeliães de protesto de títulos são civilmente

responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo,

pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que

autorizarem,assegurado o direito de regresso”.(CENEVIVA, 2002, p.95)

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A Lei n. 9.492/97, ao consagrar a responsabilidade subjetiva ao tabelião de

protesto, repetiu a mesma regra que já vinha sendo adotada na Lei n. 6.015/73, para

os oficiais registradores.

Tratar os notários e oficiais de registro de forma diferente, ao estabelecer para

alguns a responsabilidade objetiva de seus atos e para outros a responsabilidade

subjetiva, seria uma violação ao princípio constitucional da isonomia.

Tem-se em mente que o titular da serventia é uma pessoa física, agente

delegado do Estado, portanto deverá ser aplicada a mesma disposição dada ao

servidor público, qual seja, a responsabilidade subjetiva.

Esta opinião não é pacífica. Há vozes divergentes que entendem que os

notários e registradores equiparam-se às empresas prestadoras de serviço público,

nos termos do § 6º do art. 37 do texto constitucional, razão pela qual a

responsabilidade civil deve ser objetiva.

Portanto, duas correntes são apresentadas, sendo que cada uma parte de um

princípio diferente. Aqueles, como Benício, que equiparam os notários e oficiais de

registros às empresas públicas prestadoras de serviço, defendem a aplicação da

tese da responsabilidade civil objetiva, e os que, como Rui Stoco, entendem que os

notários e oficiais de registro são, na verdade, pessoas físicas que exercem uma

função pública, equiparados a agentes públicos, em respeito ao princípio da

isonomia, aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva,.

Equiparar os notários e oficiais de registro aos agentes públicos é a

interpretação mais sensata e mais adequada, razão pela qual, quando da

apreciação do caso concreto, a culpa ou dolo do titular da serventia, ou de seus

prepostos, deverá ser apurada nos termos da teoria da responsabilidade civil

subjetiva.

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Recente alteração processual no que se refere ao procedimento de execução

de título executivo judicial estimula a discussão sobre a conveniência de intentar

ação de responsabilidade civil contra o Estado. Segundo as novas regras

processuais, introduzidas pela Lei n. 11.232/2005, de 22.12.2005, a execução de

título executivo judicial contra o titular da serventia que, eventualmente tenha

causado prejuízo a terceiro, será mais ágil que uma execução contra a Fazenda

Pública.

Alerta-se que nem todo titular de serventia é rico, e detentor de vasto

patrimônio, como se supõe. A opção do autor da ação indenizatória deverá

considerar o caso concreto. Se, por exemplo, o dano for causado pelo titular da

serventia responsável pelo registro de imóveis do bairro Belvedere, na cidade de

Belo Horizonte, região onde estão localizados os imóveis mais valorizados, a vítima

receberá uma indenização mais rápida se optar por acioná-lo judicialmente, a partir

da vigência das novas regras processuais, em vez de buscar a reparação contra o

Estado.

Entretanto, se, por exemplo, o prejuízo tiver sido provocado pelo titular da

serventia responsável pelo registro civil da pequena cidade de Montalvânia,

localizada no extremo norte do Estado, distribuir a ação contra o Estado de Minas

Gerais poderá ser mais adequado, porque trata-se de cidade pobre, onde

certamente o patrimônio do titular não será expressivo.

No que tange aos prepostos, os notários e registradores respondem

diretamente pelos atos por eles praticados. A relação entre o titular da serventia e os

seus prepostos é relação de emprego, razão pela qual aplicam-se as mesmas regras

previstas na legislação civil, especialmente o inciso III, do art. 932 do Código Civil

vigente.

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Em caso de responsabilidade civil por ato de improbidade do preposto, a

pessoa ofendida poderá propor a ação diretamente contra o titular da serventia, que,

por sua vez, terá o direito de regresso contra o seu preposto que, eventualmente,

por culpa ou dolo, tenha sido o responsável pelo dano.

Outro ponto relevante, ainda não abordado, diz respeito ao fato do prejuízo ter

sido causado em decorrência do cumprimento de ato administrativo do Poder

Judiciário, ou por cumprimento de decisão judicial.

Nestes casos, o titular da serventia cumpriu uma determinação administrativa,

ou judicial, razão pela qual não poderá ser responsabilizado pelos prejuízos

advindos do ato praticado.

Assim sendo, o Estado deverá arcar integralmente com os prejuízos

causados ao usuário do serviço notarial porque não houve nexo de causalidade

entre a ação do titular da serventia e o dano sofrido. Isto se explica porque aos

notários e registradores aplicam-se os princípios constitucionais dos atos

administrativos, destacando-se, nesse caso, o princípio da legalidade.

Discorrendo sobre a questão, Santos opina:

Saliente-se em primeiro que, dentre os deveres do notário e do registrador, constantes do capítulo V da lei 8.935/94, está o de “observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente”(art. 30, XIV), definindo como infração disciplinar passível de penalidades, “a inobservância das prescrições legais ou normativas”, aliás, a primeira do rol (art. 31, I), o que tem sugerido a aplicação da pena de perda da delegação em vários casos. Dentro desse contexto, afigura-se inquestionável estar o notário ou registrador agindo sob o império do Poder Público, dentro dos limites e da forma prevista na lei. (SANTOS, 2003).

Sintetizando, a responsabilidade civil do notário, na qualidade de agente

delegado, é subjetiva. Por esse motivo, deverá ter o mesmo tratamento concedido

ao servidor público, pois não pode ser equiparado às pessoas jurídicas prestadoras

de serviço público. O notário poderá arcar diretamente com os prejuízos causados,

cabendo ao autor da ação demonstrar que o notário agiu com culpa, ou dolo.

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O titular da serventia, também, é responsável pelos atos ilícitos praticados por

seus empregados no exercício do trabalho, ou em razão dele, sendo-lhe facultado

exercer o direito de regresso contra eles, caso seja obrigado a reparar civilmente um

usuário do serviço notarial, em decorrência de conduta culposa de seus prepostos.

O notário e o registrador, não respondem civilmente pelos prejuízos causados

aos usuários, no estrito cumprimento das normas disciplinadoras do serviço notarial

emitidas pelo Poder Judiciário, a quem incumbe fiscalizar e disciplinar o serviço

notarial, nem pelo cumprimento de decisões judiciais. Nesses casos, o Estado

deverá ser responsabilizado diretamente pelos danos, devendo exercer o direito de

regresso contra a autoridade que emitiu a ordem administrativa, ou judicial, em caso

de culpa ou dolo.

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8 A ATIPICIDADE DA NATUREZA JURÍDICA DOS EMOLUMENTOS

A questão pertinente aos emolumentos também apresenta contornos atípicos.

O direito de tributar, concedido ao Estado moderno, tem como finalidade

transferir recursos dos particulares, aos entes públicos, para que possam ser

cumpridas as suas funções constitucionais de prestar serviços públicos aos

administrados, desde que o Estado respeite o princípio da legalidade tributária, ou

seja, somente poderá cobrar os tributos previamente instituídos por lei.

Entretanto, algumas pessoas jurídicas não estatais obtiveram permissão

constitucional para cobrar tributos. São as conhecidas cobranças parafiscais em prol

de entidades com fins públicos específicos, como por exemplo, os conselhos de

fiscalização de exercício profissional.

Tributo, segundo o art. 3 do Código Tributário Nacional “é toda prestação

pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não

constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade

administrativa plenamente vinculada”.(BRASIL, 1999, p.30)

A Constituição Federal elencou quatro espécies de tributo: impostos, taxas,

contribuição de melhoria e empréstimo compulsório. Além destas, a doutrina,

amparada em decisões do Supremo Tribunal Federal, acrescenta as contribuições

sociais no rol dos tributos brasileiros.

