O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

download O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

of 52

Transcript of O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    1/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 1

    NOTA DA AUTORA

    O Segredo de Esplendora A Origem uma obra de fico, elaborada a partir da

    imaginao frtil de uma menina que no gosta de dormir. Nenhuma das

    personagens existe e nenhuma das cenas retratadas representa qualquer situao

    verdica. Qualquer semelhana com pessoas ou lugares apenas coincidncia.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    2/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 2

    Eram sculos de guerra e desolao. Os cus se tingiam de vermelho a cada

    crepsculo. A noite se abateu sobre Esplendora desde ento; desde o incio daguerra havia a luz e a escurido na cidade dos Anjos. Havia sangue derramadopelos ladrilhos impecveis e o branco estava manchado para sempre. Eramsculos de guerra, e nunca poderia haver um vencedor.

    Eu no posso continuar vivendo aqui, Fletcher. Ns no podemos. Vocsabe disso, se eles descobrirem no seremos ns que estaremos em perigo. Abdiel disse, enquanto olhava para a cidade que parecia arder em chamas, dajanela do seu quarto.

    Eu sei. Fletcher aproximou-se e enlaou-a com o brao direito. Ps-

    se a olhar para a paisagem ao lado daquela que ele amava. No se tratava maisde um jogo, ele no podia trair seus sentimentos nem sua conscincia. Precisamos ir embora, Abdiel. Precisamos ir para um lugar onde o Oniscienteno nos descubra.

    Voc acha que l estaremos seguros? O Anjo virou-se para Fletcher, osolhos azuis transparentes brilhando. Dos olhos de Abdiel emanavam fascasluminosas que destoavam das cores do conflito em Esplendora. L eu noterei poderes suficientes para proteger-nos dele.

    L ele no ter poderes suficientes para nos ameaar. Lembre-se, Abdiel,que o Mundo Inferior est no limiar entre a luz e as trevas. E nas trevas eupredomino.

    No diga isso. Abdiel jogou-se nos braos de Fletcher, os olhos entomidos pelas lgrimas contra as quais ela lutava. Depois olhou-o brevemente, osemblante preocupado e rgido do Bruxo. Voc tem mais qualidades do quequalquer Anjo nessa terra, Fletcher. Acredite em mim. Mas se voc consideraque o Mundo Inferior nosso melhor esconderijo, ento para l que iremos.

    Preciso despedir-me de meus amigos. No temos tempo. Fletcher beijou rapidamente os lbios do Anjo.

    Eu retorno para conversar com a guardi quando nossa filha estiver para nascer.O Bruxo levou a mo espalmada e tocou o ventre expandido de Abdiel. Ele

    pode sentir uma fora ainda no mensurada emanando do ser que ela gerava.Aquela criana era uma beno e uma maldio em Esplendora; ela era fruto detudo que a cidade repudiava e carregava em si o carma de todas as Profecias.Ela era a filha do Anjo com o Bruxo, os pilares da guerra que destruiria

    Esplendora, para faz-la renascer de cinzas de sangue. Ainda havia muitasmortes at que o conflito terminasse. Fletcher no arriscaria a vida de sua filha e

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    3/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 3

    no permitiria que o Onisciente colocasse tambm a vida de Abdiel em risco.Eles tiveram um acordo, eles tinham um pacto; mas os laos se romperamquando Fletcher descobriu o quanto ele amava Abdiel.

    E junto com o pacto, ps um fim sua existncia, j sabendo as

    consequncias daquela escolha.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    4/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 4

    CAPTULO 1

    Transformao

    Os cus de Graceland pareciam mais escuros do que sempre foram. Por dias,nuvens pesadas pairaram sobre o ar, anunciando uma tempestade. Tempestade

    que nunca chegava, chuva que nem sempre caa. O vento do norte estava maisfrio naquele inverno. A populao de menos de dois mil habitantes j estavaacostumada ao rigor climtico, mas nunca daquele jeito. A pouca luz solar queconseguia penetrar as nuvens de chuva havia feito morrer parte da vegetao eestava deixando as pessoas e os animais doentes. Mal se percebia a noite;ningum via a lua ou qualquer estrela. O hospital recebia mais casos de alergiase problemas respiratrios. As pessoas estavam amareladas, como papelenvelhecido.

    Pelas ruas quase desertas caminhava a mais sombria das figuras deGraceland. Sempre vagando, fazendo o tempo passar enquanto burlava maisuma aula de matemtica. Wesley detestava matemtica e tudo relacionado anmeros. Seus olhos profundos estavam fixados no movimento sem ritmo deseus ps, que eram arrastados pelo calamento irregular. Os dedos das mos jdavam sinais de ressequido; os que ele tentou esconder inutilmente dentro dosbolsos do casaco. O zper da vestimenta estava fechado at em cima, mas aindaassim se podia ver sua face desalinhada.

    Wesley no estava incomodado com o clima esquisito. Nada podia ser

    mais esquisito para ele do que ele mesmo. Ele no se deixava afetar por quasenada que fosse considerado diferente ou anormal. Wesley Mason era a prpriaanomalia materializada em um rapaz de dezenove anos. Vivendo com uma tiaporque os pais o abandonaram anos atrs, ele sequer sabia onde estavam. A tiaera uma boa pessoa, mas no tinha responsabilidade para cuidar nem de siprpria, oferecendo a Wesley apenas abrigo e nada mais que pudesse seraproveitado. O rapaz desenvolveu-se sem padres e parmetros que pudessemlhe garantir uma adolescncia normal natural.

    O sinal soou, e Wesley pode ouvi-lo de onde estava. No se afastava muitodos muros da faculdade, e no era importunado por estar cabulando aula. Os

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    5/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 5

    professores sempre o preferiam longe, porque Wesley Mason por perto era sinalde coisas estranhas acontecendo. Ele era tido como o portador de coisas ruins.Alguns chegaram a creditar a ele o problema climtico. O rapaz voltou sala deaula para pegar seus livros. Era a ltima aula do dia e, mesmo sem nada para

    fazer, ele retornaria para a casa da tia e passaria o dia trancado em seu quarto.No daria tempo. No naquele dia, no naquele instante. A rotina desanimadade Wesley foi abruptamente rompida por um rudo metlico que o atingiu,fazendo com que casse de joelhos no cho de paraleleppedos sujos.

    No havia ningum por perto. Wesley passou a mo em seu pescoo esentiu que havia sangue escorrendo. Imediatamente tudo ficou escuro, aindamais escuro do que Graceland estava. Seu corpo amoleceu como se estivesse sedesintegrando, perdendo completamente os sentidos.

    Isso no era para ter acontecido agora. Uma voz ecoou no vazio. Ocorpo trmulo de Wesley se esvaa em sangue, mas ainda no havia ningumpor perto. A cidade parecia parada no tempo, por alguns minutos.

    Resgate-o. Outra voz fez-se ouvir. Menos grave, mais marcante.Forte. Ou deixe-o, tanto faz. Ele s um humano.

    Sua compaixo para com o prximo impressionante. Ele no meu prximo. Ele nem da minha espcie. A voz menos

    grave parecia desdenhosa. Vamos, resgate-o ou no ter mais tempo de fazer

    nada por ele. Acha mesmo que ele prefere ser condenado a morrer? A passar aeternidade como ns?

    D no mesmo, no? Morto ele j est... ou quase.A imagem escura e borrada de um homem materializou-se imediatamente

    em meio avenida. Os estudantes j deviam estar saindo, mas nenhummovimento se fazia visvel. O homem caminhou lentamente at Wesley echutou para longe um pedao de telha de zinco. O vento estava forte, quase

    insuportvel de se tolerar. O cu negro anunciava a tempestade que pareciafinalmente ter encontrado seu caminho. Era impossvel se imaginar que um diativesse havido sol. O homem olhou em volta, certificando-se mais uma vez deestar sozinho. Tomou Wesley em seus braos e inalou profundamente o ar.

    Delicioso, no ? A voz grave falou, em um tom provocativo. Cale-se, Stuart. Estou chegando.Na mesma frao de segundo em que sua voz preencheu o vazio, o

    homem desmaterializou-se, com Wesley em suas mos. Seus olhos enegrecidosencaravam o ferimento pulsante de Wesley, enquanto uma de suas mos

    pressionava o local onde a carne estava rompida.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    6/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 6

    Hum! A interjeio de insatisfao de Stuart mais parecia um dostroves que se faziam ouvir do lado de fora. Chegaram estalagem vazia ondeele estava, dirigindo-se para a rea de uso comum, aos fundos. O homemcolocou o corpo de Wesley sobre uma mesa de granito e encarou o cu, cada

    vez mais negro. Vamos lev-lo para dentro. Logo comear a chover. Voc no vai se desfazer com a gua, Henry. Stuart deu uma

    gargalhada. Vamos... se vai fazer isso, faa logo. No quero a estalagem todaensanguentada. Se no vai fazer nada com ele, deixe-me ao menos jantar.

    Voc no tem o menor autocontrole. Henry balanou a cabeanegativamente. Seus olhos ficaram to escuros quanto o cu e seus lbios seentreabriram em presas afiadas que imediatamente foram cravadas no pescoo

    de Wesley que gritou, mesmo com a garganta dilacerada. Seu corpo inteirotremeu como se recebesse um choque de potncia incalculvel. Suas mos setorceram em garras, e todos os seus ossos estalaram. Henry tinha os dentespresos carne enquanto o sangue escorria cada vez menos pelo ferimentoaberto.

    No demorou muito. Henry satisfez-se com o sangue vivo da artria aindapulsante. Wesley tremia, agonizante, mas seus msculos pareciam maisrelaxados. Stuart assistiu a toda a cena com olhos arregalados, respirando

    aceleradamente. Depois, antes que fosse tarde demais, Henry fez um corte emum de seus pulsos e jogou o lquido avermelhado que ali escorria dentro dagarganta de Wesley.

    a primeira vez. Stuart recomps-se. No pensei que fosse to... Simples? Henry passou a mo pelos lbios, retirando o excesso de

    sangue. Vamos, Stu. Voc precisa controlar todos esses impulsos humanos.Sua respirao est ofegante!

    A tentao do sangue muito forte. Stuart reclamou.

    Eu sei. E agora? Stuart apontou para o corpo de Wesley, que a cada segundose tornava mais rgido e menos sem vida. Ele morreu? Voc j fez isso antes,sabe o que vai acontecer agora?

    Henry franziu os lbios e encarou o rapaz. Eu nunca fiz isso, Stuart. Nunca transformei ningum, nunca achei

    necessrio condenar ningum a ser como eu. Mas eu sei o que vai acontecer. Moveu os ombros. Em algumas horas ele acorda. E teremos muita coisa a lheexplicar, essa coisa de vampiro recm-criado, a relao com a famlia.

    Ele agora pertence a voc, isso?

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    7/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 7

    Como eu j disse, eu nunca transformei um humano antes. Henrypegou Wesley novamente nos braos e o carregou para dentro da estalagem.No havia mais sangue vertendo de seu corpo, nem algum sinal de que um diaele foi cheio de vida. Os msculos estavam rgidos como se Wesley estivesse

    catatnico, assim como tambm estava muito mais pesado. No sei direitocomo funciona essa coisa de criador e criatura.

    Deveria t-lo deixado morrer. Ele me divertia. Ele divertia voc tambm. Ainda assim... No seja ciumento. Ser bom termos outro membro na famlia. Voc

    anda muito possessivo. Talvez com um brinquedo novo voc me deixe em pazpor alguns anos. Ou sculos, se eu tiver sorte.

    Henry deitou Wesley no sof empoeirado do saguo da estalagem. Ergueuuma sobrancelha e olhou para Stuart, que moveu os ombros em desdm. Eledeveria manter o ambiente limpo, agradvel s pessoas que eventualmentepassavam por ali. A estalagem que antes estivera abandonada passara apertencer aos irmos que no tinham reais laos de sangue h alguns anos,desde quando decidiram estabelecer-se em Graceland. Agir como donos de umcomrcio local, filhos de pais mortos e sem qualquer outra famlia que sepudesse contatar, era um bom disfarce. E ainda os ajudava a conseguir comida.

    O alimento nunca era escasso em Graceland, principalmente nas temporadasde caa.Stuart era o mais jovem, apesar de aparentar ser mais velho. Talvez ele

    fosse mais velho quando humano. Mais alto, mais forte, dono de uma voz gravee potente, poderia ser confundido com um nobre. Henry no tinha certeza desua origem, porque Stuart no guardava memrias de sua vida humana, antes datransformao. Ele pouco se lembrava, apenas podia precisar que havia nascidoem 1774. Seus cabelos loiros e muito plidos, conjugados com os olhos que se

    assemelhavam a vidro, lhe conferiam uma origem nrdica, mas ele no tinhacerteza.J Henry era muito antigo. Sua aparncia de rapaz de vinte e dois anos no

    havia mudado nada desde ento, apenas se aprimorado. Ele tinha uma memriaimpecvel e grande conhecimento. Ao contrrio de Stuart, que era relapso como tempo livre que tinha, Henry usava cada dia de sua vida eterna para descobrirmais, aprender mais. Os cabelos castanhos escuros, quase pretos, se arrumavammeticulosamente em um penteado suficientemente ultrapassado, que seguia amesma linha de seu vesturio. Os olhos sempre profundos e de cor indefinida,

    confundindo-se ora com o preto, ora com o cinza denso, demonstravam que ele

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    8/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 8

    no pertencia humanidade. Se os humanos fossem mais atentos e menoscticos, Henry sempre dizia, eles nunca se deixariam enganar.

    Eu j vivi muito. Henry sentou-se, olhando para lugar algum. Ih, esse discurso de novo.

    Sempre to impaciente, Stu! Henry, esse bl bl bl de vampiro velho tem hora que cansa... voc

    viveu muito? Vai viver ainda muito mais. Voc eterno, esqueceu? Voc, eu,esse a agora. Stuart apontou para Wesley. No vamos morrer nunca,ento que diferena faz quanto voc j viveu?

    Podemos morrer, voc sabe. Podemos, isso no quer dizer que vamos. Quem vai nos matar? Nem

    sabem quem somos, no acreditam no que somos.

    E no sabero quem somos. Henry franziu o semblante. Oshumanos no estaro seguros se souberem de ns, e no teremos mais alimento.

    Eu sei, eu sei. Stuart demonstrou mais impacincia. Ento deixe debobeira, sim? O que devo esperar desse retardado quando ele acordar?

    Ele no ser mais retardado. Henry deu uma risada. Ele ser comons. Invencvel, lindo, insupervel.

    Stuart olhou para o rapaz e fez um bico. Depois, caiu na risada mais umavez. Imaginar que o tolo que eles observavam caminhando de um lado para o

    outro poderia ser como ele era ridculo. Mas era verdade, afinal, os vampiroseram todos muito parecidos. A beleza fsica era inumana, o que lhes conferiauma aparncia de divindade. E a fora descomunal lhes transformava em super-heris. Um tanto quanto diferentes dos heris das criaes humanas, mas aindasuper-heris. A diferena maior que eles no pretendiam salvar a humanidade,apenas alimentar-se dela.

    Henry levantou-se, endireitando o corpo esguio. Com um olhar, solicitou acompanhia de Stuart. O cu estava completamente escurecido, e a chuva caa

    torrencialmente. Eles deviam passear pela cidade, deixar que Wesley serecompusesse e pudesse, ento, acordar para a sua nova vida. Uma vidadiferente, condenada, sem vida. Vampiros no eram vivos, e no eram mortospor completo. Henry nunca teve certeza se teria sido melhor que tivessemorrido. Recusava-se a transformar humanos porque no queria mais seresmalditos vagando por aquele mundo perdido. Mas a ideia humana de queandar, falar, sentir, estar no mundo terreno, era vida, o impeliu a transformarWesley. Ele precisava lidar com aquilo. S isso.

    A Montana State University recebia os alunos do incio de mais um ano letivo,

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    9/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 9

    e a recepo dos calouros estava impecvel em 2004. Uma banda tocavamarchas tpicas da Universidade enquanto as lderes de torcida empolgavam osvisitantes e alunos com coreografias bem montadas. Havia uma participanteilustre naquela festa toda: a jovem Heather Jane Cohen, prodgio de vinte anos

    de idade, proveniente da minscula Graceland, que tinha terminado o ensinomdio com quinze anos e j havia cursado a Universidade pblica na mesmacidade de Bozeman. Com vinte anos, ela j era graduada em Astronomia epromissora pesquisadora, com mais de sete trabalhos publicados e um Mestradoem andamento.

    A Universidade no estava apenas admitindo-a como aluna no curso deMestrado. Heather chegava como professora da graduao e pesquisadora.Contratada por um salrio polpudo, fora disputada por outras duas

    Universidades, mas decidiu-se por continuar em Montana. A garota sistemticae incomum chegou ao primeiro dia de aula vestindo jeans e uma blusavermelha, cores da Universidade, carregando uma bolsa velha com seucomputador pessoal e algumas anotaes. Avessa a algumas tecnologias, ela seadaptou apenas ao computador. No gostava de telefones celulares, ou pagers,ou qualquer coisa do tipo.

    Heather tinha os cabelos to loiros quanto o sol de vero, e seus olhoseram de um azul plido, quase transparentes. A pele muito branca deixava

    mostra as veias azuladas de seu corpo. Magra, pequena, com feiessurrealmente delicadas e simtricas, que ela cuidadosamente escondia atrs deum par de culos de armao escura e pilhas de livros. Mas no foi a suaaparncia incomum que causou surpresa em toda Bozeman, quando da suachegada. Foi a energia estranha que ela irradiava, o fato de preferir dormir aodia e estudar durante a noite, a sua averso a qualquer tipo de crena oureligiosidade, o ceticismo relacionado quilo que a cincia no provassematematicamente. Para Heather, a vida resumia-se cincia e seus

    experimentos, e nada mais fazia sentido se assim no fosse. Na verdade,Heather no costumava acreditar em nada. Ela ainda no tinha encontrado nadaem que valesse a pena acreditar simplesmente; o mundo se resumia quilo queexistia.

    Os seus dados foram lanados, e o futuro de Heather estava na mo de simesma. Ela tinha toda a estrutura que precisava para desenvolver seus trabalhose podia selecionar novos pesquisadores em sua sala de aula, recrutandoestagirios para seus projetos. A jovem tinha todo um rol de fs que a perseguiapela cidade de Portland, e que daria qualquer coisa para ser um dos discpulos

    que anotava as percepes de Heather sobre as estrelas e astros. Ela tinha listas

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    10/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 10

    de pessoas interessadas em ser qualquer coisa em suas pesquisas, at mesmodigitadores. Aquilo a manteria envolvida com a cincia, e distrada at quando acincia lhe bastasse. Heather tinha certeza que o relacionamento duraria parasempre.

    Era noite no campus, estava frio e Heather estava janela, observando ocu. Havia uma estrela que brilhava mais do que todas as outras, que cintilavaem uma colorao incomum. Aquele corpo celeste no parecia estar ali todanoite; Heather no tinha certeza se j o tinha visto alguma vez. No podia seruma estrela nova; seu brilho intenso demais e seu tamanho a faziam acreditarque ela estava ali h algum tempo. Mas ela realmente ainda no a tinha visto.

    Antes que pudesse pegar seu telescpio para analisar o astro, Heathersentiu um calafrio lhe percorrer toda a extenso do corpo. O vento estava forte,

    e ela podia ouvir o farfalhar das rvores conferas que circundavam o ptio daUniversidade. Volte para casa, Heather, uma voz ecoou junto com o barulhodas folhas bruxuleantes. Voc precisa voltar para Esplendora. A mulherafastou-se da janela, os pelos do corpo eriados como se ela fosse um gatoacuado, sem conseguir tirar os olhos do astro brilhante. Olhou em volta erespirou fundo, tentando concentrar-se na voz que tinha acabado de ouvir. Nohavia ningum ali, todos dormiam no prdio de alojamentos. Talvez um ououtro aluno com a mesma insnia que ela, mas nenhum deles saberia seu

    nome. Volte para casa, ela ouviu novamente a melodia. Acreditando que tudose tratava de um surto psictico causado pelo excesso de trabalho e pelo stress,Heather fechou a janela, puxou as cortinas e foi para a cama, certa de que nodia seguinte no haveria mais rastro daquele momento de insanidade.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    11/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 11

    CAPTULO 2

    Criador e Criatura

    A escurido do cu havia sido substituda por uma lmpada incandescenteque se movia de um lado para o outro. Wesley piscou os olhos duas vezes,

    tentando se lembrar. Estava indo em direo faculdade, e ento acordou emalgum lugar macio. Tudo que via era o teto de algum cmodo e s o que podiaouvir era o rudo do lado de fora, sem que ele conseguisse identificar o lado defora de qu. Respirou fundo, porm uma coisa engraada o fez assustar-se. Eleno sentiu o ar lhe preencher os pulmes naquela sensao de alvio imediatoquando se est a sufocar. O ar entrou, saiu, fez seu caminho natural. Mas asensao de alvio no veio.

    Suas mos foram at os olhos e os esfregaram com fora. Ele sentiu comose uma areia grossa estivesse lhe atrapalhando a viso, mas no sentiu ardnciana tentativa de limpeza. Seu corpo moveu-se instintivamente para cima, fazendocom que ele se sentasse. O campo de viso se ampliou para uma sala malornamentada e de aparncia suja. Seus dedos tocaram a textura irritante de umsof velho.

    Voc acordou. A voz suave penetrou muito rapidamente nos ouvidosde Wesley, fazendo-o virar-se assustado. Em uma frao de instantes ele estavade p e os olhos arregalados a fitar Henry. Acalme-se, deixe-me apresentarprimeiro. Eu me chamo Henry Austin.

    Henry estendeu a mo direita, movendo-se lentamente na direo deWesley.

    Quem? Henry Austin. Eu sou um amigo. No o conheo. Sou Wesley Mason, onde estou? Wesley ainda

    olhava em volta, sobressaltado. Seus dedos estavam fincados no tecidoacarpetado do sof.

    Voc est em nossa casa. Acho que precisamos ter uma conversa muito

    importante agora. Por qu?

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    12/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 12

    O questionamento de Wesley escondia diversas perguntas que no foramfeitas. No sabia onde estava nem quem era aquela pessoa que conversava comele e se dizia amigo. No sabia o que havia acontecido e no se lembrava muitobem do dia que passara. Seu corpo tinha reaes instintivas e o impulso o

    empurrou para cima. No instante em que se levantou, bastante assustado comHenry, Stuart chegou por trs dele e segurou suas duas mos nas costas. Umsorriso sarcstico reluziu nos lbios deste, enquanto ele mantinha imvel orapaz. Wesley tentou desvencilhar-se sem qualquer sucesso. As mos de Stuarteram como algemas.