Amaro conceitua tributo como “prestação pecuniária não sancionatória de ato

ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de

interesse público”. (AMARO, 2003, p.25)

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Desta forma, Amaro reconhece a natureza tributária das contribuições

parafiscais cobradas pelas entidades já citadas. Destaca, entretanto, que as

contribuições tributárias estão vinculadas ao interesse público, ao concluir:

Por fim, nosso conceito especifica o credor da obrigação; o Estado ou outras entidades não estatais, que persigam fins de interesse público. Assim, restam excluídas do conceito de tributo certas prestações, como a de alimentos, ou a de pagar gratificação natalina aos empregados, não obstante se trate de obrigações impostas pela lei e não de deveres estabelecidos pela vontade das partes. (AMARO, 2003, p.25)

As taxas têm como fato gerador a prestação de serviços públicos específicos

e divisíveis, além do exercício do poder de polícia desempenhado pelo Estado,

assim como a mera disponibilidade de um serviço em prol do cidadão. Para a

cobrança de taxa, é evidente que deve haver a contraprestação efetiva ou potencial,

em benefício do administrado.

Diferem dos impostos porque estes não estão vinculados a uma atividade

estatal. A cobrança é genérica, abrangendo todos os contribuintes que preencherem

as condições do fato gerador que motivou a cobrança, independentemente de uma

contrapartida pelo pagamento do imposto. Segundo Amaro (2003), a vinculação a

uma atuação estatal divisível e específica tem por objetivo evitar a confusão

existente entre taxa e imposto, evitando a duplicidade de cobrança pelo Estado.

Carrazza ressalta que não há consenso sobre o conceito de taxas, mas

apresenta limitações às suas hipóteses de incidência que contribuem para

diferenciá-la dos impostos e dos preços públicos:

A hipótese de incidência das taxas só pode consistir num destes dois fatos, regidos pelo Direito Público: I - a prestação de serviço público; e II – o exercício do poder de polícia. Portanto, a lei da pessoa política tributante deve colocar na hipótese de incidência de taxas ou a prestação de um dado serviço público ou a prática de um ato de polícia. Frisamos que tais fatos não podem ser produzidos por particulares ou empresas privadas, mas tão-somente, pelo Estado, mediante determinação legal. Sem lei, ele não pode nem prestar serviços públicos, nem exercitar o poder de polícia. (CARRAZZA, 1999, p. 353-354)

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As taxas também não se confundem com as tarifas (ou preços públicos). A

distinção mais importante que se faz para diferenciar taxa de preço público é quanto

ao caráter da compulsoriedade. A taxa, uma vez instituída, tem caráter compulsório.

Independentemente da vontade do administrado, ele deverá recolher o seu valor aos

cofres públicos. O preço público, por sua vez, está sujeito à contratação de um

serviço público. O usuário somente pagará o preço se utilizar o serviço público

disponibilizado.

Exemplificando. O serviço de água é cobrado mediante tarifa, ou preço

público. Se o cidadão não fizer a ligação de água em sua casa não estará sujeito ao

pagamento de conta de água ao fornecedor do serviço. Por outro lado,

independentemente de ser usuário do serviço de água, poderá o município instituir

uma taxa para o tratamento do esgoto gerado pela comunidade. Apesar de não

produzir esgoto em seu lote vago, que por outro lado não tem ligação de água, como

proprietário do lote pode ser obrigado a contribuir compulsoriamente pelo tratamento

do esgoto gerado no Município, porque o serviço de tratamento do esgoto estará

potencialmente à sua disposição.

Apesar da reconhecida dificuldade da doutrina em estabelecer critérios

concretos sobre as situações em que se cobram taxas e quando se cobram preços

públicos, seja pela natureza do serviço, seja por sua essencialidade ou não, é senso

comum que somente poderá haver cobrança de um serviço público por meio de

preço público se houver uma relação contratual entre o usuário e o prestador do

serviço. Não havendo contrato, a cobrança se fará por meio de taxa.

Machado, assim distingue taxa de serviço público:

Não é fácil, nos domínios da Ciência das Finanças, estabelecer a diferença entre taxa e preço público. No âmbito jurídico, porém, a questão se resolve em admitir-se que a distinção entre atividade própria do Estado e atividades que podem ser exercidas por particulares há de ser formulada no plano

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político, vale dizer, há de ser fixada pelo Legislativo. Assim, admite-se que a lei estabeleça a fronteira entre a taxa e o preço, instituindo o que se pode entender como taxa por definição legal. Assim temos que: a) se a atividade estatal situa-se no terreno próprio, específico, do Estado, a receita que a ela se liga é uma taxa; b) se a atividade estatal situa-se no âmbito privado, a receita a ela vinculada deve ser um preço; c) havendo dúvida, pode a lei definir a receita como taxa ou como preço. O importante é entender-se que, se a lei determinou a receita como taxa, vinculou esta ao regime jurídico tributário. Tal receita ficará, portanto, sujeita aos princípios da legalidade e da anterioridade da lei ao exercício financeiro correspondente. (MACHADO, 1999, p.345)

O Supremo Tribunal Federal, através da Súmula 545 também se manifestou

sobre a diferença entre taxa e preço público, como se pode observar:

SÚMULA Nº 545: Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas diferentemente daquelas, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu. (BRASIL, 2006, p.1503)

Feitos estes esclarecimentos iniciais, resta esclarecer se os emolumentos têm

natureza jurídica de taxa ou de preço público.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou reiteradamente sobre a

natureza tributária dos emolumentos. O Egrégio Tribunal entende que os serviços

notariais são serviços públicos essenciais e de uso compulsório, razão pela qual, em

sintonia à Sumula 545, a cobrança dos serviços se faz por meio de taxa e não por

meio de preço público.

Sobre o posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, Benício

assim se manifesta:

O posicionamento jurisprudencial, no sentido de que os emolumentos têm natureza de taxa, decorre do fato de que conferir fé pública a atos e documentos, certificar a legitimidade de situações, possibilitar o exercício de direitos subjetivos privados etc. constituem serviços públicos específicos, permitindo identificar o vínculo tributário entre contribuinte e entidade estatal (podendo ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade pública), bem como divisíveis, uma vez que pode ser individualizada sua utilização pelas pessoas vinculadas ao dever

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de custeá-los. Ademais, a compulsoriedade da utilização e do pagamento dos emolumentos é inarredável porque consubstancia, por imperativo legal, o único caminho para a satisfação de certas solenidades. Acresce que a remuneração percebida em razão do desempenho de “serviço eminentemente público” é taxa e não preço público (tarifa). (BENÍCIO, 2005, p. 114)

A questão ainda está longe de ser pacificada. Apesar do Supremo Tribunal já

ter decidido que os emolumentos têm natureza jurídica de taxa, este entendimento

está equivocado.

O equívoco consiste no fato de que nem todos os serviços notariais são

compulsórios ou impostos por lei. E se o amparo da decisão estiver na Súmula 545,

também não pode proceder, porque os emolumentos não integram a receita

orçamentária da Administração Pública. Os emolumentos constituem a remuneração

do notário, portanto, a natureza jurídica é civil.

Esta é a atipicidade marcante do serviço notarial. Ao longo deste trabalho

sempre se pôde observar o aspecto híbrido da atividade notarial.

Em conformidade ao art. 28 da Lei 8.935/94, a remuneração dos notários se

dá por meio do recebimento dos emolumentos. Se a lei fixou que os emolumentos

constituem a remuneração dos notários, não podem ter natureza jurídica tributária.

É facultado ao usuário do serviço notarial contratar o notário de sua confiança

para lavrar uma escritura pública, uma ata notarial, um testamento, uma procuração.

É de livre escolha do usuário o tabelião perante o qual fará declaração de união

estável, ou qualquer outra à qual queira dar fé pública. O ato de protestar um título

representativo de dívida é uma faculdade do credor. O credor tem a faculdade de

fazê-lo, ou, simplesmente, deixar de cobrar o crédito.

Nestes casos é evidente a relação contratual entre o usuário e o titular da

serventia, aplicando-se inclusive as normas pertinentes às relações de consumo.

Estes serviços são regidos por preço público e não por taxas.

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Benício (2005) discorda deste posicionamento. Para ele esta liberdade de

escolha não significa que seja estabelecida uma relação contratual entre o usuário

do serviço e o notário, porque o titular da serventia não pode recusar a prestação do

serviço a ser contratado, a não ser que o serviço pretendido apresente algum

conteúdo ilegal.

O Código de Defesa do Consumidor vincula o fornecedor à proposta

apresentada ao público. Portanto, o consumidor que entra em uma loja e preenche

as condições para a aquisição do produto exposto à venda, tem o direito de adquiri-

lo e ao fornecedor resta a obrigação de vendê-lo, não podendo recusar-s e a celebrar

o contrato. Veja-se, neste caso, que tanto o fornecedor, por exemplo, uma rede de

venda de eletrodomésticos, quanto o notário, estão impedidos de recusar a fornecer

os bens, ou serviços, se os interessados preencherem as condições necessárias

para celebração dos contratos.

Pode um notário oferecer desconto ao serviço prestado. Não há impedimento

para tal, especialmente porque a Lei n. 8.935/94 determina que a totalidade dos

emolumentos constitui a remuneração ao titular da serventia.

Se fossem taxas, os notários não poderiam renunciar à receita auferida. Esta

é uma questão não abordada pela doutrina, mas que é determinante na distinção

entre taxa e preço público.

Como prestador de serviço privado, o titular da serventia somente está

impedido de cobrar além daquilo que a lei lhe permite, não estando impossibilitado

de conceder desconto, ou até mesmo isentar dos custos dos serviços quem julgue

estar impossibilitado de efetuar o pagamento, ou quem quer que seja.

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Entretanto, o titular da serventia, mesmo que isente o usuário do pagamento

de sua remuneração, deverá recolher, aos cofres públicos, os tributos gerados pela

prestação do serviço, porque esta obrigação é compulsória.

Outro aspecto relevante para demonstrar o equívoco da natureza tributária

dos emolumentos pode ser encontrado no tratamento relativo à prescrição. A lei fixa

prazo prescricional para as obrigações tributárias em cinco anos. Por outro lado, o

novo Código Civil fixou o prazo prescricional para a cobrança de emolumentos em

apenas um ano, como se observa no inciso III, do §1º do art. 206, in verbis:

Art. 206 – Prescreve: § 1º – Em um ano: (...) III – a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários. (BRASIL, 2004, p.56)

Processualmente, quanto à cobrança judicial de emolumentos, não se

aplicam as regras da Lei n. 6.830/80, que rege a execução fiscal, e nem se pode

dizer que as cobranças deverão tramitar nas varas especializadas da fazenda

pública, porque os notários são pessoas físicas, titulares de uma concessão de

serviço público, razão pela qual os processos deverão tramitar nas varas cíveis.

Também não se pode afirmar que o legislador resolveu a questão ao instituir

o princípio da legalidade e da anterioridade

Assim sendo, mal ou bem, como já frisamos, legem habemus. A lei 10.169/2000 determina a necessidade de obediência à reserva legal e à anterioridade. Por conveniência legislativa, aplica-se a notários e registradores o regime publicista (tributário) na fixação dos emolumentos pagos a profissionais do direito (nos termos do art. 3 da Lei 8935/94)que desempenham suas atribuições (serviços públicos notariais e de registro em caráter privado). (BENÍCIO, 2005, p. 119)

No nosso entendimento, o fato da Lei n. 10.169/2000, que regulamenta a

fixação dos emolumentos, adotar o princípio da anterioridade e da reserva legal, não

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é suficiente para reconhecer a natureza tributária dos emolumentos. Mesmo em se

tratando de princípios de natureza tributária, não há impedimento legal para que o

princípio da anterioridade e da reserva legal sejam utilizados para fixar tarifas

públicas, ainda que os serviços sejam prestados por particulares.

Todos os serviços públicos concedidos são regulados por lei, inclusive com

fixação de regras contratuais impostas aos prestadores dos serviços. Sendo assim,

ao estendermos o raciocínio, como fez o citado autor, poderíamos chegar à

equivocada conclusão de que os serviços públicos são remunerados por taxa,

porque estão vinculados a um dispositivo legal que disciplina a concessão, assim

como os serviços notariais são regulamentados pela Lei n. 8.935/94.

Ceneviva (2002) leciona que os emolumentos correspondem ao preço dos

serviços prestados, devendo ser suficientes para a quitação dos custos da serventia,

remunerar o titular e satisfazer os encargos tributários. O artigo da lei não deverá ser

interpretado literalmente, porque embutido nos emolumentos cobrados pelos

titulares das serventias estão incluídas “taxas recolhíveis ao Estado, e, em algumas

unidades da Federação, a outros beneficiários, até mesmo de natureza privada”.

(CENEVIVA, 2002, p.172)

Mais uma vez fica explícita a atipicidade da natureza jurídica de

emolumentos. Se fossem efetivamente taxas, respeitada a natureza tributária, não

se poderia admitir que nelas estivessem embutidos recursos a serem repassados a

entidades privadas, sem que estas entidades não tivessem nenhuma relação com os

serviços prestados.

Atualmente, a discussão sobre a natureza jurídica dos emolumentos deixou

de ser uma discussão meramente acadêmica e ganhou importância devido a

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inserção dos serviços notariais no rol das atividades passíveis de tributação pelo

Município, conforme a Lei Complementar n. 116./2003.

O Egrégio Tribunal de Justiça Minas Gerais, quando do julgamento do

mandado de segurança 1.0481.04.032545-0, reconheceu a inconstitucionalidade da

cobrança do ISSQN sobre os serviços notariais. Entendeu o Desembargador Nilson

Reis que “ao Município é vedada a cobrança do imposto sobre os serviços públicos,

ainda que exercidos mediante delegação estatal, ante ao princípio da imunidade

recíproca, sob pena de violação ao disposto no art. 150, inciso VI, alínea “a”, da

Constituição da República”.(www.tjmg.gov.br.). Acompanhando o voto do

Desembargador relator do acórdão, o Desembargador Jarbas Ladeira, sustenta o

seu posicionamento no fato de “já estar firmado o entendimento do Supremo

Tribunal Federal, acompanhada pela Corte Superior Deste Tribunal, no sentido de

que não incide sobre os emolumentos de cartórios de registro”. (www.tjmg.gov.br.)

O Desembargador Francisco Figueiredo, manifestando favoravelmente à

cobrança do tributo, sustentando que os notários exercem atividade privada, nos

termos do art. 236 da Constituição de 1988. E concluiu: “não há como afastar que o

fazem em caráter privado, a teoria da expressa disposição do artigo 236, “caput”, da

CF.88. Prudente afirmar que o preço que se cobra pelos serviços públicos,

especialmente aqueles prestados por particulares e mediante remuneração, de

qualquer forma, jamais esteve fora do alcance ou até excluído da incidência de

qualquer tributo”. (BRASIL,2006, www.tjmg.gov.br)

Discordamos do entendimento, hoje firmado no Egrégio Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais e no STF – Supremo Tribunal Federal.

O texto constitucional expressamente reconhece que os serviços notariais

serão exercidos de forma privada. Sendo o serviço notarial prestado por pessoas

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físicas, sob o manto da delegação estatal, não se admite a aplicação da norma

constitucional que disciplina a imunidade tributária recíproca.

O Município não está tributando o Estado, portanto não se pode falar em

violação do princípio constitucional da imunidade recíproca. A tributação recai sobre

o notário, pessoa física, prestador de serviço público. O mero reconhecimento da

natureza jurídica de tributo aos emolumentos, não pode ser argumento suficiente

para imunizar a tributação destes serviços, sob pena de estar violando o texto

constitucional. Não existe imunidade recíproca porque não se tributa o Estado

membro da Federação, uma vez que o tributo recai sobre o prestador do serviço.

Espera-se que o Supremo Tribunal Federal aprecie melhor a questão, porque

o equívoco desta decisão trará inúmeros prejuízos aos municípios e poderá ensejar

uma série de outras discussões sobre a natureza jurídica da cobrança de outros

serviços públicos, o que, conseqüentemente, poderá desaguar em novas

imunidades inconstitucionalmente reconhecidas pelo Poder Judiciário.

De certa forma, o reconhecimento da natureza tributária dos emolumentos,

contribui para o julgamento equivocado sobre a possibilidade de cobrança do

ISSQN, incidente sobre os serviços notariais. Emolumentos, como já dito, é mais

uma atipicidade da atividade notarial, cuja natureza jurídica é remuneratória, razão

pela qual incide tributação.

A tese da imunidade recíproca não pode prosperar, também, porque a União

não reconhece imunidade tributária aos rendimentos dos notários. Se há cobrança

de Imposto de Renda sobre a remuneração dos notários, além da CPMF, é

constitucional a cobrança do ISSQN sobre os serviços notariais.