    Stu, no precisa disso tudo. Henry franziu a sobrancelha e sentou-se. Sei l, ele no um novato? J vimos novatos antes... eles so terrveis. Sim, mas eu sou o seu criador. Ele nunca ser mais forte do que eu, e

    nem mais que voc. Voc um sculo mais velho do que ele! Vamos, solte-opara podermos conversar civilizadamente.

    Stuart ainda levou alguns segundos at soltar os pulsos de Wesley que, tologo se viu liberto, correu em direo a uma parede e acuou-se prximo de umagrande cmoda. Olhos arregalados e perdidos, ele encarava os dois homens queo observavam.

    Quem so vocs? O que querem comigo? Por que me trouxeram aqui? Wesley, aconteceu um acidente. Henry comeou a falar. Seria mais

    fcil ir diretamente questo principal. Voc sofreu um acidente, para sermais preciso. Acidente? Sim. Um pedao de telha de zinco se desprendeu de algum telhado e

    acertou voc no pescoo. Voc perdeu muito sangue, no seria possvel salv-lo.

    Wesley olhou em volta mais uma vez. Relaxou um pouco, caminhou emdireo aos dois homens. Eles pareciam muito diferentes de todos que ele

    conhecia. Suas mos tocaram a garganta como se ele procurasse um enormeferimento, um curativo, alguns pontos. No havia nada ali que comprovasse queele tivesse sido atingido por algum objeto.

    Eu estou no cu? Vocs... so anjos?Stuart gargalhou, e Henry sorriu. Estamos bem longe disso. Henry prosseguiu. Ns apenas

    resgatamos voc. Ento eu no morri? Wesley passou as mos pela face, incrdulo.

    Seus dedos comprimiram seu pescoo ainda, tentando encontrar o que no

    estava ali.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    13/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 13

    Voc morreu, sim. Henry torceu os lbios. Mas no somos anjos.Na verdade, ns... Wesley, voc acredita em seres sobrenaturais?

    Pessoas com poderes especiais? Esses so paranormais, seu burro! Stuart bateu com a palma da mo

    na testa. Supernaturais. Entidades mticas, seres que pertencem a lendas. Ah, claro... como lobisomem, vampiros, essas coisas? Claro que no

    acredito! Eu sou tolo, mas no sou burro. No adianta vir querer me fazer de... Talvez voc queira rever seus conceitos. Stuart gargalhou novamente. O que ele quer dizer que precisamos lhe contar uma coisa importante,

    da qual agora voc faz parte. Quando voc sofreu o acidente, ns o resgatamosporque sempre observvamos voc perambulando de um lado para o outro,

    matando aula, e voc nos divertia. Eu pensei, ento, em transformar voc. Entoo trouxemos para casa e...

    Voc o diabo? Wesley arriscou outra opo, interrompendo odiscurso de Henry. Se aquele homem no era um anjo e se ele estava morto,ento aquele era o inferno. Stuart deu outra gargalhada, daquela vez maissonora.

    Stu, pare de rir. Henry protestou. O menino est confuso, s isso.No, eu no sou o diabo. Talvez eu seja uma criao dele, mas no sou ele. Eu

    e Stuart somos vampiros, Wesley. E agora voc tambm um.Wesley perdeu o pouco controle que lhe restava. A confuso mental quelhe havia acometido, somada chocante notcia de que ele relutaria emacreditar o fizeram desesperar-se e tentar fugir. No era razovel acreditar emnada do que lhe estava sendo dito, mas ele no estava consciente das limitaesde sua condio de recm criado. Os olhos de Henry se enegreceram e Wesleytentou passar pelos dois para alcanar a porta. Stuart tentou agarr-lo, semsucesso. Henry colocou-se frente da sada e exps suas presas, alterado.

    Cravou as mos nos braos de Wesley e o arrastou at o sof novamente,forando-o a sentar-se.A ao de Wesley e a reao de Henry duraram menos de um minuto.

    Vampiros moviam-se de forma rpida e precisa. E Henry era o criador. Ele tinhatotal controle sobre suas criaes, que lhe deviam submisso at o momento emque fossem libertadas. Stuart no fora criado por Henry; os dois se encontrarame decidiram passar a eternidade juntos para facilitar o convvio com oshumanos, a alimentao. No havia hierarquia exatamente entre eles, somenteo fato de que Henry, por ser o mais velho, tinha voz mais ativa. Mas a relao

    era de respeito mtuo, porque Henry no gostava da ideia de se fazer prevalecer

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    14/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 14

    sobre outro vampiro. Porm, Wesley precisaria de disciplina nos seus primeirosanos de vida, Henry sabia.

    Vocs vo me matar? Wesley estava apavorado ento, tremendocomo se ainda fosse humano. Suas sensaes ainda no estavam devidamente

    aprimoradas. Vo me devorar? Voc j est morto, Wesley. Henry retomou sua expresso paternal, a

    face novamente humanizada. Se quisssemos devor-lo, e vampiros nodevoram pessoas, voc no estaria conversando conosco.

    Mas eu... cus, vampiros no existem! Eu me recuso a acreditar! Bem, voc precisar de tempo para assimilar tudo. E voc ter tempo de sobra! Stuart deu outra risada, sendo

    repreendido imediatamente pelo olhar ferino de Henry. Tudo bem, pacincia

    com o novato. Eu tenho presas? Vou beber sangue, agora? Sim, voc tem. E sua alimentao ser sangue, do que mais vampiros se

    alimentam? Sangue humano, sangue de animal, qualquer sangue. Mas no sepreocupe, voc no precisa matar as criaturas para se alimentar delas.

    , o Henry tem todo esse padro tico de humanos so amigos. Como vocs fazem? Ningum nunca ouviu falar de vocs... estamos

    ainda em Graceland? Vocs podem sair ao dia? Como me observavam...

    Tantos questionamentos; tentarei responder a tudo. Vejamos, nspodemos fazer com que os humanos caiam em nossas graas, Wesley. Eles soatrados e nos alimentamos deles, sem causar nenhum dano emocional. umacaracterstica interessante nossa. Alguns dizem que enfeitiamos os humanos.Eles no se lembram de nada, depois. E tentamos deixar no lugar uma feridaque possa ser facilmente confundida com um arranho, ou um corte. E estamosem Graceland sim, adoro esse lugar. Moramos aqui h bastante tempo. Vamos evoltamos sempre, para podermos deixar pular as geraes e os humanos no

    perceberem que no envelhecemos, se me compreende. E no podemos sair ao dia. Stuart decidiu falar, tambm. Ele queriaser parte do processo de aprendizagem do novato. Na verdade, nossoproblema no o dia, mas o sol. O sol nos mataria, ento o dia nos mataria.Porm, h muito tempo no h um raio de sol em Graceland. Sem sol, estamosseguros, desde que usemos alguns acessrios. J o sol...

    Voc ouve a chuva, Wesley? Henry sentou-se ao lado do rapaz, quej estava absorvido nas histrias. Voc consegue cheirar a tempestade? Oaroma da terra molhada?

    Sim.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    15/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 15

    Sentidos bem apurados, os de um novato. Tudo ser uma grandesensao para voc, agora. Voc muito perigoso, ainda, tem pouco controlesobre seus instintos e pode matar humanos sem querer. Ou esquecer-se deenfeiti-los e revelar nosso segredo. Por isso, ter que confiar em ns.

    Wesley torceu os lbios e encarou Henry mais uma vez. Aquela era apessoa que o resgatara da morte, condenando-o a outro tipo de morte. Wesleyestava tecnicamente morto, porm sentia-se mais vivo do que nunca. Levantou-se do sof, em um reconhecimento mais calmo do ambiente em que seencontrava, e deixou que seus ps o guiassem at o espelho que estavacolocado sobre um aparador. Vampiros no devem ter reflexo, era s o quepensava. Mas ele precisava ver como estava, se ainda era o mesmo apesar detudo. Se aquele que andava com seus ps era Wesley Mason e no um ser

    diferente qualquer.A imagem que apareceu no espelho o surpreendeu. Era a mesma face de

    Wesley Mason, mas sem os defeitos de Wesley Mason. O cabelo parecia maisbrilhoso, e os olhos estavam definitivamente mais claros. O rapaz passou osdedos pelo nariz, que parecia menor. No havia mais uma pequena cicatriz porsobre seu superclio, presente de uma queda quando criana. A marca haviasimplesmente desaparecido. Seus lbios eram vermelhos e carnudos, comoeram os lbios dos artistas de cinema. Wesley parecia um artista de cinema.

    Nem culos ele parecia precisar mais. Sim, vampiros tinham reflexo. E o deleera muito mais lindo do que ele esperava.Sua expresso de assombro chamou a ateno de Henry, que se deslocou

    at onde ele estava. Wesley parecia um fantasma, ou algum que tinha vistoum. Sua pele estava mais alva do que nunca, e ele tinha certeza de que seusmsculos haviam crescido.

    Somos predadores. Henry sorriu. Predadores atraem sua presa. Porisso, somos lindos. Nem precisava, afinal, somos muito fortes. Mas a beleza faz

    parte do nosso carma. Todos os vampiros so assim, perfeitamente lindos. Vocno vai encontrar nenhuma falha em voc, Wesley. Uau. O novato soltou uma interjeio de jbilo. Sua expresso era de

    verdadeiro deleite consigo mesmo. Eu nunca fui lindo. Eu sei. Stuart implicou, sorridente e debochado. Mas no pense

    que s porque est mais bonito do que os humanos isso lhe faz importante.Ainda sou muito mais qualquer coisa do que voc. E, na verdade, isso nem fazmuita diferena.

    Por qu? Wesley olhou curioso para o vampiro mais jovem.

    Nossa beleza no atrai garotas. Stuart riu. No nos relacionamos

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    16/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 16

    com humanos. E vampiros... Bem, vampiros fazem sexo com qualquer outrovampiro, a beleza irrelevante porque todos so, na verdade, bonitos demais.

    Wesley arregalou os olhos, e continuou a contemplar-se na frente doespelho. Deixaria aquela conversa de sexo para outro momento, menos

    confuso. No havia sinais de que ele sofrera qualquer dano, e no havia sinaisde que ele tivesse deixado a vida terrestre. Ele poderia no ser mais humano,mas sentia que havia se tornado algo muito superior. Algo sobre-humano, que otornaria muito mais capaz de enfrentar as adversidades do cotidiano. Wesleyainda no assimilara que agora era imortal. Ele no tinha noo das dificuldadesem ser eterno, porque ele havia acabado de renascer. Henry suspirou, vendosua criao a se admirar. Wesley at tinha aceitado a situao muito bem, semmaiores traumas aparentes. Ele pensou que teria que lidar com um novato em

    fria, que Wesley demoraria a aceitar o fato de estar condenado a uma vidareclusa e seletiva. Mas o rapaz ainda teria muito tempo pela frente para remoerseu infeliz destino.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    17/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 17

    CAPTULO 3

    Especial

    Wesley Mason estava prestes a descobrir que ser um vampiro era umadifcil misso. Superado o assombro inicial de se ver com estranhos que se

    intitulavam seres mticos, descobrir-se um morto vivo e descobrir que passaria aprxima eternidade vivendo como nmade, escondendo sua existncia dahumanidade e bebendo o sangue alheio, Wesley passou rapidamente para afase da autoadorao. Durante toda a vida fora considerado um problema paraos pais, um estorvo para a tia, um inconveniente para os colegas de sala. Wesleyera indesejado onde estivesse, e o status de vampiro lhe caiu bem. Ao contrriodo que seu criador previa, ele no se sentiu condenado, nem considerou queaquela opo fosse ruim. Ser um vampiro lhe colocaria imediatamente em umacondio superior, de poder. Era forte, era lindo, era perfeito.

    Ainda assim, Wesley enfrentaria logo na sua primeira noite como vampiroa provao de ser um novato. No seria logo que ele poderia aproveitar asglrias de ser poderoso; ele ainda era muito estabanado e no sabia lidar comsuas habilidades. Como recm-criado, ele precisava alimentar-se. O sangue queestava em seu corpo pertencia ao Wesley Mason humano, e estava imprestvel.Era sangue morto. Ele precisava alimentar-se, preencher-se com sangue humano,vvido, vermelho; satisfazer sua necessidade imediata. E poderia ficar bastantetempo sem alimento depois, mas naquele primeiro momento, era necessrio

    que o fizesse.Stuart foi escolhido para ir com ele procura de uma presa. Henry j havia

    se fartado do prprio Wesley, saciando-se com seu sangue pr-morte. Estavasatisfeito e no poderia ser til nos ensinamentos do novato. J Stuart no comiah algum tempo, suas profundas olheiras demonstravam aquilo.

    Vou fazer tudo errado. Wesley ponderou. Ele ainda vestia sua roupahumana. Stuart parecia menos moderno, vestindo roupas tradicionais. Wesleyachou graa dos dois vampiros que se vestiam como seu av.

    Claro que vai. Henry afagou sua cabea, como um pai afaga o filho. Mas Stuart vai te assessorar durante todo o processo. No difcil, natural.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    18/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 18

    Voc no vai agir como um louco em filmes de terror. J disse, o Henry tem aquela tica de no dilacerar humanos. Stuart

    pareceu entediado. Se eu dilacerasse todo ser do qual j me alimentei, eu teria causado a

    extino da raa humana, Stu. Se pudermos beber deles e depois liber-los, porque acabaramos com a comida?

    Wesley deu uma gargalhada histrica, achando graa do comentrio deHenry. Stuart emburrou, cruzando os braos, e torcendo os lbios. Depois,dirigiu-se at a porta e a abriu, convidando Wesley para segui-lo.

    Vamos, temos um longo caminho. Vamos a Graceland? Wesley perguntou, e estava curioso. No, voc muito conhecido por l. Vamos a outro lugar, e isso nem

    importante. Comida comida, o gosto sempre igual: uma delcia.Henry balanou a cabea negativamente, mas deixou que os dois

    seguissem seu caminho. Stuart era um vampiro experiente o suficiente para darconta de um novato, e ele sempre poderia interferir se algo desse errado. Henryestava ligado inexoravelmente a Wesley, e poderia captar com muita definiotudo que lhe acontecesse. Alm do mais, o pior que ele podia prever era amorte de um humano. Sem maiores perdas a serem contabilizadas.

    O vampiro mais antigo sentou-se luz fraca da lareira. Era noite h pouco

    tempo, mas chovia sem parar e a escurido do cu parecia sem fim. Henrysempre se impressionava pelas razes mais simples. O fogo nunca fizera mal aum vampiro, nem a luz artificial. O problema era o sol, aquele astro iluminadodemais, que lhes podia incandescer como a um palito de fsforos. Ciente deque ele teria apenas que esperar pelo retorno dos companheiros, levantou-se ecaminhou at a biblioteca, que ficava no mesmo andar trreo. Escolheu umlivro da prateleira mais alta, bateu a poeira da capa e retornou para a sala. provvel que este eu tenha lido h mais tempo, considerou. A Anatomia da

    Destrutividade Humana era um livro recente, mas denso o suficiente paramant-lo entretido por algumas horas.

    O novato seguia no banco do carona de Stuart, dedos cravados no estofadonovo. O carro inteiro cheirava a novo, porque Stuart nunca gostava de ter omesmo carro por muito tempo.

    s vezes preciso carregar humanos aqui e o carro fica com cheiro decomida. Foi o comentrio, quando percebeu que o novato estavaimpressionado com o veculo.

    Wesley quis perguntar sobre a convivncia com os humanos, mas ainda

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    19/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 19

    ecoavam em seus ouvidos as palavras de Stuart dizendo que eles no interagiamcom humanos. Provavelmente a nica interao se limitava ao horrio dasrefeies.

    Wesley esperou, no to pacientemente, pelo alimento que viria. Ele no

    estava acostumado a ser irritvel ou ansioso, mas desde que acordou doacidente sofrido ele no era mais o mesmo.

    O que vamos fazer? O novato esfregava os dedos enquantocaminhava ao lado de Stuart, to logo estacionaram o carro.

    Nada como nos filmes. Stuart recordou-se das palavras de Henry. Ele chato, mas tem razo. Vamos seduzir uns humanos, beber o quequisermos, enfeiti-los e devolv-los ao seu habitat.

    Do jeito que voc fala parece fcil. Wesley olhou em volta, a rua

    quase deserta pelo mau tempo. No estavam em Graceland; haviam dirigidobastante. Mas o clima estava horrvel assim mesmo.

    fcil. Como j disse, os humanos caem em tudo que falamos.Observe-me.

    Stuart entrou repentinamente em um estabelecimento. O letreiro luminosoem vermelho dava notcia de que se tratava de um bar, do tipo que Wesleynunca entraria. Ele no tinha o hbito de frequentar bares ou casas noturnas,mas teria realmente que rever seu comportamento. Vampiros no andavam no

    sol, ento ele no poderia mais esconder-se dentro de casa noite, como decostume. Puxou o ar com fora e deixou que ele passasse por seu corpo semnenhuma reao. Seus pulmes no mais recebiam o ar fresco como antes eno reagiam ao estmulo da respirao como quando era humano. Lbiosretorcidos em protesto, Wesley seguiu Stuart.

    To logo entrou, o novato viu Stuart prximo a uma mulher que estavasentada no balco. Wesley no entendia nada de garotas, e achou melhorrecostar-se perto de Stuart. Ele sequer sabia se poderia agir como se conhecesse

    o vampiro, ou se deveria parecer indiferente. Na dvida, apenas aproximou-sedo vampiro e prestou ateno em sua conversa. Conhea meu amigo, Wes. Stuart subitamente virou-se para o novato

    e apresentou a garota para ele. A mulher sorria e era muito bonita. Wesleysentiu um aperto na garganta, como se uma mo enorme lhe comprimisse opescoo. No achou que aquela sensao fosse causada pela beleza da garota,mas por algo diferente, que ele ainda no havia sentido. Ento, voc semprevem a esse lugar?

    Stuart prosseguiu com sua conversa, e Wesley continuou a sentir o aperto

    incmodo. Seu organismo parecia prestes a sucumbir a uma tentao

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    20/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 20

    incontrolvel. O vampiro mais velho virou-se novamente para o novato e torceuseus lbios em um bico.

    Hum. Nada bom isso. Ele disse, franzindo a sobrancelha,preocupado com os olhos profundamente enegrecidos do novato. Diga,

    Layla, voc tem uma amiga? Sim, ela vai me encontrar aqui logo. Seria melhor se sassemos daqui e fssemos a outro lugar. Stuart

    levou seus lbios at os ouvidos da garota e sussurrou. Meu amigo tmido eprefere ambientes mais vazios.

    Como que em um passe de mgica, a garota levantou-se, pronta paraseguir os dois vampiros aonde fossem. Stuart sorriu, apesar de estar acostumadocom aquilo. Sempre daria certo, sempre seria fcil conseguir alimento. Uma

    garota somente era insuficiente para saciar a sede do novato, principalmenteporque ele parecia prestes a perder o controle. Mas j que havia uma amigasendo esperada, Stuart poderia protelar sua alimentao um pouco.

    Wesley seguiu o vampiro e a garota, caminhando com extremadificuldade. Algo dentro de si dizia que ele precisava esperar o comando deStuart, mas uma fora difcil de controlar o compelia a avanar por sobre apresa. To logo se aproximaram do carro, Stuart aproximou seus olhos dos olhosda mulher e aguardou uma frao de segundos. O carro estava estrategicamente

    localizado em uma regio deserta. Voc est bem, nada de mau vai acontecer. Ele disse, respiraopausada, concentrado. Voc vai entrar no carro conosco, e vai deixar quemeu amigo se alimente de voc.

    Sim. A garota respondeu. Wesley assustou-se, o tom de voz damulher era mecnico, como se ela estivesse lendo um script. O que vocquiser, Stuart.

    No, o que ele quiser. Stuart abriu espao e puxou Wesley para seu

    lugar. Voc vai deixar que ele faa o que ele quiser. O que isso? Wesley questionou. Eu a estou enfeitiando. Stuart reclamou. No me interrompa;

    entre no carro com ela, no banco de trs. Divirta-se. Eu devo... Voc est com fome, no est?O novato no soube responder. Vamos, novato. Voc est com fome, esse seu olhar no nega. Essa

    ardncia na garganta, essa sensao de estar tendo o pescoo esmagado, essa

    agonia, isso parte do seu novo sentido de fome. Quanto mais fome, mais

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    21/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 21

    insuportvel a agonia. Entre no carro e voc saber o que fazer, libere-se.Feche os olhos, deixe suas presas expostas e beba. No nada demais, natural.

    Stuart abriu a porta do carro e empurrou a garota para dentro. Ela no tinha

    mais vontade prpria, estava completamente enfeitiada. Wesley tentou agircomo Stuart o ensinara, fechando os olhos e relaxando os msculos. O aromacido do sangue penetrou suas narinas e ele pode ouvir claramente o pulsar deuma artria. Seus olhos se abriram em fogo, e seus lbios se repuxaraminstintivamente para expor as enormes presas que se expandiram em uma fraode segundo. Em poucos segundos ele j estava dentro do carro, por sobre agarota, dentes cravados onde o sangue lhe parecia mais apetitoso: na artriafemoral.

    O vampiro recm-criado no tinha definitivamente controle de suashabilidades. Stuart chegou a considerar se ele tinha qualquer habilidade, vendo-o se alimentar. Ele sugava o sangue com violncia, e pressionava seus dedoscontra a carne da mulher. A fora desproporcional de Wesley, fora de controle,poderia ser letal aos humanos. Stuart pressentiu que aquilo no iria acabar bem,e que talvez nem fosse preciso esperar pela amiga. Era mais provvel queWesley causasse ferimentos irreparveis na garota, obrigando-o a mat-la. Quefosse, Stuart no tinha toda a compreenso moral exagerada de Henry. Para ele,

    matar humanos durante as refeies no era de todo um problema; era atmesmo divertido. Drenar um humano at o seu fim era o sonho que ele tinha.Vampiros antigos no tinham mais muitas aspiraes a perseguir, e tendosempre vagado com Henry, Stuart nunca havia se dado ao trabalho de desafiar oamigo para realizar aquela faanha. Vendo o novato se alimentando umacoisa totalmente indita para ele, Stuart considerou que aquela era a sua hora.Ele poderia finalmente drenar a humana at o fim.