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A cobrança dos emolumentos notariais no Estado de Minas Gerais está

regulada pela Lei Estadual n. 15.424/2004, que apresenta três vícios aparentes de

inconstitucionalidade.

O art. 28 da Lei n. 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da Constituição de

1988, é expresso:

“Art. 28 – Os notários e oficiais de registro gozam de independência no

exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais

pelos atos praticados na serventia e só perderão a serventia nas hipóteses previstas

em lei”.(BRASIL, 2004, p.1127 )

Portanto, o primeiro vício de inconstitucionalidade estaria no inciso VIII, do art.

16 da Lei Estadual n. 15424/2004, que veda ao notário o direito de “conceder

desconto remuneratório de emolumentos”.(MINAS GERAIS, 2006, www.almg.gov.br)

É inconstitucional porque, sendo o serviço notarial de natureza privada e

tendo o notário o direito de percepção integral dos emolumentos, a título de

remuneração, não há impedimento, nem na Lei n. 8.935/94, nem na Lei n.

10.169/2000 para a concessão de desconto ao usuário do serviço notarial. A

natureza privada e remuneratória dos emolumentos, não permite a interferência do

Estado na gestão destes recursos pelo titular da serventia.

Quando o Estado privatizou os serviços notariais e ao mesmo tempo permitiu

que os usuários escolhessem livremente as serventias onde pretendessem realizar

os respectivos serviços, tacitamente inseriu a possibilidade de competição entre

elas, razão pela qual não houve nas leis federais que regulamentaram o serviço

notarial e estabeleceram as regras gerais para a fixação de emolumentos a proibição

de concessão de desconto por parte dos seus titulares.

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A segunda inconstitucionalidade aparente decorre da primeira. O inciso III, do

art. 30 da Lei Estadual n. 15424/2004 impõe a aplicação de multa ao notário que

conceder desconto na cobrança de emolumentos. Como a Lei 10.169/2000 não

proíbe a concessão de desconto, a Lei Estadual não poderia extrapolar a sua

competência para proibi-lo e muito menos punir o notário com a aplicação de multas.

A terceira inconstitucionalidade está estampada no parágrafo único do art. 31

da Lei Estadual n. 15424/2004 que, ao tratar da compensação dos atos gratuitos e

da complementação de receitas às serventias deficitárias, instituiu um verdadeiro

tributo incidente sobre os emolumentos. Assim diz o dispositivo legal em comento:

Art. 31 – Fica estabelecida, sem ônus para o Estado, a compensação ao Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais pelos atos gratuitos por ele praticados, em decorrência de lei, conforme o disposto no art. 8 da Lei Federal n 10169, de 29 de dezembro de 2004. Parágrafo único – A compensação de que trata o caput deste artigo será realizada com recursos provenientes de quantia equivalente a 5,66% (cinco vírgula sessenta e seis por cento) do valor dos emolumentos recebidos pelo Notário e pelo Registrador. (MINAS GERAIS, www.almg.gov.br)

Em primeiro lugar, o art. 8 da Lei n. 10169/2000 determina que os Estados e o

Distrito Federal deverão estabelecer as normas de compensação aos registradores

civis de pessoas naturais pelos atos gratuitos praticados por eles, em respeito à

Constituição da República e à legislação ordinária que regulamentou o texto

constitucional.

Em segundo lugar, a Lei n. 8.935/94, como já transcrita acima, ao disciplinar o

recebimento dos emolumentos, determinou que os notários e registradores têm

direito ao seu recebimento integral.

Portanto, não pode o Estado, para se eximir da obrigação de compensar os

atos notariais gratuitos, repassar o ônus aos demais notários e registradores. A Lei

Estadual está em confronto com a legislação federal, regulamentadora do art. 236

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da Constituição da República de 1988, o que caracteriza a inconstitucionalidade da

norma em comento.

Os recursos para esta compensação poderiam advir das taxas de fiscalização

judiciária, que em alguns casos, conforme o anexo da Lei Estadual n. 15.424/2004,

oneram os emolumentos em mais de 80% (oitenta por cento).

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9 AS ATIPICIDADES RELATIVAS À TITULARIDADE DA SERVENTIA

O notário é um agente público delegado, não podendo ser confundido com o

servidor público, ocupante de cargo efetivo, razão pela qual serão destacadas

algumas distinções relevantes e específicas existentes entre o agente público

delegado e o servidor público efetivo.

O texto constitucional adota a expressão concurso público, como forma de

delegação. No nosso entendimento, não é a terminologia mais adequada, tendo em

vista que se trata de processo de delegação de serviço público, em vez de ingresso

na carreira de servidor público efetivo do Estado. A nomenclatura mais adequada

seria procedimento de delegação.

A expressão procedimento de delegação consagra a possibilidade de

realização de prova escrita e de títulos, bem como todas as demais exigências aos

candidatos que se interessarem pelo exercício da atividade notarial, por sua conta e

risco.

O Edital do concurso para admissão nas atividades notariais e registrais

deverá obedecer a Lei n. 8.935/94, sob pena de nulidade do certame. Da mesma

forma, o Estado não pode omitir uma exigência legal, nem criar condições não

previstas na lei federal

Ao analisar o Edital do XXXVII concurso público para admissão nas atividades

notariais e registrais da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,

à disposição no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, deparamos com a

exigência de caução no valor de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), para a

concessão da delegação, ao candidato aprovado no concurso.

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Esta caução é inconstitucional por ferir o princípio constitucional da isonomia

e criar uma reserva de mercado imoral para os mais favorecidos, excluindo a

possibilidade de pessoas menos favorecidas ingressarem na atividade notarial,

mesmo que demonstrarem idoneidade moral e capacidade técnica para o exercício

da atividade notarial.

Para participar desse procedimento de delegação, segundo o art. 14 da Lei n.

8.935/94, o candidato interessado deverá ter nacionalidade brasileira, capacidade

civil, estar em dia com suas obrigações militares e eleitorais, ser portador de diploma

de bacharel em direito e comprovar conduta ilibada.

Ceneviva (2002) destaca a importância da ampla divulgação do edital de

seleção, bem como seu regulamento, para que sejam cumpridos fielmente os

princípios da moralidade e da legalidade, a fim de evitar a concessão de privilégio a

determinados grupos de interessados.

Quanto à exigência de ser brasileiro, admite-se a participação no processo

seletivo de brasileiros naturalizados, uma vez que a participação no processo

seletivo não é exclusiva aos brasileiros natos.

Ceneviva destaca que não é inconstitucional a restrição das atividades

notariais e de registro aos brasileiros. O mencionado autor entende que “a reserva

de vários serviços a brasileiros natos ou naturalizados é acolhida na Carta como ato

inerente ao exercício da soberania e à satisfação de requisitos especiais para o

exercício de certas funções” (CENEVIVA, 2002, p.127 )

Quanto à capacidade civil, aplicam-se as normas do Código Civil, ressaltando

que não há margem de interpretação em favor dos relativamente capazes, razão

pela qual somente aqueles que estiverem em pleno gozo de suas capacidades civis

poderão participar da seleção.

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Além da plena capacidade civil, os candidatos deverão comprovar que têm

cumprido suas obrigações eleitorais e militares, sendo que esta última somente é

exigida para os candidatos do sexo masculino, porque no Brasil as mulheres são

dispensadas do serviço militar obrigatório, e não existe obrigação alternativa, como

por exemplo, o serviço civil obrigatório em substituição ao militar.

A comprovação de conduta ilibada faz-se de acordo com as exigências do

edital de seleção. Normalmente exigem-se certidões de bons antecedentes, certidão

negativa das varas criminais e outros meios que devem constar do edital.

Ceneviva alerta

A conduta condigna deve ser vista sob a luz do dever imposto ao delegado (art. 30 V) de proceder de forma a dignificar a função exercida, inclusive na vida privada. O passado, os antecedentes, o modo de vida, o comportamento social familiar e individual do candidato à outorga são examinados quanto a todo o período anterior à inscrição. Não se trata, porém de avaliação subjetiva, em que os critérios políticos predominam em benefício dos protegidos do poder. (CENEVIVA, 2002, p.128)

É necessário, ainda, que o candidato seja bacharel em direito. Esta exigência

é uma conquista da classe notarial que há muito tempo trabalha pela

profissionalização da categoria, em busca de um aprimoramento técnico daqueles

que desejam exercê-la. A Lei n. 8.935/94, não deixa dúvida quanto à exigência do

candidato ser portador do diploma de bacharel em direito, não havendo nenhuma

exigência de que ele tenha sido aprovado no exame da Ordem dos Advogados do

Brasil – OAB, nem que nela esteja inscrito, ou que exerça ou tenha exercido a

advocacia durante algum período.