    Mas se fizesse aquilo, teria que esconder o corpo. No poderia larg-la em

    uma beira de estrada e culpar outro animal faminto. Para poder drenar ahumana at o fim, Stuart teria muito trabalho. Ou ele no poderia realizar o seusonho. Irritado por ter que fazer algo que no estava a fim, o vampiro deu apartida no carro e saiu cantando pneus em direo a um lugar ainda maisdeserto; o meio de alguma floresta ou trilha. Algum lugar no qual ele pudesseparar e tirar Wesley de dentro do carro sem chamar ateno demais.

    Quando a vegetao j estava densa ao redor do carro e a civilizaoparecia ter ficado muito para trs, Stuart parou o veculo, abriu a porta traseira earrancou Wesley de sua presa. Recebeu imediatamente um ataque j esperado,

    no qual o vampiro novato pretendia defender seu jantar com toda violncia.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    22/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 22

    Wesley cravou-lhe as unhas no peito e derrubou-o no cho, com ummovimento rpido. Percebeu que se tratava de um conhecido, mas noconseguiu controlar-se. Stuart moveu as pernas e usou os dois ps para empurrarWesley para cima, fazendo com que o novato aterrissasse violentamente alguns

    metros para frente. O barulho causado pelo impacto do corpo de Wesley com ocho poderia facilmente ser confundido com o explodir de uma bomba leve.

    Quando o novato conseguiu retornar para o carro, Stuart j tinha suaspresas entranhadas na carne desfalecida da garota. Ele precisava que elaestivesse viva, apesar de tudo. Sangue morto no era alimento de vampiros.Enquanto o corao dela batesse, ele poderia sug-la at o limite. E elepretendia que ela morresse apenas depois que o sangue j estivesse totalmentedrenado de seu corpo frgil.

    Henry estava concentrado em sua leitura quando os dois vampirosretornaram. Horas haviam se passado, e ele suspeitava que algo no tivessedado muito certo. Mas era de se esperar, afinal Wesley era um recm-criado.No se podia imaginar que ele fosse acertar de primeira. O aroma de sanguecoagulado imediatamente penetrou as narinas de Henry, fazendo com que seusolhos respondessem ao estmulo. Ele puxou o ar para dentro dos pulmesressequidos com toda fora possvel, sorvendo o cheiro delicioso do alimento.

    Tiveram um banquete. Ele implicou. Os dois vampiros se

    aproximaram, Wesley um tanto zonzo. Ele havia bebido demais. Sobroualguma coisa do pobre que serviu de alimento a vocs? Estou sentindo um tom jocoso de reprovao nesse comentrio?

    Stuart irritou-se. Voc sabe que no concordo com isso. Henry fechou o livro,

    fazendo um estampido surdo. Explique voc para o novato que ele no pode beber mais de dois litros

    de sangue, ou o humano morre. Stuart zombou, e Wesley baixou a cabea.

    No estou culpando voc, Wesley. Henry sorriu. Isso acontece, mesmo muito difcil parar quando comeamos. Est saciado, agora? No sinto mais como se fosse sufocar. Wesley olhou para cima, a

    boca inteira tomada pelo sangue coagulado. Foi interessante. Deve ter sido. Eu nunca matei uma pessoa. Isso no est errado? Quero dizer, no

    deveramos matar para comer, no mesmo? errado. Voc no matava para comer quando era humano? Henry ponderou.

    Humanos no matam para comer?

    No matam humanos. canibalismo.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    23/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 23

    S se vocs forem da mesma espcie, Wesley. Henry passou a modireita pelo ombro do novato. Voc no mais humano. Os humanos so,para ns, como qualquer outro animal na natureza. Se me entende.

    Pensei que fosse contra mat-los.

    E sou. Henry lanou um olhar de desaprovao para Stuart. Masno posso deixar de aceitar as coisas como elas so. Se eu fosse um humano, epudesse comer sem matar, faria. Sou um vampiro, e posso comer sem matar. Euposso fazer isso, principalmente porque sou um vampiro to velho que poucaquantidade de sangue me satisfaz. Agora, voc talvez ainda mate alguns. Vamoste ajudar a esconder os corpos, a culpar outros animais. Com o tempo, voc seacostuma.

    Vou me lavar. Stuart interrompeu o momento paternal. Essa

    conversa est me dando nsia de vmito.

    Os anos se abateram sobre Graceland sem que ningum percebesse o quehavia acontecido com Wesley Mason. A tia no se importou com o sumio dosobrinho, ela nunca havia efetivamente se importado com Wesley. Talvez maisdo que seus pais, mas ela ainda no podia ser considerada uma pessoa que seimportava. Os amigos, Wesley no os tinha. Algumas pessoas notaram que elehavia parado de ir s aulas ou de perambular pela praa, mas pensaram apenas

    que ele tivesse ido embora. Wesley era o tipo de morador que a cidadedispensava; no valia o tempo gasto em preocupaes com ele. Era apenas maisum degenerado que se havia perdido no mundo.

    Havia, porm, uma cidad que deixava a cidade orgulhosa, e que faziacom que o pas soubesse da existncia de Graceland. A filha ilustre, queretornou alguns poucos anos depois do acidente que levou Wesley Mason parauma vida diferente. Henry no considerava vida, mas Wesley nunca havia sesentido to vivo. Apesar de ainda muito atrapalhado com as atividades de

    vampiro novato, e apesar de no poder retornar a Graceland por vrios anos,ele nunca havia se sentido to bem. E, passados seis anos do seudesaparecimento, a cidade recebeu entre seus habitantes uma j conhecidamoradora. Heather, a filha de Gregory e Helena Cohen estava de volta, depoisde passar a adolescncia estudando em Montana, e de ter sido contratada comopesquisadora pela mesma Universidade na qual estudara, tendo tambmconcludo sua pesquisa de Doutorado. A Universidade de Montana, por razesdiversas, colocara Heather em terapia e uma psicloga decidiu que a jovemprecisava de uma licena. Teria um ano para ficar em casa e realizar trabalhos

    domiciliares. Se depois daquele perodo ela no estivesse curada, Heather seria

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    24/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 24

    reavaliada e a Universidade veria o que fazer com seu contrato de trabalho.Na verdade, ningum de Graceland sabia com certeza sobre a histria da

    garota, nem sabia sobre o lugar para onde ela fora quando criana. Foi muitorepentino, ela simplesmente foi levada, em uma noite, para longe de casa. Os

    rumores variaram desde fuga por um crime at gravidez precoce. Mas ela tinhaapenas doze anos, no parecia lgico que tivesse engravidado sem que umbeb aparecesse na histria.

    E ela estava de volta. Heather Jane Cohen no parecia a mesma, masningum se lembrava exatamente de como ela era. Os longos cabelos loirospareciam os mais longos de toda a cidade, e sua cor plida fez com que todospensassem que ela havia ficado totalmente reclusa por anos. Os olhos eramtransparentes, plidos como todo o resto de sua figura. Inexpressivos e azuis,

    como se fossem um pedao de mar calmo trazido por ela para a glida cidadenatal. Heather era ilustre simplesmente por ter conquistado mais prmioscientficos do que qualquer pessoa que os habitantes de Graceland podiamimaginar conhecer. Com seus vinte e cinco anos, Heather era um gnio dacincia, sabia tudo o que os reclusos moradores de Graceland nem imaginavamexistir. Tinha um dom que se desenvolvera nos anos em que passara estudando,utilizando-o para novas teorias e sistemas importantes.

    Mas era o ceticismo de Heather a sua grande virtude, no mundo da

    cincia. Ela no acreditava em cu e inferno, em bem e mal, em sobrenatural.Seus movimentos calculados e ritmados j indicavam sua postura diferenciada.Seu olhar parado e sem vida no era compreensvel. Ela escondia um universodentro de si, mas ningum jamais ousou tentar descobri-lo.

    Era noite e fazia frio. No havia muita diferena de todas as noites do ano,mas havia estrelas no cu e a lua prateada reluzia como se fosse um pendoiluminado. Heather estava sentada prxima sua janela, no sto, observandoum de seus muitos campos de trabalho. O telescpio ao lado e um bloco de

    anotaes meio esquecido por sobre uma almofada lhe faziam companhia.Heather era sozinha; naturalmente sozinha. No costumava ter amigos nemcom quem conversar enquanto estava na Universidade. Os astros eramsilenciosos, ela tambm se acostumou a ser. O olhar perdido no horizonteinfinito demonstrava que ela estava em paz. Naquele momento, ao menos, empaz. A respirao estava pausada. Involuntariamente, os olhos se fecharam e elavisualizou o negro interior de suas plpebras. Ela acabou por lembrar-se dealguns anos atrs, quando ela esteve na mesma condio, observando umaestrela nova, e da experincia daquela noite.

    Heather. Uma voz musical a chamou. Os olhos se abriram

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    25/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 25

    novamente, e ela franziu uma sobrancelha. A me no a teria interrompido,naquele momento. Era tarde demais para os pais caipiras estarem acordados.Heather no deu importncia ao chamado; ela deveria estar delirando comosempre. Era exatamente a mesma experincia. Heather...

    Outro chamado se sucedeu ao primeiro, e a mulher virou-se para o centrode seu quarto, um tanto contrariada. Parecia mesmo estar delirando, porque noescuro breu ela enxergou uma imagem iluminada. A luz no era muito forte,quase como a luz que provinha dos adesivos de planetas que estavam pregadosno teto. A imagem parecia fosforescente.

    Quem est a? A pergunta era estpida, e Heather sabia. Qualquercoisa que fosse significava que ela estava delirante e que aquilo no passaria deuma iluso projetada.

    Voc no me conhece, Heather. Mas eu venho aguardando o momentoem que falaria com voc h muito tempo.

    Como entrou no meu quarto? A ctica cientista no saiba por quedaria ouvidos voz dentro de si, mas ela o fez. O que voc deseja de mim?

    Eu sempre estive por aqui, Heather. Por qualquer lugar que voc jtenha estado, eu estive com voc. S nunca nos falamos, nem voc nunca menotou. Meu nome Mills. Eu sou um Anjo.

    Heather no resistiu em cair na risada. Um Anjo era uma definio ridcula

    demais. Tudo bem, ela pensou, que a pessoa brilhava mais do que purpurina aosol, mas aquilo no poderia dar a ningum o status de Anjo. E Anjos noexistiam. E ainda, se existissem, no estariam gastando tempo falando comHeather. Ela se sentia tudo com o que um Anjo no poderia se relacionar.

    Tudo bem, e eu sou a Rainha Me. Heather levantou-se, caminhandolentamente em direo figura reluzente. Vamos, quem voc? Alis, o que voc? O que deu em mim para projetar uma figura brilhante na madrugada?

    Imaginei que teria dificuldades para fazer voc acreditar em mim, mas

    eu sou um Anjo, Heather. Fui designado para tomar conta de voc enquantovoc vivesse no mundo terreno. Sim, sei. Heather continuou se aproximando. A luz ficou mais forte, e

    ela quase no conseguia olhar para o ser. E diga-me, o que fiz eu paramerecer ter um Anjo s para mim? Voc meu Anjo da guarda?

    Todos os humanos tm protetores. A voz suave causava calafrios emHeather. Mas voc especial, por isso eu estou aqui.

    A garota levou sua mo esquerda at a claridade e tentou tocar a imagem,porm sem sucesso. Seus dedos passaram pelo emaranhado de luz como se ali

    s tivesse ar. Suas sobrancelhas se arquearam em surpresa, e ela torceu seus

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    26/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 26

    lbios em um bico. A imagem que estava em sua frente no parecia ser real.Heather esfregou os olhos por alguns breves segundos, piscou vrias vezes eolhou para frente. Mas sua viso ainda estava turva pela luz que emanava dafigura inconstante.

    O que voc, afinal? S posso estar ficando doida, eu estou dormindo?No, eu tenho certeza de que estou acordada, ento s posso estar tendo outrosurto psictico.

    Heather, voc no precisa acreditar em mim agora, mas precisa saberque eu existo. Precisa saber quem voc e por que voc voltou a Graceland,depois de tanto tempo. Para tudo h uma explicao, Heather. E voc precisasaber de tudo antes que acontea.

    A imagem reluzente desfez-se inesperadamente diante de Heather. Ela

    arregalou os olhos e piscou mais vezes, mas a luz se fora. Sacudiu a cabea,olhou em volta, mas da mesma forma que a imagem apareceu ela desapareceu,como se fosse vapor no ar. E pior, deixando algo inacabado. O que afinalHeather precisaria saber, e o que iria acontecer que parecia to importante naspalavras da entidade? Respirao acelerada, Heather tateou pela escurido doquarto at achar as chaves do seu carro e correu para a garagem, tropeando emtapetes e batendo o quadril em todas as quinas existentes na casa. Sem apreocupao de acordar algum ou se parecia uma maluca correndo pela casa

    quela hora, Heather ligou o motor do carro e pressionou o acelerador comfora, deixando que o veculo a tirasse dali o mais rapidamente possvel.Eu no estou doida... no estou mais. Ela se repetia, enquanto se afastava

    cada vez mais de Graceland. A estrada estava to escura quanto seu quarto, e sa lua continuava a segui-la. A cidade havia ficado para trs, mas Heather aindaparecia ansiosa. Suas mos comprimiam inutilmente o couro preto do volantedo pequeno Audi, e seu corao ainda no havia retomado as batidas normais.Heather dirigiu sem rumo por mais de quarenta minutos, at que decidiu parar

    seu carro no acostamento.Eu l sou especial; como poderia ser especial? Eu estou paranica, issosim. (paranica ainda leva acento...) A garota abriu a porta e desceu do carro,pretendendo tomar um pouco de ar. Seus pulmes pareciam prestes a explodir,como se o ambiente ao seu redor estivesse inspito vida humana. Heatherdeixou que sua cabea pendesse para cima do cap do carro enquanto seusbraos se estenderam por sobre ela, as mos pressionando a nuca com algumafora. Respirou lentamente por vrios segundos, at que uma voz masculinaecoou em seus ouvidos.

    Precisa de ajuda?

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    27/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 27

    Heather pulou para trs e virou-se empurrando as costas contra o carro.Acuada, encarou a origem da voz, imaginando se no seria outra figurailuminada que se dizia vinda do Paraso. Mas era s um homem. Um homemmuito bonito, que a fez questionar o que um homem estaria fazendo sozinho

    quela hora, naquele lugar. Talvez o mesmo que ela. Talvez ele morasse por ali.Heather sempre fazia perguntas demais e tinha todas as respostas.

    Est tudo bem. Ela disse, ainda desconfiada. O rapaz se aproximou, eela percebeu que ele parecia jovem demais. E branco demais, como se a luaestivesse refletida em sua face. Eu s parei porque... Eu no sei por que parei.Mas o carro est bem. Eu estou bem.

    As palavras a atropelavam com violncia. O rapaz lhe sorriu, e dentesbrancos brilharam na escurido da noite.

    Sou Wesley Mason, tenho uma estalagem h poucos metros para dentroda floresta. Voc mora por aqui? - Ele franziu o cenho.

    Em Graceland. Heather confessou. Mas passei anos fora, retorneiagora. Cus, por que estou contando isso para um desconhecido.

    Est tudo bem. Wesley aproximou-se. Heather acuou-se mais. Sevoc quiser ir at minha estalagem, posso oferecer-lhe algo para beber.

    Wesley olhou profundamente nos olhos de Heather, que pareciahipnotizada. Seus olhos azuis transparentes se abriram em assombro pela

    proximidade daquele homem totalmente diferente de todos os outros que ela jsonhara conhecer. Ele sorriu e levantou as mos para toc-la. Heather puloupara trs como um animal, pretendendo alcanar a porta do motorista. Wesleycolocou-se entre a mulher e o carro, ligeiramente confuso. Eram anos deinexperincia e de desastres durante a alimentao, mas enfeitiar ele sempreconseguira com alguma maestria. Henry chegou a elogi-lo diversas vezes. Elano deveria estar mais resistindo a ele.

    Pretendo voltar para casa. Heather disse, sem saber direito se temia

    aquele rapaz. Ele no parecia que faria mal a ela, apesar de sua atitudecompletamente contraditria. Vou poder? Voc no quer ir comigo? Ele arriscou outra vez. No, pode ficar para outra hora.Naquele instante, Wesley poderia escolher. Ele poderia deixar que Heather

    se fosse, uma vez que ela no sabia de nada comprometedor, ou poderiadevor-la ali mesmo. Poderia deix-la partir e voltar para Graceland, mas umalerta vermelho piscou sobre sua cabea. S haviam se passado seis anos. Eleainda era um nome para Graceland. Se a garota espalhasse para algum que

    havia sido molestada por um tal de Wesley Mason que era dono da estalagem,

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    28/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 28

    as pessoas saberiam. No que ele era um vampiro, mas que ele estava por ali. Eelas descobririam. As pessoas sempre descobriam tudo; elas sempre sabiam oque no deviam saber. A escolha no parecia to difcil. Ele teria que elimin-la,ou insistir em enfeiti-la. Alguma coisa tinha que acontecer, mas liber-la no

    parecia a melhor opo.E foi o que Wesley decidiu fazer. No auge de sua inexperincia, ele

    arriscou. Olhou novamente dentro dos olhos de Heather, que no esboounenhuma indicao de que aceitara sua influncia. Sem ver sada possvel,Wesley avanou por sobre Heather, que no era forte o suficiente para impedi-lo. Os humanos nunca seriam preos para a fora de um vampiro, e Wesley forabem treinado quanto a isso. Em poucos segundos, ele havia feito Heathersucumbir, jogando-a por sobre o cap do carro e cravando suas presas na

    jugular que pulsava freneticamente. A mulher gritou, mas o som de sua voz noseria ouvido em meio ao nada. A situao parecia, ento, sob controle. WesleyMason se alimentaria de Heather, deixando depois seu corpo pela estrada,imputando a culpa para outro animal qualquer.

    Isso seria o lgico, para um vampiro. Mas o que se sucedeu ultrapassou arazoabilidade para seres mitolgicos. Menos de um minuto aps comear aalimentar-se de Heather, Wesley enfraqueceu-se e foi facilmente afastado pelasmos insistentes da garota, que, antes, tentavam inutilmente faz-lo parar. O

    vampiro cambaleou para trs e caiu sentado no cho, o olhar apavorado e asduas mos segurando a garganta. Heather levou uma das mos ao pescoo, masa ferida apenas deixou escorrer uma pequena quantidade de sangue at fechar.Wesley se contorcia no cho, em agonia, como se alguma coisa o estivessesufocando. Era um contrassenso, j que vampiros no deveriam poder sufocar.Eles tecnicamente j estavam mortos.

    O que voc? Heather gritou, entrando no carro e tentando darpartida no motor. Ah, agora no me diga que serei protagonista de uma

    daquelas cenas clichs de filmes em que o carro no pega na hora maisimportante! Que coisa mais clich, pensei que minha vida fosse imune a essetipo de coisa!

    Voc no pode ir. Wesley urrou em meio agonia. O carro noligava, e ele continuava rolando no cho, segurando a garganta. Heather nopodia mesmo ir embora, ento simplesmente trancou o carro imaginando queestaria segura. Aquele que estava no cho no parecia que lhe faria mal.

    O que voc? Ela insistiu na pergunta, mas Wesley no estava apto aresponder, ento.

    Ele um vampiro. Outra voz se fez ouvir, e daquela vez Heather

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    29/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 29

    sentiu pnico. A face distorcida de Stuart estava dentro de seu carro. As presasexpostas e o horror estampado em seu olhar fizeram com que a garota gritassedesesperadamente, mesmo sabendo que ningum a ouviria. Os dois vampirospressentiram que algo estava errado com Wesley e apareceram em seu auxlio.

    Henry correu para socorr-lo enquanto Stuart se incumbiu de eliminar Heather.Ou no.

    No toque nela! Henry deu a ordem, antes que Stuart conseguisseavanar.

    Ah... Henry, agora no!! Voc no vai mesmo me impedir de fazer isso,afinal ela ... ela fez... o que ela fez com o Wes, afinal?

    Stu, ela o envenenou. Henry levantou, com o vampiro mais novo emseus braos, ainda em agonia. Precisamos resolver isso, leve-a para a

    estalagem agora. Voc ficou louco? Stuart bateu na testa com a palma da mo. Stu, no discuta! Ela envenenou Wesley, tem alguma coisa muito

    errada... no toque nela, ou voc vai acabar como ele. Vamos, tranque-a naestalagem, eu preciso lev-lo a um lugar.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    30/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 30

    CAPTULO 4

    Inumano

    Mesmo contrariado e detestando ter que obedecer a Henry, Stuart decidiufazer o que lhe foi dito. Arrancou Heather do carro e a jogou em seu ombro.

    Caminhou lentamente at a estalagem, enquanto a garota esperneava e socavasuas costas, gritando por socorro. Ningum a ouviria, mas ela no se renderia.Heather no tinha o hbito de desistir ou de sucumbir s adversidades. Elaenfrentava qualquer coisa que cruzasse seu caminho, mesmo quando issosignificasse algo alm de sua compreenso. Stuart j estava farto da garotaquando chegou em casa e pode jog-la no poro. Livrar-se dela foi um alvio.Por alguns minutos, Heather tambm socou o alapo pelo qual fora jogada,mas ningum a atenderia. Stuart considerou se no devia mat-la, mas aomesmo tempo em que adoraria esquartejar aquele ser que s gritava, ele temiaque alguma coisa estivesse mesmo errada. Henry poderia, afinal, estar com arazo.

    O vampiro mais velho chegou estalagem mais de trs horas depois doocorrido. Tudo j estava silencioso novamente, e Stuart assistia televiso. Nohavia sinais da garota que causara toda aquela comoo entre os vampiros. Aapreenso de Stuart era visvel, mas a irritao havia passado. A curiosidade emsaber o que havia sucedido com Wesley era maior do que a vontade deexterminar humanos intrometidos. Porm Henry chegou sozinho, com o cenho

    franzido, o olhar baixo e uma aparncia de desolao. Havia um pouco desangue em seu colarinho, denotando que algo estivera muito errado. Henrynunca tinha manchas em suas vestes; ele estava sempre impecvel.

    Onde est o novato? Stuart arregalou os olhos ao ver Henry cruzar asala.

    Deixei-o com Madame Cambridge. Henry sentou-se em sua poltronafavorita, olhar concentrado. Onde est a garota?