Como já explicado, a responsabilidade da delegação é do Poder Executivo,

mas compete ao Poder Judiciário realizar o processo seletivo, sendo obrigatória, em

todas as fases, a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério

Público, de um notário e de um registrador, como determina o art. 15 da Lei 8935/94.

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Quanto a esta questão, comparando editais de concurso de admissão nas

atividades notariais e registrais realizados nos Estados de Minas Gerais, Rio Grande

do Sul e Rio de Janeiro, foi constatado que somente o Estado de Minas Gerais deu

o tratamento adequado à questão. Em Minas Gerais, o responsável pela delegação

é o Goveranador do Estado. Nos outros dois Estados, a delegação fica a cargo do

presidente dos respectivos Tribunais de Justiça.

As competências do Poder Judiciário estão definidas na Constituição da

República e delas não consta o poder de delegar serviço público de natureza

privada. A delegação de serviço público, é típica do Poder Executivo, razão pela

qual os Tribunais de Justiça são incompetentes para delegar os serviços notariais.

Ademais, se fosse vontade do legislador constituinte conceder o poder delegatório

ao Poder Judiciário, não teria restringido a sua competência à fiscalização do

serviço, como expressamente o fez no art. 236 da Constituição da República.

O § 2o do art. 15 da Lei n. 8.935/94, introduziu um dispositivo que contraria o

art 14, ao permitir a participação nos concursos de admissão nas atividades notariais

“candidatos não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira

publicação do edital do concurso de provas e títulos, 10 (dez) anos de exercício em

serviço notarial ou de registro”.(BRASIL, 2004, p.1126)

A redação inadequada do dispositivo legal acima mencionado tem permitido

que pessoas não portadoras do título de bacharel em Direito continuem a ingressar

na atividade notarial.

A interpretação mais adequada seria a que restringisse a aplicabilidade do §

2º do art. 15 da Lei n. 8.935/94 ao primeiro concurso, a se realizar após a vigência

da Lei n. 8.935/94. Trata-se de uma norma de transição criada pelo legislador,

possibilitando aos que estivessem no exercício das delegações tivessem a

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oportunidade de disputar a permanência na função, considerando que até o advento

da Constituição de 1988, não havia exigência de formação no curso de Direito para

o exercício da atividade.

Desta forma estaria sendo feita justiça aos que, ao longo dos anos, na falta de

uma regulamentação legal, exerceram as funções, evitando maiores prejuízos à

sociedade, caso os serviços fossem interrompidos.

O art.15 da Lei n. 8.935/94 deveria ser interpretado em sintonia com o art 3º

do mesmo dispositivo legal que conceitua o titular de serventia extrajudicial como

profissional do direito. Para ser um profissional do direito, necessariamente deve ter,

pelo menos, o título de bacharel.

Infelizmente, tem sido dada interpretação extensiva ao mencionado artigo, o

que vem possibilitando o ingresso na atividade notarial de pessoas sem a devida

formação jurídica, como se pôde observar na análise dos editais dos concursos de

ingresso na atividade notarial dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio

Grande do Sul.

Como a lei não utiliza a expressão dez anos de serviço ininterruptos, assim

como Ceneviva(2002), entendemos que a comprovação do tempo de serviço em

atividades notariais e de registro poderá ocorrer em períodos descontínuos.

O texto constitucional determina que os Estados não podem deixar as

serventias vagas por mais de seis meses. Foi constatado, através da visita ao site

dos Tribunais de Justiça dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande

do Sul que esta norma não vem sendo obedecida.

A não realização do concurso público no prazo máximo de seis meses, como

fixado, não garante, ao substituto o direito à titularidade da serventia, após

transcorrido o prazo legal de seis meses para a realização do concurso. Se

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houvesse essa possibilidade, estaria aberta uma porta para a violação do texto

constitucional. Bastaria nomear o substituto, não realizar o concurso no prazo de

seis meses, para efetivar na titularidade de uma serventia um apadrinhado político,

ou amigo pessoal.

A Constituição trata de duas modalidades de concurso; concurso de

provimento e concurso de remoção.

Compreende-se como provimento o ingresso do candidato, devidamente

selecionado para o exercício do serviço delegado. A remoção consiste na

transferência do agente delegado de uma serventia para outra, podendo ocorrer

numa mesma comarca, ou entre comarcas diferentes.

A remoção possibilita ao candidato transferir-se de uma serventia menos

rentável para outra mais rentável. Determina a Lei n. 8935/94, que, quando da

realização de concurso, dois terços das vagas serão ocupadas por provimento e um

terço por remoção. Compete à legislação estadual a normatização dos critérios para

o concurso de remoção.

Retornando aos editais dos concursos de admissão nas atividades notariais e

registrais, em nenhum deles foi encontrada a reserva de vagas para os portadores

de deficiência física ou portadores de necessidades especiais, o que está correto à

luz da Constituição da República.

A norma contida no art. 37 da Constituição da República, que reserva

“percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de

deficiência” (BRASIL, 2002, p.71), é restrita à contratação de servidores públicos,

não se estendendo a obrigatoriedade à delegação de serviços públicos.

Contudo, os respectivos editais deram tratamento adequado, quando

concederam aos candidatos portadores de deficiência e necessidades especiais,

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tratamento diferenciado para a realização das provas, ora concedendo tempo maior,

ora elaborando provas com letras maiores para os portadores de deficiência visual,

ou proporcionando ambientes adaptados, conforme o caso. Nada disso significa

discriminação contra os demais candidatos, pelo contrário, significa a concretude do

princípio da isonomia, ao tratar os desiguais de forma desigual, para que tenham as

mesmas condições de competitividade no decorrer do concurso.

Quanto à concessão da delegação, dispõe a Lei n. 8935/94 que deverá ser

observada a ordem de classificação dos candidatos no processo seletivo, repetindo

disposição constitucional vigente neste sentido.

Em decorrência do que já foi discutido neste Capítulo, algumas questões

secundárias merecem ser comentadas, tendo em vista que são reflexos das novas

normas vigentes.

Primeiramente, a opção do legislador constituinte pelo processo seletivo,

impossibilitaria a efetivação automática das pessoas que exerciam a título de

substituição à titularidade das serventias que permaneciam vagas, quando da

promulgação do texto constitucional.

Tal posicionamento já foi consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, quando

julgou inúmeros mandados de segurança impetrados por ocupantes das serventias,

invocando o direito adquirido a titularidade por estarem ocupando aquela função

pública por muitos anos.

O fato de exercer precariamente a titularidade da serventia, em substituição

ao titular, em virtude de falecimento ou aposentadoria, não concede ao substituto o

direito supostamente adquirido de permanecer na titularidade, porque a constituição

não consagrou este direito aos substitutos em exercício. Ademais, por se tratar de

poder constituinte originário, além do fato da Constituição revogada não garantir o

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direito pleiteado pelos substitutos, não há que se falar em direito adquirido para

pleitear uma decisão favorável do Poder Judiciário.

A Lei n. 8.935/94, em algumas oportunidades usou a palavra serventia, como

significado do lugar onde se realizam os atos da atividade notarial delegada. Esta

denominação substitui a antiga denominação de cartórios, para evitar confusão com

a denominação utilizada ao longo do período em que as atividades notariais

extrajudiciais estavam vinculadas ao Poder Judiciário, cujas serventias eram

chamadas, também, de cartórios.

As serventias não têm personalidade jurídica, uma vez que a delegação é

concedida a uma pessoa física que a exerce seguindo as disposições legais e

administrativas, com liberdade de escolher o imóvel onde será instalada, contratar

empregados e organizar o seu funcionamento interno.

Mesmo sem o reconhecimento da personalidade jurídica das serventias, a

relação entre o notário, ou registrador e seus prepostos é de emprego, devendo o

agente delegado assinar a carteira de seus empregados e recolher todas as

obrigações trabalhistas e previdenciárias devidas. Os prepostos dos notários e

registradores contratados após a Lei n. 8.935/94 são vinculados ao regime geral de

previdência social.