    No poro. Finalmente ficou quieta, deve ter morrido de tanto gritar. Mas

    diga... Wesley? Ele foi mesmo envenenado. Henry explicou. Madame Cambridge

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    31/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 31

    deu a ele um elixir, aqueles encantamentos que s ela mesma sabe fazer.Medicina para vampiros, voc sabe. Ele vai ficar bem, est l para ser observadoat amanh. Passar o dia l, exatamente isso.

    Como ele foi envenenado? Que situao mais esquisita! O que pode ter

    de to ruim no sangue dessa peste? Stuart cerrou os punhos, demonstrandoirritao. Foi o sangue dela, no foi? O que mais poderia ter causado isso emWesley?

    Acalme-se, Stu, precisamos ser lgicos. Humanos no podem envenenarvampiros. biologicamente impossvel. O sangue deles pode nos ser mais oumenos apetitoso dependendo da pessoa, mas nunca poderia nos fazer mal.

    Ento o que aconteceu exatamente essa noite? Considerando que a garota no tenha ministrado nada que possa ter

    feito mal a Wesley, e considerando que nada que ela pudesse ministrarefetivamente faria mal a ele, s podemos supor que Wesley no bebeu sanguehumano.

    Fez-se silncio na estalagem. Stuart no conseguiu replicar Henry, sequerpara questionar o que ele bebeu, afinal? Sua expresso de confuso eravisvel, e a simples mudez era sinal de que ele no tinha entendido nada, masno estava com coragem para perguntar. Henry coava o queixo, pensando emdiversas possibilidades. O desconhecido lhe era fascinante, mas quando o

    desconhecido colocava sua espcie em risco, o estudo ficava mais complexo. O que voc quer dizer exatamente com isso? Stuart conseguiuformular uma questo que no levasse Henry a um labirinto de informaes.Deix-lo explicar livremente, era a opo. Se ela uma humana, e se foi elaque Wesley bebeu, como poderia...

    Stuart calou-se novamente. Sua boca se entreabriu em nova expresso deassombro.

    Acho que voc acaba de responder sua prpria pergunta, Stu. Henry

    deu uma risada baixa. Mas como! Ela no um vampiro, Henry! Eu teria percebido, o cheiro;se ela no fosse humana, como Wesley teria se enganado?

    No somos os nicos seres mticos que existem, egocntrico! Ovampiro mais velho levantou-se. Eu j vi de tudo, quase tudo. H muito maiscoisas que voc desconhece desse mundo, Stu. Existem muitas outras espciesespalhadas por a, to escondidas como ns.

    Mas ela tem aparncia humana! Stuart insistiu. E ns tambm. Bem, preciso falar com ela. Tenho que descobrir o que

    ela , e como lidaremos com a situao.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    32/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 32

    Henry caminhou at o poro, enquanto Stuart decidiu montar guarda atrsdele. A garota poderia tentar fugir, e se ela no era humana, podia ter algumpoder que eles desconheciam. Stuart era facilmente impressionvel comalgumas situaes, e podia-se dizer que conhecer outro ser mtico, diferente de

    si, era uma delas. Henry abriu o alapo e desceu as escadas bem devagar,tentando no fazer movimentos bruscos. Deixou a luz desligada, enquanto seusolhos capturavam a imagem da garota sentada no cho, rosto afundado entre osjoelhos. Ele no conseguia v-la direito, apenas percebia sua silhueta no breuno poro.

    O vampiro torceu os lbios e se aproximou. Ele no costumava seincomodar em abordar os humanos, mas aquela garota no era humana. Eleacreditava naquela hiptese porque no parecia possvel qualquer outra

    explicao. Ol. Henry tentou iniciar um dilogo. Voc est bem? Quem voc? A garota subitamente mudou de posio, encolhendo-

    se ainda mais no canto da parede e encarando Henry. Ele mal podia enxerg-la,mas pode notar seus olhos brilhando sob a luz fraca da lua, que penetrava poruma pequena janela de vidro. O que voc quer de mim?

    Meu nome Henry Austin. Eu imagino que j tenha percebido o quesou; o que somos.

    Eu no percebi nada. Ela no quis olhar diretamente para ele. Oque eu vi no existe, vampiros no existem. Heather mantinha sua posiode defesa, enquanto relembrava da imagem aterrorizante de Stuart dentro de seucarro, dizendo-lhe o que Wesley era. O que voc quer de mim? Eu no tenhodinheiro, minha fama estpida, eu sou s uma...

    Acalme-se. Henry a interrompeu e aproximou-se dela alguns passos;Heather retraiu-se mais. Ele decidiu parar. Eu no quero seu dinheiro, no seiquem voc . E, se vampiros no existem, pode ter uma explicao melhor para

    o que aconteceu agora, na estrada?Heather ficou em silncio. Ela no tinha explicao alguma, para nada. Elas sabia que lendas no caminhavam pela noite abordando garotas solitrias.Aquele comportamento era perfeitamente humano e combinava com ummanaco. Psicopatas, era com o que ela estava lidando. Um bando depsicopatas, talvez assassinos em srie. Possivelmente estupradores.

    Como voc se chama? Henry prosseguiu. Voc no sabe mesmo quem eu sou? Heather ficou confusa. Ela

    imaginou, inicialmente, que se tratava de um sequestro. Era lgico,

    considerando que meia Graceland achava que ela tinha muito dinheiro

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    33/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 33

    escondido. Mas nada devia ser lgico naquela noite, em que ela tinha recebidouma entidade brilhante em seu quarto.

    Se soubesse, no teria te trancado em um poro. Henry sorriu, masHeather no pode ver.

    Ento melhor assim, que no fique sabendo. Poderia, ao menos, me dizer o que voc ? Henry quis aproximar-se

    mais, mas ela sempre parecia prestes a fugir. Ele no queria acu-la. Como assim, o que eu sou? Uma garota? Voc se parece com uma, sim, verdade. Mas eu preciso saber o que

    voc . Que tipo de psicopata voc, afinal? Isso tortura psicolgica? Veja

    bem, eu sou uma cientista. No me envolvo em jogos mentais, ento pule essa

    etapa, por favor. Ora vejam. Henry surpreendeu-se. Voc no sabe o que . Isso no foi uma pergunta. Heather torceu os lbios. Claro que no, foi uma constatao. Eu imaginei que voc tivesse

    cincia de que no humana.Heather deu uma risada. A conversa tomara um rumo inesperado. Ela no

    costumava temer bandidos ou infratores da lei, nem mesmo os mais perigosos.No tinha medo, e aquela atitude sempre a expunha a situaes limite. Mas

    aquele manaco no parecia que lhe faria mal imediato, ento Heather acabouse envolvendo com o assunto que parecia to ilgico quanto tudo que estavaacontecendo naquela noite.

    Cus, eu preciso acordar. Ela levantou-se e colocou as duas mos nacabea, pressionando o lobo temporal com fora. Eu preciso acordar, e temque ser agora. muita coisa para uma noite s. Primeiro eu vejo um Anjo emmeu quarto, depois sou atacada pelo manaco mais atrapalhado que existe; eagora estou dialogando com um vampiro que me diz que eu no sou humana!

    O que isso; a natureza se vingando do meu ceticismo? S pode ser, estousendo castigada por ser to descrente. Desculpe-me, mas voc no est dormindo. Henry ergueu uma

    sobrancelha. Entendo que esteja confusa, deixarei que pense por mais algumtempo. Quando estiver preparada para conversar comigo, podemos retomar deonde paramos.

    O vampiro virou-se para a sada, com a inteno de sair. Ele no iriapressionar Heather, principalmente porque ele percebeu que ela no sabia doque ele estava falando. A confuso da garota no parecia uma forma de

    proteo, mas ignorncia plena sobre seu estado. Mas a garota desesperou-se ao

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    34/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 34

    ver que ficaria sozinha novamente no poro. Heather no costumavadesesperar-se por nada, mas naquele instante ela teve vontade de pular sobreHenry e implorar para que ele a deixasse sair dali. Algo entre o cheiro de mofoe a poeira a perturbava.

    Vai me deixar trancada aqui? Ela tentou no demonstrar tantasemoes, mas era difcil.

    No posso arriscar que voc fuja. Ele disse, sem virar-se. Eu no vou fugir! Promessas falsas feitas no cativeiro nunca poderiam

    ser vlidas. Eu s quero sair daqui, estou com fome, j deve estaramanhecendo!

    Realmente, por isso preciso deixar voc aqui. No terei como tomarconta de voc enquanto o sol estiver brilhando no cu.

    Henry subiu as escadas e abriu o alapo. Heather pensou em atirar-se porsobre ele e tentar fugir, mesmo suspeitando que fosse um movimento intil. Elano sabia se devia agir pautada na razo, e seguir os ensinamentos que via nateleviso sobre nunca reagir em situaes como aquela; ou se deviasimplesmente deixar a emoo lhe dominar os sentidos. As pessoas, dominadaspela emoo, costumavam ser mais fortes, mais difceis de abater. Em umarroubo de inconscincia, enquanto seu crebro estava na zona cinzenta que sesitua entre a razo e alguma outra coisa, Heather moveu-se rapidamente em

    direo a Henry, passando por ele e alcanando a luz do lado de fora doalapo.Mas ela jamais seria exatamente mais rpida do que ele. Antes que Heather

    pudesse sair do poro, foi segura por dedos fortes que lhe comprimiram a carnecom violncia. Seu corao saltou uma batida ao olhar para quem a segurava ever a face completamente transtornada do vampiro. As presas expostas lheencheram o campo de viso, e o urro de irritao fez doer seus ouvidos.Heather fechou os olhos, certa de que daquela vez iria morrer, e at considerou

    se devia fazer uma orao. Ela nunca acreditou na existncia de um Deus, eno parecia razovel pensar em cu e inferno naquele momento.A morte comeou a ficar lenta demais. Heather esperava uma dor

    dilacerante, seguida por uma paz incomum. Mas nada aconteceu. Ela apenascontinuava sentindo os dedos que lhe causariam hematomas no dia seguinte, enada mais. Nem a respirao bufante de um homem enraivecido, nada. Agarota abriu um olho bem devagar, e surpreendeu-se com a face serena deHenry que a encarava. Heather abriu os dois olhos para ter melhor visodaquele que antes lhe falava. Por alguns instantes, ela se sentiu anestesiada. A

    pouca dor sentida por estar suspensa do cho cessou, enquanto todas as luzes

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    35/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 35

    do ambiente pareciam estar dirigidas para o olhar de Henry. Ela poderia gritar,mas no quis. No havia nenhum resqucio do terror de alguns segundos atrs.

    Voc no pode sair. Henry disse, pausadamente, controlando-se. Oautocontrole sempre foi uma caracterstica bem marcante em si, e ele detestava

    perd-lo. Eu disse, voc no vai sair. intil resistir.Heather continuou muda. Henry a manteve no ar, olhando dentro de seus

    olhos. Ele nunca tinha visto tanto azul. Nem Stuart era to branco quantoHeather. Ela parecia realmente inumana, ele no entendia como Wesley nohavia desconfiado de nada. A beleza da garota no era natural.

    Precisa de ajuda? Stuart falou, ainda sentado na sala de televiso. Est tudo bem, Stu. Faa-me um favor, veja se temos comida em casa. Comida? O vampiro no entendeu.

    Sim, comida; qualquer coisa que os humanos comam.Stuart levantou-se blasfemando, enquanto Henry decidiu colocar Heather

    no cho. Seu corpo estava entre ela e a passagem, sendo impossvel que agarota tentasse escapar outra vez. Ele a observava ainda, os olhos negros maissuaves.

    Desculpe-me. Henry disse, em pleno controle de seu temperamento. Eu no pretendia assust-la. Mas voc tentou fugir, e precisei agir.

    Henry, s tem leite azedo na geladeira! Stuart gritou, de onde estava.

    Para que voc quer comida? Voc pode sair para comprar algo? Henry perguntou. Ainda faltaalgum tempo at o amanhecer.

    E desde quando eu sou seu empregado? Stuart apareceu ondeestavam os outros dois. Seus lbios se franziram ao ver a garota fora do poro. Ah, imaginei que voc estivesse brincando com a garota. Para que voc quercomida? Ele insistiu na pergunta.

    Ela tem fome.

    Vai aliment-la? Stuart fez uma careta. Deixe que morra de fome!Se no podemos mat-la, melhor que morra de causas naturais. No quero mat-la, Stu. Henry virou-se para o amigo, dando as

    costas para Heather. No pretendo machuc-la, gostaria de entender o queela . Amanh noite conversaremos mais, teremos tempo para isso. Mas novou deix-la morrer de fome, cruel.

    Voc deve ser o vampiro mais chato de todos. Stuart resmungou. Se quer aliment-la, v voc comprar comida. Eu estou assistindo ao Baywatch.

    Henry revirou os olhos. Ele devia saber que o amigo no seria to gentil

    com a garota. Depois de devolv-la para o poro, mesmo contra sua vontade, e

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    36/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 36

    trancar o alapo, Henry saiu para comprar provises humanas. A garotapoderia no ser completamente humana, mas sua formao fsica era bemsimilar. Ela disse que tinha fome, e como acreditava ser humana, ele esperavaque ela comesse tudo que os humanos comem. Sem poder rodar muito, ele

    precisou ir a Graceland e comprar qualquer coisa em uma loja deconvenincias abertas durante vinte e quatro horas. E ele nem sabia direito oque comprar, considerando a sua pouqussima convivncia com os humanos.

    O vampiro retornou para a estalagem quando o cu j comeava a clarear.No parecia que haveria sol naquele dia, mas Henry no queria arriscar. Aexposio ao sol poderia ser letal e afastado de casa ele no teria ajuda. Nemousaria expor os amigos a algo como aquilo. Stuart j estava quase preparadopara recolher-se quando Henry atravessou a porta da estalagem, fechando-a

    firmemente com um cadeado. Invasores? Stuart riu. No. Ajuda-me a trancar todas as janelas e portas? Todas? Stuart bateu a palma da mo na testa, aquele gesto

    caracterstico seu. O que est havendo, um tornado? Vou colocar a comida na cozinha, e soltar a garota. Voc bebeu sangue contaminado? S pode, ou ento a garota tem o

    poder de enfeitiar vampiros.

    Stu, vai me ajudar ou vai ficar me criticando?O vampiro mais jovem rosnou, porm decidiu sucumbir ao pedido doamigo. Com um movimento de ombros, subiu as escadas da estalagem paraverificar quarto por quarto, e garantir que estava tudo bem selado.

    Henry, veja ao menos se coloca um cadeado em cada porta. No queroter que perseguir essa coisa quando acordar, sim?

    Os dois vampiros lacraram cada canto da estalagem que pudesse serutilizado como rota de fuga para a garota. Ela poderia ficar ali e somente ali.

    Com o dia os expulsando para a clausura, Henry foi at o alapo e odestrancou. Sem descer as escadas, porque no teria tempo, gritou de l decima algumas instrues.

    H comida na geladeira. Sirva-se vontade, no vamos participar darefeio. Estarei dormindo durante o dia, sugiro que faa o mesmo. Quandoacordar, conversaremos mais.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    37/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 37

    CAPTULO 5

    Reconhecimento

    Heather demorou a se conscientizar de que estava solta. Ao menos no estavamais confinada ao poro. Quando alguma luz do dia penetrou pelas pequeninas

    janelas de vidro do lugar onde estava, ela pode se dar conta do espao queocupava. O poro parecia muito antigo, e as peas que estavam ali no eramlimpas h anos. A poeira j fazia parte integrante da matria de alguns mveisvelhos. A garota levantou-se e caminhou pela extenso diagonal do poro, queera muito grande, at alcanar o alapo. Ela tinha ouvido Henry falar, mas noprestou ateno no que ele dissera.

    Para sua surpresa, o alapo estava destrancado. Heather abriu a portinholabem devagar, tentando no fazer barulho algum, e moveu seu corpo pelo voat alcanar o lado de fora. A claridade do dia incomodou seus olhos, que logose acostumaram. No havia sol brilhando no cu, como era de se esperar. Agarota se viu solta, sem ningum por perto. Deu alguns passos temerosos emdireo a nada, para ver se algum a interpelava. Olhou em volta sem prestarateno, tentando imaginar como fugiria dali. Sua respirao acelerou, seucorao disparou e Heather iniciou uma corrida frentica de janela em janelaem busca de um lugar para fugir.

    As portas e janelas do andar inferior estavam trancadas, e muito bemtrancadas. Heather sacudiu as estruturas de madeira, j bem antigas, fazendo

    um barulho ensurdecedor que no chamaria a ateno de ningum. Tentouarrebentar um cadeado com alguma coisa que achou na cozinha, mas sconseguiu cortar o dedo indicador direito. O sangue escorria pela moenquanto ela ainda tentava abrir a porta da frente, inutilmente. Ao passar pelasala, Heather deparou-se com a lareira. Chegar at a boca da chamin nodevia ser to difcil, mas havia a proteo de grades. E o telefone, que estavaexposto sobre uma mesinha, no tinha linha.

    Estou em um cativeiro! Heather considerou, enquanto seus ps a

    conduziam para o andar de cima. Ela nem imaginou onde estariam seuscaptores; ela s sabia que eles no estavam ali e aquilo era mais do que

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    38/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 38

    suficiente. O segundo andar no estava menos trancado do que o trreo.Heather foi de quarto em quarto e no encontrou nenhuma madeira fora dolugar. Cansada e com muita fome, a garota se sentou em uma cama no ltimoquarto do grande corredor e repousou a face na palma das duas mos. O

    sangue coagulado manchou suas bochechas muito plidas. Sua respiraoestava lenta novamente e ela parecia que iria sucumbir ao sono, mas uma luzinconstante clareou o ambiente.

    Voc! Heather deparou-se com a imagem incandescente da noiteanterior. Daquela vez era mais fcil enxerg-la, porque estava claro. A luz daimagem no era to inconveniente assim. Heather pode notar o manto roxo porcima da imagem transparente da pessoa que acabara de entrar pela porta doquarto.

    Bom dia, Heather. No poderia ser bom, no acha? Heather reclamou. Estou

    prisioneira aqui, se no percebeu. Claro que percebi. Eficientes, esses... Esses? Vampiros. A imagem contraiu a face, como se a palavra lhe causasse

    asco. Ah, sim, claro. Heather deu de ombros. Diga-me, eu estou em

    coma? Eu sofri um acidente terrvel e entrei em coma, e ento todas as lendasda minha infncia se tornaram realidade? Vou encontrar lobisomens e ogrostambm?

    No sei como ainda tem foras para ser to sarcstica, Heather. Avoz da imagem era aguda, mas severa. Voc est em maus lenis aqui.

    E voc, como meu Anjo no deveria me proteger? Eu a protejo. Mas no posso fazer muita coisa com eles. So vampiros,

    eu no posso nem entrar na casa; se voc no percebeu, voc est me vendo e

    eu no estou aqui. Considerando tudo que aconteceu durante a noite, ver algum que noest presente at natural. Heather despejou mais sarcasmo.

    Voc se meteu em uma encrenca, mas parece-me que eles no queremlhe fazer mal.

    Ah, e voc sabe disso porque seu amplo conhecimento sobre seresmitolgicos...

    Sei disso porque vampiros no mantm humanos cativos. A imageminterrompeu. Eles se alimentam e os descartam. Se voc foi mantida,

    porque eles no querem te matar.

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    39/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 39

    Ele disse que eu no era humana. Heather recolocou a face por sobreas palmas, visivelmente cansada.

    E voc no . A confirmao j era esperada. Ele no sabe o que eu sou. A voz da garota estava fraca. O que

    injusto, j que eu sei o que ele . Eu no sei o que eu sou, o que ainda maisinjusto, considerando uma perspectiva dessa noite absurda.

    Heather, voc um hbrido. A imagem aproximou-se, e Heatherelevou a face mais uma vez. Voc parte anjo e parte...

    Humana? No, nada exatamente humano. Hum. Pensei que seria algo estilo Harry Potter. Quem? A imagem ergueu uma sobrancelha.

    Esquea, uma histria de fantasia. Como essa que estou vivendo poralgumas horas, s que a personagem principal no est em coma.

    Nem voc, Heather. Voc um hbrido, e sua metade Anjo que me faztomar conta de voc. Mas voc tem tanto dos humanos, foi criada entre eles.Mas isso no vem ao caso, afinal voc no acredita em nada disso, no ?

    E eu tenho opo? Heather protestou, sem foras. Ou eu admitoque toda essa loucura verdade, ou eu estou vivendo o meu pior pesadelo eno consigo acordar. Voc vai me tirar daqui?

    Eu no posso, Heather. A imagem flutuante sorriu. Heather deixouseu corpo cair por sobre a cama, e encolheu as pernas em uma posioconfortvel. Estava cansada, muito cansada. Durma um pouco, eu voltarei afalar com voc depois.

    A imagem se desmaterializou novamente, como fizera na noite anterior.Heather no viu nada daquela vez, seus olhos j estavam fechados e ela jestava dormindo. O dia passaria sem qualquer acontecimento importante naestalagem. J em Graceland, a cidade entrou em alerta pela possibilidade do

    desaparecimento de Heather. Como o carro tambm havia sumido, inicialmentetodos pensaram que ela teria sado e ido para algum lugar. E ningum chegou aencontr-lo, pois Henry, aps levar Wesley para a curandeira, tratou deesconder o veculo antes de retornar. Ento os moradores da pequena cidadegelada acreditavam que a garota estava apenas passando algum tempo afastada.Esquisita, como era rotulada. Os esquisitos desapareciam vez ou outra, semdeixar vestgios.

    Quando a claridade desapareceu praticamente e o sol no era mais uminconveniente, os vampiros deixaram suas clausuras para iniciarem a noite. Por

    sorte, Graceland era sempre cinzenta e estava ainda mais cinzenta naqueles

  • 8/13/2019 O Segredo de Esplendora - A Origem (livro 01)

    40/52

    Tatiana Mareto Silva / A ORIGEM / 40

    dias sombrios. O clima no havia melhorado muito desde a transformao deWesley. Alguns diziam que era a inverso climtica, outros que era culpa dapoluio. A verdade que a cada ano Graceland parecia mais imersa naescurido, e aquilo certamente atrairia vampiros para a regio. Henry no

    deixava de preocupar-se, porque vampiros sedentos demais poderiam atrapalharsua pacfica estada no lugar.

    A primeira coisa que Stuart fez foi percorrer o andar trreo da estalagemem busca da garota. Ele ainda no tinha ace