Demonstrando efetivamente a ausência de personalidade jurídica das

serventias, a Lei n. 8935/94 trata no art. 39 da extinção da delegação. O que se

extingue é a delegação e não a serventia. Desta forma, também não se pode falar

em sucessão de serventia.

Uma vez extinta a delegação por uma das razões que serão comentadas a

seguir, aplica-se a norma constitucional que impõe a realização de concurso, no

prazo de seis meses, para o preenchimento da vaga.

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Assim estabelece o art. 39 da Lei n. 8.8935/94:

Art. 39 – Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por: I – morte; II - aposentadoria voluntária; III – invalidez; IV – renúncia; V – perda, nos termos do art. 35; VI – descumprimento, comprovado, da gratuidade estabelecida na Lei n. 9534, de 10 de dezembro de 1997. 1o. – Dar-se-á aposentadoria facultativa ou por invalidez nos termos da legislação previdenciária federal. 2o. – Extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso. (BRASIL, 2004, p. 1130 )

A delegação concedida ao titular da serventia é personalíssima, não se

admitindo a transmissão hereditária, nem sua comercialização. Sendo assim,

falecendo o notário, ou o oficial registrador, automaticamente, extingue a delegação

que lhe foi outorgada.

A invalidez, também é um atributo personalíssimo. Somente a pessoa física

pode ficar inválida, seja em decorrência de acidente, ou de doença que impossibilite

o desempenho de suas atividades profissionais.

A renúncia é ato em que o titular da serventia manifesta expressa e

inequivocamente a disposição de não continuar à frente da serventia.

Na lição de Ceneviva (2002, p.242) “trata-se de decisão unilateral, adotada

pelo titular, insuscetível de apreciação pela autoridade, salvo para confirmá-la ou,

havendo causa para processo disciplinar, instaurá-lo de imediato, antes de expedir o

ato extintivo”.

O art. 35 da Lei n. 8935/94 prevê a perda da delegação após o trânsito em

julgado de decisão judicial que reconhece a prática de ato lesivo ao serviço notarial,

bem como o cumprimento das disposições legais e administrativas constatadas pela

fiscalização do Poder Judiciário. Tanto na fase administrativa, quanto na fase

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judicial, será assegurado ao titular da serventia o amplo direito de defesa e a

realização do contraditório, sendo permitidas a produção de todas as provas

necessárias para a adequada apuração dos fatos motivadores da eventual sanção.

O inciso VI, segundo Ceneviva (2002), aplica-se somente ao registrador civil

de pessoas naturais, que são os encarregados pelo registro de nascimento e óbito,

cuja gratuidade aos mais pobres está garantida no inciso LXXVI, do art. 5o. da

Constituição Federal.

Relativamente ao regime previdenciário dos notários e registradores, a

questão deve ser examinada à luz do texto original da Constituição de 1988 e da

Emenda Constitucional n. 20/98 que alterou o artigo 40 da Constituição Federal.

A Emenda Constitucional n.20/98 modificou os regimes previdenciários, tanto

o regime próprio quanto o regime geral. Quanto ao regime próprio dos servidores

públicos, a nova redação do art. 40 restringiu este regime aos servidores públicos,

ocupantes de cargos efetivos, como se pode observar:

Art. 40 – Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios quer preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.(BRASIL, 2006, p.34)

Não resta dúvida que, a partir da Emenda Constitucional n. 20, frente à nova

redação do art.40, somente permaneceriam vinculados ao regime próprio de

previdência social, os ocupantes de cargo efetivo. Os demais prestadores de serviço

público, sejam eles agentes delegados, ocupantes de cargo em comissão, agentes

políticos, que não ocupam cargo efetivo na Administração Pública, são segurados

obrigatórios do regime geral de previdência social.

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Como os notários e registradores exercem função delegada, não sendo

ocupantes de cargos públicos, não estão vinculados ao regime próprio, mas sujeitos

às regras do regime geral de Previdência Social, como dispõe o art. 11 da Lei

8.213/91:

Dos Segurados (Artigos 11 a 15) Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: Caput com redação dada pelo art. 4º da Lei nº 8.647, de 13.04.1993. I - como empregado: (...) V - como contribuinte individual: (...) h) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não. (BRASIL, 2005, p.894)

Ao comentar este dispositivo legal, Sette assim se manifestou:

Neste item acabou-se por incluir todos aqueles que exerçam atividade econômica remunerada (de natureza urbana) e que não foram açambarcados por nenhuma das hipóteses anteriores. Ou seja, todos aqueles que exerçam atividade econômica e que recebam por ela uma remuneração serão considerados contribuintes individuais para fins previdenciários. (SETTE, 2004, p.167-168)

O Decreto 3.048/99, que regulamentou a Lei n. 8.213/91 considera como

segurados obrigatórios ao regime geral de previdência social, na qualidade de

contribuinte individual, somente os notários e registradores que obtiveram a

delegação a partir da Lei 8.935/94, como se pode observar:

Dos Segurados Art. 9º São segurados obrigatórios da previdência social as

seguintes pessoas físicas: (...) V - como contribuinte individual: (...) j) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter

eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego; l) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade

econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não;

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(...) § 15. Enquadram-se nas situações previstas nas alíneas "j" e "l" do

inciso V do caput, entre outros: (...) VII - o notário ou tabelião e o oficial de registros ou registrador,

titular de cartório, que detêm a delegação do exercício da atividade notarial e de registro, não remunerados pelos cofres públicos, admitidos a partir de 21 de novembro de 1994; (BRASIL, 2005, p. 930)

É nítida a inconstitucionalidade do art. 9o do Decreto 3.048/99, no que tange

ao tratamento dado ao notário e registrador, uma vez que o Poder Executivo ignorou

a Emenda Constitucional n. 20, quando da regulamentação da matéria. Desde a

promulgação da Emenda n. 20, somente terão acesso ao regime próprio de

previdência social os servidores titulares de cargo efetivo.

O Decreto n. 3.048/99 tem como limite a regulamentação das normas

previdenciárias, devendo respeitar os limites constitucionais e da legislação infra

constitucional. O Decreto, ato do Poder Executivo, jamais poderá inovar a matéria

legislativa que está sendo regulamentada. Após a Emenda Constitucional, nova

regra foi criada, e ela, por respeito às hierarquias das leis, não pode ser alterada

pelo Decreto do Poder Executivo.

O notário, ou registrador, não ocupa cargo efetivo na Administração Pública,

exerce uma função pública, por delegação. Portanto, está vinculado ao regime geral

de Previdência Social, podendo contar reciprocamente o tempo de serviço nos

sistemas diversos, respeitando o art. 96 da Lei 8213/91:

Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes: I - não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais; II - é vedada a contagem de tempo de serviço público com o de atividade privada, quando concomitantes; III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro; IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios

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de zero vírgula cinco por cento ao mês, capitalizados anualmente, e multa de dez por cento. V - (Inciso excluído pela Lei nº 9.528 de 10.12.1997, DOU de 11.12.1997, em vigor desde a publicação). (BRASIL, 2005, p. 916)

Contudo, devem ser respeitados os direitos adquiridos dos notários e

registradores admitidos anteriormente à Emenda Constitucional n. 20 e à Lei

8935/94 que estavam vinculados ao regime próprio de previdência e que haviam

completado até às respectivas datas as condições para auferirem os benefícios

previdenciários nas regras até então vigentes.

O que não se pode admitir é o fato do notário e o registrador sustentar que a

regra da aposentadoria compulsória do servidor público não lhe é aplicável, e

posteriormente, pretenderem aposentar-se, voluntariamente, por tempo de

contribuição, segundo as regras do regime próprio de previdência do servidor

público, com benefícios que extrapolam o teto máximo do regime geral de

Previdência Social.

O Supremo Tribunal, ao julgar o RE 178.236 – RJ, considerou, por maioria de

votos, a aplicação das regras do art. 40 do texto constitucional, especificamente no

caso objeto da discussão, a aposentadoria compulsória a um titular de serventia,

como se observa da ementa abaixo transcrita:

Sendo ocupantes de cargo público criado por lei, submetido à permanente fiscalização do Estado e diretamente remunerado à conta de receita pública (custas e emolumentos fixados por lei), bem como provido por concurso público – estão os serventuários de notas e de registro sujeitos à aposentadoria por implemento de idade (arts. 40, II e 236, e seus parágrafos, da CF de 1988). (RE 178.236 – RJ, STF/peno, RTJ 162/772) (BRASIL,2006, www.stf.gov.br)

José Afonso da Silva ao tratar desta matéria ressalta que esta decisão não

pode ser tida como jurisprudência consolidada:

É inevitável e justo, por isso, reconhecer razão aos votos vencidos dos Mins. Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio proferidos no RE 178.236-6-RJ,

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porque afinados com a nova ordem constitucional sobre a matéria, com a devida vênia dos votos vencedores. O eminente Min. Sepúlveda Pertence enfaticamente situa a questão em termos precisos: “Não tenho dúvida de que se trata de serviço público, e aí me dispenso de outras considerações, tanto se ‘sangrou na veia da saúde’ para mostrar que me parece patente. Cuida-se sim de um serviço público, o que, porém, não resolve, por si só, o status do seu agente; nem todo serviço público é executado por servidor público, e o exemplo típico é o do serviço público prestado por delegação do Estado como está no art. 236 da Constituição. Não se pode conceber que o Estado delegue a prestação de serviço público a quem é servidor público. O delegado é elementar, exerce a delegação em nome próprio; o servidor o faz em nome próprio, o servidor o faz em nome do Estado, ‘presenta o Estado’para fazer honra à linguagem de Pontes de Miranda”. O voto do Min. Marco Aurélio é igualmente incisivo e não menos enfático. Parte da já lembrada posição de Hely Lopes Meirelles, segundo a qual os agentes delegados, tais os titulares de ofício, não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado, porque constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público, e acrescenta referindo-se aos notários – o que se aplica inteiramente aos registradores: “Os notários enquadrados no art. 236, em virtude de atuarem em caráter privado, não integram sequer a estrutura do Estado. Atuam em recinto particular, contando com os serviços de pessoas que também não têm qualidade de servidor e que auferem salário em face de relação jurídica que os aproxima, regida não pela lei disciplinadora do regime jurídico único, mas pela Consolidação das Leis do Trabalho. Sim, os empregados do Cartório, do notário dele titular,tais como este, nada recebem dos cofres públicos, não passando pela cabeça de ninguém enquadra-los, mesmo assim, como servidores e atribuir-lhes os direitos inerentes a esse status... “Somente o misoneísmo, ou seja, o apego ao anteriormente estabelecido, sem perquirir-se as razões do novo enfoque, da realidade constitucional, é capaz de levar à conclusão de que nada mudou, persistindo, em que pese à referência ao caráter privado contida no art. 236, a delegação indispensável a ter-se o exercício sob tal modalidade, o passado, ou seja, os parâmetros próprios à delegação”. Essa decisão do colendo STF, com a devida vênia, não pode ser tida como jurisprudência consolidada sobre o assunto, porque – salvo engano – é a única a apreciá-lo depois da Constituição de 1988. Por certo que maior reflexão sobre a mudança operada na ordenação constitucional da matéria provocará reorientação no sentido daqueles votos vencidos, não só pelos seus próprios fundamentos, mas porque se conformam, à cunha, com a norma constitucional do art. 236 – e, assim, com os princípios jurídico administrativos que regem a matéria, como se exprimiu acima.(SILVA, 2005, p.876-877)

Essa decisão do Supremo Tribunal Federal era a melhor interpretação do

texto originário da Constituição Federal, mas não se admite esta hipótese para os

notários e registradores que atingiram os setenta anos de idade após a promulgação

da Emenda Constitucional n. 20 que expressamente excluiu do regime próprio de

previdência social todas as pessoas físicas que, apesar de prestarem serviço ao

Estado, não o façam através de cargo efetivo. Aos servidores públicos, ocupantes de

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cargos efetivos, a lei determina a filiação ao regime próprio de previdência social,

aos demais, o regime aplicável é o regime geral de previdência social.

Superada esta questão da aposentadoria compulsória, restam ainda as

aposentadorias por invalidez, tempo de contribuição ou idade. A aposentadoria por

invalidez não enfrenta problemas. Uma vez inválido, o titular da serventia não tem

como continuar à frente da delegação que lhe foi concedida.

Entretanto, a Lei n. 8.935/94 enumera como possibilidade de perda da

delegação a aposentadoria voluntária. Por aposentadoria voluntária, entende-se

aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade.

Para interpretar adequadamente este dispositivo legal, não se pode afastar

que a Lei n. 8935/94 foi editada anteriormente à Emenda Constitucional n. 20/98, um

divisor de águas no sistema previdenciário brasileiro.

Admitindo-se a hipótese do reconhecimento da qualidade de funcionários

públicos lato sensu aos notários, eles seriam contemplados com o regime próprio de

previdência social.

Investidos na qualidade de servidores públicos, o vínculo entre os notários e

registradores com o Estado seria estatutário. Por esse ângulo, uma vez aposentado,

o servidor público extingue o seu vínculo com o ente estatal, razão pela qual, em

1994, seria admissível considerar a aposentadoria voluntária como uma das

hipóteses de perda da delegação.

Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 20, os notários e

registradores perderam qualquer possibilidade de vínculo com o regime

previdenciário dos servidores públicos, aplicando-se a eles, como já demonstrado,

as regras do regime geral de previdência social.

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Ademais, diante da perda da qualidade de servidor público, os notários e

registradores não estão vinculados ao Estado delegante por nenhum regime

estatutário, de natureza funcional.

No regime geral de previdência social não existe norma que proíba a

continuidade do exercício laboral após a aposentadoria. Somente existem duas

restrições ao aposentado que pretende retornar ao exercício de suas atividades. A

primeira, em caso de aposentadoria por invalidez, o aposentado que retornar ao

trabalho, terá o seu benefício cancelado.

A segunda hipótese diz respeito ao segurado que se beneficie da

aposentadoria especial, concedida ao segurado da previdência social que exerce

sua atividade laboral, exposto à ação de agentes físicos, químicos e biológicos

prejudiciais à sua saúde. Se este segurado voltar ao trabalho, para exercer

atividades prejudiciais à sua saúde, terá o benefício suspenso. O benefício, todavia,

será restabelecido se novamente deixar o exercício dessas atividades. Entretanto,

não terá o benefício suspenso se trabalhar em atividades que não apresentem risco

a saúde.

Retornando aos notários e registradores, uma vez aposentados pelo regime

geral de previdência social, estarão sujeitos às suas regras, não havendo

impedimento para a continuidade, ou retorno ao trabalho, exceto nos casos

estudados acima.

No início da vigência da Lei n. 8.935/94, o regime aplicável aos notários e

registradores era o regime próprio de previdência social. Naquele momento, a

aposentadoria significava o rompimento obrigatório do vínculo do notário, que era

tido como servidor público, regra esta ainda vigente para todos os servidores

públicos efetivos que se aposentam.

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O servidor público efetivo, quando se aposenta, deixa de ser servidor público.

Para readquirir o status de servidor público, deverá prestar novo concurso público.

Como a partir da Emenda Constitucional n. 20/98, houve alteração do regime

previdenciário aplicável ao notário, pode-se defender que houve derrogação tácita

do inciso II do art. 39 da Lei n. 8.935/94, porque o notário deverá ser tratado como

segurado do regime geral de previdência social, e não como servidor público, e a

única razão que se vislumbra para a inserção da aposentadoria voluntária como

causa da extinção da delegação, era o vínculo estatutário que existia entre o notário

e o Estado.

Fica, porém, a indagação sobre a conveniência de se impor um limite de

idade ao notário e ao registrador. Considerando que não se aplicam as regras da

aposentadoria compulsória ao titular da serventia, ele poderá exercer a titularidade,

desde que não esteja inválido, razão pela qual é possível encontrar titulares de

serventias rentáveis com idade próxima aos noventa anos de idade, mesmo sem

estar exercendo plenamente as funções notariais. Na prática a serventia está sob a

responsabilidade dos escreventes e auxiliares.

Esta alteração não depende de Emenda Constitucional, tendo em vista que o

texto constitucional já delegou a regulamentação da atividade notarial à lei ordinária.

Particularmente, talvez seja oportuno, se aprovada a Emenda Constitucional

que aumenta o limite de aposentadoria compulsória do servidor público para 75 anos

de idade, promover alteração na legislação ordinária para inserir novo inciso no art.

39 da Lei 8935/94, fixando, como causa de extinção da delegação, o fato do titular

da serventia atingir a idade de 75 anos. Aproveitando a mesma alteração, faz-se a

proposição de revogar expressamente o inciso II, do art. 39 da Lei 8.935/94.

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Pelo que foi exposto, podem ser enumeradas as seguintes diferenças entre

os notários e os servidores públicos:

a) Em caso de transferência de servidores públicos ele não está sujeito à

participação de novo concurso, como nos casos previstos no concurso de remoção

previsto na Lei n. 8935/94.

b) Quanto à forma de remuneração, enquanto os notários e os registradores,

na qualidade de agentes delegados são remunerados diretamente pelos particulares

que utilizam os seus serviços, os servidores públicos são remunerados diretamente

pelo Estado.

Mesmo quando se tratar de serviços notariais gratuitos, tais como primeira

certidão de nascimento, casamento e óbito para pessoas carentes, não se pode

afirmar que o notário estará sendo remunerado pelo Estado. Em cumprimento a

preceito constitucional, o Estado, neste caso, está obrigado a assumir o pagamento

destas despesas em favor das pessoas menos favorecidas.

c) Os notários e registradores não estão subordinados hierarquicamente a

nenhum servidor público, enquanto os servidores públicos estão sujeitos às normas

hierárquicas rígidas. Os notários e registradores, por exercerem uma atividade

delegada, na forma privada, por sua conta e risco, respondem pelos seus atos e de

seus prepostos, assim como são responsáveis pelas obrigações tributárias inerentes

às suas atividades.

d) Os notários e registradores têm o exercício de suas atividades

fiscalizadas pelo Poder Judiciário, que poderá sugerir alterações na rotina, sendo

também responsável pelos procedimentos administrativos responsáveis por

eventuais perdas da delegação.

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e) Não são aplicadas aos notários e registradores as mesmas regras

disciplinares que se aplicam ao servidor público, razão pela qual não se pode falar

em demissão de notários e registradores, mas em perda da delegação.

f) Quanto ao regime previdenciário, os notários e registradores estão

vinculados ao regime geral de previdência social, conhecido como RGPS e o

servidor público é regido pelas normas do art. 40 da Constituição Federal, que

estabeleceu as normas e diretrizes do regime próprio de previdência do servidor

público

g) Por terem regimes previdenciários diferentes, os servidores públicos estão

sujeitos à aposentadoria compulsória, regra que não se aplica mais aos notários, a

partir da promulgação da Emenda Constitucional n.20/98.

h) Após a promulgação da Emenda Constitucional n.20, entendemos que a

aposentadoria voluntária dos notários e registradores não pode ser tida como causa

de extinção da delegação.

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10 CONCLUSÃO

O notário sempre teve uma importância, ao longo da história e em diversos

países do mundo, para a garantia dos atos jurídicos.

Destaca-se ao longo da história três importantes marcos no desenvolvimento

da atividade notarial. Primeiro, a sistematização Justiniana que profissionalizou e

estruturou o serviço notarial. Em segundo, a criação da Universidade Bolonha, que

criou o primeiro curso de notário que se tem notícia. E, em terceiro, a introdução no

serviço notarial, pelo Direito Canônico, por influência do Papa Inocêncio III, da fé

pública nos atos praticados pelos notários.

Ao longo desta evolução histórica destacam-s os serviços notariais da França,

cabendo a Luis XVI o mérito de ter concedido independência ao serviço notarial.

Quanto à Espanha, o destaque está no fato do país apresentar, possivelmente, o

serviço notarial mais desenvolvido do mundo.

Portugal, infelizmente, não contribuiu para a evolução do serviço notarial no

mundo, ficando a reboque da influência francesa e da Universidade de Bolonha.

No Brasil, o fato relevante está no tratamento adequado dado ao serviço

notarial na Constituição da República de 1988, que o diferenciou dos demais

serviços públicos concedidos, ou delegados.

O legislador constituinte traçou as linhas gerais da atividade, destacando o

exercício de forma privada, devolvendo à legislação ordinária o papel para a

regulamentação, o que se deu por meio da Lei n. 8.935/94, conhecida como Lei

Orgânica dos Notários.

Destaca-se que o texto constitucional não facultou ao Estado o direito de

delegar o serviço notarial. A delegação é impositiva, razão pela qual não existe mais

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dúvida sobre a possibilidade do Estado prestar diretamente o serviço notarial.

Ressalte, entretanto, que, mesmo sendo exercido de forma privada, não perdeu a

natureza de serviço público.

Ao longo deste trabalho foram apresentadas diversas questões controvertidas

sobre o serviço notarial, o que exige alteração na legislação regulamentadora para

viabilizar o seu aprimoramento.

A pesquisa e o tratamento dos dados para a elaboração do presente trabalho

permitiu apresentar as seguintes conclusões:

1) A competência para delegar os serviços notariais é do Poder Executivo

Estadual, cabendo ao Poder Judiciário o dever de fiscalizar a prestação dos

mesmos, bem como solucionar conflitos surgidas quanto à competência, ou a

legalidade da prática de determinados atos notariais.

2) O Estado deverá responder diretamente pelos prejuízos causados aos

particulares, em decorrência de conduta ilícita dos titulares das serventias, ou de

seus prepostos;

3) Cabe ao Estado o direito de regresso contra os respectivos titulares das

serventias responsáveis pelos danos indenizáveis;

4) Os titulares das serventias, sendo obrigados a indenizar a terceiros, ou

ressarcir o Estado, pelos prejuízos causados por seus prepostos, terá o direito de

regresso contra eles;

5) Aplicam-se nos serviços notariais, em casos específicos, quando se

vislumbre a relação contratual entre o titular da serventia e o usuário do serviço, as

normas do Direito do Consumidor, classificando-se nestes casos o titular da

serventia como fornecedor e o usuário, como consumidor;

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6) Os notários devem repassar a parte dos emolumentos referentes a taxas

estaduais e direitos de terceiros, por eles arrecadados;

7) É ilícita a cobrança de emolumentos excedentes ao fixado pela Lei,

entretanto, por ser um serviço realizado de forma privada, pode o titular da serventia

conceder desconto ao usuário;

8) É atípica a forma de delegação do serviço notarial, tendo em vista que ela

se realiza na modalidade de concurso, como se o Estado estivesse contratando

servidores públicos, em vez de licitar a concessão da exploração de um serviço

público delegado;

9) Não se aplicam aos notários as regras previdenciárias do art. 40 da

Constituição Federal, especialmente a aposentadoria compulsória quando o titular

da serventia atinge a idade de 70 anos;

10) O titular da serventia é contribuinte obrigatório do regime geral de

previdência social, na classe contribuinte individual;

11) Os titulares das serventias são responsáveis pelas obrigações

previdenciárias e trabalhistas inerentes aos seus empregados;

12) Uma vez que a serventia não tem personalidade jurídica, porque a

delegação é concedida em caráter personalíssimo ao titular,não se aplicam, ao final

da delegação, as regras de sucessão previstas nas normas de Direito Tributário,

Comercial, Trabalhistas, Civil e Previdenciário;

13) Apesar do posicionamento equivocado do Supremo Tribunal Federal

acerca da natureza tributária dos emolumentos, continuamos a defender que a sua

natureza é híbrida. É taxa em alguns casos e preço público em outros.

14) O fato de ser reconhecida a natureza tributária dos emolumentos, este

argumento não pode ser considerado suficiente para reconhecer imunidade, ou

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isenção tributária dos prestadores dos serviços notariais, quanto à cobrança do

ISSQN - IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA, conforme a

Lei Complementar n. 116/2003.

15) O estudo do direito notarial deve ser aprofundado para que os diversos

conflitos decorrentes de sua atipicidade possam ser superados;

16) A permanente fiscalização dos serviços notariais pelo Poder Judiciário é

essencial para o desenvolvimento e credibilidade da atividade, perante a sociedade.

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